História - EJA - Mundo do Trabalho

Propaganda
o
7o ANO
2 TERMO
Nos Cadernos do Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) – Mundo do Trabalho são indicados
sites para o aprofundamento de conhecimentos, como fonte de consulta dos conteúdos apresentados e
como referências bibliográficas. Todos esses endereços eletrônicos foram verificados. No entanto, como a
internet é um meio dinâmico e sujeito a mudanças, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência,
Tecnologia e Inovação não garante que os sites indicados permaneçam acessíveis ou inalterados, após a
data de consulta impressa neste material.
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação autoriza a reprodução
do conteúdo do material de sua titularidade pelas demais secretarias do país, desde que mantida a
integridade da obra e dos créditos, ressaltando que direitos autorais protegidos* deverão ser diretamente
negociados com seus próprios titulares, sob pena de infração aos artigos da Lei no 9.610/98.
*Constituem “direitos autorais protegidos” todas e quaisquer obras de terceiros reproduzidas neste material que não estejam em domínio
público nos termos do artigo 41 da Lei de Direitos Autorais.
Educação de Jovens e Adultos (EJA) – Mundo do Trabalho: Geografia, História e Trabalho: 7o ano/2o termo
do Ensino Fundamental. São Paulo: Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia
(SDECT), 2012.
il. (EJA – Mundo do Trabalho)
Conteúdo: Caderno do Estudante.
ISBN: 978-85-65278-17-1 (Impresso)
978-85-65278-19-5 (Digital)
1. Educação de Jovens e Adultos (EJA) – Ensino Fundamental 2. Geografia – Estudo e ensino 3. História
– Estudo e ensino 4. Trabalho – Estudo e ensino I. Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e
Tecnologia II. Título III. Série.
CDD: 372
FICHA CATALOGRÁFICA
Sandra Aparecida Miquelin – CRB-8 / 6090
Tatiane Silva Massucato Arias – CRB-8 / 7262
Geraldo Alckmin
Governador
SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO,
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
Nelson Luiz Baeta Neves Filho
Secretário em exercício
Maria Cristina Lopes Victorino
Chefe de Gabinete
Ernesto Masselani Neto
Coordenador de Ensino Técnico,
Tecnológico e Profissionalizante
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO
Herman Voorwald
Secretário
Cleide Bauab Eid Bochixio
Secretária Adjunta
Fernando Padula Novaes
Chefe de Gabinete
Maria Elizabete da Costa
Coordenadora de Gestão da Educação Básica
Concepção do programa e elaboração de conteúdos
Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação
Coordenação Geral do Projeto
Equipe Técnica
Juan Carlos Dans Sanchez
Cibele Rodrigues Silva e João Mota Jr.
Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap
Equipe técnica e pedagógica
Geraldo Biasoto Jr.
Diretor Executivo
Ana Paula Lavos, Clélia La Laina, Dilma Fabri Marão
Pichoneri, Fernando Manzieri Heder, Gressiqueli
Lais Cristina da Costa Manso Nabuco de Araújo
Superintendente de Relações Institucionais e
Projetos Especiais
Coordenação Executiva do Projeto
José Lucas Cordeiro
Regina Chiachio Buosi, Lais Schalch, Liliana Rolfsen
Petrilli Segnini, Maria Helena de Castro Lima,
Silvia Andrade da Silva Telles e Walkiria Rigolon
Autores
Arte: Eloise Guazzelli. Ciências: Gustavo Isaac Killner.
Geografia: Mait Bertollo. História: Fábio Barbosa. Inglês:
Coordenação Técnica
Impressos: Selma Venco
Vídeos: Cristiane Ballerini
Eduardo Portela. Língua Portuguesa: Claudio Bazzoni.
Matemática: Antonio José Lopes. Trabalho: Selma Venco.
Gestão do processo de produção editorial
Fundação Carlos Alberto Vanzolini
Antonio Rafael Namur Muscat
Presidente da Diretoria Executiva
Hugo Tsugunobu Yoshida Yoshizaki
Vice-presidente da Diretoria Executiva
Gestão de Tecnologias em Educação
Direção da Área
Guilherme Ary Plonski
Coordenação Executiva do Projeto
Angela Sprenger e Beatriz Scavazza
Gestão do Portal
Luiz Carlos Gonçalves, Sonia Akimoto e
Wilder Rogério de Oliveira
Gestão de Comunicação
Ane do Valle
CTP, Impressão e Acabamento
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Gestão Editorial
Denise Blanes
Equipe de Produção
Assessoria pedagógica: Ghisleine Trigo Silveira
Editorial: Airton Dantas de Araújo, Beatriz Chaves,
Camila De Pieri Fernandes, Carla Fernanda
Nascimento, Célia Maria Cassis, Daniele Brait,
Fernanda Bottallo, Lívia Andersen França, Lucas
Puntel Carrasco, Mainã Greeb Vicente, Patrícia
Maciel Bomfim, Patrícia Pinheiro de Sant’Ana,
Paulo Mendes e Sandra Maria da Silva
Direitos autorais e iconografia: Aparecido Francisco,
Beatriz Blay, Hugo Otávio Cruz Reis, Olívia Vieira da
Silva Villa de Lima, Priscila Garofalo, Rita De Luca e
Roberto Polacov
Apoio à produção: Luiz Roberto Vital Pinto,
Maria Regina Xavier de Brito, Valéria Aranha e
Vanessa Leite Rios
Projeto gráfico-editorial: D’Livros Editora e
Distribuidora Ltda e Michelangelo Russo (Capa)
Caro(a) estudante,
É com grande satisfação que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Ciência, Tecnologia e Inovação, em parceria com a Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo, apresenta os Cadernos do Estudante do Programa
Educação de Jovens e Adultos (EJA) – Mundo do Trabalho, em atendimento
a uma justa reivindicação dos educadores e da sociedade. A proposta é oferecer
um material pedagógico de fácil compreensão, para complementar suas atuais
necessidades de conhecimento.
Sabemos quanto é difícil para quem trabalha ou procura um emprego se dedicar aos estudos, principalmente quando se retorna à escola após algum tempo.
O Programa nasceu da constatação de que os estudantes jovens e adultos
têm experiências pessoais que devem ser consideradas no processo de aprendizagem em sala de aula. Trata-se de um conjunto de experiências, conhecimentos e convicções que se formou ao longo da vida. Dessa forma, procuramos
respeitar a trajetória daqueles que apostaram na educação como o caminho
para a conquista de um futuro melhor.
Nos Cadernos e vídeos que fazem parte do seu material de estudo, você
perceberá a nossa preocupação em estabelecer um diálogo com o universo do
trabalho. Além disso, foi acrescentada ao currículo a disciplina Trabalho para
tratar de questões relacionadas a esse tema.
Nessa disciplina, você terá acesso a conteúdos que poderão auxiliá-lo na
procura do primeiro ou de um novo emprego. Vai aprender a elaborar o seu
currículo observando as diversas formas de seleção utilizadas pelas empresas.
Compreenderá também os aspectos mais gerais do mundo do trabalho, como as
causas do desemprego, os direitos trabalhistas e os dados relativos ao mercado
de trabalho na região em que vive. Além disso, você conhecerá algumas estratégias que poderão ajudá-lo a abrir um negócio próprio, entre outros assuntos.
Esperamos que neste Programa você conclua o Ensino Fundamental e, posteriormente, continue estudando e buscando conhecimentos importantes para
seu desenvolvimento e para sua participação na sociedade. Afinal, o conhecimento é o bem mais valioso que adquirimos na vida e o único que se acumula
por toda a nossa existência.
Bons estudos!
Secretaria da Educação
Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação
Sumário
Geografia.......................................................................................................................... 7
Unidade 1
A natureza do território brasileiro
9
Unidade 2
O processo de ocupação do território brasileiro
31
Unidade 3
O tempo presente: a ocupação do território brasileiro
Unidade 4
As grandes regiões socioeconômicas brasileiras
55
79
História............................................................................................................................ 91
Unidade 1
A Europa depois da Revolução Francesa
Unidade 2
1848: a “Primavera dos Povos”
Unidade 3
Comuna de Paris
Unidade 4
Imperialismo
93
113
125
139
Trabalho...................................................................................................................... 153
Unidade 1
Trabalho no campo, trabalho na cidade
Unidade 2
O que é organização do trabalho?
Unidade 3
O trabalho feminino
155
169
185
Unidade 4
A qualificação profissional e a Classificação Brasileira
de Ocupações 197
H istória
7o ANO
2o TERMO
Caro(a) estudante,
Neste Caderno, você dará continuidade aos seus estudos a respeito da história
europeia. E por que continuar estudando a Europa? Porque foi nesse continente que
se formou o capitalismo, que, aos poucos, se expandiu pelo mundo.
No 6o ano/1o termo, você viu que a passagem do feudalismo para o capitalismo
não aconteceu de repente, mas foi um longo processo histórico de transição que se
estendeu por séculos, marcado por muitos eventos, como: as grandes navegações, que
resultaram na chegada dos europeus à América; o avanço do pensamento científico,
que abriu novos horizontes para as ciências; e as mudanças no mundo do trabalho,
que transformaram o servo, principal trabalhador feudal, em trabalhador assalariado.
Estudou, também, as duas revoluções que marcaram o final dessa transição (a
Revolução Industrial inglesa e a Revolução Francesa), cujas consequências se estenderam muito além dos países onde elas começaram. Ao longo do século XIX, a industrialização foi a referência econômica de toda a Europa, enquanto os ideários da
Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) inspiraram lutas sociais no
mundo todo.
Por esse motivo, tais processos são considerados marcos na formação do capitalismo.
Esse será o contexto a partir do qual você vai estudar, neste Caderno, a história
europeia no século XIX.
Na Unidade 1, o ponto de partida será a Europa depois da Revolução Francesa.
Você poderá discutir o processo de formação da classe operária, como também o
surgimento de ideias políticas que tinham, em certa medida, aspectos comuns com
o ideário da Revolução Francesa: o liberalismo, o socialismo e o nacionalismo.
Na Unidade 2, você estudará a “Primavera dos Povos”, nome dado ao conjunto
de eventos revolucionários que teve lugar em diferentes países da Europa em 1848.
Verá como essa situação, considerada a mais agitada do século XIX na Europa, serviu
como um desabrochar de lutas nacionalistas e também trabalhistas.
Em continuidade, na Unidade 3, você verá mais profundamente uma dessas revoluções trabalhistas, a Comuna de Paris, de 1871. Discutirá como esse foi um momento
histórico em que os trabalhadores conseguiram impor sua vontade e fazer prevalecer
seu poder na organização e gestão da sociedade parisiense.
Por fim, na Unidade 4, você vai poder estudar como a expansão do capitalismo e
a consolidação da sociedade industrial levaram ao imperialismo.
Assim como no Caderno anterior, é importante que você participe ativamente da
construção do curso que está começando. Traga sempre sua experiência de vida e seus
conhecimentos sobre a realidade, que são muito valiosos e precisam ser aproveitados.
Boa aprendizagem!
1
A Europa depois da
Revolução Francesa
Você estudou no 6o ano/1o termo que, com a Revolução Industrial,
surgiram os operários, também denominados proletários, que se aglomeraram nas cidades onde se localizavam as indústrias. Esses trabalhadores,
muitas vezes crianças e mulheres, eram submetidos a longas jornadas de
trabalho e a condições de vida miseráveis, muito contraditórias com os
ideais de igualdade, liberdade e fraternidade da Revolução Francesa que
se expandiam por toda a Europa, chegando até a América Latina.
No campo da política, as coisas também não iam bem. Após a
derrota do exército liderado por Napoleão Bonaparte, houve tentativas, vindas de alguns países europeus, de restaurar o mundo tal como
era antes da Revolução Francesa, mas isso não foi possível. Os nobres
voltaram a entrar em conflito com os burgueses – estes cada vez mais
fortes –, e também estavam muito temerosos dos movimentos operários que cresciam a cada dia.
© Lewis W. Hine/George Eastman House/Getty Images
© The Bridgeman Art Library/Keystone
Nesse contexto de lutas, surgiram várias propostas para resolver
os problemas daquela época. Muitas se baseavam nos ideais da Revolução Francesa, que não haviam sido implantados para todos. Outras
propunham mudar radicalmente a sociedade, construindo um mundo
diferente. Já outras faziam a defesa de uma nação. Tais propostas
ficaram conhecidas como: liberalismo, socialismo e nacionalismo.
Esse é o tema desta Unidade.
População pobre em Londres no século XIX. Xilogravura de Gustave
Doré que faz parte da obra Londres: uma peregrinação, 1872.
Crianças trabalhadoras em minas de carvão, nos EUA, 1911.
93
História – Unidade 1
Para iniciar...
Entre os temas que você estudará nesta Unidade estão a formação da classe operária e as ideias geradas a partir da sua constituição
como classe, além dos principais conflitos sociais no século XIX.
Com base nas questões a seguir, converse com seus colegas e professor.
•
O que você acha que significa “formação da classe operária”?
•
Em sua opinião, o que os operários de uma mesma fábrica têm em
comum entre si? E com o proprietário da fábrica?
•
E os operários de um mesmo país, têm algo em comum?
A formação da classe operária na Europa
O que se quer dizer com “formação da classe operária”?
Conforme você estudou no 6o ano/1o termo, considera-se que o capitalismo foi consolidado quando o motor da atividade econômica passou a
ser a indústria, e não mais o comércio. Essa mudança significou diferenças
na organização da produção, que deu adeus à dominância do trabalho
artesanal, e a grande indústria passou a reinar na economia capitalista.
Lembre-se de que, quando o capitalismo surgiu, duas classes
sociais foram consideradas fundamentais: de um lado, estavam os
proprietários dos meios de produção; de outro, os operários, que possuíam apenas a sua própria força de trabalho. Nas relações sociais do
dia a dia, relacionavam-se como patrão e empregado. Vistos como
um todo, os patrões formavam a burguesia, enquanto os trabalhadores constituíam o proletariado.
Diferentes formas de nomear as classes sociais no capitalismo
proprietário dos meios de produção / capitalista / burguês / patrão
vendedor da força de trabalho / operário / proletário / empregado
A formação da classe operária na Europa modificou a organização política dos trabalhadores. Como resultado, surgiram os primeiros movimentos operários, que já vinham se organizando desde
o fim do século XVIII. No século XIX, os trabalhadores formaram
associações e compuseram sindicatos, com o objetivo de reivindicar
melhorias nas condições de trabalho nas fábricas e de lutar por leis
trabalhistas que os protegessem da exploração pelos patrões.
Quando os operários decidiram se organizar para lutar não apenas por melhorias nas fábricas, mas para mudar a sociedade, formaram-se os primeiros partidos de trabalhadores.
94
História – Unidade 1
Atividade 1 Profissão proletário?
