Da contestação da co-ré

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DA FAZENDA
PÚBLICA – 2º JUIZADO
Processo n° 1198657411
O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pela
Procuradora do Estado firmatária, nos autos da Ação Ordinária em epígrafe,
proposta por SALMAR BENFICA MACHADO, vem respeitosamente perante
Vossa Excelência apresentar CONTESTAÇÃO, pelos fatos e fundamentos a
seguir expostos:
I – DOS FATOS
Trata-se de Ação Ordinária, proposta por SALMAR
BENFICA MACHADO, contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e
SANDRA MARIA SOARES, pretendendo obter indenização por danos morais e
materiais em razão de suposto equívoco de diagnóstico da segunda ré, funcionária
do Hospital Psiquiátrico São Pedro, entidade vinculada, subordinada à Secretaria
da Saúde Estadual, fazendo parte da estrutura organizacional da Administração
Direta.
O demandante, diga-se, foi avaliado clinicamente em razão
de inúmeros sintomas auferidos durante as sessões de terapia familiar que o
mesmo havia se submetido, sendo diagnosticado que sofria de um transtorno de
personalidade obsessiva-compulsiva, somado a um quadro depressivo.
Em razão deste diagnóstico, foi então lhe prescrita uma
série de medicamentos pela médica demandada, que vieram a aliviar os sintomas
que o mesmo apresentava. Contudo, não permanecendo sob esta medicação pelo
prazo recomendado, voltou a demonstrar os sintomas anteriormente apresentados.
Após um incidente ocorrido enquanto o autor trafegava com
seu automóvel, onde, conforme sua narrativa, parte de seu corpo ficou paralisada,
foram realizados novos exames, sendo então descoberto que o mesmo sofria de
sífilis.
Para fundamentar sua pretensão, afirma que a médica fora a
responsável direta pelo equivocado diagnóstico, receitando-lhe medicamentos
inadequados para sua doença, que, supostamente, haviam piorado seu estado de
saúde. Já para fundamentar a responsabilidade do Estado, aduz os arts. 1.521, III,
e 1.523 do Código Civil.
II – DO DIREITO
Da contestação da co-ré
Em primeiro lugar, reitera o ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL todas as afirmações apresentadas pela médica SANDRA MARIA
SOARES em sua Contestação.
Pela leitura de sua peça contestacional, verifica-se que
durante todo o tratamento do autor, a mesma agiu com o máximo de diligência e
sempre demonstrou excelente conhecimento clínico. Suas avaliações nada mais
corresponderam do que o recomendado pelos maiores especialistas internacionais
em psiquiatria.
Conforme a bibliografia médica trazida pela co-ré, os
sintomas apresentados pelo autor em nenhum momento indicavam a possibilidade
de o mesmo ser portador de sífilis, mas sim, de transtorno de personalidade
obsessiva-compulsiva, somado a um quadro depressivo.
Ademais, ao contrário do afirmado pelo autor, um simples
exame de sangue não é suficiente para detectar-se a sífilis, sendo necessário
exame denominado VDRL (exame específico para diagnóstico de sífilis na fase
primária ou secundária) ou punção lombar para análise do líquor (exame
específico para diagnóstico de sífilis na fase terciária).
Ora, não se trata de mero exame de sangue, mas sim de dois
procedimentos de alta complexidade e alto custo, que de maneira alguma
justificam-se sem a presença dos sintomas específicos da sífilis. O autor apenas
manifestou sintomas que poderiam indicar a possibilidade de sífilis em 17 de
março de 1995, quando não mais estava sob o tratamento indicado, embora tenha
sido encaminhado ao setor clínico do Hospital Ernesto Dornelles pela co-ré.
De outra sorte, embora o autor afirme que seu tratamento
foi realizado entre meados de 1993, durante todo o ano de 1994, até o início de
1995, tal alegação improcede. Conforme os documentos juntados aos autos pela
médica, o autor iniciou seu tratamento psiquiátrico em 21 de março de 1994,
abandonando-o em 4 de janeiro de 1995, sendo que em diversas consultas (por
exemplo, 11 de abril de 1994, 25 de abril de 1994, 9 de maio de 1994 e 17 de
outubro de 1994) foi constatado que não utilizava os medicamentos prescritos.
