O Princípio da Não-Contradição Como Fundamento para o

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ARTIGOS
O princípio da não contradição como fundamento para o pensamento do
eterno retorno nas filosofias de Platão, Aristóteles e Nietzsche
José Eduardo Costa Silva∗
Resumo
Um estudo sobre o pensamento do Eterno Retorno, focalizando os pontos de contato
e confronto entre as concepções filosóficas de Platão, Aristóteles e Nietzsche, que
têm como ponto de partida a aplicação do princípio da não contradição.
Palavras-chave: Eterno Retorno, Platão, Aristóteles, Nietzsche, princípio da não
contradição.
Abstract
A study about the thought of Eternal Return, focusing the points of contact and
confrontation of the conceptions by Platão, Aristóteles and Nietzsche, who had
started from the no-contradiction principle application.
Keywords: Eternal Return, Platão, Aristóteles, Nietzsche, no-contradiction principle.
∗
Mestre em Música pela UNIRIO. Professor de Estética e Alaúde na UEMG.
[email protected]
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Introdução
A expressão “eterno retorno” indica a composição do que ora investigamos: de um lado, a
afirmação da existência de uma duração infinita; de outro, a afirmação da existência de algo que
retorna sempre nessa duração. Mas isso esbarra em uma dificuldade: o pensamento do eterno
retorno não é sistêmico. Não existe um texto da tradição filosófica ocidental que procure
demarcar seus fundamentos e argumentos correspondentes. Antes disso, ele ocorre, muitas vezes,
insinuado em fragmentos, dispersos como partes de um enigma. Duração infinita e eterno retorno
nessa duração são elementos que possuem certa generalidade, podendo ser incorporados a
sistemas filosóficos distintos, que, muitas vezes, não se comunicam.
Contudo, foi a partir da filosofia de Nietzsche que a expressão eterno retorno adquiriu
maior notoriedade, alcançando inclusive o âmbito do senso comum. Não porque Nietzsche tenha
exposto o pensamento do eterno retorno de forma clara. Pelo contrário, esse filósofo esforçou-se
em manter seu caráter enigmático, enunciando-o em textos que misturam filosofia, mito, poesia e
lógica predicativa. Nietzsche apresenta o eterno retorno como o ensinamento maior de Zaratustra:
aquele ensinamento que possibilita o advento de um novo homem.
No presente estudo, buscamos identificar os argumentos lógicos que sustentam o
pensamento do eterno retorno, analisando a dependência desses argumentos ao princípio da não
contradição. Para realizar esse objetivo, rastreamos tais argumentos no diálogo entre Platão,
Aristóteles e Nietzsche, que, como observa Heidegger, demarca os sentidos pelos quais a
metafísica desenvolveu-se historicamente. Desse diálogo, assinalamos possíveis pontos de
contato e confronto. Mas nos detivemos, sobretudo, em uma questão comum à metafísica desses
três filósofos, a saber: como conciliar ser e vir-a-ser?
A profundidade dessa questão pode ser intuída no cotidiano. Basta colocarmo-nos na
posição de um observador comum da natureza. O que vemos? As coisas transformando-se aos
nossos olhos. Nós mesmos, assimilando mudanças que creditamos ao passar do tempo. Mas, no
mesmo tempo, intuímos algo que permanece. Ou trata-se apenas de um mero desejo de afirmar a
permanência do existente? Enfim, a questão do ser e do vir-a-ser concerne diretamente ao
primeiro e mais radical esforço de desvendar os princípios que regem a vida. Nesse esforço, o
pensamento do eterno retorno constitui-se em um ponto de convergência entre a percepção do
sensível e elaboração do inteligível. Eis a tese que investigamos em nosso estudo. Detivemo-nos,
basicamente, na análise dos textos: Timeu de Platão, Física IV, de Aristóteles, Assim Falou
Zaratustra e textos de 1881-1888, originalmente escritos para compor a obra Vontade de Poder
de Nietzsche.
1- Platão e o eterno retorno do mesmo
1.1 - A exclusão do nada dos fenômenos de geração e corrupção e a determinação do telos
do pensamento
Geração é a realização das condições que instituem o ente na presença. Corrupção é a
degeneração dessas condições a ponto de impossibilitar a presença do ente. Geração e corrupção
são condições para que uma coisa institua-se como o que é ou como o que não é, na forma do
conceito. Geração e corrupção, por outro lado, são as formas do movimento que é dado
diretamente à percepção das transformações da efetividade do mundo sensível. Portanto, da
observação dos fenômenos da geração e corrupção, abre-se a possibilidade de pensar-se
distintamente o ser, como o permanente que imobiliza-se no conceito, e o vir-a-ser como objeto
móvel apreendido pelos sentidos.
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Todavia, esta possibilidade de se pensar distintamente ser e vir-a-ser configura-se
historicamente como um problema fundador de diversas correntes filosóficas, posto que ela
aponta para uma cisão do real. Afinal, em que plano o real situa-se? No plano do pensamento,
onde o dado sensível é operado como conceito? Ou o real situa-se na percepção imediata do
sensível? Efetivamente, existe uma tal percepção? Ou, por outro lado, o real situa-se numa
conjunção entre pensamento e percepção? Estas questões não foram estranhas aos pensadores
pré-socráticos, cujo pensamento repercutiu decisivamente nas filosofias de Platão, Aristóteles e
Nietzsche.
A leitura do Timeu apresenta imediatamente uma dificuldade: identificar os possíveis
interlocutores de Platão. Não obstante, é objeto de consenso que Platão acatou parte significativa
das especulações físicas e ontológicas de Parmênides, sobretudo, aquelas das quais derivam a
possibilidade de pensar-se a unidade e imobilidade do ser (1). Por isso, ao nos aproximarmos do
Timeu, indagamos como o enunciado tautológico de Parmênides: “O que é, é; o que não é, não
é!” repercute nessa obra, e, também, na metafísica como um todo.
A interpretação corrente da primeira parte do enunciado - “o que é, é”- conduz à
formulação do ser como o “mesmo”, ou seja, como o que é idêntico a si mesmo. Em
contrapartida, a interpretação da segunda parte - “o que não é, não é” - conduz à formulação
negativa do ser, isto é: o “não-ser.” Por exemplo, o quente (fogo) opõe-se ao seu contrário, o frio
(terra). O claro opõe-se ao escuro etc. Esta interpretação do ser repercute na metafísica desde sua
origem como o “princípio da não contradição”, que prescreve: “é impossível que uma coisa seja e
não seja ela mesma ao mesmo tempo e na mesma relação.” (2). Destarte, ela abre a perspectiva
de se pensar que a diversidade e o próprio movimento ontológico são uma ilusão provocada pela
eclosão dos contrários, como postulam, sobretudo, Parmênides e Platão (3).
Por sua vez, o princípio da não contradição conduz à formulação da oposição primordial
entre ser, que supõe reter o significado da totalidade absoluta do existente, e o nada, que aponta
para a impossibilidade absoluta de qualquer existente. Ora, como algo pode ser gerado do não-ser
absoluto, ou seja, do nada? Esta questão é fundamental para compreendermos a exclusão do nada
do âmbito em que efetivamente ocorrem a geração e a corrupção, ou seja, do âmbito do sensível,
posto que a inferência do nada não possui um lastro positivo com o empírico. Ninguém jamais
viu o nada. O nada é concebido, pois, em um plano exclusivo da realidade cindida, qual seja: no
plano do pensamento.
Uma primeira consequência desta concepção, que dissocia nada e fenômenos de geração e
corrupção, é a necessidade de delimitar-se um campo para as especulações cosmológicas. Essa
necessidade impõe uma escolha: ou parte-se da perspectiva de que a efetividade do sensível é
produto de uma criação, ou mesmo de um impulso gerador; ou acata-se a perspectiva de que a
efetividade do sensível sempre esteve aí. Em outros termos, a concepção que dissocia nada e
fenômenos de geração e corrupção impõe o caráter das especulações cosmológicas, caráter que
pode ser teológico, teleológico ou empírico.
