UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ESTUDOS EM LINGUÍSTICA TEÓRICA E DESCRITIVA THAÍS SANTOS NÓBREGA VIEIRA GRAÇA (DES)USOS DO CLÍTICO EM ORAÇÕES COM VERBOS PRONOMINAIS NATAL - RN 2016 THAÍS SANTOS NÓBREGA VIEIRA GRAÇA (DES)USOS DO CLÍTICO EM ORAÇÕES COM VERBOS PRONOMINAIS Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos da Linguagem - PPgEL, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na área de concentração Estudos em Linguística Teórica e Descritiva, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem. Orientador: Prof. Dr. Edvaldo Balduíno Bispo NATAL - RN 2016 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Graça, Thaís Santos Nóbrega Vieira. (Des)usos do clítico em orações com verbos pronominais / Thaís Santos Nóbrega Vieira Graça. - 2016. 88 f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, 2016. Orientador: Prof. Dr. Edvaldo Balduíno Bispo. 1. Língua portuguesa - Verbos. 2. Língua portuguesa Pronomes. 3. Funcionalismo (Linguística). I. Bispo, Edvaldo Balduíno. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 811-116.3 VIEIRA GRAÇA, Thaís Santos Nóbrega. (Des)usos do clítico em orações com verbos pronominais. 88f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem). UFRN/PPgEL: Natal-RN, 2016. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________ Prof. Dr. Edvaldo Balduíno Bispo Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Orientador ______________________________________________________ Profa. Dra. Maria Angélica Furtado da Cunha Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Examinadora interna ________________________________________________________ Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN Examinador externo Natal-RN, 27 de outubro de 2016. Ao meu avô Aluízio, para quem eu era a “estrelinha” e que, para mim, continua a brilhar acima de nós. À Carolina, com todo amor, por tornar minha existência mais doce a cada dia. AGRADECIMENTOS Ao José Pedro, pelo amor, pelo companheirismo, pelos sonhos compartilhados. Aos meus pais, Paulo e Gracinha, por todo o amor, carinho, cuidado e incentivo ao longo de minha vida. À minha professora de redação e literatura Ana Catarina, educadora e amiga, que me acompanhou, incentivou e inspirou desde a quinta série do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio a seguir o caminho das letras. Ao meu orientador, Professor Edvaldo Balduíno Bispo, pelo exemplo de profissional dedicado e por toda a compreensão demonstrada ao longo deste trabalho. Às professoras Ana Macário Lopes e Ana Paula Loureiro, ambas docentes da Universidade de Coimbra, por me fazerem mudar o rumo e direcionar as velas à pesquisa em linguística. Ao Wagner, à Ori e ao Pedro Gil, por serem minha segunda família. Às amigas Ana Cândida, Lúcia Miranda, Cláudia Soriano, Mariana e Fernanda Gurgel, por partilhar a infância e pela amizade de sempre. Aos amigos da Chaparrause, por todos os momentos de descontração proporcionados. Aos colegas da base de pesquisa Discurso & Gramática, em especial a Sara, Aline, Beatriz, Fernando, Líneker e Cleide, pela troca de experiências. Aos colegas e professores da Licenciatura em Português, da Universidade de Coimbra, da Licenciatura em Letras na UFRN e do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da mesma instituição, pelas contribuições proporcionadas à minha formação acadêmica. Aos professores presentes ao Exame de Qualificação, Professora Doutora Maria Angélica Furtado da Cunha e Professor Doutor Marcos Costa, pela leitura atenta e pelas sugestões dadas ao texto preliminar desta dissertação. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, pelo apoio financeiro concedido a esta pesquisa. A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa. Uma didática da invenção (…) VII No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que pegar delírio. "O Livro das Ignorãnças" de Manoel de Barros RESUMO O presente trabalho investiga (des)usos do clítico em orações com verbos pronominais, tendo em vista a identificação de possíveis motivações para a recorrência ao uso ou não desse pronome. Tem por objetivos (i) aferir a frequência de uso e de ausência do clítico em orações com verbos pronominais; (ii) verificar os tipos semânticos dos verbos que ocorrem na oração com verbos pronominais; (iii) identificar motivações cognitivas e sociointeracionais subjacentes ao uso ou não do clítico nas orações com verbos pronominais. Os dados de análise são ocorrências em textos de uso real do Português Brasileiro extraídas do Corpus Discurso & Gramática, seções Natal - RN, Juiz de Fora - MG e Rio Grande - RS. A fundamentação teórica para o estudo é a Linguística Funcional Centrada no Uso, que reúne contribuições da Linguística Funcional norteamericana, com base em Givón (1979, 1990), Hopper (1987), Bybee (2010), Traugott (2011), entre outros, e da Linguística Cognitiva, conforme Langacker (1987), Lakoff (1987), Lakoff e Johnson (2002). Considerando as ocorrências coletadas no corpus, foi possível verificar que o uso do clítico é superior ao seu desuso, que os verbos pronominais representam uma classe semântica variada, sendo os de sentimento favorecedores ao uso do clítico e os de movimento relacionados ao desuso. Por fim, atestamos que os (des)usos do clítico pronominal também se relacionam a fatores de natureza cognitiva, a exemplo da iconicidade, economia e perspectivação, e comunicativa, como é o caso da expressividade. Palavras-chave: Verbos pronominais. (Des)usos do clítico. Linguística Funcional Centrada no Uso. ABSTRACT The present work investigates (dis)uses of the clitic pronoun in sentences with pronominal verbs. It aims to analyze the sentences formed either with the use of the clitic pronoun or without it and to identify possible motivations for the (dis)use the speaker chooses to do. In order to reach this goal, it is necessary (i) to assess the frequency of use and disuse of the clitic pronoun in sentences with pronominal verbs; (ii) to verify the semantic types of verbs that are used in the sentences with pronominal verbs and (iii) to identify social-interactional and cognitive-semantic motivations involved in the choice of the pattern used. The data used in this work are contemporary Portuguese language utterances taken from Corpus Discurso & Gramática, sections Natal - RN, Juiz de Fora - MG e Rio Grande - RS. The theoretical base for the study is the Usage Based Linguistics, which gathers contributions of both North American Functional Linguistics, as in Givón (1979, 1990), Hopper (1987), Bybee (2010), Traugott (2011), among others, and the Cognitive Linguistics, Langacker (1987), Lakoff (1987), Lakoff e Johnson (2002). Considering the occurrences found in the corpus, it was possible to identify that the use of the clitic pronoun continues to have a higher frequency than its erasure, that the pronominal verbs represent a wide semantic class, in which the sentiment verbs favors the use of clitic and motion verbs are related to disuse. Finally, we certify that the (dis)uses of the pronominal clitic are also related to cognitive factors, such as iconicity, economy and perspective, and comunicative factors, as expressitivity. Keywords: Pronominal verbs. Clitic (dis)use. Usage Based Linguistics. LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS QUADROS Quadro 1: Categorias de verbos pronominais propostas por Azeredo (2008)…... 25 Quadro 2: Uso reflexivo verdadeiro e uso pseudorreflexivo…………………….. 38 Quadro 3: Escala dos traços semânticos do verbo……………………………….. 54 Quadro 4: Classificação semântica do verbo segundo Scheibman (2001)……….. 55 GRÁFICO Gráfico 1: Distribuição do número de ocorrências por seção do Corpus D&G….. 60 TABELAS Tabela 1: Quantitativo do (des)uso do clítico em orações com verbos pronominais..................................................................................... Tabela 2: (Des)uso do clítico em orações com verbos pronominais por seção do Corpus D&G…........................................................................... Tabela 3: 61 62 (Des)uso do clítico em orações com verbos pronominais por tipo de verbo……………………………………………………..................... 62 Tabela 4: Distribuição das ocorrências (tokens) por tipo de verbo (type)……... 62 Tabela 5: Ocorrências dos verbos pronominais no corpus com oscilação entre uso e desuso do clítico……………………………………………..... Tabela 6: 65 Distribuição dos verbos pronominais que ocorreram apenas com uso do clítico………………………………………………………....... 65 Tabela 7: Ocorrências com verbos pronominais por tipo de verbo no D&G Natal....67 Tabela 8: Ocorrências com verbos pronominais por tipo de verbo no D&G Juiz de Fora................................................................................................. 68 Tabela 9: Ocorrências com verbos pronominais por tipo de verbo no D&G Rio Grande.................................................................................................... 70 Tabela 10: Distribuição dos verbos pronominais do corpus por tipo semântico..... 72 Tabela 11: (Des)uso do clítico por tipo semântico do verbo pronominal………… 72 Tabela 12: Subdivisão dos verbos da classe semântica Material………….……… 73 Tabela 13: Quantitativo do (des)uso do clítico por modalidade da língua………... 73 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS D&G - Discurso & Gramática DL – Descrição de local E – Entrevistador I – Informante LFCU – Linguística Funcional Centrada no Uso NEP - Narrativa de experiência pessoal NR - Narrativa recontada PB – Português Brasileiro PE – Português Europeu PM – Português Moçambicano RO - Relato de opinião RP - Relato de procedimento SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO …………………………………………………………………….. 14 1.1 Objeto de pesquisa……………………………………………………………….. 15 1.2 Justificativa………………………………………………………………………. 17 1.3 Questões e hipóteses de pesquisa………………………………………………... 17 1.4 Objetivos geral e específicos…………………………………………………….. 18 1.5 Bases teórico-metodológicas…………………………………………………….. 19 1.6 Organização estrutural do trabalho………………………………………………. 19 2 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA…………………………..... 21 2.1 Panorama geral…………………………………………………………………... 21 2.2 Verbos pronominais em gramáticas tradicionais………………………………… 22 2.3 Verbos pronominais em gramáticas descritivas…………………………………. 24 2.4 Verbos pronominais em dicionários……………………………………………... 27 2.5 O que mostram as pesquisas linguísticas………………………………………… 31 2.6 Caracterização do verbo pronominal para esta pesquisa………………………… 42 3 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS……………………………………. 45 3.1 Aspectos teóricos………………………………………………………………… 45 3.1.1 Linguística Funcional Centrada no Uso…………………………………….... 45 3.1.1.1 Conceitos de linguagem, língua, gramática e discurso………….............. 46 3.1.1.2 Processos, princípios e categorias analíticas……………………...……... 48 3.1.2 Classificação semântica dos verbos………......……………………………... 53 3.2 Aspectos metodológicos…………………………………………………………. 56 3.2.1 Classificação e natureza da pesquisa…………………………………..…….. 56 3.2.2 Material de análise…………………………………………………………… 56 3.2.3 Procedimentos metodológicos…………………………………………..…… 57 4 ANÁLISE DOS DADOS………………………………………………….…………... 60 4.1 Análise quantitativa dos dados…………………….………………………….. 60 4.2 Discussão dos dados à luz de categorias funcionais…………………………... 74 5 CONCLUSÕES……………….………………………………………………………. 79 REFERÊNCIAS………………………………….……………………………………… 82 14 1 INTRODUÇÃO Neste trabalho, analisamos orações formadas por verbos pronominais, abarcando tanto as ocorrências em que encontramos o uso do pronome clítico quanto aquelas em que verificamos sua ausência. Segundo Mira Mateus et al. (2003), os pronomes clíticos são pronomes pessoais que também podem ser designados pronomes átonos ou clíticos especiais. Os pronomes pessoais denotam a pessoa gramatical das entidades participativas no ato comunicativo. Os pronomes clíticos, por sua vez, correspondem às formas átonas do pronome pessoal. São objetos estruturalmente simples - quase sempre monossilábicos – que existem nas línguas naturais e que não têm acentuação própria e por isso dependem do acento da palavra que está imediatamente antes ou depois (normalmente um verbo). Prototipicamente, ao se usar o termo verbo pronominal, podemos pensar em termos como suicidar-se, queixar-se, arrepender-se, em que o pronome clítico faz parte da descrição do verbo. Mas o que dizer de verbos em que o uso do clítico marca diferenças semânticas, a exemplo do que ocorre com debater/ debater-se? (1) …jogamos né…futebol até uma hora da tarde…ao chegar a tarde a gente parou…se reuniu…fomos fazer uma leitura e debater como ser jovem…o que o es/ o que que o jovem tem de:: de ensinar pros adulto…o que que os jovens fazem… (Corpus D&G, seção Natal, língua falada) (2) O mecenas não será aquele que olha com indiferença um homem a debater-se na água, e depois lhe prodigaliza uma ajuda embaraçosa mal ele chega à margem? (JOHNSON, 2014) Ou o que dizer de verbos em que o uso do clítico marca diferenças formais (lembrar algo/ lembrar-se de algo)? (3) Quando tentei logar no meu computador a conta do gmail eu não lembrava a senha. Tentei diversas vezes recuperá-la, mas não obtive sucesso pois até agora fiz pouquíssimos acessos com essa conta e nao tenho muitas informações para preencher naquele formulário de vocês. não lembro a ultima senha q coloquei pq so coloquei ela 1 unica vez, no momento de criação da conta… (STROBACH, 2011) (4) O prezado leitor deve lembrar-se de ocasiões nas quais foi torturado por uma decisão, ou por uma série delas. Por exemplo, a compra de um novo computador. O simples mortal que se aventurar em um site de compras se verá em um labirinto de informações 15 e alternativas. Cansado e humilhado, talvez tenha de ser salvo por um sobrinho nerd. (WOOD JR, 2011). Ou, ainda, a alternância entre uso e desuso do clítico com um determinado verbo pronominal traz alguma diferenciação para a codificação do evento comunicado? (5) A minha cunhada me contou que um dia ela vinha com a mãe dela pela rua quando de repente a mãe dela tropeçou e caiu, e não conseguia levantar, e ela ao invés de ajudar, não parava de rir do modo engraçado que sua mãe tinha caído, pois parecia que ela iria sair rolando. (Corpus D&G, seção Rio Grande, língua escrita) (6) Até que, num dado momento, o Chico Malazarte, muito exibido, resolveu levantar-se para apanhar uma sobremesa que se encontrava do outro lado da elegante mesa. (Corpus D&G, seção Natal, língua escrita) O que dizer de frases em que há ausência do pronome clítico com verbos tidos como essencialmente pronominais (para a Gramática Tradicional), como em (7) Será o que aconteceu, será que ele arrependeu? 1 Partindo de tais questionamentos, investigamos, nesta pesquisa, o (des)uso do clítico em orações com verbos pronominais, tendo em vista a identificação de possíveis motivações para o emprego ou não desse pronome. 1.1 Objeto de pesquisa Conforme posto, nosso objeto de pesquisa é o (des)uso do pronome clítico em orações com verbos pronominais. Para a investigação realizada, o termo verbo pronominal é tomado em sentido abrangente sob o qual se encontram os subtipos de verbos que serão caracterizados no estudo, abarcando verbos conhecidos como reflexivos, recíprocos e pseudorreflexivos. Não pretendemos, neste trabalho, aprofundar-nos em questões relativas à colocação pronominal, posto que as diferenças quanto ao posicionamento do clítico nas orações sob estudo situam-se em âmbito superficial. Ou seja, o enfoque da pesquisa recai sobre o uso ou não do clítico na oração com verbos pronominais. 1 https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid#3D2011060119325. 16 Ainda assim, entendemos ser necessário aclarar as manifestações linguísticas evidenciadas em língua portuguesa com a presença do clítico, a exemplo dos fenômenos que envolvem próclise (8), mesóclise (9), ênclise (10), duplicação/redobro (11) e neutralização (12). Há, ainda, a possibilidade de seu desuso/ausência (13). As ocorrências que se seguem explicitam cada um dos fenômenos listados. (8)… só se dava bem com as crianças…com o pai e com a mãe dele…num…num...num se dava bem de jeito nenhum… (Corpus D&G, seção Natal, língua falada). (9) A nossa união será abençoada para sempre diante dos olhos de Deus. E para nós, é uma honra ter pessoas tão queridas testemunhando esse momento ao nosso lado. A cerimônia realizar-se-á no dia 24 de setembro às 18h:30min, na Paróquia de Santo Antônio de Paquequer, localizada à Av. Oliveira Botelho, s/nº, Alto, Teresópolis/Rio de Janeiro. (MARTINS, 2016). (10) … como eu havia dito…tinha…teve só um…um corte na…na…na testa né…e…ficou fazendo os curativo né…e depois recuperou-se né… (Corpus D&G, seção Natal, língua falada) (11) E sempre rodava o tambor do revólver só com uma bala, né? Mas ele quando rodou o tambor que apertou, aí se matou-se, a bala saiu. (Paraíba, M, 26 a 49 anos, analfabeto, p.51) (OLIVEIRA, 2006) (12) …nós se divertimos muito… (Corpus D&G, seção Natal, língua falada) (13) …nós levantamos/ eh:: nós ficamos de pé... ele levanta... aí nós ficamos de pé... ele deita novamente o incenso no turíbulo...eu fecho o turíbulo... e vou pra::... pra mesa da palavra... (Corpus D&G,seção Juiz de Fora, língua falada) A Gramática Tradicional, no entanto, reconhece apenas os usos abarcados pelas ocorrências (8-10). Via de regra, ela normatiza o uso de pronomes átonos, particularmente no que diz respeito à posição em relação ao verbo: se proclítica, enclítica ou mesoclítica. Nessa direção, autores como Cunha e Cintra (2005) destacam, por exemplo, que a próclise torna-se preferencial nos seguintes casos: a) quando a oração possui palavras negativas não, nunca, jamais, ninguém, nada, e não houver pausa entre ela e o verbo; b) em orações iniciadas com pronomes e advérbios interrogativos quem, por que e como; c) em orações iniciadas por palavras exclamativas, bem como nas orações que exprimem desejo (optativas); d) em orações subordinadas 17 desenvolvidas, mesmo que a conjunção esteja oculta; e) com gerúndio regido pela preposição em. Assim sendo, não há, nos manuais de gramática tradcional, discussão sobre o emprego ou ausência de clíticos com os chamados verbos pronominais, tema de que nos ocupamos nesta pesquisa. 