a Terra vista pelo buraco da fechadura

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Apostila de divulgação da Geofísica para o Ensino Médio
Geofísica: a Terra vista pelo buraco da fechadura
Ricardo I.F. Trindade e Eder C. Molina
IAG-USP
A TERRA: FORMA E DIMENSÕES
Qual a forma da Terra ? Esta é uma questão que tem preocupado o homem desde
os tempos mais remotos. A mais antiga atribuição de forma à Terra que se conhece é a
de um disco chato. Já no séc. VII a.C., Homero e os filósofos gregos afirmavam que a
Terra era um disco suportando o céu. Mais tarde, no século VI a.C., Tales de Mileto e os
babilônios, acreditavam que a Terra era um disco que flutuava sobre a água. Para outros,
como Anaxímenes, também de Mileto, o disco Terra estaria suspenso sobre um buraco
infinito, sustentado pelo ar que o circundava.
Em todas estas idéias dois fatos merecem atenção: se a Terra é um disco chato,
então existe somente um horizonte, ou seja, as estrelas visíveis em um ponto da Terra
seriam vistas exatamente da mesma forma em qualquer outra localidade, do mesmo
modo a hora do alvorecer e a duração do dia deveriam ser iguais em todo o planeta. Na
prática isto não é observado. Sabia-se, já naquela época, que em algumas períodos do
ano a duração dos dias é bastante diferente se estamos mais ao norte ou mais ao sul.
Ainda no séc. VI a.C., Pitágoras e a sua escola deram um grande passo para que
a concepção esférica da Terra fosse difundida. Ironicamente, isto se deveu mais a suas
crenças sobre a perfeição da forma esférica e do número 10 do que propriamente pela
razão. Foi Aristóteles, no séc. IV, quem apresentou os primeiros argumentos convincentes
para a esfericidade da Terra: o contorno circular da sombra da Terra projetada na Lua
durante os eclipses lunares, a diferença no horário de observação de um mesmo eclipse
para observadores situados em locais diferentes, a mudança no aspecto do céu conforme
a latitude do observador, e o fato de que todos os objetos caem em direção à Terra.
O tamanho da Terra
No século III a.C., Arquimedes afirmava que a Terra era uma esfera menor do que
o Sol e maior do que a Lua e sugeria que a sua circunferência teria uma dimensão
máxima de 300.000 estádios (estádio era uma unidade de medida que podia valer de 147
a 192 metros). Mas foi Eratóstenes de Alexandria, nascido em Cirene, norte da África, em
276 a.C., que realizou o primeiro experimento científico para medição da circunferência da
Terra. O seu experimento até hoje surpreende pela concepção simples e pelo resultado
muito próximo ao valor correto. A engenhosa idéia de Eratóstenes era baseada na
hipótese de que, caso a Terra fosse esférica, a sombra de uma bastão observada no
mesmo instante em locais diferentes permitiria, a partir de considerações geométricas, o
cálculo do diâmetro da esfera (ver Figura abaixo). O valor por ele obtido, apesar da
precariedade dos métodos de medição utilizados para estimar a distância entre os dois
pontos de medida, foi de 250.000 estádios. Se considerarmos o valor médio de um
estádio, teremos um meridiano terrestre de 46.230 km, muito próximo do valor atualmente
observado de 39.941 km.
Eratóstenes era bibliotecário-chefe do Museu
de Alexandria, no Egito. Um relato em um dos
livros da biblioteca indicava que ao meio-dia do
solstício de verão podia-se ver o reflexo do Sol
em um poço na cidade de Siena, 800 km a sul
de Alexandria, indicando assim que o Sol
estaria incidindo exatamente na vertical. Na
mesma hora, em Alexandria, um obelisco
apresentava uma sombra em função da
curvatura da Terra. Sabendo o comprimento da
sombra e a distância entre as duas cidades ele
pôde calcular a circunferência da Terra. Refaça
você mesmo esta experiência seguindo o
roteiro dado na Sugestão de atividade prática.
Um século mais tarde, Posidônio determinou o raio terrestre por um método
semelhante, mas utilizando a posição de uma estrela, obtendo um valor de 240.000
estádios para o comprimento da circunferência. Claudio Ptolomeu, no século II d.C., autor
do sistema geocêntrico, atribuiu ao planeta um valor similar ao de Posidônio, reafirmando
a esfericidade da Terra.
Depois de Ptolomeu, somente no séc. IX é que outra tentativa para a
determinação das dimensões da Terra foi realizada, pelos árabes. O valor obtido foi de 56
2/3 milhas árabes, o que daria algo em torno de 42.840 km para a circunferência terrestre,
considerando que uma milha árabe corresponde a 2,16 km.