Seja qual for a perspectiva de abordagem para a elaboração dos sistemas cosmológicos,
falamos especificamente das adotadas por Platão, Aristóteles e Nietzsche; seja essa abordagem de
caráter teológico, teleológico ou puramente empírico, ela está previamente enraizada no princípio
lógico da não contradição, que estipula a impossibilidade, em um mesmo plano de relação
temporal e espacial, da convivência efetiva entre ser e não-ser, cuja expressão mais radical é a
positivação do ser, por um lado, e a negativização do nada, por outro.
De acordo com a cosmologia de Platão, o Demiurgo cria e organiza a totalidade cósmica.
A ação do Demiurgo é guiada pela finalidade da Ideia (eidos) que, em primeira instância, quer
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alcançar o bem supremo de existir, ou em outros termos, contrapor-se ao horizonte negativo do
ser. Por conseguinte, a cosmologia de Platão é marcada por um forte caráter teológico, expresso
na ação do Demiurgo, e também teleológico, posto que a ação do Demiurgo consiste basicamente
em elaborar, no plano sensível, o que está prescrito no plano do inteligível, que corresponde ao
plano do ser propriamente. Logo, o inteligível é concebido como causa do sensível, o que
significa: “o mesmo” é causa do “outro”; ou ainda, o ser é causa do vir-a-ser (PLATÃO, 1950).
Todavia, subsiste na cosmologia de Platão uma questão incômoda. Supõe-se, por um lado,
o plano do inteligível, cuja necessidade da existência decorre da expressão de seu horizonte
negativo; afirma-se, por outro, o plano do sensível, inicialmente matéria caótica e sem forma
(Hylé), a ser submetida à ação organizadora do Demiurgo, pelo mesmo motivo: o mundo material
não pode advir do nada. Supõe-se, por fim, o Demiurgo, que opera a conexão entre o ser e o vira-ser. Ora, se é o Demiurgo quem inaugura a ordem do sensível, por meio de sua ação mediadora,
há de se perguntar: quem criou o Demiurgo? Esta questão pode ser reformulada em outra: como o
imaterial age no material? Ou de outro modo: como inicia-se o processo da geração e de sua
subsequente corrupção?
Diante dessas questões, Platão reafirma o princípio da não contradição, fazendo-o valer-se
na forma da “argumentação pela verossimilhança”. Isto significa, no âmbito de sua filosofia,
admitir que se a causa atesta a existência do efeito, a recíproca é verdadeira: o efeito atesta a
existência da causa. Dentro desse raciocínio, podemos dizer, por exemplo: o Demiurgo existe
posto que sua obra existe. Evidentemente, não trata-se aqui de “provar” a existência de um deus,
mas, antes disso, nomear algo que necessariamente deva situar-se entre a causa e o efeito, posto
que ambos existem em planos distintos. Uma causa para ser causa de algo, isto é, uma causa para
ser em si mesma como o é, deverá ter um efeito correspondente e vice-versa. Pouco importa se
quem operou a mediação foi um deus ou uma força qualquer, desde que o horizonte negativo do
ser esteja excluído do fenômeno (4).
É assim que Platão estipula uma relação de necessidade entre o inteligível, que é
alcançado pelo pensamento, e o sensível, que se oferece à percepção: afirmando a necessidade de
um mediador entre dois planos ontologicamente distintos (5). Entendemos que esta operação
cognitiva, que estipula um movimento necessário do ser para o ser, expressa o telos circular do
próprio pensamento em questão. Se há a necessidade de se ir e voltar para um mesmo ponto, é
justo supor que tal é feito por um movimento circular. Decorre que o fenômeno, que se constitui
como matéria do próprio pensamento, há de estar conformado ao seu movimento, sendo
interpretado como algo que efetivamente deve descrever um movimento circular (6).
Em uma palavra, entendemos que há na estrutura do pensamento de Platão uma “prédisposição” a conformar o fenômeno ao seu movimento. Assim, a análise da geração e da
corrupção deve ser capaz de elucidar o círculo que envolve a manifestação desses fenômenos,
que, segundo Platão, é um círculo que abrange os planos do inteligível e do sensível: uma ideia
una e imóvel realiza-se como sensível, ou seja, realiza-se na mobilidade do vir-a-ser, deteriora e
retorna à condição originária de ideia. Tal “pré-disposição”, reiteramos, deriva da forma como
pensamento e fenômeno estão intimamente imbricados, o que confirma a tese de que a doutrina
do eterno retorno é um ponto de convergência do real, que articula os planos do pensamento e da
percepção (7).
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1.2 - A exclusão do nada dos fenômenos de geração e corrupção: a limitação da matéria e a
circularidade do movimento ontológico no tempo
Uma segunda consequência do princípio que dissocia nada e fenômenos da geração e
corrupção é o postulado de que a matéria constitui uma totalidade finita e limitada. A inferência
lógica da existência necessária do nada, como negativo absoluto do ser, assim como o princípio
de que o existente e o nada não se comunicam, levam Platão a concluir que a totalidade cósmica e
o nada determinam-se, reciprocamente, como limites um do outro. Portanto, a matéria que
constitui a totalidade cósmica é limitada. Conquanto isso ocorra, funda-se a noção de que o
cosmos é um organismo auto-sustentado, que produz os seus alimentos a partir da geração e
corrupção. Como salienta Platão, “dele nada sai ou entra”, pois o que está fora dele é o nada (8).
Entretanto, a relação entre geração e corrupção não produz uma lógica de sustentação do
cosmos exclusivamente mecânica. O ente que foi corrompido, ou seja, degenerado, é novamente
gerado por intermédio da transmigração da alma imortal, que cumpre um movimento de retorno à
Ideia, para novamente encarnar-se na matéria amorfa, dando origem a um novo processo de
geração. Assim, a Ideia constantemente realimenta o mundo físico, retornando indiretamente,
sempre em busca de sua realização mais perfeita, que é justamente o seu telos. Eis o que
prescreve a doutrina da transmigração das almas, ou do eterno retorno platônico: o que retorna
sempre, em busca de sua própria perfeição, é o ser concebido como Ideia. O que retorna, então, é
o “mesmo”, ao qual só o pensamento tem acesso, na forma do análogo, que é: o “outro”, ou
ainda: o sensível (9).
A inferência da natureza do movimento de retorno do “mesmo” acompanha o telos do
pensamento, posto que aqui já está claro que o que retorna é o próprio pensamento, do qual
depende o análogo. Logo, Platão conclui que um tal movimento só pode ser circular, tendo em
conta que esse movimento é o que melhor coaduna-se à dinâmica de auto-sustentação do análogo,
ou seja, do “outro” (10). Pelo mesmo motivo, Platão infere que a forma do cosmos é esférica.
Além de ser uma forma que é geometricamente perfeita, é a que melhor coaduna-se ao
movimento circular do “mesmo” e do “outro.” (11).
Até aqui, vimos como Platão infere da aplicação do princípio da não contrariedade, dois
dos elementos que estruturam o pensamento do eterno retorno: 1º) o telos circular do próprio
pensamento; 2º) o objeto que retorna, a saber,o “mesmo”, ao qual só o pensamento tende a
alcançar. Referimo-nos agora ao terceiro elemento, que é: o tempo na eternidade da relação entre
o ser e o vir-a-ser.
Platão postula que o ser é eterno, posto que, sendo ele da ordem do inteligível, não está
sujeito aos processos de geração e corrupção. O ser é Ideia: “o mesmo” que constitui-se como
paradigma do análogo móvel. Por outro lado, Platão postula que a matéria moldada pelo
Demiurgo para a constituição do sensível também é eterna, do contrário, sofreria o processo de
corrupção absoluta que a levaria ao nada. Sendo a matéria que constitui o cosmos eterna, também
o cosmos o é em sua auto-sustentação. Por conseguinte, os entes que promovem a mediação entre
o inteligível e o sensível, que são o Demiurgo e a alma, também são eternos, posto que eles
mediam duas coisas eternas. Assim, a eternidade, ou o “eterno” do pensamento do eterno retorno
também são inferidos, mesmo que em parte, da aplicação do princípio da não contrariedade, que
dissocia o nada dos fenômenos de geração e corrupção (12).