Louis-Auguste Blanqui (1805-1881) dedicou sua vida ao incentivo das insurreições contra as desigualdades existentes no capitalismo. Revolucionário, rebelde, passou mais de 35 anos na prisão,
mas nunca abriu mão de seu objetivo. Preso por defender seus ideais,
Blanqui foi interrogado pelas autoridades.
1. Leia atentamente o início do interrogatório de Blanqui, feito pelo
presidente do Tribunal.
[...]
Interrogatório de defesa do cidadão Blanqui
Do presidente ao acusado: — Quais são seu sobrenome, nome, idade, local
de nascimento e domicílio?
Blanqui: — Louis-Auguste Blanqui, 26 anos, nascido em Nice, domiciliado em
Paris, rua Montreuil, 96, bairro de Saint-Antoine.
Presidente: — Qual é sua profissão?
Blanqui: — Proletário.
Presidente: — Isto não é uma profissão!
Blanqui: — Como não é uma profissão?! Essa é a profissão de 30 milhões
de franceses que vivem de seu trabalho e que são privados de direitos
políticos.
Presidente: — Que seja! Escrivão, coloque que o acusado é proletário.
Defesa do cidadão Louis-Auguste Blanqui perante o Tribunal de Justiça, 1832, Paris, Gráfica de Auguste
Mie, Rua Joquelet, 9. Gallica. Biblioteca Nacional da França (BNF). Tradução: Célia Gambini. Disponível em:
<http://data.decalog.net/enap1/liens/fonds/F3D26.pdf>. Acesso em: 24 maio 2012.
2. Agora, em pequenos grupos, discutam as questões a seguir e registrem as conclusões do grupo.
a) Blanqui disse que sua profissão era “proletário”. Por que o
presidente do Tribunal questionou essa resposta?
b) Essa resposta pode sugerir algo sobre como Blanqui compreendia a luta social no capitalismo?
95
História – Unidade 1
c) Qual sua opinião sobre o argumento dado por Blanqui a respeito da sua profissão de proletário? Comente.
d) O que a resposta de Blanqui diz sobre o mundo do trabalho
no capitalismo daquela época? E no de hoje?
Sufrágio universal
Possibilidade de todo e
qualquer cidadão, em pé
de igualdade, escolher
os representantes
políticos dos poderes
executivo e legislativo.
No entanto, essa
universalidade é relativa,
pois o indivíduo só é
considerado cidadão
a partir de critérios
predefinidos legalmente.
Em alguns lugares,
cidadãos eram somente
as pessoas que possuíam
“bens”, isto é, dinheiro
e/ou propriedades, ou as
que pagavam impostos.
Em outros locais,
só os homens eram
considerados cidadãos,
e os analfabetos não
votavam.
A permanência das monarquias
© Christie’s Images/The Bridgeman Art Library/Keystone
Quando as tropas de Napoleão foram derrotadas pelos ingleses
na Batalha de Waterloo, em 1815, os líderes europeus entenderam
que era necessário achar um novo equilíbrio para o continente. Isso
significava aproveitar o momento para redefinir as fronteiras, recolocar a monarquia na França e, assim, garantir que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade ficassem definidos nos limites das leis
por eles propostas. Exatamente por isso, uma das bandeiras mais
importantes das lutas populares dali em diante foi aquela que reivindicava o direito de voto por sufrágio universal.
Robert Alexander Hillingford, O duque de Wellington em Waterloo. Óleo sobre tela, 50,8 cm x 76,2 cm.
Coleção particular.
96
História – Unidade 1
Para tanto, ainda nesse mesmo ano, os representantes dos vencedores (Inglaterra, Prússia,
Áustria e Rússia) reuniram-se na Áustria, em uma
conferência conhecida como Congresso de Viena.
Prontamente, restauraram a monarquia na França
(rei Luís XVIII) e em muitos países da Europa
onde ocorriam revoltas liberais. Embora essas
monarquias fossem mais frágeis, pois seu poder já
não era mais absoluto, sua restauração significou
um retrocesso em relação ao ideário democrático e
republicano da Revolução Francesa.
Assim, é possível considerar que essa aliança
contrarrevolucionária teve êxito em abafar mudanças radicais na Europa nos seus primeiros anos.
Você sabia que, no Congresso de Viena, três países
reforçaram sua união, formando a Santa Aliança?
Esses países (Prússia, Áustria e Rússia) se
propunham a lutar para defender os “preceitos da
justiça, da caridade cristã e da paz” e pregavam que
as relações entre os países fossem reguladas pelas
“elevadas verdades presentes na doutrina de Nosso
Salvador”. O idealizador dessa aliança foi Alexandre I,
czar russo (título adotado pelos reis da Rússia entre
1546 e 1917).
Assim, na realidade, a Santa Aliança pretendia promover
a defesa do retorno das monarquias na Europa.
Embora a Inglaterra não tenha assinado esse acordo,
sua política esteve afinada com a das demais
potências. O objetivo comum era afastar o fantasma
da Revolução Francesa e garantir a ordem na Europa.
Não é por acaso que os quatro países aliados eram
governados por reis.
No entanto, apesar desse relativo sucesso imediato, as pressões
por mudanças sociais não puderam ser sufocadas.
Na Europa, essa situação de exclusão política, econômica e social
uniu as pessoas, fossem elas trabalhadores em geral, operários, pequenos comerciantes, artesãos, camponeses ou profissionais liberais. Elas
também lutaram para que houvesse, de fato, liberdade e igualdade
para todos e não apenas para alguns privilegiados. Novamente a
Europa vivenciava inúmeros conflitos, cada vez mais radicais contra
aquele estado de coisas.
A restauração de algumas monarquias foi impotente para evitar a
independência das colônias europeias que acontecia naquele mesmo
período. Na América, surgiram muitas repúblicas, e o Brasil foi o
único novo país que adotou a monarquia, governado pelo imperador
dom Pedro I.
Com a Revolução Industrial e o triunfo do capitalismo, a própria
base da sociedade estava mudando. Dois sintomas visíveis dos novos
tempos eram o surgimento do nacionalismo e o do movimento operário.
Movimento operário
Conforme já se observou, com a grande indústria surgiram os operários. E, quando eles se organizaram para lutar por melhores condições de trabalho, formaram o movimento operário. Assim, ao mesmo
tempo em que se fortaleceu a grande indústria, configuraram-se as duas
classes fundamentais da sociedade capitalista: burguesia e operariado.
Você sabia que, entre
todas as monarquias
men­cionadas, apenas
a inglesa e a espanhola
sobrevivem nos
dias de hoje?
No entanto, atualmente,
essas monarquias não
existem nos mesmos
moldes das do século XIX.
Reis e rainhas não têm
mais o poder absoluto.
A 1a Guerra Mundial
(1914-1918) derrubou a
casa real na Alemanha
(Prússia) e na Áustria;
poucos anos antes, em
1910, caíra a monarquia
em Portugal, e, em
1917, a Revolução Russa
terminou com os czares.
E no Brasil, você sabe
quando terminou a
monarquia? Foi com
a Proclamação da
República, em 1889.
97
História – Unidade 1
Com o passar do tempo e com as transformações do capitalismo,
muitos trabalhadores empregaram-se fora das fábricas, em múltiplas
ocupações e formas de trabalho. No entanto, permaneceu a oposição
básica entre:
© Agence Bulloz/RMN/Other Images
proprietários dos meios de produção
×
classe operária (que vive do trabalho)
Jean Pierre Moynet. O burguês e o trabalhador, 1848. Gravura. Biblioteca Nacional da França, Paris.
E onde surgiram as primeiras organizações operárias?
Uma pista importante para a resposta é lembrar que o primeiro
país a se industrializar foi a Inglaterra. Pois foi lá mesmo que os primeiros movimentos de trabalhadores se manifestaram.
No 6o ano/1o termo, você aprendeu sobre o movimento ludista.
Para recordar, os ludistas foram operários que destruíram as máquinas
nas fábricas onde trabalhavam, em protesto contra as transformações
no mundo do trabalho no começo da Revolução Industrial. O apogeu
do movimento ludista foi em torno do ano de 1812.
Depois dos ludistas, a forma de organização mais importante dos
trabalhadores ingleses no começo do século foi o chamado “cartismo”,
a partir de 1830. O movimento levou esse nome porque pressionou
insistentemente o governo com reivindicações que eles registraram em
um “plano” ou “carta” (chart, em inglês).
98
História – Unidade 1
Os pontos da Carta do Povo (People’s Charter, em inglês), elaborada pelos cartistas, são os seguintes:
Os seis pontos da “Carta do Povo”
1. Um voto para todo homem maior de 21 anos, com domínio de suas faculdades
mentais e que não esteja cumprindo pena por crime cometido.
2. A cédula – para proteger o eleitor no exercício de seu voto.
3. Sem necessidade de qualificar os membros do Parlamento por propriedade – permitindo, assim, que os eleitores reelejam o indivíduo de sua escolha, seja ele rico ou seja pobre.
4. O pagamento aos membros quando esses interrompam suas atividades para
atender aos interesses do país, permitindo, assim, que um comerciante, trabalhador ou qualquer outra pessoa honesta possa servir a seus eleitores.
5. Base eleitoral igualitária assegurando representatividade igual para o
mesmo número de eleitores, em vez de permitir que pequenas bases eleitorais
se imponham sobre os votos de bases maiores.
6. Parlamentos anuais que apresentem controle mais eficaz contra suborno e
intimidação, já que, apesar de ser possível comprar uma base eleitoral a cada
sete anos (mesmo com a cédula eleitoral), não haveria dinheiro suficiente
para comprar uma base (sob o regime do sufrágio universal) a cada 12 meses.
Os membros seriam eleitos por apenas um ano e não seria possível ignorar ou
trair seus eleitores como hoje.
Carta do Povo. Associação dos Operários, 1838. Tradução: Eloisa Pires. Disponível em:
<http://www.chartists.net/the-six-points.htm>. Acesso em: 24 maio 2012.
Atividade 2 Detetive da história
1. Nesta atividade, você fará um exercício de detetive da história.
A ideia é a seguinte: releia os pontos reivindicados pelos cartistas.
Passando ponto por ponto, imagine qual era a situação que eles
queriam mudar. Por exemplo: quando pediram “sufrágio universal masculino”, deduz-se que ele não existia. Quem votava então?
Faça esse exercício com cada um dos pontos, anotando no caderno as suas hipóteses.
2. Agora, debata em sala: Como funcionava a política na Inglaterra no
começo do século XIX? Quem participava e quem estava excluído?
Registre as conclusões da turma.
99
História – Unidade 1
3. Agora, leia o texto a seguir e, em seu caderno, responda à questão
proposta.
Entendendo as demandas cartistas
© The Bridgeman Art Library/Keystone
É possível notar que os cartistas, por meio
de suas reivindicações, defendiam a participação dos trabalhadores do sexo masculino na
política. Nessa época, na Inglaterra, a política
era um assunto dos homens de posses. Os cartistas propuseram uma série de medidas para
democratizá-la, embora sem incluir as mulheres. Por exemplo: do ponto de vista dos militantes desse movimento, era necessário que um
parlamentar tivesse um salário – caso contrário,
um deputado que saísse da fábrica para ocupar
um lugar no Parlamento não teria como sobreviver.
Os cartistas pressionaram o governo por
meio de comícios, abaixo-assinados e manifestações. O movimento atingiu seu ponto alto em
1842. Nesse ano, foi entregue ao Parlamento inglês uma petição assinada por mais
de 3 milhões de trabalhadores. No entanto, as reivindicações não foram atendidas.
Frequentemente, os cartistas foram reprimidos pelos representantes da ordem.
No turbulento ano de 1848, que será estudado a seguir, os cartistas organizaram
seu último grande protesto. Desse ano em diante, o movimento entrou em declínio
pela combinação de dois fatores: a repressão do governo e o surgimento das trade
unions, associações de trabalhadores que estão na origem dos sindicatos. Apesar de
o movimento ter minguado sem que suas reivindicações tenham sido atendidas, não
se pode afirmar que foi completamente derrotado, uma vez que, na década de 1860,
a maioria das suas demandas foi incorporada pela política inglesa. No começo do
século XX, todos os pontos seriam adotados, exceto um: a eleição anual.
o primeiro país a
garantir o voto para
as mulheres foi a Nova
Zelândia, em 1893?
No Brasil, esse direito
só foi assegurado
constitucionalmente
em 1932.
Cartistas lutam contra a polícia.
Xilogravura integrante do livro
Histórias verdadeiras do
reino da rainha Victória, de
Cornelius Brown, 1886.
100
•
As reivindicações cartistas não foram atendidas durante os anos
1840 na Inglaterra, mas foram incorporadas cerca de 20 anos depois. Em sua opinião, o que pode ter estimulado essa mudança?
The British Library
Você sabia que
História – Unidade 1
Nas sociedades legislativas, o responsável pelas leis é o Estado.
Ao se estudar a história, compreende-se que a instituição chamada Estado é uma
invenção humana – e algumas teorias procuram explicar por que ele foi criado.
Uma delas sugere que tenha sido para tirar o homem do seu “Estado de Natureza”, em que ele vivia preso ao mundo de suas necessidades. Outra, que isso
tenha ocorrido por meio do entendimento estabelecido em um contrato social,
como propôs, no século XVIII, o francês Jean-Jacques Rousseau. Uma terceira
teoria diz que o Estado surgiu para resolver o problema da luta de todos contra todos;
nesse caso, o Estado seria uma força acima dos homens, disciplinando-os. Essa é a teoria
de Thomas Hobbes, pensador britânico que escreveu ao longo do século XVII.
Mais recentemente, no século XX, Max Weber, um célebre sociólogo alemão, definiu o Estado como aquele que mantém o monopólio do uso legítimo da violência.
Ou seja, o Estado pode definir o que é certo ou não (lei), julgar o que é certo ou não
(sistema judiciário) e punir quem não está dentro da lei. Isso tudo é legítimo, desde que
haja um consenso entre a maior parte da população em relação às leis que o Estado
defende. Nesse sentido, a definição de Estado – segundo Weber – se aproxima da de
Hobbes na perspectiva de que os cidadãos se submetem à lei e ao Estado.
Outros ainda consideram que o Estado é a organização do poder de uns sobre os
outros: apesar de as leis pregarem a igualdade de direitos, na prática, tais direitos não
são iguais para todos, já que muitos não têm acesso à justiça, à educação e à saúde, por
exemplo. Isso ilustra que o Estado serve apenas para alguns.
É importante lembrar que a relação desses cidadãos com o Estado precisa ser compreendida tendo em vista o momento histórico vivenciado por eles. O estudo da história
ajuda a perceber como a relação entre os cidadãos em movimentos organizados altera a
forma de organização do Estado.
Atividade 3 O papel do Estado
1. Qual das posturas apresentadas na seção “Momento cidadania”
você acha que expressa o atual papel do Estado no Brasil?
2. Você observa algum problema no funcionamento do Estado em
sua região ou no País? Como você acha que tais problemas podem
ser resolvidos?