Valores mais precisos só foram conseguidos no séc. XV, com a medida de um
arco de meridiano por Picard, que obteve o valor de 6.372 km para o raio do planeta, o
que corresponde a um diâmetro médio de 40.036 km para a Terra. O valor obtido por
Picard ficou famoso pelo fato de ter sido utilizado por Isaac Newton para a verificação da
Lei da Gravitação Universal.
Com a negação do sistema geocêntrico por Copérnico, admitiu-se para a Terra um
movimento de rotação e translação ao redor do Sol, o que permitiu que Newton
concluísse, a partir de estudos teóricos, que o movimento de rotação causaria um
achatamento do planeta nos pólos, de forma que a razão entre o diâmetro da Terra no
equador e no pólo fosse de 230/229, ou seja, o raio da Terra seria ligeiramente menor no
pólo.
Um fato curioso ocorreu em 1718, quando Jacques Cassini realizou uma série de
medidas, dando continuidade a um trabalho de Picard, e concluiu que a Terra deveria ser
achatada no equador, ao contrário do que a teoria newtoniana previa. Uma grande
controvérsia foi criada na Europa a respeito destes resultados, dando origem a duas
expedições patrocinadas pela Academia de Ciências de Paris, com o objetivo de realizar
medições de um arco de meridiano próximo ao equador, no Peru, e próximo ao pólo, na
Lapônia.
O resultado das medições mostrou que um arco de 1o no equador media 110.614
m, e próximo ao pólo, um arco de 1o correspondia a 111.949 m. Estava confirmada,
assim, a teoria de Newton, e a Terra a partir de então foi vista em primeira aproximação
como um elipsóide de revolução, com o semi-eixo menor coincidindo com o eixo de
rotação terrestre.
A massa da Terra
O problema de determinar a massa da Terra só foi resolvido em 1798 por Henry
Cavendish. Utilizando a Lei da Gravitação Universal formulada em 1687 por Isaac
Newton, Cavendish utilizou um engenhoso método que consistia em medir o
deslocamento de pequenas esferas de chumbo suspensas por um fio, quando delas se
aproximava esferas muito maiores. Pela Lei da Gravitação Universal, deveria haver uma
força de atração entre as massas, que poderia ser detectada pelo deslocamento das
massas menores. O experimento permitiu a determinação não só da massa, mas da
densidade média da Terra (que pode ser obtida dividindo-se a massa da Terra por seu
volume, uma vez que as dimensões da Terra já eram conhecidas).
Cavendish ficou surpreso com o resultado, que mostrava que “a densidade da
Terra é 5,48 vezes superior à da água”, uma vez que as rochas encontradas na superfície
terrestre apresentam uma densidade média de 2,7 g/cm3, ou seja, são 2,7 vezes mais
densas do que a água. Isto indicava que as camadas do interior terrestre deveriam ter
uma densidade muito superior à densidade das rochas da superfície, e, por conseguinte,
que a composição das camadas interiores poderia não ser similar à composição das
rochas superficiais. De fato, posteriormente comprovou-se que o núcleo da Terra é
composto em sua maior parte por ferro e níquel, materiais que apresentam uma
densidade muito maior do que a densidade das rochas encontradas comumente na
superfície terrestre.
COMO É A TERRA POR DENTRO?
As evidências de que a Terra não é homogênea foram mais tarde comprovadas
por meio de métodos geofísicos, que investigam as diferentes propriedades físicas e
químicas das rochas de forma indireta. Assim, por exemplo, o estudo da velocidade da
propagação de uma onda sísmica em diferentes materiais terrestres permite estimar a
composição e a estrutura da região em questão.
Considerando as diferenças de composição química e de propriedades físicas e
mecânicas, como por exemplo, a densidade, a Terra pode ser dividida em crosta, manto
e núcleo.
Diagrama esquematizando as camadas que compõe a Terra.
As cores são ilustrativas.
A crosta é a camada superficial da Terra, rígida, que atinge a profundidade média
de 35 km sob os continentes, onde apresenta densidade variando entre 2,6 a 2,8 g/cm3, e
6 km sob os oceanos, onde a densidade é de 3,0 a 3,3 g/cm3. Na base da crosta, a
velocidade das ondas sísmicas sofre um aumento brusco que marca claramente a
mudança da propriedade física dos materiais. Esta descontinuidade que separa a crosta
das camadas inferiores é chamada descontinuidade de Mohorovicic, em homenagem a
um sismólogo iugoslavo que a estudou no início do século XX.
