Tradução de Yukari Fujimura e Isa Mara Lando MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 1 2/19/13 2:25 PM Meu profundo amor a todos os meus incríveis familiares e amigos. Meu agradecimento especial dessa vez vai para a minha irmãzinha superdescolada e para minha mãe, que leram tudo e, inclusive, barraram uma cena final hilária – a do “coelho morto chorando”, sobre o coelho do Caim, que eu nunca vou contar para ninguém. Mas acho que teria sido muito engraçado se o coelho fingisse que estava chorando. P.S.: Gillie, Lizzie, Clare, Cassie e todos os amigos adoráveis das editoras Aitken Alexander e HarperCollins (inclusive Gillon Aitken, esse deus grego). Desculpem por não ter ido embora – e por ficar espreitando na sala de reunião, dia após dia, que nem uma maluca enfiada no escritório de vocês. Um grande beijo para Jo e Matilda, parceiras pra toda hora. MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 4 2/19/13 2:25 PM VINHETA CAPÍTULO 1 De volta ao expresso do showbiz • Escola de Teatro, aqui vou eu de novo! E não tirem a meia-calça! Pois eu não tirei a minha, podem ter certeza. Fica mais difícil de ir ao banheiro, mas esse é o preço da fama!!! E a fama é a minha gana! Estou voltando mais uma vez para Dother Hall. Ou “o Teatro dos Sonhos”, como diz Sidone Beaver, a diretora da escola. Estou na viagem do showbiz, no expresso da vida! Ou melhor... estou, na verdade, no trem pinga-pinga que vai sacolejando até Skipley. A Capital do Entretenimento do Norte da Inglaterra. Ou a Terra da Lontra de West Riding, como dizem algumas pessoas que não são do showbiz. Será que elas querem dizer que nessa vila (pois é tão pequena que não chega a ser uma cidade) só existe uma lontra gordona? Bom, nunca se sabe! 5 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 5 2/19/13 2:25 PM Oba!!! Iuhuulll! Estou com vontade de gritar e berrar para os céus! E acho que vou gritar mesmo, porque aquela mulher mal-humorada de bengalinha desceu na última parada. Aff, esse pessoal do norte da Inglaterra, com esse jeitão deles! Ela se queixou adoidado da perna manca. Disse que a bengala estava gasta de um lado e que ela ia acabar caindo com aquele vento forte. Eu não perguntei nada, ela que resolveu me contar. Mas hey, nonny, nonny, como já dizia Shakespeare. Nananinanão! Vou abrir a janela e gritar bem alto: – Guardem esse nome: Tallulah! Tallulah Casey!!! Sou eu, e eu estou de volta! Estou voltando lá pra cima! Bem lá pra cima! E ninguém me segura! Sim, antes eu era tímida e desengonçada, com os joelhos saltados, nada que chamasse atenção. Peito zero, totalmente despeitada. Nem usava sutiã, nem mesmo um tamanho minúsculo para as minhas duas azeitonas. Mas agora até os meus peitos estão impossíveis, ninguém segura esses dois! Ainda mais quando o trem fica parando toda hora, freando assim de repente. O que foi dessa vez? Será que a Lontra de West Riding está em perigo? O alto-falante está dando uns estalos, mas só consigo ouvir fungadas... uma respiração pesada... Gente, a lontra selvagem sequestrou o trem e tomou o lugar do condutor! Ela quer que as pessoas entendam que as lontras também têm sentimentos, não são só umas criaturas fofinhas... Oooopa!!! Caraaaamba! Quase fui parar do outro lado do banco, agora que o trem deu um baita solavanco e começou a andar de novo. 6 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 6 2/19/13 2:25 PM Iu-huu! Bom, acho que falei bobagem sobre a lontra. Ela não pode estar conduzindo o trem, porque ela não alcança os comandos! A menos que esteja de pernas de pau. E não está escrito em nenhum folheto turístico que Skipley é a terra da Lontra Acrobata de Pernas de Pau. Bom, não estou nem aí para essa lontra