joão batista - Edições Shalom

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DANIEL RAMOS DE CASTRO
joão batista
profeta do amor esponsal
JOÃO BATISTA
PROFETA DO AMOR ESPONSAL
PREFÁCIO DE EMMIR NOGUEIRA
Daniel Ramos de castro
joão batista
profeta do amor esponsal
COORDENAÇÃO GERAL
Filipe Cabral
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Carolina Fernandes
ASSISTENTE DE EDIÇÃO
Amanda Cividini
Capa e Diagramação
Kelly Cristina
REVISÃO
Eunice dos Santos Sousa Silvestre
Olga Mohana
Edições Shalom
Estrada de Aquiraz – Lagoa do Junco
CEP: 61.700-000 – Aquiraz/CE
Tel.: (85) 3308.7415
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ISBN: 978-85-7784-077-9
© Edições Shalom, Aquiraz, Brasil, 2013 (1ª edição)
À minha esposa Luciane Fontes Ramos, verdadeira “mulher
bíblica”, que por sua vida me batiza no amor esponsal.
Aos meus pais que me deram a única herança que realmente
interessa, a fé.
Ao Moysés e à Emmir, pais na Vocação.
A todos os jovens da Comunidade Shalom, “Joãos Batistas” do
terceiro milênio.
SUMÁRIO
1
2
3
4
5
6
7
8
Deus suscita João................................................................. 15
A Esposa do Espírito e João Batista.................................. 29
“E João esteve no deserto até o dia da sua manifestação”......37
Profeta da alegria espiritual...............................................49
A Missão................................................................................. 57
O Batismo de Jesus e a contemplação da Trindade.......77
Profeta do Amor Esponsal..................................................87
A Noite da Fé e a alegria do martírio..............................113
PREFÁCIO
“Como eu gostaria de conseguir tempo para escrever sobre João Batista!”, suspirei, na eterna tática de considerar réu
o tempo inocente.
“Não me diga, eu também gostaria muito de escrever!”, exclamou o Daniel, entusiasmado.
“Só falta você achar, como eu, que existe muita coisa semelhante entre nossa vocação e a dele”, respondi, começando a
fazer planos.
“Nossa! Então você também acha!?!”
A partir desse momento, no final de 2011, a inspiração do
livro começou a ser o assunto mais frequente em nossas conversas. Ele escrevia e nós dois discutíamos o que havia escrito,
e-mail para lá e para cá, mas nada do livro ficar “no ponto”. O
tempo passava, impávido. Indiferente à nossa ansiedade de ver
o livro pronto.
É que nosso Senhor havia decidido dar ao Daniel duras
provas, uma “verdadeira morada no deserto”. Habitar no deserto do Coração do Senhor é entender que dor e alegria são,
nesse Santíssimo Refúgio, sinônimos perfeitos. Logo compreenderíamos o que se passava: quem nunca “habitou no deserto” não é capaz de entender o Precursor. Fazia parte dos planos de Deus preparar o autor pela vivência da dor de amor, da
solidão com o Amado e do feliz, fecundo e paciente silêncio.
Daniel, preparado por Deus, teve como unir-se a João no
mistério da alegria da dor. Passou a conhecer o deserto e viver
“à la belle étoile”1 no deserto da Palestina. Estava preparado
para escrever sobre o Precursor. Habitava, agora, no deserto.
No livro você não encontrará pintura definida, bem delineada do Batista. Daniel não “pintou” um quadro racional,
muito menos acionou uma câmera digital moderníssima.
Você encontrará pinceladas curtas, carregadas de tinta sempre fresca, como em Van Gogh. Entre as pinceladas e através
delas, cabe ao Espírito Santo ajudar você a completar pessoalmente a obra, definir ao seu modo os detalhes do rosto, dos
olhos, das lágrimas e risos do último dos profetas e o maior
dentre os filhos dos homens.
João acreditou! Sem ver, esperou. Sem vacilar, entregou a
vida. Sem resistir, abraçou a missão de ser “a voz”. No deserto,
clamava que a Palavra Viva, o Verbo, estava às portas. Seu dedo
o indicou, seus olhos cruzaram com os dele e ele entendeu. Era
agora preciso diminuir, fazer-se nada para dar lugar ao Esposo.
