Capitulo 6 Fisiologia da Motricidade Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 121 FISIOLOGIA MUSCULAR E SISTEMAS MOTORES MOVIMENTO Tendemos a pensar que movimento é um conceito mais associado ao deslocamento do organismo de um lugar para o outro. Entretanto, os animais de vida séssil também realizam movimentos isolados de partes do corpo, propelindo alimento ou fluidos através das suas partes internas (como as esponjas e as ascídias). Podemos reconhecer os seguintes padrões de movimentos: a) Movimento amebóide. Corresponde a mudanças de forma da célula envolvendo o fluxo de citoplasma e a formação de pseudópodes. Quando uma ameba se move, seu citoplasma flui entre os prolongamentos celulares recém formados que se expandem e se avolumam gradualmente. Novos pseudópodes são formados na direção do movimento. Durante o processo, o citosqueleto ectoplasmático (formado de actina, miosina e outras proteínas) é fragmentado aumentando, localmente, a pressão osmótica. Como conseqüência o endoplasma é arrastado a favor do gradiente osmótico formando o pseudópode. b) Movimento ciliar/flagelar: é o modo mais típico de locomoção dos protozoários ciliados ou flagelados, no entanto, os animais metazoários também possuem células ciliadas nos epitélios que movimentam mucos ou outros fluidos e células flageladas (espermatozóides). Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 122 Os cílios e flagelos possuem organização estrutural semelhante, mas a diferença está no padrão de batimento. O flagelo de espermatozóide p.e, bate com uma ondulação simétrica ao longo de toda cauda. Já um cílio bate de modo assimétrico com uma batida rápida, como uma chicotada, em uma única direção (linhas cheias), seguida por um movimento mais lento de recuperação (linhas tracejadas). Por causa desse O batimento flagelar propulsiona a água paralelamente ao eixo principal do flagelo e o movimento ciliar propulsiona a água paralelamente à superfície de inserção. movimento o fluido em volta é deslocado paralelamente ao eixo do flagelo (seta); em relação ao movimento ciliar, o fluido é movimentado perpendicularmete ao batimento ciliar (seta). Os mecanismos causais dos movimentos ciliares são especulativos, mas a excitabilidade da membrana celular e o fluxo de correntes de Ca++ são essenciais para determinar o sentido do batimento ciliar e como conseqüência, a direção de movimento paramécio. c) Movimento muscular: os animais maiores lançam mão de células especializadas, os miócitos que possuem proteínas contráteis e, quando em atividade, geram tensão mecânica. Conforme o arranjo dessas células os animais metazoários movimentam-se, estabilizam articulações ósseas, ou então, propelem os fluidos corporais dentro de órgãos tubulares (intestino ou vasos). Conforme o controle sobre a musculatura esquelética é possível a mais sutil expressão motora, atos complexos como escrever, dançar, praticar esportes ao mais simples movimento como o ato de piscar. O repertório motor de uma espécie depende do número de grupos musculares e dos mecanismos de controle da motricidade. Todas as fibras musculares, sem exceção, são eletricamente excitáveis e gastam energia metabólica para gerarem a tensão mecânica. Os tipos de fibras musculares No interior das fibras musculares, tanto de vertebrados como de invertebrados, há proteínas que promovem a geração de tensão mecânica, ou seja, que promovem a contração. Baseado no modo como as proteínas contráteis estão dispostas, as fibras musculares podem ser classificadas conforme o padrão de estrias observadas ao microscópio óptico. Nos vertebrados reconhecemos três tipos de fibras musculares: fibras musculares esqueléticas, cardíacas e lisas. Como será visto mais tarde, as fibras musculares lisas e cardíacas (viscerais) estão sob controle distinto das fibras musculares esqueléticas (somáticas) e possuem propriedades mecânicas peculiares. Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 123 Tamanho corpóreo e o método de propulsão Organismos pequenos utilizam cílios (paramécio) e flagelos (coanoflagelado) para realizarem movimentos natatórios e os maiores, fibras musculares (metazoários) que possuem elementos contráteis. O método de propulsão depende de dois fatores: 1) Geometria do corpo. Organismos menores possuem a relação superfície/volume maior em relação aos de porte maior. O movimento ciliar ou flagelar é suficiente para aproveitar a viscosidade do meio e propelir o animal para frente contra a camada de água circundante. Mas a relação superfície/volume de uma hipotética baleia “ciliada” seria tão pequena que o empuxo necessário é insuficiente constituindo uma enorme desvantagem mecânica. Assim, o mecanismo de propulsão alternativo para deslocar corpos maiores foi a contração muscular, ou seja, um tecido especializado gerando força mecânica sobre o substrato e alavancando o corpo. 