Baixar este arquivo PDF

Propaganda
A FAMÍLIA E A ESCOLA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO ÉTICA
E. W. S. Nunes1 ; L. R. S. Mendes2
RESUMO
Este pequeno ensaio apresenta, de forma sucinta, o relevante papel da instituição familiar e
escolar na formação das crianças e adolescentes no que diz respeito aos valores éticos. Na
família, os valores são inicialmente apreendidos através da imitação dos atos dos adultos,
sendo complementados pela escola a partir do desenvolvimento de práticas que se pautem no
diálogo e na justiça. Ainda relativo à escola, a formação de valores ocorre simultaneamente
ao aprendizado cognitivo e técnico, sendo muito importante a contribuição de todos aqueles
que compõem a comunidade escolar na vivência desses valores como concretização da
formação ética pela qual todos são responsáveis.
Palavras-chave: Valores Éticos; Família; Escola; Formação Integral; Educando.
ABSTRACT
This small work presents, in a brief way, the major part that the family institution and
education play on children and teenagers formation, concerning ethical values. In family
these values are learned at first by the imitation of adults’ acts and being completed in school
by development of actions that lie on dialogue and justice. Still concerning to school, the
formation of the values happens simultaneously with the cognition and technical learning. It’s
very important that everyone who makes of the school community contributes by living these
values like the realization of ethical formation for which everyone is responsible.
Key-words: Ethical Values, Family, School, Entire Formation, Student.
INTRODUÇÃO
Cuidar da formação ética das crianças e dos adolescentes é se preocupar com a formação de
valores humanos, que as predisponham a promover a harmonia não só com as demais
pessoas, mas com toda a natureza.
Presenciamos crescer entre nós a violência, a indiferença, a mentira, o “tirar vantagem em
tudo”, a discriminação, a intolerância, o desprezo. A sociedade humana se corrói em
1
Professor de Filosofia na UNIPAC e de Formação Religiosa no Colégio Ibituruna - Governador Valadares/MG.
2
Doutor em Filosofia Política pelo Antonianum. Professor de Filosofia da Educação e Direito.
contravalores que estão tomando proporções assustadoras. As pessoas já quase não se olham
mais. Em tempos de altos índices de desemprego, o outro, muitas vezes, não passa de um
concorrente que ameaça o “meu posto”. Enfim, as relações estão muito desgastadas. Boff
(2002:33) nos sugere uma prática muito interessante para o resgate de nossas relações, a fim
de torná-las mais humanas. Ele diz que
...o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um
ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de
zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de
responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.
É necessário e urgente resgatarmos a dimensão do Cuidado uns com os outros. Nada é mais
humano que a atenção prestada àqueles com quem convivemos. Atenção que se expressa de
diversas formas como, por exemplo: diante de uma sociedade em que se vivencia o
individualismo, o Cuidado-Atenção é expresso na solidariedade, no companheirismo; numa
sociedade em que se prega a busca do enriquecimento e de posses materiais, o CuidadoAtenção é expresso na justa partilha-acesso a que todos têm direito.
Assim, tais valores humanos se tornam mais que uma necessidade: se fazem um dever se
quisermos começar a mudar as estruturas injustas e desiguais de nossa sociedade.
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS VALORES
A ciência que estuda os valores é denominada Axiologia3. A concepção do termo “valor” e
muito do seu significado vêm desde a Antiguidade, porém, um estudo científico sobre o tema
surgiu mais recentemente. De acordo com Veloso (2001), não é possível definir
“rigorosamente” o conceito de valor. Entretanto, não podemos deixar de dizer que o termo
está relacionado aos comportamentos, às virtudes ou características desejáveis por
harmonizarem a convivência do homem em sociedade. A vivência dos valores traz bem-estar
e satisfação, pois busca prover um estado de harmonia e felicidade, sempre em benefício de
todos.
3
Do grego áksios, que significa “valioso”, “precioso”; e logos, “tratado”, “ciência”.
Alguns valores são universais e não sofrem mudanças significativas de lugar para lugar, nem
de uma época para outra, como por exemplo, o respeito à vida e o respeito à propriedade.
Mas, uma grande parte dos valores se modifica, pois está ligada aos hábitos humanos e suas
atividades em sociedade e como esses hábitos mudam historicamente, tais valores
acompanham essas transformações.