Nós, Igreja de Cristo hoje, tampouco o vimos. Cremos e
esperamos sem ver. Amamos o Senhor e não nos negamos à
1 Expressão francesa muito usada em Toulon, região da França em que Daniel é
missionário. Significa “a céu aberto”.
Sua cruz nesses dias em que Ele está à porta. Nossos olhos se
encontram com os do Senhor a cada adoração, a cada Eucaristia. Entendemos. Como João, apontamos o Esposo. Agora
é preciso diminuir, esvaziar-se, dar-se em amor. Fazer-se pequeno, ínfimo, para dar todo espaço ao Esposo.
Maria Emmir O. Nogueira
Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
introdução
J
oão Batista era profeta. O profeta é o homem
escolhido por Deus para contemplar de maneira profunda e privilegiada o Mistério que
lhe é confiado. Com a autoridade de quem se
uniu ao Mistério, ele conduz os eleitos para que, estes
também, possam ser introduzidos nos desígnios misteriosos do Altíssimo.
O Mistério que João vem revelar é o das Bodas do Cordeiro de Deus com a esposa amada e eleita, o povo da Aliança
e todo aquele que o Senhor chamar. João vem conduzir pela
mão a esposa ao Esposo, e a voz deste o enche de alegria. Amigo do Esposo, ele se torna profeta do Amor Esponsal e, por
isso, grande mestre de vida espiritual, pois o objetivo da vida
no Espírito é que cada alma chegue à união mística com seu
divino Esposo. Contemplar a vida de João Batista é escolhê-lo
como um mestre, que, também a nós, conduzirá à altíssima
santidade. Nossa vocação é a santidade!
Todo profeta, ao ter cumprido sua missão, desaparece no
oceano do amor divino, dando total espaço ao Esposo. Tam-
14
joão batista, profeta do amor esponsal
bém neste livro isso acontece: partiremos da vida de João Batista e, pouco a pouco, mergulharemos em aspectos importantes da vida espiritual, a fim de que Jesus seja tudo em nós. O
nosso trabalho será o de ler em oração, o do Espírito, o de nos
desposar a Jesus: “A esposa se une ao Esposo, se une porque vive a
Sua vida, se une porque participa de Sua missão. Unida responde
através do dom desinteressado de si mesma ao dom inefável do
Amor do Amado. É chamada ao dom da vida ao seu Esposo!”2 . E
isso para que nossa alegria seja perfeita.
A missão de João era revelar Jesus para seu povo. Nossa
missão, como Vocação Shalom, é ser a voz do Cristo que ressuscitado está. Por isso, tanto João Batista, como cada missionário Shalom, são profetas para o terceiro milênio!
2 JOÃO PAULO II. Beato. Mulieris Dignitatem, n. 27.
1
Deus suscita João
O
povo de Israel ansiava pela manifestação
da promessa de Deus, que cada vez mais
era expressa por um desejo messiânico:
o Ungido, Filho de Davi, há de vir, e Ele
vai restaurar a sorte do seu povo, como canta o salmo3.
Muitos esperavam e rezavam, principalmente o “resto
de Israel”, aqueles pobres que rezavam e suplicavam
a Deus que não abandonasse Seu povo. Esse “resto” é
tema de muitas profecias da ação messiânica de Deus
no Antigo Testamento, como está no livro de Isaías:
3 Cf. Sl 126
16
joão batista, profeta do amor esponsal
“O Senhor enviará gente para longe e haverá grande desolação
no meio da terra. E se subsistir ainda um décimo, também ele será
entregue ao fogo, como o carvalho e o terebinto abatidos, dos quais
sobra somente a cepa – e essa cepa é santa”.4
O “resto” é a parte do povo que se deixou converter, purificar, que não caiu na idolatria diante das dificuldades e desolações, mas que sabia que Santo e Justo era o Senhor em tudo
o que Ele faz e que, por isso mesmo, era melhor cair nas Suas
mãos do que nas dos homens. A postura interior era : “Pecamos, te ofendemos, mas sabemos que Tu és o Deus de nossos pais”. O povo hebreu é o povo da memória, da lembrança
bíblica, o povo que “fazia memória” dos feitos de Deus, que
trazia no coração a fidelidade do Altíssimo. Deus não pode
deixar de ser fiel, São Paulo mais tarde gritará cheio de parresia: “Se somos infiéis, Deus permanece fiel porque não pode negar
a Si mesmo.”5 Ainda jovem Davi fez memória: “O mesmo Deus
que me livrou da boca do urso e do leão me livrará das mãos desse
gigante”. E ao trazer no coração os feitos de Deus em sua vida
pessoal, encheu-se de fé no poder atual de Deus, este que é
sempre hoje. Assim Davi derrotou o gigante Golias, assim o
povo, mesmo com inúmeras fraquezas, pecados e infidelidades, nunca chegou a ser destruído, pois fazia continuamente
memória da fidelidade de Deus, que hoje quer se manifestar.