Monopólio
Situação em que uma
só empresa ou pessoa
controla a oferta
de um produto ou
serviço, sem enfrentar
concorrência [...]
© iDicionário Aulete:
<www.aulete.com.br>
101
História – Unidade 1
Atividade 4 O que é socialismo?
1. O que você sabe sobre socialismo? Existem diferenças entre socialismo e capitalismo?
2. Agora, leia o texto a seguir.
Liberalismo e socialismo
A Inglaterra foi o berço da Revolução Industrial, mas não foi o único país europeu a se industrializar no começo do século XIX. Outros países, como Bélgica e
Holanda, também desenvolveram a grande indústria e, com isso, assistiram ao
crescimento da classe operária.
Você sabia que os
franceses Claude-Henri
de Rouvroy, conde de
Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier
(1772-1837) e o inglês
Robert Owen (1771-1858)
são considerados os
primeiros socialistas do
século XIX?
Eles formularam ideias
de renovação social
apoiadas na boa vontade
das pessoas, pensando
em transformar aos
poucos o capitalismo.
Outros socialistas que
vieram depois deles,
como os alemães Karl
Marx (1818-1883) e
Friederich Engels (1820-1895), consideravam
essas ideias simpáticas,
mas impossíveis de
serem realizadas. Por
isso, os chamaram de
“socialistas utópicos”.
102
Essas transformações na sociedade provocaram mudanças também no
pensamento. Como elas afetavam tanto a classe dominante como a dos trabalhadores, surgiram novas ideias sociais nos dois polos do capitalismo.
É possível dizer que ambas têm relação com a Revolução Francesa, embora
caminhem para posições opostas ao longo do século XIX. Elas são o liberalismo
e o socialismo.
Liberalismo
O liberalismo pode ser definido como um conjunto de princípios e teorias
políticas, cujo ponto central é a garantia e a defesa da propriedade privada e das
liberdades política e econômica. A liberdade política é, principalmente, o direito
à livre expressão. A liberdade econômica significa deixar que o mercado regule a
economia, restringindo a participação do Estado (livre mercado).
Nesse sentido, são princípios do liberalismo:
• defesa da propriedade privada;
• participação mínima do Estado nos assuntos econômicos da nação (governo
limitado);
• igualdade perante a lei (Estado de direito).
Esses princípios têm uma relação próxima com as bandeiras da Revolução
Francesa. Isso porque, além da noção de “liberdade” (central, no liberalismo),
a ideia da igualdade perante a lei também está presente. E é justamente neste
ponto que reside a diferença em relação ao pensamento socialista que começava
a se formar no século XIX.
Socialismo
Apesar de suas diferenças, a maior parte das teorias socialistas reivindicava
uma sociedade mais justa e igualitária. Com o avanço das lutas sociais, surgiram
movimentos que consideraram essas medidas insuficientes, porque não acreditavam que os próprios capitalistas realizariam a igualdade social.
História – Unidade 1
Para alcançar esse objetivo, algumas correntes socialistas julgavam necessário acabar com a propriedade privada. Assim, as fábricas deveriam pertencer
aos trabalhadores. Em outras palavras, os meios de produção não pertenceriam
mais aos capitalistas, mas a toda a sociedade: o capitalismo seria suplantado
pelo socialismo.
Em meados do século
XIX, Marx e Engels desenvolveram um trabalho intelectual e militante que possibilitou novos rumos ao
socialismo. Eles acreditavam
que a solução para os problemas sociais não deveria
sair da cabeça das pessoas,
mas sim da observação
atenta da realidade em que
viviam. Fundaram o denominado “socialismo científico”,
em oposição aos pioneiros
do chamado “socialismo
utópico”.
© RMN/Other Images
Socialismo científico
Em termos gerais, o
socialismo científico propõe o fim da propriedade
privada. As fábricas, as terras, as máquinas etc. seriam Karl Marx e Friedrich Engels trabalhando no livro “O Capital”,
expropriadas dos capitalis- em Londres. Gravura de N. Shukow, 1867.
tas para serem geridas pelos
trabalhadores, o que implicaria uma socialização dos meios de produção. A instância representativa do poder dos trabalhadores, em um primeiro momento,
seria o Estado: um Estado constituído por trabalhadores.
As principais ideias sobre esse socialismo estão no documento elaborado por
Marx e Engels, denominado Manifesto comunista, publicado em 1848. Esse documento teve um grande impacto nos trabalhadores daquela época e, até os dias de
hoje, influencia o pensamento crítico ao capitalismo.
3. Em seu caderno, faça duas colunas. Use uma delas para anotar as
características do capitalismo, e a outra, para as do socialismo.
Depois, converse com seus colegas sobre as anotações realizadas.
Atividade 5 Manifesto comunista
Marx e Engels formularam no Manifesto comunista algumas propostas para se chegar ao comunismo, deixando claro que nem todas
elas deveriam ser iguais para todos os países.
103
História – Unidade 1
Com um colega, conheçam essas propostas e respondam às questões.
Exército industrial
Grande contingente
de operários treinados
para o trabalho de
cunho industrial, seja
nas fábricas, seja no
campo mecanizado
(isto é, agricultura com
tecnologia industrial).
1. Expropriação de todas as propriedades latifundiárias privadas (pertencentes
à burguesia) em benefício do Estado e aplicação de todo o rendimento proveniente do uso da terra para fins públicos.
2. Aplicação de imposto de renda intensamente progressivo.
3. Abolição de todos os direitos de herança.
4. Confisco da propriedade de todos os emigrados e revoltosos (ou seja, daqueles
que se opuserem à revolução).
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, por meio de um banco nacional
com capital do Estado e monopólio exclusivo.
6. Centralização de todos os meios de comunicação e transporte nas mãos do Estado.
7. Multiplicação de fábricas e instrumentos de produção pertencentes ao Estado,
cultivo das terras ociosas e melhoria das terras cultivadas, de acordo com um
plano comum.
8. Instituição de trabalho obrigatório para todos e organização de exércitos industriais,
particularmente para a agricultura.
9. Associação do trabalho agrícola com as indústrias de manufatura, para a eliminação gradual da distinção entre cidade e campo.
10. Educação pública e gratuita para todas as crianças e abolição do trabalho infantil nas fábricas, tal como é praticado atualmente [à época da produção do documento]. Combinação da educação com a produção industrial etc.
Fonte: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Disponível em: <http://www.
dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2273>. Acesso em: 24 maio 2012.
1. Vocês são a favor de alguma das propostas do Manifesto comunista? Quais? A quais propostas vocês são contrários? Por quê?
2. Para quem passaria o controle dos meios de produção que pertenciam aos capitalistas?
Socialismo e comunismo
Embora sejam próximos, os termos comunismo e socialismo apresentam diferenças entre si. É possível entender o comunismo como
uma espécie de radicalização do socialismo.
Na sociedade comunista, acabariam a propriedade privada, as
classes sociais e o Estado. Assim sendo, o governo não seria mais
constituído por políticos profissionais e funcionários públicos, mas os
próprios cidadãos dividiriam as tarefas de forma organizada.
Como é muito grande a distância entre as relações sociais do mundo
capitalista e a proposta comunista, os defensores dessa proposta não
acreditavam que tal mudança pudesse acontecer rapidamente. Ao
104
História – Unidade 1
contrário, pensando na transição do feudalismo para o capitalismo,
que levou séculos, eles achavam que a passagem do capitalismo para o
comunismo também seria demorada.
Nesse esquema, o que seria o socialismo? Seria exatamente o
perío­do de transição entre o capitalismo e o comunismo. A grande
diferença é que, durante o socialismo, o Estado teria um papel fundamental, pois concentraria todos os meios de produção que estavam
nas mãos dos capitalistas. O Estado no socialismo seria um “Estado
dos trabalhadores”, antes de desaparecer no comunismo.
Desde o século XIX, essas ideias tiveram grande importância para
as lutas dos trabalhadores vinculados a partidos. Contudo, o comunismo, tal como Marx e Engels propuseram para o movimento operário, até hoje não se realizou.
Atividade 6 Duas visões sobre o poder dos trabalhadores
1. Com base em tudo o que você estudou até aqui, responda: Como
você definiria o comunismo? Quais as diferenças entre ele e o
socialismo?
2. Em grupo, discutam: Como vocês acham que as ideias socialistas
e comunistas podem ter influenciado a história do século XX no
mundo e no Brasil? Registrem as conclusões do grupo e apresentem-nas para a turma.
105
História – Unidade 1
Nacionalismo
O socialismo não foi a única inovação no campo das ideias políticas: o nacionalismo também tomou força no século XIX. Isso pode
lhe parecer estranho por você estar acostumado a viver em um mundo
onde a existência dos países é considerada óbvia. Você talvez esteja
habituado a ver as bandeiras e a ouvir os hinos nacionais, especialmente quando acontece uma competição esportiva internacional. Portanto, parece que os países sempre existiram!
Mas isso não é verdade! As nações com suas fronteiras, línguas
e símbolos culturais foram, em sua maior parte, uma “invenção”
do século XIX. Mesmo em países que hoje se consideram muito
antigos, como a Inglaterra ou a Suíça, as pessoas não tinham o sentimento de serem “ingleses” ou “suíços” naquela época. Essa identificação das pessoas com as nações foi sendo construída ao longo
daquele século.
O ideário nacionalista tem uma trajetória curiosa. Quando
surgiu, no começo do século XIX, estava vinculado aos ideais da
Revolução Francesa. Você se lembra de que a Revolução declarou
que o poder político vinha do povo e da nação, e não de Deus?
Esse princípio propunha a substituição da fidelidade ao rei pela
lealdade à pátria.
Nesse contexto, o nacionalismo muitas vezes se associou às lutas
contra o Antigo Regime; constituir a nação era sinônimo de estabelecer a república e acabar com a monarquia. Por esse motivo, é possível dizer que ele tinha um sentido progressista, já que batalhava pela
democratização da sociedade. Lembre-se de que a Revolução Francesa estabeleceu a igualdade jurídica entre as pessoas, que serviu de
base para criar a noção de cidadão. Segundo essa noção, todos, e não
apenas os ricos, poderiam participar da política.
Assim, no seu berço, o nacionalismo andava de mãos dadas com a
Revolução. Um século depois, porém, foi uma ideia muitas vezes usada
contra a democracia (e as revoluções) na Europa. Esse é o caso do
nazismo na Alemanha, um regime fortemente nacionalista, mas antidemocrático, que você vai estudar mais a fundo no próximo Caderno.
Por outro lado, o nacionalismo serviu de combustível para a luta
de muitos povos que, no século XX, ainda permaneciam como colônias, principalmente na Ásia e na África. Mas isso você também estudará mais tarde!
106
História – Unidade 1
Nesse momento inicial, importa observar que o nacionalismo
se expressava por meio de propostas concretas que seguiam dois
caminhos:
•
unificação de povos até então separados, como no caso do nacionalismo italiano e alemão; e
•
separação de povos que faziam parte de impérios existentes, como
aconteceu com o nacionalismo dos tchecos e húngaros, submetidos ao Império Austríaco.
No começo do século XIX, o território que hoje se chama “Alemanha” era um conjunto de dezenas de Estados soberanos, 39 ao
todo. A situação da Itália era similar.
No caso alemão, o passo decisivo para forjar a unidade foi econômico: a criação do Zollverein (1834), palavra que, em alemão, significa
“união alfandegária”. Ao derrubar as barreiras mercantis entre os Estados alemães, essa união econômica dinamizou o capitalismo alemão. A
concretização da formação da Alemanha (assim como a da Itália) seria
um processo turbulento que só se concretizaria nos anos 1870.
O segundo caminho para formar uma nação seria, de certa maneira,
oposto ao anterior. Em lugar de juntar vários territórios menores,
seriam regiões de impérios que se levantariam contra o poder central,
reivindicando a independência. Um exemplo disso aconteceu na própria
América, no começo do século XIX. Na mesma época em que o Brasil
declarou sua independência, separando-se do Império Português (1822),
surgiram novos países no território que constituía o Império Espanhol,
como a Argentina, o Chile, o Paraguai e muitos outros.
Atividade 7 Jogo das diferenças
Veja, na próxima página, dois mapas da Europa: um do começo
do século XIX e outro do começo do século XX (antes da 1a Guerra
Mundial). O que mudou? Registre suas observações.
107
História – Unidade 1
ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico. São Paulo: Ática, 2008. p. 25. Mapa original.
© Maps World
Europa: começo do século XX, 1911
Finlândia
NORUEGA
Mar
do
Norte
RÚSSIA
IMPÉRIO
ALEMÃO
BÉLGICA
FRANÇA
ar
M
DINAMARCA
REINO UNIDO
DA GRÃ-BRETANHA
E IRLANDA
PAÍSES
BAIXOS
OCEANO
ATLÂNTICO
Bá
ltic
o
SUÉCIA
ÁUSTRIA-HUNGRIA
SUÍÇA
ROMÊNIA
SÉRVIA
ESPANHA
PORTUGAL
ANDORRA
ITÁLIA
Córsega
MONTENEGRO
Mar Negro
BULGÁRIA
TURQUIA
(parte europeia)
Sardenha
Mar Medit
errâ
ne
o
Sicília
GRÉCIA
CHIPRE
(R. UN.)
Fonte: SHEPHERD, W. R. The Historical Atlas, 1911. Disponível em: <http://www.lib.utexas.edu/maps/
historical/shepherd/europe_1911.jpg>. Acesso em: 4 jun. 2012 (adaptado).
108
História – Unidade 1
Portanto, nações podem ser formadas somando-se populações
dispersas em vários Estados ou separando-se uma população de um
Estado maior.
Mas o que define uma nação? Essa é uma pergunta muito difícil
de ser respondida, pois não existe um critério objetivo para respondê-la. Ou seja, não é possível fazer uma lista de itens para definir
uma nação.
Para ilustrar essa dificuldade, é possível examinar alguns elementos
associados a uma nacionalidade, como uma língua comum, a mesma
origem histórica ou características genéticas similares.
•
Uma língua comum
Em países como Suíça, Espanha e África do Sul, convivem diversas línguas. Na América Latina, o Paraguai é um país bilíngue,
e há línguas indígenas vivas em países como o México e o Peru,
entre outros.
•
Uma origem histórica comum
A história do Norte da Índia é muito diferente da história do Sul,
assim como ocorre nas diferentes regiões da Itália. Por outro lado,
a história da América Espanhola tem similaridades no seu conjunto, embora a região abrigue países diversos.
•
Mesma genética
A ciência tem mostrado que a ideia de
“pureza racial” é um mito. É impossível distinguir um grupo social com base
em características genéticas.
•
Uma mesma etnia
Em muitos países convivem diferentes
etnias, o que impede definir uma nação
com base em uma única etnia.
Assim, considerando somente esses
aspectos, é possível concluir que a definição da nacionalidade se dá pela cultura.
Isso é verdade, mas traz um problema, porque a cultura se modifica com a história.
E quem definiu as referências que formariam a cultura nacional de cada país?
