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Júlia Coelho Kotchetkoff | Bauhaus Dessau: interações entre o discurso e o construído
Bauhaus Dessau: interações entre
o discurso e o construído
Bauhaus Dessau: interactions between the discourse and the built
Júlia Coelho Kotchetkoff*
*Graduada no IAU-USP, é
mestranda no mesmo instituto, bolsista CNPq. Trabalha
com o tema do ensino de
Projeto de Arquitetura, sob a
orientação do Prof. Dr. Joubert
José Lancha e coorientação
da Prof.ª Dr.ª Maria Madalena
Pinto da Silva.
Resumo
Abstract
Esta pesquisa tematiza a relação entre obra de
arquitetura e discurso sobre ela. Estes dois polos, que a priori deveriam corresponder-se, muitas vezes apresentam conflitos. A partir de tais
constatações, este trabalho investiga um caso
particular, de relevância indiscutível, de reciprocidade entre uma obra e um discurso: busca reconhecer como o arquiteto Walter Gropius
materializou seus ideais, e os de sua escola, na
construção da sede desta mesma, em Dessau,
elaborando um “manifesto construído”. A comparação dos textos do arquiteto com o edificado
resultou numa melhor possibilidade de leitura do
projeto, na descoberta de conexões e na denúncia de incongruências.
This research takes as theme the relationship between the work of architecture and the discourse
about it. These two poles, which initially should
correspond to each other, in many times present
conflicts. Departing from these statements, this
study investigates the reciprocity between a work
and a speech in a particular case, undeniably relevant: seeks to recognize as the architect Walter
Gropius materialized his ideals, and his school’s,
in its building in Dessau, making a “built manifesto”. The comparison between the written material
and the built resulted in improved readability of
the project, and the discovery of connections and
incongruities.
Palavras-chave:
Discurso
Bauhaus. Gropius.
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e
construído.
Keywords: Discourse and built. Bauhaus. Gropius.
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Júlia Coelho Kotchetkoff | Bauhaus Dessau: interações entre o discurso e o construído
Introdução
Que foi a Bauhaus? A Bauhaus foi o sonho de
1. “Bauhaus é o nome de
uma inspiração artística”
(tradução nossa)
2. “Bauhaus não é o nome
de uma inspiração artística,
mas o significado de um movimento que representa uma
doutrina bem definida” (tradução nossa)
3. “A Bauhaus constitui o
ponto central de diferentes
correntes
aparentemente
contrárias entre si, que conseguiram manter-se em um
equilíbrio tenso e produtivo
graças às eminentes qualidades organizativas e coordenadores de seu fundador
e diretor durante muitos
anos, Walter Gropius” (tradução nossa)
uma Universidade de Arte, em que todas as sementes lançadas por Morris e Van de Velde amadureceram pelas mãos de Gropius. ” (GROPIUS,
1972, p.12). Asger Jorn, em carta endereçada a
Max Bill, em 1954, diz que: “Bauhaus is the name
of an artistic inspiration.1 ” Em resposta, Bill discorda afirmando: “Bauhaus is not the name of an
artistic inspiration, but the meaning of a movement that represents a well-defined doctrine.2”
(OAKMAN, 2009, s/n). O MoMa, em ocasião da
exposição de 90 anos da fundação da Bauhaus,
em 2009, a define sobretudo como uma nova forma de educação artística.
O espaço escolar tem de ser analisado como um
constructo cultural que expressa e reflete, para
além de sua materialidade, determinados discursos. (...) Mais ainda, a arquitetura escolar, como
definiu G. Mesmin, pode ser considerada inclusive como ‘uma forma silenciosa de ensino’ (ESCOLANO apud GOSSI, 2009, p. 8)
seriam mais importantes enquanto herança por
ela deixada. Debate que talvez não seja o mais
interessante: o mais frutífero provavelmente
seja compreender de que modo a Bauhaus diversificou-se e variou ao longo de sua história,
entretanto conseguiu manter-se unida e coesa,
com seus diferentes aspectos completando-se
e transformando-se de acordo com as modificações no contexto social, econômico e produtivo.
La Bauhaus constituye el punto central de diferentes corrientes aparentemente contrarias
entre sí, que conseguieron mantenerse en un
equilibrio tenso y productivo gracias a las eminentes cualidades organizativas y coordenado-
Quando se explora a Bauhaus, é comum que se
disserte acerca de suas ideias. Sobre sua influência na educação artística, na geração do design,
e nas integrações arte e artesanato, e arte e indústria. Há discordâncias sobre quais aspectos
definiriam a linha essencial da escola, ou quais
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ras de su fundador y diretor durante bastantes
años, Walter Gropius.3 (WICK, 1986, p. 19)
É importante, contudo, relembrar que a Bauhaus
não se constitui somente de ideias e teorias. Em
um momento de sua história, existiu a oportuni-
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dade de que estas fossem materializadas, com a
construção da sede da escola, em Dessau, segundo o projeto de seu diretor e fundador, Walter Gropius. De forma que, quando pronuncia-se
sobre a Bauhaus, também ou principalmente,
deve-se considerar o edifício que foi projetado
para abrigar seu funcionamento. “The architectural evidence, among which the Bauhaus building
occupies a special place, makes a far more powerful statement and has greater charisma than
all the written statements, which Bauhaus members were never especially reluctant to produce4”
(KENTGENS-CRAIG, 1998, foreword).