Abaixo da crosta encontra-se o manto, constituído de minerais silicáticos ricos em
ferro e magnésio. O manto terrestre é sólido. Entretanto, em função das condições de
temperatura e pressão em que se encontram as rochas no manto, elas tendem a se
comportar como um fluido muito viscoso quando submetidas a esforços de longa duração
e grande magnitude, como os esforços geológicos. A densidade do manto varia entre 3,5
g/cm3 e 5,5 g/cm3. De acordo com a velocidade das ondas sísmicas, podemos dividir o
manto em três regiões: manto superior, zona de transição e manto inferior.
O manto superior vai da base da crosta até a profundidade de 400 km, e apresenta
um aumento gradual de densidade com a profundidade. A partir dele, e chegando à
profundidade de 1000 km, temos a zona de transição, onde a densidade passa por
aumentos significativos em seu valor.
Abaixo de 1000 km temos o manto inferior, onde a densidade volta a aumentar
gradualmente, até a profundidade de 2900 km, onde termina o manto e tem início uma
nova camada: o núcleo terrestre.
A análise das ondas sísmicas mostra que o núcleo é constituído por material de
alta densidade, e está dividido em duas camadas: o núcleo externo e o núcleo interno.
O núcleo externo é fluido, indo de 2900 a 5100 km de profundidade, e possui cerca
de 30% da massa da Terra, sendo homogêneo pelos movimentos de convecção que nele
ocorrem. Seu principal constituinte é o ferro, com pequenas quantidades de silício e
enxofre.
A partir de 5.100 km de profundidade e indo até o centro da Terra, temos o núcleo
interno, que é sólido e constituído basicamente por ferro e níquel. A interação entre o
núcleo externo e o núcleo interno dá origem ao campo magnético terrestre, que é muito
importante para a vida no planeta, por gerar uma “blindagem” que nos protege das
partículas carregadas provenientes do Sol.
Levando-se em conta as características de rigidez e fluxo de material, podemos
dividir as camadas mais externas da Terra de uma outra forma: litosfera, astenosfera e
mesosfera.
Esquema das camadas da Terra considerando-se as propriedades físicas e químicas (à
esquerda) e as características de rigidez (à direita). As cores são ilustrativas, não
correspondendo à realidade.
A litosfera é a camada superficial rígida que possui mobilidade, que vai da
superfície ao ponto onde a temperatura atinge os 1200 º C, que ocorre normalmente a
100 km de profundidade nas regiões das bacias oceânicas, e a 200 km nas regiões
continentais. Nesta camada as rochas estão à pressão e temperatura tais que
apresentam um comportamento rúptil, ou seja, apresentam condições de acumular
esforços até o seu limite de ruptura, quando liberam a energia acumulada, normalmente
sob a forma de um terremoto.
A astenosfera vai da base da litosfera até o ponto onde ocorre o terremoto mais
profundo, o que ocorre a aproximadamente 700 km de profundidade. As propriedades
desta camada são tais que permitem que ela seja considerada um fluido muito viscoso
para grandes esforços atuantes em longos períodos, como é o caso do deslocamento da
litosfera acima dela. Para eventos de curta duração, porém, a astenosfera comporta-se
como um sólido elástico, o que pode ser comprovado pela propagação das ondas
sísmicas.
Abaixo da astenosfera, o aumento de pressão com a profundidade é tão
acentuado que a viscosidade do material dificulta os movimentos de convecção. Temos
nesta região a mesosfera, que vai dos 700 km até a interface com o núcleo externo, a
2900 km de profundidade.
É importante notar que as definições de crosta e litosfera são distintas, e os dois
termos não devem ser utilizados como sinônimos, pois envolvem propriedades diferentes
e apresentam características particulares.
COMO A SUPERFÍCIE DA TERRA SE MOVE?
A distribuição dos terremotos e do vulcanismo na superfície terrestre permite
delimitar estreitas faixas onde estes fenômenos normalmente ocorrem. Estas zonas são
regiões de fraqueza na litosfera, que permitem dividi-la em grandes pedaços, que podem
englobar tanto porções continentais quanto oceânicas: as placas litosféricas.
Esquema mostrando as principais placas litosféricas, em cores ilustrativas.
As regiões de bordas das placas litosféricas podem ser de três tipos:
convergência, divergência e transcorrência.
Nas margens de convergência, duas placas colidem e uma delas é forçada a
descer sob a outra, em um processo chamado de subducção. Neste tipo de colisão de
placas, uma delas acaba sendo lentamente destruída, ao atingir a profundidade na qual
as condições de pressão e temperatura são adequadas para que ocorra o processo de
fusão. Um exemplo típico deste tipo de margem ocorre na região dos Andes, onde a placa
de Nazca sofre subducção sob a placa da América do Sul. Neste processo foram geradas
as cadeias de montanhas da região andina, bem como os inúmeros vulcões ativos ali
presentes. A colisão das placas nesta região também é responsável pela grande
quantidade de terremotos, muitos deles com magnitude muito grande, mostrando a
enorme quantidade de energia envolvida no processo.