Você sabia que “etnia” representa a consciência de um
grupo de pessoas que se diferencia de outros?
O território, o idioma, as características culturais e os
monumentos históricos partilhados por um determinado
agrupamento humano definem sua identidade,
conformando, assim, uma etnia.
Portanto, etnia não é um conceito fixo, podendo mudar
com o passar do tempo. Geralmente, usa-se o termo para
referir-se a grupos indígenas ou de nativos. Porém, ele pode
ser usado de modo amplo, para designar a diversidade
cultural existente no mundo.
É importante ressaltar que não se utilizou o termo raça para
se definir etnia. Isso porque a noção de “raça” aplicada à
espécie humana carece de todo fundamento científico.
A ciência moderna demonstrou que não existe:
• diferença genética fundamental entre os diferentes grupos
humanos, já que eles vêm se miscigenando ao longo do
tempo, em um processo cada vez mais acentuado;
• os traços biológicos e psicológicos, de acordo com
estudos genéticos e antropológicos, não apresentam
correlação, isto é, um não determina o outro: os
condicionamentos determinantes são histórico-sociais.
Fonte: Bobbio, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política, v. 1. Brasília: UNB, 2000, p. 449-450.
109
História – Unidade 1
Você sabia que, até o
final do século XVIII, em
São Paulo, falava-se o
nheengatu, uma língua
do tronco tupi, da
família tupi-guarani?
Os jesuítas portugueses
criaram essa língua a
partir do vocabulário
e da pronúncia
tupinambá, que
foram enquadrados
em uma gramática
como a portuguesa.
O nheengatu serviu
por muito tempo para
missionários e índios
de diferentes etnias na
América Portuguesa
e sobrevive até os
dias de hoje na região
Amazônica.
Muitos autores, na tentativa de explicar o que era o nacionalismo
no século XIX, acabaram por ajudar a consolidar os nacionalismos.
•
Escritores contribuíram para a construção do sentimento nacional, com obras que enfatizavam o amor pela pátria, a devoção à
nação.
•
Linguistas, filólogos e gramáticos sistematizaram as línguas que
foram, em geral, impostas como oficiais na nação.
•
Historiadores procuraram identificar um passado comum que justificasse a nação que se estava construindo naquele momento.
Como esses elementos nem sempre existiam, muitas vezes precisavam ser criados. Por todos esses motivos, dizemos que as nacionalidades foram “inventadas”.
Atividade 8 Os sentidos dos hinos
O sentido de nacionalismo fica muito claro nos hinos, pelos quais
se exalta o amor à pátria. Eles também nos informam quais eram as
bandeiras de lutas no momento em que foram criados. Leia, a seguir,
as letras de dois hinos e responda às perguntas propostas.
Atual hino nacional alemão,
escrito por um poeta em 1841
Unidade e direito e liberdade
Para a Pátria alemã!
Vamos todos buscar esse ideal
Fraternalmente, com coração
e mãos!
Unidade e direito e liberdade
São o penhor da felicidade.
Floresça na luz dessa felicidade!
Floresça, Pátria alemã!
1.
110
O que eles defendem?
Atual hino nacional do Paraguai
escrito em 1846 – Refrão
Paraguaios, república ou morte!
Nosso brio nos deu liberdade;
nem opressores nem servos são
incentivados,
onde reinam união e igualdade.
União e igualdade.
História – Unidade 1
2.
Segundo os hinos, por quais ideais os alemães e os paraguaios
lutaram?
Você estudou
Nesta Unidade, você relembrou que, desde a Revolução Industrial e a Revolução
Francesa, o capitalismo se afirmou no início do século XIX como modo de produção
dominante na Europa. Viu também que, apesar das resistências impostas pelas monarquias europeias, que procuraram se aliar para conservar a ordem antiga, a sociedade
estava mudando em todos os campos.
Você pôde perceber no decorrer do texto que, no mundo do trabalho, a generalização da grande indústria ocasionou a formação das duas classes fundamentais do
capitalismo: burguesia e operariado, e que novos conflitos sociais surgiram, opondo os
interesses dessas classes sociais. Relembrou que, como pioneira na Revolução Industrial, a Inglaterra foi o país onde começou o movimento operário, que logo se generalizaria por toda a Europa.
Nesta Unidade ficou claro que essa mudança na organização da produção teve consequências também no plano das ideias: o liberalismo identificou-se como o pensamento
da burguesia, enquanto o socialismo nasceu como corrente política que propunha o
fim do capitalismo. Embora ambos tenham sido, de certa forma, filhos da Revolução
Francesa, propuseram abordagens diferentes: o liberalismo esteve centrado na noção de
“liberdade”, enquanto o socialismo focalizou a “igualdade”. Esses ideários marcaram
posições políticas opostas e passaram a se enfrentar desde essa época.
Por fim, você pôde observar que liberalismo e socialismo não foram as únicas novidades do começo do século XIX: o nacionalismo surgiu como uma poderosa força política. Também filho da Revolução Francesa, que propôs o povo como a fonte do poder
político em lugar de Deus e do rei, o nacionalismo transformou o mapa da Europa e o
do mundo. Como não existem critérios objetivos para definir uma nação, intelectuais
assumiram a tarefa de sistematizar as tradições culturais que serviram de base para o
nacionalismo.
111
História – Unidade 1
Pense sobre
Nesta Unidade, você viu que os países que hoje conhecemos nem
sempre existiram. Em anos recentes, tem-se assistido à formação de
novos blocos de países, fato que vem diminuindo a importância das
fronteiras nacionais. Por exemplo, na Europa, mais da metade dos
países do continente tem a mesma moeda, o euro. Na América do Sul,
constituiu-se o Mercosul.
Será que, um dia, os países tal como hoje conhecemos não existirão mais?
112
2
1848: a “Primavera
dos Povos”
Nesta Unidade, você estudará o ano mais agitado do século XIX
na Europa: 1848. Foi um ano em que ocorreram movimentos revolucionários na maior parte do continente europeu.
© The Bridgeman Art Library/Keystone
Esse conjunto de eventos, considerado um desabrochar de disputas nacionalistas, mas também de lutas dos trabalhadores, ficou
conhecido como “Primavera dos Povos”.
Felix Philippoteaux. Lamartine rejeita a bandeira vermelha,1848. Óleo sobre tela. Museu da Cidade de
Paris, França.
Para iniciar...
Com base no que você aprendeu na Unidade 1, quais seriam as
causas de tamanha agitação na Europa em 1848?
Como um rastilho de pólvora
Você estudou que o desenvolvimento do capitalismo e da grande
indústria provocou mudanças nas relações de trabalho. E que essas
mudanças, por sua vez, geraram novas formas de organização dos
trabalhadores, acompanhadas de ideias originais de transformação
social. Viu também que, além das propostas socialistas assumidas
por trabalhadores e do ideário liberal associado aos burgueses, o
113
História – Unidade 2
nacionalismo evoluiu como um novo componente da identidade
social. O que você não estudou é que todos esses ingredientes compuseram o caldeirão social que entrou em ebulição em 1848.
Os acontecimentos e sentimentos que muitos europeus vivenciavam nesse período podem ser ilustrados com a fala de Alexis de
Tocqueville, um político francês, na tribuna da Câmara dos Deputados no início de 1848:
[...]
Esta é, Senhores, minha profunda convicção; acredito que, na hora
atual, estamos dormindo sobre um vulcão [...]
Será que não percebem – como dizer? – que um vento de revolução
está no ar? Este vento, não sabemos onde nasce, de onde vem, nem,
creiam, quem arrasta com ele; e é em tempos como esses que os
senhores se mantêm calmos face à degradação da moral pública, pois
a palavra não é forte demais [...]
TOCQUEVILLE, Alexis. Discurso na Câmara dos Deputados, 27 de janeiro de 1848.
Assembleia Nacional. Tradução: Célia Gambini. Disponível em: <http://www.assemblee-nationale.fr/
histoire/Tocqueville1848.asp>. Acesso em: 24 maio 2012.
Tais palavras são tão ilustrativas que, poucas semanas depois, se
realizaram. Uma insurreição derrubou a monarquia francesa, e a república foi novamente proclamada. Mas os acontecimentos não se restringiram à França: a revolução tinha começado em boa parte do continente,
atingindo todos os países do centro da Europa ao mesmo tempo. Os
eventos de 1848, que ficaram conhecidos como “Primavera dos Povos”,
afetaram países que já existiam, como a França, e também regiões onde
novos países começavam a se formar, como Itália, Alemanha e Hungria.
No entanto, assim como se espalhou, a revolução foi unanimemente
derrotada – um fato único na história. Mas essa derrota não significou
que o mundo tenha ficado igual. Ao contrário, começou a mudar em
aspectos importantes, que serão analisados nesta Unidade. A “Primavera
dos Povos” não triunfou, mas provocou, em todos os lugares, a percepção de que era preciso mudar. Essa mudança, se não viesse por bem,
viria por mal.
1830: recomeço das lutas
E o que formava o “vulcão”, mencionado por Tocqueville, que
entrou em erupção em 1848? Eram as duas novidades que você estudou
na Unidade anterior: o movimento operário e o nacionalismo. Esse político francês, portanto, não se referia apenas à Revolução Francesa quando
disse que “um vento de revolução está no ar”. Ele também se referia a
outro movimento que ocorrera na França, alguns anos antes, em 1830.
114
História – Unidade 2
Do dia 27 ao dia 29 de julho de 1830, barricadas foram formadas. Quando a própria Guarda Nacional aderiu aos rebeldes, o rei
Carlos X foi obrigado a abdicar. Esses dias ficaram conhecidos como
os “Três Dias Gloriosos”.
No entanto, a queda do rei não significou o fim da monarquia.
Apenas limitou o poder político do novo rei, Luís Filipe, que foi obrigado a seguir a Constituição. Suas medidas a favor da burguesia lhe
renderam a alcunha de “o rei burguês”.
Novamente, um movimento popular derrubara um rei, mas a burguesia preferiu pactuar com a monarquia, em vez de permitir a radicalização popular. Em vários outros países da Europa também eclodiram
movimentos que reuniram os mais diversos segmentos sociais.
Bélgica
Proclamou sua independência da Holanda
Península Itálica
Uma constituição foi proposta por grupos
revolucionários
Confederação Germânica
(futura Alemanha)
Ocorreram movimentos liberais
constitucionalistas
Polônia
Buscou sua independência
Nos anos seguintes, a nova onda revolucionária abalou outros cantos da Europa. Estava cada vez mais evidente que as mudanças viriam,
pelo convencimento ou pela força. Em 1848, foi a vez da força.
1848
Os problemas que fizeram explodir as revoluções de 1848 eram
muito semelhantes em toda a Europa:
•
•
•
•
•
Difusão da ideologia liberal e do nacionalismo.
Pressão do movimento operário em ascensão, embora os ideais
socialistas ainda não fossem dominantes.
Crise econômica, que provocou o fechamento de fábricas e desemprego.
Crise na produção agrícola, o que provocou a alta no preço dos
alimentos, agravando ainda mais a situação do povo.
Insatisfação da burguesia em razão de não possuir poder político
e ser a principal classe afetada pela crise econômica.
As demandas de todos os povos eram tão semelhantes que muitos
autores a consideram um movimento só, referindo-se a ele como a
Revolução.
Fica a dica
Leia o romance
Os miseráveis, de Victor
Hugo, que retrata o
clima da revolução.
115
História – Unidade 2
De caráter liberal, democrático e nacionalista, essas rebeliões foram
iniciadas por membros da burguesia que exigiam governos constitucionais e por trabalhadores e camponeses que se rebelaram contra a
exploração que sofriam.
Atividade 1 Um ano de profundas mudanças
Observe o mapa e responda às questões a seguir.
HIS_7_U2_003.pdf
1
25/03/14
11:57
10º O
0º
10º L
© Maps World
Europa: movimentos revolucionários de 1848
20º L
Mar
do
Norte
50º N
REINO
UNIDO DA
GRÃ-BRETANHA
E IRLANDA
REINO DA
PRÚSSIA
PAÍSES
BAIXOS
Berlim
POLÔNIA
10º O
BÉLGICA
Hesse
Colônia
50º N
ESTADOS
ALEMÃES
Paris
IMPÉRIO
AUSTRÍACO
SUÍÇA
Buda
REINO
DA
ESPANHA
REINO
DA
FRANÇA
Ducado de Lucca
2
Ducado de Parma
3
Ducado de Modena
0º
Ma
IMPÉRIO
OTOMANO
Principado de
Montenegro
Roma
REINO DA
SARDENHA
Estados afetados
1
Peste
Veneza
REINO
Milão
Parma LOMBARDO-VÊNETO
2
3 Florença
1
Grão-Ducado ESTADOS
da Toscana
DA IGREJA
Movimentos
revolucionários de 1848
116
REPÚBLICA
DA CRACÓVIA
Viena
Munique
Turim
40º N
Praga
Stuttgart
LUXEMBURGO
OCEANO
ATLÂNTICO
Fonte: DUBY, G. Atlas
historique mondial. Paris:
Larousse, 2003, p. 87
(adaptado).
IMPÉRIO
RUSSO
Nápoles
40º N
REINO
DAS DUAS
SICÍLIAS
r Me
diterrâneo
0
249 km
Palermo
10º L
20º L
1.
Em quais localidades ocorreram rebeliões em 1848?
2.
No lugar das atuais Alemanha, Hungria, Áustria e Itália, o que
aparece no mapa? Considerando o que você estudou sobre nacionalismo, o que isso significa?
História – Unidade 2
A “Primavera dos Povos”
Você sabia que Luís
A “Primavera dos Povos” marcou o despertar dos movimentos
nacionalistas. Daí em diante, poloneses, dinamarqueses, alemães, italianos, tchecos, húngaros, croatas e romenos, entre outros, exigiriam
um Estado Nacional para si.
Essa questão aponta outra face do “vulcão” sobre o qual dormia
a Europa, conforme mencionado por Tocqueville: a conjunção entre
os movimentos nacionalistas e as lutas operárias. Os que defendiam os
preceitos liberais também tiveram papel importante, na medida em que
o liberalismo motivou a burguesia a se levantar contra as monarquias.
Foi essa combinação que pegou fogo na Europa.
Bonaparte foi o primeiro
político “populista”?
Essa afirmação só é
possível porque ele
fez uma campanha
baseada na imagem e na
demagogia. Distribuía
salsichas entre os
militares, que gritavam
“Viva Napoleão, viva
o salsichão!” (Vive
Napoleón, vive le
sauscisson!). De fato,
sua principal credencial
política era o sobrenome,
herdado do tio famoso.
Novamente a França
Os problemas sociais e políticos enfrentados pelos franceses,
novamente sob o regime monárquico, continuavam: a crise econômica
só fazia piorar, o desemprego aumentava, e a burguesia se insatisfazia
com a monarquia, que ela mesma havia apoiado. De 1830 a 1848, a
França experimentou muitas mobilizações, que reuniram diferentes
segmentos sociais.