Durante o período em que o autor efetivamente utilizou a
medicação prescrita sem interrupções, entre 1º de junho a 10 de outubro de 1994,
este apresentou franca evolução positiva em relação ao quadro psiquiátrico,
começando a diminuir os sintomas obsessivos, e melhorando os sintomas
repetitivos.
Já no período restante, em que o mesmo interrompeu o
abandonou a medicação, esta não tinha condições farmacológicas de surtir os
efeitos pretendidos, uma vez que sua ação, para produzir os efeitos desejados,
depende da dose ministrada e do tempo de uso.
Assim, descabe a alegação do autor de que a médica errou
em seu diagnóstico, afirmando que suas alterações psíquicas haviam sido
produzidas pela sífilis, e não por transtorno de personalidade obsessivacompulsiva. Em primeiro lugar, o diagnóstico não é um juízo de certeza absoluta,
mas sim, uma adequação dos sintomas apresentados pelo paciente, com as
moléstias exteriorizadas por estes sintomas. De acordo com o comprovado pela
co-ré, todos os sintomas do autor indicavam o transtorno diagnosticado, e não a
sífilis. Em segundo, as alterações psíquicas somente se manifestavam quando o
paciente deixava de seguir as prescrições médicas, seja por não tomar de forma
adequada os medicamentos, seja porque consultava simultaneamente outro
médico.
Continuando, igualmente sem fundamento a alegação de
que a conduta da médica foi imprudente, imperita e negligente, considerando-a
culpada pela evolução da sífilis. A co-ré realizou todos os exames prévios
indicados aos sintomas do autor, sendo sua conduta permanentemente justificada e
cautelosa, amparada nos cânones da Ciência Médica, além de ter adotado todos os
conhecimentos técnico-científicos necessários ao restabelecimento da saúde
mental do autor.
Além disto, a capacitação técnica e profissional da médica
demandada é pública e notória, visto que já exerceu a função de chefe da Seção de
Saúde Mental e Neurológica do Estado do Rio Grande do Sul, vinculada ao
Departamento de Ações em Saúde da Secretaria da Saúde Estadual, bem como
pode ser comprovada por suas qualificações acadêmicas, de acordo com os
diplomas e documentos juntados aos autos.
Por todo o exposto, reafirma o ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL os fundamentos da contestação da co-ré, que demonstram a
ausência de culpa ou dolo da médica quanto ao tratamento do paciente, bem como
a inexistência de nexo causal entre os fatos imputados à demandada e os danos
alegadamente sofridos pelo requerente.
Da responsabilidade do Estado
Pretende o autor a condenação do Estado ao pagamento de
indenização por danos morais e materiais, então, fundamentando-se no art. 1.521,
III, e 1.523, do Código Civil Brasileiro, que dispõem:
Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação
civil:
(...)
III – O patrão, amo ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do
trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art.
1.522).
(...)
Art. 1.523. Excetuadas as do art. 1.521, n. V, só serão
responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art.
1.522, provando-se que elas concorreram para o dano
por culpa, ou negligência de sua parte.
Neste caso, seria necessário que o autor comprovasse a
culpa do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, através do Hospital
Psiquiátrico São Pedro, seja ela in eligendo ou in vigilando, o que claramente não
ocorre na situação descrita nos autos.
De outra forma, ainda que o requerente buscasse a
responsabilização do ente público através da teoria da Responsabilidade Civil
Objetiva do Estado, que dispõe que o ente público é civilmente responsável pelos
atos que seus prepostos realizarem nesta condição, seria necessário comprovar o
nexo causal entre a conduta praticada pelo funcionário público e o dano sofrido
pelo requerente.
No caso em tela, não se caracteriza nem o nexo causal entre
a conduta e o dano, nem a imperfeição no exercício profissional da médica.
Na lição de JOSÉ DE AGUIAR DIAS, “o que se torna
preciso observar é que o objeto do contrato médico não é a cura, obrigação de
resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos e, salvo
circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência, na fórmula
da Corte Suprema da França” (in Da Responsabilidade Civil. 1987. Forense. Pg.