Esquema mostrando uma margem de convergência. A placa oceânica à esquerda, por ser mais
densa, afunda sob a placa continental à direita, e no processo ocorrem terremotos e vulcanismo.
A figura não se encontra em escala e as cores utilizadas são ilustrativas.
Nas margens de divergência ocorre a separação de duas placas litosféricas, com
saída de material da astenosfera, que se solidifica ao longo das bordas das placas
envolvidas no processo, aumentando-as gradativamente de tamanho. Nesta região
ocorrem muitos abalos sísmicos de pequena magnitude, originados pelo rompimento de
porções da placa durante o afastamento. Um exemplo de região deste tipo é a dorsal
meso-atlântica, uma longa cadeia de montanhas submarinas que atravessa o Oceano
Atlântico desde a Islândia até as regiões antárticas.
Esquema mostrando uma margem de divergência, na dorsal oceânica. A figura não está
em escala e as cores utilizadas são ilustrativas.
Nas margens de transcorrência, não há criação nem destruição de placas, mas
somente o movimento lateral entre elas. Normalmente ocorrem terremotos neste tipo de
margem, como é o caso da falha de San Andreas, na Califórnia.
Imagem da falha de San
Andreas, na Califórina,
onde há o deslocamento
relativo entre as placas.
Deriva continental e tectônica de placas
A mobilidade das camadas superficiais da Terra foi proposta inicialmente em 1596
por um cartógrafo alemão chamado Abraham Ortelius, que notou a similaridade das linhas
de costa da América do Sul e da África, sugerindo que os dois continentes estivessem
unidos no passado.
Esquema mostrando a similaridade entre as linhas de costa da América
do Sul e África, observada por Abraham Ortelius.
Em 1912, um meteorologista alemão chamado Alfred Wegener propunha a teoria
da Deriva Continental, baseado nas observações sobre o ajuste das linhas de costa, a
distribuição de fósseis e as evidências sobre as dramáticas mudanças de clima ocorridas
no passado geológico da Terra.
A distribuição de certos fósseis
mostrava um padrão que só seria
possível caso os continentes
estivessem juntos no passado
geológico.
A teoria da Deriva Continental propunha que há 200 milhões de anos todas as
massas continentais faziam parte de um único bloco, que Wegener denominou de
Pangea. A quebra deste supercontinente daria origem a duas grandes massas
continentais: a Laurásia, ao norte, e o Gondwana, ao sul. Posteriormente estes dois
blocos também se fragmentariam, dando origem às massas continentais que conhecemos
na atualidade.
Esquema mostrando a configuração das massas continentais nos últimos 225 milhões de anos.
O principal problema com a teoria da Deriva Continental estava na força
necessária para movimentar os blocos continentais, fazendo-os deslizar sobre o assoalho
oceânico. Não se conhecia nenhuma força capaz de realizar tal tarefa, e, mesmo que
existisse tal força, ela seria tamanha que fragmentaria completamente o continente. As
críticas à teoria foram violentas, e ela acabou caindo no esquecimento após a morte de
Wegener, durante uma expedição na Groelândia em 1930.
Posteriormente, na década de 1960, novas evidências geofísicas, como a
constatação de que o assoalho oceânico é recente e repleto de feições fisiográficas, a
distribuição dos terremotos e vulcanismo em faixas estreitas, delimitando as bordas das
placas litosféricas, e o padrão simétrico de magnetização das rochas em relação à dorsal
meso-oceânica, levaram à retomada da teoria da mobilidade das massas continentais,
sob outra formulação, denominada Teoria da Tectônica de Placas.
A Tectônica de Placas postula que as placas litosféricas, que englobam tanto
massas continentais quanto parte do assoalho oceânico, interagem entre si, afastando-se
nas margens de divergência, como é o caso das dorsais oceânicas, e colidindo nas zonas
de convergência, como é o caso dos Andes e Himalaias.
É importante notar, portanto, que a teoria da Deriva Continental foi uma primeira
tentativa de explicar a mobilidade das massas continentais, mas mostrou-se em muitos
pontos incorreta e foi substituída pela Tectônica de Placas, que é distinta, por considerar
que não somente os continentes estão em movimento, mas toda a placa litosférica que os
contém, além de utilizar diversas observações geofísicas que comprovam esta
movimentação e explicam as forças envolvidas.
COMO PERCEBEMOS ESTE MOVIMENTO?