1.2 Justificativa No campo dos estudos linguísticos, existem diversos trabalhos acerca dos usos dos clíticos e de verbos pronominais. Em grande parte, dizem respeito à ordenação do clítico em relação ao verbo (se proclítico, mesoclítico ou enclítico). Neste trabalho, no entanto, buscamos estudar os (des)usos do pronome clítico a partir de uma perspectiva diferenciada – o enfoque não é o da ordenação, mas o estudo do uso ou não do clítico na oração com verbos pronominais. A abordagem teórica que utilizamos é a Linguística Funcional Centrada no Uso. Esta é uma perspectiva ainda pouco explorada na linguística e apontada como a tendência atual dentre os estudos funcionalistas de vertente norte-americana (OLIVEIRA, 2013), a exemplo das investigações de Furtado da Cunha (2013), Oliveira (2014), Cezario et al. (2015). A investigação proposta está inserida em novo âmbito de trabalho do modelo teórico funcionalista, o que justifica o estudo do ponto de vista teórico. Esta pesquisa oferece, ainda, uma análise de (des)usos do clítico em orações com verbos pronominais em suas situações reais de uso em três diferentes regiões do Brasil. Dessa maneira, vê-se que o trabalho contribuirá para a descrição do português do Brasil. 1.3 Questões e hipóteses de pesquisa São questões que norteiam esta pesquisa: (i) qual a frequência de uso e de desuso do clítico em orações com verbos pronominais no corpus analisado? (ii) quais os tipos semânticos de verbos pronominais que ocorrem no corpus analisado? Com qual(is) tipo(s) é mais frequente a presença e/ou ausência do clítico? 18 (iii) que fatores de natureza cognitiva e comunicativa estão implicados no uso e na ausência do clítico em orações com verbos pronominais? Diante de tais questionamentos, levantamos as seguintes hipóteses: (i) a frequência de uso do clítico provavelmente é superior à de sua ausência; (ii) os verbos que ocorrem em orações com verbos pronominais são de natureza semântica variada, não havendo possivelmente um tipo predominante; (iii) fatores como modalidade da língua (falada/escrita), perspectiva do evento e analogia podem influenciar o uso ou o desuso do clítico nas orações sob estudo. 1.4 Objetivos geral e específicos 1.4.1. Objetivo geral Temos como objetivo geral desta pesquisa analisar os (des)usos do clítico em orações com verbos pronominais, identificando motivações cognitivas e comunicativas a eles subjacentes. 1.4.2. Objetivos específicos Como objetivos específicos desta investigação elencamos: (i) aferir a frequência de uso e de ausência do clítico em orações com verbos pronominais; (ii) verificar os tipos semânticos dos verbos pronominais em contextos oracionais; (iii) identificar motivações cognitivas e comunicativas subjacentes ao uso ou não do clítico em orações com verbos pronominais. 19 1.5 Bases teórico-metodológicas Esta dissertação fundamenta-se teoricamente na Linguística Funcional Centrada no Uso. Essa abordagem integra contributos da Linguística Funcional e da Linguística Cognitiva e tem como premissa fundamental o fato de a estrutura linguística emergir de seu uso, concebendo a gramática como resultado da confluência de fatores cognitivos e comunicativos e culturais. Nesse sentido, para averiguar o uso que o falante faz do pronome clítico em orações com verbos pronominais, escolhemos utilizar o banco de dados organizado pelo Grupo de Pesquisa Discurso & Gramática, seções de Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998), Juiz de Fora (OLIVEIRA; VOTRE, 2013) e Rio Grande (OLIVEIRA; VOTRE, 2013). O material de análise engloba dados de fala e escrita em cinco diferentes tipos textuais. 1.6 Organização estrutural do trabalho A dissertação está dividida em cinco capítulos. No primeiro deles, o introdutório, apresentamos brevemente o objeto pesquisado, além de explicitarmos elementos basilares da pesquisa empreendida. Expomos, no capítulo dois, a caracterização do objeto de pesquisa. Buscamos apresentar os trabalhos mais relevantes para a problemática em questão, em suas diversas formas de contribuição. Caracterizamos o verbo pronominal através de dicionários e gramáticas de referência em Língua Portuguesa e de alguns estudos linguísticos realizados. Optamos por reunir em um mesmo capítulo a revisão da literatura e a caracterização do objeto de pesquisa, pois a leitura proporcionada pelos diversos trabalhos auxiliaram sobremaneira na tarefa de delimitar o item que se faz objeto de estudo desta pesquisa. No terceiro capítulo, trazemos os aspectos teórico-metodológicos que conduzem a pesquisa. Apresentamos o quadro teórico da Linguística Funcional Centrada no Uso, abordando pressupostos fundamentais e também princípios e processos utilizados na análise do objeto de estudo da pesquisa. Apresentamos, ainda, diretrizes metodológicas do trabalho. Dessa forma, abordamos questões relativas à natureza da pesquisa e ao corpus utilizado. 20 Posteriormente, no quarto capítulo, descrevemos os resultados da análise quantitativa, os quais dão conta da realidade empírica do fenômeno investigado, de sua caracterização e de sua frequência de uso . Em momento ulterior, expomos a análise qualitativa, viés explicativo do trabalho em que buscamos explicitar possíveis motivações para os (des)usos do clítico em orações com verbos pronominais. Por fim, no capítulo cinco, apresentamos as conclusões a que chegamos sobre os (des)usos do pronome clítico nas orações sob estudo. 21 2 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA Nesta seção, caracterizamos o verbo pronominal. Subdividimos o capítulo em: (2.1) panorama geral; (2.2) verbos pronominais em gramáticas tradicionais; (2.3) verbos pronominais em gramáticas descritivas; (2.4) verbos pronominais em dicionários; (2.5) o que mostram as pesquisas linguísticas e, por fim, (2.6) seção em que apresentamos o que consideramos verbo pronominal para a pesquisa aqui exposta. 2.1 Panorama geral Caracterizar o verbo pronominal não é tarefa fácil. A definição e delimitação dos verbos, cuja descrição inclui um clítico, com base em gramáticas tradicionais, descritivas e em dicionários, apresenta uma grande variedade de rótulos. As denominações incluem: “verbo pronominal”, “verbo reflexivo”, “verbo pronominal, reflexivo e recíproco”, “verbo pronominal propriamente dito”, “verbo essencialmente pronominal”, “verbo acidentalmente pronominal”, “verbo pseudorreflexivo”, “verbo com clítico inerente”, entre outros (TERSARIOL, 1980; CUNHA; CINTRA, 1985; NEVES, 2000; BORBA, 2002; BECHARA, 2009; BAGNO, 2011). Barbero Bernal e San Vicente (2007, p. 149), em estudo comparativo da pronominalidade verbal em espanhol e italiano, ressaltam, inclusive, “nuestra reflexión surge al comprobar que no hay coincidencias entre los gramáticos en su descripción ni, obviamente, en la terminología” 2. Ou seja, podemos verificar que a variedade de denominações dos verbos pronominais e consequentes dúvidas em sua classificação não são exclusivas da língua portuguesa. De modo geral, os verbos pronominais são definidos como unidades lexicais formadas pela união de um verbo com um pronome reflexivo. No entanto, o próprio termo verbo pronominal não é consensual e são poucos os exemplos fornecidos. Azeredo (2013) ressalta que, apesar de conhecido, o rótulo “verbo pronominal” não faz parte da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), em vigor desde 1959. 2 Nossa reflexão surge ao comprovarmos que não há coincidências entre os gramáticos em suas descrições nem, obviamente, na terminologia. (Tradução nossa). 22 Nesta dissertação, o termo “verbo pronominal” é tomado em sentido abrangente sob o qual se encontram os subtipos de verbos que serão caracterizados no estudo, abarcando verbos conhecidos como reflexivos, recíprocos e pseudorreflexivos. 2.2 Verbos pronominais em gramáticas tradicionais As gramáticas tradicionais, em geral, definem o verbo pronominal como aquele que vem acompanhado por um pronome oblíquo reflexivo de mesma pessoa do sujeito. Com relação à presença ou à ausência do clítico, como pode ser observado nas ocorrências abaixo, a amostra (14) corresponde ao modelo de verbos pronominais que figuram nos manuais de gramática tradicional, ocorrendo a presença do clítico junto ao verbo. Por outro lado, em (15) e (16), encontramos ocorrências em que não há uso do clítico, fenômeno da língua não contemplado nos compêndios tradicionais/normativos. (14) “um aparelho de::... ultravioleta para ( ) do meu material... uma maca onde o cliente se deita... na fren/ em frente à maca também tem outros diplomas na parede... tem uma luminária que fica em cima da maca pra iluminar a pessoa...” (Corpus D&G, seção Juiz de Fora, língua falada) (15) “não... as paredes são tudo baixa... você pode até sentar assim... não dá pra você sentar porque é tudo:: cheio de relevo assim... dá pra você encostar::... tem uma mesa... tem/ pra você subir... você tem que levantar bastante a perna... porque tem uma parte mais alta... e tem do outro/ tem uma churrasqueira... aí tem do outro lado assim... tem um banheiro que eles estão fazendo... mas não acabaram de fazer inda... deixa eu ver... inclusive dá pra ver a casa do meu namorado embaixo...por isso é que eu gosto muito de lá...” (Corpus D&G, seção Juiz de Fora, língua falada) (16) “como a virgindade por exemplo... que é encarada por eles como um tabu... né? não só por eles... mas pela sociedade em geral... a igreja que condena... acha que se só deve... dar... né? ((risos)) geralmente... quando você casar e tal... e a gente/ quando a gente é pequena... tal... a gente até acha isso bonitinho... né?” (Corpus D&G, seção Juiz de Fora, língua falada) Cunha e Cintra (1985), na Nova Gramática do Português Contemporâneo, em capítulo destinado ao Verbo, mais especificadamente no tópico acerca da Voz reflexiva, fazem a diferenciação entre verbo reflexivo e verbo pronominal. Afirmam: 23 Muitos verbos são conjugados com pronomes átonos, à semelhança dos reflexivos, sem que tenham exatamente o seu sentido. São os chamados verbos pronominais, de que podemos distinguir dois tipos: a) os que só se usam na forma pronominal, como: apiedar-se, condoerse, queixar-se, suicidar-se; b) os que se usam também na forma simples, mas esta difere ou pelo sentido ou pela construção da forma pronominal como, por exemplo: debater [= discutir]; debater-se [= agitar-se]; enganar alguém, enganar-se com alguém. (p. 395) A citação acima evidencia a diferenciação existente entre os distintos verbos pronominais, quer pelo sentido, quer pela forma. Bechara (1999), em sua Modena Gramática da Língua Portuguesa, de forma bastante suscinta, afirma que “o verbo empregado na forma reflexiva propriamente dita diz-se pronominal” (BECHARA, 1999, p. 223). Ressalta que em certos verbos “como atrever-se, indignar-se, queixar-se, ufanar-se, admirar-se, não se percebe mais a ação rigorosamente reflexa, mas a indicação de que a pessoa a que o verbo se refere está vivamente afetada”. Em assim sendo, parece não existir espaço em sua descrição para a diferenciação entre forma pronominal e forma reflexa. Com relação às importantes diferenças semânticas dos verbos pronominais, Said Ali (1971), em sua Gramática Histórica, já surpreendia pelo detalhamento com que explicita as diferenças de sentido que perpassam determinados verbos. O autor trata dos verbos pronominais na seção Os vocábulos: espécies, formas e significação. Na última parte da subseção destinada aos verbos, Said Ali aborda as Vozes ativa, passiva e medial. Trata da voz média ou medial, forma verbal em que o verbo aparece conjugado com o pronome reflexivo, abrangendo funções de reflexividade e reciprocidade, entre outras. Ressalta, como o faz a maioria dos gramáticos, a diferenciação entre ações reflexas e recíprocas através do acréscimo de “termos esclarecedores, como em honramo-nos a nós mesmos e honramo-nos uns aos outros”. (SAID ALI, 1971, p. 177) O autor traz uma importante reflexão acerca da pronominalidade verbal e clarifica: Muitos verbos têm significação de tal espécie que, conjugados pronominalmente, não se prestam a ser interpretados como se executasse o sujeito algum ato reversivamente sobre a própria individualidade. Espantei-me, enganei-me, convenci-me, enfadei-me, aborreci-me, zanguei-me, só podem equivaler a “fiquei espantado, enganado, convencido, enfadado, zangado, aborrecido”. A forma reflexa vem aqui dizer que o mesmo efeito que o sujeito, como agente, produz em outros 24 indivíduos, se produziu inversamente nele por alguma causa qualquer do mundo exterior. Estes verbos conjugados pronominalmente têm em comum com uma série de verbos intransitivos essencialmente pronominais, o significarem sentimento. Por outras palavras para expressar o sentir zanga, medo, vergonha, piedade, arrependimento, etc. socorre-se a linguagem de verbos pronominais, ora de um tipo, ora do outro: angustiar-se, enfurecer-se, envergonhar-se, arrepender-se, amedrontar-se, espantar-se, pasmar-se, entusiasmar-se, apaixonar-se, apiedar-se, amercear-se, condoer-se, comiserar-se, enganar-se, zangarse, irar-se, impacientar-se, compadecer-se, vexar-se, aborrecer-se, enfastiar-se, etc. (SAID ALI, 1971, p. 178). Continuando a explicação, o autor mostra que o sentimento vivenciado pode gerar impulsos e acabar por ter uma manifestação exterior marcada por uma atividade e, assim sendo, alguns verbos pronominais terão significação ativa, como exemplificam os verbos gabar-se, atrever-se, vangloriar-se. 2.3.Verbos pronominais em gramáticas descritivas A maioria das gramáticas e dicionários de língua portuguesa distingue verbos pronominais e verbos acidentalmente pronominais. Os verbos pronominais são considerados, para alguns autores, pseudorreflexivos (BAGNO, 2011) ou falsos reflexivos, pois a ação já não recai sobre o sujeito que a pratica (como ocorre com os reflexivos propriamente ditos), conforme sucede na seguinte ocorrência: (18) “na época que ele se...casou com a minha mãe... então... ele chegou a passar assim... muitas situações constran...constrangedoras... e eu me lembro dele contando uma vez... que hoje em dia ele tem muitos problemas assim... muitos distúrbios digestivos...” (Corpus D&G, seção Juiz de Fora, língua falada) Os verbos casar-se e lembrar-se são considerados falsos reflexivos, pois não permitem a paráfrase “ele casou a si mesmo” ou “eu lembrei (disso) a mim mesmo”, como ocorre com os verbos reflexivos, a exemplo de: Ele se lavou → ele lavou a si mesmo Neves (2000, p. 468-469) apresenta, brevemente, os verbos pronominais na subseção “o pronome pessoal”. São incluídos em um dos casos de Particularidades do 25 emprego de pronomes pessoais ao afirmar: “As formas oblíquas reflexivas dos pronomes pessoais fazem parte integrante de determinados verbos, denominados pronominais”. Em seguida, são apresentados 29 exemplos de usos de verbos pronominais. Ao reunir sob a mesma classificação frases como: (19) Já vi tudo e já me decepcionei. (20) A proteína concentra-se principalmente nas sementes. (21) Os meninos decidiram-se a vingar a morte de sua mãe. (22) Rosalinda abraçou-se ao corpo de Jacob. (23) [Os Soares] não se preocupam tanto comigo. a autora parece optar por um viés meramente estrutural, tendo em vista não fazer nenhuma referência às particularidades semânticas envolvidas e, assim sendo, diferentemente da maioria dos gramáticos, não os subdivide em verbos pronominais essenciais e verbos pronominais acidentais. Observamos que, enquanto Neves (2000) engloba em um grande grupo verbos de comportamentos diferenciados, Azeredo (2008, p.279-281) distingue dez tipos diferentes de categorias verbais, envolvendo pronominalização, reflexividade, reciprocidade e ergatividade, conforme quadro a seguir: Quadro 1 - Categorias de verbos pronominais propostas por Azeredo (2008) Verbo 1. 2. Exemplos Verbos exclusivamente pronominais São combinações obrigatórias de verbo e pronome para constituir uma unidade léxica ✓ Eles queixaram-se do calor; ✓ Eu não tive do que me arrepender; ✓ Não nos atrevíamos a fazer pergunta. qualquer Verbos que adquirem status lexical novo em virtude da pronominalização a) Há perda de vínculo semântico entre a forma pronominal e a forma sem pronome ✓ Saiu sem se despedir; ✓ Comportou-se como um verdadeiro líder; ✓ Fiquei desempregado e tive que me virar. 26 ✓ Abraçou-se a uma árvore para não ser b) Resta algum vínculo semântico 3. arrastado; entre a forma pronominal e a forma ✓ É rico, mas se veste como um mendigo; sem pronome ✓ A praia se estendia por muitos quilômetros. Verbos que denotam movimento ✓ Ele se sacode todo quando ri; corporal sem translação ✓ Levantei-me e fui embora; ✓ Sentem-se, por favor. 4. Verbos que denotam movimento ✓ Afastem-se da fogueira; corporal translacional ✓ Tentei me aproximar do palco; ✓ Eles embrenharam-se no mato. 5. Verbos ativos que envolvem ou afetam fisicamente o respectivo sujeito (com ou sem controle do processo). O verbo expressa apenas o processo ✓ Não parava de se coçar; ✓ Mordeu-se toda de tanto nervoso; ✓ Belisquei-me para ter certeza de que estaria vivo. O verbo expressa resultado ✓ Molhou-se enquanto lavava a roupa; ✓ Descabelou-se na agitação da dança 6. 7. Verbos que denotam ‘cuidados’ ✓ Calçou-se depressa; pessoais ✓ Penteava-se na varanda; (o sujeito controla a execução e os efeitos da ação) ✓ Levava horas para se vestir. Verbos de atitude ✓ Quando lhe perguntaram pelo dinheiro, ele se calou; ✓ Ninguém se julgou culpado de nada 8. Construções de reciprocidade ✓ O mestre e seu discípulo se respeitavam; ✓ As crianças se abraçaram depois do susto 9. Verbos processuais que denotam ✓ Alguns copos se quebraram no transporte; mudança de estado físico ✓ Passe um protetor solar para não se queimar muito 10. Verbos processuais que denotam mudança de estado psicológico ✓ Assustava-se com a buzina dos automóveis; ✓ Emocionou-se ao ler a carta; 27 ✓ Você se irrita por qualquer bobagem Fonte: Azeredo (2008) Bagno (2011) explica que, além da voz passiva e da ativa, existe a voz reflexiva, aquela em que há coincidência entre o sujeito/agente e o objeto/paciente, além da presença dos clíticos do caso oblíquo (me, te, se, nos). O autor apresenta a distinção entre verbos na voz reflexiva e verbos que apresentam o clítico sem que o sujeito seja de fato agente e paciente da ação. Enquanto a tradição gramatical os chama de verbos pronominais, ele traz a nomeação de pseudorreflexivos, pois concorda com a explicação de Bechara (1999, p. 223) quando este afirma “não se percebe mais a ação rigorosamente reflexa, mas a indicação de que a pessoa a que o verbo se refere está vivamente afetada”. 