Viver “intensamente”: agitação ou percepção? Walter S. Barbosa1 Assinado por Airton L. Mendonça, o texto intitulado “A mente apaga registros duplicados” sugere que se deve viver intensamente, desfazendo rotinas ou fazendo de maneira diferente as mesmas coisas, para que a sensação de vazio não nos sufoque. Segundo o autor, das experiências repetidas só fica o registro da primeira vez, aquela que nos faz realmente “viver”. O resto é apagado pela memória, evitando trabalho inútil, daí recomendando-se a diversificação do que fazemos, de modo que a sensação de vida não morra lentamente sob as cinzas da monotonia. Ainda: “Um adulto médio tem entre 40 e 60 mil pensamentos por dia. Qualquer um ficaria louco se o cérebro tivesse que processar conscientemente tal quantidade. Por isso, a maior parte destes pensamentos é automatizada e não aparece no índice de eventos do dia e, portanto, quando você vive uma experiência pela primeira vez, ele dedica muitos recursos para compreender o que está acontecendo. É quando você se sente mais vivo”. É incontestável o fato de que nos sentimos mais “vivos” com as experiências novas. Considerando também que, depois de certa idade, dificilmente vivemos uma coisa pela “primeira vez”, a sensação de mesmice pode crescer com o número de anos vividos, daí resultando o ceticismo que aumenta com a quantidade de cabelos brancos. Torrentes de pensamentos, de fato, chegam-nos ao cérebro diariamente, justificando Eckhart Tolle classificar essa atividade como tortura ou vício do pensamento na obra “O poder do Agora”, desde que vício é tudo que escapa ao nosso controle. A corrente incessante dos pensamentos origina-se na atividade mental. Segundo a filosofia esotérica, “atividade” é um atributo da mente, em sua função de expor a maior quantidade possível de elementos ao painel da consciência. Quando essa atividade está corrompida, carregada de memórias, desejos e expectativas, poucos pensamentos se sobressaem, a maioria retornando ao turbilhão da inconsciência, mas prometendo voltar depois. “Nenhuma energia pode ser eliminada” diz Helena Blavatsky. O carimbo que a experiência nova recebe em função da memória, já na porta de entrada, faz com que ela envelheça instantaneamente, caindo na “duplicação” que a mente esconde sob o tapete. Porém, algumas continuam novas por mais tempo. Por quê? A resposta pode estar no baú dos desejos insatisfeitos, das expectativas não resolvidas. Emoções e pensamentos são manipulações de energias, da mais ínfima criação até o pulsar das estrelas. Quando um desejo está prestes a realizar-se, um comboio de emoções é acionado, remexendo energias velhas ou novas no caldeirão de nosso corpo. Então nos sentimos vivos, por algum tempo. Daí perguntar-se: as pessoas habitualmente serenas estariam mortas? A santidade, que leva ao controle e mesmo extinção dos desejos, seria uma proposta de redução da vida? O relato de tais indivíduos mostra o contrário. Em seus “yogasutras”, Patânjali diz que a sensação de existir aumenta à proporção que a consciência se alarga na direção da totalidade do Ser. Com isso, extingue-se em nós a dependência do passado, além da sensação de isolamento e a carência resultante. Sábios têm afirmado que o bem supremo é a paz. Ao conquistá-la, “A sua paz será tão grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse existido”, diz Tolle. Assim, a agitação que buscamos - pensando viver mais - é justo o que nos mata em espírito. A sensação de rotina ou cansaço não é falta de variação na atividade, mas sim fome de paz, de percepção do agora onde tudo se renova eternamente. 1 Membro da Sociedade Teosófica e da Universidade Livre para a Consciência.