Cleber Barbosa Volume 1 2ª edição Análise Macroeconômica Análise Macroeconômica Volume 1 2ª edição Apoio: Cleber Barbosa Fundação Cecierj / Consórcio Cederj Rua Visconde de Niterói, 1364 – Mangueira – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20943-001 Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725 Presidente Masako Oya Masuda Vice-presidente Mirian Crapez Coordenação do Curso de Administração UFRRJ - Silvestre Prado UERJ - Aluízio Belisário Material Didático Departamento de Produção ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO Cleber Barbosa EDITORA ILUSTRAÇÃO COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL Tereza Queiroz Sami Souza Cristine Costa Barreto REVISÃO TIPOGRÁFICA CAPA Cristina Freixinho Diana Castellani Elaine Bayma Sami Souza DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISÃO Alexandre Rodrigues Alves PRODUÇÃO GRÁFICA Patricia Seabra COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO COORDENAÇÃO DE AVALIAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO Jorge Moura Débora Barreiros PROGRAMAÇÃO VISUAL AVALIAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO Andréa Dias Fiães Letícia Calhau Copyright © 2006, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação. B238a Barbosa, Cleber. Análise macroeconômica. v. 1 / Cleber Barbosa. – 2. ed. - Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2010. 158p.; 19 x 26,5 cm. ISBN: 978-85-7648-422-3 1. Macroeconomia. 2. Sistema monetário. I. Título. 2010/1 CDD: 339 Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT. Governo do Estado do Rio de Janeiro Governador Sérgio Cabral Filho Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia Alexandre Cardoso Universidades Consorciadas UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Aloísio Teixeira UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Vieiralves UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Motta Miranda UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Roberto de Souza Salles UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitora: Malvina Tania Tuttman Análise Macroeconômica SUMÁRIO Volume 1 Aula 1 – Conhecendo a Macroeconomia .................................................... 7 Aula 2 – Medindo as atividades econômicas ...........................................35 Aula 3 – O PIB e os componentes da demanda agregada ...................... 53 Aula 4 – Determinação da renda e da produção de equilíbrio .....................71 Aula 5 – Os investimentos e as taxas de juros .........................................97 Aula 6 – O sistema monetário .................................................................. 113 Aula 7 – A demanda por moeda ............................................................... 135 Referências............................................................................................ 155 Todos os dados apresentados nas atividades desta disciplina são fictícios, assim como os nomes de empresas que não sejam explicitamente mencionados como factuais. Sendo assim, qualquer tipo de análise feita a partir desses dados não tem vínculo com a realidade, objetivando apenas explicar os conteúdos das aulas e permitir que os alunos exercitem aquilo que aprenderam. 1 AULA Conhecendo a Macroeconomia Meta da aula objetivos Apresentar as questões econômicas abordadas pelo campo da Macroeconomia através de quatro conceitos-chave: o crescimento econômico; a inflação; as relações externas (dívida externa); a distribuição de renda. Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1 identificar as quatro variáveis que acompanham o estudo da Macroeconomia; 2 isolar as decorrências dessas variáveis na dinâmica de um sistema econômico; 3 articular duas ou mais variáveis a fim de solucionar problemas reais; 4 identificar problemas econômicos nacionais de interesse da Macroeconomia; 5 explicar o funcionamento de órgãos do governo, como o Banco Central. Pré-requisitos Naturalmente, você se recorda do que estudou em Formação Econômica Brasileira. Pois os princípios abordados naquela matéria, vistos sob a ótica da escassez, que permeia o uso de todos os recursos econômicos, vão ajudá-lo a entender o que será discutido nesta aula. Pronto para aprender? Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia INTRODUÇÃO Figura 1.1: Da tela de Albrecht Dürer, os Quatro Cavaleiros do Apocalipse: a Guerra, a Fome, a Peste e a Morte. No estudo da Macroeconomia, a Inflação, a Recessão, o Endividamento Externo e a Desigualdade Social. Ao iniciarmos o estudo de algum fenômeno ou teoria, precisamos, em primeiro lugar, definir um ponto de partida. Provavelmente, você tem bastante claro que a Economia trata do comportamento do mercado. No entanto, se quiser se ocupar dessa reflexão por mais um momento, vai perceber que o conhecimento macroeconômico parte de princípios gerais que se aplicam a ! outros ramos do saber. O que é a Economia? O termo “economia” vem do grego, oikos = casa e nómos = distribuição, administração. A Economia, grosso modo, é a arte de administrar a casa, o ambiente em que vivemos. Repare que conhecer a origem do termo nos ajuda a compreender nosso alvo de estudo como algo mais próximo, mais palpável. Ou você duvida de que a ecologia, por exemplo, também tem algo a nos dizer sobre a maneira como cuidamos de nossa casa, o planeta? A Economia lida, como princípio, com a noção de escassez, que permeia todas as atividades econômicas. Por escassez queremos dizer que não há recursos disponíveis suficientes para suprir todas as nossas necessidades, sendo 8 CEDERJ 1 necessário, portanto, que saibamos priorizar objetivos e lidar com todas as AULA variáveis envolvidas no processo. Ainda sobre a origem dos termos, pense: será que economia e ecologia têm algo a oferecer uma à outra? ! Economia ou sistema econômico? Lembre-se: ao longo da aula, você vai conviver com um uso convencionado para o termo “economia”. Compreenda que, ao utilizar esse conceito, estamos nos referindo a um sistema econômico – ou ao conjunto de atividades, de bens e de serviços que movem uma economia. Essas atividades são exercidas pelas empresas e pelo governo, e envolvem todos os indivíduos (consumidores e produtores) concentrados em uma determinada região (um país, um estado, uma cidade). O QUE É A MACROECONOMIA? Em termos gerais, a Macroeconomia representa o estudo das grandes variáveis econômicas. Mais precisamente, das variáveis econômicas agregadas. Observe: o termo “agregada” vem do verbo “agregar”, que significar somar, reunir. Assim, as variáveis econômicas agregadas são a soma dos valores de cada um dos elementos que contribuem para a formação de um panorama. Por exemplo: tomemos um gênero alimentício como o arroz. No mercado, o arroz tem seu preço, que varia conforme a dinâmica de todo o sistema. Quando estudamos a Macroeconomia, no entanto, não nos concentramos apenas no nível de preços do arroz. Estudamos como cada fator envolvido no sistema econômico afeta o nível de preços do arroz, do feijão, da carne, dos ovos. Ao longo desta aula, você será capaz de perceber que os preços – ou o nível de preços de um país – podem variar como um todo. Dessa forma, podemos considerar a variável agregada “preço” como um fator homogêneo. A Macroeconomia pode ser entendida segundo quatro variáveis agregadas: o nível de preços, o nível de emprego, a taxa de câmbio e a taxa de juros. Esses elementos se relacionam de forma que um afete CEDERJ 9 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia todos os outros. Como você verá mais adiante, as interações entre as variáveis macro trazem grandes efeitos à economia. ! Quatro importantes variáveis da macroeconomia – nível de preços; – nível de emprego; – taxa de câmbio; – taxa de juros. MACROECONOMIA OU MICROECONOMIA? A Macroeconomia consiste no estudo do comportamento da economia como um todo, ou seja, de maneira agregada, interdependente. A Microeconomia, por sua vez, concentra-se no comportamento dos consumidores e das empresas, sempre sob a ótica desagregada ou setorial. A Macroeconomia estuda a inflação como problema nacional. A Microeconomia se preocupa com os efeitos das variações de preços sobre as empresas e os consumidores. A Macroeconomia e a Microeconomia constituem a base da teoria econômica. O PREÇO Jane Cleary (www.sxc.hu) Definidos os conceitos de Economia, Macroeconomia e Microeconomia, vamos analisar, uma a uma, cada variável econômica agregada. Para começarmos, apresento a você, neste momento, um importante conceito: o preço. Na forma agregada, o preço representa a soma de todos os preços de todas as empresas que operam Figura 1.2: O preço das ervilhas é determinado pelo lucro do feirante e pelo nível do preço da vagem em todo o mercado. 10 CEDERJ em um mesmo sistema econômico (ou em uma mesma economia). Desse modo, encontra-se a variável agregada preço, ou, simplesmente, o nível de preço. 1 Sobre a variável preço, vale notar que um dos efeitos de sua AULA dinâmica de alteração é a inflação. A INFLAÇÃO A inflação refere-se a um aumento no nível geral de preços. Opõe-se à deflação, que se refere à diminuição do nível geral dos preços. Ambos os conceitos são conseqüências da alteração do valor do dinheiro – da moeda – e não do valor dos bens. Um exemplo: um quilo de feijão que, na virada do mês, passe a custar 20% a mais em qualquer supermercado onde se procure é uma referência de inflação, caso os outros produtos Davide Guglielmo tenham aumentado 20% em média. Figura 1.3: A inflação faz seu dinheiro perder o valor. Atividade 1 Quanto custa hoje? 1 4 Ontem você saiu de casa com dois objetivos muito claros e bem distintos: comprar dez quilos de arroz para uma feijoada para a qual você vai contribuir e sondar o preço daquele automóvel importado que você sonha comprar. Ao passar por dois supermercados, você tem uma surpresa desagradável: o arroz está 10% mais caro. Ainda assim, você compra o arroz e parte em direção a uma revendedora da marca de automóveis que lhe interessa. Chegando à loja, você descobre que o preço do automóvel desejado subiu, embora as outras marcas nacionais tenham mantido seus preços. Dito isso tudo, com base no que vimos sobre preços e inflação, discorra sobre os casos do arroz e dos carros. Em algum ou em ambos os casos pode-se concluir que há um processo inflacionário? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ CEDERJ 11 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia Resposta Comentada Não há elementos suficientes para identificarmos com precisão se estamos diante de um processo inflacionário. Se observarmos uma grande quantidade e variedade de produtos poderíamos suspeitar que está havendo um aumento generalizado de preços. Quando o aumento ocorre em um ou poucos dos produtos, o caso pode ser de aumento de preços relativos. Isto é, alguns produtos ficaram mais caros em relação aos outros. Uma seca que tenha atingido a plantação de arroz pode ter prejudicado a colheita do arroz repercutindo para o mercado em elevação de preços. Isso não é inflação. Será se o aumento do preço do arroz causar aumento do preço de um almoço no restaurante, que por sua vez causar aumento no preço do táxi porque o taxista almoça naquele restaurante, e tal aumento no táxi implicar aumento na obturação do dente posto que o dentista vai para o trabalho de táxi e assim por diante. O EMPREGO Uma economia, como um automóvel, precisa de combustível para funcionar. Se tomarmos as empresas como o ambiente onde a economia é impulsionada, vamos concluir que o trabalhador é um dos importantes fatores que movimenta a economia. Vale então definir de forma clara o conceito de emprego. O emprego se refere às posições destinadas ao trabalhador – ou à mão-de-obra – como fator de produção dentro de um sistema econômico. Dentro de uma economia, o nível de emprego depende das expectativas dos empresários em torno do que vão produzir (extensão do ambiente empresarial, do número e do tamanho) das empresas que operam ali e até da utilização de tecnologia que substitua o trabalho humano. A luta por melhores colocações no mercado de trabalho e por níveis mais altos RENDA DJ Alemão de R E N D A permeia toda a história do sistema de produção capitalista. Provavelmente você já ouviu falar em renda, embora talvez não consiga definir o conceito de forma clara. Pois a renda se refere aos ganhos provindos do trabalho. A renda depende também de inúmeras variáveis, desde a demanda do mercado por trabalhadores de um determinado setor até a oferta de trabalhadores disponíveis para determinada atividade. A desigualdade de renda dentro de uma economia é a base de nossa tão conhecida diferença de classes. Figura 1.4: Sua renda é Ao longo da História, teóricos dos mais diversos campos tentaram explicar e quanto seu trabalho paga. solucionar o problema da diferença de classes, provindo das diferentes funções que trabalhadores exercem dentro de um sistema econômico e dos diferentes níveis de renda que decorrem dessas atividades. Já houve os que defendessem uma igual remuneração para atividades bastante diferentes entre si, assim como houve os que entendessem o abismo que separa ricos e pobres como uma característica imutável do sistema produtivo. Essa é uma discussão em aberto, que vale ser travada com seus colegas, tutores e professores. 