2) Leis sobre a dinâmica dos fluidos. O meio liquido foi o ambiente primitivo onde as estratégias de locomoção evoluíram. Nesse meio, a viscosidade determina a velocidade de deslocamento: imagine-se nadando em uma piscina de xarope...e depois de água. A viscosidade de ambos é diferente, portanto, oferecem resistências diferentes. Uma grande vantagem mecânica e energética seria a redução das forças de atrito. A seleção natural favoreceu formas hidrodinâmicas dos corpos, mucos, nadadeiras e músculos agindo sobre esqueleto. O que os atletas de natação têm aprendido com a hidrodinâmica dos peixes? Músculo esquelético de vertebrado O mesoderma origina todas as fibras musculares do corpo, sejam viscerais (lisas e cardíacas) ou somáticas (esqueléticas). Nos vertebrados, a musculatura esquelética corresponde aproximadamente a 40% do peso corporal e os demais tipos de tecido muscular a 10%. De um modo geral, estão associados a ossos, mas fazem exceção os músculos que formam os esfíncteres anais e vesicais. Toda contração muscular envolvendo uma articulação móvel realizará movimento. O movimento coordenado de vários músculos para a locomoção (deambulação, corridas, saltos, vôo, etc), a exibição de comportamento sexual, lutas, escrever, bem como a manifestação de reflexos posturais automáticos são orquestrados pelo SNC. Os comandos produzidos no SNC são enviados para os músculos por meio de neurônios motores que determinam o tempo e a força de contração das unidades musculares controladas. Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 124 Os músculos podem se prender diretamente a ossos por meio de tecido conjuntivo que os envolve e os permeia. Mas também podem se prender por meio de tendões, cordões bastante resistentes de ancoragem (os ligamentos ligam osso com osso). Alguns músculos não se prendem a ossos: ao invés disso, distribuem a força sobre uma ampla superfície de lâminas de tecido conjuntivo resistente chamada de aponeurose. O tecido conjuntivo frouxo que prende um músculo ao outro e a pele ao músculo é denominada fáscia. Quando um músculo contrai, ele puxa as suas extremidades com igual intensidade. A inserção do músculo corresponde à extremidade que se encontra relativamente livre para mover-se e a origem, a parte mais fixa. Baseado no tipo de movimento que resulta da contração, os músculos podem ser classificados em músculos flexores (ao contrair, diminuem o ângulo articular) ou extensores (aumentam o ângulo). Se basearmos na função os músculos são classificados em: - Músculos adutores (aproximam) e abdutores (afastam) partes do corpo ou o eixo do apêndice em direção ao plano sagital do corpo. - Músculos elevadores (elevam) e os depressores (abaixam) partes do corpo como a mandíbula ou o ombro. - Músculos protadores (empurram) e retratores (puxam de volta) parte do corpo como a língua ou apêndice. Os rotadores giram partes sobre um eixo longo (como a coluna ou apêndices). - Músculos constritores: anéis de fibras musculares que circundam aberturas (esfíncter) como anus, uretra ao se contraírem, reduzem o diâmetro da luz ou causam oclusão total. - Músculos supinadores: giram a palma da mão ou a planta pé para cima e os pronadores giram para baixo. Durante a contração de um músculo, existe uma ação oposta ou de restauração promovida pelos músculos antagonistas e, raramente, um músculo contrai sozinho; são suplementados por outros músculos chamados de sinergistas (ou agonistas). Outra classificação que auxilia muito quando estamos analisando o papel do SNC sobre o controle da motricidade somática é a diferenciação entre músculos medial-lateral e proximaldistal. Os músculos axiais, da cintura pélvica e escapular, sejam extensores ou flexores, são considerados mediais. Estes músculos estão associados com os movimentos corporais de todo o membro ou da sua postura. Já os músculos distais dos membros e dos movimentos intrínsecos dos dedos, não participam primariamente da postura, mas de atividades relacionadas com a manipulação de objetos como no caso de primatas. Fontes de energia da contração muscular esquelética Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 125 O suprimento energético imediato para a contração muscular é o ATP (adenosina trifosfato). Quando hidrolisado, parte da energia liberada é utilizada para a geração de força mecânica e o restante é perdido na forma de calor. Como a disponibilidade de ATP é pequena nas fibras musculares, é necessária uma fonte adicional de energia como o fosfato de creatina que transfere o grupo fosfórico para o difosfato de adenosina, restaurando rapidamente os níveis de ATP. Mas é fonte muito limitada para um exercício muscular prolongado e o ATP precisa ser obtido pela oxidação de carboidratos (glicose) e de ácidos graxos (gordura). A fonte de carboidrato muscular está armazenada na forma de polímeros de glicose conhecidos como glicogênio (cerca de 0,5 a 2% do peso muscular fresco) e contribui com cerca de 100 vezes mais do que a fonte de fosfato de creatina. Conforme as propriedades mecânicas das fibras musculares serão utilizadas ou no exercício aeróbico ou anaeróbico. Níveis de organização morfológica do músculo