Em 1848, os franceses conseguiram formar um governo provisório:
o rei abdicou, a república foi reestabelecida e instituiu-se o sufrágio
universal. No entanto, por ampla
margem de votos, eles elegeram Luís
Bonaparte, um candidato que tinha
o seguinte slogan: “Abaixo as taxas,
abaixo os ricos, abaixo a república e viva o imperador”. Apoiado
em seu sobrenome famoso, ele foi
eleito como um protesto aos políticos conservadores. No entanto,
poucos anos depois, Bonaparte deu
um golpe de Estado, reinstituindo o
império e proclamando-se imperador sob a alcunha de Napoleão III.
© RMN/Other Images
O que unia todos esses segmentos eram as demandas por reformas
eleitorais, pois se acreditava que a situação seria resolvida se outros
indivíduos fossem eleitos. Mas, para isso, era necessário voltar ao tipo
de governo republicano, que havia sido instituído durante a Revolução Francesa.
Nessa gravura de 1848, estão representantes dos operários (o socialista
utópico Blanc), dos profissionais liberais (o advogado Dupont), dos escritores
(o poeta romântico Lamartine) e da pequena burguesia (Ledru-Rollin,
candidato dos democratas-socialistas), entre outros.
117
História – Unidade 2
A revolução fora da França
Berlim (na futura Alemanha)
O povo organizado pressionou o Parlamento para implantar o sufrágio universal e foi fortemente reprimido
pelos exércitos prussianos. O Parlamento e o rei suprimiram os direitos feudais e concederam liberdades
políticas, embora sem a inclusão dos trabalhadores.
Áustria
A revolta na cidade de Viena levou o imperador a reconhecer uma nova Constituição de caráter democrático,
garantir a liberdade de imprensa e abolir a censura, não sem antes matar muita gente.
A Assembleia Nacional teve representantes de todas as províncias do império, inclusive a Prússia e a Áustria,
dando um passo importante na unificação que formaria a Alemanha, anos mais tarde. Dela participaram
poloneses, tchecos, romenos, croatas, italianos do norte e húngaros.
Praga
Também era parte do Império Austríaco. Ali, os revoltosos conseguiram a aprovação de uma Constituição
liberal que reconhecia os direitos históricos do povo tcheco. No entanto, as forças fiéis ao império
reorganizaram-se, reprimindo o Parlamento tcheco e retomando o controle sobre Viena, a capital imperial.
Hungria
Fazia parte do Império Austríaco e queria ser independente, lutando por esse ideal
desde 1830. Chegou a declarar a independência de todos os territórios de língua húngara. Contudo, havia
um detalhe: em território húngaro viviam outras minorias (como sérvios, croatas e romenos).
O nacionalismo húngaro era poderoso, e o imperador austríaco, que enfrentava problemas
na sua própria Viena, precisou do auxílio de tropas russas para esmagar a revolta.
Os russos invadiram a Hungria pelo norte, e a revolução foi liquidada. A repressão foi implacável,
com centenas de pessoas executadas.
Península Itálica
Era uma região dividida em vários Estados, onde vigoravam governos absolutistas.
O Norte estava dominado pelos austríacos, e o Sul vivia sob a sombra do papa. Com os acontecimentos
de Paris, a insurreição eclodiu nos Estados mais conservadores, começando por Nápoles; já Milão e Veneza
levantaram-se contra a dominação austríaca. Em outros lugares, como Florença, Roma e Turim, os soberanos
se anteciparam à insurreição promulgando Constituições.
Em fevereiro de 1849, Giuseppe Mazzini, político e revolucionário, proclamou a República em Roma, e o
papa foi obrigado a fugir. A insurreição foi derrotada pelos franceses, que, a essa altura, eram liderados por
Luís Bonaparte, permitindo o retorno do papa. Também na Itália, a unificação e a república seriam adiadas
por alguns decênios.
118
História – Unidade 2
A partir do século XVIII, gradativamente, os Estados no
mundo Ocidental foram organizados para funcionar de acordo
com Constituições. Os governos poderiam elaborar leis, julgar
e punir segundo elas, desde que estas não entrassem em contradição com a Constituição de cada país, visto que, se isso
ocorresse, os governos seriam considerados ditaduras ou até
mesmo tiranias.
Quanto à forma de governo, um Estado pode ser uma monarquia, isto é, o governo de um rei, que governa enquanto vive,
ou uma república (governo da coisa pública), em que há definições de mandato.
Uma monarquia pode ser constitucional, isto é, o rei respeita
uma lei criada por outros nobres, ou absolutista, na qual é o rei
quem faz a lei – como bem representa a frase dita por Luís XIV
da França: “o Estado sou eu!”.
Uma república pode ser aristocrática ou democrática, ou
seja, governada pelos “virtuosos” (os que são considerados os
melhores) ou pelo conjunto da população.
Para garantir um limite à ação dos reis, o filósofo francês
Montesquieu sugeriu uma tripartição de poderes, balanceando a
ação do Estado entre o Legislativo, que elabora as leis, o Executivo, que as faz cumprir, e o Judiciário, que julga se as leis estão
sendo ou não cumpridas.
Qual foi o resultado das revoluções de 1848?
Você conheceu os acontecimentos de 1848 com alguns detalhes
para poder ter uma ideia sobre:
•
sua abrangência: atingiram muitos lugares da Europa;
•
sua simultaneidade: acompanhando as datas, você pode notar que
todas aconteceram no mesmo período.
Conforme comentado, todas as revoltas foram derrotadas. Mas a
pergunta que fica é: Por quê? Existem várias interpretações, mas há
alguns pontos consensuais.
119
História – Unidade 2
Em primeiro lugar, Inglaterra e Rússia ficaram de fora da revolução. Naquele tempo, eram consideradas, respectivamente, o país mais
adiantado e o mais atrasado do ponto de vista do desenvolvimento
econômico.
No século XIX, os acontecimentos na Inglaterra, principal potência econômica mundial, influenciavam toda a Europa, de modo análogo ao que acontece com os Estados Unidos nos dias de hoje. E por
que a revolução não se desencadeou na Inglaterra? É possível apontar
uma combinação de dois fatores:
•
O movimento operário inglês entrou em confronto com o Estado
nos anos anteriores, conforme você estudou, e tinha acabado de
ser derrotado em 1848. Por isso, não estava em condições de iniciar uma nova luta.
•
A Inglaterra era líder absoluta do desenvolvimento capitalista.
Nessa condição, podia melhorar os salários de parte dos trabalhadores, criando o que depois foi chamado aristocracia operária. Ao
mesmo tempo, o Parlamento incorporava gradualmente as principais demandas políticas dos trabalhadores.
Aristocracia operária
Expressão criada
como referência aos
trabalhadores que
recebiam salários muito
altos e tinham acesso
a um padrão de vida
semelhante ao dos
burgueses. A oferta de
altos salários foi um
instrumento utilizado
muitas vezes pelos
capitalistas para seduzir
lideranças operárias
combativas.
120
No outro extremo, a Rússia era o país europeu onde a servidão era
mais presente – e poderia ser um barril de pólvora na revolução continental. Entretanto, acabou sendo um balde de água fria: seus trabalhadores foram impotentes em aderir aos conflitos e, como consequência,
o exército do czar reprimiu violentamente a revolta na Áustria.
A ausência da revolução na Rússia e na Inglaterra (ou das lutas
que ocorreram em outros países) fragilizou os demais movimentos
europeus. Por que trabalhadores e nacionalistas não conseguiram
triunfar naquele movimento? A resposta a essa pergunta deve considerar aspectos que se referem aos trabalhadores e à burguesia:
•
Do lado popular, os movimentos operários, de modo geral, ainda
iniciavam a sua experiência de luta. Os trabalhadores não eram
mais tão dispersos como no tempo em que prevalecia o trabalho
artesanal. Porém, eles apenas começavam a formar sindicatos e
partidos próprios.
•
Do lado das classes dominantes, a burguesia aliou-se aos antiliberais (nobreza e monarquia) para conter o povo rebelado. A burguesia seguiu com o povo até certo ponto; depois, achou prudente
abafar a luta, para manter seus privilégios.
História – Unidade 2
É possível ilustrar a situação de operários e burgueses em 1848 da
seguinte forma:
•
Para a classe operária, é como se estivesse entrando na adolescência: ela sabia que não era mais criança, mas não tinha ainda
a noção exata da sua força. É como se o corpo tivesse crescido,
e a voz ainda estivesse fina. Nessa circunstância, teve poder para
abalar as estruturas da sociedade, mas não mostrou maturidade
para construir algo novo em seu lugar.
•
Para a burguesia, é como se tivesse chegado à maturidade: não
tinha mais as ilusões da juventude, quando se aliou ao povo para
enfrentar o Antigo Regime. Ao contrário, buscou o entendimento
com outros setores da classe dominante, como reis, nobres e latifundiários, para controlar os trabalhadores. Em outras palavras,
seu principal inimigo não era mais a nobreza e o rei, mas a classe
operária.
Ainda, assim, fica outra pergunta: Qual foi o resultado das revoluções de 1848?
Embora se possa dizer que as ideias comunistas de Marx não tiveram repercussão nos eventos de 1848, é preciso considerar que elas
foram cada vez mais difundidas e influentes. Concomitantemente,
crescia o movimento anarquista, além de uma série de propostas que
se aproximavam do socialismo utópico do começo do século XIX.
Apesar disso, o desenvolvimento industrial da Europa nas décadas
seguintes afastou, por um tempo, o “fantasma do comunismo”.
No entanto, o movimento operário fortaleceu-se consideravelmente depois de 1848. Com o crescimento da classe operária, suas
organizações e seus projetos expandiram-se. Se as classes dominantes perceberam que era necessário mudar a sociedade para preservar seus privilégios, os trabalhadores se deram conta de que tinham
força para transformá-la sem apoio da burguesia. Mais do que isso,
perceberam que precisariam enfrentá-la. Essa oposição de interesses
marcaria a evolução da história do capitalismo.
Atividade 2 O espectro do comunismo
A primeira frase do Manifesto comunista diz o seguinte: “Um
espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo”. Considerando
o que você estudou sobre os acontecimentos de 1848, responda ao
que se pede.
121
História – Unidade 2
1.
O que você entende dessa frase?
2.
Por que os autores se referem ao comunismo como um “espectro”?
3.
Na sua opinião, eles interpretaram corretamente o momento histórico em que viviam?
Novas conquistas dos trabalhadores
Com os eventos de 1848, fica evidente a união entre os segmentos da burguesia e a nobreza, que eram os grupos mais conservadores. Nesse período, a monarquia e a nobreza perceberam que o Antigo
Regime nunca seria restaurado e que a Santa Aliança era coisa do passado. Os nobres foram obrigados a se “aburguesar”, tornando-se, por
exemplo, empresários capitalistas do campo. Por sua vez, muitos burgueses desejaram se “enobrecer”, usando seu dinheiro para comprar
títulos de nobreza ou propriedades, como castelos. Essa aproximação
reflete simbolicamente a associação entre esses dois estratos sociais.
No entanto, as mudanças mais importantes pós-1848 aconteceram no terreno político, que, aos poucos, incorporou as demandas
políticas dos trabalhadores. Na França, por exemplo, o número de
votantes nas eleições foi ampliado consideravelmente. Essa experiência francesa abriu um caminho que seria seguido, mais cedo ou mais
tarde, pelos demais países da Europa: a adoção do sufrágio universal
masculino e a tolerância para com a participação política dos trabalhadores nas eleições.
122
História – Unidade 2
Antes disso, no começo do século XIX, a ideia de democracia
despertava medo nas classes dominantes da Europa. Para fazer uma
analogia, era como o temor do comunismo no século XX. Existia a
percepção de que, se os trabalhadores participassem da política, naturalmente atacariam a ordem existente. Por isso, havia tanta resistência
à ampliação do direito ao voto.
Democracia política
Foi na segunda metade do século XIX que se construiu a possibilidade de se ter a democracia política (que muitos chamam de democracia liberal) sem que se ameaçasse o capitalismo. De fato, ocorreu
uma inversão, e hoje a democracia é uma bandeira defendida pelos
países capitalistas.
Atualmente, muita gente questiona se o ritual das atuais eleições
faz parte de uma verdadeira democracia. Mas isso é outra questão.
No momento, vamos assinalar que, de 1848 para cá, o voto universal
foi instituído, e o capitalismo não acabou.
Estabelecimento do sufrágio masculino
em alguns países da Europa
•
Grécia – 1822
•
Suécia – 1911
•
França – 1848
•
Holanda – 1917
•
Suíça – 1848
•
Bélgica – 1919
•
Espanha – 1890
•
Inglaterra – 1918
•
Noruega – 1897
•
Itália – 1919
•
Império Austro-húngaro – 1907
Outra ideia que mudou de sentido ao longo dos séculos XIX e XX
foi a de nacionalismo. Você viu que, em 1848, as lutas pela unificação
nacional na Alemanha e na Itália foram sufocadas, assim como os
movimentos separatistas dos tchecos e dos húngaros. Em síntese, em
1848, não foram criadas novas nações.
No entanto, esses movimentos acumularam força e voltaram nos
anos seguintes. A unificação italiana foi realizada em 1861, e a alemã,
em 1871. A Áustria, por sua vez, precisou reconhecer a soberania
húngara em 1867, criando o Império Austro-húngaro.
Você sabia que
as unificações da
Alemanha e da Itália se
consumaram depois de
décadas de agitação?
No entanto, em ambos
os processos, as pressões
por democratização
social não se realizaram,
e nenhuma das novas
nações acabou com a
monarquia ou fez a
reforma agrária. A
célebre frase do
romance italiano
O leopardo, de Giuseppe
Tomasi di Lampedusa
(1958), resume o que
foi a unificação a esse
respeito: “É preciso
que tudo mude para que
tudo fique como está”.
123
História – Unidade 2
O nacionalismo também se separou muitas vezes das lutas sociais
a que esteve ligado na sua origem. As unificações da Itália e da Alemanha foram processos conservadores, sem ruptura com o poder dos
latifundiários nem com a monarquia. Já no século XX, conforme
mencionado, o nacionalismo na Europa se transformou muitas vezes
em uma ideologia antidemocrática, como o fascismo na Itália e o
nazismo na Alemanha.
Você estudou
Nesta Unidade, você estudou que, em 1848, a Europa entrou em ebulição. Os protestos que derrubaram o rei da França
contagiaram o continente. Revoluções eclodiram na Alemanha,
na Itália, na Hungria (que ainda não existiam como países) e na
Áustria. Ficou evidente para as classes dominantes que o Antigo Regime não voltaria e que era necessário fazer concessões à
classe operária para evitar o pior. Dessa forma, os trabalhadores
tomaram consciência da sua força. Também se evidenciou que
eles deveriam lutar com as próprias mãos.