4. “A evidência arquitetônica, entre as quais o edifício da Bauhaus ocupa um
lugar especial, resulta em
uma bastante mais ponderosa declaração e possui um
maior charisma que todas as
declarações escritas, que os
membros da Bauhaus nunca
foram especialmente relutantes em produzir” (tradução nossa)
O intuito deste trabalho é estabelecer relações entre as tão difundidas ideias geradas na
Bauhaus, por Walter Gropius e os demais mestres, e o edifício construído para ser sede da escola. A justificativa para tal questão provém de o
edifício ser, ou pretender ser, a própria materialização dos princípios Bauhaus, mesmo porque
o desejo de levar os postulados teóricos à realidade sempre fora intenção de Gropius, desde
os seus primeiros trabalhos em arquitetura: “Em
toda minha vida, sempre observei que palavras e
sobretudo teorias que a experiência não confirma
podem causar mais desgraças do que ações. ”
(GROPIUS, 1972, p.20-21). Além disso, pois não
só as ideias da Bauhaus tiveram grande influência e formaram herança nas escolas de arquitetura e design: o edifício de Dessau, patrimônio e
símbolo, ícone da Arquitetura Moderna tem sua
ressonância na decorrente história arquitetônica.
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Interações entre teórico e construído
Partiremos do princípio de que a sede da Bauhaus
em Dessau pretende ser um manifesto construído,
conversando com aquele escrito, anunciado na
abertura de 1919. Ou seja, de que o edifício pretende
confirmar, demonstrar, ser propaganda e difundir os
princípios defendidos pela escola, e especialmente
pelo arquiteto moderno Gropius. De forma que poderíamos encontrar, no edifício, repercussão dos diversos pontos defendidos verbalmente. A primeira
frase do Manifesto diz: “O fim último de toda a atividade plástica é a construção. ” (GROPIUS, 1919,
s/n). Isto deixa claro que a própria oportunidade de
realizar o seu edifício sede já é uma conquista de um
primeiro princípio. Materializar a Bauhaus por meio
da arquitetura significa completar uma intenção inicial. “O edifício da Bauhaus em Dessau foi o primeiro
edifício de grandes dimensões da nova arquitetura
ilustrando muitos dos seus temas principais” (CARVALHO, 2005, p.121).
Podemos enumerar questões, anunciadas textualmente, que deveriam encontrar correspondência
na construção arquitetônica. Em primeiro lugar, o
edifício deveria explicitar uma nova forma de união
das artes plásticas – pintura e escultura, como
Gropius as chama – com a arquitetura. O antigo
modo com que se realizava este vínculo, a ornamentação, não mais era válida: “Porque é rejeitado, hoje, o ornamento? Não é devido à inutilidade prática, mas porque esconde a forma simples
que, hoje, nos basta. ” (KANDINSKY, 1975, p.205).
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A maneira proposta por Gropius para realizar tal
ligação consistia em que a arquitetura, por meio
da construção, voltasse a coordenar as outras
artes. “Arquitetos, pintores e escultores devem
novamente chegar a conhecer e compreender a
estrutura multiforme da construção em seu todo e
em suas partes; só então suas obras estarão outra
vez plenas de espírito arquitetônico que se perdeu
na arte de salão. ” (GROPIUS, 1919, s/n).
5. “ Os ‘esquemas de cores’,
as lâmpadas e o mobiliário
metálico tubular eram designs da Bauhaus, desenvolvidos e manufaturados nas
oficinas da própria escola”
(tradução nossa)
No projeto da sede de Dessau, tal intenção realizou-se: o projeto de arquitetura foi realizado pelo
escritório de Gropius, símbolo do ponto máximo
da hierarquia da organização, possuindo o intuito
de compor uma “obra de arte total”. Do mesmo
modo com que Gropius coordenava a escola, o
projeto de arquitetura, feito por ele, coordenou
a escultura e a pintura, realizados pelos alunos.
Estes, possuindo formação voltada para o fim da
construção, realizaram também o papel de artistas, projetando e fabricando mobiliário, instalações e revestimentos, com seus planos de cores
e materiais em consonância com o planejamento
de arquitetura, porém de modo subjugado a ela.
Kentgens-Craig (1998, p.8) prova tal fato: “The
‘colour schemes’, the lamps and the tubular steel
furniture were Bauhaus designs developed and
manufactured in the school’s own workshops5”.