esquelético Fibra muscular O músculo esquelético é constituído de feixes de fibras musculares (fascículos) cujas células possuem diâmetro que variam de 10 a 80 m e comprimentos de algumas a dezenas de mm. Cada fibra muscular é envolvida por uma membrana denominada sarcolema, (nome dado à membrana citoplasmática da fibra muscular) e por uma camada fina de polissacarídeos e fibrilas de colágeno. As fibras musculares afunilam-se em suas extremidades fundindo-se a elementos fibrosos Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 126 e tendinosos que se ligam aos ossos. Entre os feixes de fibras musculares está o suprimento sangüíneo, a inervação e o tecidos adiposo. Estudando o interior da fibra muscular encontramos pacotes de miofibrilas (feixes cilíndricos de proteínas) dispostos paralelamente, apresentando padrões repetitivos de estrias transversais. Cada unidade repetitiva é denominada sarcômero que é a unidade contrátil da fibra muscular. Além dos demais elementos subcelulares típicos de uma célula eucariótica, chama a atenção o retículo sarcoplasmático que armazena íons Ca++ e possui canais de Ca voltagemdependentes. O retículo sarcoplasmático (RS) é uma estrutura volumosa (14% da fibra), formado de túbulos que se anastomosam e acompanham as miofibrilas; possui extremidades que termina em sacos (cisternas terminais). Neste ponto, são trespassados pelos túbulos transversais (túbulos T) que se originam do sarcolema formando uma estrutura tríade. Os túbulos T dispõem-se perpendicularmente ao RS e às miofibrilas, formando uma rede transversal e reticulada no interior da fibra muscular. Funcionalmente comunicam o meio extracelular transversalmente ao longo da fibra muscular. Esse arcabouço morfológico é fundamental para a condução da atividade elétrica na fibra muscular e acionar a liberação de Ca++ de dentro do RS para o citoplasma. Organização molecular do sarcômero O sarcômero constitui a unidade contrátil da fibra muscular e está limitada pelas linhas Z. No músculo de todos os vertebrados, o comprimento do sarcômero é semelhante sendo em torno de 3,5m no estado de repouso e de 1,5m quando contraído. Cada sarcômero apresenta uma organização molecular constituída de filamentos finos e filamentos grossos. A partir da linha Z, os filamentos finos estendem-se paralelamente para ambos os sentidos sendo intercalados pelos filamentos grossos, apenas na região central do sarcômero. Tal organização produz um padrão de bandas transversais que varia conforme o estado de contração muscular. Os filamentos grossos são constituídos de macromoléculas protéicas de miosina e os filamentos finos, de actina, tropomiosina e troponina. A miosina corresponde a 55% da proteína miofibrilar e cada filamento grosso é formado por 200 a 400 dessas moléculas; Cada molécula de miosina é formada por duas cadeias: uma leve e outra pesada. Na cadeia pesada a cabeça possui dois sítios ativos: uma que possui alta afinidade pela actina e uma outra catalítica que hidrolisa o ATP. As moléculas de miosina formam um feixe em que as cabeças se destacam do eixo central e dispõem-se bem próximos aos filamentos de actina. Apesar da elevada afinidade das moléculas de miosina para com a actina, quando o músculo está em repouso (relaxado), a ligação entre elas está obstruída pelas moléculas de tropomiosina. Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 127 A actina constitui 20 a 25% da proteína miofibrilar e ocorre em duas formas (actina G e actina F) que, quando polimerizadas, formam cordões duplos helicoidais. Cada molécula de actina G liga-se com grande afinidade a um íon Ca++ e a uma molécula de ATP. A tropomiosina é uma molécula formada por duas cadeias peptídicas separadas e que estão enroladas entre si. A troponina é uma proteína globular com função reguladora e possui três subunidades: C que se liga a íons Ca++; I que é inibitória e T que se liga à tropomiosina. No músculo relaxado a tropomiosina está obstruindo o sítio de ligação da actina com a miosina. Como ocorre a contração muscular esquelética? Veja http://www.blackwellscience.com/matthews/myosin.html Quando o músculo não está sob estimulação nervosa, isto é, quando está relaxado, a [Ca++] do mioplasma é insignificante em relação ao meio extracelular. Com a chegada dos impulsos nervosos a placa motora responde com potenciais de placa e dispara PA no sarcolema. Graças aos túbulos T a atividade elétrica propaga-se transversalmente e atinge as cisternas do RS abrindo os canais de Ca++ voltagem dependentes. O cálcio armazenado no interior do RS flui passivamente para o mioplasma a favor do seu elevado gradiente de concentração. Os íons Ca do mioplasma ligam-se à troponina C, modificando a sua organização espacial e resultando no deslocamento da tropomiosina que libera o sitio de ligação da actina com a miosina. Agora com o sitio livre a miosina liga-se à actina e forma-se a ponte cruzada entre o filamento fino e o grosso. Como a miosina tem um sítio catalítico para a hidrólise de ATP, esta união