maquinista de trem! Cada um que trate da sua vida. É o que eu penso. Opa, o alto-falante começou a estalar e chiar outra vez. – Senhoras e senhores, queiram desculpar, ficamos sem comunicação por alguns instantes. Próxima parada: Skipley. Agora estamos passando pelo pico Grimbottom. Brrr! Parece tão escuro e sinistro lá em cima. Incrível como não está caindo um dilúvio... quer dizer... reparando bem... está caindo um dilúvio! Nossa, parece que alguém apagou as luzes! Mal dá para ver o alto do Grimbottom. Os moradores daqui dizem que, quando os turistas se aventuram a subir até lá em cima, às vezes o nevoeiro baixa em questão de minutos. Um dia o sr. Bottomley, que trabalha nos correios, contou para mim e para Flossie: – Tem veiz que os turistas tão lá em cima, brincando de bobinho que nem uns tontos. Aí, de repente, fica tão escuro que eles nem enxerga a bola! Nem quando tão com ela na mão! Depois os adulto vorta pra casa, aparpando o caminho... mas as criança... ninguém nunca mais vê elas! Às veiz, de madrugada, a gente escuta elas lá em cima, chorando, “Mamãããe... Papaaai...” Viraram armas penada, chorando lá no outro mundo! Flossie falou: – Bobagem! O que tem lá em cima é um cachorro enorme, um cachorro bravo chamado Fang. Metade cachorro, metade burro. Ele 7 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 7 2/19/13 2:25 PM aparece no meio do nevoeiro, leva as crianças embora e cria como se fossem seus filhos. Na minha opinião, mesmo sem conhecê-la há muito tempo, minha nova amiga Flossie é o que se costuma chamar de “doida de pedra”. Mas doida ou não, estou ansiosa para vê-la de novo, e também minhas novas amigas: A Vaisey, a Flossie, a pequena Jô e a Honey, que é meio fanha mas sabe tudo sobre os garotos. Ela diz que está sempre “de casinho com dois ou três beninos”. A gente podia se embrenhar de novo no bosque perto de Dother Hall, rever o nosso lugarzinho especial e juntar a turma toda debaixo da nossa árvore! A árvore onde a gente conheceu os meninos da Academia Woolfe, quando eles nos pegaram em flagrante dançando a nossa dancinha especial, que a Honey nos ensinou. Ela disse que tínhamos que nos orgulhar de nós mesmas, até mesmo das partes que a gente não gosta. A dança era para “mostrar a glória interior de cada uma”. Ou “de cada uba”, como ela disse. No meu caso, fiquei dando chutes no ar e gritando: – Eu amo os meus joelhos, eu amooo os meus joelhinhos queridos! Não foi tão vergonhoso quanto a Vaisey rebolando com a bunda virada para a árvore. Mas quase. Os meninos da Academia Woolfe, Charlie e Phil, chamam a gente de “Irmandade da Árvore”. Charlie me disse que... Bom, eu não vou pensar no Charlie. Depois do que aconteceu quando ele me beijou, nem quero pensar. Onde eu estava mesmo, na minha vida de artista? Ah sim, quando cheguei em Dother Hall da primeira vez, no verão passado, eu não sabia fazer nada. Todo mundo sabia cantar, dançar, representar, mas eu só sabia ser alta e dar uns passinhos de dança folclórica irlandesa. 8 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 8 2/19/13 2:25 PM Eu tinha certeza de que nunca seria convidada a voltar e que nunca usaria as sapatilhas douradas da fama. As coisas mudaram quando Blaise Fox, a professora de dança, assistiu ao meu número “Dança da Bici Açucarada”. Era uma coreografia inspirada na Dança da Fada Açucarada, do balé Quebra-Nozes, só que encenada numa bicicleta. Acontece que a minha saia de balé ficou presa na roda traseira da bike e acabei voando longe e destruindo todo um pedaço dos bastidores... Lembro até hoje do que ela disse: – Tallulah Casey, assistir você no palco é como ver alguém com as calças pegando fogo! Depois disso ela me pediu para fazer