A preocupação com a obra de arte total refletia o
intuito de unificar não só o caráter dos interiores,
ou do interior com o exterior, mas também o trabalho de todos. O que é herança das aproximações
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de Gropius com as lojas maçônicas medievais,
“onde os artesãos trabalhavam no ‘mesmo espírito’, na ‘unidade de uma ideia comum’. ” (DROSTE, 2006, p.16). No modo de trabalhar medieval,
as decisões, tomadas coletivamente, eram pouco
ordenadas por desenhos e registros no papel: especialmente eram repassadas diretamente para
o material. Aproximando-se dessa organização,
Gropius almejava que a futura geração de arquitetos transpusesse a barreira entre projeto e execução. Isto para um melhor trabalho do arquiteto
e enquanto responsabilidade social: “E qual é a
situação atual? Exigem que estipulemos todas
nossas ideias de projeto até o último parafuso no
desenho e na descrição. Então um exército de trabalhadores deve executar nosso projeto. ” (GROPIUS, 1972, p.126). Outros vínculos com o modo
de trabalho medieval encontram-se na nomenclatura de mestres, oficiais e aprendizes, ao invés de
professores e alunos; na própria divisão dos ateliês, pelo material com que tratam; e na busca de
Gropius por encomendas reais, nas quais aprendizes e mestres trabalhassem em conjunto.
Gropius (1991, s/n), no Manifesto, denuncia a anterior incapacidade do formato escolar cumprir tal intenção de trabalho colaborativo: “As antigas escolas de arte foram incapazes de criar essa unidade,
e como poderiam, visto ser a arte coisa que não se
ensina? Elas devem voltar a ser oficinas. ” Pode-se,
logo, determinar duas das intenções primeiras da
Bauhaus: a união das artes com o artesanato e a
equivalência dos artistas e dos artesãos.
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Dentre esta discussão há dois principais paradoxos entre o que é declarado e o que é proposto pelo edifício. Primeiro, a disposição espacial
de seus blocos declara uma intenção clara em
separar, até por uma rua, o ensino teórico do
prático. Ademais, o fato de cada ateliê possuir
seu espaço separado dos outros demonstra um
conflito entre o dito interesse em que houvesse troca de experiências entre os praticantes de
cada material, ou então uma linha geral a ser
seguida, ou a intenção de que por vezes todos
eles trabalhassem com uma mesma obra em
vista (Figuras 1, 2 e 3).
Figura 1. Planta baixa do projeto, nível do piso. Fonte:
Megan Sveiven. “AD Classics: Dessau Bauhaus / Walter
Gropius” 10 Nov 2010. ArchDaily. Accessed 2 Dec 2015.
<http://www.archdaily.com/87728/ad-classics-dessau-bauhaus-walter-gropius/>
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Figura 2. Planta baixa do projeto, primeiro nível. Fonte: Megan
Sveiven. “AD Classics: Dessau Bauhaus / Walter Gropius” 10
Nov 2010. ArchDaily. Accessed 2 Dec 2015. http://www.archdaily.com/87728/ad-classics-dessau-bauhaus-walter-gropius/
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Além disso, percebe-se que, embora nos textos
seja conferida semelhante importância a ambas
formações artesanal e artística, o edifício dá uma
pista de que ou se dava ou se deveria dar maior
importância dada à primeira. Pela organização na
qual a forma segue a função, as fachadas são
consequência do que é desenvolvido em seu interior. Nesse sentido, o bloco dos ateliês é aquele
que possui um dos símbolos principais do edifício: a fachada elevada de vidro; fora ser maior em
volume e estar em posição e orientação privilegiadas considerando o acesso pela rua principal,
hoje chamada Gropiusallee (Figura 4).
Figura 3. Planta baixa do projeto, segundo nível. Fonte: Megan Sveiven. “AD Classics: Dessau Bauhaus / Walter Gropius” 10 Nov 2010. ArchDaily. Accessed 2 Dec 2015. http://
www.archdaily.com/87728/ad-classics-dessau-bauhaus-walter-gropius/
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Figura 4 Visão do edifício Bauhaus Dessau a partir da Gropiusallee. Fonte: Megan Sveiven. “AD Classics: Dessau Bauhaus
/ Walter Gropius” 10 Nov 2010. ArchDaily. Accessed 2 Dec
2015. http://www.archdaily.com/87728/ad-classics-dessau-bauhaus-walter-gropius/
Lembrando que o vidro possui diversas conotações, de liberdade, esclarecimento, e que, além
da função de prover luminosidade, altamente
importante para as atividades manuais que se
realizavam dentro desse espaço, reflete a concepção do espaço pensado segundo a relação
entre interior e exterior, “não tanto para captar
mais luz quanto para satisfazer a necessidade
instintiva de levantar o olhar de vez em quando
de um trabalho manual, para refazer a perspectiva destruída pelo empenho obstinado na matéria.