Max Scheler (1874-1928), filósofo alemão, apresenta-nos uma classificação dos valores,
aceita por muitos autores. Parafraseado por Veloso (2001:35), Scheler divide os valores nas
seguintes classes:
a) Valores úteis. Exemplos: adequado, conveniente, incoveniente etc.
b) Valores vitais ou biológicos. Exemplos: forte-fraco; salubre-insalubre;
doente-sadio etc.
c) Valores estéticos. Exemplos: belo-feio; sublime-ridículo etc.
d) Valores lógicos ou intelectuais. Exemplos: verdadeiro-falso; certoduvidoso etc.
e) Valores éticos ou morais. Exemplos: justo-injusto; misericordiosodesapiedado etc.
f) Valores religiosos. Exemplos: santo-profano; religioso-ateu etc.
Não é nosso objetivo discorrer sobre tais classes de valores, mas, deteremos nossa atenção
aos valores éticos ou morais. Esses estão ligados à natureza do comportamento moral dos
homens. Um comportamento moralmente aceitável é definido por um código de conduta do
grupo. Esse código, muitas vezes, está implicitamente gravado na memória coletiva em
função da cultura, do meio e da história vivida por um povo. Outras vezes esse código de
comportamento está estabelecido nas leis de uma nação.
Portanto, desde o nascimento, a criança faz parte de um grupo social em que as normas e
regras morais já estão estabelecidas. Assim, ela cresce aprendendo a se comportar de acordo
com o que a sociedade considera importante, bom, fundamental, enfim, princípios que
nortearão sua vida e possibilitarão relações nas quais o respeito, a confiança, a solidariedade e
a responsabilidade estarão presentes entre as pessoas.
2 CARACTERÍSTICAS DOS VALORES ÉTICOS
Já afirmamos que os valores éticos são necessários para que se mantenha a harmonia social.
O homem não vive isolado, mas interage com outros da sua espécie. Por isso, ele próprio
percebe a importância das regras de conduta e comportamento para que a sociedade se
estruture e sobreviva. As regras que determinam as atitudes e os comportamentos recíprocos
são criadas de acordo com as necessidades e as condições fundamentais de vida do indivíduo
em grupo. Daqui decorre a necessidade da existência de sanção ou castigo, porque todo
convênio ou regra sem a devida sanção não passa de palavras, e a negligência em sua
aplicação determina seu desaparecimento gradual. Dessa maneira, é moralmente bom tudo
aquilo que promove, direta ou indiretamente, o bem-estar social, o bem-comum; tudo aquilo
que completa a natureza e consegue a perfeição do indivíduo sem prejuízo de terceiros.
Parafraseado por Veloso (2001:37), Johannes Hessen4 estabeleceu algumas características
essenciais para os valores éticos, sendo as seguintes:
só podem ser seus portadores as pessoas, nunca as coisas. Só os seres
espirituais podem realizar valores morais. Por isso, o âmbito desses
valores é relativamente restrito;
aderem sempre a suportes reais;
têm caráter de exigências e imperativos absolutos;
exigem que a consciência os atenda e os concretize;
dirigem-se ao ser humano em geral, a todas as pessoas; são universais. A
sua pretensão a serem realizados é universal;
constituem uma norma ou critério de conduta que afeta todas as esferas
da nossa atividade e da nossa conduta de vida. São, portanto, valores de
ação. Sempre implicam um dever-fazer, exigem ação;
o valor ético é bem moral e este, na axiologia fenomenológica consiste
sempre na preferência do valor mais alto.
Dadas tais características, podemos reafirmar que os valores éticos ou morais são essenciais
para a organização em sociedade. Somente o ser humano é capaz de agir moralmente e,
através da razão, refletir eticamente sobre seus atos. Assim, essa prática humana tem
funcionado desde os tempos mais primórdios e assim tende a se perpetuar.
3 A FAMÍLIA E A FORMAÇÃO DOS VALORES ÉTICOS
4
Filósofo e Professor da Universidade de Colônia – Alemanha.