torna a energia química disponível para o dobramento da cabeça de miosina. O dobramento faz com que os filamentos finos sofram um ciclo de arraste em direção ao centro, isto é, os Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 128 filamentos finos deslizam-se sobre os grossos e cada sarcômero encurta-se e a fibra muscular como um todo contrai. Com a hidrólise do ATP, a molécula de miosina perde a afinidade pela actina, desliga-se e reassume a sua posição original. Mas se continua a existir ATP e Ca ++ no mioplasma, o ciclo das pontes cruzadas é restabelecido novamente e o deslizamento progride, encurtando o sarcômero a cada ciclo. Cada ciclo move o filamento fino cerca de uns 10nm e para cada molécula de troponina ativa, sete sítios fixadores de miosina são descobertos. Denominamos de acoplamento excitação-contração (ou acoplamento eletro-mecânico), o processo em que a atividade elétrica da fibra muscular (potenciais de ação) é transformada em atividade mecânica (encurtamento do sarcômero), ou seja, a transdução de atividade elétrica em mecânica. Relaxamento muscular Se impulso nervoso cessar, não haverá mais PA no sarcolema e a contração será encerrada: os canais de Ca++ se fecham e o cátion será recaptado ativamente de volta para dentro das cisternas do RS por ATPases Ca/Mg dependentes. Como a afinidade dessa bomba pelo Ca++ é maior do que do íon pela troponina, o recolhimento ativo predomina. Com a cessação dos PA no sarcoplasma, o músculo encontrar-se-á no estado de repouso. Rigor mortis Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 129 Com a morte o sistema de transporte ativo entra em falência e, mesmo na ausência de impulsos nervosos, o Ca++ difundirá passivamente para o mioplasma. Como conseqüência, inicia-se a formação de pontes cruzadas sem relaxamento resultando na contração muscular generaliza-se até o estado de que denominamos de rigor mortis. O grau de rigidez dependerá da reserva de glicogênio do músculo disponível e da temperatura. Unidade motora Agora já sabemos como a fibra muscular contrai e que para isso depende de controle nervoso. Mas como a força muscular é gerada e controlada? Denominamos de unidade motora o motoneurônio e as fibras musculares por ele inervadas. A fibra muscular esquelética dos vertebrados só recebe a inervação de um único motoneurônio. Num mesmo individuo, a inervação da musculatura varia: há unidades motoras cuja relação de inervação é baixa, (o motoneurônio inerva 1.700 fibras musculares) ou alta (o motoneurônio inerva algumas dezenas de fibras musculares). Os músculos de grande precisão motora como os músculos oculares e dos dedos possuem uma relação de inervação de 1motoneuronio para 10 fibras. MECÂNICA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 130 O sistema contrátil depende da concentração de Ca++ disponível no mioplasma e, como conseqüência, da freqüência com que as fibras musculares da unidade motora estão sendo estimuladas. Quando o motoneurônio de uma unidade motora dispara um PA haverá uma resposta mecânica correspondente denominada abalo (espasmo muscular) que é uma breve contração seguida de relaxamento. A resposta mecânica manifesta-se após um breve período de latência, uns 2ms após o inicio da despolarização e a sua duração varia com tipo de fibra muscular (se são de contração rápida ou lenta). O abalo mecânico é uma resposta do tipo tudo-ou-nada e, se um segundo estimulo for aplicado antes do relaxamento, haverá uma somação ou superposição das respostas mecânicas resultando em tensões progressivamente maiores e observamos o “fenômeno da escada”. A aplicação de estímulos cada vez mais freqüente produzirá, finalmente, contrações sustentadas e uniformes denominadas contrações tetânicas. A força desenvolvida num tétano perfeito é de 4 vezes maior em relação a um abalo isolado. Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 131 Um músculo é formado de várias unidades motoras. Assim, o desempenho mecânico do músculo é aumentado recrutando-se a atividade de todas as unidades motoras. É por causa dessa organização morfo-funcional que os vertebrados podem graduar precisamente a força muscular. Se todas as fibras musculares de um músculo fossem inervadas pôr um único motoneurônio, esse músculo contrairia sempre como um todo. O recrutamento é realizado em uma determinada ordem onde as unidades motoras mais fracas (em termos de potencia mecânica) são recrutadas antes e, só depois, as mais potentes. Contrações isométricas e isotônicas A contração muscular é o estado de atividade mecânica. O músculo comporta-se como um sistema de dois componentes onde a parte contrátil (sarcômeros) está em série com o componente elástico (tendões e tecido conjuntivo). Quando os sarcômeros encurtam-se a parte elástica sofre tração e se uma das extremidades do músculo for móvel, causará movimento e se ambas estão fixas, causará apenas tensão (ou estresse). Nas contrações isométricas a força está sendo exercida nos pontos de fixação muscular sem o encurtamento significativo