” (ARGAN, 1990, p.72).
reproduzir repetidamente o pensar e o fazer de
tempos anteriores. Partindo de uma larga concepção social da vida, incumbe-lhe procurar
com a ajuda de sua capacidade de organização
atingir o pensamento e a sensibilidade de sua
época, harmonizando a causa e a forma arquitetonicamente. (GROPIUS, 1972, p.84)
Percebe-se, logo, que há, implicitamente, uma
maior importância conferida ao bloco de ateliês,
e não ao de aulas teóricas, e que sua justificativa
não se deve à importância da parcela artesanal,
oficial, somente para a formação do aluno, mas
sim para orientar o futuro posicionamento do
profissional na sociedade. Afinal, Gropius coloca o vínculo com a produção construtiva como
essencial para que se realizasse uma atividade
necessária no seu tempo: reorganizar o papel do
arquiteto. Com isto pretendia “arrancar o artista
criador de seu distanciamento do mundo e reestabelecer sua relação com o mundo real do trabalho” (GROPIUS, 1972, p.32).
A ligação da produção artística com a atividade manufatureira é presente desde a criação da
Bauhaus. Contudo, o vínculo com o caráter industrial é característica do período Dessau, embora já tenha se iniciado em Weimar. Pode ser
considerada uma explicação o fato de o novo
edifício ter simbolizado e conferido suporte para
que essa característica fosse reforçada. A própria
semelhança da sede da escola com uma fábrica fomenta tal aproximação. Kandisnky, em uma
aula, faz a comparação entre uma igreja gótica, o
símbolo da obra de arte total do passado, inclusive utilizada para ilustrar o Manifesto de 1919,
e a fábrica moderna. Pode-se perceber como o
projeto da Bauhaus Dessau reflete as características da fábrica: horizontalidade, acesso aberto,
inclusive com térreo livre em certa porção, interior claro, límpido, aberto e integração do edifício
com o contexto urbano ao seu redor:
O arquiteto do futuro terá de encontrar nova-
Catedral: tensão vertical; fábrica: tensão hori-
mente, através de seu trabalho, uma expres-
zontal; Catedral: acesso estreito; fábrica: gran-
são original construtiva para as necessidades
de portão (fácil de encontrar); Catedral: interior
intelectuais e materiais da vida humana, e dar
sombrio; fábrica: interior claro; Catedral: a ar-
assim novos impulsos intelectuais, em vez de
quitectura interior conduz ao altar; Catedral: es-
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Júlia Coelho Kotchetkoff | Bauhaus Dessau: interações entre o discurso e o construído
quinas, partes mais altas na penumbra; fábrica:
tudo límpido; Catedral: construção isolada num
vasto adro; fábrica: integrada na cidade. (KANDINSKY, 1975, p.239)
O processo de construção do edifício, assim
como das casas dos mestres, entretanto, expressa uma contradição, pois não pôde ser realizado totalmente com elementos pré-fabricados ou
segundo uma lógica industrial. “Aqui, através do
exagero e da dissimulação de muitos elementos
estruturais, ele pretendia criar símbolos do espírito e da vontade da época. ” (DROSTE, 2006,
p.14). Tal questão coloca em cheque a correspondência entre o que é defendido em palavras e
o que é de fato realizado, afinal parte do que pretendia ser verdade da construção e dos materiais
era, em realidade, simulacro.
Honesto ou não o processo construtivo, no
produto final da sede de Dessau os elementos
estruturais são deixados expostos, seguindo
o princípio da Arquitetura Moderna. Em todo o
edifício pode-se visualizar a ação das vigas que
se apoiam nos pilares, cuja forma inclusive ajuda
seu funcionamento estrutural, com maior área de
contato no encontro entre pilar e viga. O bloco
dos ateliês, único no qual a estrutura é deslocada
da vedação, a parede de vidro permite compreender tal independência entre um e outro, defendida no Movimento Moderno. Nos planos de vidro
são expostas as roldanas e engrenagens para a
movimentação daqueles panos móveis. As insusjt • arq.urb • número 15 | primeiro quadrimestre de 2016
talações elétricas são expostas e inclusive foram
alvo de design. Segundo Droste (2006, p.122),
Rudolf Arnheim pontua uma possível fragilidade
desta postura, visto a contradição anteriormente
citada: “É bastante tentador saber se essa honestidade arquitetônica é também moral ”.
Outro aspecto a ser abordado é que Gropius clama pela anti-monumentalidade: “ (...) arquitetos
devem conceber os edifícios não como monumentos mas como receptáculos do fluxo de vida
ao qual devem servir”. (GROPIUS, 1972, p.93)
O edifício de Dessau segue tal assertiva ao não
possuir uma entrada única, frontal e demarcada, mas laterais. Contudo, embora Gropius fuja
da monumentalidade característica dos estilos,
vale questionar se a própria fachada de vidro não
acaba tendo, para os observadores, um caráter
semelhante ao de um monumento, uma vez que
possui um símbolo, representando o novo, brilhante, transparente. Tal hipótese pode ser reforçada pela descrição conferida por uma visitante
contemporânea: “Chego a Dessau de madrugada. A cidade está embrulhada num nevoeiro.