o papel do Heathcliff na peça de final de curso, O Morro dos Ventos Uivantes. E o resto já entrou para a história do showbiz! O solo de Heathcliff, bem caprichado em uma dança irlandesa, foi um triunfo! E olha que não é nada fácil dançar com aquelas calças apertadas. Só que não entendi até agora por que ela me escalou para o papel de Heathcliff. Quem sabe eu pareço mesmo um menino... Mas se eu olhar para baixo, com os olhos bem apertadinhos, consigo ver dois minivolumes na região dos peitos. Isso é certeza, ninguém pode negar. A frente de um suéter nunca mente. Meu suéter é um dos que minha prima Geórgia e a turma dela, As Poderosas, escolheram para mim. É um suéter verde, e ela disse que combina com os meus olhos e me dá um tchã, um certo je ne sais quoi. Bem... para falar a verdade, o que ela disse foi: “Esse suéter diz ‘Hummmmmm’, mas não ‘Eeeeeeiii, olha para mim, como eu sou gostosa”. 9 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 9 2/19/13 2:25 PM Falta pouco para chegarmos em Skipley. Uau, não me aguento de entusiasmo! Este vai ser o meu Inverno do Amor, tenho certeza. Certezíssima! Quando fiquei na casa da prima Geórgia, na volta do curso de verão, foi o máximo. Antes disso eu nunca tinha passado muito tempo com ela, porque eu moro na Irlanda e meus pais são péssimos, e isso é uma droga. Os dois são do tipo que realmente fazem coisas. E não são apenas bolos e tortas, nem móveis do tipo “faça você mesmo”, como todos os outros pais. Nada daquelas coisas tão boas e tão sem graça de antigamente. Nada disso! Minha mãe sai por aí para pintar, e meu pai sai para explorar o planeta e encontrar coisas em extinção. O negócio dele é coletar moluscos, mas acho que da última vez ele encontrou um tipo raro de batata, toda felpuda. Ele é uma espécie de cruzamento entre um ambientalista e... um labrador. Isso não dá um pai decente em idioma nenhum. Dá no máximo um labrapai. Ha-ha. Acho que isso quase pode ser uma piada. Vou incluir no meu caderno de interpretação, que vou começar a escrever. Tenho um caderno novo superespecial, de capa preta brilhante, com uns desenhos de ameixas e frutas. É bem artístico e, hum..., bem “mulherzinha”. Já fiz minha primeira anotação. Diz assim: O Inverno do Amor Vou apenas acrescentar minha ideia do labrapai. Labrapai. Retrato de um pai que é metade um cara que fuma cachimbo e metade um labrador. Ele vive confuso entre os dois mundos. Não sabe se fuma cachimbo ou se corre pra pegar uma bolinha. Estou 10 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 10 2/19/13 2:25 PM imaginando um número de dança improvisado. Talvez com o labrapai correndo atrás de umas bolinhas? Ou de cachimbos? Ou de uns patos? Hummmm. Eu amo meus pais, mas eles não são normais. Nem muito presentes também. Mas me deixaram voltar para Dother Hall, apesar de que eu não posso ser interna na escola, vou ficar hospedada com uma família. Foi o máximo ficar na casa da prima Geórgia! E no departamento “meninos”, foi legal também. Ela reuniu As Poderosas para me ensinar umas “espertorias”, “técnicas de amassos” e “beijos de língua”. Todas na cama dela, bem quentinhas. Geórgia falou: – Bom, deixa de onda e conta pra gente os seus macetes pra se amassar com os meninos e tal. Elas estavam todas de barba postiça, para me ajudar a entrar no clima. Então... Contei que fui ao cinema em Skipley com uns meninos da Academia Woolfe. E contei do meu primeiro beijo. Foi com aquele desajeitado do Ben. O que eu senti? Bom, parecia que eu tinha um morceguinho voando que nem doido dentro da minha boca. As Poderosas olharam para mim. E a Geórgia disse: – Escuta, será que você é uma tonta fazendo curso para idiota? E aí elas me ensinaram uns truques sobre os meninos. E sobre o beijo de língua. Nossa, a Geórgia sabe muita coisa! 