O que não é eterno são as formas móveis de realização sensível da Ideia, isto é, os entes
individuados no vir-a-ser, que têm, todavia, lugar na eternidade do ser. Os entes individuados no
vir-a-ser, estes sim, estão submetidos aos processos de geração e corrupção, para que retornem à
Ideia, cumprindo a finalidade do Bem, que é existir. O tempo, por sua vez, é o que assinala,
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segundo o número, os movimentos de geração e corrupção. Portanto, Platão difere tempo de
eternidade: tempo é apenas a medida dos processos de geração e corrupção que pertencem ao
mundo sensível. Este é cópia eterna do mundo inteligível, porém, no seu interior reside o móvel,
que está contido na imobilidade do ser (13).
2 - Aristóteles e o eterno retorno da causa na ordem
2.1 - A exclusão do nada dos fenômenos de geração e corrupção e a determinação do telos
do pensamento
Também Aristóteles acata o princípio da não contradição. Porém, ele recorre a esse
princípio com a perspectiva de garantir o uso que julga mais correto da noção ontológica de
identidade. Segundo Aristóteles, não é uma relação de alteridade radical entre contrários que
determina o que é o ser, mas aquilo que, na estrutura do próprio ente, o torna em si mesmo. Por
isso, Aristóteles exclui aquela necessidade platônica de contrapor, em planos distintos, o
inteligível e o sensível. Não existe uma negatividade absoluta entre um e outro: pensamento e
fenômeno, ou de modo consequente, ser e vir-a-ser, convergem para uma unidade originária.
Aqui, anota-se uma diferença fundamental entre os sistemas platônico e aristotélico: se para
Platão o inteligível é o paradigma imóvel daquilo que realiza-se imperfeitamente na mobilidade
do sensível, para Aristóteles, o sensível é condição para a inferência do inteligível.
A relação que Aristóteles estabelece entre sensível e inteligível é esclarecida em sua
“doutrina das quatro causas” (14). Em linhas gerais, Aristóteles identifica duas causas que são
intrínsecas ao ser, as causas material e formal, e duas causas que são extrínsecas ao ser, a
eficiente e a final. A causa material é o sujeito permanente, do qual parte o movimento. A causa
formal é o termo de chegada, que estabelece um novo estado de perfeição. A causa eficiente
(energéia) é aquela que leva a causa material à causa formal. E a causa final é a que orienta o
objetivo final do movimento ontológico, ou seja, é o princípio imanente da matéria (physis).
A dinâmica concernente às quatro causas expressa-se, por sua vez, na divisão do ente em
ato e potência: o ente existe efetivamente em ato (forma) e potência (essência material que foi
determinada pelo ato). A potência é a capacidade real para o que se determina na forma do ente, é
o puro possível que convive com o ato e não cessa no ato. O movimento ontológico, por sua vez,
é a prova da existência do ente em ato e potência, existência que é concreta e singular.
Logo, Aristóteles postula que a causa é o princípio do ser, isto é: de onde ele procede
como unidade entre o sensível e o inteligível. Enquanto os sentidos, com a mediação da alma,
observam as causas, a inteligência entende as causas, estatuindo tal entendimento da observação
do ente (15). O ser é justamente a parte imutável, a essência que, no plano inteligível, deve
converter-se em conceito universal e necessário. Por outro lado, a forma é a parte mutável do ser,
isto é: o vir-a-ser. Deste modo, Aristóteles concilia ser e vir-a-ser na estrutura do ente, de onde
provém a máxima: “o ser se diz de muitas maneiras.”
A “doutrina das quatro causas” revela o caráter teleológico da cosmologia e da ontologia
aristotélica. Tal caráter reside na noção de potência, qual seja: a matéria possui um conjunto de
possibilidades formais a serem atualizadas. Todavia, a definição do caráter teológico da
cosmologia e da ontologia aristotélica está relacionada à aceitação, por parte de Aristóteles, do
princípio de que a busca pelo racional não seja indefinida (16). Segundo Aristóteles, é necessário
encontrar um “primeiro princípio”, não demonstrável, que fundamente todos os outros (17). Este
princípio é a “causa primeira”, o “primeiro motor” ou “Deus”, segundo às formas de
interpretação e repercussão do aristotelismo (18). Considerando-se a íntima relação que
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Aristóteles estabelece entre o sensível e o inteligível, é evidente que aqui ele vincula o limite da
razão ao limite da observação do mundo sensível: o que primariamente está gerado não poderia
ter vindo do nada.
Portanto, Aristóteles, à semelhança de Platão, dissocia a possibilidade do nada dos
fenômenos da geração e corrupção (19). A “causa primeira”, assim como o Demiurgo platônico,
assinala justamente o limite que marca a cisão necessária entre o ser e o nada. Logo, há também
no pensamento de Aristóteles aquela “pré-disposição” que encontramos no pensamento de Platão:
de ler o cosmos segundo sua própria estrutura, pressupondo para ele uma ordem circular. Para o
plano da percepção, esta ordem mostra-se no movimento contínuo, que parte do primeiro
principio para a realização da totalidade de possibilidades ontológicas da matéria, que para
expressar-se como ser, realiza a totalidade de suas formas. Porém, ela não pode chegar ao nada e,
no limite do nada, ela revela sua causa primeira: o ser tem que ser. Tal leitura, por sua vez, só se
faz a partir da aplicação do princípio da não contrariedade. Portanto, uma vez mais, o pensamento
do eterno retorno realiza a tarefa de convergir o real para o plano de uma articulação entre o
sensível e o inteligível (20).
2.2 - Delimitação da matéria e da causa: produção da circularidade do movimento e do
tempo
Na introdução do Livro IV da Física de Aristóteles, Henri Cartéron chama a atenção para
a dificuldade de pensar-se genericamente a questão do espaço quando o termo que está colocado
é “lugar”. A aplicação desse termo já delimita o horizonte de investigação do que comumente
chamamos espaço: trata-se, na concepção de Aristóteles, de algo que está necessariamente
relacionado à matéria (physis) (ARISTÓTELES, 1931). Aplicando o princípio da não
contradição, Aristóteles chega por dedução ao conceito de lugar, conforme os seguintes passos:
1) o lugar não é forma, posto que ele coincide com o limite da forma; 2) o lugar não é intervalo,
se assim o fosse, nos movimentos de transformação das coisas, multiplicar-se-iam os lugares ao
infinito; 3) o lugar não é matéria, pois a matéria não é separada das coisas, nem envoltório; 4) o
lugar, considerado como o interior, é imóvel, tal o que pode ser visto no interior de um recipiente.
Portanto, o lugar é o limite imóvel e imediato do envolvido; ele “é” com a coisa. Ele é uma
determinação recebida pela matéria; não a matéria em si. Ele é determinação dos corpos; não uma
realidade absoluta.
Em seguida, ao observar que os corpos leves tendem a subir e os pesados tendem a descer,
Aristóteles infere que o movimento da totalidade cósmica é circular, acompanhando, por
conseguinte, o postulado de Parmênides e Platão, de que o céu é o envoltório de tudo. Em
resumo, segundo Aristóteles, o cosmos é uma esfera de matéria contínua e giratória: um enorme
organismo auto-suficiente que funciona segundo a potência da matéria que o compõe
(ARISTÓTELES, 1931, 211-b /212-a).
Aristóteles preocupa-se particularmente em responder se o vazio físico existe ou não.
Aventamos que sua preocupação decorre do fato de ele querer averiguar algo que já havia
inferido na esfera do inteligível: a impossibilidade da existência do nada (não-ser absoluto) na
ordem dos fenômenos de geração e corrupção. O conceito de vazio físico, concebido como a
ausência do sensível, coincide com o conceito de nada, concebido como negação absoluta do ser.