2.4. Verbos pronominais em dicionários Tersariol (1980, p. 99) define o verbo pronominal como “aquêle que vem acompanhado do pronome se no decorrer da conjugação. Durante a conjugação recebe os pronomes oblíquos correspondentes a cada pessoa gramatical: eu – me, tu –te, êle- se; nós - nos, vós – vos, eles – se. Os verbos pronominais podem ser essenciais e acidentais.” Apresenta exemplos de verbos pronominais essenciais, como queixar-se, arrepender-se, suicidar-se, zangar-se, condoer-se, apiedar-se, precaver-se, indignar-se em que destaca o uso obrigatório do pronome oblíquo correspondente diante de tais verbos; e de verbos acidentalmente pronominais, em que o pronome oblíquo pode surgir ou deixar de surgir, conforme se verifica a seguir. (24) Os dirigentes do banco queixam-se da especulação do mercado sobre suas dificuldades financeiras, que reduziu seu valor a menos da metade desde o início do ano, enquanto políticos da União Social Cristã, governista, acusam os Estados Unidos de mover uma “guerra econômica” ao multar em 14 bilhões de dólares o bando que serve de ponta de lança aos negócios e investimentos das empresas alemãs no exterior. (COSTA, 2016) (25) Ela enganou todo mundo com o poder da edição de imagem. (MEDEIROS, 2015) 28 Os exemplos (24) e (25) ilustram a diferenciação entre verbos essencialmente pronominais e acidentalmente pronominais, conforme explanado por Tersariol (1980). Em (24), o verbo queixar(-se) figura como um verbo pronominal essencial, sendo o clítico parte indispensável do verbo; já em (25), visualizamos um verbo acidentalmente pronominal, em que pode ocorrer o clítico ou não. No caso do verbo enganar, a inserção do clítico marca também diferença semântica. Luft (1987), em seu Dicionário Prático de Regência Verbal, apresenta uma classificação considerando especificamente os usos pronominais do se. O objetivo do autor é propor uma categorização levando em conta todos os empregos (estilístico, pronominal, recíproco, etc) como sendo reflexivos. Essa proposta compreende os seguintes tipos de construções reflexivas: a) Reflexiva simples (26) Ele se viu3. b) Reflexiva recíproca (27) Os amigos se cumprimentaram. c) Reflexiva dinâmica (exprime dinamismo do sujeito em si mesmo) (28) Eu me levanto cedo d) Reflexiva enfática (estilística ou metafórica) (29) Ele se riu. e) Reflexiva essencial ou obrigatória (porque nunca se usa o verbo sem o pronome) (30) Ninguém se queixou do que foi dito. A contribuição de Luft (1987) parece ter sido reunir os subtipos dos usos do pronome átono com sentido reflexivo em um grande grupo. Ou seja, de certa forma, os exemplos (26-30) demonstram um certo grau de reflexividade, isto é, são todos originários do antigo uso da voz medial reflexiva. Desse modo, o autor as considera 3 Os exemplos (26-30) foram extraídos de Luft (1987). 29 todas como pronominais, pois o sujeito é de alguma forma afetado pela sua própria ação. O Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa apresenta a seguinte definição para o verbo pronominal: “o que sempre vem acompanhado de um pronome oblíquo da mesma pessoa que o sujeito, como p. ex., arrepender-se, queixar-se, aborrecer-se, babar-se, considerar-se. Chamam-se essencialmente pronominais quando, como se dá com os dois primeiros mencionados, nunca vêm desacompanhados do pronome, e acidentalmente pronominais quando, como é o caso dos três últimos, podem vir sem ele” (FERREIRA, 2010, p. 2145) A diferenciação apontada por Ferreira baseia-se apenas no critério sintático – a presença “obrigatória” do pronome oblíquo ou a possibilidade de sua ausência – para explicar a distinção entre verbos essencialmente pronominais e verbos acidentalmente pronominais. Tal definição não dá conta das diferenças semânticas que podem emergir com o acréscimo do pronome reflexivo em determinados verbos, a exemplo do que ocorre em debater e debater-se. As frases abaixo comprovam a diferenciação semântica proporcionada: (31) O impeachment foi o tema principal da maioria dos discursos, sendo abordado 514 vezes pelos deputados. Os parlamentares da oposição ao governo falaram sobre o assunto em 351 oportunidades, enquanto os aliados de Dilma defenderam a permanência da petista no cargo em outras 130 ocasiões. Houve ainda 33 pronunciamentos de deputados que debateram o assunto sem defender um posicionamento específico. (IORY, 2016). (32) Ataques epiléticos assustam quem está por perto e deixam a pessoa que sofreu a crise insegura e receosa. Sem consciência do que está acontecendo, ela cai e seus membros ficam rígidos. Em seguida, começa a debater-se com movimentos rítmicos, já que os músculos se contraem e relaxam repetidas vezes, pois o comando central no cérebro está desorganizado. (VARELLA, 2012). Enquanto na ocorrência (31), o verbo indica uma troca de ideias em debate ou uma discussão/questionamento, em (32), o acréscimo do clítico faz com que o entendimento passe a ser o de uma agitação física proporcionada, no caso, pela crise de epilepsia. Além disso, há mudança na transitividade do verbo: de transitivo direto para transitivo relativo. 30 Borba (2002, p. vii), por sua vez, define os verbos pronominais como aqueles que são construídos “com um pronome da mesma pessoa do sujeito que, não tendo função sintática específica, serve como índice do grau de participação do sujeito naquilo que o verbo expressa”. Como exemplo, o autor cita o verbo afastar-se, usado, por exemplo, em “Glória se afastou sorrindo”. Trazemos, ainda, as definições propostas no Novíssimo Aulete: dicionário contemporâneo da língua portuguesa acerca da diferenciação entre verbo pronominal, verbo recíproco e verbo reflexivo. Antes dos verbetes, no entanto, enfatizamos que o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (DCLP) é um dos mais reconhecidos dicionários de língua portuguesa e foi um sucesso editorial. Sua primeira edição data de 1881 em Lisboa. Em Portugal, seguem-se mais duas edições, a de 1925 e 1948. Em 1958, ele ganha a primeira edição brasileira, seguida de quatro reedições pela editora Delta: em 1964, 1974, 1980 e 1987. Em 2004, o DCLP ganha uma edição de minidicionário pela editora Nova Fronteira. (GIACOMINI, 2006, p.1). Giacomini faz notar que, já na edição de 1881, observamos a preocupação de Caldas Aulete em tornar sua obra uma representante da língua atual, “contendo as palavras que são do domínio da conversação, de que boa parte se não encontra nos dicionários nacionais” (GIACOMINI, 2006, p. 5). Ao tratar do verbo, o DCLP explicita as seguintes denominações 4 pertinentes para este trabalho: a) Verbo pronominal. Gram. O que se conjuga com pronome oblíquo de mesma pessoa e número do sujeito. (33) O menino comportou-se bem. b) Verbo recíproco. Gram. Verbo pronominal que indica ação recíproca entre os sujeitos. (34) Os dois cumprimentaram-se na saída do teatro. c) Verbo reflexivo. Gram. Aquele que se conjuga com pronome oblíquo átono de mesma pessoa e número do sujeito quando esse pronome se refere ao próprio 4 Trazemos as entradas contidas na publicação mais recente do dicionário, de 2011. 31 sujeito (configurando ação realizada por ele sobre ele mesmo). (Pentear-se, vestir-se, preparar-se). Vemos que as definições referentes ao verbo recíproco e ao reflexivo retomam a definição de verbo pronominal. Ou seja, segundo Caldas Aulete, o verbo pronominal abarca os demais. Seguimos o mesmo raciocínio - de uma definição abrangente de verbo pronominal - para a pesquisa aqui realizada, conforme explicado posteriormente na seção 2.6. 2.5 O que mostram as pesquisas linguísticas A inconstância nos usos do pronome clítico junto a verbos pronominais é uma questão que vem sendo abordada por muitos estudiosos de língua portuguesa. Nesta seção, apresento o tratamento dado pelas pesquisas empreendidas por D´Albuquerque (1988), Oliveira (2006), Mello (2009), Bittencourt (2009), Fonseca (2010), e Barros (2011). Tais pesquisas trazem contribuições diversas – frequência dos (des)usos do pronome clítico em diferentes contextos geográficos, além das possíveis explicações para a escolha realizada – possibilitando, assim, um diálogo com a pesquisa que realizamos. Um trabalho comumente citado por pesquisas que procuram estudar o (des)uso de pronomes clíticos é o realizado por D´Albuquerque (1988). O estudo A perda dos clíticos em um dialeto mineiro inicia com o relato da autora acerca do estranhamento que lhe causava a afirmação de que verbos ‘essencialmente pronominais’, como arrepender-se, eram assim chamados devido ao fato de nunca serem conjugados sem os respectivos pronomes ou que a palavra se era classificada como parte integrante do verbo, posto que, mesmo sem um respaldo científico, verificava uma realidade linguística diferente em Minas Gerais. Sendo assim, D’Albuquerque (1988) investigou o emprego do clítico se recíproco e reflexivo no município de Manhuaçu, Minas Gerais, e na zona norte do Rio de Janeiro. A pesquisa foi realizada a partir de dados obtidos por meio da apresentação de quarenta gravuras que levaram os informantes a usarem verbos pronominais reflexivos e recíprocos. Foram entrevistados 40 informantes, sendo 20 mineiros e 20 cariocas. 32 A autora assinala, como faz a maioria dos trabalhos acerca de verbos pronominais, a grande dificuldade de encontrar um consenso nas gramáticas tradicionais quanto à classificação de tais verbos. Assim, considerou como essencialmente pronominais os verbos cujos pronomes oblíquos não funcionam como objeto, ou seja, não podem ser substituídos por um nome substantivo; e como acidentalmente pronominais aqueles cujos pronomes oblíquos funcionam como objetos, já que podem ser substituídos por nomes substantivos. A partir da análise dos dados coletados, a autora conclui que os casos de ausência do clítico nas amostras das pessoas de Manhuaçu foram estratégias usadas pelos falantes para evitar o uso da forma verbal reflexiva, como podemos observar, a seguir: 1. numa construção essencialmente pronominal, o verbo perde o respectivo pronome no dialeto mineiro, como em: (35) Ele chama José5 (= Designação do nome do rapaz). (36) Não conformei com a morte dele. 2. verbos acidentalmente pronominais, transitivos, reflexivos, perdem o pronome, por ficar clara a acepção de que o ato se reflete sobre o próprio sujeito: (37) Ela machucou na bicicleta. (38) Ele aproveitou da situação. 3. o pronome recíproco dá lugar a expressões como “um ao outro”, “um com o outro”, “um do outro”: (39) Eles cumprimentaram um ao outro. (40) Eles separaram. 5. algumas construções onde ocorria o pronome átono foram substituídas por expressões equivalentes, normalmente com sentido passivo: (41) Ela se decepcionou com o resultado. → Ela ficou decepcionada... (42) Eu me assustei com o barulho → eu fiquei assustada 6. preferência por alternativas de regências verbais que evitam o verbo pronominal: (43) Eu me perdi no caminho → eu perdi o caminho (44) Ele se curou da gripe → ele curou a gripe 5 Ocorrências (35-48) foram extraídas de D’Albuquerque (1988, p. 99). 33 7. Verbos que provocariam a ambiguidade da sentença, sem a presença do pronome, foram substituídos por outros: (45) Ele se jogou no rio → ele suicidou no rio (46) Vou me vestir ou vou me trocar → vou mudar de roupa ou vou trocar de roupa 8. frases comuns no RJ não são frequentes nessa região de Minas: (47) Ele se deu bem na prova (48) Me saí bem nesse teste Concernente ao emprego dos verbos pronominais, os resultados alcançados revelam que a presença do pronome clítico junto aos verbos pronominais reflexivos em Manhuaçu (16%) é inferior ao Rio de Janeiro (70%). No que diz respeito aos verbos essencialmente reflexivos, o resultado aproxima-se do resultado anterior (37% e 74%, respectivamente); com verbos acidentalmente reflexivos acontece o mesmo (10% e 68%) e, finalmente, para os verbos pronominais recíprocos, o resultado é o seguinte: Manhuaçu (11%) e Rio de Janeiro (86%). A análise quantitativa, juntamente com a análise semântica e do contexto de uso, levaram a autora a propor duas hipóteses para a ausência da marca pronominal encontrada em sua pesquisa: uma sintática e outra semântica. Na primeira, ela argumenta que se o objeto direto não-reflexivo pode ser omitido, o reflexivo também passará a ser omitido. A autora busca recursos explicativos para essa hipótese na possibilidade do cancelamento do objeto direto, quando representado por pronome pessoal de terceira pessoa, fenômeno considerado bastante comum na fala dos brasileiros. Afirma, ainda, que, se o objeto direto reflexivo em verbos acidentalmente pronominais pode ser omitido, passa a ser omitido também nos essencialmente pronominais. Ademais, D´Albuquerque (1988) explora uma hipótese de cunho semântico, procurando identificar um traço comum aos verbos que são usados, em seu estudo, sem o clítico. Sua explicação é a de que nos verbos acidentalmente pronominais, a ausência de marca de reflexividade por mais vezes e por mais pessoas corresponde a uma grande previsibilidade semântica do objeto desses verbos nos seus usos mais comuns. Ou seja, verbos como sentar, levantar, deitar são facilmente utilizados sem o pronome clítico, pois as situações de levantar, sentar e deitar mais comuns são aquelas em que o agente é também o objeto da ação. Essa confluência de papéis é sentida como tão óbvia que a marca de reflexividade se torna desnecessária. 34 A autora afirma que a língua tem dois fatores que se contrapõem e que se equilibram: “o fator semântico, que faz cair a marca morfológica de reflexividade semanticamente vazia e o fator léxico, que preserva o molde formal do verbo reflexivo.” (D’ALBUQUERQUE, 1988, p. 118). No artigo Nós se cliticizou-se?, Oliveira (2006) afirma que o clítico se tem dois tipos de comportamento no Português Brasileiro contemporâneo. O primeiro deles diz respeito à sua realização lexical: pode ser suprimido, pode ser neutralizado na forma da terceira pessoa, pode ser inserido e até mesmo “duplicado”. Apresenta, ainda em sua introdução, a afirmação de que “o apagamento do se parece ser uma característica do falar mineiro, a neutralização é um fenômeno panbrasileiro e a inserção bem como a ´duplicação` do se é um fenômeno nordestino” (OLIVEIRA, 2006, p. 1). O segundo tipo de comportamento é a duplicação com outras formas pronominais. O título escolhido para seu artigo, por ser extremamente marcado, cumpre o papel de suscitar a curiosidade do leitor acerca do texto apresentado. A autora tem por objetivo de trabalho realizar uma descrição detalhada do fenômeno arrolado, tomando como corpus a transcrição de fala da Paraíba, de Fortaleza (CE), da fala popular de São Paulo e da zona rural de Taubaté (SP). Apesar de não utilizar dados da região de Minas Gerais em sua pesquisa, a alegação modalizada da supressão do clítico como característica do falar mineiro encontra sustentação em estudos como os realizados por D’Albuquerque (1988) e Assis (1988). O primeiro, citado também por Melo (2009), é um estudo em que a autora observou o fenômeno do desaparecimento parcial do se no dialeto mineiro do município de Manhuaçu em favor do uso da categoria vazia. O segundo também observou a ausência do reflexivo, tendo por amostra a fala de pessoas da zona rural pertencente à microrregião de Januária, Minas Gerais. Em suas conclusões, Oliveira reafirma o que havia apresentado no início do trabalho. A pesquisadora expõe explicações baseadas no contato linguístico das populações do país, enfatiza a importância da imigração e deixa muitas indagações. Em linhas gerais, nas palavras da pesquisadora, “pode-se pensar na tendência ao apagamento do “se” na região sudeste liderada por Minas Gerais e a sua conservação e extensão na região nordeste. Mineiros e nordestinos formam uma forte camada de imigrantes em São Paulo, que acolhe, portanto, tendências diversas. Além disso, há os 35 imigrantes de línguas românicas, como o português, italiano e espanhol que preservam os reflexivos.” (OLIVEIRA, 2006, p. 12) A tese de doutorado de Mello (2009), intitulada Acabou-se o que era doce. Quem comeu se regalou-se”: uma análise do clítico se em João Pessoa na interface sociolinguística/gramaticalização, discorre sobre o quadro dos pronomes reflexivos, mais especificamente, o reflexivo se na fala de João Pessoa, PB. Mello apresenta uma estruturação de tópicos que facilita a leitura de seu trabalho, especialmente pela possibilidade de visualização dos dados em tabelas simples, além de buscar um constante diálogo com seu interlocutor por meio, inclusive, de experiências pessoais e questionamentos vivenciados ao longo da pesquisa. A autora faz uma análise exaustiva do pronome se, retomando gramáticas latinas, históricas e normativas, além de delinear os traços que distinguem os diferentes tipos de clítico (um se reflexivo, um se recíproco, inerente etc.). A trajetória desse pronome é averiguada através de um controle quantitativo de fatores de ordem linguística e social, observando a direção das influências que motivações comunicativas e sociais exercem no comportamento de tal pronome. O material de análise foi extraído de entrevistas fornecidas pelo VALPB – Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba. Sua hipótese geral é a de que os diferentes comportamentos do se nas várias regiões do Brasil indicam que o fenômeno em análise apresenta diferentes estágios em seu percurso de gramaticalização. Tanto fatores internos ao sistema linguístico, como o tipo de pronome, a pessoa pronominal dos clíticos, transitividade do verbo, traços semântico-pragmáticos do verbo, quanto fatores de cunho social, como sexo, idade e escolaridade, atuam como favorecedores e/ou inibidores nesse processo de mudança. Contrariamente às pesquisas que afirmam uma tendência do PB à ausência do clítico com verbos pronominais, a pesquisadora enfatiza que, em João Pessoa, o uso do clítico se mantém e se estende a contextos diversos. Das 1673 ocorrências analisadas, em 85% dos casos verificou-se a presença do pronome clítico. Para ilustrar o emprego do clítico com verbo pronominal na fala pessoense, a autora elenca instanciações que demonstram a generalização do uso do pronome se em João Pessoa, abarcando diferentes pessoas do discurso. Quer isso dizer que os falantes já não utilizam o se apenas com a 3ª.pessoa do singular e plural, conforme atestam as ocorrências (49), (50), (51) e (52). 