Mas do outro lado um cone luminoso atrai os
olhos. Um ‘cubo gigante de luz’: o novo edifício
Bauhaus. (...) Nunca tinha visto um tal reflector de
luz. ” (DROSTE, 2006, p.122)
A busca por anti-monumentalidade, assim como
por flexibilidade e pela continuidade interior-exterior, de modo que a arquitetura não isole
o homem, reflete outro caráter de Gropius: sua
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Júlia Coelho Kotchetkoff | Bauhaus Dessau: interações entre o discurso e o construído
preocupação com a responsabilidade social.
O fundador preocupa-se desde o início em formar uma nova geração, na qual os artistas preocupassem-se em integrar-se na sociedade,
em trazer à esta o contato cotidiano com a arte.
“Gropius tinha esperanças de que os jovens educados na Bauhaus pudessem posteriormente dar
um seguimento aos seus ideais na sociedade. ”
(DROSTE, 2006, p.22).
Ainda nesse tema, Gropius defende que a boa
comunicação entre artista e sociedade, e também o quanto a arte participa de suas vidas diárias, dependem exatamente da educação artística que ambos tiveram. Ou seja, a tarefa cumprida
pela Bauhaus seria somente metade da questão,
afinal o ensino de arte deveria participar do círculo de disciplinas básicas das escolas:
A indolência geral do público em relação à arte
e arquitetura a aos métodos vigentes na educação artística parecem influenciar-se mutuamente. Mediante uma educação mais apropriada,
o homem deve primeiro reaver a confiança no
significado básico da arte e arquitetura, para
sua vida diária. (GROPIUS, 1972, p.87)
Vasari relata na história do Duomo de Brunelleschi, em Florença, que toda a população participou desse acontecimento. Os homens só recebem, em geral, aquela arquitetura para a qual
amadureceram e a respectiva tendência de seu
sistema de educação, reforçando as tendências
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criativas ou ecléticas, é decisiva para sua atitude. (GROPIUS, 1972, p.110)
No edifício, percebe-se reflexos de tal posicionamento. Tanto em elementos que unem os artistas
à sociedade em geral, quanto naqueles que unem
os estudantes entre si, fazendo-os viver em contato cotidiano com a arte e com outros artistas. Para
o primeiro, podemos citar a transparência dos vidros, o tamanho das aberturas e a passagem de
pedestres que corta a escola (Figura 6). A sala
para exposições no térreo do edifício, na ala dos
ateliês, não pode certeiramente ser incluída dentro
deste rol, afinal não há indícios de que seu funcionamento tivesse como alvo o público externo.
Já para o segundo, pode-se citar os vários locais pensados para o encontro de estudantes. É
grande a importância dos encontros e festas na
Bauhaus, e sua ligação com o trabalho e com a
formação de uma comunidade. Ainda em Weimar, era conferida importância às festividades e
suas preparações, com participação do trabalho
nos ateliês. Nesse momento, Itten defendia que
da diversão sairia a festa, da festa o trabalho e
do trabalho a diversão. No novo edifício, isso é
reafirmado por haver uma área, correspondente
a todo um bloco, dos cinco existentes, praticamente destinada a tais práticas, tanto que era
chamada de área festiva. Compunha-se do bloco
da cantina, a qual podia abrir-se ao auditório, por
uma parede móvel por trás do palco deste, e um
terraço que os acompanhava no exterior do edi-
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Júlia Coelho Kotchetkoff | Bauhaus Dessau: interações entre o discurso e o construído
fício. Este espaço também se mostra como local
de encontro e troca uma vez que localiza-se entre as habitações dos estudantes e o espaço de
trabalho. O próprio fato de os apartamentos dos
estudantes fazerem parte do conjunto do edifício mostra a intenção da integração. Além disso,
vale salientar que muitos dos registros do edifício
mostram os estudantes trabalhando ou divertindo-se em conjunto, em suas instalações.
Mais um ponto a ser abrangido é o quanto a sede
manteria o propósito de Gropius de não formar
um novo estilo. Gropius afirma que a produção
da Bauhaus não deveria conceber um estilo, mas
sim representar a ausência deste, e a presença
de um modo de pensamento, o qual englobaria
todos os aspectos da vida.
Um ‘estilo Bauhaus’ significaria recair no academicismo estéril e estagnado, contra o qual
precisamente criei a Bauhaus. Nossos esforços
visavam a descobrir uma nova postura, que deveria desenvolver uma consciência criadora nos
participantes, para finalmente levar a uma nova
concepção de vida. (GROPIUS, 1972, p.33)
Tratar qualquer faceta da Bauhaus sob o rótulo de
estilo seria ir contra seus princípios, também porque a escola acusa a imitação e pretende fazer
com que seus alunos descubram em si mesmos
os caminhos para suas produções. De modo que
cada um pudesse “chegar a uma convicção própria através da adaptação criativa e pensamenusjt • arq.urb • número 15 | primeiro quadrimestre de 2016
to independente e não da aceitação de receitas
prontas. ” (GROPIUS, 1972, p. 93).