Você pôde perceber também que a sociedade mudou depois
de 1848, mas de forma controlada, consolidando cada vez mais o
capitalismo. A democracia se transformou em uma bandeira liberal; a participação política dos trabalhadores foi respeitada, desde
que não ameaçasse a ordem; o nacionalismo, que dava apoio às
unificações de regiões em grandes Estados, triunfou nas décadas
seguintes, mas muitas vezes sem trazer mudanças sociais.
Pense sobre
No final de 2010, eclodiu, no Egito, uma revolta popular contra
o presidente Hosni Mubarak, que estava no poder há quase 30 anos.
Logo em seguida, vários países vizinhos foram contagiados pela rebelião, como a Arábia Saudita, o Bahrein, a Síria, o Iêmen e a Líbia.
Nesse último país, tropas internacionais decidiram intervir no confronto. Embora em outro período e contexto, esses acontecimentos
possibilitam visualizar, com olhos de hoje, o que aconteceu em 1848,
quando a revolução se espalhou por muitos países ao mesmo tempo.
124
3
Comuna de Paris
Na Unidade 2, você estudou que, desde o início do século XIX,
uma parcela das pessoas se organizou e entrou em conflito com os
governos para solicitar maior participação no poder político. Estudou
também que essas pessoas não conseguiram essa conquista naquele
primeiro momento, mas sim anos depois. Além dos movimentos
nacionalistas, os trabalhadores experimentaram sua força naqueles
episódios. Nos anos seguintes, com o crescimento do movimento operário, convicções radicais foram fortalecidas, fazendo os trabalhadores acreditar que eles próprios poderiam organizar a sociedade.
© Roger Viollet/Glow Images
Você consegue visualizar como seria isso na prática? Em 1871, o
povo de Paris viveu essa experiência durante alguns meses, e esse será
o tema desta Unidade.
Comuna de Paris (1871). Biblioteca Histórica da Cidade de Paris.
125
História – Unidade 3
Para iniciar...
São poucos os momentos históricos nos quais os indivíduos pertencentes aos grupos sociais menos favorecidos conseguem impor sua
vontade e fazer prevalecer seu poder. A Comuna de Paris foi um desses casos. Ainda que tenha durado poucos meses, ela deu mostras de
como seria um governo dirigido por trabalhadores.
•
Como você acha que seria um governo operário? Quais seriam as
principais preocupações desse governo?
•
De que forma você acredita que as mulheres foram tratadas durante a Comuna de Paris?
•
Em sua opinião, que fatores contribuíram para a derrubada desse
governo operário?
•
Como seria um governo operário hoje em dia, no Brasil? Quem
governaria e quais seriam as decisões imediatas a serem tomadas?
Os trabalhadores tomam o poder
Os anos seguintes aos acontecimentos de 1848 foram relativamente calmos na Europa. Alguns elementos ajudam a explicar essa
tranquilidade:
•
Foi um período de expansão do capitalismo.
•
O crescimento econômico favoreceu concessões dos capitalistas
para a classe trabalhadora.
•
Aos poucos, os governos também cederam aos trabalhadores, em
dois sentidos: regulamentaram as condições de trabalho e permitiram a participação dos trabalhadores na política.
No entanto, em 1871, a França virou novamente de “cabeça para
baixo”. Entre os meses de março e maio, Paris, a capital do país, foi
governada por trabalhadores. E nos poucos dias em que comandaram a cidade, esses trabalhadores promoveram as mudanças sociais
mais radicais da história até aquele momento.
Atividade 1 Algumas propostas da Comuna de Paris
“O povo trabalhador de Paris e seus arredores proclama a fundação da Comuna de Paris.” Esse era o lema da Comuna de Paris.
O documento principal desse movimento proclamava ainda: “a gestão
popular de todos os meios da vida coletiva; a gratuidade de tudo o
que é necessário e de todos os serviços públicos”.
126
História – Unidade 3
Seguindo esse espírito, durante os meses em que durou a Comuna,
foram propostas as seguintes medidas, entre outras:
• Instituições como governo, câmara municipal, tribunais e a polícia seriam abolidas; isto significava, na prática, que não haveria políticos profissionais, nem
juízes e nem policiais. Estas tarefas seriam realizadas pelo povo organizado de
outras formas.
• A unidade básica do poder popular seriam conselhos de bairro eleitos.
• O poder seria exercido por conselhos de bairro eleitos.
• O cargo de juiz se tornaria eletivo.
• O monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários
seriam abolidos.
• A Igreja deixaria de ser subvencionada pelo Estado.
• O serviço militar obrigatório e o exército regular seriam abolidos.
• A segurança ficaria a cargo de milícias populares em cada bairro.
• A educação se tornaria gratuita, secular (ou seja, não religiosa) e compulsória.
• Os meios de transporte público seriam gratuitos.
• As residências vazias seriam desapropriadas e ocupadas, prioritariamente por
aqueles que tiveram suas casas danificadas no confronto.
Fonte: COGGIOLA, Osvaldo. A Comuna de Paris na história. In: ______ (Org.).
Escritos sobre a Comuna de Paris. São Paulo: Xamã, 2003, p. 14.
1. Faça duas colunas em seu caderno. Uma delas será nomeada “quem
ganha” e a outra, “quem perde”. Leia novamente a lista, ponto por
ponto. Anote “quem ganha” e “quem perde” com cada uma das
medidas propostas pela Comuna.
2. Você consegue visualizar o choque de interesses que acontecia naquela época? Relate a sua impressão a respeito disso.
127
História – Unidade 3
Contexto da Comuna de Paris
Para entender como os trabalhadores conquistaram o poder em
1871, é preciso analisar três elementos.
Você sabia que, em
1848, havia em média
cinco operários por
estabelecimento na
França?
Em 1871, esse número
passou de 5 para 14.
1. O Império Francês, comandado por Napoleão III, tornara-se uma espécie de sanguessuga gigante: era forte, burocrático e corrupto. Essa
situação era reconhecida e odiada pela população, que sonhava em eliminar o funcionalismo público, o grande parasita social. Não foi à toa
que a Comuna tendeu a anular todas as características desse Estado.
2. Embora a França de 1871 fosse um país majoritariamente rural
(somente a Inglaterra tinha mais habitantes nas cidades do que
no campo), Paris tinha um amplo contingente operário, diferença
importante em relação a 1848. Além do crescimento do número
de operários, houve uma concentração da produção industrial entre 1848 e 1871. A união dos trabalhadores em grandes fábricas
servia de estímulo para a organização operária.
As influências políticas mais importantes para esses operários eram
o blanquismo e as ideias de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865).
O blanquismo (referência a Louis-Auguste Blanqui) está associado
à noção de que a revolução deveria ser realizada por um grupo
relativamente pequeno de conspiradores altamente organizados, de
maneira secreta, valorizando as ações radicais.
Por sua vez, Proudhon acreditava na propriedade coletiva dos
meios de produção (como associações e cooperativas), sendo reconhecido como um dos primeiros pensadores anarquistas. Sua
frase mais célebre é: “A propriedade é um roubo!”.
3. Em 1870, a França entrou em guerra contra a Prússia. Os desdobramentos desse conflito desencadearam uma profunda crise
nacional, que está na raiz do surgimento da Comuna.
Como surgiu a Comuna de Paris?
Tudo começou com uma guerra entre a França e a Prússia, cujos
governos queriam ampliar os territórios de seus países. O Império Francês, de Napoleão III, queria anexar territórios e aumentar seu poder; a
Prússia, governada por Guilherme I, queria fazer a mesma coisa.
A Prússia era, naquele momento, uma das regiões de maior desenvolvimento capitalista do mundo. Além de contar com uma forte indústria,
tinha um exército poderoso, que inovou na arte militar. Assim, na guerra
entre as duas nações, a França foi derrotada e humilhada.
O exército prussiano aprisionou o imperador francês e, em uma atitude provocativa, usou o Palácio de Versalhes – tradicional reduto da
monarquia francesa – para coroar Guilherme I como imperador da Alemanha, em 1871.
128
História – Unidade 3
© Mary Evans/Diomedia
Você sabia que a
coroação de Guilherme I
marcou a formação da
Alemanha?
Em 1871, Guilherme I foi coroado imperador da Alemanha no Palácio de Versalhes,
lugar simbólico do poder da monarquia francesa. Essa atitude foi considerada uma
ofensa pelos franceses. [Anton Alexander von Werner. A Proclamação de Wilhelm
como imperador do novo Reino da Alemanha na Sala dos Espelhos em Versalhes, 1885.
Óleo sobre tela, 140 cm x 142 cm. Castelo Friedrichsruhe, Alemanha.]
Como você já verificou, a
unificação alemã foi um
longo processo. Sob a
liderança da Prússia – e,
mais especificamente, de
Otto von Bismarck –, foi
marcada por guerras e
exaltação ao nacionalismo.
A vitória prussiana contra a
França somente confirmou o
poderio prussiano e acirrou
o espírito nacionalista nos
Estados germânicos, que
acabaram se unificando
e formando o Segundo
Império alemão, também
conhecido como Segundo
Reich. (O regime nazista
instaurado por Hitler entre
1933 e 1945 ficou conhecido
como Terceiro Reich.)
Com a prisão de Napoleão III, a república foi proclamada pela
terceira vez na França. Todavia, quem assumiu sua liderança foi
uma figura conservadora, o ex-ministro Thiers, que negociou a
rendição, a qual incluía a obrigatoriedade de os franceses custearem a guerra – com aumento de impostos a serem pagos à
Prússia. Além disso, ele tentou tirar as armas da Guarda Nacional, uma organização civil que existia em Paris desde a Revolução
Francesa. Quando a população se deu conta dessa manobra, expulsou Thiers e o exército prussiano. Nesse contexto, foi proclamada a
Comuna, que existiu oficialmente de março a maio de 1871.
O que foi a Comuna?
A palavra “comuna” está relacionada com “comunidade”; já
“comunista” tem a mesma raiz de “comunidade” e “comuna”. Todos
esses termos vêm de “comum”, ou seja, o que é de todos, ou aquilo
de que todos podem participar.
Os participantes da Comuna de Paris ficaram conhecidos como
communards, uma palavra que não tem tradução precisa em português (utiliza-se o termo comunardos), mas é diferente de comunistas,
que seriam os seguidores do comunismo proposto por Marx e Engels.
Você sabia que
a Guarda Nacional
original foi armada na
Revolução Francesa,
com o objetivo de
defender Paris da
reação do rei?
Em 1870, a armada
contava com cerca de
300 mil efetivos, na sua
maioria operários.
129
História – Unidade 3
Uma vez instaurada a Comuna, foram convocadas eleições para
resolver os problemas de abastecimento dos comunardos e cuidar das
coisas coletivas, ou seja, das coisas públicas. Para tanto, organizou-se
um “Comitê de Salvação Pública”.
Durante um breve período, os comunardos buscaram solucionar
vários problemas sociais: desde a escola das crianças até a condição
da mulher, passando por justiça, religião, economia, política internacional etc. Em todos os campos, os revolucionários produziram ideias
bastante radicais para o seu tempo. Veja alguns exemplos:
•
Iniciaram o controle operário da produção (muitos industriais fugiram de Paris).
•
Reorganizaram o sistema de transportes, que se tornou gratuito
para todos.
•
Decretaram a distribuição das residências vazias e proibiram a
especulação imobiliária.
•
Instituíram um plano de previdência social inédito, para todos os
cidadãos.
•
Decretaram o fim da construção de ruas que agredissem espaços
verdes e áreas de convivência na cidade.
•
Estabeleceram como princípio a educação pública, laica, gratuita,
obrigatória e universal – para homens e mulheres.
•
Proclamaram a igualdade das mulheres.
Estudar o século XIX leva a pensar que a forma de Estado e a forma de lei que se conhece não são as únicas possíveis. Os operários da Comuna de Paris pensaram em leis que
assegurassem às mulheres, por exemplo, direitos que muitas
ainda não têm até os dias de hoje. No Estado democrático
de direito, vigente em muitos países, os cidadãos elegem seus
representantes para os poderes Executivo e Legislativo. Para
trabalhar no poder Judiciário, em geral, é preciso prestar concursos públicos. No Brasil, essa é a forma atual de ingresso
nos chamados Três Poderes.
130
História – Unidade 3
Atividade 2 A Comuna de Paris e o trabalho
1. Leia o artigo a seguir, proclamado pela Comuna de Paris, sobre a
produção nas fábricas.
Artigo IX
Sobre a produção, a Comuna proclama que:
• todas as empresas privadas (fábricas, grandes armazéns) são expropriadas, e
os seus bens, entregues à coletividade;
• os trabalhadores que exercem tarefas predominantemente intelectuais (direção, gestão, planificação, investigação etc.) periodicamente serão obrigados a
desempenhar tarefas manuais;
• todas as unidades de produção são administradas, em geral e diretamente,
pelos trabalhadores da empresa, em relação à organização do trabalho e à
distribuição de tarefas;
• fica abolida a organização hierárquica da produção;
• as diferentes categorias de trabalhadores devem desaparecer e desenvolver-se a rotatividade dos cargos de trabalho;
• a nova organização da produção tenderá a assegurar a gratuidade máxima de
tudo o que é necessário e diminuir o tempo de trabalho.
Devem-se combater os gastadores e parasitas. Desde já são suprimidas as funções de contramestre, cronometrista e supervisor.
COGGIOLA, Osvaldo. A Comuna de Paris na história. In: ______ (Org.).
Escritos sobre a Comuna de Paris. São Paulo: Xamã, 2003, p. 15.
2. Escreva em seu caderno um pequeno texto com sua opinião sobre
as possíveis mudanças na organização do trabalho, caso as medidas da Comuna fossem implementadas.
A Comuna de Paris e a política
A Comuna também propôs uma revolução na organização do
Estado e na forma de fazer política. Para acabar com a corrupção
dos funcionários públicos e dos políticos, os comunardos propuseram
eliminar de vez a burocracia que não funcionava. Também sugeriram acabar com o exército que os reprimia. A Comuna defendia os
seguintes princípios políticos:
•
Todos os membros da administração podem ter o seu mandato
revogado em qualquer momento e não podem se perpetuar no
cargo. Isso configura uma ação contra a burocracia.
131
História – Unidade 3
•
A remuneração de um cargo público não pode ser maior do que
a remuneração de um operário qualificado. Com isso, propõe-se
acabar com o privilégio nas funções públicas.
•
Deve haver a supressão de qualquer corpo armado diferente da
população: a nação é o povo em armas, o que configura uma proposta de extinção do exército.
•
Será abolida a divisão de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário); a Comuna representa, ao mesmo tempo, os três poderes.
Em suma, a Comuna seria a representação direta do povo.
Embora não abolisse o Estado, como falam os comunistas, era a destruição do Estado antigo e a construção de um novo. Este perderia
seu papel político e se tornaria puramente administrativo. Em outras
palavras, ele não mandaria, só cumpriria ordens. E quem daria essas
ordens? Seria o conjunto dos cidadãos.