A família, em que o papel de autoridade é representado nos pais e/ou responsáveis legais,
vive nos dias de hoje uma situação por demais complexa: o que deve ensinar aos seus filhos
em um mundo que distorce, a todo momento, os valores humanos básicos? Sabemos bem que
a família, enquanto instituição humana, e talvez a mais antiga de todas, se constitui o espaço
inicial para a formação dos valores que acompanharão a pessoa por toda a vida, dentre eles,
os valores morais. É o que afirma Veloso (2001:71) quando diz que “a educação que conduz
a criança, o adolescente e depois o jovem à sua maturidade começa no interior da família, que
permanece o lugar privilegiado da educação. Ela é o primeiro espaço educacional da pessoa
humana”.
Mas podemos nos perguntar: de que forma se dá o processo de formação dos valores éticos
nas crianças enquanto partícipes de uma família, ou seja, de que forma a instituição familiar
colabora para a formação de tais valores? Sabemos que todo valor humano é apreendido
através da convivência entre as pessoas. Em geral, os pais ensinam valores e comportamentos
morais de forma direta, ou seja, pelas atitudes assumidas diante das situações do cotidiano
familiar. Podemos citar alguns exemplos:
-
quando os pais ou responsáveis pela criança satisfazem as necessidades desta, como
carinho, atenção, alimentação, higiene etc., isso permite que a criança desenvolva a
confiança naqueles que a rodeiam e, dessa forma, nasce a confiança no mundo onde se
vive. Sem esse aspecto da personalidade formado, o futuro adulto terá sérios problemas
em suas relações sociais de convivência;
-
quando a criança, na fase de questionamento sobre “o que são as coisas”, é muito podada
em suas curiosidades ou simplesmente ignorada em suas perguntas, internaliza um
sentimento de rejeição ou culpa por incomodar demais. Isso refletirá no desenvolvimento
de sua personalidade, fazendo-a se tornar uma pessoa introvertida e/ou apática diante de
situações novas na vida.
A criança, como se encontra na condição de “descobridora do mundo”, ou seja, quer
conhecer e entender tudo o que a cerca, está sempre testando não somente os seus limites,
mas os dos outros com quem convive. Dessa forma, deve haver um grande esforço dos pais
no sentido de satisfazer as curiosidades dos filhos, porém sempre ao seu nível de
compreensão, ou seja, a cada idade, uma resposta gradativamente substanciosa deve ser dada
às questões elaboradas pelas crianças de forma que lhes seja compreensível. Uma criança
nunca deveria ficar sem respostas adequadas às(aos) suas(seus) dúvidas/questionamentos,
pois, tais respostas são extremamente necessárias para a construção de sua “estrutura de
mundo”.
É bem verdade que, nos primeiros anos de vida, a criança aprende e apreende os
conhecimentos e valores por imitação. Nesse caso, é necessário que os pais e ou responsáveis
tomem cuidado com as decisões e atitudes que tomam diante das crianças, pois, estas
contribuem decisivamente na formação de seus valores e comportamentos morais. Podemos
citar uma situação cotidiana para ilustrar o que afirmamos acima: imaginemos que, numa
determinada família, os pais vivam se agredindo verbalmente e/ou até fisicamente diante do
filho. E que, mais tarde, ao entrar na escola, essa criança se demonstre agitada e agressiva
com os colegas. Ao serem chamados na escola e serem informados do que ocorre com o filho
e sua indisciplina, os pais chegam em casa e dão uma surra na criança ou a colocam de
castigo, privando-lhe de brincar ou realizar outra atividade que lhe seja prazerosa, dizendo
que ela deve mudar sua atitude com os colegas, tratando-lhes com respeito. Mas, como tratar
com respeito os colegas da escola se a criança não conhece essa atitude, pois os pais nunca o
demonstraram em seu convívio familiar, nem entre si e nem com a própria criança? Dessa
forma, se esta não tiver um referencial de como se comportar ou como agir (e este referencial
somente pode ser dado por aqueles com quem ela convive mais freqüentemente), nunca
poderá demonstrá-lo no convívio social.
Outro instrumento indispensável na educação para os valores é o diálogo. Isso não quer dizer
que com uma conversa a criança aprende o que deve saber e fazer na sua convivência com os
outros. O diálogo tem que ser uma atitude constante dos pais, principalmente no momento de
“impor” disciplina e limites. Uma criança criada num ambiente onde há diálogo estará mais
bem preparada, não somente para lidar com determinadas situações de sua vida como para
resolver certos problemas de relacionamento de forma equilibrada e madura. Disciplinar uma
criança com rigor extremo, impondo ameaças, castigos, surras e remoção de atividades que
lhe proporcionem prazer, como acontece freqüentemente em muitas famílias, contribui para
formar adolescentes retraídos e revoltados que usarão, a todo custo, de artifícios para escapar
à punição familiar e social.