das fibras Contração isotônica Contração isométrica musculares. Nesse tipo de contração, as pontes cruzadas se estabelecem aumentando a tensão ou a rigidez do músculo (na palpação você sentirá o músculo em atividade duro). O desenvolvimento deste tipo de força ocorre tipicamente nos músculos posturais ou quando um músculo atua contra uma força oposta. Apesar de não ocorrer trabalho externo, o músculo realizou o que chamamos de trabalho interno. Quando as fibras musculares encurtam-se e uma carga externa é movida de um lugar para outro temos a realização de trabalho externo e dizemos que houve contração isotônica. No exemplo acima, quando o bíceps ergue a carga e realiza movimento “trabalha” isotonicamente, mas quando se tenta puxar o cordão que está fixo, não há movimento, mas o músculo está “trabalhando” Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 132 isometricamente. Na prática, uma contração muscular passa de isométrica a isotônica e vice-eversa, o tempo todo. Relação entre a força máxima e o comprimento do músculo A força máxima desenvolvida no tétano depende do comprimento inicial do músculo. O músculo possui elementos elásticos em série e em paralelo (todos os elementos situados entre as pontes cruzadas e as extremidades dos tendões). Quando um músculo é passivamente estirado ele tende a retornar ao seu comprimento de repouso. Trata-se da propriedade elástica do músculo que pode ser descrita numa curva de tensão passiva. Quando um músculo executa uma contração isométrica, a tensão ativa gerada pelas pontes cruzadas é adicionada à tensão passiva. Na figura, a curva em tracejado é a curva de tensão ativa em função do comprimento e mostra que a faixa operacional do comprimento do músculo se encontra dentro de uma pequena porcentagem do comprimento em repouso. A tensão ativa é máxima quando a contração começa do comprimento em repouso; neste ponto a superposição dos filamentos finos e grossos é tal que todas as cabeças miosínicas podem formar pontes cruzadas. Se houver uma distensão passiva, o grau de superposição entre os filamentos diminui e o número de pontes cruzadas também, reduzindo drasticamente a geração de força ativa. O mesmo verifica-se quando o músculo tenta se contrair a partir de um grau de sobreposição já existente entre os filamentos. Em suma, os músculos esqueléticos estão adaptados para gerarem a sua força máxima a partir do comprimento de repouso e dentro de uma faixa muito estreita em torno desse comprimento. Essa faixa de desempenho ótimo é denominada faixa operacional real do músculo. Sistema de alavancas Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 133 As alavancas são constituídas de três partes: o fulcro (ou pivô), a carga (resistência), o esforço e alavanca em si. Suponha que você queira levantar uma carga usando uma alavanca, com o pivô situado bem no meio. Nesse caso você se esforça, mas o máximo que conseguirá é equilibrar a carga na outra extremidade. Afastando-se o fulcro do ponto onde o esforço será realizado, o objeto poderá ser levantado com um esforço bem menor (ainda que tenha que fazer um percurso maior para baixo). No cotidiano, várias ferramentas são utilizadas usando esse principio. Não é diferente para a realização de movimento de partes ou de todo nosso corpo: como vimos o custo da contração muscular é grande (consumo de ATP) e é uma grande vantagem, o uso de alavancas para a economia de energia mecânica. Quando um músculo isolado é submetido a contrair suportando uma carga de 7 Kg, ele gerará uma força equivalente e “puxará” o objeto com um deslocamento de 1cm (que corresponde ao encurtamento muscular). Mas, a associação do músculo com o esqueleto produz um sistema de alavanca que amplifica a força gerada pela contração muscular. O bíceps tem a sua inserção além da articulação móvel do cotovelo. Assim quando ele se encurtar, moverá o antebraço, fletindo-o. Suponha que a mesma carga de 7Kg seja movida pelo antebraço. Nesse caso, com menos força a mesma carga poderá ser movida facilmente. Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 134 Exercícios Físicos: Energia e Potencia Mecânica A gravidade é uma força inexorável. Os peixes mantem o corpo em equilíbrio postural, contraindo ritmicamente a musculatura que move as nadadeiras, pois do contrário, cairiam para o lado. Além de estabilizar o corpo contra a ação da gravidade e da correnteza, a musculatura axial e apendicular do peixe deslocam o seu corpo para frente através de movimentos natatórios. Com base nas características temporais os movimentos natatórios dos peixes podem ser classificados em: 1) Natação de cruzeiro (sustentado ou estável): movimentos repetitivos e cíclicos com pequena amplitude de curvatura do corpo. Esse tipo de natação é usada quando longas distâncias são percorridas ou para a natação de velocidade constante. 