É preciso não perder de vista que Aristóteles substancializa o ser ao defini-lo como par matériaforma, que se expressa no plano do inteligível como categoria de substância. Por isso, Aristóteles
averigua criticamente os argumentos, correntes em sua época, favoráveis à concepção de que o
vazio existe na ordem cósmica (21). Pontuamos aqui, em linhas gerais, suas teses contrahttp://www.uva.br/trivium/edicao1/artigos/12-o-principio-da-nao-contradiçao-como-fundamento-para-opensamento-do-eterno-retorno-nas-filosofias.pdf
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argumentativas, que levam à conclusão da inexistência do vazio: 1) se o vazio é ausência do
sensível, ele não possui corporeidade e nenhum outro tipo de relação com a matéria. Sendo a
matéria, por sua vez, condição para a inferência do espaço, conclui-se, como o terceiro de um
silogismo, que vazio e espaço não possuem relação; 2) o vazio não pode ser causa do movimento,
pois, não possuindo corporeidade, um corpo nele lançado tende ao infinito; 3) o vazio não pode
ser relacionado ao denso e ao rarefeito, pois, não possuindo matéria, ele não irá afastar ou
aproximar os corpos; 4) o vazio não pode existir em si mesmo e em separado, posto que, não
possuindo matéria, ele não pode ser inferido de uma relação proporcional com os corpos, como,
por exemplo, quando um cubo é imerso na água e desloca uma quantidade proporcional de água
(ARISTÓTELES, 1931, 215-a /217-a).
Fica claro, portanto, a unidade que Aristóteles postula existir entre o inteligível e o
sensível: a impossibilidade de comunicação entre o ser e o seu negativo absoluto, isto é, o nada,
que é inferida no plano do inteligível, está devidamente respaldada pela observação física, da
qual conclui-se a impossibilidade de comunicação entre a ordem material e a ausência do
material. Destarte, esse paralelo entre os dois planos, ou seja, entre o inteligível e o sensível,
permite a Aristóteles postular que a ordem cósmica possui inteligibilidade em si, o que corrobora
sua doutrina das quatro causas. No conjunto desse raciocínio, a matéria é compreendida como
algo limitado, uma vez que não se comunica com o imaterial, devendo, então, estabelecer-se
como objeto do eterno retorno. Mas o que retorna é propriamente a causa que provoca o
movimento da matéria, posto que a matéria, compreendida como horizonte positivo do nada,
sempre está na dimensão temporal da presença.
As especulações de Aristóteles sobre o tempo têm como ponto de partida a aceitação de
que esse fenômeno possui natureza obscura: o presente, condição primordial do ser
substancializado, fundamenta-se sobre dois não-seres, o passado e o futuro. Todavia, se
chamamos o presente de instante, devemos admitir que ele, compreendido como um limite entre
o passado e o futuro, se destrói constantemente. Por isso, também o instante, que assinala a
presença de algo, não pode ser parte do tempo. Diante dessas dificuldades de se determinar a
natureza do tempo, Aristóteles busca compreendê-lo em sua relação com o movimento,
justamente onde ele é percebido (ARISTÓTELES, 1931, 218-a -b).
Segundo Aristóteles, o tempo não existe sem movimento. Essencialmente, ele é elemento
do movimento, porque só é percebido no movimento e vice-versa. O tempo, percebido como o
instante, assinala a existência do movimento contínuo, delimitando o que no movimento é
anterior e posterior. Então, o tempo é o número do movimento, conforme o anterior e o posterior.
E por isso é ele que nos dá a noção da quantidade do movimento. E a medida do tempo, por sua
vez, é o próprio instante. Sendo assim, o instante será sempre o mesmo, pois ele meramente
assinala o que é anterior e posterior ao movimento. Em contrapartida, o instante é variável, posto
que assinala o que foi transformado no movimento. Em resumo, o instante, que identificamos
como presente, é um acidente que permite quantificar o tempo. O tempo é, portanto, o número do
movimento segundo o anterior e o posterior, e é o contínuo dos instantes (ARISTÓTELES, 1931,
219-a / 220-a).
Em relação ao movimento, existe um menor tempo, justamente aquele que situa-se entre o
anterior e o posterior. Todavia, não existe efetivamente um tempo qualitativo, que numere o
rápido e o lento, por exemplo; o tempo, concebido como instante, é simultaneamente o mesmo
em toda parte. Mas, como marca do anterior e do posterior, ele não é o mesmo. Por isso, tempo e
movimento são medidos reciprocamente: o movimento se faz no tempo que lhe fornece sua
medida; e as coisas que existem como movimento só existem no tempo (22). Por outro lado, ao
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inferir que o movimento é infinito, posto que assinala o trânsito contínuo da geração e corrupção,
Aristóteles infere também que o tempo é infinito, dada a sua relação íntima e necessária com o
movimento. O caráter infinito do tempo é o que é apreendido no instante, qual seja, o que
assinala o movimento circular da geração e corrupção. Logo, o tempo circular é o que melhor
coaduna-se à continuidade e periodicidade do movimento, que, por sua vez, ressurge sempre
segundo a finalidade causal da matéria.
3 - Nietzsche e o eterno retorno das condições para a ação da vontade de poder no caos
3.1- A exclusão do nada dos fenômenos de geração e corrupção e a determinação do telos do
pensamento
Nietzsche considera que as formulações cosmológicas e ontológicas de Parmênides não
correspondem à sensibilidade (23). Sua crítica a Parmênides estende-se, em maior ou menor grau,
a todos os pensadores metafísicos, e tem como fundamento uma desconfiança em relação à
linguagem, de que a relação entre sensível e inteligível que nela se opera é mero produto de um
sentimento de impotência em relação à vida e ao seu horizonte negativo: a morte. Em outros
termos, o conhecimento que aparentemente transcende a percepção é um consolo que permite-nos
relacionar com o niilismo (24). Nietzsche reduz a linguagem a mero símbolo, incapaz de traduzir
a totalidade dos efeitos que a efetividade do sensível provocam em nós mesmos e vice-versa.
Destarte, Nietzsche refuta os conceitos que alicerçam a metafísica, sobretudo o mais fundamental
deles: o conceito de ser como imóvel. Segundo Nietzsche, esse conceito é um artifício da
linguagem, prova de sua incapacidade de reter a totalidade do vir-a-ser. Por meio dele, reduz-se o
móvel ao imóvel, o plural ao singular, o diverso ao universal. Em resumo, Nietzsche propõe
pensar a efetividade do sensível a partir dela mesma.
Todavia, Nietzsche admite-se como um pensador metafísico. E, como tal, ele postula um
princípio que rege a existência, que é: vontade de poder (25). A vontade de poder é a força que
rege o vir-a-ser, que alcança a totalidade da matéria animada e inanimada. O vir-a-ser é o
movimento ontológico constante, expressão de uma dialética positiva entre ser e não-ser que,
aparentemente, nunca cessa (26). Não obstante as invectivas de Nietzsche contra o que ele
compreende como uma redução do real ao conceito, pensamos que o princípio “vontade de
poder” cumpre exatamente a função de unificar e imobilizar algo que perpassa a mobilidade do
“real-aparente”. A vontade de poder é o elemento constante da realidade móvel que é inferido no
pensamento. Em uma palavra: a vontade de poder é o “ser nietzschiano” (27).
Segundo Nietzsche, onde a vontade de poder não atua é o não-ser (28). E a vontade de
poder não pode justamente atuar no passado, posto que esta dimensão temporal faz-se representar
como a ausência do presente. Por outro lado, a vontade de poder atua no futuro por meio da ação
no presente (29). Por isso, Nietzsche postula que, no âmbito do vir-a-ser, deve existir o não-ser,
mas, todavia, como condição positiva do próprio ser. A alternância necessária entre ser e não-ser
traduz a alternância necessária entre geração e corrupção. E esta alternância realiza-se em círculo,
do contrário, o que está no passado com ele é sepultado. Por conseguinte, há um lastro necessário
entre pensamento e percepção, pelo qual se estabelece um paralelo entre a determinação do ser
como vir-a-ser e a percepção dos fenômenos de geração e corrupção. Esse lastro, por sua vez,
revela o telos circular do pensamento, justamente, aquele que permite a Nietzsche formular a
oposição solidária entre o dionisíaco e apolíneo, ou seja, entre o caos e aquilo que individua-se na
forma. Desta maneira, Nietzsche concilia ser e vir-a-ser, ou, em termos da metafísica tradicional,
inteligível e sensível: estabelecendo que o ser, como princípio constante da vontade, participa da
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estrutura do vir-a-ser. E tal conciliação só é possível na estrutura temporal circular, que traduz o
paralelismo entre o inteligível e o sensível (30).