Dessa forma, podemos perceber quão grandioso é o papel da família na formação dos valores
éticos das crianças. Mas, atualmente, a instituição familiar tem passado por uma grande crise.
Muitas vezes, a desestruturação da família tem ocorrido devido ao despreparo psicológico
dos pais para assumir a maternidade/paternidade; ao desemprego que leva a uma situação
financeira precária; à influência negativa que os meios de comunicação social, principalmente
a televisão, têm exercido sobre as relações interpessoais nos lares, etc. Esses são alguns dos
problemas que acabam se ramificando em muitos outros e que vão minando a estrutura
familiar, colocando-a nessa grave crise. Por que não dizer, uma crise de valores e de
identidade. Por isso, muitas vezes, a família transfere grande parte de sua responsabilidade
para com a educação dos filhos para outra instituição social: a escola. É o que nos afirma
Veloso (2001:71), quando diz que
...a família, muitas vezes às voltas com as mais diversas dificuldades, não
tem como atender sozinha a todas as exigências educacionais, daí as
instituições particulares ou públicas para esta complementação. A exigência
é a mesma: séria formação escolar com uma profunda formação integral da
pessoa.
Essa “formação integral da pessoa” se refere às várias dimensões a serem desenvolvidas no
ser humano, dentre elas, a dimensão da moralidade. Porém, sabemos que a escola não se
restringe a oferecer apenas uma “complementação” àquilo que as crianças trazem da família.
Em alguns casos, ela se vê “obrigada” a atender toda uma deficiência de formação, muitas
vezes, não oferecida pela família às crianças.
Como transmissora do conhecimento historicamente acumulado é a escola que está, depois da
família, em melhores condições de exercer um papel de destaque na formação de valores. O
seu papel é oferecer conjuntamente com a formação acadêmica, a formação do indivíduo
completo, do homem integral. Essa formação integral se refere às dimensões a serem
desenvolvidas no processo educacional, dentre elas a formação de valores, que ocorre a partir
das relações de convívio e solidariedade recíproca entre os sujeitos envolvidos no cotidiano
da comunidade escolar. É o que nos afirma Silva (1997:19), quando diz que
se entendermos que a educação é um processo de construção coletiva,
contínua e permanente de formação do indivíduo, que se dá na relação entre
os indivíduos e entre estes e a natureza, a escola é portanto, o local
privilegiado dessa formação, por que trabalha com o conhecimento, com
valores, atitudes e a formação de hábitos.
Não há dúvidas de que a instituição escolar deve ter como centro de suas atividades a
educação formal – entendida como o conjunto das diversas áreas do conhecimento a ser
ministrado –, mas constitui também como sua missão o preparo daqueles que a frequentam
para o convívio social e o exercício da cidadania. É importante que encontremos no ambiente
escolar a possibilidade do exercício constante de valores importantes para a vida em
sociedade. Dessa forma, a escola deve ser um espaço propício ao acolhimento da diversidade
cultural e ideológica. Por abrigar tal diversidade, ela deve fazer valer o princípio democrático
como ponto de referência para a prática de valores, tais como o respeito, a solidariedade, a
justiça e o diálogo.
Sabemos que todo ser humano aprende a dar os primeiros passos da vida social convivendo
no núcleo familiar. Portanto, tais valores, como já afirmamos anteriormente, têm suas bases
iniciadas na família. Mas, como já enfocamos sobre o papel e a importância da família nesse
processo, analisemos também, mais profundamente, a função da instituição escolar como
espaço favorável à formação de valores.
4 A ESCOLA COMO ESPAÇO FORMADOR
Ao chegarem à escola, os alunos estão longe de poderem ser considerados como “tábula
rasa”5, não somente no sentido do conhecimento cognitivo, mas também no aspecto de que já
possuem uma noção do que seja certo e do que seja errado no convívio com os outros. Isso
implica que a instituição escolar ao receber, sob seus cuidados, os alunos que nela farão um
processo educativo, deve estar atenta ao fato de que eles trazem de sua experiência na família,
valores e comportamentos com os quais, ora estará de acordo, ora em confronto.