O reflexo de tais questões no edifício pode ser visto sob duas óticas. Em primeiro lugar, é comum
que se diga que o edifício de Dessau, fugindo de
seguir os estilos tradicionais, estaria inaugurando
uma geração de edificações que, utilizando dos
elementos, formas e cores típicos da escola, estaria como que seguindo um estilo Bauhaus. Assim como sua produção de objetos acabou por
realizar: “...visto que a produção da Bauhaus até
1927-28 permaneceu firmemente ligada às formas
e às cores primárias, o surgimento de algo parecido com o estilo Bauhaus era mais ou menos inevitável. ” (DROSTE, 2006, p. 79-80).
Entretanto, pode-se alegar que a Bauhaus deseja
seguir a verdadeira tradição, definida pelo diretor
como aquela que se transforma ao acompanhar
seu tempo: “A tradição legítima é o produto de um
crescimento ininterrupto. Para servir de estímulo
ao homem, sua qualidade deve ser dinâmica, não
estática. ” (GROPIUS, 1972, p. 93). O edifício, por
estar de acordo com seu tempo, exaltando as
novas descobertas técnicas e a beleza da forma
simples, não ornamentada, encontrar-se-ia em
tal chave descrita como a verdadeira tradição, e
não se comportaria como participante ou formador de um estilo.
Outra questão primordial na análise da sede de
Dessau é que ela promove, e deseja deixar isso
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Júlia Coelho Kotchetkoff | Bauhaus Dessau: interações entre o discurso e o construído
claro, a noção de que a forma é derivada da função. A separação em blocos para cada atividade
é a primeira evidência, acompanhada das fachadas que também modificam-se conforme o que
é realizado no seu interior. Gropius afirma que o
modo com que mais gostava de seu edifício representado era por vista aérea, para que se pudesse
ter noção de cada parte do conjunto, e como elas
ligavam-se e diferenciavam-se (Figura 7).
Sobre esse contexto, é preciso lembrar que embora a Bauhaus tenha sido taxada de funcionalista,
extremamente racionalista, cujas preocupações
limitavam-se à função, uma de suas principais
questões era aliar a funcionalidade às necessidades interiores, à beleza, lembrando que esta é
um desejo do homem. Kandisnky disserta sobre
tal questão, apontando que o funcional anunciado
pela Bauhaus é mal interpretado quando vinculado somente às necessidades exteriores, pois também deveria obter um efeito psíquico desejável.
O conceito da racionalização, por exemplo, que
é considerado por muitos como a principal característica do novo movimento arquitetônico,
é apenas uma parte do processo purificador. A
outra parte, a satisfação de nossas necessidades interiores, é tão importante quanto a dos
materiais. Ambas pertencem à unidade da vida.
(GROPIUS, 1972, p.98)
Figura 5. Isométrica do projeto. Fonte: Megan Sveiven. “AD
Classics: Dessau Bauhaus / Walter Gropius” 10 Nov 2010. ArchDaily. Accessed 2 Dec 2015. <http://www.archdaily.
com/87728/ad-classics-dessau-bauhaus-walter-gropius/>
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Ou seja, a interpretação do que exprime o termo função rege tal questão. A Bauhaus afirma
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Júlia Coelho Kotchetkoff | Bauhaus Dessau: interações entre o discurso e o construído
que a forma deve seguir a função, pois a enxerga englobando a unidade das necessidades
humanas:
A forma não pode ser indiferente ao conteú-
Com a escadaria podemos explicitar outra questão das ideias de Gropius que são aplicadas no
edifício da Bauhaus: de que o espaço só pode
ser de fato compreendido e apreendido por meio
do movimento que se tem nele:
do em arquitetura: ‘Em primeiro lugar: confor-
6. “ A escadaria também
muda de uma escadaria larga, de única largura, para
dois mais estreitos espaços
flanqueando a escada mais
larga. Estas substituições
foram desenhadas para estimular a mente, assim como
para a interação dos alunos.