Quando Nietzsche pensa a questão da geração e da corrupção, ele exclui o nada desses
fenômenos, valendo-se da aplicação do mesmo argumento que foi utilizado por Parmênides,
Platão e Aristóteles: de que, segundo o princípio da não contradição, uma coisa não pode provir
do nada. Assim, obstinadamente, Nietzsche afirma a constância eterna do vir-a-ser. Assim
também ele diz que as coisas, em sua mobilidade e diversidade, sempre estiveram aí; que a
totalidade cósmica existe eternamente, em um mundo que se autoalimenta. E é este princípio,
como ocorre em Platão e Aristóteles, que sustenta o desenvolvimento de suas especulações
cosmológicas, posto que ele é determinante do telos circular do pensamento (31).
3.2 - Delimitação da força e circularidade do movimento no tempo
Nietzsche utiliza a palavra “força” para determinar o caráter da totalidade do mundo, que
inclui o animado e o inanimado. O significado de força coincide com o significado de vontade de
poder: o princípio que permite ao ente estabelecer-se na constância do aparente presente. Logo,
Nietzsche resguarda um pertencimento mútuo e necessário entre força e totalidade cósmica. Do
que decorre, segundo o argumento de que algo não pode ser gerado do nada, que a força é
limitada, posto que incide sobre a presença efetiva de todo vivente (32).
Embora finita, a força revela-se no vir-a-ser finito e imensurável para o homem em sua
condição existencial. O vir-a-ser é imensurável porque ele reside no tempo infinito e circular,
podendo realizar um número aparentemente incontável de possibilidades ontológicas (33). Da
leitura do famoso episódio do “Anão e o Portal do Instante”, parte III de Assim Falou Zaratustra,
podemos extrair pontualmente os argumentos que Nietzsche utiliza para sustentar que o tempo é
infinito e circular: 1) o instante é o ponto de encontro entre o passado e o futuro; 2) supondo-se o
passado e o futuro eternos, eles devem descrever um movimento circular para encontrarem-se no
instante (34). Notamos que aqui há um forte parentesco entre as argumentações nietzschiana e
aristotélica sobre o caráter infinito e circular do tempo. Porém, uma diferença radical deve ser
ressaltada: segundo Aristóteles o caráter infinito do tempo resulta da continuidade necessária do
instante, em concordância como uma ordem cósmica mecânica; segundo Nietzsche, o caráter
infinito do tempo decorre da necessidade do ser afirmar-se positivamente em relação ao não-ser
que reside no passado, o que gera um movimento interminável.
Por outro lado, Nietzsche guarda reservas em relação à certeza de afirmar-se o caráter do
que, no eterno retorno, retorna. Na condição existencial em que nos encontramos, não temos
condições de visualizar a totalidade do movimento; “não temos altura para isso”, como expressa a
metáfora do Anão. Em outros termos, em nossa condição humana, de sermos entes finitos e
individuados, só podemos observar o que se revela em nosso instante existencial: uma ínfima
parte de uma totalidade curva, que envolve-nos na ilusão de um movimento retilíneo e lógico:
“Tudo o que é reto mente, murmurou desdenhosamente o anão. Toda verdade é curva”.
A noção de que “a verdade é curva” expressa exatamente o seu caráter de encobrimento,
tal como os gregos concebiam-na na forma da alétheia (35). Entretanto, a postura de Nietzsche
em relação a esta noção é cética: ao invés de acolher o estabelecimento histórico da verdade,
entendida como modo de determinação do verdadeiro, ele prefere afirmar a necessidade de
sustentarmos o pensamento no aparente, aceitando sua mobilidade (36). Por isso, Nietzsche
recusa que o aparente, ou o mundo sensível, possui em si mesmo um patamar de inteligibilidade
que ultrapasse a sua existência no instante. Se efetivamente só temos acesso ao instante, não
devemos pressupor que há algo que o explique, para além de sua própria existência efetiva.
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Segundo Nietzsche, não há qualquer finalidade implícita na efetividade do mundo
aparente. A pressuposição, como quer Platão, de que o plano sensível realiza o que está prescrito
no plano do inteligível, não encontra respaldo na observação empírica, sendo teleologicamente
guiada, sobretudo, pela necessidade de formulação de uma ética impositiva, que deriva das ideias
arbitrárias de Bem e de Belo. Ou seja, segundo Nietzsche, a necessidade de se justificar um
projeto de ordem política e moral é que dá o teor das especulações cosmológicas e ontológicas de
Platão (37).
De modo análogo, Nietzsche também recusa a noção de que há uma finalidade intrínseca
na composição material e formal do mundo, como postula Aristóteles, por meio da doutrina das
quatro causas. Se tal existisse, argumenta Nietzsche, ela já teria se cumprido na eternidade do
tempo circular (38). Em nosso entendimento, Nietzsche parece acompanhar aquela formulação do
aristotelismo (cristão), que infere da noção de “causa primeira” um ponto fixo de partida e de
chegada para o movimento ontológico como um todo. Trata-se, sem dúvidas, de uma difícil
questão de interpretação, que ainda hoje ocupa os comentadores de Aristóteles (39). Entretanto,
Nietzsche procura no sensível os indícios que permitem supor que o movimento não cessa.
Dentre estes, ele enuncia a ausência de um equilíbrio das forças que atuam na efetividade do
aparente. Não obstante, Nietzsche não descarta a possibilidade de que tal equilíbrio possa ocorrer,
mas esta possibilidade escapa às condições de observação (40).
Em resumo, Nietzsche pensa que o desejo de se estipular para o sensível uma
inteligibilidade intrínseca expressa um estado psicológico do niilismo: um modo de
relacionarmo-nos com a possibilidade de que nada tenha finalidade (41). Assim, a aceitação do
pensamento do eterno retorno impõe um ato de coragem, de aceitar que as coisas voltam, sem
contudo estarem apoiadas em uma finalidade; ou seja, de aceitar a inexorabilidade de existir no
caos, assumindo a nós mesmos como participantes de um “jogo de dados eterno”; aceitar, por
fim, o que mais apavora Nietzsche, a volta de um estado existencial medíocre (42).
Segundo Nietzsche, o que retorna no eterno retorno é o estar jogado no conjunto de
probabilidades da totalidade do caos, ou seja, da totalidade ilógica do deus despedaçado, que é:
Dioniso. Estar jogado nas probabilidades significa estar revestido de vontade de poder, ou seja, é
possuir as condições de instituir-se como um ente individuado pela forma apolínea. A repetição
de uma existência individuada é mera probabilidade dentre um conjunto incontável de outros
modos de individuação. Nesse sentido, o que retorna efetivamente é a vontade de poder que atua
nas condições da matéria caótica: a potência limitada, contudo eterna, na eternidade do tempo
circular. Como consolo, eis o ensinamento de Zaratustra: “Meu ensinamento diz: viver de tal
modo que tenhas de desejar viver outra vez, é a tarefa, pois assim será em todo caso!”
(NIETZSCHE, 1884-88/1999, P.27).
Conclusão
O pensamento do eterno retorno, tal como o rastreamos nos textos de Platão, Aristóteles e
Nietzsche, está logicamente enraizado no princípio da não contradição, do qual decorre o
argumento de que uma coisa não pode provir do nada. É justamente esse princípio que fornece os
seus dois componentes básicos: 1) a existência do retorno de algo; 2) a eternidade deste retorno
no tempo.
Todavia, o que distingue as concepções particulares do pensamento do eterno retorno é a
noção do ser, posto que este é determinante do caráter da coisa que retorna. Assim, segundo
Platão, o que retorna é a Ideia, ou, em outros termos, o mesmo. Segundo Aristóteles, o que
retorna é a causa originária de todas as causas, ou seja, aquela causa que está implícita na
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determinação do ente como existente, dentro de uma ordem cósmica. Segundo Nietzsche, o que
retorna é a ação da vontade de poder sobre as condições aleatórias do caos.
Não obstante as diferentes concepções sobre o eterno retorno, é possível afirmar que ele
assinala o ponto de convergência entre o ser imóvel, isto é, permanente, e a mobilidade do vir-aser. Isto significa dizer que, embora o movimento exista, ele está na imobilidade de algo que
sempre retorna. Ou seja, o pensamento do eterno retorno permite, dentro dos parâmetros da
metafísica, conciliar o ser e o vir-a-ser, elaborando uma unidade entre o inteligível e o sensível.
