Tradução de Yukari Fujimura e Isa Mara Lando

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Tradução de Yukari Fujimura
e Isa Mara Lando
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Meu profundo amor a todos os meus incríveis familiares e
amigos. Meu agradecimento especial dessa vez vai para a
minha irmãzinha superdescolada e para minha mãe, que
leram tudo e, inclusive, barraram uma cena final hilária – a
do “coelho morto chorando”, sobre o coelho do Caim, que eu
nunca vou contar para ninguém.
Mas acho que teria sido muito engraçado se o coelho fingisse
que estava chorando.
P.S.: Gillie, Lizzie, Clare, Cassie e todos os amigos adoráveis
das editoras Aitken Alexander e HarperCollins (inclusive
Gillon Aitken, esse deus grego). Desculpem por não ter ido
embora – e por ficar espreitando na sala de reunião, dia após
dia, que nem uma maluca enfiada no escritório de vocês.
Um grande beijo para Jo e Matilda, parceiras pra toda hora.
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VINHETA
CAPÍTULO 1
De volta ao expresso do showbiz
•
Escola de Teatro, aqui vou eu de novo! E não tirem a meia-calça!
Pois eu não tirei a minha, podem ter certeza. Fica mais difícil de ir
ao banheiro, mas esse é o preço da fama!!! E a fama é a minha gana!
Estou voltando mais uma vez para Dother Hall. Ou “o Teatro
dos Sonhos”, como diz Sidone Beaver, a diretora da escola. Estou na
viagem do showbiz, no expresso da vida!
Ou melhor... estou, na verdade, no trem pinga-pinga que vai
sacolejando até Skipley. A Capital do Entretenimento do Norte da
Inglaterra. Ou a Terra da Lontra de West Riding, como dizem algumas pessoas que não são do showbiz. Será que elas querem dizer
que nessa vila (pois é tão pequena que não chega a ser uma cidade)
só existe uma lontra gordona? Bom, nunca se sabe!
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Oba!!! Iuhuulll!
Estou com vontade de gritar e berrar para os céus! E acho que
vou gritar mesmo, porque aquela mulher mal-humorada de bengalinha desceu na última parada. Aff, esse pessoal do norte da Inglaterra, com esse jeitão deles! Ela se queixou adoidado da perna manca.
Disse que a bengala estava gasta de um lado e que ela ia acabar
caindo com aquele vento forte. Eu não perguntei nada, ela que resolveu me contar. Mas hey, nonny, nonny, como já dizia Shakespeare.
Nananinanão!
Vou abrir a janela e gritar bem alto:
– Guardem esse nome: Tallulah! Tallulah Casey!!! Sou eu, e eu
estou de volta! Estou voltando lá pra cima! Bem lá pra cima! E ninguém me segura! Sim, antes eu era tímida e desengonçada, com os
joelhos saltados, nada que chamasse atenção. Peito zero, totalmente
despeitada. Nem usava sutiã, nem mesmo um tamanho minúsculo
para as minhas duas azeitonas. Mas agora até os meus peitos estão
impossíveis, ninguém segura esses dois!
Ainda mais quando o trem fica parando toda hora, freando assim de repente. O que foi dessa vez? Será que a Lontra de West
Riding está em perigo? O alto-falante está dando uns estalos, mas
só consigo ouvir fungadas... uma respiração pesada... Gente, a lontra
selvagem sequestrou o trem e tomou o lugar do condutor!
Ela quer que as pessoas entendam que as lontras também têm
sentimentos, não são só umas criaturas fofinhas...
Oooopa!!!
Caraaaamba! Quase fui parar do outro lado do banco, agora que
o trem deu um baita solavanco e começou a andar de novo.
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Iu-huu!
Bom, acho que falei bobagem sobre a lontra. Ela não pode estar
conduzindo o trem, porque ela não alcança os comandos! A menos
que esteja de pernas de pau. E não está escrito em nenhum folheto
turístico que Skipley é a terra da Lontra Acrobata de Pernas de Pau.
Bom, não estou nem aí para essa lontra maquinista de trem!