Todos esses personagens são os chamados “ justos” do Antigo Testamento. Bento XVI nos diz que “os justos são pessoas
que vivem verdadeiramente do interior as prescrições da Lei – são
4 Is 6,12-13
5 Tm 2,13
Deus suscita João
17
pessoas que, pelo fato de serem justas segundo a vontade revelada
de Deus, avançam em seus caminhos criando um espaço para o
novo agir do Senhor.”6
Assim, Zacarias (Zekariyah: o Senhor se lembrou) entra no
Templo para ofertar o sacrifício que lhe cabia naquele ano. O
Templo era o lugar da presença de Deus, por isso era bom e
agradável estar lá. Permanecer nos átrios do Senhor era o anseio de todo israelita justo. “Uma coisa pedi ao Senhor, a única
que desejo: habitar na casa do Senhor todos os dias de minha vida,
para contemplar a beleza do Seu rosto e zelar pelo Seu Templo”7.
Zacarias, que ansiava pela manifestação do Messias, tinha na
sua vida outro anseio até então frustrado: uma posteridade. Ele
entra para oferecer, no Santo dos Santos, o sacrifício ao Deus
Vivo. Zacarias amava a Deus e, por isso, a sua desgraça pessoal
(a esterilidade em uma família era sinal da ausência da bênção
de Deus) não o impedia de louvar, de ofertar a Deus o sacrifício
devido. Na nossa Vocação, sabemos que o “Senhor merece todo
o amor do mundo” e que, por isso mesmo, nada neste mundo
deve nos impedir de louvá-lo, custe o que custar. Dizia nosso fundador, em um momento de insuportável dor, ao perder
um filho espiritual caríssimo, o Ronaldo: “Senhor, não permitas que o louvor saia dos meus lábios”. É fortíssimo, também,
o testemunho escrito deixado por um judeu que, ao escutar os
passos dos soldados alemães que subiam as escadas na direção
de seu apartamento, disse a Deus: “Adonai, mesmo que tu me
mates, continuarei a te amar!”
6 BENTO XVI, Papa. A Infância de Jesus. Ed. Principia, 2012, p. 36.
7 Sl 26,4
18
joão batista, profeta do amor esponsal
Quando Zacarias entra no “Hékal”, o Santo, um anjo do
Senhor lhe aparece à direita do altar do incenso.8 Zacarias não
esperava mais que Deus lhe desse um filho e tinha se acostumado a servir o Senhor com a vergonha de não ter uma
descendência. Ó, Zacarias, como muitos de nόs, tu tinhas se
resignado à tua fraqueza e não esperavas mais que nela Deus
intervisse! Mas Aquele que teu filho vai anunciar é o cumprimento vivo das promessas do Altíssimo. Nele, tudo se cumpre.
Nele, o velho cede lugar ao novo e, antecipadamente, graças a
Ele, Deus quer te dar um filho. “Aprouve a Deus fazer habitar
Nele toda a plenitude de graças”.9 Sim, Deus quer intervir na
nossa história! O anúncio do anjo a Zacarias lembra-nos outro anúncio, muito presente na vida de todo Shalom: “Eis que
realizo uma Obra Nova, a qual já surge, não a vedes?”10 E muitas
vezes respondemos como Zacarias: “Como posso saber que isso
me acontecerá? Eu já sou velho e minha mulher também”11 (Isabel, Elishéva: a casta).