Os indícios mais evidentes da tectônica de placas são os terremotos e os
vulcões. Não é à toa que os polinésios e os gregos atribuíram divindades a estes tipos de
catástrofe natural, tão comuns nas ilhas do Pacífico central e na Grécia. Para os
polinésios são os humores da bela deusa Pele que regem as erupções dos vulcões do
Havaí. Na Grécia antiga acreditava-se que os terremotos eram causados pela fúria de
Poseidon, irmão de Zeus e deus dos mares. Já os vulcões eram emanações do mundo
subterrâneo, onde habitava o filho de Zeus Hefaestos (ou Vulcano, para os Romanos). Na
verdade, os terremotos e vulcões são um dos produtos do movimento contínuo da
litosfera terrestre e não por acaso ocorrem com maior freqüência nas bordas das placas
litosféricas.
Esta gravura, da catedral de Catania, Itália, mostra a erupção do vulcão Etna em 1669. A catedral, com
sua torre, representada no centro da figura foi parcialmente destruída no terremoto de 1693 assim
como boa parte da cidade. O Castelo de Ursino, que está cercado pela lava incandescente nesta figura
sobreviveu tanto à erupção quanto ao terremoto.
Terremotos
Os terremotos são fruto da liberação dos esforços acumulados quando as placas
vão forçando sua passagem umas junto às outras. Durante esse lento movimento as
placas vão sendo comprimidas (envergadas) ou distendidas (esticadas) até que atinjam o
seu limite de ruptura. Neste momento, uma porção da litosfera se rompe bruscamente ao
longo de uma falha geológica. Esta ruptura gera vibrações, as ondas sísmicas, que se
propagam tanto em superfície quanto em sub-superfície a diferentes velocidades,
dependendo do tipo de material no qual elas se movem, fazendo vibrar todo o planeta. É
a partir das ondas símsicas geradas pelos terremotos que se estuda a estrutura do
planeta.
Vista aérea de San Francisco (EUA) após o terremoto de 18 de abril de 1906 (magnitude 7,8).
O local onde a litosfera se rompe, originando o terremoto, é chamado de foco. O
epicentro é o ponto na superfície terrestre situado diretamente acima do foco. A
localização de um terremoto é geralmente descrita pela posição geográfica do epicentro e
pela profundidade do foco, ou profundidade focal. A localização exata de um terremoto é
calculada a partir dos registros de vários sismógrafos distribuídos em diversos pontos da
superfície da Terra. Os sismógrafos registram em um sismograma (ver Figura abaixo) a
intensidade da vibração do chão e a hora em que as vibrações ocorreram.
Sismograma do terremoto de San Francisco ocorrido em 1906. Este sismograma foi registrado pela estação
sismográfica de Gottingen, na Alemanha. Estão representadas as componentes EW (vibrações na direção
leste-oeste) e N-S (vibrações na direção norte-sul)
Os sismólogos atribuem a cada sismo uma intensidade e uma magnitude.
A intensidade de um terremoto é determinada a partir dos seus efeitos nas
pessoas, nos objetos, nas construções e na natureza. A escala de intensidades mais
utilizada é a escala de Mercali Modificada (MM), que varia do grau I ao grau XII (ver a
Escala de Mercali Modificada na Tabela 1). Por exemplo, o terremoto de Mogi-Guaçu (SP)
de 1922 foi sentido a mais de 300 km da região epicentral. No epicentro todas as pessoas
sentiram o terremoto, as paredes de várias casas racharam e muitas pessoas acordaram
em pânico. Estes efeitos permitem atribuir um grau VI MM àquele tremor de terra.
A magnitude de um terremoto é calculada a partir da energia total liberada pelo
sismo e se baseia nos registros das estações sismográficas. A escala utilizada foi
elaborada por Charles F. Richter e se baseia na amplitude das vibrações. Esta escala não
apresenta limites inferiores ou superiores. Sismos muito pequenos podem mesmo
apresentar valores negativos. Cada incremento na escala Richter corresponde a um
aumento de dez vezes na amplitude da vibração. Terremotos com grande poder de
destruição têm magnitude superior a 7.
Os sismos estão distribuídos predominantemente ao longo de faixas que delimitam
as placas litosféricas. Mais raramente alguns sismos ocorrem no interior das placas.
Distribuição dos abalos sísmicos, mostrando a concentração nas bordas das placas litosféricas. As cores
referem-se às diferentes profundidades de ocorrência dos abalos (vermelhos: profundidade inferior a 35 km).
O Brasil ocupa o centro da placa sul-americana, o que explica a sua baixa
atividade sísmica. Entretanto, há registros de sismos com magnitude de até 6,2 no
território brasileiro nos últimos 50 anos. Os estados com maior atividade sísmica no Brasil
são o Ceará, o Rio Grande do Norte e o Mato Grosso.