Para amenizar tais conflitos, buscando uma convivência mais harmoniosa é preciso um
referencial ético que possibilite a reflexão sobre as práticas e comportamentos no ambiente
escolar. Como já citado, o princípio democrático deve ser tomado como o referencial ético de
que a escola necessita para normatizar as ações morais. Por esse princípio devem ser pautadas
todas as posturas e atitudes dos envolvidos no processo educacional da escola: professores,
diretoria, supervisores, secretaria e auxiliares de serviços gerais. O comportamento dos
adultos no espaço escolar, às vezes, é aceito ou não como modelo a ser seguido. Por isso, é
importante que toda a comunidade escolar esteja atenta para a qualidade das relações
interpessoais existentes na mesma.
5
Conceito desenvolvido por John Locke, filósofo inglês empirista, para quem o ser humano nasce sem nenhuma idéia na
mente (por isso, tabula rasa) e só a partir da experiência sensível dá-se início ao processo de formação das idéias.
Uma das formas de garantir que a comunidade escolar mantenha certa uniformidade no trato
com a qualidade das relações implicadas em seu ambiente cotidiano é a adoção do processo
atualmente conhecido por gestão democrática.
A gestão democrática da escola pressupõe que todos tenham iguais direitos à participação nas
decisões que, nesse espaço, se tomam. Nada deve ser imposto sem que haja uma justificativa
para tal. Decisões não devem ser tomadas arbitrariamente por um indivíduo ou por um
pequeno grupo, pois, podem causar um clima desagradável nas relações e/ou o desinteresse
dos demais. É indispensável a participação de todos. Isso favorece a tomada de consciência
sobre os valores implicados no processo democrático e sobre a importância de se fazer parte
desse processo.
Um dos momentos em que se faz imprescindível a participação dos alunos é aquele em que se
definem as regras de conduta na comunidade escolar, seja no processo de elaboração do
Projeto Político Pedagógico da escola, seja na sala de aula. Essa participação garantirá maior
probabilidade de sucesso no processo de ensino-aprendizagem e de um bom convívio entre os
sujeitos do mesmo. Tais regras não devem ser impostas, mas, se construídas coletivamente,
devem traduzir o respeito e a justiça para com todos. Por exemplo: jogar lixo em local
apropriado, respeitar as filas para receber a merenda, ouvir enquanto o outro estiver falando
são algumas atitudes que refletem os princípios acima citados. Esse aprendizado, com
certeza, ajudará aos alunos a se sentirem parte da comunidade escolar e responsáveis pela
manutenção do patrimônio público, tão importantes para o convívio em sociedade e ao
exercício da cidadania.
Elemento fundamental para a condução do processo participativo-democrático na escola é,
sem dúvida, o diálogo e este deve ser estendido a todos os que fazem parte da comunidade,
principalmente àqueles cuja participação da vida escolar, atualmente, têm constituído num
grande desafio: os pais e/ou responsáveis legais dos educandos. De acordo com TEGAMI e
SILVA (1997:9), “educar para a cidadania ou para os valores éticos (...) é algo que se
constrói através do diálogo aberto e crítico, se possível com a presença dos pais e familiares
que também participam do processo formativo.”
O diálogo exige uma postura de respeito à diversidade de opiniões e idéias. É um dos
princípios éticos mais necessários às sociedades atuais. É uma prática que deve começar,
como já dissemos, na família e ser reforçada na escola.
Como em todo processo de elaboração de regras de conduta, não podemos deixar de tocar
num ponto crucial: as sanções e punições para aqueles que transgredirem tais regras. É
evidente que tais punições devem obedecer ao princípio da justiça, para que não sejam
feridos outros valores. As sanções não devem ser severas demais, pois, dessa forma podem
gerar o efeito contrário do que se espera com elas: revolta e/ou rebeldia para citar alguns
exemplos. Aqui, podemos também sugerir que o diálogo seja utilizado para conduzir o
processo. Envolver os alunos na busca de uma solução para os conflitos e os problemas de
relacionamento pode gerar uma consciência de que são capazes de superar tais conflitos de
forma civilizada, além de afirmar valores ao mesmo tempo em que estimula a formação de
atitudes.
A sala de aula é espaço privilegiado para o aprendizado de valores e normas de conduta. Haja
vista que a maior parte do tempo escolar vivenciado pelos alunos transcorre nesse espaço.