Cada um que trate da sua vida. É o que eu penso.
Opa, o alto-falante começou a estalar e chiar outra vez.
– Senhoras e senhores, queiram desculpar, ficamos sem comunicação por alguns instantes. Próxima parada: Skipley.
Agora estamos passando pelo pico Grimbottom. Brrr! Parece tão
escuro e sinistro lá em cima. Incrível como não está caindo um dilúvio... quer dizer... reparando bem... está caindo um dilúvio!
Nossa, parece que alguém apagou as luzes! Mal dá para ver o
alto do Grimbottom. Os moradores daqui dizem que, quando os turistas se aventuram a subir até lá em cima, às vezes o nevoeiro baixa
em questão de minutos. Um dia o sr. Bottomley, que trabalha nos
correios, contou para mim e para Flossie:
– Tem veiz que os turistas tão lá em cima, brincando de bobinho
que nem uns tontos. Aí, de repente, fica tão escuro que eles nem enxerga a bola! Nem quando tão com ela na mão! Depois os adulto vorta pra casa, aparpando o caminho... mas as criança... ninguém nunca
mais vê elas! Às veiz, de madrugada, a gente escuta elas lá em cima,
chorando, “Mamãããe... Papaaai...” Viraram armas penada, chorando
lá no outro mundo!
Flossie falou:
– Bobagem! O que tem lá em cima é um cachorro enorme, um
cachorro bravo chamado Fang. Metade cachorro, metade burro. Ele
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aparece no meio do nevoeiro, leva as crianças embora e cria como se
fossem seus filhos.
Na minha opinião, mesmo sem conhecê-la há muito tempo, minha
nova amiga Flossie é o que se costuma chamar de “doida de pedra”.
Mas doida ou não, estou ansiosa para vê-la de novo, e também
minhas novas amigas: A Vaisey, a Flossie, a pequena Jô e a Honey,
que é meio fanha mas sabe tudo sobre os garotos. Ela diz que está
sempre “de casinho com dois ou três beninos”.
A gente podia se embrenhar de novo no bosque perto de Dother
Hall, rever o nosso lugarzinho especial e juntar a turma toda debaixo da nossa árvore! A árvore onde a gente conheceu os meninos da
Academia Woolfe, quando eles nos pegaram em flagrante dançando
a nossa dancinha especial, que a Honey nos ensinou. Ela disse que
tínhamos que nos orgulhar de nós mesmas, até mesmo das partes
que a gente não gosta. A dança era para “mostrar a glória interior de
cada uma”. Ou “de cada uba”, como ela disse. No meu caso, fiquei
dando chutes no ar e gritando:
– Eu amo os meus joelhos, eu amooo os meus joelhinhos queridos!
Não foi tão vergonhoso quanto a Vaisey rebolando com a bunda
virada para a árvore. Mas quase.
Os meninos da Academia Woolfe, Charlie e Phil, chamam a
gente de “Irmandade da Árvore”.
Charlie me disse que... Bom, eu não vou pensar no Charlie. Depois do que aconteceu quando ele me beijou, nem quero pensar.
Onde eu estava mesmo, na minha vida de artista? Ah sim, quando
cheguei em Dother Hall da primeira vez, no verão passado, eu não
sabia fazer nada. Todo mundo sabia cantar, dançar, representar, mas
eu só sabia ser alta e dar uns passinhos de dança folclórica irlandesa.
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Eu tinha certeza de que nunca seria convidada a voltar e que
nunca usaria as sapatilhas douradas da fama. As coisas mudaram
quando Blaise Fox, a professora de dança, assistiu ao meu número
“Dança da Bici Açucarada”. Era uma coreografia inspirada na Dança da Fada Açucarada, do balé Quebra-Nozes, só que encenada numa
bicicleta. Acontece que a minha saia de balé ficou presa na roda
traseira da bike e acabei voando longe e destruindo todo um pedaço
dos bastidores... Lembro até hoje do que ela disse:
– Tallulah Casey, assistir você no palco é como ver alguém com
as calças pegando fogo!