“Como posso saber que isso me acontecerá?”. No mundo
secularizado em que vivemos, muitos homens que provêm de
uma tradição cristã não esperam mais em Deus. É verdade que
Zacarias era um homem que vivia da religião, diferente do mundo ocidentalizado no qual vivemos, mas esse mundo crê que conhece a religião e que pode viver sem ela. Há uma ligeira semelhança entre o nosso personagem e o mundo contemporâneo:
em Zacarias, não havia mais esperança que Deus pudesse in8 Lc 1,11
9 Cl 1,19
10 Is 43
11 Lc 1,18
Deus suscita João
19
tervir na sua desgraça pessoal. No mundo de hoje, não há mais
esperança em Deus, este se tornou uma realidade a ser vivida
de maneira puramente privada, fora da esfera pública. Pensa-se
conhecer o cristianismo, por exemplo, e no pouquíssimo que se
conhece, deseja-se viver sem ele. O Papa João Paulo II ilustra
muito bem essa realidade no documento sobre a Igreja na Europa: “Por toda a parte há necessidade de um renovado anúncio,
mesmo para quem já está batizado. Muitos europeus contemporâneos pensam que sabem o que é o cristianismo, mas realmente não
o conhecem. Frequentemente, ignoram os próprios rudimentos da
fé. Muitos batizados vivem como se Cristo não existisse: repetem-se
gestos e sinais da fé sobretudo por ocasião das práticas de culto, mas
sem a correlativa e efetiva aceitação do conteúdo da fé e adesão à
Pessoa de Jesus. Em muita gente, as grandes certezas da fé foram
substituídas por um sentimento religioso vago e pouco empenhativo;
difundem-se várias formas de agnosticismo e de ateísmo prático que
concorrem para agravar a divergência entre a fé e a vida; muitos há
que se deixaram contagiar pelo espírito de um humanismo imanentista que enfraqueceu a sua fé, levando-os com frequência, infelizmente, a abandoná-la completamente; assiste-se a uma espécie de
interpretação secularista da fé cristã, que a corrói, suscitando uma
profunda crise da consciência e da prática moral cristã. Os grandes
valores, que inspiraram amplamente a cultura europeia, foram separados do Evangelho, perdendo assim a sua alma mais profunda e
dando lugar a vários desvios”.12
A dificuldade de Zacarias de acreditar na promessa do anjo
contrasta com a fé de Nossa Senhora no episódio da Anun12 JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Ecclesia in Europa, n. 47(2003)
20
joão batista, profeta do amor esponsal
ciação. Zacarias é sacerdote do Templo. Maria, uma jovem de
uma aldeia desconhecida das Sagradas Escrituras. Zacarias recebe a mensagem no Templo, durante a liturgia, e Maria na sua
casinha simples. “Esconde-te na humildade e tu verás a glória de
Deus”, dizia Santo Isaac, o Sírio. Parece que a simplicidade e
a pobreza nas quais vivem Maria a preparam para Deus, pois
Deus é simples. São Francisco de Assis já dizia que a pobreza
nos abre às outras realidades, pois sentimos na nossa carne o
fato de não nos bastarmos. Mas o papa emérito Bento XVI vai
mais longe. Esse contraste entre as duas anunciações revelam
que “o sinal da Nova Aliança é a humildade, o fato de ser escondido: o sinal do grão de mostarda. O Filho de Deus vem na humildade. As duas coisas vão juntas: a profunda continuidade na história
da ação de Deus e a novidade do grão de mostarda escondido”.13
Diante da dificuldade de Zacarias em crer, o anjo lhe ordena o silêncio, como que indicando o caminho de cura para
a sua incredulidade. Silêncio, Zacarias, deixa a força da Palavra expulsar todo o medo e a incredulidade do seu coração!