36 (49) Eu nunca se meti na sua vida, eu nunca se meti na sua vida não. (50) E não existe coisa pior do que você se distanciar de você. (51) Nós se vira comprano aa coisas fiado (52) Todo sábado a gente se reúne lá na Igreja Ao comparar a expressiva realização do clítico em sua investigação com pesquisas que afirmam ser o desuso do pronome clítico a tendência atual no PB, a autora nos deixa um questionamento interessante: os reflexivos estão mesmo rumando ao desaparecimento ou esse é um caso de variação estável na língua? Ao longo de seu trabalho, ela mesma responde O duplo comportamento do se em português é possível exatamente por se tratar de um caso de gramaticalização: um item começa a ser usado e esse uso vai gradativamente ganhando freqüência cada vez mais expressiva. Essa força de uso passa a ser a responsável pelo desgaste do item, até que ele desapareça. Um ou outro são momentos diferentes do percurso, mas ambos são estágios de seu processo de mudança. (MELLO, 2009, p. 299) Bittencourt (2009), por sua vez, traz grande contribuição em capítulo publicado acerca da supressão de pronomes clíticos de forma reflexiva. O trabalho, como explica a autora, faz parte de sua dissertação de Mestrado intitulada No rastro do apagamento: pronomes clíticos nas funções recíproca, reflexiva, apassivadora e indeterminadora. O texto tem por objetivo identificar em quais funções os clíticos, normalmente referidos como de forma reflexiva, sobretudo na forma dita de terceira pessoa (se), têm sido mais propensos à supressão, bem como os fatores condicionantes do apagamento e/ou do desenvolvimento de estratégias de esquiva, no PB durante o século XIX. Para proceder a análise da supressão de clíticos ditos de forma reflexiva, a autora seleciona, entre os fatores condicionantes do apagamento, os seguintes: 1) a predicação verbal (abordagem sintática e semântica); 2) a concordância entre verbo e argumento interno; 3) o grau de referência do argumento representado pelo clítico apagado e 4) o tipo de clítico. O corpus analisado é constituído por um conjunto de atas da Sociedade Protetora dos Desvalidos, escritas por negros africanos na cidade de Salvador, Bahia, no século XIX, compreendendo o período de 1832 a 1842. Para analisar as funções sintático-semânticas em que o se sofre maior apagamento, a autora recorre à abordagem funcionalista, mais especificamente ao 37 processo de gramaticalização. Suas hipóteses são as seguintes: (a) o apagamento do clítico é motivado por diminuição e/ou perda de traços ou propriedades sintáticas e semânticas; (b) o enfraquecimento do sentido passivo e aumento do sentido impessoal nas construções em que o se acompanha verbo transitivo direto e a consequente reinterpretação das passivas como voz ativa impessoal podem representar uma das etapas do processo que leva ao apagamento do clítico se; (c) na base desse debilitamento do sentido passivo, pode estar um processo de reanálise. Como resultados, Bittencourt enumera os fatores que favorecem o apagamento do pronome clítico no corpus analisado. Destaca que a ausência do pronome clítico ocorreu mais frequentemente entre os verbos transitivos diretos de ação e causativos com clítico reinterpretado como indeterminador. Assim sendo, a autora confirma as hipóteses de que o enfraquecimento do sentido passivo também concorre para o apagamento do clítico e que há uma hierarquia desse apagamento, sendo mais frequente para o se indeterminador, cuja referência é genérica ou arbitrária. Fonseca (2010), em dissertação de mestrado acerca dos verbos pseudorreflexos no PE, procura mostrar que os pronomes clíticos inerentes/pseudorreflexos estão estritamente ligados à presença de um complemento preposicional de certos verbos na variedade lusófona, funcionando quase como afixos. A autora levanta a hipótese de que certos verbos pronominais quando acompanhados dos complementos preposicionais de e com exijam a presença do pronome clítico reflexo inerente/pseudo-reflexo. Para verificação do uso atual desses clíticos, foram aplicados 40 questionários de juízos de gramaticalidade, dos quais 30 foram realizados com alunos em anos terminais do Ensino Básico e 10 com professores do Ensino Básico/Secundário. A amostra foi assim dividida: dez alunos do 4º ano, dez alunos do 6.º ano, dez alunos do 9.º ano e dez professores (de áreas de docência diferentes do ensino de línguas). Todos os participantes fazem parte da mesma escola, bem como são todos falantes nativos do PE. Ainda que tenhamos verificado que não há dados de produção, seja oral ou escrita, pelos participantes da pesquisa, ou seja, não se trata de língua em uso real, o trabalho expõe uma análise que privilegia os verbos pseudorreflexos (nesta dissertação, pseudorreflexivos) e, assim sendo, torna possível um “diálogo” relevante entre a presente pesquisa e o trabalho empreendido no PE. 38 Assim como a maioria das pesquisas realizadas com verbos pronominais, Fonseca enfatiza a dificuldade ocasionada pela pluralidade de rótulos que possuem tais verbos. Fonseca retoma a Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, de Jerónimo Soares Barbosa, publicada pela primeira vez em 1822, e expõe sua definição. De acordo com Barbosa, quando a ação recai sobre o sujeito, estamos perante verbos reflexos (reflexos verdadeiros); quando tal não acontece, ocorrem os verbos pronominais, também designados de reflexos falsos/pseudorreflexos/reflexos inerentes. A retomada de uma gramática tão antiga é interessante, ainda mais quando a definição proposta é mantida, em grande medida, pela generalidade dos gramáticos portugueses e brasileiros. Para além de definições, o trabalho de Fonseca nos apresenta testes propostos por Vilela (1992) para fundamentar a distinção entre verbos “verdadeiramente reflexos” e verbos “pseudorreflexos”. Como explica a autora, são quatro os testes propostos: interrogação, substituição, coordenação e modificação. Observemos o quadro abaixo: Quadro 2 - Uso reflexivo verdadeiro e uso pseudorreflexivo Verbo Lavar-se Verbo Arrepender-se Uso reflexo Uso pseudo-reflexivo (1)(a) interrogação: (a) quem lava ele? (1)(b) substituição: ele lava o bebé (1)(c) coordenação: ele lava-se a si e ao bebé (1)(d) modificação:ele lava-se apenas a si (2) (a) *(a) quem arrepende ele? (2) (b) * ele arrepende o bebé (2) (c) *ele arrepende-se a si e ao bebé (2) (d) *ele arrepende-se apenas a si Fonte: Vilela (1992 apud FONSECA, 2010, p. 21). Os testes propostos demonstram comportamentos diferenciados entre os dois verbos. Enquanto o verbo lavar-se admite integrar o SN objeto (1a); substituir o reflexo por um complemento (1b); coordenar o reflexo com outro complemento (1c) e afetar o reflexo por meio de um advérbio de exclusão (1d), com o verbo arrepender-se, por outro lado, obtemos frases tidas como agramaticais quando tentamos fazer o mesmo procedimento. Como resultados, a pesquisadora afirma que 100% dos participantes assinalaram entre as produções linguísticas selecionadas como bem formadas as orações em que figuravam o pronome clítico junto aos verbos levantar-se, rir-se, apaixonar-se, arrepender-se e ver-se. Com os verbos esquecer-se, recordar-se e lembrar-se, 98%, 39 97% e 99%, respectivamente, optaram pela estruturação com o pronome clítico, enquanto uma minoria preferiu dispensar o clítico em análise. Do acima exposto, depreende-se que os falantes preferem estruturas em que se utiliza o pronome clítico pseudorreflexivo, inclusive com os verbos esquecer-se, recordar-se e lembrar-se, os quais suscitaram a dispensa do clítico e da preposição, mas apenas para um número ínfimo de participantes. Entendemos que a opção metodológica da pesquisadora por solicitar aos participantes um juízo de gramaticalidade quanto a frases previamente elaboradas e organizadas em um questionário pode ter influenciado o alto percentual de uso do clítico. Sabemos que um trabalho estruturado de tal maneira faz com que os participantes fiquem mais atentos e conscientes de que estão sendo avaliados e, assim sendo, a tendência é, muitas vezes, querer agradar o pesquisador oferecendo a resposta correta; nesse caso, mostrar o conhecimento da língua por meio da escolha da forma gramaticalmente esperada. Outra questão que se faz relevante é que a mudança linguística tem início na fala e não foi dada tal oportunidade aos participantes. Não contemplar tal modalidade da língua tem, possivelmente, influência nos resultados. Mesmo assim, é curioso notar que o pouco desuso do clítico encontrado pela pesquisadora ocorreu com os verbos de cognição ligados à memória. Ainda é importante ressaltar que os questionários foram aplicados dentro do ambiente escolar, ou seja, o locus privilegiado de ensino da gramática tradicional. Barros (2011) apresenta, em sua dissertação de mestrado, aspectos funcionais relativos ao (des)uso do reflexivo no dialeto goiano. O trabalho investiga a organização e funcionalidade do uso do clítico pronominal em função reflexiva, com especial atenção aos fatores sociodiscursivos e gramaticais ligados ao fenômeno de voz. A autora tem como objetivo geral verificar as ocorrências da marca de reflexividade em situações de uso real da língua, analisar os contextos de uso do pronome no dialeto goiano, assim como as situações de uso mais recorrentes e quais fatores linguísticos e discursivos favorecem a realização pronominal. Barros (2011) apresenta de forma clara o paradigma linguístico que norteia seu trabalho, o funcionalismo, posto considerar a relação entre os domínios pragmático, semântico e sintático. Para realização de seu trabalho, a pesquisadora concebe a voz como um fenômeno que ocorre no nível da oração e discute questões relacionadas a dimensões semânticas, transitividade, estado de coisas, perspectivização, valência e topicalização. 40 Para contemplar o fenômeno da voz na perspectiva funcionalista, Barros apresenta uma visão panorâmica acerca dos diferentes tipos de voz, considerando as propostas de Givón (1990), Kemmer (1994), Camacho (2000) e Benveniste (2005), evocando, especialmente, os tipos de voz que possuem relação com a marca pronominal reflexiva: a média, a reflexiva, a recíproca e a impessoal. Quanto às questões metodológicas, o trabalho contempla o viés quantitativo e qualitativo na análise. Empenhada em verificar quais as condições que favorecem o uso da clítico pronominal na fala goiana, a pesquisa utilizou dados oriundos do Projeto “O português contemporâneo falado em Goiás – Fala goiana”. Tem como informantes quatro mulheres e quatro homens com até sete anos de escolaridade. Foi destacada a opção por trabalhar com dados de fala do dialeto goiano em decorrência de pesquisas anteriores reconhecerem a marcação pronominal como uma regra variável no português brasileiro. Foram selecionadas 344 ocorrências para a análise implementada. Ao tabular os dados, Barros afirma que a regra no dialeto goiano parece ser o não uso do clítico em contextos nos quais, conforme a Gramática Tradicional, ele seria exigido. Surpreende a frequência de desuso do clítico ultrapassar 84% do total (290/344). Concernente aos resultados da pesquisa, a autora afirma que, dentre as ocorrências em que há marca pronominal, em muitos casos, o falante não relaciona o uso do pronome aos valores de reflexividade. Ou seja, o que parece ocorrer é uma memorização lexical, como se o pronome fosse o afixo do verbo, tal como ocorre nas hipercorreções e nas expressões cristalizadas. Ainda em relação a essa questão, Barros ressalta que, quando o falante sente necessidade de marcar uma ação reflexa, acaba por utilizar estratégias alternativas para indicar tal movimento, como “a mim mesmo”, “ a si próprio”, “um ao outro”. Com relação aos parâmetros semânticos, verifica que os verbos acompanhados do clítico mais frequentemente são os cognitivos ou psicológicos, segundo a classificação de Kemmer (1993). Ela levanta a possibilidade de isso ocorrer pela necessidade de autoafirmação do falante quanto ao seu envolvimento na ação ou para imprimir reforço no afetamento do sujeito. O trabalho realizado sugere que o uso do pronome clítico em contextos de reflexividade ocorre com maior frequência em situações em que a consciência sobre a função do pronome junto ao verbo é menor, assim como em contextos em que se encontram relações de intensidade e de afetividade. 41 Em suma, neste capítulo, apresentamos o que as gramáticas tradicionais, as abordagens descritivas, os dicionários e as pesquisas linguísticas consideram verbos pronominais. Os gramáticos tradicionais, Cunha e Cintra (1985) e Bechara (1999), têm posicionamentos contrários ao tratar da diferenciação entre verbos reflexivos e pronominais. Cunha e Cintra (1985) evidenciam diferenças de forma e sentido, já atentos às particularidades semânticas trazidas com o acréscimo do pronome clítico junto à forma simples de alguns verbos. Bechara (1999) afirma que os verbos pronominais são os empregados na forma reflexiva propriamente dita, não havendo diferenciação entre forma pronominal e forma reflexiva. Quanto às abordagens de linha descritiva, os trabalhos de Neves (2000), Azeredo (2008) e Bagno (2011) diferenciam-se na medida em que Neves (2000) opta por um viés estrutural, sem evidenciar particularidades semânticas, e une em um grande grupo verbos que Azeredo (2008) distingue em dez diferentes classes. Bagno (2011), por sua vez, amplia os estudos mais tradicionais, partindo de Bechara (1999), e traz a denominação pseudorreflexivos para os verbos cujo sujeito não é de fato agente e paciente da ação. Os dicionários, em geral, afirmam que o verbo pronominal é aquele que vem acompanhado do pronome oblíquo de mesma pessoa do sujeito, e pode ser essencialmente pronominal ou acidentalmente pronominal. Quanto às pesquisas linguísticas, elas abordam o uso do pronome clítico com verbos pronominais em diferentes contextos geográficos e evidenciam um processo em estágios diferentes quanto à presença ou à ausência do clítico. Enquanto a maioria das investigações apontam uma tendência ao apagamento do pronome clítico (D'ALBUQUERQUE, 1988; OLIVEIRA, 2006; BITTENCOURT, 2009), a pesquisa de Mello (2009) mostra uma tendência à manutenção do clítico em João Pessoa, PB. Dados que um dos objetivos da presente pesquisa relaciona-se à aferição da frequência de uso e desuso do clítico nas orações com verbos pronominais, faz-se importante cotejar os achados deste trabalho com o de outras investigações sobre a mesma temática e verificar se é possível apontar uma tendência atual no PB quanto ao fenômeno estudado. Depois de verificar, por meio dos trabalhos aqui apresentados, que não há consenso quanto a classificação dos verbos pronominais, entendemos ser necessário fixar critérios para seguir com uma caracterização que dê conta de nuances sintáticas e semânticas, além de evidenciar a participação do sujeito na ação desempenhada pelo 42 verbo. Para esta dissertação, optamos por uma definição abrangente de verbo pronominal, a qual abarca os verbos reflexivos, pseudorreflexivos e recíprocos, conforme descrito na seção seguinte. 2.6. Caracterização do verbo pronominal para esta pesquisa Tendo em vista a recorrente dificuldade mencionada por diversos autores para a conceituação do verbo pronominal e suas diferentes classificações, consideramos ser relevante esclarecer o que entendemos por verbo pronominal nesta pesquisa. Para prosseguir com a separação proposta entre verbos reflexivos, pseudorreflexivos e recíprocos, utilizamos os critérios de volição e controle. Por volição entendemos o processo cognitivo pelo qual um indivíduo decide praticar uma ação em particular. Pode ser compreendida como “poder de escolher ou determinar, arbítrio, vontade” (HOUAISS, 2001, p. 2879). É, portanto, um esforço deliberado característico da psique humana. Quando tratamos de controle, compreendemos ser uma forma de domínio exercido sobre determinada ação, coisa ou pessoa. Conforme Houaiss (2001, p. 825), o controle é definido como “domínio da própria vontade, das próprias emoções”. Os verbos reflexivos e recíprocos são caracterizados por terem um sujeito volitivo e com controle da ação, como ilustram (53) e (54), respectivamente. (53) fizemos umas fotografias belíssimas sobre uma duna … sentamos sobre uma duna ainda o sol … ainda estva se pondo … ainda tinha … ainda tinha luz do sol … e … eu me sentei numa duna e Mira caminhou a uns dez metros de … de onde eu estava … e ela conseguiu é … fotografar-me é … de um ângulo que ainda pegava um rastro de sol assim … bem forte sobre … sobre a minha cabeça principalmente. (Corpus D&G, seção Natal, língua falada). (54) passamos por uma reserva linda é ... o tempo de viagem de Porto Alegre a Rio Grande ... é:: são quatro horas ... três horas e meia às quatro ... mas foi ... parecia que aquele dia era o dia de bem com a vida de todo mundo porque ... as pessoas se cumprimentavam ... e ... bom dia ...pra lá ... bom dia pra cá ... (Corpus D&G, seção Natal, língua falada) Nas ocorrências (53) e (54), é possível averiguar que as ações descritas pelos verbos reflexivo e recíproco, sentar(-se) e cumprimentar(-se), respectivamente, refletem a vontade de realizar a ação e o controle da execução pelo sujeito. Em (53), o rapaz 43 descreve um dia em que, juntamente com uma amiga, decidem se sentar sobre uma duna e tirar fotografias, ou seja, decide voluntariamente se sentar sobre a duna. Na amostra (54), de maneira semelhante, afirma-se a volição e o controle da ação das pessoas envolvidas no passeio ao decidirem se cumprimentarem com um “bom dia”. Álvarez Martínez (1989 apud GONZÁLEZ, 1994, p.137) afirma que La reflexividade se há definido generalmente como la acción realizada por el sujeto de la oración, quien, a su vez, recibe esta acción; una característica de este fenómeno de la reflexividade, en la que incidem muchos gramáticos, es que el sujeto no solo realiza y recibe la acción, sino que quiere recibirla, es decir, que hay voluntad en esto6. No entanto, no caso dos verbos pseudorreflexivos, não há volição nem controle da ação, conforme ilustra a ocorrência (55). (55) de cara já disse o meu nome... completo... Giovane R. P... já me assustei... porque... tu não espera de uma pessoa que tu nunca viu na sua vida pegar e falar seu nome... completo...