12 CEDERJ 1 AULA Mike McGarry Figura 1.5: O uso do vapor na produção industrial foi o primeiro grande avanço tecnológico em direção às economias modernas. Atividade 2 Onde quer que precisem de mim 1 2 3 Você é um metalúrgico. Seu país está vivendo um surto de industrialização, e o mercado pede cada vez mais metalúrgicos. No entanto, sua esposa, agrônoma, recebeu uma oferta de trabalho irrecusável em outro país, onde a economia é principalmente rural. Ali, o pequeno mercado ligado à metalurgia fez aparecer cursos práticos ligados à sua profissão. Há metalúrgicos trabalhando, mas há poucas oportunidades de emprego. Suponhamos que, nesse novo país, você acabe conseguindo na sua área um emprego bastante semelhante ao que você tinha no Brasil. O que deve acontecer com a sua renda nesse novo emprego, em seu novo país? _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Resposta Comentada Provavelmente sua renda vai cair. Se há muitos trabalhadores disponíveis para uma mesma função e se há poucos postos de trabalho à disposição da categoria, provavelmente o empresário pagará menos aos trabalhadores. Como sua renda provém do trabalho assalariado, é seu valor no mercado que vai determinar seu nível de renda. CRESCIMENTO ECONÔMICO X RECESSÃO O processo produtivo que se percebe dentro de uma economia é algo dinâmico: certos períodos podem apresentar desempenho melhor ou pior, em comparação a períodos anteriores. Daí perceba que, se sob um primeiro olhar trabalhadores e empresários encontram-se em oposição, é o desempenho da economia como um todo que vai determinar seus ganhos e suas perdas. Períodos de alto desempenho para a produção, em CEDERJ 13 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia princípio, beneficiam a todos e geram o que se chama de “crescimento econômico”. O crescimento econômico representa o aumento das atividades econômicas de um país durante um período de tempo (normalmente um ano). Muitas vezes é medido pelo produto interno bruto (PIB), conceito que abordaremos em nossa segunda aula. Por ora, guarde que o contrário de crescimento econômico é a recessão. Em períodos de recessão, de um ano para o outro, ao invés de produzir mais, o país apresenta níveis de produção e emprego Kadri Poldma menores. Figura 1.6: Em momentos de recessão, quem mais sofre com os baixos níveis de emprego são os jovens. Por quê? A TAXA DE CÂMBIO Outra de nossas importantes variáveis econômicas agregadas é a taxa de câmbio, ou o preço da moeda nacional em relação à estrangeira. A taxa de câmbio expressa quanto se deve pagar em moeda nacional para adquirir uma unidade monetária de outra moeda, ou seja, de quantos reais precisamos para comprar um dólar, por exemplo. Para cada moeda estrangeira haverá uma taxa de câmbio. Tudo se passa como se a moeda estrangeira fosse uma mercadoria qualquer. A desvalorização da taxa de câmbio significa que a moeda estrangeira encareceu. A valorização do câmbio nos diz que a moeda estrangeira está mais barata. No Brasil, esse equilíbrio entre moedas é administrado pelo Banco Central, em Brasília. Para entender a dinâmica do câmbio, podemos partir de um exemplo bastante simples: imagine que você coleciona um álbum de figurinhas. Você tem o álbum quase completo e tem na manga uma figurinha premiada, a ser trocada por uma outra que lhe falta para completar uma página. Mas então quanto vale aquela figurinha, no ato de trocá-la por outra? Depende. 14 CEDERJ circulando entre seus amigos. Pois é basicamente assim que o Banco Central opera: se há muitos dólares circulando no país, o preço do dólar cai. Todo mundo tem dólares, ninguém quer comprar, então o valor do dólar vem abaixo. Pois se o Banco Central deseja elevar o preço do dólar, tornando o real mais barato, ele compra dólares no mercado e os soma à sua reserva. O exato oposto acontece quando há poucos dólares no mercado – o que equivale a dizer que o dólar está caro em relação ao real. Neste caso, o Banco Central vende dólares de sua reserva por valor mais baixo do que o praticado pelo mercado. ? Figura 1.7: O dólar, que era usado como moeda padrão nas negociações internacionais, vem perdendo terreno para o euro, a moeda da União Européia. Entendendo a taxa de câmbio Uma moeda fraca, desvalorizada, tem menor poder de compra, o que quer dizer que fica mais caro importar. Se um real vale um dólar, uma máquina fotográfica de 900 dólares custa 900 reais. Mas se dois reais são iguais a um dólar, a mesma máquina de 900 dólares sai pelo dobro do preço para nós, brasileiros: 1.800 reais. Por outro lado, uma moeda forte, valorizada, estimula a importação, ao mesmo tempo que desestimula a exportação. Se um real vale dois dólares, por exemplo, produtos brasileiros tendem a vender menos no exterior, já que quem trabalha em dólar precisa usar mais dinheiro para comprar um produto fabricado aqui. Voltemos à máquina fotográfica: uma máquina brasileira custa 900 reais. Um real vale dois dólares. Logo, um cidadão norte-americano que queira comprar uma máquina no Rio de Janeiro vai precisar pagar 900 reais, ou 1.800 dólares. CÂMBIO: O PREÇO DE SE NEGOCIAR EM OUTRA LÍNGUA O valor e a aplicação de moedas estrangeiras em um país referem-se às nossas relações comerciais com o resto do mundo. Para entendermos melhor a função do câmbio, podemos nos reportar ao que aprendemos sobre preços e à sua função clássica em qualquer transação econômica: a de coordenar os papéis de compradores e vendedores e a de ajudar a elaborar as decisões de consumidores e produtores. O valor de uma moeda estrangeira então é seu preço. Pois se estamos falando em comércio entre dois países, podemos presumir que CEDERJ 15 1 AULA Marcin Krawczyk Depende de quantas figurinhas iguais àquela estão Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia cada país vai partir de sua própria moeda para calcular se vale a pena ou não “fazer negócio”. A atratividade de um país para o comércio exterior, assim como o controle que se exerce sobre o fluxo de entrada e saída de capitais, é determinado pelo que se chama de balanço de pagamentos. O balanço de pagamentos é o registro sistemático de todas as transações econômicas Figura 1.8: Imagine que uma balança em equilíbrio tem, de um lado, as importações e, de outro, as exportações. envolvendo um país e o resto do mundo (países estrangeiros) durante determinado período. As exportações, as importações e o pagamento dos juros das dívidas contraídas no exterior são alguns dos itens contabilizados no balanço de pagamentos. Tomemos um exemplo prático: se ao Brasil interessa ampliar a venda de algodão ao exterior, por exemplo, e se o país encontra-se em um momento em que as importações em geral superam as exportações, vale a pena baixar o valor do real em relação ao dólar. Fazendo isso, compradores estrangeiros precisarão de menor volume de suas moedas para comprar um produto avaliado em reais. Se o valor do real está mais baixo, fica mais barato comprar algodão brasileiro. ! Câmbio Fixo x Câmbio Flutuante A administração da taxa de câmbio depende de uma postura muito definida por parte do governo: a de se instituir o chamado “câmbio fixo”. Neste caso, o governo define um valor estável para a moeda, a partir do qual as operações vão ser realizadas. O contrário existe e chama-se “câmbio flutuante”. Em regimes de câmbio flutuante, o valor da moeda oscila segundo as tendências do mercado exterior. 16 CEDERJ 1 2 3 4 AULA O gargalo das exportações 1 Atividade 3 5 Você é o presidente do Banco Central. Em seu gabinete, uma comitiva de grandes produtores brasileiros de soja o aguarda. Eles estão furiosos: suas exportações caíram quase 30% nos últimos meses. Todos eles defendem que é preciso mexer na taxa de câmbio. O dólar, no patamar em que se encontra, inviabiliza a compra da soja por países estrangeiros. O que você faria? Elevaria ou derrubaria o valor do dólar? E como você faria isso, vendendo ou comprando dólares do mercado? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Resposta Comentada A soja ou qualquer outra mercadoria a ser exportada está submetida a uma comparação entre duas moedas: a do exportador (aquele que vende para fora) e a do importador (aquele que compra de fora). Se o comprador está pagando muito caro pela soja, é sinal de que sua moeda está fraca em relação à do vendedor – ou do exportador (no caso, os produtores brasileiros de soja). A partir daí, conclui-se que é preciso desvalorizar a moeda do exportador, em relação à do importador. Derruba-se o real e valoriza-se o dólar. Assim fica mais fácil exportar. Duro será convencer a comitiva de importadores de automóveis, que o aguarda no lobby do banco, presidente. Já vimos também como se altera o valor de uma moeda: vendendo-a ou comprando-a no mercado. No nosso caso, queremos que o dólar tenha seu valor aumentado. Logo, precisamos retirar dólares do mercado. O que equivale a dizer que o Banco Central, nesse caso, deve comprar dólares. A TAXA DE JUROS Preço, emprego, taxa de câmbio. Uma quarta variável econômica que está no centro de nossas preocupações desta aula é a taxa de juros, ou, sob a ótica do consumidor, quanto o mercado embute no preço de produtos e serviços em função de compras a crédito. CEDERJ 17 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia Já estudamos o conceito de inflação. Vimos que ele se refere ao aumento da moeda circulante em um país, acompanhado de sua conseqüente desvalorização. Pois a taxa de juros é uma das formas que o mercado encontra para compensar perdas diante da inflação. Quando você deposita uma parte de seu salário em uma caderneta de poupança, sabe que aquela é uma aplicação segura e que rende sempre alguma coisa, por mais modesto que seja esse rendimento. Pois esse rendimento são os juros que você recebe do banco. Aqueles mesmos juros dos quais você reclama quando compra alguma coisa a prazo ou quando toma um empréstimo bancário. É que aí é você quem paga os juros. Vimos então que uma elevação da taxa de juros prejudica as pessoas que compram a prazo. Esses consumidores vão pagar mais caro por seus financiamentos. Por outro lado, aqueles que aplicam seus recursos no mercado financeiro ficarão muito contentes ao receber mais, graças ao aumento dos juros. Atividade 4 Comprando devagar 1 2 3 4 Deu no jornal: os juros subiram mais de dez por cento. Absurdo. E você ainda precisa comprar um fogão novo, é urgente. Na caderneta de poupança, você tem três vezes o valor do fogão, embora tenha se planejado para não usar esse dinheiro. Sua idéia era pagar prestações a partir do seu salário, já que em poupança não se mexe. Mas e agora? Será que com os juros muito mais altos do que aqueles que você viu no mês passado continua valendo a pena comprar a prazo? _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ Resposta Comentada Embora seu dinheiro aplicado na caderneta de poupança venha render o aumento dos juros, nas compras a prazo implicará pagar muito mais por um determinado produto. Se você tem o dinheiro para cobrir o preço do fogão, vale mais a pena comprar à vista e depositar na poupança o que você havia planejado usar nas prestações. 