Silêncio, para que a Palavra ressoe e o cure da esterilidade da
alma, que é a falta de esperança! Silêncio, para que a Verdade
triunfe em você ! “Zacarias se cala e permanecerá mudo até que,
ao nascer, João lhe abra a boca. O que significa esse silêncio de
Zacarias, senão o véu que se estendia sobre as profecias e que as
selava e escondia antes do Evangelho de Cristo? Zacarias abre a
boca graças ao nascimento de João: esse acontecimento possui o
mesmo sentido que o véu do Templo que se rasgou, no momento
da morte de Cristo na cruz. De fato, a língua de Zacarias se solta
13 BENTO XVI, Papa. A Infância de Jesus. Ed. Principia, 2012, p.39
Deus suscita João
21
porque o nascimento de seu filho é o nascimento da voz. João não
dirá mais tarde ser a voz que grita no deserto?”.14
E qual promessa veio anunciar o anjo? O nome “João”, “Yohanân”, dá a significação dos tempos que são inaugurados:
“Deus faz Graça”. Deus intervém, Deus enfim começa a rasgar
os céus, como suspirava Isaías, e prepara um caminho para que
Ele mesmo desça. Lembra-nos São Clemente de Alexandria:
“A vinda do Senhor entre os homens e sua intenção de nos ensinar possui múltiplos anunciadores, mensageiros, precursores,
enviados do Alto, desde o início do mundo: eles pregaram por atos
e palavras; eles profetizaram que Ele haveria de vir. Foi como que
de longe que a Lei e os profetas lhe prepararam a vinda; em seguida foi o precursor que o mostrou presente, e a partir dele os arautos o revelam mostrando o poder da Sua epifania”.15
Sim, João seria mais do que um profeta, porque em vez de
anunciar de longe uma promessa ainda distante da sua realização, João Batista aponta a presença mesma dessa promessa:
“Eis o Cordeiro de Deus!” Não precisa mais esperar, não há mais
necessidade de chorar, o Cordeiro de Deus, o prometido das Escrituras, Aquele que intervém no “hoje” das nossas vidas, ei-lo!
João Batista inaugura a teologia do hoje, tão cara à nossa Vocação. “Hoje é o dia favorável, agora é o momento da salvação”.
Na Vocação Shalom, somos chamados a mostrar o rosto
do Ressuscitado, a levar os “Tomés” de hoje, os homens que
14 Santo Agostinho (Sermão 293,1-2. PL 38,1327 SS)
15 Clemente de Alexandria, In.: Daniel-Ange em Jean Baptiste, pour le nouveau
millénaire le prophète de la lumière. Editions des Béatitudes, 2000, p. 43
22
joão batista, profeta do amor esponsal
precisam ver para crer, a terem uma experiência com Jesus
Vivo e Ressuscitado que passou pela cruz. Como João, devemos apontar no deserto deste mundo, deserto que na Bíblia é,
ao mesmo tempo, lugar de morte e de experiência com Deus,
que o Cordeiro de Deus, o Esposo, está no meio de nós! Somos este povo de profetas que não anuncia algo distante, mas
visível, que podemos tocar por uma experiência de Efusão do
Espírito Santo. Como João, amigo do Esposo, nossa alegria é a
de levar a esposa ao Esposo, e é essa a alegria completa, nossa
alegria não está mais naquilo que o mundo pode oferecer. Teremos a ocasião de desenvolver esse tema mais à frente.
Voltemos ao anúncio do anjo. Neste anúncio estão contidas muitas revelações acerca da missão de João Batista: “Muitos homens se alegrarão pelo seu nascimento, pois ele será grande
diante do Senhor. Ele não beberá nem vinho nem bebida fermentada, e será cheio do Espírito Santo desde antes de seu nascimento.“Ele fará com que muitos filhos de Israel voltem ao Senhor seu
Deus, e irá à frente do Senhor, com o espírito e o poder de Elias,
o profeta, para fazer retornar o coração dos pais para seus filhos,
converter os rebeldes para a sabedoria dos homens retos, e preparar para o Senhor um povo capaz de acolhê-lo”.16
“Ele será grande diante do Senhor”, e Jesus confirmará mais
tarde, dizendo que João foi o maior dos filhos nascidos de mulher, mas… o menor no Reino de Deus é maior do que ele. De
que grandeza e de que pequenez se fala nessas passagens? A
exegese tradicional vê aqui a superioridade da Nova Aliança
sobre a antiga: mesmo o mais fraco dos homens, que nascerá
16 Lc 1,14b-17.
Deus suscita João
23
sob o regime da Graça, é maior do que o mais santo da antiga,
porque na Nova Aliança é Deus quem justifica o homem, o
homem não é a fonte de sua própria justiça. No entanto, uma
leitura espiritual proposta pelo padre Daniel-Ange, a partir de
alguns monges do Oriente, enxerga o menor da Nova Aliança na Pessoa de Jesus, que se fez o menor e o servo de todos.