Notas
(1) Cabe assinalar a distinção corrente entre o pensamento de Platão, propriamente, e o platonismo. É o platonismo
que consolidou a interpretação que opõe irrevogavelmente a Escola dos Eleatas, cujo principal representante é
Parmênides, à Escola de Éfeso, cujo principal representante é Heráclito. Nessa oposição, Parmênides aparece como
aquele que formula a noção de um ser unitário e imóvel e Heráclito, como aquele que formula a noção do vir-a-ser,
entendido como fluxo contínuo do existente. Em sua interpretação dos textos pré-socráticos, Heidegger refuta a
existência de uma tal oposição, defendendo a ideia de que ser e vir-a-ser já estavam mutuamente incluídos, tanto no
pensamento de Parmênides, quanto no de Heráclito. Sobre esse tema, ver: HEIDEGGER. Introdução à Metafísica.
RJ: Vozes, 1988, e, ainda, BEAUFRET, Jean. O Poema de Parmênides. In. Pensadores, Vol Pré-Socráticos. SP:
Victor Civita, 1978.
(2) Aristóteles assim enuncia o princípio da não contradição: “é impossível o mesmo atributo ser e não ser atribuído
ao mesmo sujeito, ao mesmo tempo e sob um mesmo aspecto.“ ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. Giovanni Reale.
SP: Loyola, 2002. (1005B19-21)
(3) A elaboração da lógica, segundo a afirmação da identidade e a expulsão da contradição, é objeto de histórica
crítica. Por exemplo, segundo Hegel, no raciocínio parmenidiano não há propriamente a contraposição dialética de
dois opostos, sendo um negativo e outro positivo. Por exemplo: o quente oposto ao frio refere-se a dois seres
positivados, propriamente, o quente e o frio. Assim Hegel propõe que o certo seria opor o quente ao não-quente,
contrapondo desse modo o ser positivado ao não-ser. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. SP: Editora Ática,
2000. Nessa mesma linha, Nietzsche refuta energicamente a lógica da expulsão dos contrários em trecho que aqui
transcrevemos: “Por exemplo: ele comparou a luz e a obscuridade e, assim, a segunda qualidade era manifestamente
apenas a negação da primeira; e, assim, ele diferenciava qualidades positivas e negativas, esforçando-se seriamente
por reencontrar e assinalar esta oposição fundamental em todo o reino da natureza. (...) Da mesma forma, ele
indicava a terra em oposição ao fogo, o frio em oposição ao quente, o denso em oposição ao sutil, o feminino em
oposição ao masculino, o passivo em oposição ao ativo, cada um apenas como negação do outro; de tal maneira que,
segundo sua visão, nosso mundo empírico cindia-se em duas esferas separadas: (...) Ao invés das expressões
“positivo” e “negativo”, ele tomava os rígidos termos “ser” e “não-ser”, e chegava com isso à tese, em contradição a
Anaximandro, que este nosso mundo contém algo de ser e, sem dúvida, também algo de não-ser.” NIETZSCHE. A
Filosofia na Época Trágica dos Gregos. Trad. Carlos A. R. de Moura. In: Pensadores, Vol. Pré-Socráticos. SP:
Victor Civita, 1978.
(4) No contexto do pensamento platônico e aristotélico, fenômeno é a mera linha divisória entre o sensível e sua
elaboração inteligível. Não trata-se, por conseguinte, do sentido que Kant consagrou ao termo, a saber: o horizonte
de possibilidade do conhecimento. MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. SP: Martins Fontes, 1998 (p.289)
(5) Ressalta-se que a argumentação platônica pelo verossimilhante também está respaldada pela noção grega de
verdade: alétheia. Tomando a origem desta palavra, tem-se que o alfa - “a” - do termo alétheia é privativo, enquanto
que o “letheia” refere-se ao oculto que insiste em ocultar-se, de onde deriva a interpretação: alétheia é o movimento
de des-ocultação do que permanece oculto. O que, por sua vez, produz e é produzido nesse movimento é o logos, do
que se infere um lastro recíproco e originário entre verdade, na forma da des-ocultação, e pensamento. Assim,
estamos originariamente imersos na verdade. Ou seja, é o pensamento, com sua capacidade legítima de des-ocultar o
que está ocultado, que realiza a unidade entre o não aparente e o aparente. Todavia, tal unidade só é possível por
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analogia. É justamente isto que Platão reivindica: podemos falar incompletamente de dois planos distintos, o do
inteligível e do sensível, na medida em que um e outro fornecem elementos para a constituição do análogo. Assim,
no Timeu, Platão postula falar do “outro”, isto é, do sensível, segundo o parentesco originário que esse outro possui
com o “mesmo”, isto é, com o inteligível. E este falar está respaldado pelo lastro originário entre verdade e
pensamento. Referimo-nos aqui uma vez mais ao estudo de BEAUFRET, Jean.O Poema de Parmênides. In.
Pensadores, Vol Pré-Socráticos. SP: Victor Civita, 1978. Todavia, para um estudo mais aprofundado, vale,
sobretudo, a leitura do parágrafo 44 de Ser e Tempo -HEIDEGGER. Sein und Zeit, Ser e Tempo, trad. de M. de Sá
Cavalcanti (2 vol). Rio de Janeiro: Vozes, 1988.
(6) Corrobora essa opinião as palavras de Platão sobre a circularidade cósmica: “Em termos de movimento, atribuiulhe aquele que é próprio do corpo, ou seja, de entre os sete movimentos, aquele que mais diz respeito à mente e ao
pensamento (...).”Timeu. Introd. José Trindade dos Santos. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget,
2003 (34 a).
(7) Acompanhamos aqui a posição de Léon Robin, para quem é impossível que Platão tenha formulado a tradicional
distinção entre sujeito e objeto, própria da epistemologia moderna. Na filosofia de Platão, não se trata de explicar o
conhecimento pelos atributos do sujeito, mas, antes disso, perceber que há uma “alma” que é condição e elemento de
conexão entre o que conhece e o que se dá a conhecer. PLATÃO, 1950.
(8) “Pois nada saía dele e nada entrava nele, donde quer que viesse – já que nada mais havia. De fato, foi gerado pela
técnica, de modo a fornecer a si mesmo os seus alimentos, que são aquilo que nele perece, e de modo a que tudo
aquilo que realiza ou pelo qual é afetado esteja em si mesmo ou seja por si mesmo.” PLATÃO, 2003 (33-b).
(9) A doutrina da transmigração das almas é descrita sobretudo no mito de Her. PLATÃO. A República, tradução de
Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian (Cap. XIII, Livro X).
(10) A circularidade do movimento cósmico também mostra-se no movimento provocado pelo choque dos contrários
(ciclo da água, por exemplo), assim como do efeito que a alma produz sobre os corpos. PLATÃO, 2003 (33-b / 34-a)
(43-a / 44c).
(11) “E deu-lhe a forma que lhe é mais conveniente e mais afim: efetivamente, a forma conveniente ao ser vivo que
deve envolver dentro de si todos os seres vivos é aquela que compreende em si mesma todas as formas possíveis; foi
por isso que, fazendo-o girar, lhe conferiu a forma redonda, a forma esférica, na qual a distância do centro a todos os
pontos da periferia é sempre a mesma, a mais perfeita de todas as formas e a mais semelhante a si mesma, pois
considerava que o semelhante é mil vezes mais belo do que o dessemelhante. (...) Em termos de movimento,
atribuiu-lhe aquele que é próprio do corpo, ou seja, de entre os sete movimentos, aquele que mais diz respeito à
mente e ao pensamento; foi por isso que o fez mover-se girando em círculos sobre si mesmo, rodando sempre no
mesmo sítio; e privou-o de todos os seis movimentos, impedindo-o de suas errâncias.” PLATÃO, 2003 (33-b / 34-a).