11 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 11 2/19/13 2:25 PM Ela explicou como mudar a pressão dos lábios, o que fazer com a língua (não é para sacudir feito uma tonta). E falou do sistema de pontos, do 1 ao 10. Não me lembro de todos, mas lembro que o Número 4 é “um beijo de mais de três minutos, sem pausa para respirar”. Para esse você precisa de uma amiga para ficar cronometrando o tempo. Sério. Mal dava para acreditar. Não vejo a hora de pôr em prática minhas novas habilidades. Pela quantidade de coisas que ela sabia, deve ter passado milhares de horas fazendo pesquisas sobre beijo de língua. Falei isso para ela e ela respondeu: – Passei mesmo, primitcha compriditcha. Mas deixei os beijos de lado para te ensinar a verdadeira ciência sobre os meninos. Estou fazendo isso porque tiaaamuu, viu? Mas não no sentido lés. Ainda bem. Quer dizer, acho que deve ser uma coisa boa. Mas o que será “sentido lés”? Acho que tem a ver com beijar outra menina. Mas não perguntei. Ai meudeusdocéu... Anda logo, trem!!! A que horas o resto das Três Irmãs deve chegar amanhã? Posso perguntar para a Honey sobre o lance do lés, ela deve saber. Opa, chegamos na estação de trem. Viva!!! Lá está a placa, balançando que nem louca na ventania. Bem do jeito que eu me lembrava: SKIPLEY – TERRA DA LONTRA DE WEST RIDING Peraí, algum vândalo riscou o “L” e o “R” da lontra! E agora a placa diz: 12 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 12 2/19/13 2:25 PM SKIPLEY T Terra da X Lontra X de West Riding Acabo de descer do expresso do showbiz e estou pegando o ônibus da esperança. Que vai me levar para o... Teatro dos Sonhos. Dá para ver o motorista do ônibus pela porta de vidro. Estou reconhecendo, é o mesmo do semestre passado. Será que ele me reconhece também? Enquanto eu subia no ônibus puxando a minha mala, ele botou o cachimbo no canto da boca e gritou: – Para de enrolar, ô Pernalonga! Se vai entrar, entra logo. Tá um frio do diabo com essa porta aberta. Falei: – Pernalonga? Como assim? – Claro! Entra logo, você e as suas pernas compridas! Paguei minha passagem e ele disse: – Voltou pra “Dither” Hall, é? Pra ficar por ali batendo papo que nem uma tonta? Eu ia dizer “O certo é Dother Hall!”, mas ele arrancou com tanta violência que fui arremessada para o fundo do ônibus e quase me 13 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 13 2/19/13 2:25 PM esborrachei num carrinho de bebê. Felizmente, não havia bebê lá dentro – só um porquinho. A mulher do carrinho falou: – Cuidado com o meu porquinho! Fui me acomodar bem longe dela, mas ainda estou sentindo cheiro de cocô de porco. Vamos sacolejando por uma estradinha para Heckmondwhite. O motorista está correndo alucinadamente e buzinando para qualquer coisa que aparecer no caminho. Pedestres. Ciclistas. Bosta de vaca. Mas ele diminuiu a velocidade atrás de uma guarda de trânsito que voltava a pé para casa, levando debaixo do braço o sinal de “Pare”. Ela fez sinal para ele passar, mas ele acenou todo gentil e foi seguindo devagarinho atrás dela. Aí, sem mais nem menos, quando dobramos numa curva fechada, ele acelerou, disparou a buzina. Ela se assustou e caiu dentro de uma valeta. O homem ria tanto que achei que fosse engolir o cachimbo. Comecei a me sentir ainda mais animada. A paisagem aqui parece um cartão-postal dizendo “Cena de inverno em Yorkshire, Inglaterra”. Tem até um pouco de neve no pico Grimbottom. Daí senti um arrepio, lembrando do Fang lá em cima. Criando seus filhotes fictícios como se fossem cachorrinhos fictícios. 14 MIOLO_Sonho de uma meia-calça de verão.indd 14 2/19/13 2:25 PM