299).
Conforme alegado pelo requerente, os danos materiais
sofridos referem-se aos valores gastos no tratamento ministrado pela médica, os
valores gastos no tratamento da sífilis e os lucros cessantes que o mesmo auferiria
se permanecesse trabalhando, enquanto que os danos morais referem se aos abalos
psicológicos e sua repercussão familiar.
Inicialmente, cumpre ressaltar que o tratamento prescrito
pela co-ré, em momento algum, veio a ser inútil. Sempre que o autor cumpriu
estritamente as determinações da médica SANDRA MARIA SOARES,
apresentou melhora significativa nos sintomas de transtorno de personalidade,
restando comprovado que tal tratamento era necessário para a situação clínica do
autor.
Nesta mesma linha de raciocínio, tal tratamento jamais
“mascarou” os sintomas da sífilis ou dificultou o seu diagnóstico. Os sintomas da
sífilis não são apenas de ordem psicológica, mas também de ordem física e
aparente, razão pela qual a co-demandada recomendou ao autor que procedesse a
exames orgânicos. Assim, sendo o requerente o único e exclusivo responsável por
ter contraído sífilis, incabível a pretensão de ver o Estado condenado a reembolsar
tal tratamento.
E ainda que eventual indenização pelos referidos gastos
pudesse ser cobrada do Estado, não há prova de tais desembolsos. Conforme
ressaltado na Contestação da co-ré, às fls. 104-105 dos autos, alguns documentos
não são recibos de pagamentos efetuados, outros não mencionam data de
pagamento ou identificação do pagador e alguns tratam-se até mesmo de
documentos idênticos a outros anteriormente juntados.
Pelos mesmos fundamentos, também descabe a pretensão de
obter indenização a título de lucros cessantes. Uma vez que os medicamentos
prescritos pela co-ré, quando utilizados corretamente pelo requerente, jamais lhe
trouxeram quaisquer complicações, e de forma alguma dificultaram o diagnóstico
da sífilis, sem nos esquecermos de que o autor foi o único responsável por ter
adquirido tal moléstia, não existe nexo causal entre a conduta do preposto do
Estado e o fato de o autor ter parado de trabalhar. Além disto, não trouxe o
requerente aos autos qualquer prova do exercício desta atividade, bem como
eventual comprovação da interrupção desta suposta atividade.
Quanto às alegações de ter sofrido danos morais, não menos
descabida é a pretensão. Abalo familiar maior do que o não diagnóstico de uma
moléstia, é o próprio diagnóstico de sífilis. Busca o autor ver o Estado condenado
à indenizar eventuais danos morais sofridos por sua família. Se há algum
responsável neste caso, é o próprio requerente, que contraiu sífilis, constantemente
desobedecia as ordens médicas e recusava-se a utilizar os medicamentos
prescritos de forma correta.
Também
na
esteira
deste
pensamento,
concorreu
diretamente o autor para o não diagnóstico de sífilis ao omitir informações de
interesse médico à co-demandada, em especial os sintomas físicos exteriores da
sífilis, que se manifestam nos três estágios da doença. Ao lado do dever de
cuidado e diligência do médico, esta o dever do paciente de mantê-lo informado a
respeito de suas condições de saúde, ou pelo menos de alterações físicas ocorridas
durante eventual tratamento médico.
Em relação à culpa concorrente ou exclusiva dos ofendidos
em relação à responsabilidade civil do Estado, bem como à necessidade de se
caracterizar o nexo causal entre a conduta e o dano alegado, tal é a orientação
jurisprudencial:
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CULPA
CONCORRENTE. Na responsabilidade da Administração
Pública prepondera o caráter objetivo, podendo, no
entanto, o poder público, veicular defesa, para ilidi-la ou
atenuá-la, conforme se veja comprovada a culpa exclusiva
ou concorrente da vítima. Sentença reformada.”
(TARGS. Apelação Cível n° 184038628. Relator Clarindo
Favretto. 2ª Câmara Cível. Porto Alegre, 23.10.1984.
Julgados TARGS 39/302)
“RESPONSABILIDADE
CIVIL
DO
ESTADO.
INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL. Não demonstrando
no processo qualquer ação, ou omissão, de agente do
Estado que se relaciona com os danos sofridos pela A.,
não se estrutura a responsabilidade objetiva do Estado.”
(TJRGS.
Apelação
Cível
n°
597068378.
Relator
Tupinambá Miguel Castro do Nascimento. 1ª Câmara
Cível. Porto Alegre, 22.09.1997)
Assim, não demonstrado o nexo causal entre a conduta da
médica demandada e os danos que o autor alega ter sofrido, bem como
caracterizada a omissão do requerente em comunicar sua médica sobre os
sintomas externos da sífilis, descabe a pretensão de ver o Estado responsabilizado
a indenizar o autor.
Por fim, cabe ressaltar a pretensão do autor de ver as
parcelas postuladas a título de indenização por danos morais, materiais e lucros
cessantes acrescidas de juros compostos.
Dispõe o art. 1.544 do Código Civil, localizado no Capítulo
que trata da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos:
Art. 1.544. Além dos juros ordinários, contados
proporcionalmente ao valor do dano, e desde o tempo
do crime, a satisfação compreende os juros compostos.
Tal é o teor da Súmula n° 186/STJ:
“Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos
somente são devidos por aquele que praticou o crime”
Complementando, reproduzimos trechos de ementas que
demonstram a orientação jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul nesta matéria:
“(...)
Os juros compostos só serão devidos se o direito à
indenização decorrer de ilícito penal, como prevê o art.
1.544 do Código Civil. Na hipótese de ilícito civil serão
devidos, sobre o valor da indenização, juros moratórios,
na taxa legal – 6% ao ano – a partir da citação.
(...)”
(TJRGS. Apelação Cível n° 597107549. Relator Osvaldo
Steffanello. 6ª Câmara Cível. Porto Alegre, 06.05.1998)
“ACIDENTE DO TRABALHO. LIQUIDAÇÃO POR
ARBITRAMENTO. Condenação em juros compostos.
Incabimento, vez não se tratar de indenização oriunda de
crime (Inteligência do art. 1.544 do CC). Precedentes do
STJ.
Apelação provida. Unânime.”
(TJRGS. Apelação Cível n° 598238319. Relatora Rejane
Maria Dias de Castro Bins. 9ª Câmara Cível. Porto Alegre,
10.11.1998)
“(...)
Juros compostos: somente são devidos se o dever de
indenizar resulta de crime e podem ser exigidos apenas
daquele que efetivamente o haja perpetrado.
(...)”
(TJRGS. Apelação Cível n° 598321958. Relator Luiz
Felipe Brasil Santos. 12ª Câmara Cível. Porto Alegre,
29.10.1998)
“(...)
A condenação da A. ao pagamento de juros compostos
infringe o art. 1.544 do Estatuto Civil, de vez que são estes
exigíveis apenas do autor direto do delito. (...)
Ação procedente, em parte, para afastar a exigência de
juros compostos (art. 1.544 do Código Civil).”
(TJRGS. Ação Rescisória n° 194243424. Relatora
Teresinha de Oliveira Silva. 1º Grupo de Câmaras Cíveis.
Porto Alegre, 02.10.1998)
Logo, estando a matéria devidamente sumulada pelo
Superior Tribunal de Justiça, e pacificada pela jurisprudência, no sentido de que a
incidência de juros compostos só tem cabimento em caso de ilícitos criminais, o
que obviamente não é o caso dos autos, e só pode ser cobrada do causador direto
do delito, o que exclui a responsabilidade do Estado, caracteriza-se claramente o
descabimento da pretensão do autor em relação à composição de juros.
Ante o exposto, requer o ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL o julgamento de total improcedência da ação, com a condenação do
autor aos ônus sucumbenciais, bem como seja deferida a produção de todas as
provas em Direito admitidas, especialmente a documental e o depoimento pessoal
do autor da presente ação.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Porto Alegre, 19 de abril de 2000.
OLGA ALINE O. CAVALCANTE
Procuradora do Estado
OAB/RS 41.917
GUSTAVO SCHNEIDER ALVES
Estagiário de Direito
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