(12) “Uma vez gerada por completo a constituição da alma, de acordo com a mente daquele que a constituiu, este
passou a construir dentro da alma tudo aquilo que tem forma corporal e, juntando o meio de uma ao meio de outro,
ajustou-os; e assim, a alma, estendendo-se em todas as direções, desde o meio até a extremidade do céu, e
envolvendo-o de fora num círculo, e ela mesma girando em si mesma, deu início a um começo divino de vida
incessante e dotada de pensamento, que durará pelos tempos sem fim.” PLATÃO, 2003 (36-d / e).
(13) “E, como o paradigma é um ser vivo eterno, empreendeu tornar este universo, na medida do possível,
igualmente eterno. Porém, acontecendo que a natureza daquele ser vivo é eterna, não era possível adaptá-la
completamente ao universo gerado; foi por isso que concebeu produzir uma imagem móvel da eternidade. Assim, ao
ordenar o céu, produziu uma imagem eterna da eternidade que permanece na unidade, imagem essa que se move
segundo o número, e que é aquilo que chamamos tempo. (...) Mas aquilo que permanece sempre, sem se mover, não
se aplica tornar-se mais velho, nem tornar-se mais novo, com a passagem do tempo, nem ter sido gerado no passado,
nem ser gerado agora, nem vir a ser no futuro, nem nenhuma daquelas coisas que a geração juntou àquilo que se
move na ordem sensível, uma vez que essas coisas são formas do tempo que imita a eternidade e que gira e círculos
segundo o número.” PLATÃO, 2003 (37-d ).
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(14) O que correntemente denomina-se por “doutrina das quatro causas”, que propriamente constitui o ponto central
do sistema filosófico de Aristóteles, foi elaborado aos poucos, obedecendo os estágios de seu pensamento. Assim,
referimo-nos aqui, como fonte, aos textos Metafísica. Liv. II.e III.; Physique Vol. II e IV.
(15) No que concerne à função da alma, Aristóteles a concebe como mediadora entre o inteligível e o sensível,
sobretudo, nos textos de sua maturidade (Metafísica e Da Alma), quando abandona o dualismo platônico de alma e
corpo, o que significa, em última instância, postular que a matéria possui em si mesma um horizonte de
inteligibilidade. ARISTÓTELES. De Anima. Trad. Maria Cecília Gomes dos Reis. SP: Editora 34, 2006.
(16) “Ananke Stenai” = “é preciso parar”. ARISTÓTELES. Metafísica. Liv. II. Trad. Giovanni Reale. SP: Loyola,
2002.
(17) O raciocínio utilizado por Aristóteles é o seguinte: se o “primeiro princípio” fosse demonstrável ele o seria
segundo um outro. Portanto, ele não seria o primeiro.
(18) A interpretação teológica da filosofia de Aristóteles concerne à repercussão desta filosofia na Europa Ocidental.
Nesse sentido, devem ser feitas reservas quanto ao que propriamente está ajustado ao sistema filosófico de
Aristóteles e quanto ao que propriamente chamamos de aristotelismo. Evidentemente, não podemos desconhecer a
ação dos filósofos medievais para a difusão e interpretação da filosofia de Aristóteles, sobretudo, a de S. Tomás de
Aquino.
(19) Cabe aqui uma breve referência ao não-ser aristotélico. Este é produto de um engano, do erro que pode se
processar na representação da relação inteligível e sensível, dentro da estrutura da linguagem. Este tema está
desenvolvido nos textos sobre a lógica.
(20) Cabe uma observação de Aristóteles a respeito do telos do pensamento, quando investiga as teses correntes
sobre a alma: Mas, então, o que pensaria sempre? (Pois deveria, uma vez que a locomoção circular é eterna) (...) No
que diz respeito às demonstrações, elas não só partem de princípios, como têm um fim: o silogismo ou a conclusão
(e, se não alcançam o seu fim, também não retornam novamente ao princípio, mas progridem em linha reta,
assumindo sempre um termo médio e um extremo; a locomoção circular, ao contrário, retorna ao princípio).
ARISTÓTELES, 2006. (407 a 19)
(21) Tal como ocorre no Timeu de Platão, é difícil rastrear com exatidão quem são os interlocutores de Aristóteles
nos livros da física. O pensamento sobre a física faz parte da doxa.
(22) Segundo Aristóteles, os seres ditos eternos não existem no tempo, posto que o tempo não envolve os pontos que
marcam a sua existência, isto é, os pontos que marcam sua geração e corrupção. Em contrapartida, o não-ser,
compreendido como o que não se dá na presença, existe no tempo, nas dimensões do passado e do futuro.
ARISTÓTELES, 1931. (220-b / 222-b)
(23) “Na filosofia de Parmênides preludia-se o tema da ontologia. A experiência não lhe apresentava em nenhuma
parte um ser tal como ele pensava, mas, do fato que podia pensá-lo, ele concluía que ele precisava existir: uma
conclusão que repousa sobre o pressuposto de que nós temos um órgão de conhecimento que vai à essência das
coisas e é independente da experiência.” (…) “O que é, é; o que não é, não é, não se encontra, de fato, nem uma
única efetividade que lhe seja rigorosamente conforme: de uma árvore eu tanto posso dizer “ela é”, em comparação
com todas as coisas restantes, como “ela vem a ser”, em comparação com ela mesma num novo momento do tempo,
ou finalmente, também, “ela não é”, “ela ainda não é árvore”, por exemplo, enquanto eu considerava o arbusto. As
palavras são apenas símbolos das relações das coisas entre si e conosco, elas não fundam em parte alguma a verdade
absoluta; e a palavra “ser” indica apenas a relação mais geral que liga todas as coisas, igualmente como a palavra
“não-ser”. NIETZSCHE. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos. Trad. Carlos A. R. de Moura. In: Pensadores,
Vol. Pré-Socráticos. SP: Victor Civita, 1978. ( pr.IX)
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(24) O tema da linguagem é recorrente no pensamento de Nietzsche. Ele pode ser rastreado satisfatoriamente nos
textos: NIETZCSHE. O niilismo, A Vontade de Poder, textos de 1881; O Eterno Retorno, A Vontade de Poder,
textos de 1884-1888;“O Nascimento da Tragédia”; A Filosofia na Época Trágica dos Gregos.
(25) Segundo Marco Antônio Casanova, autor do estudo e tradução brasileira da obra Nietzsche de Martin
Heidegger, há uma tendência de se traduzir a expressão nietzschiana “Wille zur Macht” por vontade de potência. O
autor refuta esta tradução porque o termo utilizado por Nietzsche é Macht, daí: vontade de Poder. Além disso,
vontade de poder coaduna-se melhor ao espírito que permeia a filosofia nietzschiana, sobretudo no que ele alude à
positividade do desejo genérico. HEIDEGGER. Nietzsche – Vol. 1, 2. Trad. Marco Antônio Casanova. RJ: Ed.
Forense Universitária, 2007. p.5(npp)
(26) Reiteramos aqui o que expusemos na nota 2. A oposição entre ser e não-ser no pensamento de Nietzsche
acompanha a posição de Hegel: ser e não-ser são dois positivos, como, por exemplo, expressa a oposição bicho e
não-bicho.
(27) A determinação do ser como vontade de poder é, segundo Heidegger, a tentativa mais radical de substancializar
o ser. Nesse sentido, tal determinação assinala o último grande momento da trajetória histórica da metafísica.
HEIDEGGER, Martin. Nietzsche – Vol. I. The Will to Power as Art – Transleted by David Farrell Krell. San
Francisco: Haper San Francisco, 1991. (p.1-150)
(28) “Vontade – assim se chama o libertador e o mensageiro da alegria: assim vos ensinei eu, meus amigos! Mas
agora aprendi mais isto: a própria vontade é ainda um prisioneiro. Querer liberta: mas como se chama aquilo que
acorrenta ainda o próprio libertador? “Foi”: assim se chama o ranger de dentes e a mais solitária aflição da vontade.
Impotente contra aquilo que está feito – ele é para tudo o que passou um mau espectador. Para trás não pode querer a
vontade; não pode quebrar o tempo e a avidez do tempo – eis a mais solitária aflição da vontade.” NIETZCSHE,
Friedrich. Assim Falou Zaratustra – In. Col. Pensadores. SP: Ed. Nova Cultural, 1999. (Segunda Parte, textos de
1883)
(29) Ressaltamos aqui um parentesco entre vontade de poder e aquilo que Platão determina como “potência”, isto é:
a capacidade de algo instituir-se como si mesmo na presença.