Depois disso ela me pediu para fazer o papel do Heathcliff na
peça de final de curso, O Morro dos Ventos Uivantes. E o resto já entrou para a história do showbiz!
O solo de Heathcliff, bem caprichado em uma dança irlandesa,
foi um triunfo! E olha que não é nada fácil dançar com aquelas calças apertadas.
Só que não entendi até agora por que ela me escalou para o papel de Heathcliff.
Quem sabe eu pareço mesmo um menino...
Mas se eu olhar para baixo, com os olhos bem apertadinhos,
consigo ver dois minivolumes na região dos peitos.
Isso é certeza, ninguém pode negar. A frente de um suéter nunca mente.
Meu suéter é um dos que minha prima Geórgia e a turma dela,
As Poderosas, escolheram para mim. É um suéter verde, e ela disse que
combina com os meus olhos e me dá um tchã, um certo je ne sais quoi.
Bem... para falar a verdade, o que ela disse foi: “Esse suéter diz
‘Hummmmmm’, mas não ‘Eeeeeeiii, olha para mim, como eu sou
gostosa”.
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Falta pouco para chegarmos em Skipley. Uau, não me aguento
de entusiasmo! Este vai ser o meu Inverno do Amor, tenho certeza.
Certezíssima!
Quando fiquei na casa da prima Geórgia, na volta do curso de verão,
foi o máximo. Antes disso eu nunca tinha passado muito tempo com
ela, porque eu moro na Irlanda e meus pais são péssimos, e isso é
uma droga. Os dois são do tipo que realmente fazem coisas. E não
são apenas bolos e tortas, nem móveis do tipo “faça você mesmo”,
como todos os outros pais. Nada daquelas coisas tão boas e tão sem
graça de antigamente. Nada disso! Minha mãe sai por aí para pintar,
e meu pai sai para explorar o planeta e encontrar coisas em extinção.
O negócio dele é coletar moluscos, mas acho que da última vez ele
encontrou um tipo raro de batata, toda felpuda. Ele é uma espécie
de cruzamento entre um ambientalista e... um labrador. Isso não dá
um pai decente em idioma nenhum.
Dá no máximo um labrapai.
Ha-ha. Acho que isso quase pode ser uma piada. Vou incluir no
meu caderno de interpretação, que vou começar a escrever.
Tenho um caderno novo superespecial, de capa preta brilhante,
com uns desenhos de ameixas e frutas.
É bem artístico e, hum..., bem “mulherzinha”. Já fiz minha primeira anotação. Diz assim:
O Inverno do Amor
Vou apenas acrescentar minha ideia do labrapai.
Labrapai. Retrato de um pai que é metade um cara que fuma cachimbo e metade um labrador. Ele vive confuso entre os dois mundos.
Não sabe se fuma cachimbo ou se corre pra pegar uma bolinha. Estou
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imaginando um número de dança improvisado. Talvez com o labrapai
correndo atrás de umas bolinhas? Ou de cachimbos?
Ou de uns patos?
Hummmm.
Eu amo meus pais, mas eles não são normais. Nem muito presentes também. Mas me deixaram voltar para Dother Hall, apesar
de que eu não posso ser interna na escola, vou ficar hospedada com
uma família.
Foi o máximo ficar na casa da prima Geórgia! E no departamento “meninos”, foi legal também.
Ela reuniu As Poderosas para me ensinar umas “espertorias”,
“técnicas de amassos” e “beijos de língua”. Todas na cama dela, bem
quentinhas.
Geórgia falou:
– Bom, deixa de onda e conta pra gente os seus macetes pra se
amassar com os meninos e tal.
Elas estavam todas de barba postiça, para me ajudar a entrar no
clima.
Então... Contei que fui ao cinema em Skipley com uns meninos da Academia Woolfe. E contei do meu primeiro beijo. Foi com
aquele desajeitado do Ben. O que eu senti? Bom, parecia que eu tinha um morceguinho voando que nem doido dentro da minha boca.
As Poderosas olharam para mim. E a Geórgia disse:
– Escuta, será que você é uma tonta fazendo curso para idiota?