18 CEDERJ 1 AULA Mercado Financeiro e Especulação No filme Rogue Trader (1999), do diretor inglês James Dearden, um operador da Bolsa de Valores do sudeste asiático joga de forma arriscada com tendências do mercado financeiro e acaba por causar a falência de um dos maiores bancos da Grã-Bretanha. A história é real e serve para ilustrar o funcionamento do mercado de ações. A Economia em Desequilíbrio Um bom exemplo do que acontece com uma economia em desequilíbrio está no documentário Roger & Me (1989), do diretor americano Michael Moore. No filme, uma cidade do interior dos Estados Unidos sente os piores efeitos de uma indústria especializada que fecha suas portas: desemprego, esvaziamento econômico, depreciação imobiliária; a economia local vem abaixo. Sugestão: visite ao site http://www.imdb.com/title/tt0131566/] AS VARIÁVEIS E SUAS DECORRÊNCIAS Essas quatro variáveis agregadas das quais a Macroeconomia se ocupa (guarde, vai ser útil: nível de preços, salários, taxa de câmbio, taxa de juros) irradiam seus efeitos sobre grandes questões nacionais, como o crescimento econômico do país, a inflação, o comércio exterior, representado pelo balanço de pagamentos, e a distribuição de renda. Hoje, uma das maiores preocupações nacionais ao redor do mundo é a competição pelo ambiente industrial perfeito. No momento, as Américas encontram-se negociando acordos multilaterais, dentre os quais a Alca e o Nafta se destacam. A idéia, que segue a tendência atual de que países se organizem em blocos, tenta regular as relações comerciais e culturais entre os países da região, de modo que o crescimento e o desenvolvimento econômicos sejam sentidos por todas as nações envolvidas de forma relativamente eqüânime. A agilidade ou a lentidão desse processo está submetida a uma enormidade de fatores, dentre os quais e de forma prioritária os políticos. CEDERJ 19 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia ? O caso mexicano Acompanhe um caso: nos últimos anos, o México assumiu uma posição mais próxima da economia americana, investindo nessa crença de que faria parte de um sistema econômico maior. Como as leis de defesa ambiental mexicanas são mais flexíveis do que as americanas, e como a mão-de-obra mexicana é mais barata do que a empregada nos Estados Unidos, o México acabou se tornando um belo ambiente para a instalação de indústrias dedicadas a finalizar produtos feitos nos Estados Unidos. No México, essas indústrias receberam o nome de maquiladoras – ou “maquiadoras”, em bom português. As maquiladoras foram responsáveis pelo aquecimento da economia mexicana durante um determinado período. No entanto, diante da eterna busca pelo melhor ambiente industrial, o México vem perdendo terreno para países emergentes como a China, onde a mão-de-obra é ainda mais barata. O processo pode não ter fim. Enquanto isso, nos Estados Unidos, em áreas anteriormente dedicadas à produção industrial, já se fala no surgimento de um Cinturão de Ferrugem (Rust Belt). Para saber mais sobre esse tema, digite “cinturão de ferrugem” ou “rust belt” em um mecanismo de buscas da internet. Há artigos nos jornais O Estado de S. Paulo e The Washington Post. Já está claro que a instalação de indústrias ou de qualquer outro incremento a sistemas econômicos locais está subordinada a variados fatores, desde regras de proteção ambiental até facilidade de transportes, preço da mão-de-obra, proximidade dos mercados consumidores, clima. Tudo influencia no desenvolvimento da economia. Então, ao ler jornais ou assistir à TV, fique atento para perceber que um surto de desenvolvimento Trip Fontaine (www.sxc.hu) local nunca acontece por acaso ou milagre. Figura 1.9: Quando uma grande indústria fecha suas portas, não são só suas instalações que sentem os efeitos. 20 CEDERJ AULA 1 AS VARIÁVEIS APLICADAS A taxa de juros sobre o mercado A taxa de juros, ou seja, aquilo que se paga de juros por pegar dinheiro emprestado, afeta os investimentos dos empresários. Acompanhe: se houver elevação da taxa de juros, os empresários que precisarem recorrer aos bancos para conseguir dinheiro a fim de comprar novas máquinas, por exemplo, vão verificar que está mais caro investir. Logo, tendem a ficar desestimulados para tal. Ainda que eles tenham o dinheiro, poderão perceber que aplicar no mercado financeiro, ou poupar, em vez de investir na compra de máquinas, pode ser mais lucrativo. Assim, a elevação dos juros inibe os investimentos em recursos produtivos (aqueles destinados a aumentar a produção) e estimula a poupança. Muito bem: se os empresários investem menos, como conseqüência, a produção deverá crescer menos. E como produção menor implica menos emprego, percebemos como a taxa de juros pode afetar o nível de emprego de uma economia. Leia isso de novo. Visualize. Atividade 5 Juros, para que te quero? 2 3 4 5 ECONOMIA BC anuncia aumento de 0,25 ponto na taxa de juros F oi dado pelo Banco Central o sinal verde para mais um aumento na taxa de juros. Diferente do que havia declarado há uma semana o presidente do BC, Henrique Meirelles, a partir de amanhã o mercado opera com um aumento de 0,25 ponto percentual. CEDERJ 21 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia MUNDO Argentina quer frear "invasão brasileira" Em mais um capítulo da dura negociação comercial entre Brasil e Argentina, o presidente argentino Néstor Kirchner declarou ontem ser necessário frear o que classificou como uma “invasão brasileira”. O alvo da vez é o setor de eletrodomésticos, que tem na Argentina um de seus principais compradores. A partir de segundafeira, passam a vigorar naquele país taxas mais altas para a importação de refrigeradores brasileiros. Retornam hoje, pelo porto de Santos, dez cargueiros carregados de refrigeradores brasileiros que foram retidos na Argentina. Tomando por base os dois fragmentos de notícia, reflita e responda: de que maneira uma elevação da taxa de juros, acompanhada das restrições para a exportação, pode influenciar no preço da geladeira e na sua idéia de comprar uma geladeira? _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ Resposta Comentada Se os juros subiram, isso significa que o financiamento para as compras a prazo está mais caro. Logo, quem pretendia comprar a prazo vê-se estimulado a poupar mais para se beneficiar dos juros pagos pelo banco, até que possam comprar sua geladeira à vista. Ao mesmo tempo, se o mercado dos produtores brasileiros de geladeiras na Argentina foi limitado, isso equivale a dizer que a procura por geladeiras caiu, o que fará aumentar a oferta dela no Brasil. Se já há um estoque formado, é possível que os produtores sejam obrigados a baixar os preços, a fim de escoarem a produção. No meio disso, talvez você consiga até comprar a geladeira à vista. A RENDA E A QUESTÃO SALARIAL Os salários são uma via de mão dupla: de um lado, representam a fonte de renda da maior parte da população. De outro, uma importante variável de custos para as empresas. Da mesma forma, um reajuste salarial estimula o consumo, ao mesmo tempo que eleva os custos da empresa. 22 CEDERJ 1 Voltando ao caso do México e ao que explicamos sobre ambientes AULA industriais perfeitos, perceba que países como a China hoje representam um bom espaço para montar uma indústria multinacional, inclusive porque ali a mão-de-obra é muito mais barata do que nos países de origem dessas empresas. Mais adiante: já vimos que um aumento salarial eleva os custos de produção. Agora perceba que esse aumento no custo pode ser repassado para os preços. Se isso se repetir como um processo contínuo e geral (em toda a economia), pode-se assistir ao início de um momento de inflação. A inflação, como você já viu, refere-se ao aumento da moeda circulante em um país. Então perceba: se você ganha mais e o empresário repassa para os preços o novo custo que você gerou, tudo fica mais caro. Se você ganha mais e tudo fica mais caro, o dinheiro vale menos. Acompanhou? Esse processo acaba retirando mais uma vez o poder aquisitivo dos trabalhadores, que, novamente, vão reivindicar outros reajustes. No final da bola de neve, pode se formar um círculo vicioso e inútil de “salários versus preços”, tal qual um cão que tenta morder a própria cauda. A discussão mais detalhada sobre esse aspecto é um dos grandes temas da economia, mas não trataremos dele agora. O que nos interessa saber, no momento, é que os salários são fonte de renda para as famílias e custo para as empresas. Podem, em momentos de elevação, atrair novos empregos e gerar mais consumo. Porém, ao mesmo tempo, causar maiores custos e repasses aos preços. Atividade 6 Parabéns, você está um pouco mais rico. Este é seu contracheque. Dois salários mínimos. 1 2 4 CEDERJ 23 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia Esta é a geladeira dos seus sonhos: Isso você leu hoje no jornal: ECONOMIA Novo salário mínimo é de 350 reais E m pronunciamento em rede nacional de TV, o Presidente Luis Inácio Lula da Silva anunciou, na noite de ontem, um novo patamar para o salário mínimo. A partir desta segunda-feira, o mínimo passa a 350 reais, nível mais alto desde... E agora? O que deve acontecer com o preço da sua geladeira Brasfreezer? Justifique sua resposta. ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada Provavelmente, o preço da sua geladeira vai subir junto com seu salário. Você é o consumidor do produto que ajuda a fabricar. Se o patrão precisa aumentar seu salário, ele vai passar por uma elevação em seus custos, o que precisa ser compensado de alguma forma. Logo, a menos que seu patrão esteja disposto a ver seu lucro diminuir, ele irá repassar o aumento do custo salarial para o preço da geladeira. Portanto, se de um lado você está ganhando mais, porém os preços das coisas estão mais elevados, é possível que seu poder de compra fique como antes. 24 CEDERJ 1 AULA ! Maior remuneração e menor inflação? Talvez você esteja se perguntando se é possível que, em algum caso, um aumento na remuneração não seja inflacionário. A resposta é: claro que sim. Pense em um trabalhador produzindo, por dia, mil mercadorias que, vendidas, valem R$ 1.500,00 (desconsidere qualquer outro custo de produção que não seja o do trabalho). Se sua produtividade – ou quanto o trabalhador produz em média a cada período de trabalho – for dobrada (duas mil mercadorias por dia), o trabalhador pode receber um aumento de renda de até 100%, e tal aumento não será inflacionário. Isto porque ele está reivindicando para si apenas o acréscimo de lucro que sua produtividade gerou. Você está ganhando em cima de um crescimento econômico que gerou com seu trabalho. Moral da história: os aumentos de remuneração em função da produtividade não representam aumento de custos. Portanto, não são inflacionários. A TAXA DE CÂMBIO E O BALANÇO DE PAGAMENTOS A taxa de câmbio (ou o valor, o preço da moeda nacional em relação ao da estrangeira) afeta o nível de preços e as exportações. Veja que quando o preço do dólar aumenta (nosso câmbio desvalorizado), comprar um produto importado no supermercado fica mais caro. Exemplo: suponha que a taxa de câmbio esteja assim: 1 dólar = 1 real (U$ 1: R$ 1). Daí, um uísque importado ao preço de um dólar valerá, no supermercado, exatamente um real (desconsidere o lucro do supermercado e outros itens de custos). A partir daí, se houver uma desvalorização do real de forma a cotar 1 dólar = 2 reais, então você pagará 2 reais para adquirir o mesmo uísque. Como os preços dos importados aumentam, é de se esperar que aqui se comprem menos importados. Assim, diminuem as importações. CEDERJ 25 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia Agora, se a taxa fosse 2 dólares = 1 real (valorização Leonardo Novaes cambial de nossa moeda), o uísque estaria custando 50 centavos de real. Seria um produto importado mais barato do que o similar nacional, o que nos estimularia a comprá-lo, em detrimento daquele genérico brasileiro. Mas veja, a desvalorização do câmbio é um dos fatores que podem afetar a inflação. Eis um caso: o trigo é um insumo importado para a produção do pão, uma matéria-prima. Se houver desvalorização da moeda nacional, o preço do trigo importado aumenta, e, por conta disso, poderá haver o repasse desse aumento para os preços na padaria. Figura 1.10: O trigo que seca nos campos não vira pão, vira aumento de preço. Em geral, com a desvalorização, todas as matériasprimas importadas sofrerão aumento de preços, com repasses para os preços dos produtos manufaturados, finalizados. Atividade 7 O salário é “imexível” 3 4 5 Você trabalha no Banco Central. O presidente, em reunião ministerial, anuncia sua intenção de reduzir a inflação. Só que ele não aceita instituir mecanismos de redução salarial, tampouco admite aumento nas taxas de juros. Através da taxa de câmbio, o que você pode sugerir? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Resposta Comentada Ao vender dólares no mercado e ao valorizar a taxa de câmbio, o real subirá na cotação em relação ao dólar. Assim, tudo o que se compra em dólares precisará de menos reais na hora da conversão de uma moeda à outra (a taxa de conversão é a taxa de câmbio), ou seja: os produtos importados, as passagens aéreas ao exterior, as compras que se fazem quando se está em outros países etc. estarão mais baratos. Nos efeitos sobre a inflação, pode-se afirmar: ela deverá diminuir. Os produtos importados que servem como matéria-prima ou como insumo à produção estarão mais baratos. Isto implica dizer que os custos com as compras de bens importados estarão menores, o que possibilita queda nos preços. Conclusão: a valorização cambial tem um efeito antiinflacionário, posto que os custos com matérias-primas e insumos importados diminuem. Pode-se, portanto, repassar essa diminuição de custos aos preços, ocasionando a redução da inflação. 26 CEDERJ São vários são os efeitos da elevação de preços. Por ora, vamos citar a redução do poder de compra dos salários e a conseqüente queda na demanda agregada (a demanda total da população por um determinado item), ou seja: a redução dos níveis de compra. OS CAVALEIROS DO APOCALIPSE 1 AULA Tess O nível de preços e seu bolso vazio Figura 1.11: Se o nível de preços da economia sobe, os efeitos são sentidos nos mercados e em sua geladeira. Recessão. Inflação. Dívida externa alta. Níveis complexos de concentração de renda. Ao falar desses problemas, você se recorda de algum país que esteja passando – ou que tenha passado – por tais situações? Se pensou no Brasil, meus parabéns: você está atento ao que acontece ao seu redor. Ainda assim, posso dizer: dos cerca de 200 países existentes no planeta, a ampla maioria enfrenta ou já enfrentou tais desafios. Vale também dizer que todos esses precisam da análise macroeconômica para ajudá-los a solucionar os problemas de baixo crescimento econômico, desemprego, dívidas externas e má distribuição de renda. A recém-criada União Européia, por exemplo, está reorganizando os fluxos produtivos e populacionais do Velho Mundo. Cidades como Frankfurt, na Alemanha, têm suas ruas próximas às estações de trem tomadas por imigrantes do Leste europeu, que, liberados pelo fim da barreiras impostas pela extinta União Soviética, acorrem à Europa Ocidental em busca de oportunidades melhores de emprego. Muitos deles começam a formar uma nova população de desabrigados e desempregados (ver tabela). CEDERJ 27 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia Países da União Européia (EUR 15) Taxas de desemprego e distribuição do emprego Total pelos setores de agricultura, indústria e serviços – 1993 Tabela 1.1: Taxas de desemprego e de emprego por setores dos quinze países que integram a União Européia País Taxa de Desemprego (%) Bélgica 9,4 Dinamarca Emprego na Indústria (%) Emprego nos Serviços(%) 2,9 30,9 66,2 10,3 5,2 27,4 67,4 Alemanha 7,2 3,7 39,1 57,2 Grécia 7,7 21,9 25,4 52,8 Espanha 21,8 10,1 32,7 57,2 França 10,8 5,9 29,6 64,5 Irlanda 18,4 13,8 28,9 57,1 Itália 11,1 7,9 33,2 59,0 Luxemburgo 2,6 3,1 29,6 67,3 Holanda 8,8 3,9 25,2 70,9 Áustria 3,6 7,1 35,6 57,4 Portugal 5,1 11,5 32,6 56,0 Finlândia 17,9 8,6 27,8 63,5 Suécia 8,1 3,2 26,6 70,1 Reino Unido 10,4 2,2 30,2 67,5 ! Emprego na Agricultura (%) Fonte: Eurostat/IPEA. O Brasil já se consagrou campeão mundial de futebol, vôlei e boxe, não é mesmo? Mas é também medalhista em outros esportes: já foi campeão em maior inflação, maior taxa de juros, menor salário mínimo, maior concentração de renda... TRADE-OFF: OS PÉS OU A CABEÇA? Você já ouviu falar do problema do “cobertor curto”? Numa noite de inverno, ao dormir com um desses ingratos elementos macroeconômicos, você passa por um difícil e nunca satisfatório dilema: 28 CEDERJ 1 ou bem cobre a cabeça, deixando os pés ao frio, ou faz o contrário. AULA Isto significa que não há solução ótima. Pois na Macroeconomia isso também ocorre. O trade-off é uma expressão inglesa que, em economia, representa uma situação-dilema (ou um conflito de decisão), em que uma ação em proveito de alguma coisa dificulta uma outra. Você poderia pensar: basta que os economistas tomem medidas para baixar a inflação, estimular a iniciativa privada (nossos empresários), aumentar a produção e o emprego, elevar as exportações para adquirir dólares para saldar a dívida externa e distribuir a renda. O caso é que, infelizmente, há algo que complica um pouco essa história: é o chamado trade-off, que ocorre na hora de procurar resolver tais problemas econômicos. Creio que já reunimos os elementos básicos para entender um pouco da complexidade que envolve os problemas macroeconômicos. Pois se um país tem como metas diminuir a inflação, o desemprego, a dívida externa e melhorar a distribuição da renda, o que se deve fazer? Se utilizarmos as variáveis juros, câmbio, preços e salários, podemos até amenizar um desses problemas. No entanto, fatalmente a gravidade de algum dos outros irá se aprofundar. Como assim? Suponha que a política econômica de um país seja a de elevar a taxa de crescimento econômico. Ao diminuir a taxa de juros, os empresários irão investir mais, aumentando o emprego e a produção. Isso é positivo, mas outras coisas não tão positivas também podem ocorrer: taxas de juros mais baixas aumentam o consumo, o que estimula os empresários a aumentar os preços. Esta última relação será tanto mais forte quanto mais intenso for o crescimento da demanda pelos produtos e serviços. Quando os empresários produzem mais, além de contratar mais pessoas, eles também compram mais insumos importados. Desse modo, gastam dólares que poderiam ser utilizados para pagar a dívida externa. Tudo isso pode acontecer em maior ou menor grau de intensidade. Tudo depende de em que nível esteja o desenvolvimento do país em questão ou sua situação econômica. Se o objetivo do país for baixar a inflação, então é preciso conter o nível salarial da população, para que não haja pressão de custos sobre os preços. Parece um pouco chocante, mas lembre-se de que, para a empresa, salário é custo. CEDERJ 29 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia A diminuição da margem de lucro dos empresários também contribui para reduzir a inflação. Essa diminuição pode ser feita com um volume maior de importações, já que isso impõe uma maior concorrência às empresas nacionais. Ao mesmo tempo, fazer isso é desestimular o crescimento econômico local. Outra séria conseqüência de uma redução no nível salarial é o aumento da concentração da renda da população, problema que conhecemos bem. Em suma, temos aí o trade-off do “cobertor curto”: ao se resolver um problema, quase sempre acentua-se algum outro. É preciso priorizar o que se quer: primeiro combater a inflação e depois fazer o país crescer? Ou o contrário? Essa é uma discussão que permeia todos os momentos políticos dos países, e normalmente é solucionada nesse mesmo ambiente político. Vale notar que, até pela natureza do “cobertor curto”, não há solução puramente técnica para os impasses de que trata a Macroeconomia. Cris Watk CONCLUSÃO ? Figura 1.12: Em Economia, há sempre um pé que fica de fora. A grande questão é decidir qual deles. Crescimento ou desenvolvimento? Trecho retirado da edição 236 (25/11/02) da revista Época: “Provocado a comparar suas idéias com as do ministro preferido dos militares, Delfim Netto, e as do ex-minstro Pedro Malan, o atual ministro da Fazenda Antonio Palocci faz uma didática culinária. ‘Nem acreditamos que primeiro é preciso crescer o bolo para depois repartir (tese dos anos verdeoliva), nem que o bolo se divide sozinho (tese de Malan). Vamos dividir o bolo durante o crescimento.’ Em outras palavras: Palocci pode até usar o idioma de Malan e receber elogios de Delfim, mas promete ser diferente.” 30 CEDERJ 1 AULA ! Quatro problemas (macro) econômicos nacionais – inflação; – crescimento econômico baixo; – dívida externa alta; – má distribuição de renda. A Macroeconomia trata as questões econômicas de maneira agregada. Estas são inter-relacionadas e constituem um desafio à política econômica. Muitas vezes, ao se tentar resolver um problema macro, um outro pode surgir. Muitas vezes, esse dilema é posto de maneira a exigir uma escala de prioridades, já que não se consegue resolvê-los simultaneamente. Ao final desta aula, tendo visto os temas ligados à Macroeconomia e compreendido alguns dos processos de interação entre as variáveis macroeconômicas, eis algumas colocações no mercado de trabalho a serem ocupadas por economistas: • no Ministério da Fazenda, assessorando o ministro em questões nacionais; • em empresas multinacionais, onde tenha a função de estudar o comportamento econômico das empresas concorrentes; • no mercado financeiro, pois ali terá que verificar quais títulos financeiros darão maior rentabilidade com o menor risco; • em bancos comerciais (ex.: Banco do Brasil), uma vez que sua tarefa diária será estimar o volume de recursos que podem ser emprestados aos setores público e privado; • no setor imobiliário, no departamento de lançamentos de prédios de luxo. Cada um desses itens, em maior ou menor intensidade, pode representar algo que utilize o conhecimento macro adquirido. CEDERJ 31 Análise Macroeconômica | Conhecendo a Macroeconomia Atividades Finais 1 2 3 4 5 (...) os indicadores da atividade mostram que a economia brasileira, com variação de mais de 5% do PIB em 2004, vive auspicioso momento expansionista que induz a maior investimento, maior emprego e maior consumo. Isso é tudo o que um governante torce para ter e o que toda sociedade almeja, desde que não implique na [sic] volta da espiral inflacionária (jornal Valor Econômico, editorial, p. A14; 18/12/05). Com o que você estudou nesta aula e munido das informações contidas no texto, explique o porquê do risco da espiral inflacionária. Resposta Comentada A citada variação de mais de 5% do PIB significa a magnitude do crescimento econômico do Brasil em 2004. Como sabemos, quando a economia cresce, os empresários vendem mais e fazem mais investimentos. Claro que ao vender e investir mais, eles estão contratando mais funcionários. Com mais salários, o consumo aumenta no país. O risco da inflação está na pressão desse maior consumo sobre as vendas. Afinal, se há maior demanda, há maiores vendas e o risco de proporcionar maiores preços. Com o aumento de preços pode-se ter mais inflação, o que fará o poder aquisitivo dos salários diminuir. A partir daí, pode ser gerada uma corrida de reajustes de salários que acabem representando um aumento de custos e preços, ou seja: está presente na notícia do jornal a relação entre a meta de crescimento econômico e o efeito colateral de gerar inflação. RESUMO A Macroeconomia consiste no estudo e na análise das variáveis econômicas de forma agregrada (juros, salários, câmbio, preços) e dos principais problemas econômico-sociais (crescimento econômico, inflação, dívida externa, distribuição de renda). As variáveis tratadas aqui influenciam os problemas econômicos de maneira tal que podem, ao mesmo tempo, reduzir a gravidade de um e acentuar outro. Todo o estudo da Economia, seja a macro ou a micro, aborda o problema da escassez, princípio segundo o qual não há recursos suficientes para atender a todas as demandas geradas em um sistema econômico. 