Esse menor, Jesus, é maior do que João! E, assim, se inaugura
em Jesus a mudança radical de parâmetros: quem quiser ser
o maior, faça-se o menor. Na nossa Vocação, somos os menores porque somos os mais fracos, pecadores e miseráveis, mas
com João (convém que eu diminua e que Ele cresça) e Jesus,
aprendemos qual é a verdadeira grandeza: a da minoridade.
João nos ensina a minoridade que também é deixar que Jesus cresça e tome todos os espaços, todas as áreas do nosso
ser, toda a nossa vida. Somos pequenos e devemos permanecer assim, primeiro porque somos radicalmente pobres, mas
também porque queremos permanecer no nosso lugar: o das
almas esposas17, permitindo que Jesus seja tudo. Nossa Vocação é a Vocação do “tudo para Deus”. Vemos essa realidade de
maneira palpável na vida de muitas almas esposas de Jesus. O
diretor espiritual de Madre Teresa de Calcutá, o padre jesuíta
Celeste Vam Exem, disse um dia sobre ela: “O sentido de toda a
sua vida era uma pessoa: Jesus”. Um dia, um jornalista perguntou a Madre Teresa: “Madre, que espaço a senhora dá a Jesus na
sua vida?”. Ela respondeu imediatamente: “Eu dou a Ele todo o
espaço. Jesus, eu o amo de todo o meu coração, com todo o meu ser.
Eu dou tudo a Ele, até mesmo meus pecados, e Ele me desposou
17 AZEVEDO FILHO, Moysés Louro de. Escritos: Amor Esponsal. Edições
Shalom, 2012.
24
joão batista, profeta do amor esponsal
na ternura e no amor. Agora e para sempre eu sou a esposa de Jesus Crucificado”. Eis uma alma apaixonada por Jesus, que fazia
tudo por amor a Ele, porque era toda dele! Eis a grandeza de
Madre Teresa, de João Batista, de Santa Teresinha, de Santa
Teresa D’Ávila... que Jesus seja tudo!
Continuemos com João. Falaremos nos próximos capítulos sobre a Pessoa do Espírito Santo na vida de João, bem
como o espírito de penitência, o apelo à conversão, a alegria
espiritual. Aqui gostaria de falar um pouco sobre o que o anjo
quer dizer com “o espírito e o poder de Elias”. Gostaria de passar a palavra ao Cardeal Jean Daniélou, que escreveu uma obra
memorável sobre São João Batista. A ele recorreremos outras
vezes também. Falando desse versículo do anúncio do anjo, o
cardeal escreve: “Elias era para a tradição judaica como o profeta por excelência, aquele que havia pregado a conversão a Israel
infiel para prepará-lo ao julgamento de Deus, sempre iminente.
Mas era ele mesmo a prefiguração do último dos profetas, aquele
cuja vinda precederia imediatamente o julgamento. Assim, João
Batista é suscitado por Deus como o novo e o último Elias, aquele
no qual se conclui e se esgota a longa linhagem do profetismo. Ele
era apenas a preparação da Visita de Deus. Deus vai agora visitar
seu povo. Ele caminhará diante da face do Senhor, isto é, precederá a manifestação de Deus para preparar os caminhos dessa manifestação ‘pela remissão dos pecados’. Assim, a vocação de João se
define em primeiro lugar em relação com o desígnio de Deus”.18 A
vocação de João Batista é uma resposta para o tempo no qual
Israel iria penetrar: a plenitude dos tempos. O tempo em que
18 DANIELOU, Jean. Jean-Baptiste, témoin de l’Agneau. Ed. Francesa: Desclée
de Brouwer, 1967, p. 11
Deus suscita João
25
a salvação estaria completamente disponível para “todo aquele
que invocasse o nome do Senhor”.19
João vem dessa intervenção de Deus que inaugura um tempo novo. “E já que ele provém de Deus de uma maneira particular,
ele pertence totalmente a Deus e, por isso, está totalmente à disposição dos homens para conduzi-los a Deus”20. João é um consagrado a Deus, pertence totalmente ao Altíssimo, e sua realização
não está no que o mundo pode oferecer, mas no que Deus tem
para oferecer ao homem: a contemplação do Seu rosto, a salvação, o Céu. Deus pode fazer dele o que quiser, e sua alegria é
saber-se pertencente a Deus. Ser de Deus! Não mais se pertencer! Esta é a alegria perfeita que João testemunhará em vários
momentos do seu ministério profético.