Desde que a escada constituía emu ma experiência
cotidiana na vida dos estudantes, Gropius empenhou-se em fazê-la especial,
lembrando-se das grandes
escadas barrocas do passado. Paredes de vidro ao final
de alguns lances provinham
vastas vistas da escola. ”
(tradução nossa)
7. “Como indica Marie
Neumüllers, o edifício da
Bauhaus não desenha sua
atmosfera somente pela arquitetura, mas pela ação
recíproca entre as pessoas
que viviam e trabalhavam ali”
(tradução nossa)
to para o corpo e para o trabalho = finalidade
The staircase also changes from a wide, sin-
exterior. Mas, ao mesmo tempo, percepção da
gle width staircase to two smaller-width spa-
forma que: a) exprime a finalidade; b) vive e age
ces flanking the larger stair. These shifts are
por si mesma.’ É este o último efeito que é fre-
designed to stimulate the mind, as well as
quentemente desprezado pelos arquitectos. O
student interaction. Since the stair was a dai-
axioma do funcionalismo parece ser: máxima
ly experience in the students’ lives, Gropius
utilidade = forma ideal (...) A construção, para
strove to make it special, keeping in mind the
além do exterior, corresponde ao interior: fim
great baroque stairs of the past. Glass walls
sagrado’. (KANDINSKY, 1975, p.18)
at the end of some flights provided sweeping
views of the school.6 (LAHATTO apud COLE-
Pode parecer mais complicado citar aspectos
materiais do edifício cuja função é saciar necessidades psíquicas que discorrer sobre funções
mais objetivas. Contudo, podemos tomar um
exemplo para elucidar tal questão: a abertura de
vidro em frente às escadarias. Com certeza é necessária iluminação para o ato de subir e descer
as escadas, por razões de segurança e conforto.
Contudo, a dimensão da abertura de vidro parece extrapolar o estritamente necessário para um
caminhar seguro, e conter uma função a mais,
de gerar sentimento de superação e admiração,
por descoberta e uso de técnicas novas, que no
caso permitem criar aberturas antes impossíveis;
e de suprir o desejo humano de beleza e contato
com o meio exterior. Isso enquanto o que pode
ser resumido e citado em palavras.
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MAN, 2001)
O quadro de Oskar Schlemmer’s, chamado
Bauhaustreppe, ressalta, mostrando o subir e descer nas escadas quase como uma dança, que o
movimento é a chave para a experimentação do
espaço. Ponto que pode ser estendido para o conjunto todo do edifício, tomando como outro exemplo que a sua apreensão, pelo lado de fora, depende do rodeá-lo. “As Marie Neumüllers indicates,
the Bauhaus building does not draw its atmosphere simply from architecture, but from the interplay
between the people who lived and worked there.7”
(KENTGENS-CRAIG, 1998, foreword).
Acerca da questão da relação do edifício com as
pessoas, o que gera ora interpretações pessoais ora
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compartilhadas, podemos introduzir mais um debate. Uma das discussões mais constantes na história
da Bauhaus foi a alternância entre os membros que
acreditavam ser essencial a busca pela produção de
cunho individual, para a descoberta e exploração do
próprio “eu” criador, e os que defendiam a procura
pela criação de formas tipo, standard, uma forma
ótima que poderia ser mantida ao longo do tempo
sem dar lugar a modas passageiras.
Esse parentesco não se baseava em particularidades estilísticas externas, mas antes no esforço de produzir coisas de um modo simples,
autêntico, e em concordância com suas leis.
As formas que os produtos Bauhaus assumiram não são pois resultado de uma moda, mas
sim de uma combinação artística e de inúmeros
processos de pensamento e trabalho no domínio técnico, econômico e de criação formal.
O indivíduo sozinho não pode alcançar essa
Nos primeiros anos da Bauhaus, principalmente
pela influência de Itten, a primeira preocupação
foi mais atendida. Com sua demissão, e então
crescente aproximação da escola com a indústria, a questão do tipo começou a ser mais frequente. Vale lembrar que a busca por formas
padrão já existia, e era partilhada por Gropius,
desde a Werkbund. Este afirmava que a procura
pela produção de objetos almejando uma melhor forma, atemporal, não se limita ao momento
da revolução industrial. Pelo contrário, existira
ao longo de toda história do homem, e sempre
fora bem vista (GROPIUS, 1972, p.119). “A existência de produtos padrão sempre caracteriza
o apogeu de uma civilização, uma seleção de
qualidade e uma separação entre o pessoal e
o ocasional e o essencial e o suprapessoal. ”
(GROPIUS, 1972, p.41).
Nos anos da Dessau, era desejado, portanto,
que o que fosse produzido dentro da Bauhaus
seguisse uma semelhante lógica interna, um denominador comum:
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meta; só na cooperação de muitos é possível
achar aquela solução que transcende o individual e permanece válida por anos a fio. (GROPIUS, 1972, p.43)
Tal denominador comum caracteriza o essencial
e típico, mas não deixa de permitir que houvesse
contribuição individual, pois essa seria essencial
para que houvesse criação, e não somente repetição, imitação. Já nos primeiros anos da Bauhaus
“foram utilizadas formas elementares e cores primárias de modo a formar uma base comum entre
artistas e artesãos, em cujo ritmo cada um dos
indivíduos deveria encontrar a sua própria identidade e o seu espaço” (DROSTE, 2006, p.50). A
questão do tipo envolve outros aspectos já aqui
discutidos: a responsabilidade social e a forma
que segue a função, a qual inclui a necessidade
de beleza e satisfação interior.