Segundo essa visão, a sociedade deveria absorver as funções do
Estado. Veja um exemplo do que isso significava: a proposta da
Comuna não era a de tirar um juiz e colocar no seu lugar um operário, mas acabar com o poder judiciário. Não existiria mais o juiz
profissional, mas representantes da sociedade seriam eleitos periodicamente para essa função.
Atividade 3 O acesso à justiça
1. Durante alguns anos, circulou no Brasil um adesivo com o slogan
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contendo os dizeres:
Sem advogado não se faz justiça.
a) O que é justiça para você?
b) Qual é a mensagem transmitida pelo slogan?
c) Qual sua opinião sobre essa mensagem?
2. Agora, discuta com um colega suas respostas. Depois, compartilhem com a turma suas conclusões.
132
História – Unidade 3
Atividade 4 A Comuna de Paris e a família
1. Você acha que existem relações de dominação dentro de uma família? Pois os líderes da Comuna de Paris achavam que sim. Por esse
motivo, não se preocuparam apenas com a justiça, a política e a
economia, mas com a cultura da sociedade como um todo. Leia o
que eles pensavam sobre a emancipação da mulher e a família:
Artigo XII
• A submissão das crianças e da mulher à autoridade do pai, que prepara a
submissão de cada um à autoridade do chefe, é declarada morta.
• O casal constitui-se livremente com o único fim de buscar o prazer comum.
• A Comuna proclama a liberdade de nascimento: o direito de informação
sexual desde a infância, o direito ao aborto, o direito à anticoncepção.
• As crianças deixam de ser propriedade de seus pais. Passam a viver em conjunto na sua casa (a Escola) e dirigem a sua própria vida.
COGGIOLA, Osvaldo. A Comuna de Paris na história. In: ______ (Org.).
Escritos sobre a Comuna de Paris. São Paulo: Xamã, 2003, p. 16.
a) O que você entende do primeiro ponto desse artigo?
b) O que significa a ideia de “liberdade de nascimento”?
c) O que significa dizer que “as crianças deixam de ser propriedade de seus pais”?
2. Depois de responder às perguntas, forme grupos para discutir as
ideias da Comuna sobre a família.
Desfecho da Comuna
Enquanto a Comuna revolucionava Paris, o exército francês reorganizava-se a partir de Versalhes, a poucos quilômetros da capital,
preparando-se para um embate com os comunardos. Outras cidades
da França também proclamaram “Comunas”, mas estas duraram
menos tempo.
133
História – Unidade 3
As tropas alemãs (da Prússia) não ousaram invadir a cidade tomada
pela população armada, pois consideravam que tinham atingido
seus objetivos na guerra: além da vitória militar, apropriaram-se de
um importante território francês rico em minérios, a Alsácia-Lorena.
No entanto, os alemães também estavam alarmados com o que acontecia em Paris. E se a revolução se espalhasse?
Por esse motivo, quando o exército francês voltou para a cidade
determinado a esmagar o movimento, as tropas alemãs apenas assistiram. Mais do que isso: soltaram centenas de soldados franceses,
prisioneiros de guerra, para auxiliarem nessa tarefa. Diante da
Comuna, a rivalidade entre as nações foi substituída pela solidariedade entre os governos.
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Em maio daquele mesmo ano (1871), o exército francês invadiu Paris e cumpriu sua missão com uma brutalidade que marcou os
registros históricos. Enfrentando a resistência determinada dos trabalhadores, que montaram barricadas em toda a cidade, as tropas
do governo agiram sem piedade: o resultado ficou conhecido como a
“Semana Sangrenta”.
Jean-Baptiste-François Arnaud-Durbec. Barricada em 19 de março de 1871. Aquarela sobre papel. Museu Carnavalet, Paris, França.
134
História – Unidade 3
Mesmo depois de vencidos os rebeldes, a repressão continuou a
fazer vítimas: houve milhares de execuções sumárias de presos e exilados. Leia a seguir testemunhos de sobreviventes da repressão à Comuna:
Vinte mil homens, mulheres e crianças mortas durante a batalha ou após a resistência, em Paris, e no interior; pelo menos três mil mortos nas detenções, nas barcaças, nos fortes, nas prisões, na Nova Caledônia, no exílio ou de doenças contraídas
no cativeiro; treze mil e setecentos condenados a penas que, para muitos, duraram
nove anos; setenta mil mulheres, crianças, idosos privados dos seus arrimos ou jogados para fora da França; cento e sete mil vítimas aproximadamente, eis o balanço
das retaliações da alta burguesia à Revolução de dois meses, do 18 de março.
LISSAGARAY, Prosper-Olivier. História da Comuna de 1871. Capítulo XXXVII. A Assembleia de desgraça.
Le Mac-Mahonnat. As graças. O grande retorno. p. 487. Gallica. Biblioteca Nacional da França (BNF).
Tradução: Célia Gambini. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/
bpt6k36518g/f494.image>. Acesso em: 24 maio 2012.
Numa extensão que nos pareceu sem fim, avistamos pilhas de cadáveres. “Recolham todos esses vagabundos, disse-nos o sargento, e coloquem-nos nessas carroças.”. Carregamos esses corpos pegajosos de sangue e de lama. Os soldados faziam
brincadeiras horríveis: “Olha só que cara isso vai fazer!” e esmagavam alguns rostos
com o tacão. Parecia-nos que alguns ainda estavam vivos e avisamos os soldados,
mas eles responderam: “Vamos! Vamos! Continuem!”. Certamente, alguns morreram ali. Colocamos mil novecentos e sete corpos nas carroças.
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LISSAGARAY, Prosper-Olivier. História da Comuna de 1871. Apêndice XXV. p. 525. Gallica.
Biblioteca Nacional da França (BNF). Tradução: Célia Gambini. Disponível em:
<http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k36518g/f532.image>. Acesso em: 24 maio 2012.
Clairin Georges Jules Victor. O incêndio das Tulherias em maio de 1871. Óleo sobre tela, 48 cm x 79 cm. Museu d’Orsay, Paris, França.
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História – Unidade 3
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Alfred-Henri Darjou.
O muro dos Federados no cemitério
Père-Lachaise – 28 de maio de
1871. Técnica mista. Museu
Carnavalet, Paris, França.
Paul Charles Chocarne-Moreau.
Na barricada. Fotografia
exposta no Salão dos Artistas
Franceses de 1909. Negativo
monocromático em suporte de
vidro. Fundo Druet-Vizzavona.
136
História – Unidade 3
O que explica tal violência? A justificativa mais provável é que as
classes dominantes francesa e europeia sentiram-se aterrorizadas com
a experiência da Comuna. Quiseram, então, mandar uma mensagem
para os trabalhadores de toda a Europa: qualquer tentativa de revolução popular seria massacrada sem piedade. A mensagem foi passada.
Você estudou
Nesta Unidade, você estudou que, no ano de 1871, em meio
à derrota dos franceses na guerra contra a Prússia, a população
de Paris tomou conta da cidade.
Estava instaurada a Comuna de Paris. Imediatamente, o
povo começou a implementar mudanças radicais em todos os
campos da vida social: no trabalho, na política, na justiça, nas
relações familiares e na condição da mulher.
No entanto, a experiência da Comuna durou poucos meses.
Assustado com o que via, o exército francês contou com a cumplicidade dos alemães para regressar a Paris e abortar a revolução que germinava.
Concretamente, muitos anos se passariam até que os trabalhadores europeus voltassem a ter a ousadia dos franceses
derrotados.
Pense sobre
No começo do século XIX, havia um temor generalizado entre
as classes dominantes de que o sufrágio universal pudesse significar
uma revolução social. Pensava-se que os trabalhadores, que formavam a maioria da população, votariam em candidatos que defenderiam seus interesses. E, como o interesse dos trabalhadores é, muitas
vezes, diferente do dos capitalistas, imaginava-se que isso ameaçaria
a ordem social.
Na sua opinião, há alguma relação entre o massacre dos trabalhadores da Comuna de Paris e a generalização do sufrágio universal na
Europa nas décadas seguintes?
137
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História – Unidade 3
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Comuna de Paris (1871). Biblioteca Histórica da Cidade de Paris.
A tomada de Paris, 1871. Litogravura. Museu Carnavalet, Paris.
138
4
Imperialismo
No final do século XIX, o desenvolvimento industrial da Europa
criou as condições para uma expansão do capitalismo que afetou
vários continentes.
Esse movimento não foi desinteressado, uma vez que a sua motivação principal era ampliar as possibilidades de negócio para além da
Europa.
No “Velho Continente”, como era conhecida a Europa, o desenvolvimento do capitalismo favoreceu concessões econômicas para a
classe trabalhadora, sempre conquistadas após permanente pressão.
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Os governos também cederam, atuando para: integrar os trabalhadores na política e regulamentar as condições de trabalho; ampliar
os direitos de expressão – pela possibilidade de uso de imprensa
própria –, o direito de organização em partidos e sindicatos e o direito de votar e de eleger seus representantes. Tais reivindicações
haviam sido feitas nas lutas de 1848.
Enquanto a sociedade industrial se consolidava na Europa, o capitalismo se espalhava
pelo mundo.
Isso implicou uma mudança de qualidade no próprio capitalismo, que desenvolveu
características denominadas “imperialismo”,
assunto desta Unidade.
Para iniciar...
A partir da breve introdução fornecida,
qual relação pode ser feita entre a imagem ao
lado e o imperialismo?
Henri Meyer. Na China.
Le Petit Journal, 1898.
139
História – Unidade 4
O que é imperialismo?
Na linguagem comum, a palavra “imperialismo” refere-se à relação de dominação de um país sobre outro. Essa dominação pode ter
várias facetas: econômica, política ou cultural. Desse modo, quando
alguém diz “abaixo o imperialismo americano”, está se queixando do
poder que os Estados Unidos exercem em outros países. Essa maneira
de se referir ao imperialismo está muito associada ao nacionalismo
dos países latino-americanos, africanos e asiáticos.
Você sabia que o
capitalismo esteve
em crise entre 1873
e 1896, mas que isso
não impediu que ele se
espalhasse?
Existem várias análises
que tentam explicar
como isso foi possível.
Uma delas defende a
ideia de que “crise”, para
o capitalismo, significa
dificuldades para lucrar,
podendo ser gerada por
vários motivos. Como,
no último quarto do
século XIX, os negócios
em outras regiões
do mundo ofereciam
novas oportunidades
de lucro, poderiam ser
entendidos como parte
de uma saída da crise.
Em outras palavras: se
estava difícil lucrar em
casa, os capitalistas
poderiam buscar novas
oportunidades de
negócio no exterior –
principalmente em
outros continentes.
Existe uma segunda maneira de entender o imperialismo: como
uma fase do capitalismo. A ideia é que, quando o capitalismo atinge
determinado grau de desenvolvimento, ele precisa se espalhar pelo
mundo para se fortalecer, e a forma como ele se propaga tem a característica de uma relação de dominação. Portanto, de acordo com essa
visão, o centro da questão não são os países – embora alguns deles
tenham sido chamados de “imperialistas” –, mas o próprio capitalismo. Em outras palavras, não são os países que ficaram imperialistas, mas o capitalismo propriamente dito.
Em termos históricos, esse novo momento do capitalismo, no qual
a concorrência dos anos iniciais da Revolução Industrial cedeu espaço
para a realidade das gigantes multinacionais e para o monopólio, é o
que chamamos de imperialismo. Essa será a realidade do capitalismo
já no último quarto do século XIX.
Capitalismo concorrencial
Capitalismo monopolista
Revolução Industrial
Imperialismo
Final do século XVIII
Final do século XIX
O imperialismo, portanto, será um resultado da consolidação do
capital monopolista. Mas qual é exatamente a relação entre o capital
monopolista e o imperialismo? Para criar uma imagem, é como se o
capitalismo trocasse de pele. Você já ouviu falar de cobras que trocam
de pele com o tempo? Elas trocam a pele e, no entanto, continuam a ser
cobras. O imperialismo será a nova “pele” do capitalismo monopolista.
Ele continuará a ser capitalismo, mas com outra pele.
140
História – Unidade 4
A situação a seguir pode ilustrar a diferença e a relação entre os
dois entendimentos do que vem a ser o imperialismo.
Quando um iraquiano, atacado pelo exército dos Estados Unidos, protesta contra o imperialismo estadunidense, ele está falando
de algo bastante concreto, pois existem tropas estrangeiras em seu
país. É sabido, porém, que há interesses econômicos por trás da
intervenção dos Estados Unidos no Iraque. Mas será que são interesses de todos os estadunidenses?
Certamente, o interesse maior é de alguns negócios, como o petróleo, a indústria militar e a construção civil. Nesse sentido, o principal
motor da intervenção não é o sentimento nacional dos estadunidenses, mas os negócios.
E é esse movimento dos negócios que procuraremos agora entender.
O filme Syrianna
(Syrianna, direção
de Stephen Gaghan,
2005) trata de questões
políticas e terrorismo
ligados à indústria do
petróleo. Assista-o!
© Diomedia
Por que o capitalismo se espalhou pelo mundo? Embora esse seja
um assunto polêmico, não é difícil entender sua motivação básica.
Ela resulta de duas tendências do desenvolvimento do capitalismo: a
concentração e a centralização de capitais.
Fica a dica
O Colosso de Rhodes. Charge
que representa o colonialista
Cecil Rhodes segurando a linha
telegráfica que se estendia do
Egito até o sul da África.
141
História – Unidade 4
O que é a concentração de capital?
A concentração é o aumento do volume do capital. Isso pode
acontecer quando mais meios de produção são incorporados como
capital. Por exemplo, se uma costureira ou um camponês tornam-se
assalariados (e deixam de possuir a máquina de costura ou a terra em
que trabalham), a máquina de costura e a terra, como a própria força
de trabalho que os dois vendem em troca de um salário, tornam-se
capital.
A concentração do capital também pode ser resultado de um processo complexo, mas fácil de compreender: capital gera mais capital.
Isso se dá porque uma parte do lucro do capitalista pode ser investida
na ampliação do negócio. Por exemplo:
•
Uma fábrica investe 2 reais para produzir mercadorias, que vende
por 4 reais.
•
Os 4 reais obtidos da venda das mercadorias são divididos do seguinte modo: 3 reais são reinvestidos na produção e 1 real sobra
para o dono da fábrica.
•
O ciclo recomeça, mas dessa vez o capitalista terá 3 reais para investir (e não 2 reais); ou seja, seu capital aumentou. Desse modo,
ele produzirá mercadorias que venderá por 6 reais, e assim sucessivamente.
Com isso, temos uma ideia do que é a concentração de capital: ela
significa o aumento do volume do capital.
O que é a centralização de capital?