Ensina-nos o papa emérito Bento XVI: “A história de João é
enraizada de maneira particularmente profunda no Antigo Testamento. Zacarias é sacerdote da classe de Abia. Isabel, sua esposa, é também de origem sacerdotal: é uma descendente de Aarão
(cf. Lc 1,5). Segundo o direito veterotestamentário, o ministério
dos sacerdotes está ligado à pertença à tribo dos filhos de Aarão e
de Levi. Portanto, João Batista é sacerdote. Nele, o sacerdócio da
Antiga Aliança se dirige para Jesus; João se torna uma seta para
Jesus, um anúncio de Sua missão”.21
A plenitude dos tempos despontava, e com ela a plenitude dos bens messiânicos, o Shalom do Pai, Jesus. Cristo é a
19 Jl 3,5
20 BENTO XVI, Papa. A Infância de Jesus. Ed. Principia, 2012, p.40
21 BENTO XVI, Papa. A Infância de Jesus. Ed. Principia, 2012, p.35
26
joão batista, profeta do amor esponsal
nossa Paz22, como nos lembrará São Paulo, e se João Batista
vem preparar esses tempos e, ao mesmo tempo, introduzir o
povo nesse novo, ao apontar Jesus como Aquele que deveria
vir, também João, como Jesus o fará perfeitamente na Sua vida
e na Sua carne, “veio anunciar a paz à vós que estáveis longes,
e a paz àqueles que estavam perto”.23 Anunciando Jesus, João
anuncia a paz, estando assim bastante próximo da nossa Vocação. Resposta providencial de Deus para o seu tempo, João nos
ajuda e inspira; nόs que somos eleitos por Deus como Vocação
para sermos uma resposta do Espírito ao tempo que se chama
hoje, aos tempos de Nova Evangelização. Assim como João,
nossa Vocação se define também em relação ao desígnio de
Deus para os tempos de primavera da Igreja, anunciados por
João Paulo II e Bento XVI. Por sinal, o padre Marie-Dominique Philippe disse em uma de suas intervenções sobre João
Batista: “João Batista é uma fonte. Ele é a primavera de Deus no
deserto, a primavera que anuncia o fim da grande espera”24 . Essa
bela expressão não nos lembra João Paulo II, no Pentecostes
de 1998, na Praça de São Pedro, falando dos movimentos e comunidades novas como uma nova primavera para a Igreja? A
vocação de João Batista é uma resposta providencial de Deus
que inaugura um tempo, a plenitude dos tempos. Nossa Vocação, e tantos novos carismas que despontam hoje no jardim da
Igreja, também são resposta de Deus.
22 Ef 2,14
23 Ef 2,17
24 Marie-Dominique Philippe, In.: Daniel Ange. Jean Baptiste, pour le nouveau
millénaire, le prophète de la lumière. Editions des Béatitudes, 2000, p. 290
Deus suscita João
27
Termino esse capítulo com um belo hino da Liturgia Siríaca, composto para a solenidade do nascimento de João Batista:
“Toda a humanidade se encontrava antigamente mergulhada
na cegueira do erro, mas tu apareceste, ó mensageiro, para gritar: bendito sejas Tu, Senhor Todo Poderoso, Deus de nossos pais!
No nascimento do arauto da verdade, a Igreja Santa se rejubila e
canta a glória e o louvor do Senhor juntamente com todos os Seus
filhos no universo inteiro!”25
25 Idem, p. 291
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