E aí elas me ensinaram uns truques sobre os meninos. E sobre
o beijo de língua.
Nossa, a Geórgia sabe muita coisa!
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Ela explicou como mudar a pressão dos lábios, o que fazer com
a língua (não é para sacudir feito uma tonta). E falou do sistema
de pontos, do 1 ao 10. Não me lembro de todos, mas lembro que
o Número 4 é “um beijo de mais de três minutos, sem pausa para
respirar”. Para esse você precisa de uma amiga para ficar cronometrando o tempo.
Sério. Mal dava para acreditar.
Não vejo a hora de pôr em prática minhas novas habilidades.
Pela quantidade de coisas que ela sabia, deve ter passado milhares de horas fazendo pesquisas sobre beijo de língua.
Falei isso para ela e ela respondeu:
– Passei mesmo, primitcha compriditcha. Mas deixei os beijos de
lado para te ensinar a verdadeira ciência sobre os meninos. Estou
fazendo isso porque tiaaamuu, viu? Mas não no sentido lés.
Ainda bem. Quer dizer, acho que deve ser uma coisa boa.
Mas o que será “sentido lés”?
Acho que tem a ver com beijar outra menina. Mas não perguntei.
Ai meudeusdocéu... Anda logo, trem!!!
A que horas o resto das Três Irmãs deve chegar amanhã? Posso
perguntar para a Honey sobre o lance do lés, ela deve saber.
Opa, chegamos na estação de trem. Viva!!! Lá está a placa, balançando que nem louca na ventania. Bem do jeito que eu me lembrava:
SKIPLEY – TERRA DA LONTRA DE WEST RIDING
Peraí, algum vândalo riscou o “L” e o “R” da lontra! E agora a placa
diz:
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SKIPLEY
T
Terra da X
Lontra
X
de West Riding
Acabo de descer do expresso do showbiz e estou pegando o ônibus
da esperança. Que vai me levar para o... Teatro dos Sonhos.
Dá para ver o motorista do ônibus pela porta de vidro. Estou
reconhecendo, é o mesmo do semestre passado. Será que ele me reconhece também?
Enquanto eu subia no ônibus puxando a minha mala, ele botou
o cachimbo no canto da boca e gritou:
– Para de enrolar, ô Pernalonga! Se vai entrar, entra logo. Tá um
frio do diabo com essa porta aberta.
Falei:
– Pernalonga? Como assim?
– Claro! Entra logo, você e as suas pernas compridas!
Paguei minha passagem e ele disse:
– Voltou pra “Dither” Hall, é? Pra ficar por ali batendo papo que
nem uma tonta?
Eu ia dizer “O certo é Dother Hall!”, mas ele arrancou com tanta
violência que fui arremessada para o fundo do ônibus e quase me
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esborrachei num carrinho de bebê. Felizmente, não havia bebê lá
dentro – só um porquinho.
A mulher do carrinho falou: – Cuidado com o meu porquinho!
Fui me acomodar bem longe dela, mas ainda estou sentindo
cheiro de cocô de porco.
Vamos sacolejando por uma estradinha para Heckmondwhite.
O motorista está correndo alucinadamente e buzinando para qualquer coisa que aparecer no caminho. Pedestres. Ciclistas. Bosta de
vaca. Mas ele diminuiu a velocidade atrás de uma guarda de trânsito que voltava a pé para casa, levando debaixo do braço o sinal de
“Pare”. Ela fez sinal para ele passar, mas ele acenou todo gentil e foi
seguindo devagarinho atrás dela. Aí, sem mais nem menos, quando
dobramos numa curva fechada, ele acelerou, disparou a buzina. Ela
se assustou e caiu dentro de uma valeta. O homem ria tanto que
achei que fosse engolir o cachimbo.
Comecei a me sentir ainda mais animada. A paisagem aqui parece um cartão-postal dizendo “Cena de inverno em Yorkshire, Inglaterra”. Tem até um pouco de neve no pico Grimbottom. Daí senti
um arrepio, lembrando do Fang lá em cima. Criando seus filhotes
fictícios como se fossem cachorrinhos fictícios.
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