Un objeto está determinado por lo que es de tal
manera que funcione correctamente... se debe
investigar primero su identidad ya que debe
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Júlia Coelho Kotchetkoff | Bauhaus Dessau: interações entre o discurso e o construído
cumplir em la práctica sus funciones y ser consistente, barato y ‘bonito’. (...) La creación de tipos para los objetos útiles de uso diário es uma
necesidad social. Las necessidades de la vida
de la mayoría de los hombres son em fondo de
la misma classe...8 (WICK, 1975, p.126).
Enfim, sobre o equilíbrio saudável entre criação
individual e busca de um certo padrão, Gropius
diz que:
A democracia baseia-se na interação de dois
fenômenos de vida contrastantes: de um lado,
necessidade da diversidade de conceitos resultante da produção individual intensiva: de outro
lado, necessita de um denominador comum na
forma de expressão, resultante das experiências
somadas de muitas gerações que pouco a pouco expulsam o puramente arbitrário em favor do
essencial e típico (GROPIUS, 1972, p. 21-22).
8. “Um objeto está determinado pelo que é de maneira
que funciona corretamente…
debe-se investigar, primeiro
sua identidade e o que debe
cumprir na prática suas funções e ser consistente, barato e ‘bonito’. (...) A criação de
tipos para os objetos úteis
de uso diário é uma necessidade social. As necessidades da vida da maioria dos
homens são no fundo de
uma mesma classe...” (tradução nossa)
A discussão da forma tipo é mais recorrente para
tratar do design de objetos que de arquitetura.
Contudo, é possível verificar sua existência no
edifício de Dessau. Ali, percebe-se alguma presença da individualidade do arquiteto, inclusive
pela semelhança com algumas de suas obras
anteriores, mas também as características que
teriam uma edificação tipo, idealizada pela Arquitetura Moderna: térreo livre, fazendo parte da
cidade; volumes com formas puras, sem ornamentação; grandes aberturas; cobertura plana;
elementos estruturais e materiais aparentes.
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Deste conflito entre o individual e o típico desdobra-se a última discussão que trataremos, a qual
envolve, basicamente, os mesmos personagens.
Trata de se a escola, e especialmente o estudo
preliminar, deveria ter um caráter mais explorativo, opinião de Itten, ou mais instrumental e utilitarista, caminho adotado a partir de 1925 e 1926,
quando a atenção voltou-se para as demandas
da indústria. O tom utilitário foi característico do
período Dessau, e embora fosse conflitante com
a proposição inicial da escola, de um ensino generalista, que visava a compreensão da própria
identidade e do ser humano em sua totalidade,
estava em concordância com o princípio de seguir seu tempo, quando a ligação com a indústria era inevitável. A observância a pedidos de
clientes reais, por parte dos alunos, reflete-se na
construção da sede. Afinal, o edifício da Bauhaus,
assim como a maioria das obras de arquitetura,
foi resultado de uma encomenda real, e não da
pura exploração mental e formal. O que não retira
seu valor enquanto um projeto exploratório, em
consonância com o que expressou Marcks, mestre do ateliê de cerâmica: que deve haver certo
limite e equilíbrio entre exploração e utilitarismo,
para que não se perca o tom da descoberta por
meio da exploração da forma e do material. Talvez o rumo mais utilitarista preparasse os alunos
a aprender a criar a partir das limitações, consonância com a defesa de Gropius de que não só a
liberdade, mas sim as limitações, incitam a criatividade: “É obvio que a limitação torna inventivo o
espírito criativo. ” (GROPIUS, 1972, p.86)
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Considerações finais
O arquiteto é aquele que reconhece e analisa seu
tempo, as demandas e oportunidades deste, e,
tarefa principal, repassa tais fatos para a forma
arquitetônica, que deve ser construída. Ou seja,
o alvo de trabalho do arquiteto não são somente as teorias, mas a forma, o material, o espaço.
Utilizando-se desses instrumentos ele pode expressar suas intenções. Por isso, o intuito deste
trabalho foi buscar reconhecer como o arquiteto
Gropius materializou seus ideais. Essa análise
é facilitada pela existência de registros textuais
que explicitam o pensamento do Gropius e os
dos demais mestres da Bauhaus. A análise verbal, por ser geralmente mais simples que a arquitetônica, ajuda a compreender a obra construída,
e a edificação, por revelar aspectos que por vezes não poderiam ser ditos, explicita por inteiro
as convicções de seu autor e de sua época.
A comparação, portanto, do material escrito com
o construído, revela, por vezes a confirmação do
primeiro, e por vezes conflitos entre ambos. Em
outros casos, nota-se que não é possível repassar o que é discutido acerca do design de objetos, e da pedagogia para o ensino artístico, diretamente para a arquitetura. De qualquer maneira,
a comparação entre o discurso sobre a obra, sobre o que ela representa e a realidade material,
de forma minuciosa, é prática frutífera dentro do
campo da arquitetura, e leva tanto a compreender
melhor ambos teoria e projeto quanto a aprender
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de que maneiras ideias podem ser traduzidas em
formas, materiais, cores e espaços.
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