(Corpus D&G, seção Rio Grande, língua falada). Verificamos que, no caso da ocorrência (55), a ação é externa ao sujeito, isto é, foi o fato de o diretor dizer o nome completo do informante que fez com que o sujeito ficasse assustado. Corrobora tal acepção o relato do mesmo episódio, porém em modalidade escrita, como exposto a seguir. (56) Logo no primeiro dia de aula tive uma experiência interessante. Conheci o tão temido Ir. Jorge Fernandes Correa, o diretor. Ao chegar, ele (o) proclamou o meu nome completo e com a pronúncia certa, coisa que geralmente é difícil pois no “Phonlor” o “Ph” tem som de “F”. Fiquei assustado pois nem conhecia o tal diretor. (Corpus D&G, seção Rio Grande, língua escrita). Conforme afirma Said Ali (1971, p.178), Muitos verbos têm significação de tal espécie que, conjugados pronominalmente, não se prestam a ser interpretados como se executasse o sujeito algum ato reversivamente sobre a própria individualidade. Espantei-me, enganei-me, convenci-me, enfadei-me, aborreci-me, 6 A reflexividade tem sido geralmente definida como a ação tomada pelo sujeito da frase, que, por sua vez, recebe esta ação; uma característica desse fenômeno de reflexividade, na qual incidem muitos gramáticos, é que o sujeito não apenas realiza e recebe a ação, mas quer recebê-la, ou seja, que há vontade nisso. (Tradução nossa). 44 zanguei-me, só podem equivaler a “fiquei espantado, enganado, convencido, enfadado, zangado, aborrecido”. A forma reflexa vem aqui dizer que o mesmo efeito que o sujeito, como agente, produz em outros indivíduos, se produziu inversamente nele por alguma causa qualquer do mundo exterior. Soma-se a esses critérios a afirmação de Bechara (1999, p. 223) de que em certos verbos “não se percebe mais a ação rigorosamente reflexa, mas a indicação de que a pessoa a que o verbo se refere está vivamente afetada”. Para nós, assim como para Bagno (2011), essa indicação é marca característica dos verbos pseudorreflexivos. Nas orações com verbos pseudorreflexivos, o valor do sujeito é de paciente, pois é “vítima” da ação que ele não pretendeu ou não teve a intenção de efetivar. Sendo assim, conforme explicado anteriormente, foram os critérios de volição e controle da ação os escolhidos por nós para a distinção entre os verbos reflexivos, recíprocos e os pseudorreflexivos. 45 3 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Neste capítulo, definimos a abordagem teórica em que fundamentamos a pesquisa realizada, a Linguística Funcional Centrado no Uso (LFCU). Expomos os pressupostos teóricos fundamentais dessa vertente teórica, os conceitos de linguagem, língua, gramática e discurso, além de processos, princípios e categorias analíticas utilizados na análise dos dados. Por fim, entre os aspectos metodológicos, apresentamos a caracterização e a natureza da pesquisa, o material de análise e os procedimentos metodológicos adotados no estudo. 3.1 Aspectos teóricos Apresentamos, nesta seção, os pressupostos fundamentais da Linguística Funcional Centrada no Uso, bem como expomos conceitos básicos para essa perspectiva teórica, a saber: linguagem, língua, gramática e discurso. Caracterizamos, ainda, o princípio de iconicidade, a perspectivação, o processo cognitivo de analogia e a inferenciação pragmática. Também apresentamos a classificação semântica dos verbos conforme Scheibman (2001). 3.1.1 Linguística Funcional Centrada no Uso A perspectiva teórica que fundamenta esta pesquisa é a Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU). Cunhada no âmbito do Grupo de Pesquisa Discurso & Gramática (D&G), com base em Martelotta (2011), a abordagem denominava-se icicialmente Linguística Centrada no Uso. Dado que existem diversas vertentes teóricas centradas no uso, a exemplo da Linguística Cognitiva, da Análise do Discurso e da Sociolinguística, pesquisadores do D&G incluíram o termo Funcional e a abordagem veio, finalmente, a ser chamada de Linguística Funcional Centrada no Uso. A LFCU reúne contribuições da Linguística Funcional norte-americana, com base em Givón (1979, 1990), Hopper (1987), Bybee (2010), Traugott (2011), entre outros, e da Linguística Cognitiva, conforme Langacker (1987), Lakoff (1987), Lakoff e Johnson (2002). 46 A Linguística Funcional e a Linguística Cognitiva compartilham vários pressupostos teóricos, tais como a rejeição à centralidade e autonomia da sintaxe, a incorporação da semântica e da pragmática às análises, a não distinção estrita entre léxico e gramática, a relação estreita entre a estrutura das línguas e o uso que os falantes fazem delas em contextos reais de comunicação e o entendimento de que os dados para a análise linguística são enunciados que ocorrem no discurso natural. (FURTADO DA CUNHA, BISPO, SILVA, 2013, p. 14) Ao rejeitar a autonomia da sintaxe, essas duas abordagens teóricas vão de encontro à hipótese gerativista, pois refutam a concepção de que a linguagem deve ser analisada como uma faculdade mental natural. Nosso comportamento linguístico não pode ser compreendido como um dispositivo inato, uma capacidade genética e, portanto, interna ao organismo humano. Conforme enfatiza Tomasello (1998, p. ix), a linguagem é “um complexo mosaico de atividades cognitivas e sociocomunicativas integradas com o resto da psicologia humana”. E, como bem salienta Martelotta (2011, p. 56), os “aspectos de ordem cognitiva só se materializam na interação, ou seja, não refletem apenas o funcionamento de nossa mente como indivíduos, mas como seres inseridos em um ambiente cultural”. A LFCU tem como premissa fundamental o fato de a estrutura linguística emergir de seu uso, concebendo a gramática como resultado da confluência de fatores cognitivos e comunicativos da língua (HOPPER, 1987; BYBEE, 2010), ou seja, estrutura linguística, contexto sociopragmático e aspectos cognitivos atuam de maneira conjunta. 3.1.1.1 Conceitos de linguagem, língua, gramática e discurso O polo funcionalista dos estudos linguísticos reconhece e enfatiza que a linguagem não é uniforme e abstrata e passa a estudá-la em toda a sua complexidade de uso. A linguagem está ancorada em processos cognitivos, sociointeracionais e culturais. Conforme Tomasello (1998), a linguagem está integrada às demais áreas da psique humana, sendo caracterizada como “um complexo mosaico de atividades cognitivas e sociocomunicativas”. A língua, nessa perspectiva, é concebida como um sistema adaptativo complexo (BYBEE, 2010). Apresenta alguns padrões relativamente regulares e outros que estão em constante mudança, sendo, portanto, maleável e mutável. A LFCU concebe a língua 47 como um instrumento de interação social que sofre pressões cognitivas e de uso (sistema aberto). As investigações fundamentadas nessa abordagem teórica vão muito além da estrutura gramatical, reconhecendo a existência de motivações semânticocognitivas e discursivo-pragmáticas subjacentes à escolha linguística que os falantes fazem em situações reais de uso da língua (falada e escrita). A forma, nesse sentido, reflete as atividades cognitivas e interacionais envolvidas no processo de comunicação, tornando possível sua materialização. Enfatizando a estreita relação entre a forma linguística e o uso que o falante faz dela, considera-se que a gramática é emergente (HOPPER, 1987). Ou seja, a gramática – sua forma e organização – surge em virtude de processos cognitivos gerais, a exemplo da categorização e analogia, juntamente com a frequência de uso. Assim sendo, ao contrário de outras correntes linguísticas, não há rigidez nas categorias gramaticais. A gramática é entendida como “um conjunto de esquemas/processos simbólicos utilizado na produção e organização de discurso coerente.” (FURTADO DA CUNHA, BISPO, SILVA, p. 20). Resulta da sistematização e regularização dos usos de categorias morfossintáticas rotinizadas; porém, ainda guarda flexibilidade, tendo em vista sofrer pressões de uso e este ser motivado por fatores cognitivo-interacionais. Há, portanto, uma relação de interdependência entre forma e função, sendo uma moldada pela outra. A simbiose de forma e função reflete a estreita ligação entre gramática e discurso. Schiffrin (1994), ao tratar o discurso em perspectiva funcional, elenca os seguintes pressupostos: (a) a língua sempre ocorre em um contexto; (b) a língua é sensível ao contexto; (c) a língua é sempre comunicativa; (d) a língua é projetada para a comunicação. A autora enfatiza o componente semântico do discurso, destacando que, para além da estrutura formal, estão as relações semânticas subjacentes. Considera, ainda, a dimensão pragmática, ao afirmar que o discurso emerge de necessidades comunicativas do falante. Sob esse prisma, ressalta que a análise linguística deve ter em conta a estrutura (ou sintaxe) do discurso, o significado que é transmitido (semântico e pragmático) e a força interacional, além da relação falante-ouvinte. Sendo assim, nenhum discurso deve ser analisado apenas com base em seu conteúdo linguístico. Há de se levar em consideração questões extralinguísticas. Para a abordagem funcional centrada no uso, cabe ao discurso a autonomia da expressão verbal, sendo cada indivíduo capaz de utilizar diferentes estratégias para construir sentido durante uma determinada interação verbal. As estratégias e motivações 48 para a comunicação envolvem necessariamente processos cognitivos. Em suma, entende-se por discurso a construção e a troca intersubjectiva de sentido(s), incluindo as estratégias sociopragmaticamente orientadas de sua configuração, em uma dada situação intercomunicativa. (…) constitui qualquer instância autêntica de uso da linguagem em todas as suas manifestações, quer dizer, qualquer ato motivado de produção e compreensão de enunciados em um contexto de interação verbal. (FURTADO DA CUNHA, BISPO, SILVA, , 2013, p. 19) A cognição, por sua vez, é entendida como o processo de construção do conhecimento humano (não apenas linguístico, portanto). Diz respeito às operações mentais configuradoras de nosso sistema conceitual como um todo, tendo como base a interação pessoa-ambiente (físico e sociocultural). (IBAÑEZ, 2001). 3.1.1.2 Processos, princípios e categorias analíticas Dentre os processos, princípios e categorias analíticas da Linguística Funcional Centrado no Uso, selecionamos o princípio de iconicidade e economia linguística, a perspectivação, o processo cognitivo de analogia e a inferenciação pragmática, nos termos de Traugott e Dasher (2005), para dar conta da análise dos dados. Também será utilizada a classificação semântica dos verbos, conforme Scheibman (2001), para verificar propriedades semânticas dos verbos que instanciam as orações em estudo. O princípio de iconicidade, em linhas gerais, diz respeito à correlação natural existente entre forma e função. Linguistas funcionais defendem, portanto, que há uma relação motivada entre a expressão e seu conteúdo. Para eles, a estrutura da língua reflete, de algum modo, a estrutura da experiência física. E, por ser a linguagem uma faculdade humana, supõem que a estrutura revela as propriedades da conceituação humana do mundo. As discussões acerca da motivação entre o código linguístico e seu designatum existem desde a Antiguidade Clássica. Remonta a tal período a divisão dos filósofos gregos em convencionalistas e naturalistas. No debate entre os dois grupos, os filósofos gregos discutiam se o que regia a língua era a “natureza” ou a “convenção”. Essa oposição da “natureza” e da “convenção” era um lugarcomum da especulação filosófica. Dizer que uma determinada instituição era natural equivalia a dizer que ela tinha sua origem em princípios eternos e imutáveis fora do próprio homem, e era por isso inviolável: dizer que era 49 convencional equivalia a dizer que ela era o mero resultado do costume e da tradição, isto é, de algum acordo tácito (…) entre os membros da comunidade. (LYONS, 1979, p. 4) A controvérsia entre “naturalistas” e “convencionalistas” se prolongou por séculos e, no início do século XX, foi retomada por Ferdinand de Saussure, que se posicionou de forma favorável à concepção convencionalista ao afirmar a arbitrariedade do signo linguístico. Segundo ele, não há relação natural entre o significante, imagem acústica do signo linguístico, e seu significado, aquilo que ele evoca conceptualmente. Foi na obra filosófica de Charles Peirce que se deu um abrandamento da dualidade apresentada, pois, em sua visão, a sintaxe das línguas não pode ser analisada de forma radical, é necessário conjugar fatores de ambas as concepções. Conforme retomam Furtado da Cunha et al. (2003, p. 31), “a correlação transparente entre forma e função não é absoluta, e sim moderada”. Peirce faz, ainda, a distinção entre as relações signo-objeto representadas por três elementos: ícone, índice e símbolo. O ícone representa, originalmente, a relação de semelhança estabelecida entre o signo e a realidade exterior; o índice, a relação de contiguidade; e o símbolo, a relação convencional. Nesse sentido, princípios icônicos (cognitivamente motivados) interagem com princípios simbólicos (cognitivamente arbitrários). Segundo Lima-Hernandes (2006, p. 83), Uma vez que, no signo icônico, ao contrário do que ocorre no signo saussureano, há uma relação motivada, funcionalistas e sociolinguistas têm aproveitado o conceito de iconicidade para além dos domínios sígnicos. Aparece, agora, tanto relacionado a elementos menores do que o signo como ocorre com os morfemas - quanto a elementos maiores - como ocorre com as sentenças complexas. A iconicidade, em sua versão mais branda, manifesta-se em três subprincípios (GIVÓN, 1990), a saber: a) Subprincípio de quantidade - quanto maior for a quantidade de informação, maior será também a quantidade de forma. Em contrapartida, aquilo que é mais simples e/ou esperado será expresso por meio de mecanismos gramaticais menos complexos. Isso assinala que a complexidade de pensamento tende a ser refletida na complexidade da expressão. 50 b) Subprincípio de integração – conteúdos mais próximos cognitivamente também estarão mais integrados sintaticamente. Ou seja, blocos de informação que pertencem ao mesmo domínio conceptual são mantidos em proximidade espaço-temporal. c) Subprincípio de ordenação linear – a informação mais relevante tende a ser mencionada em primeiro lugar. Acrescenta-se que a ordem temporal na qual os acontecimentos ocorrem é espelhada no relato linguístico correspondente. Desses subprincípios, restringimo-nos, para a realização desta investigação, ao subprincípio de quantidade. No caso dos (des)usos do pronome clítico com verbos pronominais, o esperado é que, quando as informações são, em geral, previsíveis ou já conhecidas pelos interlocutores, haja mais frequentemente a ausência de marca pronominal. Contrariamente ao princípio de iconicidade está a propensão a economizar esforço. Zipf (1935, p. 29, apud HAIMAN, 1985, p. 167) observa que “alta frequência é a causa de pequeno tamanho”, quer isso dizer que, nas línguas, o que é habitual acaba por ser materializado de maneira reduzida. Assim, a dinâmica da gramática de uma língua natural está sujeita a pressões competidoras, oscilando entre motivações que ora concorrem para maior clareza e expressividade, ora atendem a necessidades de rapidez na produção do discurso e consequente economia linguística. Ou seja, a economia linguística parece refletir a economia cognitiva que a comunicação, por vezes, demanda. As mudanças linguísticas são, em muitos casos, resultado da interação entre essas pressões icônicas e econômicas. Conforme Haiman (1985), as tendências de maximização da iconicidade e da economia são duas das motivações competidoras mais importantes que atuam na língua. Furtado da Cunha (2001, p. 25), expõe que A economia se opõe à iconicidade e contribui para o seu enfraquecimento. A motivação econômica destrói o paralelismo entre estrutura linguística e estrutura externa. A tendência em economizar no comprimento ou complexidade de uma forma ou enunciado pode levar à opacidade ou arbitrariedade. Está claro que as língusa podem mudar, ao longo do tempo, na predominância de uma motivação sobre a outra. Anomalias e inconstâncias 51 linguísticas são esperadas uma vez que se reconhece a existência de motivações em conflito. Utilizamo-nos do modelo das motivações competidoras para verificar em que medida as motivações icônicas e econômicas se fazem presentes no (des)uso do clítico nas orações com verbos pronominais. Entendemos que, nos casos de uso do clítico com verbos pronominais, mesmo que sua ausência não implique alteração semântica, pode ocorrer um reforço, uma ênfase na participação do sujeito diante de determinada ação. Em contrapartida, a perda em forma devido à ausência do clítico é compensada pelo ganho de rapidez no processamento do discurso, sendo, portanto, motivada por uma necessidade comunicativa. Se por um lado perde-se forma, expressividade (e clareza, em alguns casos), por outro, ganha-se rapidez, como afirma Givón (1979), ao referir-se a perdas e ganhos no uso da língua. Além dos princípios de iconicidade e economia, utilizamos a categoria de perspectiva para realizar a análise dos dados desta pesquisa. Tal categoria trata do “arranjo de visão” (Langacker, 1987, p. 129) a partir do qual o evento é comunicado. Silva (2008) explica, de maneira simples, como uma mesma situação da realidade pode ser comunicada através de diferentes perspectivas espaciais por meio do uso de expressões linguísticas distintas. Afirma: estando eu no jardim traseiro da minha casa e querendo dizer onde deixei a bicicleta, posso dizer, sem contradição, que a bicicleta está atrás da casa e que a bicicleta está à frente da casa. No primeiro caso, tomo a perspectiva da minha própria posição, do meu próprio olhar: à minha frente vejo a minha casa e a bicicleta está por trás dela. No segundo caso, tomo a perspectiva da orientação inerente de uma casa, conceptualizando-a, antropomorficamente, com uma parte da frente e uma parte de trás. (SILVA, 2008, p. 19) O que ocorre na situação ilustrada na citação não é exclusivo de expressões espaciais. Cada manifestação linguística traz consigo determinada perspectiva. Isso mostra que o significado de uma expressão inclui não apenas o que é dito, mas também a ‘perspectiva’ a partir da qual esse conteúdo é construído e comunicado. A base conceptual das operações que envolvem a perspectivação conceptual encontra-se na categoria de Perspectiva. Conforme Langacker (1987, p. 487-488), a perspectivação conceptual é “a relação que se estabelece entre o locutor (ou interlocutor) e a situação que ele conceptualiza e descreve, e essa relação envolve ajustamentos focais e uma imagética convencional”. Trata-se do arranjo que envolve um observador (locutor ou interlocutor), de um lado, e uma situação observada, do outro. 