Vulcões
Junto aos limites das placas o manto da Terra, que é sólido, se funde, formando
magma. Isto ocorre tanto nas dorsais meso-oceânicas, onde ocorre alívio de pressão e o
material mantélico é alçado à superfície, atingindo o ponto de fusão, quanto nas zonas de
subducção, onde a placa que mergulha carrega consigo água, que favorece a fusão
mantélica. O magma tende a subir em função da pressão de gases e de sua menor
densidade, chegando algumas vezes à superfície da Terra, formando os vulcões.
Erupção do Vesúvio em 1944 (à esquerda) e representação artística (direita) da erupção de 79 a.C. tal como foi
relatada por Plínio. A foto da erupção de 1944 foi tirada de um navio de guerra situado na Baía de Nápoles por
ocasião da Segunda Guerra Mundial, e deve representar o mesmo ponto de vista de Plínio, historiador romano
que acompanhou a erupção de dentro de sua embarcação há mais de dois mil anos atrás.
O magma é formado por um líquido rico em sílica e oxigênio, cristais, fragmentos
das rochas circundantes, água e gases dissolvidos. Quando o magma atinge a superfície
ele é extravasado na forma de lava, que logo em seguida resfria e se cristaliza formando
as rochas vulcânicas. Durante a erupção os gases contidos no magma são liberados,
algumas vezes de forma explosiva, gerando erupções violentas. Nestes casos eles
podem carregar consigo partículas finas (cinzas vulcânicas) ou mesmo grandes
fragmentos de rocha e grandes bolhas de magma que se solidificam no ar após a sua
ejeção da cratera (bombas vulcânicas).
As erupções mais violentas são as chamadas erupções “plinianas” em referência
às descrições de Plínio, para a erupção do Vesúvio (Itália) em 79 a.C. Nestas erupções
magmas bastante viscosos são extravasados de forma explosiva. Durante a erupção os
gases e as cinzas vulcânicas podem formar nuvens com dezenas de quilômetros de
altura. Duas erupções recentes apresentaram essas características: a erupção do Monte
Santa Helena (EUA), em 18 de maio de 1980 e a erupção do Monte Pinatubo (Filipinas)
em 15 de junho de 1991.
Já no Havaí, as erupções são freqüentemente menos explosivas, em função da
baixa viscosidade dos magmas gerados sob aquele arquipélago. Em diversos casos as
lavas escorrem ao longo de fissuras e formam “rios” de lava seguindo até o mar.
“Rios” de lava formados durante a
erpção do vulcão Pu’u’O’o, no Havaí,
em 1983.
Cerca de 500 vulcões na Terra são considerados ativos, ou seja, aqueles que
apresentam pelo menos um registro de erupção no tempo histórico. Boa parte destes
vulcões encontra-se submersa e a maioria deles está distribuída ao longo de uma faixa
que circunda o litoral do Oceano Pacífico, conhecida como Círculo do Fogo.
O Círculo do Fogo (em vermelho) com a indicação dos vulcões mais importantes. Note a correspondância
entre os vulcões e os terremotos representados em uma das figuras acima.
RECONSTRUINDO O MOVIMENTO DAS PLACAS
O movimento atual das placas litosféricas é constantemente monitorado, seja por
medidas em terra, seja por meio de satélites. Para desvendarmos o movimento das
placas no passado geológico nós utilizamos o magnetismo registrado nas rochas. Ambos
os métodos revelam que a superfície de nosso planeta vem se movendo continuamente
alguns centímetros por ano.
Anomalias magnéticas do fundo oceânico: medindo o movimento do passado
A Terra se comporta como um grande imã, e o pólo norte magnético situa-se
próximo do pólo norte geográfico. É por isso que a agulha da bússola se orienta sempre
em direção ao norte. Mas nem sempre o campo magnético terrestre apresentou a
orientação que apresenta hoje em dia. De tempos em tempos ele inverteu a sua
polaridade, ou seja, o norte magnético passou a ocupar uma posição próxima à do pólo
sul geográfico. Cada mudança de polaridade dura cerca de 3.500 a 5.000 anos. Após a
mudança o campo magnético permanece com a mesma polaridade por centenas de
milhares de anos ou até dezenas de milhões de anos.
Os minerais magnéticos contidos nas rochas do assoalho oceânico, formadas pelo
resfriamento dos magmas extrudidos nas dorsais, registram a orientação do campo
magnético terrestre. Estes minerais adquirem um magnetismo permanente, paralelo ao
campo magnético da Terra, quando atingem temperaturas inferiores a um ponto crítico,
denominado ponto de Curie e que para as magnetitas é igual a 580º C. Levantamentos
magnéticos do fundo dos oceanos revelaram que rochas com a mesma polaridade
magnética formam longas faixas, paralelas às dorsais meso-oceânicas. Além disso faixas
com polaridades normais e reversas se repetem de um lado e do outro das dorsais
formando um padrão simétrico.
