Pessoas inteligentes vivem mais Com a descoberta dos antibióticos, da eletricidade e do telefone a ciência contribui para o progresso da humanidade com tecnologias desenvolvidas a partir de descobertas científicas. Mas provavelmente a maior contribuição da ciência venha de descobertas que contradizem nossas crenças ou desejos. É o caso de Galileu que demonstrou que não estamos no centro do universo e de Darwin que descobriu que viemos de outro primata. Mais recentemente a Ecologia nos forçou a aceitar e reavaliar nossa capacidade de destruir o planeta. Mas não é somente nas grandes questões que a ciência produz verdades inconvenientes. Faz dez anos que Ian Deary descobriu que crianças com QI mais alto vivem mais. É desagradável e politicamente incorreto acreditar que um teste simples, feito aos 10 anos de idade, pode prever a longevidade de nossos filhos. Apesar de sofrer muitas críticas esta observação foi confirmada nos últimos dez anos. O problema é que até agora foi impossível descobrir a causa deste fenômeno. Para entender o problema é preciso primeiro separar o que foi descoberto da maneira como a descoberta foi divulgada. Em 1998 Deary localizou um grupo de escoceses que haviam sido avaliadas por testes de QI em 1932. Ele descobriu que o grupo das crianças que havia obtido resultados melhores no teste de QI tinha um número maior de representantes vivos quando comparado com os grupos que tinham obtido notas piores. A maneira simplista de descrever o resultado está no título deste artigo “pessoas inteligentes vivem mais”. A relação entre os resultados dos testes de QI e a inteligência, uma capacidade difícil de definir ou medir, é polêmica. Em um pólo encontramos cientistas que gostariam de definir inteligência como a capacidade de ter notas altas nos testes de QI, uma maneira fácil de escapar do problema. Em outro extremo estão biólogos que acreditam que os testes de QI medem nada mais que a capacidade das pessoas de responderem testes de QI. A maioria acredita que de alguma maneira os testes de QI avaliam parte do que chamamos de inteligência. Mas o fato é que quem tem QI alto vive mais, seja isso inteligência ou não. Atualmente existem quatro hipóteses para explicar a observação. A primeira é que pessoas “inteligentes” são capazes de levar uma vida mais saudável, pois tomam decisões “corretas” como evitar o fumo e outros hábitos deletérios à saúde. Por isso vivem mais. A segunda hipótese é que nossa sociedade valoriza a inteligência e crianças com QI alto tendem a ter uma educação melhor e, sendo mais bem remuneradas, têm melhores condições de vida e sobrevivem até uma idade mais avançada. A terceira hipótese é que um QI mais alto na infância demonstra que esta criança sofreu menos nos anos anteriores, tanto na vida intra-uterina quanto nos primeiros anos de vida e isto seria determinante para sua longevidade. Este sofrimento na infância pode ter origens físicas ou sociais. A quarta hipótese é que um QI mais alto na infância é conseqüência de um corpo e um cérebro mais bem formado, com menos defeitos genéticos. Um corpo superior naturalmente sobrevive mais tempo. Estas hipóteses estão sendo testadas a ainda não existem respostas. O interessante deste exemplo é que dependendo da hipótese que for comprovada a relação entre QI e longevidade pode ter conotações muito diferentes. Em um extremo a causa pode ser puramente social e as diferenças genéticas podem ser as únicas responsáveis. Vamos ter que esperar. Talvez fosse mais fácil evitar a polêmica esquecendo ou desqualificando a descoberta feita por Deary. Mas esta não é a maneira de operar da ciência que tenta ir ao fundo da questão e entrega para a sociedade o dilema de como convier com as descobertas que nos força a mudar a maneira como vemos o mundo. É a tradição de Galileu e Darwin. Mais informações em: Why do intelligent people live longer? Nature vol. 456 pag. 175 2008 Fernando Reinach ([email protected])