32 CEDERJ 1 AULA A Economia lida com a articulação entre suas variáveis, e é assim, de forma combinada, que tenta resolver problemas em um ou outro setor de atividades. Cada variável econômica agregada apresentada nesta aula interfere nas demais, e a forma como vão ser aplicados os conceitos econômicos vai ser sempre bastante particular, levando em conta as características próprias de cada sistema econômico. INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Ao longo desta disciplina, você terá uma visão geral do que se estuda em Macroeconomia, uma das mais importantes disciplinas estudadas pelo curso de Ciências Econômicas. Ali, a Macroeconomia está dividida em três semestres. Nós, por outro lado, preferimos enfocar esta matéria no nível do interesse e da importância que se observa para um futuro administrador de empresas. Na próxima aula, começaremos a abordar a produção e o crescimento econômico de um país. Veremos ainda como se mede seu nível de atividade econômica. Você já ouviu falar em PIB (Produto Interno Bruto) na disciplina Formação Econômica do Brasil, certo? Pois vamos voltar a falar disso na Aula 2. CEDERJ 33 2 AULA Medindo as atividades econômicas Meta da aula objetivos Apresentar o conceito de Produto Interno Bruto, suas aplicações, suas variáveis e seus desdobramentos. Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1 definir produto interno bruto (PIB); 2 verificar a utilidade do PIB como indicador das atividades econômicas; 3 diferenciar PIB real, PIB nominal, deflator do PIB e PIB per capita. Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas Erik Jaspers (www.sxc.hu) INTRODUÇÃO Figura 2.1: Carregamento embarcado em contêineres, rumo a mercados externos. Quem nunca se viu, mesmo quando bem jovem, diante de um lampejo de curiosidade sobre algum fato econômico? Ainda que nunca tenha estudado uma única linha sobre economia, quem nunca se perguntou, por exemplo, algo tão esdrúxulo quanto “qual seria o valor somado de todos os salários ou rendas do Brasil”? E se existisse um megamilionário tão afortunado quanto excêntrico que desejasse comprar tudo o que o Brasil produziu em um ano? Como você poderia chegar a esse valor? Por trás dessas inusitadas perguntas estão outras um pouco mais técnicas: como se avalia o crescimento econômico de um país? Por que a renda de um país é exatamente igual à despesa? Qual o peso da produção industrial ou agropecuária na produção total do país? O elemento básico para responder a tais perguntas está na sigla econômica mais popular de todos os tempos: de uma forma ou de outra, não há quem nunca tenha ouvido falar do PIB. O QUE É O PIB? O produto interno bruto (PIB) representa a estimativa do valor de tudo que foi produzido por um país em determinado período. Este valor é calculado com base nos preços de mercado, leva em conta apenas os bens e serviços finais (aqueles destinados diretamente ao consumidor final); o período tomado como base pode ser anual, semestral etc. COMO SE CALCULA O PIB? Tudo se passa como se contratássemos alguém para, desde o primeiro até o último dia de um ano, anotar os preços de todos os bens e serviços finais gerados dentro do território nacional. Nesse caso, teríamos o PIB anual do país. 36 CEDERJ 2 Para efeito ilustrativo, suponha que, no ano X, um país tenha Produto Quantidade produzida (q) Preço de mercado (p) R$ A 2 2 B 4 3 C 1 5 AULA produzido apenas três produtos (a, b, c), da seguinte forma: Assim, o pib desse país seria: PIB = (2 x 2) + (4 x 3) + (1 x 5) = R$ 21 Lembre-se de que o PIB se refere à soma de tudo o que foi produzido em um país. Assim, poderíamos dizer que o valor de tudo que foi produzido naquele país, durante o ano, foi de R$ 21,00. O CONCEITO EM DETALHES Vamos esmiuçar um pouco alguns dos termos que definem o que seja PIB. Para começo de conversa, é importante guardar que o PIB é avaliado em termos do valor de mercado, ou seja, a partir dos preços que são praticados no mercado de bens e serviços. Os preços que você vê nos supermercados, feiras, lojas etc. Quando falamos em bens e serviços finais, queremos mostrar que nossa conta não inclui os bens intermediários, já que estes já estão inseridos nos preços dos bens finais. Por exemplo: o valor do trigo, que serve de matéria-prima à produção do pão, não é contabilizado no cálculo do PIB. Como no valor do pão já está embutido o valor do trigo, o trigo acaba sendo considerado indiretamente. Perceba: se somássemos o valor do trigo (insumo do pão) ao do pão, estaríamos contando o trigo duas vezes. Isso acarretaria o que se chama de erro de dupla contagem no cálculo do PIB. CEDERJ 37 Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas Atividade 1 1 Com quantos pneus se faz um carro Uma montadora de automóveis compra de outra empresa os pneus para a produção de seus veículos. Cada carro, é importante lembrar, chega ao consumidor final com cinco pneus: um em cada roda, mais um estepe. O conjunto de cinco pneus é vendido à montadora por R$ 500. Os carros, depois de prontos, são cotados por R$ 5 mil. Agora responda: para o cálculo do PIB, qual será o montante a ser considerado na produção de dois automóveis? Resposta Comentada No cálculo do PIB, o valor a ser considerado para a produção de dois automóveis é de R$ 10 mil. Se o preço final de cada carro é de 5 mil e se os pneus são bens intermediários à produção dos carros, então os pneus já estão incorporados ao preço final dos carros. Caso somássemos a esses R$ 10 mil os bens intermediários (ou dez pneus, cinco para cada carro), teríamos para o cálculo do PIB o valor de R$ 11 mil, o que causaria certa discrepância na soma final. Este é um exemplo do erro da dupla contagem. Ou seja: neste caso, os pneus teriam sido contados duas vezes: na venda para a montadora e na venda para o consumidor final. QUAL O EFEITO DOS PREÇOS SOBRE O PIB? A essa altura, você já guardou que o PIB é uma medida da atividade econômica ligada à produção de bens e serviços finais. Pois como este indicador é calculado com base nos preços dos bens e serviços, é coerente pensar que seu valor será influenciado pela variação de preços. Então note que, por ser um índice relacionado à produção e ao nível dos preços no mercado, a elevação dos preços irá afetar o valor do PIB, mesmo que a quantidade produzida permaneça a mesma de um ano para o outro. Voltemos à primeira tabela: Suponhamos novamente que, no ano x, um país tenha produzido apenas três produtos (a, b, c), da seguinte forma: 38 CEDERJ Produto Quantidade produzida (q) Preço no mercado (p) R$ A 2 2 B 4 3 C 1 5 2 Assim, o PIB desse país seria: AULA PIB = 2 x 2 + 4 x 3 + 1 x 5 = R$ 21,00 Agora suponha que todos os preços tenham dobrado, mas que a quantidade produzida tenha permanecido a mesma. Observe que, neste caso, o PIB terá dobrado (PIB = R$ 42). Essa discrepância causará uma grave distorção para um indicador com a função de informar a variação da produção total (agregada). COMO ISOLAR O PIB DO NÍVEL DE PREÇOS? Uma forma de evitar a influência da variação de preços sobre o cálculo do produto interno bruto consiste em medir o PIB em termos reais. Daí, surgem dois conceitos de PIB: um seria o PIB nominal, que representa o PIB a preços correntes, ou o PIB baseado nos preços praticados pelos mercados. O outro, que denominamos PIB real, consiste no valor do produto interno bruto em termos de preços constantes, a partir de um ano considerado como base de referência. Guarde então: suponha que, em 2003, a produção brasileira de bananas tenha chegado ao patamar recorde de x toneladas. Se em 2004 o preço das bananas tiver dobrado no mercado, ainda que a produção tenha se mantido a mesma do ano anterior, nossa soma de todo o dinheiro gerado pela produção de bananas vai dobrar junto com os preços. Uma pessoa desavisada poderia olhar esse novo valor do PIB e concluir que o país alcançou novo recorde produtivo, mas, na verdade, o patamar da produção de bananas é exatamente o mesmo, o que se alterou foi o valor do PIB nominal. Se quisermos avaliar apenas o nível de produção de bananas brasileiras, precisaremos comparar pelo menos dois anos. Então contabilizamos a produção de 2003 e, em 2004, consideramos os preços ! de 2003. Assim se calcula o PIB real. Aumento na produção ou nos preços? Se o PIB aumentou de um ano para o outro, pelo menos uma das duas coisas ocorreu: ou o país elevou a quantidade produzida em sua economia ou os bens e serviços sofreram aumentos de preços. CEDERJ 39 Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas PIB REAL: UM EXEMPLO SIMPLES Suponha que, ao longo de três anos, um país tenha produzido apenas dois bens (bananas e veículos). A quantidade produzida, os preços e, por conseguinte, o PIB nominal em cada um desses anos estão relacionados a seguir: Ano Bananas(QB) Preço (PB) R$ Veículos (Qv) Preço (Pv) PIB= (PBQB+PVQV) R$ R$ 2002 100 1 20 50 1.100 2003 120 2 30 60 2.040 2004 140 3 40 70 3.220 Sendo: QB a quantidade de bananas produzidas; PB o preço das bananas; QV a quantidade de veículos produzidos; PV o preço dos veículos no mercado. Inicialmente, observe que o PIB nominal aumenta de um ano para o outro. Essa elevação deve-se ao crescimento da produção, mas também à elevação de preços. Se o nosso interesse for calcular o aumento real da produção, ou seja, aquele não-afetado pelo crescimento dos preços, temos que utilizar o conceito de PIB real. O primeiro passo será escolher um ano-base, ou de referência. Os preços dos produtos naquele ano é que serão utilizados como referência para o cálculo do PIB real nos anos subseqüentes. Para o cálculo do PIB real, portanto, não utilizamos os preços do ano vigente, mas sim os preços do ano de referência. De resto, procedemos da mesma maneira que procedíamos para o cálculo do PIB nominal (preço do produto x quantidade do produto). 40 CEDERJ A partir da tabela abaixo, tome o ano de 2002 como seu ano-base. A partir daí, como você calcularia o PIB real em cada um dos períodos seguintes? Ano Bananas Preço R$ Veículos Preço R$ 2002 100 1 20 50 2003 120 2 30 60 2004 140 3 40 70 AULA 2 Atividade 2 2 PIB Real*(PBQB+PVQV) R$ * Ano-Base 2002 Resposta Comentada Em 2002, o PIB real é 1.100. Como? (100 x 1) + (20 x 50) = 1.100; em 2003, é 1.620. Como? (120 x 1) + (30 x 50) = 1.620; e em 2004, o PIB real é 2.140, já que (140 x 1) + (40 x 50) = 2.140. Como você já viu, o PIB nominal utiliza os preços vigentes em cada ano, enquanto o PIB real fixa os preços de um ano como base para calcular apenas as variações nas quantidades produzidas a cada período. Assim, o PIB real torna-se uma medida mais adequada para estimar a produção total de bens e serviços finais de um país. O DEFLATOR DO PIB Como vimos até aqui, variações nos preços dos produtos representam um importante fator a ser considerado no cálculo do PIB de um país. Agora perceba que, quando comparamos um período a outro, somos capazes de identificar comportamentos e tendências dos mercados. Para que tenhamos uma medida da elevação média do nível de preços do final de um ano para o outro, basta que calculemos o que se denomina deflator do PIB. Na aula anterior, você viu que o conceito de inflação se refere a uma gradual perda de valor do dinheiro, diante de um aumento generalizado de preços. Agora note que o deflator do PIB é o índice destinado a isolar o fator inflação do cálculo do produto interno bruto de um país, em um determinado período. O deflator nos dirá qual parte do aumento do PIB nominal cabe somente ao crescimento dos preços e nos ajudará a perceber quanto do aumento do PIB se deve a uma elevação real no nível de produção. CEDERJ 41 Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas Note que, a partir do deflator do PIB, é possível inferir a taxa de inflação de um período. A fórmula de cálculo do deflator é: DEFLATOR DO PIB = PIB nominal x 100 PIB real Veja como obter o deflator do PIB a partir dos valores já apresentados nas tabelas anteriores desta aula: Deflator do PIB Ano deflator = (PIB nominal / PIB real) x 100 2002 deflator = R$ 1.100 / R$ 1.100 x 100 = 100 2003 deflator = R$ 2.040 / R$ 1.620 x 100 = 125,92 2004 deflator = R$ 3.220 / R$ 2.140 x 100 = 150,46 Por esses valores, no ano-base do PIB real (2002), o deflator do PIB é igual a 100. Por definição, em todo ano-base, o deflator será sempre 100 (os preços do ano corrente são os preços do ano-base). Em 2003, o deflator do PIB é 125,92. Em 2004, é 150,46. Agora veja: de 2002 a 2003, o deflator passou de 100 para 125,92. Logo, pode-se inferir que os preços aumentaram, em média, 25,92%. Da mesma forma, em 2004, como o nível de preços passou de 125,92 para 150,46, o nível médio de preços aumentou 19,48% em relação a 2003. Fica claro então que o deflator do PIB pode ser interpretado como um indicador da variação do nível médio de preços de um país. Isto é nada mais nada menos do que dizer que o deflator do PIB consiste em ! uma indicação da taxa de inflação do período. O que calcula cada PIB? O PIB real calcula o crescimento econômico, a partir do aumento ou da diminuição do nível real de produção de um país. O deflator do PIB faz referência ao crescimento médio dos preços da economia. O PIB nominal capta tanto o crescimento do volume da produção quanto a variação de seus preços. 