Modelo para a formação das
anomalias magnéticas do fundo
ocânico.
As figuras de (a) a (c) mostram o
processo de formação de crosta
oceânica em uma dorsal (midocean ridge). À medida em que o
assoalho oceânico se expande,
faixas de rocha com magnetização normal (em colorido) e
reversa (em branco) vão sendo
formadas e gradativamente se
afastam umas das outras.
Ora, este padrão simétrico pode ser explicado se considerarmos que as placas
estão se afastando continuamente em torno das dorsais. Cada nova faixa de crosta
oceânica formada vai registrar a orientação do campo magnético terrestre na época de
resfriamento. A crosta oceânica, formada em centenas de milhões de anos, vai apresentar
então um registro contínuo das mudanças de polaridade do campo magnético da Terra.
Esta hipótese foi formulada por dois jovens geofísicos ingleses, F.J. Vine e D.H..
Matthews, em 1963, e serviu para consolidar a teoria da Tectônica de Placas.
Combinando-se
os
padrões
das
anomalias
magnéticas
com
as
idades
determinadas para diversos pontos da crosta oceânica, podemos reconstruir o seu
movimento e calcular a velocidade de movimentação relativa de cada placa ao longo do
tempo geológico. Essas velocidades variam bastante de placa para placa. Por exemplo,
no centro de espalhamento do Ártico as placas se afastam lentamente, a uma velocidade
de 2,5 cm por ano (que é mais ou menos a velocidade em que crescem as nossas
unhas!), enquanto a placa do Pacífico de aproxima à velocidade de 18 cm por ano da
costa leste do Chile.
Geodésia: medindo o movimento das placas hoje
A geodésia é a ciência que se ocupa do estudo da forma da Terra e de sua
variação no tempo. O movimento atual das placas é monitorado a partir de medidas
geodésicas em terra ou a partir de satélites.
As medidas em terra são feitas há séculos utilizando praticamente as mesmas
técnicas utilizadas atualmente, muito embora os avanços tecnológicos tenham permitido o
desenvolvimento de aparelhos de medida mais precisos hoje em dia. Para medir a
movimentação horizontal de uma dada região utiliza-se uma rede de triangulação. Definese um conjunto de pontos de medida, devidamente marcados em solo firme, e mede-se a
distância e os ângulos entre eles. Como os pontos de medida estabelecidos antigamente
ainda permanecem marcados eles podem ser re-medidos de tempos em tempos. Deste
modo, pode-se determinar os movimentos horizontais relativos em uma dada região ao
longo do tempo.
Para determinar a movimentação de todo o planeta é mais conveniente utilizar as
medidas efetuadas do espaço, pelos satélites. O GPS (abreviação em inglês para
Sistema de Posicionamento Global) é a técnica espacial mais comumente utilizada para
medir de forma precisa a variação na forma da Terra. O sistema GPS conta com vinte e
um satélites em órbita a 20.000 km acima da superfície terrestre. Estes satélites enviam
sinais de rádio continuamente para a Terra. Uma medida precisa da localização de uma
base geodésica na superfície terrestre deve ser obtida a partir do sinal de pelo menos
quatro satélites. Do mesmo modo que no levantamento terrestre, o movimento das placas
pode ser determinado a partir de repetidas medidas nos mesmos pontos ao longo do
tempo.
Satélite GPS (à esquerda) e receptor GPS (à direita) em uma base geodésica no Alaska (EUA).
As velocidades das placas medidas a partir dos satélites nas últimas décadas têm
confirmado as estimativas efetuadas para o passado mais distante utilizando as
anomalias magnéticas.
Leitura adicional recomendada:
Teixeira, W., Toledo, M.C.M., Fairchild, T.R., Taioli, F (organizadores). 2000. Decifrando a
Terra. Oficina dos Textos. 558pp.
Skinner, B.J. e Porter, S.C. 1995. The Dynamic Earth. John Wiley & Sons, Inc. 567pp.
Kious, J e Tilling, R.I. 1996. The Dynamic Earth: the history of Plate Tectonics. U.S.
Government Printing Office. (disponível gratuitamente na internet em formato
hipertexto no endereço: http://pubs.usgs.gov/publications/text/dynamic.html).
Leitura mais avançada:
Lowrie, W. 1997. Fundamentals of Geophysics. Cambridge University Press. 354pp.
SUGESTÕES DE ATIVIDADES PRÁTICAS PARA CADA SEÇÃO DA APOSTILA
A TERRA: FORMA E DIMENSÕES
1) Repita a engenhosa experiência de Eratóstenes com os alunos.
Material necessário: (a) cabo de vassoura serrado na altura de um metro, (b) fita
métrica ou trena, (c) prumo de pedreiro (ou um peso pendurado a um barbante), (d)
giz.