52 No caso do objeto de estudo deste trabalho, investigamos se existe diferença entre enunciados como “Ela levantou cedo” e “Ela se levantou cedo”. Podemos afirmar que a primeira perspectiviza a ação praticada enquanto a inserção do clítico destaca sobre quem a ação recaiu? Pretendemos, portanto, investigar se a perspectiva motiva o uso ou não do clítico com verbos pronominais. Para a análise dos dados, utilizamos, ainda, a noção de analogia. Epistemologicamente, o conceito de analogia, segundo Santos T. (1990), significa segundo uma razão. (ana = de acordo com, segundo; logos = razão.) No sentido original, empregado pelos gregos, seria algo proporcional. O processo analógico se dá por relação de proporcionalidade entre dois domínios (fonte e alvo). Essa relação acontece a partir de um processamento em que o falante faz correlações entre pontos coincidentes de ambos os domínios, utilizando estruturas previamente armazenadas para criar algo novo. Ou seja, é por meio de analogias que o falante pode alterar uma forma linguística para fazer com que a mesma se enquadre num modelo já existente. Bybee (2010) tem um capítulo específico acerca da analogia: “Analogy and similarity”. A autora define analogia como “o processo pelo qual o falante passa a usar um novo item em uma construção”7(p. 57) e chama a atenção para a acepção de analogia como um processo de domínio geral caracterizado por similaridades estruturais entre dois domínios distintos. A analogia atua a partir da comparação de um item novo com outros mais antigos, já estocados pelo falante. E, em assim sendo, os itens mais frequentes servem de base para a formação analógica. Comumente, relembramos situações em que crianças em processo de aquisição da linguagem (ou estrangeiros aprendendo uma segunda língua) cometem “inadequações” atribuídas à analogia com formas previamente conhecidas. Por analogia com formas de verbos regulares como comer e beber (domínio fonte), é possível - e provável - que o falante pense que a forma correspondente para o verbo fazer (domínio alvo) siga a mesma estruturação da previamente armazenada, conforme ilustra a sequência Eu comi → Eu bebi → Eu fazi. 7 “the process by which a speaker comes to use a novel item in a construction” (BYBEE, 2010, p. 57). 53 Podemos compreender o processo analógico como um contínuo paralelismo realizado pelo falante entre os domínios fonte e alvo. O indivíduo busca identificar as diferenças e semelhanças entre a informação nova e aquelas que já possui. Não há, como afirma Bybee (2010), regras abstratas para formar novas palavras ou sentenças na língua. O que ocorre, na realidade, é a forte atuação da analogia que possibilita generalizações sobre estruturas linguísticas (e não só) e, consequentemente, proporciona ao falante apreender o novo significado e construir novos itens linguísticos ou um novo conhecimento. 3.1.2 Classificação semântica dos verbos Para dar conta de questões relativas à semântica dos verbos pronominais, procedemos à classificação dos verbos encontrados no estudo de modo a agrupá-los a partir de suas propriedades semânticas. Uma das propostas de classificação é a de Borba (2002). Para esse autor, os verbos podem ser agrupados em quatro grandes grupos: (1) Ação. Verbo que “expressa uma atividade associada a um sujeito agente” (ex.: o galo canta; o pássaro voa); (2) Processo. Verbo que expressa um evento (ou sucessão de eventos) cujo suporte está num sujeito paciente, afetado, experimentador ou beneficiário (ex.: a planta cresce; o gato morreu); (3) Ação-processo. Verbo que “expressa uma mudança de estado ou de condição levada a efeito por um sujeito agente, causativo ou instrumental” (ex.: Ana abriu a a porta; o raio partiu a árvore; uma velha tesoura cortou o umbgo do nenê); (4) Estado. Verbo cujo sujeito é mero suporte de propriedades […] ou, então, é experimentador delas. (ex.: meu vizinho tem fazendas em Goiás; João amava Maria). Outra proposta de controle do traço semântico do verbo é a de Tavares (2003). A autora toma por referência base a proposta de Schlesinger (1995). Essa prevê a hierarquização dos verbos de acordo com o grau de atividade que indicam. Tavares estabelece duas subdivisões nas classes propostas e acrescenta à classificação duas categorias: possessivo/relacional, que abarca as relações de posse, e verbal, que dá 54 conta dos verbos dicendi, chegando ao resultado de quinze traços semânticos, conforme o Quadro 3. Quadro 3 - Escala dos traços semânticos do verbo 1. Momentâneo » refere-se à atividade repentina, de curta duração: saltar, chutar, bater, derrubar, golpear, quebrar (intencional) 2. Atividade específica » evoca uma imagem específica: escrever, jogar, beber, desenhar, nadar, andar, sorrir 3. Dicendi » precede a citação ou discurso direto: dizer, falar, responder, ordenar, perguntar 4. Atividade difusa » não evoca uma atividade específica: aposentar-se, trabalhar, aprender, mendigar, estudar 5. Instância » posição corporal estática: deitar(-se), recostar(-se), sentar(-se), pousar(-se), reclinar(-se) 6. Estímulo mental » o sujeito da oração é o estímulo da experiência mental de outrem: impressionar, agradar, surpreender, assustar, espantar, aborrecer 7. Evento transitório intencional » indica se o sujeito permanece em certo lugar: permanecer, residir, situar, estar (em algum lugar) 8. Evento transitório não intencional » refere-se a ações não intencionais: morrer, cair, desmaiar, adormecer, acordar, quebrar (não intencional) 9. Processo » mudança não intencional sofrida por com corpo (mais ou menos animado): deteriorar, crescer, amadurecer, transformar, ferver, congelar 10. Experimentação mental » o sujeito da oração é o experienciador: adorar, odiar, desejar, pensar, lembrar, entender 11. Atenuação » distanciamento ou suavização da opinião: achar, pensar 12. Relacional » representa relações assinaladas pelos homens em seu processo de percepção da realidade: identidade, analogia, comparação, posse, causa, finalidade, consequência, etc. Depender de, merecer, precisar; servir como, assemelhar-se, causar, igualar, ter (posse), determinar, faltar (algo), errar, resultar em/de, relacionar-se com, custar 13. Sensação corporal » sensação física: machucar-se, doer, ferir, sentir, sofrer 14. Existência » ter, haver, existir 15. Estado » ser, estar, parece, ter (olhos azuis) Fonte: Tavares (2003, p. 108). 55 Para esta pesquisa, adotamos a classificação semântica proposta por Scheibman (2001). Para chegar ao sistema de classificação de tipos verbais, a autora toma por base a taxonomia dos processos verbais proposta por Halliday (1994) a qual engloba três processos gerais da experiência humana: ser, sentir e fazer. O quadro 4 mostra as dez classes semânticas dos verbos utilizadas por Scheibman (2001) em seu estudo. A pesquisadora explica que as classes cognição, existencial, sentimento, material, percepção, relacional e verbal são tiradas diretamente de Halliday (1994), enquanto a categoria corporal foi tirada de Dixon (1991). As classes percepção/relacional e posse/relacional surgiram durante o processo de codificação de seu trabalho. Quadro 4 - Classificação semântica do verbo segundo Scheibman (2001) Tipo de verbo Cognição Corporal Existencial Sentimento Material Percepção Percepção/relacional Possessivo/relacional Relacional Verbal Descrição Atividade cognitiva Gestos corporais, interação corporal Existência, acontecimento Emoção, desejo Fazeres e acontecimentos concretos e abstratos Percepção, atenção Percepção (assunto, não o sentido) Posse (x tem/possui y) Processo de ser (x é y, x está em y) Dicendi, troca simbólica de significado Exemplos Saber, pensar, lembrar Comer, beber, dormir, viver, fumar Ser, ter, ficar, acontecer Gostar, querer, sentir, precisar Fazer, ir, ensinar, trabalhar, brincar, vir Olhar, ver, ouvir, achar, notar Olhar, cheirar, escutar Ter, possuir Ser, ser como, tornar-se Dizer, falar, contar, perguntar Fonte: Scheibman (2001, p. 67) Para este trabalho, optamos pela classificação semântica de Scheibman (2001) por ser mais específica que a proposta de Borba (2002), que propõe uma categorização dos verbos em quatro grandes grupos, porém, não tão minuciosa quanto a de Tavares (2003), que, tomando por base Schlesinger (1995), estabelece quinze traços verbais segundo o critério de atividade. Entendemos que um trabalho excessivamente minucioso não seria pertinente para o presente estudo. 56 Pretendemos, portanto, a partir do estudo das ocorrências em orações com verbos pronominais, descrever e explicar motivações semântico-cognitivas e discursivopragmáticas envolvidas na escolha feita pelo falante quanto ao uso ou não do clítico. 3.2 Aspectos metodológicos Nesta seção, discorremos acerca da metodologia utilizada nesta investigação. Apresentamos o tipo de pesquisa realizado para o estudo dos clíticos em orações com verbos pronominais, caracterizamos o material de análise e explicitamos os procedimentos metodológicos adotados. 3.2.1 Classificação e natureza da pesquisa A pesquisa realizada figura, quanto à natureza, como uma pesquisa teórica, ou seja, consiste na aquisição de conhecimento sobre um determinado fenômeno linguístico sem o foco na aplicação imediata desse conhecimento à realidade. Quanto à forma de abordagem do problema, a Linguística Funcional Centrada no Uso desenvolve “uma análise essencialmente qualitativa com suporte quantitativo evidenciador de tendências” (FURTADO DA CUNHA, BISPO, SILVA, 2013, p. 21). Realizamos, portanto, uma investigação quali-quantitativa. Os aspectos quantitativos, como a frequência de uso dos verbos com presença ou ausência do pronome clítico, possibilitam a descrição do fenômeno, enquanto a análise qualitativa dos dados levantados, evidenciam a natureza explicativa da pesquisa, em termos de identificação de motivações para o uso ou não do clítico nas orações investigadas. 3.2.2. Material de análise O corpus escolhido para o desenvolvimento desta pesquisa foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Discurso & Gramática e engloba amostras de fala e escrita de três cidades brasileiras: Natal-RN, Juiz de Fora-MG e Rio Grande - RS. Cada uma das seções é constituída por um conjunto de textos produzido por informantes das três cidades, que produziram 10 textos, distribuídos igualmente entre modalidade falada e modalidade escrita. São cinco os formatos textuais presentes: narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local, relato de procedimento e relato de 57 opinião. Em Juiz de Fora e em Natal, os textos foram produzidos por 20 informantes. No Rio Grande, por 18. Os informantes possuem nível de escolaridade diferenciado, perpassando da alfabetização ao ensino superior. Foram analisados, ao todo, 580 textos. Estudos linguísticos realizados com a temática dos verbos pronominais apontam a ausência de marca pronominal como característica do Sudeste, em especial, do estado de Minas Gerais e que o redobro seria marca da região Nordeste (OLIVEIRA, 2006; MELLO, 2009), além do uso mais frequente da segunda pessoa na região Sul. Devido às particularidades evidenciadas, ressaltamos a importância de trabalhar com cidades das três regiões do país: Natal, na região Nordeste; Juiz de Fora, no Sudeste e Rio Grande, na região Sul. 3.2.3 Procedimentos metodológicos A primeira etapa realizada foi a coleta de dados em documentação indireta, tendo em vista que o levantamento das ocorrências foi realizado em material já disponibilizado, no caso, na página eletrônica do Grupo de Pesquisa Discurso & Gramática8. Ressaltamos que o levantamento das ocorrências foi feito de forma manual, posto ser necessário localizar não só o uso do clítico (passível de ser feito com ajuda de programas de busca) como os casos de ausência desse pronome, algo difícil por meio do uso de ferramentas de busca. O passo seguinte foi selecionar as ocorrências que se adequam ao estudo proposto nesta pesquisa. Ou seja, foi necessário diferenciar ocorrências em que um verbo figura como recíproco, reflexivo ou pseudorreflexivo de ocorrências em que o verbo assume outro comportamento morfossintático. Para melhor elucidar tal diferenciação, observemos a ocorrência a seguir: (56) Porque a vida num é… num é um mar de rosas…né?...se você…se fosse era muito bom…porque tudo que você…você fizesse…você tivesse certeza que ia dar certo…era muito bom… mas você não…você tem que…passar por aquilo pra ver…se der certo…melhor ainda…se num der né?...levantar a cabeça e seguir em frente… (Corpus D&G, seção Natal, língua falada) É possível notar que, apesar de se tratar do verbo levantar, muito presente em nossos dados, tal oração não poderia figurar em nosso estudo por abordar um uso em 8 http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/ 58 que o verbo é transitivo direto, tendo a cabeça como objeto direto. Nesse caso, não poderíamos tratá-lo como verbo pronominal com ausência de clítico. E, assim sendo, excluímos esta (e demais ocorrências semelhantes) de nossos dados de pesquisa. Em seguida, organizamos as ocorrências encontradas em uma tabela geral com vistas a visualizar mais facilmente que verbos ocorrem com maior frequência nas seções analisadas. Ao verificar que o volume textual do Corpus D&G Natal era significativamente maior que os demais (quanto ao número de palavras, encontramos 182.380 palavras no Corpus D&G Natal, 53.690, no Corpus D&G Juiz de Fora e 32.093 palavras Corpus D&G Rio Grande), pensamos em implementar alguma alternativa para dirimir tal diferença (contabilizar por número de páginas e/ou palavras); no entanto, em análise preliminar, vimos que percentualmente não houve grande discrepância entre os verbos coletados e sua frequência de (des)uso nas três diferentes cidades. A etapa posterior foi dispor as ocorrências de acordo com o corpus em que foram localizadas (Natal, Juiz de Fora ou Rio Grande), subdividindo-as em ocorrências com clítico e ocorrências sem o pronome. Os dados foram também organizados em função do tipo semântico de verbo, conforme classificação proposta por Scheibman (2001), do tipo textual em que figuram, além da modalidade de língua, se falada ou escrita. Escolhemos não utilizar termos consagrados por algumas gramáticas normativas e dicionários - verbos essencialmente pronominais e acidentalmente (ou eventualmente) pronominais9. Os verbos queixar-se, arrepender-se, suicidar-se, zangar-se, condoer-se, apiedar-se, precaver-se, indignar-se são tidos como essencialmente pronominais, pois são caracterizados através do uso obrigatório do pronome oblíquo correspondente diante de tais verbos. Ou, como afirma Luft (1987), figuram entre os reflexivos essenciais ou obrigatórios porque o verbo nunca se usa sem o pronome. A questão de obrigatoriedade de uso do pronome clítico junto a tais verbos já não se sustenta, tendo em vista o crescente número de ocorrências encontradas sem o clítico pronominal. Optamos por classificar os verbos em reflexivos, recíprocos e pseudorreflexivos, como explicado anteriormente na seção 2.6 Caracterização do verbo pronominal para esta pesquisa. Numa fase ulterior, aferimos a frequência de uso e de desuso do clítico no corpus. Por fim, partimos para a análise das ocorrências, com vistas à identificação de 9 Os termos podem aparecer em comparações com estudos que optam por tal classificação. 59 fatores de natureza cognitiva, a exemplo da perspectivação e da analogia, e sociointeracional implicados na escolha feita pelo falante. 60 4 ANÁLISE DOS DADOS Neste capítulo, apresentamos os resultados obtidos no exame de dados nas seções selecionadas do corpus D&G e, a partir deles, apontamos possíveis motivações para o (des)uso do clítico em orações com verbos pronominais. Selecionamos todas as ocorrências que denotam expressões de reflexividade, pseudorreflexividade e reciprocidade, nas quais eram esperadas a presença de um pronome clítico. Inicialmente, apresentamos a análise quantitativa dos dados para, em seção seguinte, procedemos à discussão dos dados à luz de categorias funcionais. 