(30) “O deus na cruz é uma maldição sobre a vida, um dedo apontando para redimir-se dela. O Dioniso cortado em
pedaços é uma promessa de vida: eternamente renascerá e voltará da destruição.” NIETZSCHE, Friedrich. O Eterno
Retorno (Textos de 1884-1888), Col. Pensadores. SP: Nova Cultural, 1999. (pr. 1052)
(31) Anotamos aqui o contra-argumento de Nietzsche em relação à dedução ontológica de Parmênides: “Ele
mergulhava então no banho frio de suas terríveis abstrações. O que é verdadeiro precisa estar no presente eterno, dele
não pode ser dito “ele era”, “ele será”. O ser não pode vir-a-ser: pois de que ele teria vindo? Do não-ser? Mas o nãoser não é e não pode produzir nada. Do ser? Isto não seria senão produzir-se a si mesmo.” NIETZSCHE, 1978.
(pr.10)
(32) “A medida da força total é determinada, não é nada de infinito; guardemo-nos de tais desvios de conceito.” (...)
“Conseqüentemente, o número das situações, alterações, combinações e desenvolvimentos dessa força é, decerto,
descomunalmente grande e praticamente imensurável, mas, em todo caso, também determinado e não infinito.”
NIETZSCHE, Friedrich. O Eterno Retorno (Textos de 1881), Col. Pensadores. SP: Nova Cultural, 1999. (pr.1)
(33) “O tempo, sim, em que o todo exerce sua força, é infinito, isto é, a força é eternamente igual e eternamente
ativa: - até este instante já transcorreram uma infinidade, isto é, é necessário que todos os desenvolvimentos
possíveis já tenham estado aí.” (...) “Conseqüentemente, o desenvolvimento deste instante tem de ser uma repetição,
e também o que o gerou e o que nasce dele, e assim por diante, para a frente e para trás! Tudo esteve aí inúmeras
vezes, na medida em que a situação global de todas as forças sempre retorna.” NIETZSCHE, Friedrich. O Eterno
Retorno (Textos de 1881), Col. Pensadores. SP: Nova Cultural, 1999. (pr.2)
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(34) “Este longo corredor para trás: ele dura uma eternidade. E aquele longo corredor para diante – é uma outra
eternidade. Eles se contradizem, esses caminhos; eles se chocam frontalmente: e aqui neste portal é onde eles se
juntam. O nome do portal está escrito ali em cima: 'Instante'.” (...)“Tudo o que é reto mente”, murmurou
desdenhosamente o anão. “Toda verdade é curva. O próprio tempo é um círculo.” (...) “E, se tudo já esteve aí: o que
achas tu, anão, deste instante? Não é preciso que também este portal já tenha estado aí? E não estão tão firmemente
amarradas todas as coisas que este instante puxa atrás de si, todas as coisas vindouras? E assim – a si próprio
também? Pois, de todas as coisas, aquilo que pode correr: também por este longo corredor para diante – é preciso que
corra uma vez ainda.” NIETZCSHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra – In. Col. Pensadores. SP: Ed. Nova
Cultural, 1999. (Parte 3, pr.2)
(35) Ver nota 5.
(36) Por exemplo, Heidegger, diante da noção de Alétheia, admite que a verdade determina-se como um modo
histórico de determinação do verdadeiro, que até os nossos dias foram: 1) a revelação teológica; 2) a verdade na
forma da adequação entre intelecto e coisa observada.
(37) “Não houve primeiro um caos e depois gradativamente um movimento mais harmonioso e enfim um firme
movimento circular de todas as forças (...) O curso circular não é nada que veio a ser, é uma lei originária, assim
como a quantidade da força é a lei originária, sem exceção nem transgressão.” (...) “O ‘caos do todo’ como exclusão
de toda atividade finalista não está em contradição com o pensamento do curso circular: este último é justamente
uma 'necessidade irracional', sem qualquer consideração formal, ética, estética. O arbítrio falta, no mínimo e no
inteiro.” NIETZSCHE. O Niilismo (A Vontade de Potência – Textos de 1884-188), Col. Pensadores. SP: Nova
Cultural, 1999. (pr.20/21)
(38) “Se o todo pudesse tornar-se um organismo, já se teria tornado (...) Acreditamos na absoluta necessidade do
todo, mas guardemo-nos de afirmar qualquer lei, mesmo que seja uma primitivamente mecânica de nossa
experiência, que esta reine nele e seja uma propriedade eterna. – Todas as qualidades químicas podem ter vindo a ser
e perecer e retornar. Inúmeras propriedades podem ter-se desenvolvido, para as quais, a partir de nosso ângulo
temporal e espacial, não nos é possível a observação. A mudança de uma qualidade química se efetua, talvez agora,
só que em um grau tão refinado que escapa a nosso mais refinado cômputo.” NIETZSCHE. O Niilismo (A Vontade
de Potência – Textos de 1884-1888), 1999. (pr.18)
(39) Sobre esse tema, ver o estudo introdutório de Maria Cecília Gomes dos Reis, para sua tradução do tratado De
Anima. ARISTÓTELES, 2006. (p. 15/40) Valem também as palavras de Nietzsche, aludindo à crítica que Kant fez a
Aristóteles: “Recentemente, quiseram várias vezes encontrar no conceito 'infinidade temporal do mundo para trás'
(regressus in infinitum) uma contradição; e até mesmo a encontraram, ao preço, sem dúvida, de confundir a cabeça
com a cauda. Nada me pode impedir de, calculando deste instante para trás, dizer 'nunca chegarei a um fim'; assim
como posso calcular do mesmo instante para a frente, ao infinito.” NIETZSCHE. O Eterno Retorno (Textos de 18841888), 1999. (pr. 1066)
(40) “Se um equilíbrio de força tivesse sido alcançado alguma vez, duraria ainda: portanto, nunca ocorreu.” (...) “A
cessação de forças, seu equilíbrio, é uma caso pensável: mas não ocorreu, conseqüentemente o número das
possibilidades é maior que os das efetividades. – Que nada de igual retorna, não poderia ser explicado pelo acaso,
mas somente por uma intencionalidade posta na essência da força: pois, pressuposta uma descomunal massa de
casos, o alcançamento casual de “um mesmo lance de dados” é mais verossímil do que a absoluta nunca-igualdade.”
NIETZSCHE. O Niilismo (A Vontade de Potência – Textos de 1884-188), 1999. (pr.7)
(41) “Eliminamos a representação finalista do processo e afirmamos, a despeito disso, o processo? – Esse seria o
caso, se no interior desse processo, em cada momento dele, algo fosse alcançado – e sempre algo igual. Espinosa
ganhou uma tal posição afirmativa, na medida em que cada momento tem uma necessidade lógica: e triunfou com
seus instintos fundamentais lógicos sobre uma tal índole do mundo.” NIETZSCHE. O Niilismo (A Vontade de
Potência – Textos de 1884-188), 1999. (p.434)
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(42) “Pensemos esse pensamento e sua forma mais terrível: a existência, assim como é, sem sentido e alvo, mas
inevitavelmente retornando, se um final no nada: 'o eterno retorno'. Essa é a mais extrema fora de niilismo: o nada (o
'sem sentido') eterno! Forma européia de budismo: a energia do saber e da força coage a uma total crença. É a mais
científica de todas as hipóteses possíveis. Negamos alvos finais: se a existência tivesse um, teria de estar alcançado.”
NIETZSCHE,. O Niilismo (A Vontade de Potência – Textos de 1884-188, 1999. (p.433) “Eternamente ele retorna, o
homem de que estás cansado, o homem pequeno – assim bocejava minha tristeza e arrastava o pé e não conseguia
adormecer. (...) Eterno retorno também do menor! – esse foi meu fastio por toda a existência!” NIETZCSHE. Assim
Falou Zaratustra, 1999. (O Convalescente – Pr.2)
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________. As Leis. São Paulo: Edipro, 1999.
Recebido em: 18 de abril 2009
Aprovado em: 11 de junho de 2009
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