A experiência:
A experiência deve ser executada no mesmo dia por alunos de outra Escola distante a
norte ou a sul. Ao meio-dia cada grupo deve medir, com a fita métrica ou a trena, a
extensão da sombra do cabo de vassoura. O grupo deve se certificar que o cabo de
vassoura encontra-se perfeitamente na vertical utilizando o prumo de pedreiro (o cabo
de vassoura deve estar paralelo ao fio de prumo).
Os cálculos:
Para calcular o tamanho da Terra deve-se fazer o seguinte (ver esquema na primeira
figura da Apostila). Os cálculos são simples, mas recomenda-se trabalhar em conjunto
com o professor de matemática, que pode utilizar a experiência para introduzir
conceitos de trigonometria e dimensão de objetos tridimensionais:
a) usando o teorema de Pitágoras calcula-se o ângulo de incidência do Sol obtido
pelos alunos da turma e pelos colegas da Escola situada a sul ou a norte;
b) Subtrai-se um ângulo do outro para se obter o arco entre os dois pontos (δ);
c) Divide-se a diferença angular (δ) por 360;
d) Multiplica-se o valor obtido em (c) pela distância (D) entre as duas localidades de
medida na direção N-S.
Obs: Os passos (c) a (d) correspondem a uma regra-de-três, onde:
δ = D
360 = x
x é o valor, em quilômetros, da circunferência da Terra.
e) Para se obter o raio da Terra (R) divide-se o valor de x por 2π (2 x 3,1416; da
equação x=2πR).
COMO É A TERRA POR DENTRO?
2) Trace, junto com os alunos, os limites das placas litosféricas.
Material necessário: (a) cópias do mapa-mundi, (b) canetas coloridas.
Aproveite a atividade para indicar a cadeia de montanha submarina situada no meio
do Oceano Atlântico (a cadeia Meso-Atlântica) e para comentar a coincidência de
alguns destes limites com as grandes cadeias de montanha situadas nos continentes,
tais como os Andes, as Montanhas Rochosas, os Himalaia e os Alpes.
3) Monte o quebra-cabeça dos continentes.
Material necessário: (a) cópias dos mapas da América do Sul (ou do Brasil) e da
África, (b) tesoura, (c) cartolina;
Peça aos alunos para colarem os mapas na folha de cartolina, recortarem os dois
continentes e encaixarem as duas peças da melhor forma possível. Durante o
exercício aproveite para comentar sobre as outras evidências da Deriva Continental,
tais como: a existência de rochas de origem glacial no sul do Brasil e no sul da África,
que também se encaixariam, e a existência de fósseis semelhantes e da continuidade
de antigas cadeias de montanha em ambos os continentes.
COMO PERCEBEMOS ESTE MOVIMENTO?
4) Simule as ondas P (longitudinais) e S (transversais).
Material necessário: uma mola grande e bastante flexível.
Segure a mola em uma das extremidades e peça para um dos alunos segurar a outra
ponta. Mostre como as ondas P se propagam fazendo movimentos longitudinais com
a mola. Depois mostre com uma onda S se propaga fazendo movimentos transversais
com a mola. Depois mostre em um sismograma (Anexo) como os geofísicos registram
a chegada de cada uma destas vibrações.
5) Localize os vulcões e terremotos.
Material necessário: (a) mapa-mundi e (b) canetas coloridas.
Utilizando um mapa-mundi com os limites das placas traçados (de preferência aquele
do exercício 2), peça para os alunos localizarem alguns vulcões ativos e os terremotos
que foram noticiados nos últimos anos. A localização dos vulcões e dos terremotos
pode ser obtida a partir de pesquisa na biblioteca da Escola, em casa ou na internet.
Alternativamente eles podem utilizar os exemplos das Tabelas 2 e 3 desta Apostila.
Mostre a coincidência dos vulcões e terremotos com os limites das placas.
6) Faça uma bússola.
Material necessário: (a) agulha, (b) imã, (b) pequeno objeto que bóie na água (pedaço
de isopor ou cortiça), (c) bacia com água.
Esfregue o imã na ponta da agulha 10 a 20 vezes, de modo a imantar a agulha. Ponha
o objeto flutuante para boiar no meio da bacia com água. Posicione a sua agulha
imantada sobre o objeto flutuante. A agulha vai girar até se orientar com o norte
magnético. Você criou uma bússola! Você pode mostrar as diversas utilidades da
bússola (orientação, localização) e também explicar que é dessa mesma forma que os
minerais se orientam paralelamente ao campo magnético da Terra. Como o campo de
tempos em tempos muda de polaridade, as diferentes camadas de rocha vão formar
faixas com minerais apresentando orientações opostas.
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