4.1 Análise quantitativa dos dados Para a análise quantitativa dos dados, consideramos os números absolutos e percentuais das ocorrências, contabilizando-as de forma geral e conforme o corpus em que foram localizadas. Fizemos, ainda, a tabulação dos dados de acordo com a presença ou ausência do pronome clítico na ocorrência, por tipo de verbo (pseudorreflexivo, reflexivo ou recíproco) e por classificação semântica. Os dados coletados totalizam 456 ocorrências, assim distribuídas por corpus: 275 no D&G Natal, 61 no D&G Rio Grande e 120 instanciações no D&G Juiz de Fora. Vejamos o Gráfico 1. Gráfico 1 - Distribuição do número de ocorrências por seção do Corpus D&G Fonte: Corpus D&G 61 Como é possível observar, há um número superior de dados no Corpus de Natal, reunindo 60% (275) do total de ocorrências. Tal resultado pode ser explicado tendo em vista que o volume textual do corpus potiguar é bastante superior aos demais, conforme indicado na subseção 2.2.2. No que diz respeito à presença versus ausência do pronome clítico nas orações estudadas, verificamos que, em sua maioria, os verbos pronominais são acompanhados do clítico. A Tabela 1 mostra os quantitativos: Tabela 1: Quantitativo do (des)uso do clítico em orações com verbos pronominais Emprego do clítico Frequência Presença Ausência Total 319 (70%) 137 (30%) 456 (100%) Fonte: Corpus D&G Comparando os dados deste trabalho com os resultados da pesquisa de Bittencourt (2009), em que houve 17,7% de ausência do clítico pronominal em um corpus escrito, de registro formal do século XIX, e de Cavalcante (apud BITTENCOURT, 2009), em que foram encontrados 15,6% de apagamento para o NURC/RJ, década de 90) e 17,6% para o corpus APERJ (com informantes pouco escolarizados do interior do RJ), verificamos que o percentual encontrado por nós, 30%, marca um aumento razoável de desuso do clítico. Por outro lado, nossos dados diferem bastante dos resultados a que chegou Barros (2011), em sua dissertação, em que verificou a ausência do pronome clítico em contextos de reflexividade em Goiás de mais de 84%. Em contrapartida, Mello (2009) afirma que, em João Pessoa, o uso do clítico se mantém e se estende a contextos diversos. Os achados dessas pesquisas parecem indicar que o desuso do pronome clítico com verbos pronominais segue uma trajetória diferenciada em diferentes contextos geográficos. Averiguamos também em qual das cidades consideradas em nossa amostra haveria maior percentual de presença/ausência do clítico com verbos pronominais, posto que elas se localizam em três diferentes regiões do país: Natal, na região Nordeste; Juiz de Fora, na região Sudeste e Rio Grande, na região Sul. Os resultados obtidos mostram não haver diferença quanto ao (des)uso do clítico entre as essas cidades, posto os percentuais encontrados serem, praticamente, os mesmos, conforme indicado na tabela 2. 62 Tabela 2 - (Des)uso do clítico em orações com verbos pronominais por seção do Corpus D&G Emprego do clítico Rio Grande Natal Juiz de Fora Presença do clítico 43 (70,5%) 192 (69,8%) 84 (70%) 319 (70%) Ausência do clítico Total 18 (29,5%) 83 (30,2%) 36 (30%) 137 (30%) 61 275 120 456 (100%) Fonte: Corpus D&G Os dados encontrados também foram organizados considerando a classificação dos verbos em reflexivos, pseudorreflexivos e recíprocos, conforme Tabela 3. Tabela 3: (Des)uso do clítico em orações com verbos pronominais por tipo de verbo Tipo de verbo Reflexivos Pseudorreflexivos Recíprocos Presença do clítico Ausência do clítico 73 (59,3%) 231 (73,1%) 15 (88,2%) 319 (70%) 50 (40,7%) 85 (26,9%) 02 (11,8%) 137 (30%) Total 123 316 17 456 (100%) Fonte: Corpus D&G Podemos verificar que a presença do pronome clítico é superior nos três tipos de verbos; no entanto, notamos que há uma tendência maior à ausência do clítico pronominal entre os verbos reflexivos. Tal achado corrobora os resultados encontrados por D´Albuquerque (1988). A autora afirma que em verbos como sentar, levantar, deitar (que, inclusive, figuram entre os mais frequentes da classe dos reflexivos nesta pesquisa) a previsibilidade do objeto faz com que o desuso do clítico ocorra com mais frequência do que entre os demais. Apuramos que as 456 ocorrências (tokens) identificadas no levantamento de dados representam instanciações de 41 diferentes verbos pronominais (types). Esses verbos estão listados na tabela 4, apresentada a seguir. Tabela 4 - Distribuição das ocorrências (tokens) por tipo de verbo (type) TIPO DE VERBO Pseudorreflexivo VERBO 01. Lembrar-se 02. Esquecer-se 03. Chamar-se 04. Enganar-se Ocorrências com clítico 30 17 29 17 Ocorrências sem clítico 25 35 16 05 TOTAL 55 52 45 22 63 Reflexivo Recíproco 05. Sentir-se 06. Apaixonar-se 07. Divertir-se 08. Perder-se 09. Aproveitar-se 10. Preocupar-se 11. Conformar-se 12. Assustar-se 13. Encantar-se 14. Acomodar-se 15. Formar-se 16. Apegar-se 17. Arrepender-se 18. Impressionar-se 19. Convencer-se 20. Distrair-se 21. Iludir-se 22. Espantar-se 23. Declarar-se 24. Descabelar-se 25. Desentender-se 26. Enamorar-se 27. Agradar-se 28. Recordar-se 18 17 14 10 06 09 07 06 06 05 05 04 04 04 03 03 03 02 02 01 01 01 01 01 03 01 18 17 14 10 09 09 07 06 06 05 05 04 04 04 03 03 03 02 02 01 01 01 01 02 Subtotal1 231 85 316 1. Sentar-se 2. Levantar-se 3. Deitar-se 4. Apresentar-se 5. Aproximar-se 6. Mudar-se 7. Maquiar-se 8. Ajoelhar-se 9. Oferecer-se 10. Tocar-se 21 13 05 13 10 01 04 03 02 01 27 07 09 06 01 - 48 20 14 13 10 07 04 03 03 01 Subtotal2 73 50 123 1. Separar-se 2. Conhecer-se 3. Reunir-se 07 07 01 02 - 09 07 01 64 Subtotal3 15 02 17 TOTAL de verbos: 41 319 137 456 Fonte: Corpus D&G Como mostram os dados da tabela 4, há uma variedade de verbos pronominais encontrados no corpus. Verificamos, ainda, que os chamados pseudorreflexivos são os mais frequentes, representando dois terços do total (28 types). Ademais, vemos que os verbos lembrar-se e esquecer-se somam mais de 100 ocorrências, respondendo por 30,6% dessa categoria. Ou seja, apesar de um número significativo de verbos, apenas dois deles representam quase um terço do total. Além de serem os verbos mais frequentes, são também os verbos com que ocorreu maior número absoluto de desuso do clítico: encontramos 25 ocorrências sem o clítico com lembrar-se de um total de 55 e 35 casos de ausência do clítico junto a esquecer-se em um total de 52. Uma possível explicação para a alta frequência desses verbos repousa nos tipos textuais que compõem o corpus D&G, em especial, a narrativa de experiência pessoal (NEP) e a narrativa recontada (NR). Ambas remetem a eventos passados e propiciam o uso de verbos cujo significado implica a rememoração do episódio a ser narrado. Com relação aos reflexivos, classe com dez verbos nesta pesquisa, encontramos um resultado em que os dois verbos mais frequentes, sentar-se e levantar-se, representam 58% do total de ocorrências da categoria. O verbo sentar-se, vale ressaltar, apresenta mais ocorrências de desuso do que de uso do clítico (27 ocorrências sem o clítico vs 21 ocorrências com presença do clítico). Esse dado vai ao encontro do que nos diz Said Ali (1971) ao afirmar que verbos que atestam movimento podem, por vezes, dispensar o pronome reflexivo. A seguir, separamos os dados encontrados em duas tabelas: a Tabela 5 apresenta os quantitiativos referentes aos verbos que ocorreram tanto com a presença quanto com a ausência do pronome clítico, enquanto na Tabela 6 é possível visualizar os dados de verbos em que todas as ocorrências encontradas se deram com uso do clítico. 65 Tabela 5 – Ocorrências dos verbos pronominais com oscilação entre uso e desuso do clítico TIPO DE VERBO Pseudorreflexivo Reflexivo Recíproco VERBO Ocorrências com clítico 30 17 29 17 06 01 Ocorrências sem clítico 25 35 16 05 03 01 TOTAL Subtotal1 100 85 185 01. Sentar-se 02. Levantar-se 03. Deitar-se 04. Mudar-se 05. Oferecer-se 21 13 05 01 02 27 07 09 06 01 48 20 14 07 03 Subtotal2 42 50 92 01. Separar-se 07 02 09 Subtotal3 07 02 09 TOTAL 149 137 286 01. Lembrar-se 02. Esquecer-se 03. Chamar-se 04. Enganar-se 05. Aproveitar-se 06. Recordar-se 55 52 45 22 09 02 Fonte: Corpus D&G Verificamos, a partir dos dados da Tabela 5, que, apesar de encontrarmos apenas 12 verbos em que há oscilação quanto ao uso e ao desuso do clítico, o número de ocorrências é bastante significativo, totalizando 62% do total geral. Ao confrontarmos o quantitativo de uso e desuso entre tais verbos (149 e 137, respectivamente), atestamos que há certo equilíbrio. Percentualmente, correspondem a valores de 52% de uso do clítico e 48% de desuso. Tabela 6 - Distribuição dos verbos pronominais que ocorreram apenas com uso do clítico TIPO DE VERBO Pseudorreflexivo VERBO Ocorrências 01. Sentir-se 02. Apaixonar-se 03. Divertir-se 18 17 14 66 04. Perder-se 05. Preocupar-se 06. Conformar-se 07. Assustar-se 08. Encantar-se 09. Acomodar-se 10. Formar-se 11. Apegar-se 12. Arrepender-se 13. Impressionar-se 14. Convencer-se 15. Distrair-se 16. Iludir-se 17. Espantar-se 18. Declarar-se 19. Descabelar-se 20. Desentender-se 21. Enamorar-se 22. Agradar-se 10 09 07 06 06 05 05 04 04 04 03 03 03 02 02 01 01 01 01 Subtotal1 126 01. Apresentar-se 02. Aproximar-se 03. Maquiar-se 04. Ajoelhar-se 05. Tocar-se 13 10 04 03 01 Subtotal2 31 01. Conhecer-se 02 . Reunir-se 07 01 Subtotal3 08 TOTAL 165 Reflexivo Recíproco Fonte: Corpus D&G Ao observar os dados da Tabela 6, verificamos que com a maioria dos verbos, 29 de 41, o falante opta pela utilização do pronome clítico. Ou seja, parece que esses 67 verbos são, de certa maneira, mais conservadores quanto ao uso do pronome, em especial, ao tratarmos dos verbos pseudorreflexivos. As três tabelas seguintes são um desdobramento da Tabela 4. Apresentam os verbos encontrados em cada seção do corpus de análise e os dados quantitativos relativos ao número de ocorrências com o clítico e sem ele. Observamos que alguns verbos ocorreram apenas uma das seções, a exemplo de preparar-se no D&G Natal; reunir-se no D&G Rio Grande; descabelar-se, desentender-se no D&G Juiz de Fora. Vejamos a tabela dos dados da cidade de Natal. Tabela 7: Ocorrências com verbos pronominais por tipo de verbo no D&G Natal TIPO DE VERBO VERBO Pseudorreflexivo 1. Esquecer-se 2. Lembrar-se 3. Chamar-se 4. Enganar-se 5. Sentir-se 6. Apaixonar-se 7. Divertir-se 8. Aproveitar-se 9. Perder-se 10. Preocupar-se 11. Acomodar-se 12. Agradar-se 13. Conformar-se 14. Apegar-se 15. Arrepender-se 16. Formar-se 17. Assustar-se 18. Iludir-se 19.Impressionarse 20. Convencer-se 21. Declarar-se 22. Distrair-se 23. Enamorar-se 24. Encantar-se 25. Espantar-se Subtotal1 Ocorrências com clítico 08 11 18 11 13 12 11 05 08 06 04 04 04 03 03 03 02 02 02 Ocorrências sem clítico 28 20 07 05 03 - TOTAL 01 01 01 01 01 01 - 01 01 01 01 01 01 136 63 199 36 31 25 16 13 12 11 08 08 06 04 04 04 03 03 03 02 02 02 68 Reflexivo Recíproco 1. Sentar-se 2. Levantar-se 3. Aproximar-se 3. Apresentar-se 4. Deitar-se 5. Mudar-se 17 09 08 05 03 01 15 03 02 - 32 12 08 05 05 01 Subtotal2 43 20 63 1. Conhecer-se 2. Separar-se 07 06 - 07 06 Subtotal3 13 - 13 TOTAL 32 192 83 275 Fonte: Corpus D&G Verificamos que, entre os pseudorreflexivos, os verbos mais frequentes nos dados de Natal foram lembrar-se e esquecer-se. Observamos, ainda, que o desuso do clítico com ambos os verbos é significativamente superior ao seu uso: 77,8% com esquecer-se e 64,5% com lembrar-se. Dentre os verbos reflexivos, sentar-se e levantar-se somam 44 ocorrências de um total de 63. Ou seja, representam 69,8% das ocorrências desse grupo de verbos. Quanto à ausência do clítico pronominal, o verbo sentar-se tem destaque, pois, mesmo que o percentual de uso do clítico seja levemente superior ao desuso (53,1% e 46,9%, respectivamente), ao considerarmos a tipologia de verbos reflexivos, pudemos verificar que foi com este verbo que se deu o maior percentual de desuso do clítico. Entre os verbos recíprocos, há 100% de uso do pronome clítico nas ocorrências verificadas. Com relação aos dados coletados no D&G Juiz de Fora, pudemos verificar um número maior de verbos, conforme tabela a seguir. Tabela 8 - Ocorrências com verbos pronominais por tipo de verbo no D&G Juiz de Fora TIPO DE VERBO Pseudorreflexivo VERBO 1. Chamar-se 2. Lembrar-se Ocorrências com clítico 07 09 Ocorrências sem clítico 08 03 TOTAL 15 12 69 3. Esquecer-se 4. Apaixonar-se 5. Sentir-se 6. Divertir-se 7. Encantar-se 8. Conformar-se 9. Distrair-se 10. Enganar-se 11. Formar-se 12.Impressionar-se 13. Perder-se 14. Acomodar-se 15. Agradar-se 16. Apegar-se 17. Aproveitar-se 18. Arrepender-se 19. Assustar-se 20. Convencer-se 21. Declarar-se 22. Descabelar-se 23. Desentender-se 24. Espantar-se 25. Iludir-se 26. Preocupar-se Subtotal1 05 05 04 03 03 02 02 02 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 61 04 15 09 05 04 03 03 02 02 02 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 76 Reflexivo 1. Apresentar-se 2. Deitar-se 3. Sentar-se 4. Mudar-se 5. Levantar-se 6. Maquiar-se 7. Ajoelhar-se 8. Oferecer-se 9. Aproximar-se 10. Tocar-se Subtotal2 08 01 02 01 04 03 02 01 01 23 06 04 06 03 19 08 07 06 06 04 04 03 02 01 01 42 Recíproco 1. Separar-se Subtotal3 00 02 02 02 02 TOTAL 37 84 36 120 Fonte: Corpus D&G 70 Destacamos que, dentre os cinco verbos pseudorreflexivos mais frequentes (totalizam 59,5% das ocorrências), encontramos, assim como no D&G Natal, os verbos lembrar-se e esquecer-se. Ao observarmos os reflexivos, o mais frequente foi apresentar-se, com um percentual de 20,5% do total de verbos dessa classe. Quanto às ocorrências sem o clítico, verificamos que se deu com deitar-se, sentar-se, levantar-se e mudar-se. O desuso do clítico, inclusive, ocorre com frequência superior ao uso com tais verbos (deitar-se, 85,7%; sentar-se, 66,6% ;levantar-se, 75% e mudar-se, 100%). Quanto aos verbos recíprocos, foram apenas duas ocorrências encontradas. Observamos que separar-se só ocorreu sem o clítico pronominal. O D&G Rio Grande foi o que apresentou um número menor de ocorrências (61) e de verbos (19), como pode ver visto na tabela 9. Tabela 9 - Ocorrências com verbos pronominais por tipo de verbo no D&G Rio Grande TIPO DE VERBO VERBO Pseudorreflexivo Reflexivo Ocorrências sem clítico 02 03 01 01 - TOTAL 1. Lembrar-se 2. Esquecer-se 3. Chamar-se 4. Enganar-se 5. Assustar-se 6. Encantar-se 7. Preocupar-se 8. Agradar-se 9. Conformar-se 10. Convencer-se 11. Recordar-se 12. Sentir-se Ocorrências com clítico 10 04 04 04 03 02 02 01 01 01 01 01 Subtotal1 34 07 41 1. Sentar-se 2. Levantar-se 3. Deitar-se 4. Oferecer-se 5. Aproximar-se 02 03 01 01 08 01 01 01 - 10 04 02 01 01 Subtotal2 07 11 18 12 07 05 04 03 02 02 01 01 01 02 01 71 Recíproco 1. Reunir-se 2. Separar-se 01 01 - 01 01 Subtotal3 02 - 02 TOTAL de verbos: 19 43 18 61 Fonte: Corpus D&G Ao proceder à análise dos dados nas três diferentes cidades, pudemos constatar que, enquanto o D&G Natal apresenta 32 diferentes verbos e 275 ocorrências, o D&G Juiz de Fora apresenta um número menor de ocorrências, 120, mas uma variedade maior de verbos, 37. Os dados do D&G Rio Grande exibem apenas 61 ocorrências e um número total de 19 verbos. Uma possível explicação para o número bastante superior de ocorrências no D&G de Natal reside no fato de que o volume textual dessa seção é consideravelmente superior ao dos demais. Observamos que, apesar do número inferior de ocorrências nas seções do Rio Grande e de Juiz de Fora, percentualmente os resultados são semelhantes aos de Natal. Novamente, entre os verbos pseudorreflexivos, os mais frequentes foram lembrar-se e esquecer-se. No entanto, apenas nos dados de Natal há um número superior de ocorrências sem o clítico junto a tais verbos. Entre os reflexivos, os verbos mais frequentes foram sentar-se, levantar-se e deitar-se. O verbo sentar-se ganha destaque ao ocorrer com 80% de ausência do pronome clítico. Os demais apresentam mais ocorrências com o uso do clítico. Ressaltamos a semelhança de ocorrência desses verbos nos dados das três cidades analisadas. Dentre os verbos recíprocos, encontramos apenas duas ocorrências e, em ambas, os falantes fazem uso do pronome clítico. Apesar da baixa incidência, notamos que o verbo separar-se figurou nas três seções do corpus. Os verbos também foram agrupados em função da classe semântica a que se vinculam, conforme classificação proposta por Scheibman (2001). Ao distribuir os 41 verbos encontrados, pudemos verificar que esses são majoritariamente de sentimento, 36,6%, e materiais, 31,7%, conforme Tabela 10. 72 Tabela 10 - Distribuição dos verbos pronominais do corpus por tipo semântico Tipo de verbo Sentimento Material Cognição Existencial Relacional Total Frequência 15 (36,6%) 13 (31,7%) 09 (22%) 03 (7,3%) 01 (2,4%) 41 (100%) Fonte: Corpus D&G Ao correlacionar a classificação semântica dos verbos pronominais e o (des)uso do pronome clítico, chegamos aos seguintes dados. Tabela 11 – (Des)uso do clítico por tipo semântico do verbo pronominal Tipo semântico do verbo Sentimento Uso do clítico Desuso do clítico TOTAL 102 (93,5%) 7 (6,5%) 109 (100%) Material 118 (63,4%) 68 (36,6%) 186 (100%) Cognição 68 (52,7%) 61 (47,3%) 129 (100%) Existencial 21 (95,4%) 01 (4,6%) 22 (100%) Relacional 10 (100%) 00 (0%) 10 (100%) 319 (70%) 137 (30%) 456 (100%) Fonte: Corpus D&G Conforme assinalam os números, os verbos que mais favoreceram a presença do clítico foram os classificados em verbos relacionais e existenciais. No entanto, tais verbos conjugam menos de 10% das ocorrências. E, assim sendo, o resultado mais expressivo recai sobre os verbos de sentimento, em que 93,5% das ocorrências ocorrem com a presença do clítico. Barros (2011) encontra resultados semelhantes em sua pesquisa. A autora relata que o clítico pronominal é favorecido mais frequentemente em verbos com status de emoção. Entendemos que a escolha do falante pelo uso do pronome clítico em tais casos seja para marcar com maior intensidade o afetamento do sujeito pela situação exterior a ele, tendo em vista que os verbos de sentimento são quase que na totalidade verbos pseudorreflexivos. Sentimos a necessidade de subdividir a classe dos verbos materiais, que, como afirma Scheibman (2001), é “one super class”, ou seja, uma classe que abarca um 73 número muito diferenciado de verbos que dizem respeito a atividades concretas e abstratas. Assim, identificamos cinco verbos de movimento, os quais separamos dos outros pertencentes a essa categoria e em consonância com os dados de uso ou não do clítico pronominal, conforme Tabela 12, posto que muitos estudiosos fazem referência a uma classe semântica composta apenas de verbos de movimento. Tabela 12: Subdivisão dos verbos da classe semântica Material Classe Material Movimento Outros tipos Uso do clítico 49 (53,2%) Desuso do clítico 43 (46,8%) Total 92 (100%) 69 (82,1%) 15 (17,9%) 84 (100%) 118 (63,4%) 68 (36,6%) 186 (100%) Fonte: Corpus D&G De acordo com os resultados expostos na Tabela 12, entre os verbos de movimento, apesar de a frequência ser mais alta em ocorrências com o uso do pronome clítico, o desuso desse pronome ganha grande proeminência. Tal achado pode ser explicado devido à previsibilidade do objeto entre esses verbos, como atesta D´Albuquerque (1988). Said Ali (1971) comenta, inclusive, que Atos materiais, em geral movimentos, que o sujeito executa em sua própria pessoa iguais aos que executa em cousas ou em outras pessoas, ou de que resulta efeito idêntico ao destoutros atos, dizem-se dando aos respectivos verbos transitivos a forma reflexa: levantar-se, sentar-se, deitar-se, atirar-se, arremessar-se, dirigir-se, encaminhar-se, acolher-se, arredar-se, vestir-se, despir-se, ajoelhar-se, alçar-se, erguer-se, coçar-se, pentear-se, abaixar-se, afastar-se, apartar-se, etc. (SAID ALI, 1971, p. 178). Procedemos à tabulação dos dados também em função da modalidade da língua (falada ou escrita). A Tabela 13 traz uma síntese dos resultados. Tabela 13: Quantitativo do (des)uso do clítico por modalidade da língua Modalidade da língua Fala Escrita Fonte: Corpus D&G Uso do clítico Desuso do clítico TOTAL 226 (68%) 103 (32%) 329 (100%) 93 (73,2%) 34 (26,8%) 127 (100%) 74 A partir desses resultados, observamos que não há grande discrepância percentual entre as modalidades quanto à presença ou ausência do clítico com verbos pronominais. Encontramos apenas um quantitativo levemente superior de uso do pronome clítico na modalidade escrita. É necessário pontuarmos que mais de 70% das ocorrências são advindas da modalidade falada, possivelmente, pelo volume textual ser maior nesta modalidade. Partindo da inquietação ocasionada pelos resultados, realizamos um recorte com os dados correspondentes apenas às ocorrências em que há ausência do clítico. Pudemos verificar que, dentre as 137 ocorrências sem o pronomine, 103 (75,2%) ocorrem na modalidade falada da língua. Tal fato acontece, possivelmente, em função de os falantes (entrevistador e entrevistado) estarem em presença, ocasionando a construção do enunciado em simultâneo com a interação dos interlocutores. Além da fala, utiliza-se entonação e linguagem gestual para acrescentar informação ao que está sendo dito, o que pode suprir o desuso do pronome clítico. Ademais, as marcas características da construção do texto falado, como a interação face a face e, sobretudo, planejamento simultâneo ou quase simultâneo à execução, tornam o discurso nessa modalidade mais simples do ponto de vista formal, favorecendo o uso de estruturas sem o pronome clítico. A análise quantitativa, exposta nesta parte do trabalho, dá-nos suporte para a discussão que empreendemos na seção seguinte. Procuramos apresentar aspectos de natureza cognitiva e sociointeracional implicados na escolha feita pelo falante quanto ao uso ou não do pronome clítico junto aos verbos aqui estudados. 