A centralização é resultado da concorrência entre os capitais,
em que as empresas maiores absorvem as menores. E por que isso
acontece? Na disputa entre as empresas pela obtenção dos mercados,
quem é maior produz mais barato, pois tem ganhos de escala. Como
assim? Muitos gastos de uma empresa serão os mesmos quando o
negócio cresce: o aluguel de um galpão não será diferente se tiver
uma, duas ou dez máquinas funcionando; uma empresa maior pode
negociar descontos na compra de matérias-primas, uma vez que precisa de maiores quantidades delas; e assim por diante. Isso é chamado
de ganhos de escala.
142
História – Unidade 4
Mas não é só. Uma grande empresa tem outros recursos para
“quebrar” seus concorrentes – e absorvê-los. Ela pode, por exemplo,
vender seu produto abaixo do preço de custo para forçar o prejuízo
de um rival, contando em recuperar esse lucro depois – quando já não
houver mais o concorrente.
Quando ocorre uma crise, geralmente a empresa grande tem mais
meios de sobreviver. Um exemplo é a maior facilidade que ela tem
para conseguir crédito bancário. E, muitas vezes, ela aproveita esses
momentos para comprar a preços baixos os negócios dos concorrentes em dificuldades.
Independentemente dos meios, existe uma tendência no capitalismo: as empresas grandes ficam maiores, e as menores são absorvidas pelas maiores. É esse processo que chamamos de centralização de
capital.
No longo prazo, se for mantido esse movimento de centralização, haverá um número menor de empresas dominando mercados
mais amplos. Essas empresas terão um número cada vez menor de
concorrentes e, por isso, poderão se aproximar de uma situação de
monopólio.
Da concorrência ao monopólio
Na vida econômica concreta, os processos de concentração e
centralização se associam e se reforçam, resultando na seguinte tendência:
Concentração de capitais
(aumento do volume de capitais)
+
Centralização de capitais
(redução do número de empresas)
=
Empresas cada vez maiores
Quando isso acontece no capitalismo, diz-se que não é mais a
concorrência que prevalece no mercado, mas o monopólio. Formam-se
as grandes corporações, que tendem a absorver várias marcas que
antes competiam entre si.
Fica a dica
Você conhece o jogo
“Monopoly”, também
conhecido como “Banco
Imobiliário”?
Nesse jogo, os
participantes compram
e vendem propriedades.
Com o passar das
rodadas, aqueles que
conseguem comprar
mais delas causam a
falência dos que têm
menos. Desse modo,
o jogo reproduz a
dinâmica do próprio
capitalismo. Por esse
motivo, seu nome
original era “Monopoly”.
143
História – Unidade 4
Atividade 1 Fusão de empresas
1. Debata com seus colegas e professor.
a) Você já ouviu falar em fusão de empresas? Lembra-se de alguma fusão entre negócios no Brasil?
b) Você já trabalhou em alguma empresa que sofreu o processo de
fusão? Quais foram as consequências que você pôde observar?
c) Qual é a diferença entre união e fusão? Se precisarem, procurem no dicionário o significado dessas palavras.
2. Registre as conclusões do debate.
O imperialismo em fatos concretos
Existem diversas leituras sobre o imperialismo. Uma das interpretações mais conhecidas foi proposta por Lênin, marxista russo que
procurou entender esse fenômeno no começo do século XX. Com
base em sua visão, é possível entender o imperialismo em função de
quatro movimentos: formação das corporações, fusão de negócios
industriais com bancos, exportação de capitais e partilha do mundo.
Cada um desses movimentos será detalhado a seguir.
Formação das corporações
O desenvolvimento do capitalismo cria empresas cada vez maiores, que absorvem as menores. Com isso, existe cada vez menos concorrência no mercado, que fica mais monopolizado.
144
História – Unidade 4
Atividade 2 A corporação
1. Pesquise o rótulo de diversos produtos em um mercado, observando quem os fabrica. Tente encontrar marcas diferentes, mas
que sejam produzidas pela mesma empresa. Em seu caderno, faça
o registro de suas descobertas.
2. Apresente os resultados de sua pesquisa para a turma.
Fusão de negócios industriais com bancos
Nessa situação, os negócios não apenas se concentram, mas também se misturam. Por exemplo: um banco pode também possuir
terras, grandes indústrias podem se associar a bancos, e assim por
diante. Além disso, o capital industrial e o capital bancário se misturam, dando origem ao que se chama de capital financeiro.
Exportação de capitais
Quando os países de origem de grandes empresas ficam pequenos
para os negócios gigantescos que elas realizam, essas empresas precisam ampliar seus mercados. Assim, procuram oportunidades nos
países vizinhos e, também, em outros continentes. Essa é a origem da
empresa multinacional (multinacional = opera em vários países), que
surgiu no final do século XIX.
E essas empresas não precisam apenas de mercados, mas também de matérias-primas em grande escala. Por esse motivo, no final
do século XIX, muitos países se especializaram na produção de alguns
gêneros para exportação, como o café no Brasil, o trigo e a carne na
Argentina, o cobre no Chile etc. Começou a se desenhar uma divisão
internacional da produção, de acordo com a qual alguns países exportam produtos industrializados, e outros, matérias-primas.
Muitos dos negócios multinacionais precisam passar pelo controle
do Estado. Nesse caso, existem duas modalidades principais. O capital internacional pode:
•
obter uma concessão (licença) para operar um serviço ou explorar
uma área. Por exemplo: iluminar uma cidade e cobrar tarifa ou
explorar petróleo;
•
emprestar dinheiro ao Estado, que deverá pagá-lo, posteriormente, com juros. Essa prática está na origem da dívida externa.
145
História – Unidade 4
Fica a dica
Assista ao filme
A corporação (The
corporation, direção
de Mark Achbar,
Jennifer Abbott e Joel
Bakan, 2003). É um
documentário que
aborda a influência e
o poder das grandes
empresas, desde suas
origens até as atividades
exercidas por elas
atualmente.
Atividade 3 Multinacional
1. Traga para a sala de aula uma revista que tenha propagandas e
siga as orientações a seguir.
a) Anote algumas marcas de produtos anunciados na revista.
b) De quais países estas marcas vêm? Veja se seus colegas sabem.
Você também pode utilizar a internet para pesquisar.
2. Agora, discuta com os colegas e o professor: A que conclusões
vocês podem chegar com esta atividade? Registre-as.
Partilha do mundo
A chegada do capitalismo a outros países nem sempre aconteceu
pacificamente. Quando encontravam resistência, muitas vezes os países capitalistas adotaram a “diplomacia dos canhões” para abrirem
portas para seus negócios. Por esse motivo, a Inglaterra, que era a
grande potência mundial no século XIX (como os Estados Unidos são
hoje), envolveu-se em conflitos em todos os continentes.
Assim, a expansão do capitalismo pelo mundo deu início a uma
nova colonização, baseada em relações capitalistas, popularmente
chamada de “imperialismo”. Diferentemente do que ocorreu no
tempo das navegações, a colonização do século XIX foi motivada
pelo capitalismo: seu interesse fundamental era ampliar negócios
capitalistas. Por esse motivo, conquistar uma colônia não significava
146
História – Unidade 4
povoá-la. Ingleses e franceses, entre outros, estabeleciam as instituições necessárias para a dominação, que geralmente combinavam
governo, exército e negócios.
Você sabia que, no
século XIX, os ingleses
provocaram uma guerra
para abrir mercado para
uma droga?
Em alguns lugares, como na América Latina, a presença dos
negócios internacionais (principalmente ingleses) não exigiu dominação colonial. No entanto, em outras partes do mundo, o caminho
foi aberto com canhões. Como você estudará mais sobre a América
Latina em outro Caderno, aqui você verá um pouco como essa história aconteceu na Ásia e na África.
Na China, a penetração
das potências ocidentais
implicou muitos
conflitos. O mais famoso
ficou conhecido como a
Guerra do Ópio (1841).
O ópio é uma droga feita
com base em algumas
espécies da papoula,
que provoca euforia,
seguida de letargia física
e mental. Os ingleses,
que produziam ópio
em grande quantidade
na Índia, forçaram a
legalização da droga
na China.
O Ocidente na Ásia
A dominação das nações europeias espalhou-se pela Ásia.
A região da Índia, onde os portugueses tiveram feitorias no passado,
foi colonizada pela Inglaterra. Na realidade, a Índia era uma colcha
de retalhos composta de diferentes reinos, línguas e etnias. Para estabelecer sua dominação, os ingleses souberam explorar a rivalidade
entre os diferentes reinos, assim como as tensões entre diferentes grupos sociais.
© Alamy/Other Images
Os ingleses tiveram forte presença na Índia desde o século XVIII.
Esse fato causou diversas revoltas entre os indianos. A principal delas
foi a Guerra dos Cipaios (soldados indianos), em 1857. Os rebeldes
foram sufocados em 1859, e a Índia passou a ser administrada diretamente pelos ingleses.
Em 1839, após as
autoridades chinesas
jogarem 20 mil caixas de
ópio ao mar, a Inglaterra
exigiu indenização. Como
a China não aceitou,
os ingleses declararam
guerra. Derrotada, a
China assinou o Tratado
de Nanquim, abrindo
seus portos ao livre
comércio e entregando
a ilha de Hong Kong à
Inglaterra. O vício do
ópio difundiu-se entre os
chineses, e Hong Kong
só foi devolvida à China
em 1997.
Indianos carregando um palanquim em 1922.
147
História – Unidade 4
A divisão da África
Em 1884, 14 países europeus, além dos Estados Unidos e da Rússia, reuniram-se na cidade alemã de Berlim. Eles pretendiam entrar
em acordo sobre uma “partilha da África” entre os países presentes.
E foi isso mesmo o que aconteceu.
A partilha obedeceu à relação de forças entre os países na época:
Inglaterra e França ficaram com a maior área. A Alemanha, que
estava em ascensão econômica e militar, também foi contemplada
com diversas colônias. Países menores não receberam territórios. Portugal foi uma exceção, pois estava na África desde o tempo das navegações, no século XVI – e sua presença era favorecida em territórios
a respeito dos quais ingleses e franceses não entravam em um acordo.
Veja como ficou o mapa da África depois da Conferência de Berlim:
COLÔNIAS AFRICANAS, 1914
part justice
1914
Estados independentes
Possessões:
portuguesas
Império Otomano
Fontes: F. W. Putzger, Historischer Weltatlas, Berlin, Cornelsen, 1995;
J. Sellier, Atlas des peuples d’Afrique, Paris, La Découverte, 2011.
D’après Afrique contemporaine, 235, 2010.
Ateliê de Cartografia da Sciences Po, 2012
alemãs
belgas
britânicas (domínios,
colônias e protetorados)
espanholas
francesas (departamento
argelino, colônias e protetorados)
italianas
ATELIER de Cartographie de Siences Po. Tradução: Benjamin Potet.
148
História – Unidade 4
Observando o mapa africano, é possível notar que diversas fronteiras são linhas retas: isso significa que elas não seguem nenhum
marco natural, como um rio ou uma montanha, como é comum
acontecer. Trata-se de um sinal de que as fronteiras foram desenhadas com réguas e esquadros, baseando-se em acordos políticos.
© IBGE
África: político
Fonte: IBGE. Atlas geográfico escolar. 5. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2009, p. 45 (adaptado; inclusão da escala
cartográfica e da orientação do norte geográfico).
149
História – Unidade 4
Fica a dica
Em segundo lugar, a colonização da África fomentou o racismo:
muitos colonizadores justificaram sua empreitada com ideias de
superioridade racial. Hoje se sabe que essa questão não se coloca,
mas, naquela época, houve quem procurasse dar validade científica
a essas teses. Para a maioria dos europeus do final do século XIX, a
“superioridade da raça branca” era uma verdade indiscutível. Apesar de essas ideias já terem sido contestadas há muito tempo, esse
mito ainda traz consequências nefastas para o mundo atual. Um
exemplo disso é o racismo de uma forma geral e a xenofobia (aversão a estrangeiros), presente principalmente nos EUA e nos países
da Europa.
© Bettmann/Corbis/Latinstock
O filme Hotel Ruanda
(Hotel Rwanda, direção
de Terry George, 2004)
narra a história real de
um gerente de hotel
que abriga perseguidos
durante a guerra civil
de Ruanda, em 1994,
entre tútsis e hutus.
É um retrato dos
horrores causados pela
guerra em um país e,
principalmente, nas
pessoas. Vale a pena
assisti-lo!
A partilha da África trouxe diversas consequências para os povos
desse continente. Em primeiro lugar, essa divisão não respeitou a história nem os vínculos étnicos e familiares dos habitantes locais. Como
resultado, muitas etnias ficaram divididas em vários países. O contrário também aconteceu: etnias inimigas foram reunidas em uma mesma
nação. Essa situação está na raiz de muitos conflitos étnicos que se
estendem no continente até os dias de hoje.
Soldados ingleses junto à esfinge no Egito (c. 1870-1899)
150
História – Unidade 4
Atividade 4 Colonialismo e ideologia
1. Cecil Rhodes (1853-1902) foi um dos mais conhecidos agentes do
colonialismo inglês no final do século XIX. Seus negócios no sul
da África adquiriram tamanha proporção, que deram seu nome
a um país da região: a Rodésia, cujo nome foi mudado em 1980
para Zimbábue.
Leia atentamente o texto a seguir, escrito por Rhodes, para poder
responder às questões.
O mundo já está totalmente loteado, e o pedaço que sobrou está sendo dividido, conquistado e colonizado [...]. Eu conquistaria os planetas, se pudesse, sempre penso nisso. Entristece-me vê-los tão claros e ainda tão distantes.
Rhodes, Cecil. Apud HUBERMAN, Leo. Man’s Worldly Goods: the story of the wealth of nations.
The Leo Huberman People’s Library. p. 268. Tradução: Eloisa Pires.
a) O que você compreendeu em relação aos argumentos de Cecil
Rhodes?
b) Qual sua opinião sobre o raciocínio de Rhodes?
2. Discuta suas respostas com os colegas e o professor. Registre suas
conclusões.
151
História – Unidade 4
Você estudou
Você viu, nesta Unidade, que a palavra “imperialismo” pode
significar dois fenômenos relacionados, mas que não representam a mesma coisa: a dominação de uma nação sobre outra ou
uma fase do capitalismo.
No segundo sentido, imperialismo é a etapa do capitalismo
em que a concorrência deu lugar ao monopólio. Embora continuasse existindo a concorrência, os negócios ficaram cada vez
mais concentrados. Indústrias e bancos fundiram-se em grandes
grupos econômicos. Impulsionado a crescer, o capitalismo se
expandiu para outros países.
Por fim, você estudou que essa expansão das potências capitalistas atingiu todos os continentes. Em alguns lugares, sua penetração envolveu uma nova modalidade de colonização, como
na África e em regiões da Ásia. Em outros, como na América
Latina, a dominação direta não foi necessária, pois mecanismos
econômicos garantiram a realização dos negócios internacionais
sem ameaçar a independência formal dos países.
Pense sobre
Na sua opinião, o que ocorreu quando o mundo, dividido em
áreas de influência pelas potências capitalistas, se deparou com grupos insatisfeitos com essa divisão?
152
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