Dessa maneira, a formação de valores deveria ser um compromisso de todos os educadores,
ou seja, um compromisso assumido em todas as áreas do conhecimento. Mas, sabemos que
na prática cotidiana escolar, poucos são os educadores que se comprometem de fato com essa
tarefa tão importante. A maior parte, às vezes, preocupa-se especificamente com “esgotar” os
programas de conteúdos de sua disciplina, não proporcionando, dentro desta, uma forma de
trabalhar outras dimensões da formação humana, como por exemplo, a ética.
Para que os alunos possam aproveitar melhor os conteúdos aprendidos no processo de ensinoaprendizagem é necessário que tenham apreendido valores capazes de inseri-los numa relação
harmoniosa de convivência na sociedade que, atualmente, não exige somente pessoas
detentoras do saber cognitivo e técnico, mas também que saibam estabelecer uma interação
de respeito e solidariedade para com as outras pessoas e com a natureza. Dessa forma, Freire
(2003:33), em relação à nobre missão de contribuir na formação de nossos educandos, alertanos que
Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma
transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro
treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano
no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do
ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação
moral do educando.
Portanto, o educador (a) tem um grande papel a desempenhar no processo de formação ética.
O educador (a) é, na escola, a pessoa com a qual os educandos estão em contato diário e mais
próximo. Este se revela como um verdadeiro “espelho” em que muitos encontram um
referencial de atitudes, ou seja, o discurso docente deve ser concretizado em sua prática. A
esse respeito Freire (2003:34) nos diz ainda, que “quem pensa certo está cansado de saber que
as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é
fazer certo.”
Assim, o educador deve estar atento quanto à questão da coerência entre suas palavras e
ações, pois, é nesse quesito que, muitos dos que lidam diretamente com o processo
educacional, “pecam” e, com isso, colocam todo um processo de formação ética a perder.
Somente o discurso já não convence mais atualmente. É necessária uma práxis pedagógica
que una teoria e prática num processo do “ser-fazer” que favoreça positivamente a Educação
e satisfaça as necessidades de nossos educandos que, com certeza, estão atentos e cobram
essa postura de seus educadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após essa breve reflexão sobre o relevante papel da instituição familiar e escolar na formação
das crianças e adolescentes no que diz respeito aos valores éticos, podemos perceber o quão
importante é a parceria entre essas duas instituições basilares no processo de formação de
nossos filhos/educandos. Talvez esse seja o principal desafio para uma formação integral
eficaz em nossos tempos: conseguir o envolvimento dos pais e/ou responsáveis legais no
caminhar pedagógico dos filhos/educandos oferecendo sua presença marcante e carinhosa,
pois, são duas instâncias educacionais que se complementam e têm interesses comuns: a
formação integral e o bem-estar dos seus filhos/educandos. É bom lembrar também que a
sociedade atual apresenta exigências que vão bem além do saber técnico-cognitivo, ou seja, a
necessidade de pessoas que saibam conviver em sociedade pautando suas ações no diálogo e
na justiça com responsabilidade.
A FAMÍLIA E A ESCOLA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO ÉTICA
ABSTRACT
This small work presents, in a brief way, the major part that the family institution and
education play on children and teenagers formation, concerning ethical values. In family
these values are learned at first by the imitation of adults’ acts and being completed in school
by development of actions that lie on dialogue and justice. And concerning to school, the
formation of these values happens simultaneously with the cognition and technical learning,
which is very important as a contribution of everyone that makes the school community by
living these values like the realization of ethical formation for which everyone is responsible.
Key-words: Ethical Values; Family; School; Entire Formation; Student.
REFERÊNCIAS
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes,
8ª ed., 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2003.
SILVA, Aida Maria Monteiro. Educação e Violência: qual o papel da escola? In: Revista
Diálogo – Revista de Ensino Religioso. São Paulo: Paulinas, Ano II, nº 8, outubro de 1997.
TEGAMI, Pe. Luiz Aparecido; SILVA, José Cândido da. Sociedade Global ou a violência
sem fronteiras? In: Revista Diálogo – Revista de Ensino Religioso. São Paulo: Paulinas, Ano
II, nº 8, outubro de 1997.
VELOSO, Dom Eurico dos Santos. Fundamentos Filosóficos dos valores no Ensino
Religioso. Petrópolis: Vozes, 2001.
Download