4.2 Discussão dos dados à luz de categorias funcionais Nesta seção, aplicamos categorias de análise da Linguística Funcional Centrada no Uso na investigação dos (des)usos do pronome clítico nas orações com verbos pronominais. Foram utilizados os princípios de iconicidade (restringindo a análise ao subprincípio de quantidade) e economia linguística, a perspectivação, o processo cognitivo de analogia e a inferenciação pragmática. Ao analisar as ocorrências do clítico pronominal, constatamos que, considerando o princípio da iconicidade, existe mais transparência nas orações em que o falante faz uso do pronome clítico no sentido de enfatizar e reforçar a participação do sujeito na ação do verbo, como ilustram as ocorrências (57) e (58). 75 (57) Até que, num dado momento, o Chico Malazarte, muito exibido, resolveu levantar-se para apanhar uma sobremesa que se encontrava do outro lado da elegante mesa. (Corpus D&G, seção Natal, língua escrita) (58) Eu queria gue a relacão entre os país e os filhos vossem deferente eu queria que o pai desse mais carinho para a mulher e para os filhos porque tem muita criança na rua e os meus pais são separados eu queria que os pais não se separassem (Corpus D&G, seção Juiz de Fora, língua escrita) Nos trechos expostos em (57) e (58), é possível verificar que, mesmo sem a presença do pronome junto aos verbos levantar-se e separar-se, o interlocutor conseguiria entender a mensagem, ou melhor, identificar sobre quem recai a ação de levantar e separar. A inserção do clítico, nos dois casos, funciona como uma espécie de reforço, de ênfase em relação a quem é o alvo das ações codificadas por esses verbos, o que acaba por contribuir para a maior expressividade dos enunciados. Sendo assim, o emprego do clítico, nesses casos, que implica maior quantidade de forma, justifica-se, no plano do conteúdo, pela necessidade comunicativa de maior expressividade. Em contrapartida, verificamos que a previsibilidade do alvo da ação torna mais frequente o desuso do clítico pronominal. Corrobora, portanto, o subprincípio da quantidade no sentido de que, conforme registra Givón (1990), quanto mais previsível ou irrelevante for uma informação, menor quantidade de forma será necessária para codificá-la. Observemos estas ocorrências: (59) nós levantamos/ eh:: nós ficamos de pé…ele levanta…aí nós ficamos de pé… (Corpus D&G, seção Juiz de Fora, língua falada). (60) “…que eu pensava que num ia andar mais...num tinha quebrado nada...mas tinha medo de andar...aí fiquei quase esse tempo todinho que passei no hospital numa cadeira de roda...tinha medo de…de…de…de…levantar e num poder andar…” (Corpus D&G, seção Natal, língua falada) Nas amostras (59) e (60), o verbo levantar-se ocorre sem a presença do pronome. No entanto, não há dificuldade para que o interlocutor perceba que o valor semântico desse verbo, no contexto, aponta para a ideia de reflexividade, especialmente quando o falante reafirma a ação por meio de um quase sinônimo (ficar de pé), em (59). 76 A ausência do clítico parece ser motivada por questão de economia, no sentido de proporcionar maior agilidade, rapidez no discurso. Em (60), o verbo aponta, de maneira semelhante, para o sentido de uma experiência do sujeito, ou seja, o interlocutor é capaz de reconhecer que se trata de um verbo de movimento corporal em que há ideia de reflexividade da ação. Em assim sendo, seria improvável a pergunta “levantar o quê?”, posto que o contexto impulsiona o ouvinte a interpretar o verbo como reflexivo. Contribui para tal interpretação a sequência de ações elencadas (estar numa cadeira de rodas – sentado, portanto – o uso da expressão “num poder andar”). Podemos conjugar à categoria de iconidade, questões referentes à perspectivação do evento. Silva (2008, p. 20) afirma que, em casos como os ilustrados pelas ocorrências (57) e (58), há focalização da mudança de estado que afeta somente o sujeito, constituindo-se assim como uma estratégia de focalizar o domínio físico e emocional, respectivamente, bem como as mudanças de estado correspondentes (mudança de posição corporal e mudança emocional). Ou seja, a perspectiva escolhida para comunicar um dado evento privilegia o campo da subjetividade, sendo a inserção do clítico pronominal o direcionador da atenção e marcador do ponto de vista escolhido pelo falante. D´Albuquerque (1988) destaca que a alta previsibilidade semântica do objeto em verbos de movimento (de ações do corpo), como em levantar, sentar, deitar, faz com que tais verbos percam sua marca reflexiva porque seu uso transitivo não-reflexivo representa uma situação anômala. Essa superposição de papéis semânticos é tida como tão óbvia que a marca de reflexividade se torna desnecessária a ponto de esvair-se. Coaduna-se, portanto, com o princípio da iconicidade, em especial com o subprincípio de quantidade. De fato, os dados desta pesquisa mostram uma tendência maior ao apagamento do clítico junto aos verbos de movimento (de ações do corpo), como pode ser verificado na amostra (61). (61) eh... pegar a lancha... aí... ia eu e dois amigos meus... que trabalham comigo lá... o Edson e o Miguel... aí... entrei na lancha... né? tem/ não sei se você sabe como é que a lancha...tem quatro::/ uma fileira de quatro cadeiras assim de madeira... com encosto e a cadeira é ( ) normal...aí até fui entrando...conversando...aí::... pede pra dar lugar pros outros sentar também... sentei no canto... os outros dois sentaram... perto de mim... só que eu não vi que estava sem encosto a cadeira... (Corpus D&G, seção Rio Grande, língua falada) 77 O verbo sentar-se, em (61), ocorre em três orações e, em todas elas, notamos a ausência do clítico. Ao retomar os dados referentes a tal verbo, verificamos que suas ocorrências com ausência do pronome são maioria, 56,2%, e, no Corpus D&G Rio Grande, chega ao patamar de 80% de desuso. Corrobora, portanto, a ideia de que a marca de reflexividade se torna desnecessária com esse tipo de verbo (movimento), devido à previsibilidade do objeto e, possivelmente, à rapidez de processamento demandada pela modalidade falada da língua. Conforme mencionado na seção anterior, também encontramos, em nosso levantamento de dados, uso do clítico com verbos tradicionalmente não pronominais, como é o caso de simpatizar. Essa situação parece estar relacionada a uma associação feita pelo falante entre verbos que compartilham traços semânticos e que coocorrem em dado contexto. Por analogia, o falante passa a empregá-los com comportamento sintático semelhante. Vejamos o dado a seguir. (62) “Aconteceu quando eu comecei a trabalhar em uma loja, foi quando conheci uma garota com quem me simpatizei muito, e por trabalhar no mesmo local, nós conversavamos muito, e mais tarde eu me apaixonei por ela, e para declar-me para ela mandei uma carta numa sexta-feira, depois de um longo passeio que fizemos juntos”. (Corpus D&G, seção Juiz de Fora, língua escrita). Em (62), temos o emprego do clítico me junto a um verbo considerado não pronominal no Português Brasileiro. O uso desse clítico com o verbo simpatizar parece ocorrer devido a uma analogia com verbos de significado semelhante, como é o caso de apaixonar-se e declarar-se, que ocorrem no texto acompanhados de clítico. Dessa forma, o compatilhamento de traços semânticos (são verbos que codificam sentimento) parece favorecer a analogia do comportamento sintático, de modo a ocorrer o emprego do clítico com o verbo simpatizar. Fonseca (2012), ao fazer uma breve descrição do uso de verbos “pseudoreflexos” na variedade do Português de Moçambique (PM), afirma que Gonçalves (1996 apud Fonseca, 2012) refere a tendência de ausência do pronome com os verbos pseudorreflexivos. Além disso, o estudo afirma que, em PM, esses pronomes podem surgir com alguns verbos não pronominais, assinalando a afetação do sujeito [+humano], como demonstram os exemplos elencados em seu trabalho: (63) O rapaz simpatizou-se com essa moça. 78 (64) O Fernando preferiu-se de tal rapariga. Talvez o mesmo possa ser dito em relação aos casos encontrados no banco de dados desta pesquisa quanto ao verbo simpatizar. Fonseca (2010) faz questão de ressaltar que os exemplos não seriam aceitáveis pela norma padrão em Português Europeu (PE). No entanto, não sabemos, pelo afirmado, se tais exemplos refletem apenas um uso possível em PM ou se são aceitos pela norma culta moçambicana. No caso da ocorrência (62), verificamos o uso real em PB, porém, assim como no PE, a norma culta brasileira não aceita esse emprego. Há, ainda, casos de oscilação entre uso e desuso de clítico com um mesmo informante. É o que se dá, por exemplo, com recordar(-se) em (65). (65) eu não sei se vocês recordam... um acidente na Ponte das lmas... com um ônibus da Útil ou da Unida... acho que é Unida... né? Que todos morreram? não sei se você se recorda... bom... o meu pai... re/ lembra muito bem... e esse amigo dele mais ainda... nessa época... era muito difícil... eh::... polícia rodoviária... né? (Corpus D&G, seção Juiz de Fora, língua falada) De maneira semelhante, D´Albuquerque (1988) constatou em sua pesquisa que um mesmo item lexical verbal foi usado com e sem o clítico não só por informantes diversos, como também pelo mesmo informante, evidenciando, portanto, uma oscilação de uso e a atual concorrência de formas. No caso exposto em (63), notamos a ausência do pronome clítico junto à forma plural (vocês recordam) e sua presença, no singular (você se recorda), o que pode indicar que a forma singular marca maior envolvimento do sujeito na ação. Por fim, o exame realizado nesta dissertação a respeito dos (des)usos do pronome clítico em orações com verbos pronominais, em situações reais de comunicação, possibilitou-nos atestar que os verbos de sentimento são favorecedores do uso do clítico e os de movimento (de ações do corpo) se relacionam ao desuso. A ausência ou presença da marca pronominal sofre influência de fatores de natureza cognitiva, a exemplo da iconicidade, economia e perspectivação, e comunicativa, como é o caso da expressividade. 79 5 CONCLUSÕES Nesta investigação, concretizamos um estudo acerca dos (des)usos do pronome clítico em orações com verbos pronominais, tendo em vista a identificação de possíveis motivações para a recorrência ao uso ou não desse pronome. A fundamentação teórica para o estudo foi a Linguística Funcional Centrada no Uso e os dados de análise foram ocorrências em textos de uso real do Português Brasileiro extraídas do Corpus Discurso & Gramática, seções Natal - RN, Juiz de Fora - MG e Rio Grande - RS. Propusemos, como objetivos específicos deste estudo, aferir a frequência de uso e de ausência do clítico em orações com verbos pronominais; verificar os tipos semânticos dos verbos que ocorrem em orações com verbos pronominais e identificar motivações cognitivas e comunicativas subjacentes ao uso ou não do clítico em orações com verbos pronominais. Quanto aos tipos semânticos dos verbos, verificamos que o verbo pronominal pode ser representado por um conjunto variado de tipos semânticos (de movimento, como deitar-se, levantar-se; verbos de cognição, a exemplo de esquecer-se, lembrar-se; entre outros). Constatamos que os tipos semânticos mais frequentes foram os verbos de sentimento e material (em especial, os de movimento de ações do corpo). Ainda acerca de parâmetros semânticos, averiguamos que os verbos de sentimento parecem favorecer a presença do clítico pronominal, o que nos leva a entender que o falante tem necessidade de marcar seu envolvimento na ação ou reforçar o afetamento do sujeito. Em termos de motivações comunicativas, vimos que o emprego do clítico, que implica uso de mais forma, parece atender a uma demanda por mais expressividade em determinadas situações. Em contrapartida, o desuso desse pronome se mostrou mais frequente em verbos de movimento, possivelmente, devido à alta previsibilidade do elemento sobre quem recai a ação. A ausência do clítico relaciona-se também a uma motivação de ordem cognitiva em termos de economia e rapidez na produção da informação. Reiteramos, portanto, que a língua é fluida e dinâmica e que a gramática da língua é emergente, sendo o uso dado pelo falante subordinado a motivações competidoras que, por vezes, tende à maior clareza, expressividade, e, em outros momentos, busca maior eficiência e economia. Quanto à analogia, entendemos que esta possibilita (e influencia) que o falante altere uma forma linguística para fazer com que a mesma se enquadre num modelo já 80 existente, como foi o caso da “pronominalização” do verbo simpatizar; por outro lado, a inferenciação pragmática evidencia a importância do contexto ao deixar mais claras as relações que veiculam intensidade e afetação do sujeito na situação comunicativa retratada. Foi possível, ainda, verificar que os resultados encontrados foram percentualmente semelhantes entre os dados das três seções do Corpus D&G, evidenciando uma tendência ao uso do clítico em três cidades de regiões distintas do país. E, assim sendo, constatamos que o contexto geográfico dos falantes não teve a influência que hipotetizamos inicialmente. No que diz respeito à modalidade da língua, conforme esperávamos, percentualmente, a modalidade escrita tem um valor superior de uso do pronome. No entanto, surpreendeu-nos encontrarmos o uso desse pronome com uma frequência tão próxima entre as duas modalidades. Dessa forma, procedemos um recorte em que focalizamos apenas os dados com ausência do clítico, e verificamos que 75,2% dos casos ocorrem na modalidade falada. Isso ocorre pois, na oralidade, utilizamos entonação e linguagem gestual para acrescentar informação ao que está sendo dito e tais fatores suprem a ausência do pronome clítico como marcador do referente sobre quem recai a afetação. Por fim, chegamos a resultados que ratificam nossa hipótese inicial de que a frequência de uso do pronome clítico em orações com verbos pronominais é superior à de sua ausência. Atestamos a presença do clítico em 70% das ocorrências investigadas. Verificamos, ainda, que existem diferenças significativas entre os trabalhos que se prestam a estudar esse fenômeno, visto que, por exemplo, os resultados obtidos por Mello (2009) mostram a tendência de manutenção do uso do pronome em João PessoaPB, todavia, Barros (2011) encontra mais de 80% de desuso do clítico ao analisar dados de fala do dialeto goiano, o que acaba por reforçar a importância de trabalhos futuros que se comprometam a investigar a trajetória dos clíticos em orações com verbos pronominais. Entre as perpectivas de trabalho, entendemos ser relevante empreender uma análise dos verbos pronominais com base na abordadem da Gramática de Construções, tendo em vista ser essa a mais recente tendência dos estudos funcionalistas. Além disso, a utilização de um corpus com dados de uso da língua em situação de menor monitoramento ou com pessoas de menor escolaridade talvez possa apresentar outros 81 usos do clítico, como é o caso da duplicação do pronome, realidade não encontrada por esta pesquisa. 82 REFERÊNCIAS AZEREDO, J. C. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 2.ed. São Paulo: Publifolha, 2008. _____. Contrução reflexiva e verbos pronominais: a lição dos dicionários. In: CEZARIO, M. M.; FURTADO DA CUNHA, M. A. (Orgs.). Linguística centrada no uso: uma homenagem a Mário Martelotta. Rio de Janeiro: Mauad X /FAPERJ, 2013, p. 131-145. BAGNO, M. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. BARBERO BERNAL, J. C.; SAN VICENTE, F.. Aproximación al studio de la pronominalidad verbal en español e italiano. In: SAN VICENTE, F. (Org.). Partículas/Particelle. Estudios de linguística contrastiva español e italiano. Bolonia: CLUEB, 2007, p. 149-177. BARROS, D. 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