42 CEDERJ AULA 2 O PRODUTO NACIONAL BRUTO Já vimos que o PIB expressa o total da produção, a soma de toda a renda criada dentro dos limites geográficos de um país. Pois parte dessa renda gerada dentro do país pode ser enviada ao exterior. Isso acontece quando parte da renda pertence a empresas estrangeiras que estejam produzindo no país. Nesse caso, essas empresas podem enviar parte de seu lucro para o exterior. O produto nacional bruto (PNB), por sua vez, representa a produção cuja renda correspondente é de propriedade dos indivíduos residentes no país de forma definitiva. Ou seja: o PNB é a soma de tudo o que é produzido aqui e fica aqui. Portanto, a diferença entre PIB e PNB é a renda líquida enviada ao exterior (RLEE ou a renda que é mandada para o exterior menos aquela procedente do exterior). Um exemplo: um país sul-americano cuja indústria seja exclusivamente dedicada à siderurgia tem um PIB de R$ 1 milhão. No entanto, suponha que, ao longo do ano, esse país tenha importado R$ 200 mil em minério de ferro e exportado R$ 300 mil em aço. Quando calcularmos o Produto Nacional Bruto, chegaremos ao valor de R$ 900 mil. Veja: PNB = 1 milhão – 300 mil + 200 mil = 900 mil Ou ainda: PNB = PIB – RLEE O PRODUTO INTERNO LÍQUIDO Parte do valor dos bens e dos serviços gerados em um determinado período pode ser perdida, seja pelo desgaste, pela perda de utilidade por uso, ação da natureza ou ainda por obsolescência. Pois o produto interno líquido é precisamente o produto interno bruto decrescido dessa depreciação. Assim, nem toda produção acrescenta uma maior quantidade de bens ou serviços à economia ou faz ela crescer. Com um aumento na produção, pode-se apenas estar repondo o que foi depreciado no período. Ou ainda: PIL = PIB – depreciações. CEDERJ 43 Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas EXISTE PIB NEGATIVO? Você já viu que o PIB é o somatório de todas as riquezas produzidas por um país em um determinado período. Compreendeu também que há uma sigla destinada a medir apenas o que é produzido e fica no país (PNB) e outra que considera ainda o que é perdido ou se torna obsoleto (PIL). Quando a taxa de crescimento do PIB é negativa – o PIB real de um ano é menor do que o do ano anterior, diz-se que houve recessão. Isto equivale a dizer que a atividade econômica diminuiu entre um ano e outro. Agora veja: se isso ocorreu, devem ter ocorrido também menor produção, mais baixo nível de empregos, falências de empresas etc. Este quadro de baixa atividade econômica recebe também o nome de depressão. Não há uma determinada taxa de crescimento negativa que caracterize o processo de depressão. Para efeito de curiosidade, uma “piada econômica” define a expressão assim: “Recessão ocorre quando pessoas estão sendo desempregadas. Depressão é quando eu também perco o meu emprego”. Figura 2.2: Em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York, os Estados Unidos mergulharam no que ficou conhecido como “A Grande Depressão”, cujos efeitos foram sentidos ao redor de todo o mundo. O Brasil soube minimizar os males da crise através de políticas estatais que visavam a defender os preços do café no mercado internacional. O governo brasileiro chegou a comprar e a queimar grandes volumes de grãos, a fim de reduzir a oferta do produto no mercado. Saiba mais no site www.culturabrasil.pro.br/ estadonovo.htm. O QUE O PIB NÃO MEDE? Como já foi mencionado, o PIB mede o valor da produção de bens e serviços finais de uma economia. Todavia, há toda uma parcela da produção nacional que não é incluída no cálculo do produto interno bruto: é o que se convencionou chamar de economia informal. Drogas, jogos de azar e contrabando são atividades desconsideradas pelo PIB, como seria coerente supor, mas a produção informal não se refere 44 CEDERJ 2 somente à ilegalidade. Pensemos, por exemplo, nas donas de casa ou nos AULA vendedores ambulantes, que mantêm seus negócios à parte dos impostos e das contribuções. Esses não são contados quando se calcula o PIB. Hoje, estimativas apontam para uma equação assustadora: cerca de 50% da economia brasileira podem estar ligados à informalidade. Repare que as dimensões de uma economia informal podem significar a divisão de um país em dois: um real e um oficial. O crescimento da informalidade pode representar um verdadeiro problema administrativo no âmbito governamental, já que apenas uma parcela da população contribui com impostos, por exemplo, mas é a totalidade das pessoas que precisa ser beneficiada pelas políticas públicas. Atividade 3 A senhora do lar Explique a razão da frase: “Se um patrão demitir sua empregada doméstica, que tinha carteira assinada, e casar-se com ela, reduz-se o valor do PIB”. 1 2 ________________________________________________________ _________________________________________________________ _______________________________________________________ Resposta Comentada O serviço de empregada doméstica é uma atividade profissional com valor de mercado. Logo, entra no cálculo do PIB. Demitida, passada à informalidade e casada com o patrão, a empregada passa a ser dona de casa e deixa de ser assalariada. Assim, o PIB cai de valor pelo cancelamento da despesa que o ex-patrão deixa de ter com a nova esposa. O PIB DESMEMBRADO O PIB também pode ser desmembrado por setores de atividade. Na Tabela 2.1, você encontra o crescimento do PIB brasileiro por setores, em 2003 e 2004. Os dados mostram, por exemplo, que o PIB agropecuário – o valor da produção total de bens e serviços finais do setor agropecuário – cresceu 4,5% em 2003 e 5,3% em 2004. A tabela revela ainda que o PIB brasileiro cresceu 0,5% e 5,2% em 2003 e 2004, respectivamente. CEDERJ 45 Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas Tabela 2.1: Crescimento do PIB brasileiro total e por setores nos anos de 2003 e 2004 (%) Setores 2003 2004 agropecuária 4,5 5,3 indústria 0,2 6,2 serviços 0,6 3,7 comércio -1,9 7,9 transporte 1,4 4,9 demais 1,0 2,9 PIB Total 0,5 5,2 Fonte: IPEA O VALOR DA RENDA É IGUAL AO VALOR DO PRODUTO Além do valor dos bens e dos serviços produzidos na economia, o PIB também mede a renda total gerada no processo da produção. Na verdade, o valor da renda é exatamente igual ao valor do produto. Como assim? Observe que tudo o que se gasta para produzir um bem encontra sempre contrapartida em alguém que está recebendo exatamente tal valor. Vamos a um exemplo: suponha que um refrigerante custe R$ 1,00. Nesse preço, estão embutidos o custo e o lucro. Se o custo de sua produção for de 80 centavos, o restante (20 centavos) será a renda do empresário. Os 80 centavos de custos são divididos em pagamento de funcionários (renda) e pagamento das matérias-primas. Essas matériasprimas têm o mesmo aspecto do refrigerante, isto é, seu preço é composto de custo e lucro, que representarão futuras rendas, e assim por diante. Já os 20 centavos de lucro do comerciante serão pagos por você. Vamos explicar o mesmo fenômeno (valor da renda igual ao O MERCADO DE FATORES DE PRODUÇÃO Representa os locais onde se negociam a oferta e a procura por fatores de produção. São as agências de emprego, as imobiliárias, que vendem ou alugam imóveis comerciais etc. 46 CEDERJ valor do produto) de uma maneira “macro”: em um sistema econômico simplificado, os consumidores compram bens e serviços nos mercados. O valor das vendas, que é recebido pelas empresas, é destinado ao pagamento dos seus funcionários, à remuneração dos indivíduos que alugaram o espaço físico das empresas e aos lucros dos empresários. Essas somas são transferidas para os chamados M E R C A D O S DE PRODUÇÃO DOS FATORES – as imobiliárias, as agências de emprego etc. 2 Por outro caminho: o total da renda gerada nesse sistema AULA econômico é reutilizado pelas famílias, por meio da compra de bens e serviços no mercado de produtos – os supermercados, as lojas etc. Estes, por sua vez, irão fluir novamente para o mercado de fatores de produção. Como num fluxo circular. O PIB pode ser medido de duas formas: somando as rendas pagas pelas empresas dentro do mercado de fatores (de produção), ou pelo total dos gastos dos consumidores no mercado de bens e serviços. Ainda que na prática haja mais complexidade (há impostos, as famílias não gastam tudo o que ganham, nem tudo o que é produzido é vendido etc.), cada transação tem uma espécie de comprador e vendedor, de forma que o valor do bem ou do serviço coincida com o valor da renda. A seguir, vê-se um diagrama do fluxo circular da renda e dos bens e serviços de um sistema econômico. As setas externas ilustram o fluxo circular da renda. As setas internas representam o fluxo de bens e serviços. Fluxo Circular da Renda e do Produto Mercado de Produtos Despesa Bens e Serviços Famílias (consumidores) Renda = PIB Bens e Serviços Despesa = PIB Receita = PIB Empresas (Unidades Produtivas) Salário, lucro e aluguel Trabalho Capital Terra Insumos Mercado de fatores de produção CEDERJ 47 Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas AS MAIORES ECONOMIAS DO PLANETA Através do PIB, podemos relacionar os países de maior produção no mundo. Ou seja, as maiores economias do mundo. A Tabela 2.2, embora incompleta, dá o ranking para o ano de 2004. Tabela 2.2: Os países de maior atividade econômica em 2004 Valores em US$ País Produto Interno Bruto (US$ trilhões) 1 Estados Unidos 11,757 2 Japão 4,780 3 Alemanha * 4 Reino Unido * 5 França * 6 Itália * 7 China 1,543 8 Espanha * 9 Canadá * 10 México * 11 Austrália * 12 Brasil 0,605 Fontes: IBGE; FMI; GRC Visão Consultoria * Dados não disponibilizados. ! Entre 2003 e 2004, o Brasil passou de 15º colocado no ranking mundial do PIB para 12º, ultrapassando a Índia, a Coréia do Sul e a Holanda. No entanto, em 1998, o Brasil estava em 8º lugar. Ou seja: mais próximo dos países de maior atividade econômica no mundo. 48 CEDERJ AULA 2 A RENDA PER CAPITA A renda per capita é a quantia em reais que cada habitante receberia caso o PIB fosse dividido igualmente entre toda a população. Note que a renda per capita é uma média, uma estimativa, uma vez que desconsidera o fator distribuição de renda. Abaixo, os números da renda per capita no Brasil, durante a década de 1990. Período PIB Per Capita US$ 1990 3.243 1991 2.771 1992 2.605 1993 2.847 1994 3.546 1995 4.542 1996 4.924 1997 5.022 1998 4.793 Fonte: www.ipea.gov.br CONCLUSÃO A partir do conceito de PIB, podemos medir o nível de atividade econômica de um país, ou o “tamanho” de uma economia. A partir do cálculo do PIB anual e de comparação com períodos anteriores, é possível monitorar a evolução da capacidade produtiva de um país, assim como a influência do comportamento dos preços sobre os mais variados setores da economia. Do produto interno bruto depreendem-se indicadores diversos, capazes de informar até sobre nosso balanço de pagamentos ou sobre o estado geral da população. É o caso do produto nacional bruto, que desconsidera toda a produção enviada ao exterior; é o caso da noção de renda per capita, que estima a média de remuneração dos habitantes de um país. O cálculo do somatório das riquezas produzidas em um país é um bom caminho para traçar a trajetória de um sistema econômico, o que, já aprendemos, é algo dinâmico e marcadamente identificável em nosso dia-a-dia. CEDERJ 49 Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas Atividades Finais O PIB e as metrópoles nacionais 1 2 3 A tabela a seguir informa dados oficiais para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro (2002). Estado PIB (milhões) Renda Per Capita População Rio de Janeiro 170.114 11.459 14.761.862 São Paulo 438.148 11.353 38.306.233 Fonte: www.ibge.gov.br Agora, a partir dos dados fornecidos, responda: 1. Como foram obtidos os valores da renda per capita nesses estados? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 2. Seria possível ocorrer um aumento do PIB nominal ao mesmo tempo que houvesse diminuição do PIB real? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 3. Por que razão quanto mais inflacionária for a economia de um país mais correto será utilizar o PIB real (ao invés do nominal) para medir seu crescimento? _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ 50 CEDERJ 2 AULA Resposta Comentada 1. Os valores da renda total são obtidos dividindo o PIB do estado por sua respectiva população. Os resultados diferem um pouco dos apresentados na tabela, posto que os dados do PIB estão arredondados. 2. Sim, basta que o efeito da elevação dos preços seja maior do que a queda na quantidade de bens e serviços gerados no período. Lembre-se de que dois elementos afetam o PIB nominal: os preços e as quantidades. No PIB real, só as quantidades se alteram, pois os preços são mantidos constantes, dado o ano-base. Quer um exemplo? Veja a tabela a seguir, com os dados sobre os anos de 1991 e 1992. Apesar do enorme salto no PIB nominal entre 1991 e 1992, a taxa de crescimento real do PIB foi negativa. Ou seja, houve recessão. Observe o ritmo do crescimento médio dos preços através da variação do deflator do PIB: naquela época, a inflação era extremamente alta. Ano Crescimento do PIB % Variação (%) do deflator PIB PIB nominal 1991 1,0 416,7 165.786.498 1992 -0,5 969,0 1.762.636.611 Fonte: www.ibge.gov.br 3. Quanto mais alta a inflação, mais os preços estarão influenciando os valores do PIB nominal. Sendo assim, o mais adequado é utilizar o PIB real, pelo mesmo motivo citado na resposta anterior. RESUMO O produto interno bruto (PIB) expressa o valor de mercado de todos os bens e serviços finais realizados em um território (ou país), em um determinado período. Como em toda transação há um comprador e um vendedor, o PIB mede a despesa total da economia na produção de bens e de serviços, além da renda total gerada com a produção de tais bens e serviços em um dado período. O PIB nominal utiliza os preços correntes, enquanto o PIB real usa preços constantes de um ano-base para medir os bens e serviços realizados. A razão entre o PIB nominal e o PIB real avalia o crescimento médio de preços de um período. É denominado deflator do PIB. A partir dos conceitos de PIB real e nominal, é possível calcular ainda o deflator do PIB, que mede a alteração no nível dos preços e podemos ainda calcular também a renda per capita, uma estimativa da renda média da população. CEDERJ 51 Análise Macroeconômica | Medindo as atividades econômicas INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, você vai estudar os principais elementos que constituem o PIB. A partir deles poderemos reconhecer os fatores que podem fazer a atividade econômica aumentar de forma vigorosa. 52 CEDERJ 3 AULA O PIB e os componentes da demanda agregada Meta da aula objetivos Descrever a equação de composição do Produto Interno Bruto (PIB) a partir da renda e da demanda agregada. Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1 2 3 listar os componentes do cálculo do PIB; distinguir os elementos que compõem a demanda agregada e identificar seu papel e seu peso na economia de um país; avaliar a importância do relacionamento das empresas com mercados internos e externos no cálculo do PIB. Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada Sanja Gjenero INTRODUÇÃO Figura 3.1: No espaçoso carrinho do PIB, cabem sua renda, tudo que você compra e contrata, os investimentos que você faz em nome de seu negócio, tudo que o governo gasta em nome do seu bem-estar, o que é vendido para outros países e o que é comprado de fora. Imagine-se comprando um sanduíche. Pense que você saiu de casa com cinco reais na carteira e que os entregou ao balconista de uma lanchonete. Em um primeiro momento, você pode pensar: eu tinha um dinheiro em mão, mas não o tenho mais. Comi o sanduíche e estou cinco reais mais pobre. No entanto, perceba: o balconista da lanchonete tinha um sanduíche à sua espera. Depois que você abriu a carteira, o sanduíche passou a não mais existir para ele. Ainda assim, no lugar do sanduíche, o balconista recebeu cinco reais. Fica fácil notar que comprar um sanduíche é equivalente a vender cinco reais. Transponha agora essa compreensão para o campo da Macroeconomia, que lida com o fator “sanduíche” de forma agregada (ou a partir de todos os sanduíches produzidos em um país). Como vimos estudando desde a primeira aula deste curso, o produto interno bruto (PIB) expressa o valor de tudo que um país produz, em bens e serviços, em um determinado período. Todos os sanduíches, todos os empregos de balconista, tudo o que o dono da lanchonete investe em seu estabelecimento, os impostos pagos pela lanchonete ao governo etc. Agora veja: assim como acontece em nosso exemplo da lanchonete, quem se apropria desses bens e serviços produzidos pelo país? De que forma isso ocorre? De onde partem os recursos que movimentam a economia? Que importância tem para um país o nível de poupança de sua população? As respostas a essas perguntas você terá ao longo desta aula. OS COMPONENTES DO PIB Depois de ter estudado o conceito de PIB e algumas de suas aplicações, veja uma maneira de segmentá-lo em seus componentes. 54 CEDERJ 3 Para início de conversa, podemos dizer que todo bem e todo serviço AULA produzido em determinado país é utilizado para consumo das famílias e investimento por parte das empresas, além de poder ser adquirido pelo governo ou exportado (vendido a outro país). Note que, quando falamos em exportação, assumimos que exportamos uma fração do que produzimos. Pelo mesmo raciocínio, podemos concordar que também adquirimos parte da produção de outros países. Consideremos então esse princípio e expressemo-lo em termos matemáticos. Daí chegaremos à seguinte I D E N T I D A D E : PIB = C + I + G + (X – M) (1) Sendo: PIB, o produto interno bruto; C, o consumo agregado; I, o investimento agregado; G, o consumo do governo; X, as exportações; e M, as importações. IDENTIDADE É a equação que é sempre verdadeira, quaisquer que sejam as circunstâncias ou as hipóteses estabelecidas. Numa identidade, os lados das equações são inequivocamente iguais. Ou seja: o valor do PIB é igual à soma do consumo agregado, do investimento agregado e do consumo do governo com o total das exportações, decrescido do total das importações. Ficou claro então quais fatores entram em nossa conta. Agora sigamos em frente e expressemos mais objetivamente o significado de cada um deles: O consumo é uma variável bastante simples e palpável: diz respeito à despesa das famílias com a compra de bens e serviços, sejam eles geladeiras ou técnicos especialistas em geladeiras, por exemplo. Os investimentos referem-se exclusivamente às empresas: são as despesas com máquinas, equipamentos, plantas industriais (FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO) e estoques. Ou seja: são todas as despesas envolvidas no funcionamento de uma empresa, a não ser as relativas à remuneração da força de trabalho e ao pagamento de impostos. Sobre os investimentos, trataremos mais detalhadamente na próxima seção. FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO São os investimentos feitos pelas empresas em equipamentos, bens de capital, edificações etc. que visam a aumentar sua capacidade produtiva. O conjunto desses fatores é o que se costuma chamar também planta industrial. CEDERJ 55 Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada O consumo do governo é a despesa do Estado (nos âmbitos federal, estadual e municipal) com compras de bens e serviços. Imagine, por exemplo, a contratação de uma empreiteira para a realização de obras públicas. Esse é o tipo de despesa que entra em nossa conta. As exportações são os valores das vendas dos bens e dos serviços para outros países ou o total de produtos e serviços que se originam Beatriz Chaim (www.sxc.hu) em solo nacional mas que serão consumidos em outras partes do mundo. E, por fim, as importações representam os valores do que se compra do exterior, ou tudo que é produzido em outros países e vai ser consumido aqui. Importações e exportações trataremos mais à frente. Figura 3.2: O café é tradicionalmente nosso herói de exportação. Ao longo da história do Brasil, intervenções do governo visaram a manter o status do produto no mercado internacional. Após a crise de 1929, foram a ação do Estado e o desempenho do café nos mercados internacionais que nos defenderam da recessão que se abateu sobre o mundo. Você pode ver mais sobre o assunto no site www.culturabrasil.pro.br/ vargas.htm. OS INVESTIMENTOS Já vimos, de forma geral, os componentes do cálculo do PIB. Vimos que um deles se refere aos investimentos por parte das empresas. Agora cabe fazer uma diferenciação sobre os tipos de investimentos existentes. Quando você monta uma empresa, conta com seu capital inicial, com seu maquinário e com a mão-de-obra. No entanto, em um mercado aberto e competitivo, é necessário que você destine regularmente recursos que serão revertidos a esse negócio. Vale então ter claro que há investimentos de dois tipos: realizados e desejados (ou planejados). CCOONNTTAABBIILLIIDDAADDEE N NAACCIIOONNAALL ÉÉ aa metodologia metodologia oficial oficial dede classificação classificação das das variáveis variáveis econômicas econômicas nacionais, as nacionais, as chamadas contas chamadas nacionais. O contas IBGE nacionais. O (Instituto Brasileiro IBGE (Instituto de Geografia e Brasileiro de Estatística) faz Geografia e o levantamento Estatística) estatístico das faz contas onacionais. levantamento Pela C O N T A B I L I D A D E N A C I O N A L , os investimentos são a soma do valor dos gastos das empresas com edificações e equipamentos (Formação Bruta do Capital Fixo) mais os investimentos em estoques. Os investimentos em estoques representam todos os bens produzidos que não foram vendidos. Estes podem ser investimentos em estoque planejados, ou não planejados. Os estoques não planejados (ou involuntários) são aqueles produtos destinados à venda mas que, por não terem sido vendidos, incorporaram-se ao estoque. Ou seja, o estoque involuntário é a variação involuntária do estoque por falta de compradores. Os estoques voluntários são aqueles bens produzidos para compor o estoque. A diferença entre investimento planejado e realizado é dada justamente pela existência dos estoques involuntários. 