2) Movimentos em surto (ou instável): inicio rápido com ampla curvatura do corpo correspondente a manobras de evasão ou de captura de presa. Asafa Powel (Jamaica) Carlos Lopes (Portugal) Se analisarmos a musculatura axial do peixe, reconhecemos dois tipos de fibras: “vermelhas” e “brancas". Na musculatura de uma espécie filogeneticamente distante, como o ser humano, também encontramos padrão de organização semelhante. Que significado biológico teria tais variações em relação aos tipos de fibras musculares? Como os peixes, outros animais também realizam exercícios musculares semelhantes. Várias espécies de aves e de mamíferos herbívoros fazem longas jornadas migratórias exigindo atividades musculares continuas, ou seja, devem praticar exercícios de resistência. Por outro lado, os animais precisam realizar ações musculares que exigem muita rapidez e potencia mecânica para uma caçada ou manobras evasivas anti-predatórias. Será que os tipos de fibras “vermelhas e brancas” teriam alguma relação? Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 135 Analisemos duas modalidades de atletismo: a figura acima mostra o campeão olímpico da prova de 100m (velocidade) e da maratona de 42 km (resistência). É evidente que a primeira é uma prova de curtíssimo prazo (recorde: 9,77s) e a outra de longo prazo (recorde: 2h:09min). Em ambos os casos, os atletas usam os mesmos grupos de músculos para a corrida. Mas será que exatamente do mesmo modo? Note que o velocista aparenta maior massa muscular (parece ser mais forte) e o fundista, franzino. Se prestar bem a atenção durante os dois tipos de provas, o velocista nem respira, mas o maratonista mantém uma respiração rítmica e uniforme. A corrida de 100m exige velocidade, e, portanto, grande potência mecânica (força), para otimizar já na saída o atleta assume uma postura que a partir dele consegue um lançamento eficaz do corpo. Examinando a musculatura da perna humana verificamos que há basicamente dois tipos de fibras, como no peixe: fibras vermelhas e brancas. Esse padrão está associado às propriedades metabólicas e mecânicas das fibras musculares esqueléticas que são classificadas em: fibras do tipo I: relacionados à resistência e fibras do tipo II: à força e velocidade. As fibras do tipo II podem ser subdividas em A (metabolismo anaeróbico) e B (aeróbico). PROPRIEDADES Cor Suprimento sanguíneo No. de mitocôndrias Grânulos de Glicogênio Quantidade de mioglobina Metabolismo Velocidade de contração Tempo de contração Força contrátil Resistência a fadiga Tipo I (resistência ) Vermelha Rico Alto Raros Alta Aeróbico Lenta Longo Baixa Grande Tipo IIA (Força e velocidade) Branca Pobre Baixo Numerosos Baixa Anaeróbico Rápida Curto Alta Grande Tipo IIB (Força e velocidade) Intermediaria Intermediario Intermediário Intermediários Media Aeróbico Rápida Intermediário Média Pequena Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 136 A tabela compara as propriedades dos três tipos de fibras e nos permite concluir que os músculos posturais que estão o tempo todo em atividade (atividade tônica), como as que estabilizam as articulações (como os músculos anti-gravitacionais) são fibras musculares aeróbicas resistentes à fadiga. Como exemplo podemos citar a musculatura do atum que possui uma massa muscular vermelho-escura (por causa da grande concentração de mioglobinas), situado lateralmente e se entende à coluna vertebral e são recrutadas durante as jornadas constantes em velocidade de cruzeiro. Quando atividades fásicas (contração e relaxamento) que exigem força e velocidade são necessárias, ainda que por pouco tempo, entram em ação as fibras do tipo IIA, cujo metabolismo é anaeróbico. O atum possui também uma grande massa muscular de fibras brancas que são recrutadas quando a velocidade é exigida. O músculo sartório da rã extende-se ao longo da sua coxa é responsável pelo salto e é constituída inteiramente de fibras fásicas, inervadas por motoneurônios cujas fibras são de grosso calibre. Quando esse músculo é recrutado as suas fibras musculares respondem manifestando respostas mecânicas máximas. Mas também há fibras musculares (IIB) que realizam atividades intermediárias: não exigem grande desempenho mecânico, são mais resistentes à fadiga e apresentam metabolismo aeróbico. Assim os peixes, aves e mamíferos que migram longas distâncias estão preparados para tais exigências e, ao mesmo tempo, se durante a navegação de cruzeiro forem atacados por um predador podem recrutar fibras musculares anaeróbicas e realizar manobras de evasão que são ações rápidas de força e velocidade. Esse conhecimento é aplicado no treinamento de atletas. O treinamento do atleta fundista e do velocista devem ser específicos, ou seja, o primeiro deverá recrutar predominantemente fibras aeróbicas em seus exercícios enquanto o segundo, exercícios anaeróbicos. É por essa razão que os velocistas não respiram durante a corrida, mas ficam com débito de oxigênio no final da corrida. Músculos Sônicos Alguns animais produzem sons e esses sinais acústicos proporcionam comunicação a distância entre indivíduos da mesma espécie. Quando uma coluna de ar vibra ou quando se movimenta ar por uma membrana vibrátil (cordas vocais) é possível gerar sons. Um peixe-sapo macho emite sons monotônicos vibrando a coluna de ar que fica dentro da bexiga natatória e a cascavel, chacoalha os guizos caudais para advertir seus inimigos naturais. Para que se produza som os músculos “sônicos” devem realizar ciclos de contração e relaxamento extremamente rápidos, na mesma freqüência do som produzido. Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 137 Fadiga muscular A fadiga é uma condição temporária em que a força muscular não pode mais ser gerada pelo músculo por problemas metabólicos. PECULIARIDADES DA MUSCULATURA DOS INVERTEBRADOS Os invertebrados possuem músculos estriados que geram tensão mecânica sobre um endosqueleto hidrostático ou exosqueleto quitinoso. Possuem músculos de contração rápida e lenta como os vertebrados, mas há várias diferenças em relação ao sistema de controle da motricidade. Para os predadores que caçam presas vivas a rapidez é essencial. As lulas, por exemplo, capturam suas presas eficazmente graças às fibras de contração excepcionalmente rápidas dos seus tentáculos. O padrão de estrias das fibras musculares dos tentáculos não é transversal como nas fibras dos braços, que são oblíquas. Os moluscos bivalves fecham as suas conchas através de ligamentos e músculos adutores que podem ser um ou dois, conforme a espécie. Esses músculos lisos quando fecham as conchas podem mantê-lo tonicamente contraído por horas a dias. Músculos assincrônicos do Vôo (músculos fibrilares) As asas mais primitivas dos insetos são as da libélula que são mantidas sempre esticadas. O surgimento de escleritos foi uma inovação que possibilitou o dobramento das asas sobre o abdômen quando em repouso (como fazem as moscas). A asa sobe e desce e funciona como se fosse uma gangorra com o fulcro fora de centro. Mas, não basta as asas subirem e descerem: é necessário movimentos para frente e para trás e, assim, num ciclo completo de batimento observamos a descrição de uma elipse ou de um oito conforme a espécie. A libélula possui músculos para o vôo chamados músculos sincrônicos, pois as fibras musculares contraem uniformemente em resposta ao estimulo nervoso. O mecanismo básico Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 138 consiste na contração alternada de dois pares de músculos dorso-ventrais. Por meio de alavancas mecânicas, os músculos elevadores sobem as asas e os depressores, abaixam-na. Uma outra alternativa para o vôo é o praticado pela maioria de himenópteros (abelhas e vespas), dípteros (mosca), coleópteros (besouros) e hemípteros (percevejos) que usam a musculatura assincrônica. A freqüência de batimento é tão alta (de 100 a mais de 1000 batimento por minuto) que devem possuir mecanismos alternativos para alcançar tal velocidade: de fato, há uma disposição diferente dos músculos torácicos que estão acoplados a parede interna do tórax. Quando os músculos dorsoventrais contraem, esses puxam o teto do tórax para baixo e a asa se eleva. Ao mesmo tempo quando o tórax é deformado, isso causa o estiramento da musculatura antero-posterior provocando uma contração reflexa. Essa contração deforma o tórax para cima, abaixando as asas e servido estímulo para a contração reflexa da musculatura dorso-ventral, e assim por diante. O sistema funciona como se fosse um oscilador mecânico: um único impulso nervoso (inicio do vôo) começa a oscilação mecânica repetitiva e depois, outros impulsos nervosos são transmitidos a intervalos regulares para a manutenção do batimento alar. COMPARAÇÃO ENTRE AS FIBRAS MUSCULARES ESQUELÉTICAS, LISAS E CARDÍACAS DE VERTEBRADOS Fibras musculares cardíacas O coração bate ritmicamente de modo que durante a sístole há contração e durante a diástole, relaxamento. As fibras musculares cardíacas são miogênicas e entre elas há “células marcapasso” que assumem uma freqüência natural de descargas. As células marcapasso despolarizam-se e repolarizam-se espontaneamente (não precisam de estímulos nervosos) e propagam a atividade elétrica para as células vizinhas com as quais estão acopladas eletricamente. De fato, as fibras musculares cardíacas aderem-se umas as outras por meio de intedigitações (discos intercalados) onde estão os desmosssomos e as junções abertas. Possuem canais iônicos que se abrem e de fecham espontaneamente, gerando PA do tipo tudo-ou-nada, porém com uma configuração diferente das fibras esqueléticas: a despolarização é bem rápida, mas uma repolarização é tão lenta que forma até um platô. Com uma duração maior do PA mais Ca fica disponível para o ciclo das pontes cruzadas, e os abalos mecânicos são considerados fortes. Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 139 Os túbulos T são curtos e não há formação de tríades. A resposta mecânica praticamente coincide com a duração do PA e como conseqüência é impossível ocorrer somações mecânicas, ou seja, uma contração tetânica. Para se aumentar o volume de sangue ejetado na unidade de tempo, a alternativa é a de aumentar a freqüência de batimento do coração. Apesar das propriedades miogênicas, o sistema nervoso visceral regula a ritmicidade dessas células marcapasso, acelerando ou retardando o ritmo cardíaco, conforme as exigências do organismo. Fibras musculares lisas As fibras musculares lisas são pequenas e fusiformes; possuem actina e miosina, mas não apresentam padrões de estriações transversais. Não possuem moléculas de troponina e os filamentos ficam ancorados nos corpos densos. As células musculares lisas podem contrair até 80% de seu comprimento – em contraste aos menos de 30% do músculo esquelético. Há dois tipos de fibras musculares lisas: a) Fibras unitárias (ou viscerais): funcionam como sincício funcional e estão eletricamente acopladas entre si e possuem propriedades miogênicas. b) Fibras multiunitárias: parecem-se as fibras musculares esqueléticas e dependem de controle nervoso. Nas fibras unitárias, a atividade elétrica gerada numa célula propaga-se para as outras como se fosse uma onda. Durante a fase de despolarização há abertura de canais de Ca e a sua entrada promove o deslizamento dos miofilamentos. Como exemplo, citaremos a motilidade intestinal. A parte muscular do trato gastrointestinal de vertebrados é composta por fibras musculares lisas circulares e longitudinais. A contração dessas fibras promove a propulsão ou a mistura do seu conteúdo. O peristaltismo intestinal resulta da combinação de dois mecanismos distintos: a) controle instrísenco ou miogênico: As fibras musculares geram espontaneamente ondas de despolarização e repolarização produzindo um ritmo ondas lentas (REB). O Ca que flui para dentro da célula liga-se a calmodulina (a musculatura lisa não possui troponina) e promove a contração. Note-se que a tensão mecânica pode ser criada sem a geração de PA no sarcolema. A presença das ondas REB garante ao intestino o seu tônus de repouso. b) Controle extrínseco (neural e humoral): por outro lado os REBs podem ser modulados por mediadores químicos (hormônios, NTs do SNA e outros mediadores do próprio plexo entérico). Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 140 Outra característica da pequena fibra muscular lisa é o fato de dispensarem os túbulos T e possuir um RS bastante discreto. A fonte de Ca necessária para a contração vem principalmente de fora. As fibras musculares multiunitárias podem ser exemplificadas pelas fibras do músculo da íris, da parede das artérias, e aquelas que eriçam os pelos. Essas fibras não possuem acoplamento elétrico e dependem totalmente do controle nervoso para contrair. O sarcolema responde eletricamente ao estimulo neural sem gerar PA. A despolarização abre os canais de Ca necessários para ativar os mecanismos moleculares da contração. Propriedades/ Componentes Bandas Visíveis Filamentos Grossos e Finos Tropomiosina e troponina Túbulos transversais Reticulo Sarcoplasmático Mecanismo de contração Inervação Inicio da Contração Fonte de Cálcio p/ ativação Junções abertas Velocidade de contração Relação nítida entre tensão e comprimento Músculo Estriado Músculo Estriado Músculo Liso Músculos associados a esqueletos e são responsáveis pela postura e movimento do corpo Musculatura que formam o coração cujo ciclo de contração e relaxamento propulsionam o sangue através dos vasos. Musculatura que formam os demais órgãos cavitários do corpo (vasos sanguíneos, bexiga, trato gastrointestinal, útero, etc.) além de outras estruturas (esfíncteres, músculo ciliar, etc.) Músculo Estriado Músculo Liso Esquelético Cardíaco Multiunitário Uma só Unidade sim sim Não Não sim sim sim sim sim sim Muito desenvolvido Deslizamento dos filamentos finos sobre os grossos Sistema nervoso somático Neurogênica sim sim Muito desenvolvido Não Não Pouco sim Não Pouco Idem Idem Idem SNA Miogênica SNA Neurogênica SNA Miogênica RS LEC e RS LEC e RS LEC e RS Não Rápida ou Lenta, dependendo da fibra Sim Não Sim Lenta Muito Lenta Muito Lenta Sim Não Não Sim Curso de Ciências Biológicas 2007 Disciplina de Fisiologia Comparada Ciclo de Neurofisiologia Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 141 Comparando os controles neurais de vertebrados e invertebrados A força de contração das fibras musculares esqueléticas dos vertebrados depende da freqüência dos PA na unidade motora e no número de unidades recrutadas. No caso dos invertebrados, raramente, as fibras musculares geram PA. A força de contração depende da amplitude das ondas de despolarizações e isso acontece porque as terminações nervosas ocorrem ao longo de toda fibra muscular, “dispensando” a geração e a propagação dos PA. O fato de não ter que gerar um evento elétrico do tipo tudo-ou-nada, possibilita a graduação de força na própria fibra muscular. Assim, a quantidade de Ca liberada é proporcional a amplitude dos potenciais pósjuncionais. Finalmente, outro diferencial é que os invertebrados possuem inervação inibitória nas fibras musculares assim como mais de uma inervação excitatória (inervação multineuronal) sendo possível a somação algébrica de sinais no próprio sarcolema.