56 CEDERJ 3 De forma mais simples: se toda a produção destinada à venda for AULA efetivamente vendida, os estoques involuntários (variação de estoque) serão zero. Nessas condições, os investimentos planejados serão iguais aos realizados. Perceba: Ir = Ip + ∆estoque Ir – Ip = ∆estoque Sendo: Ir, o investimento realizado; Ip, o investimento planejado; ∆estoque, a variação (∆) de estoque. Atividade 1 1 A Abragel e o mercado 2 3 Fabricantes de geladeiras planejam investir 100 milhões de reais no setor A Associação Brasileira dos Fabricantes de Geladeiras (Abragel) divulgou ontem nota em (10/06/2006) que declara a intenção de investir 100 milhões de reais em edificações e equipamentos. Abragel recompõe estoque (15/06/2006) N estor Antártico, consultor da Abragel, defendeu ontem, em reunião da entidade, que as empresas do setor devem investir 20 milhões de reais em estoques. Segundo Antártico, o novo aumento do salário-mínimo deve aquecer o mercado. Dólar baixo prejudica exportações (20/09/06) E m entrevista coletiva à imprensa, na noite de ontem, o consultor da Abragel Nestor Antártico lamentou o que qualificou como “decepcionante desempenho de nossas geladeiras no mercado externo”. Segundo Antártico, metade das geladeiras produzidas neste trimestre encalhou nos estoques. CEDERJ 57 Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada Agora, presumindo que todos os conselhos de Nestor foram seguidos pela entidade, responda às perguntas a seguir: a. De quanto foi o investimento planejado pela Abragel? ___________________________________________________________________________ b. Quanto foi investido de forma planejada em estoque? ____________________________________________________________________________ c. E de forma não planejada? _____________________________________________________________________________ d. De quanto foi a variação não planejada do estoque (em reais)? _____________________________________________________________________________ e. Qual foi o investimento realizado pela Abragel? ______________________________________________________________________________ Respostas Comentadas Se você articular as três notícias de jornal, verá que a Abragel investiu 100 milhões de reais em planta industrial e 20 milhões em estoque. Você já aprendeu que os investimentos planejados são a soma desses dois fatores. Portanto, o investimento planejado pela Abragel foi de 120 milhões de reais (a). Da segunda notícia, depreendemos que investiram-se 20 milhões de reais nos estoques das empresas. Repare que se chegou a esse montante por decisão de consultores. Logo, estamos falando sobre investimento planejado em estoque (b). Na terceira notícia, lemos que o mercado não se comportou como a entidade esperava, o que resultou no encalhe de metade do estoque. Como já definimos que o estoque era de 20 milhões de reais, chegamos aos 10 milhões de reais encalhados (c). Ao longo da aula, você já viu que a variação não-planejada do estoque se refere a quanto do estoque formado não conseguiu ser vendido. Logo, neste caso, estamos falando de 10 milhões de reais (d). Por fim, como já vimos que o investimento realizado é igual ao planejado acrescido da variação involuntária dos estoques, chegamos ao número de 130 milhões de reais (e). 58 CEDERJ AULA 3 AS IMPORTAÇÕES E AS EXPORTAÇÕES No cálculo do PIB, é de praxe considerar as exportações e as importações de forma conjunta. Comumente, referimo-nos a essa dupla de fatores sob o termo exportações líquidas (X-M), que representa as compras dos produtos nacionais feitas pelos estrangeiros (exportações), descontadas as compras de bens estrangeiros realizadas pelas famílias nacionais (importações). Sendo mais claro: a exportação líquida de geladeiras é igual à soma de todos os aparelhos que se vendem para fora, descontados os que se compram de fora. Agora pense: qual a relevância das importações para a equação que descreve os destinos do PIB? A resposta é clara: as famílias, as empresas e o governo compram produtos nacionais, mas também podem importar. Como o PIB diz respeito aos bens e serviços produzidos em um país, é necessário descontar desse cálculo o valor de tudo que foi importado. Se não houvesse o desconto dessa despesa, não teríamos uma identidade. Veja como. Imagine uma família comprando um automóvel Audi A8. Essa será uma despesa com importações, pois esse carro não é fabricado no Brasil. Supondo que esse veículo custe 50 mil dólares, essa despesa (convertida em reais) estará associada a duas variáveis da equação 1: em um primeiro momento, representa um item de consumo (C) das famílias, mas, como tal valor também será descontado do item importações (M), a equação do PIB estará representando adequadamente a igualdade entre o valor da produção e o total das despesas. Note: se nessa identidade não houvesse o item importações, o item consumo traria consigo o valor do carro, que não é um produto nacional. Perceba: PIB= (C + 50mil) + I +G + (X – 50 mil) Lembre-se da equação original: PIB = C + I + G + (X – M) (1) CEDERJ 59 Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada A compreensão de que produtos importados não podem ser contados como se tivessem sua origem na indústria nacional pode parecer secundária. No entanto, note que um carro importado pode representar consumo em solo brasileiro, mas os investimentos feitos pela indústria que o fabricou, por exemplo, são contabilizados no cálculo do PIB de seu país de origem. Andréas Schmidt (www.sxc.hu) Figura 3.3: Novas “carroças” - nos primeiros 15 dias de mandato, o ex-presidente Fernando Collor de Mello lançou um pacote econômico que bloqueou – ou “confiscou” - o dinheiro de pessoas físicas e jurídicas depositado na poupança e em contas correntes. Entre suas primeiras medidas para a economia, figurava também a abertura do mercado brasileiro às importações, o que, associado ao confisco, gerou graves efeitos sobre a indústria nacional. Ficou famosa sua afirmação de que os brasileiros, à época, dirigiam “carroças”. A tabela a seguir mostra a participação dos componentes na formação do PIB de 2004, no Brasil. Consumo das famílias (C) 55,3 Gastos do governo (G) Investimento (I) Exportações (X) Importações (M) 18,8 21,3 18,0 13,3 Fonte:www.ibge.gov.br A partir desses dados, reflita: Fica claro que o fator que mais pesa na contagem do PIB brasileiro é o consumo das famílias. Mas o que dizer sobre o governo? Em comparação às exportações e aos investimentos da indústria nacional, na sua opinião, o governo gasta muito ou pouco? Saiba que, no cálculo dos investimentos, soma-se o item formação bruta de capital fixo (FBCF) à variação dos estoques. Comparando-se o quanto se consome internamente e o quanto se exporta, é possível dizer que o Brasil é um país eminentemente exportador? Repare que as exportações e as importações referem-se a bens, mas também a serviços. E o que dizer sobre nossos níveis de importação? Pelo que você observa na tabela, o Brasil está muito dependente ou pouco dependente 60 CEDERJ 3 dos mercados externos? Há quem defenda que essa dependência é AULA maléfica, há quem diga que é o caminho inevitável e que o que importa é a maneira como a gerenciamos. O PIB A PARTIR DA RENDA Na introdução desta aula, você viu que uma despesa que você faça é igual à receita de outra pessoa. Perceba agora que tudo o que você gasta provém do que ganha. Suas despesas, qualquer dona de casa tem isso bastante claro, precisam “caber” no seu orçamento. Seguindo o mesmo raciocínio e visto o PIB pela ótica dos gastos, veja que ele pode ser descrito também pela ótica da renda. Você já viu: o valor de tudo que é produzido com bens e serviços tem como contrapartida a remuneração de quem os produziu (direta e indiretamente). Logo, o valor do PIB é distribuído em renda para as famílias. Ou seja, sua renda pode ter apenas três destinos: o consumo (C), a poupança (S, do inglês savings) ou o pagamento de impostos (T, do inglês taxes). Dessa maneira, tem-se outra identidade: PIB = C + S + T (2) Sendo: C, o consumo agregado; S, a poupança agregada; T, a arrecadação de impostos do governo. Agora veja: como as duas equações, (1) e (2), possuem o mesmo lado esquerdo, elas podem ser igualadas: (1) PIB = C + I + G + (X – M) (2) PIB = C + S + T Logo, C + S + T = C + G + I + (X – M) (3) Para que você não se perca: assumimos aqui que os três destinos da sua renda equivalem ao conjunto consumo das famílias + gastos do governo + investimentos das empresas + exportações líquidas. Jamais perca de vista que estamos tratando de um fenômeno cíclico. As riquezas circulam dentro de uma economia. CEDERJ 61 Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada Figura 3.4: “O direito de andar com as próprias pernas” A decisão do governo brasileiro de não renovar acordo com o FMI é a manchete principal dos jornais de hoje, que destacam ainda a decisão da administração Lula de manter o rigor fiscal sob o monitoramento do Fundo. O Globo informa que, depois de quase sete anos de acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo brasileiro anunciou ontem que não vai renovar seu programa com a instituição. Segundo o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, um novo acordo é desnecessário porque o Brasil passa hoje por um ciclo de crescimento produtivo, com redução da vulnerabilidade externa, equilíbrio fiscal e evolução positiva das contas externas e dos índices de inflação. Para deixar claro que acaba o casamento com o FMI mas permanece o compromisso fiscal, Palocci anunciou que fará a divulgação quadrimestral de metas fiscais de todo o setor público - e não apenas do governo federal. Do clipping da Secretaria de Comunicação da Presidência, em 29/3/2005. A frase que abre a legenda foi dita pelo Presidente Lula em pronunciamento a empresários. ? A A poupança poupança e e as as exportações exportações Lidando Lidando com com os os fatores fatores que que compõem compõem o o cálculo cálculo do PIB – equações (1) e (2) – chegamos à do PIB – equações (1) e (2) – chegamos à seguinte seguinte equação: equação: C C+ + SS + +T T= = PIB PIB = =C C+ +G G+ + II + + (X (X –– M) M) (3) (3) Observe: Observe: a a partir partir dessa dessa identidade, identidade, podemos podemos chegar chegar a a ainda ainda outra: outra: (S (S –– I) I) + + (T (T –– G) G) = = (X (X –– M) M) (4) (4) Perceba que dividimos o setor privado (S e I) e o setor Perceba que dividimos o setor privado (S e I) e o setor público público (T (T e e G). G). Esta Esta igualdade diz, entre outras coisas, que as exportações serão superiores igualdade diz, entre outras coisas, que as exportações serão superiores às às importações importações quando: quando: •• o o nível nível de de poupança poupança for for maior maior do do que que o o que que se se gasta gasta investindo investindo (S – I); e/ou (S – I); e/ou •• o o governo governo gastar gastar menos menos do do que que arrecada arrecada (T (T -- G). G). A A partir partir da da mesma mesma igualdade, igualdade, perceba: perceba: O DÉFICIT PÚBLICO Ocorre quando os gastos do governo são superiores ao que ele arrecada com impostos. Ou seja, quando o governo gasta mais do que arrecada. 62 CEDERJ (S (S + + T) T) –– (I (I + + G) G) = = (X (X –– M) M) (4a) (4a) Ou Ou seja: seja: se se o o nível nível de de poupança poupança da da população população e ea a receita receita advinda advinda dos impostos (mecanismos de financiamento) superarem dos impostos (mecanismos de financiamento) superarem os os investimentos investimentos feitos feitos pelas pelas empresas empresas e e os os gastos gastos do do governo (gastos internos), teremos maior produção e, governo (gastos internos), teremos maior produção e, por por conseguinte, conseguinte, melhores melhores condições condições para para exportar. exportar. No No caso caso contrário, contrário, teremos teremos carência carência de de recursos, recursos, o o que que nos nos levará a importá-los. levará a importá-los. Para Para que que fique fique mais mais claro, claro, um um país país será será exportador de recursos exportador de recursos 3 AULA para para o o resto resto do do mundo mundo quando quando sua sua atividade econômica apresentar atividade econômica apresentar um um bom bom nível nível de de poupança poupança e/ou e/ou um um governo governo sem sem déficits déficits em em seu seu “caixa”. “caixa”. De De outro modo, um país com D É F I C I T P Ú B L I C O e nível de poupança insuficiente outro modo, um país com D É F I C I T P Ú B L I C O e nível de poupança insuficiente para para contrabalançar contrabalançar os os investimentos investimentos privados privados terá terá necessariamente necessariamente um um nível nível de de importações maior do que o de exportações. Como assim? importações maior do que o de exportações. Como assim? Pense: Pense: se se um um país país está está consumindo consumindo mais mais do do que que produz, produz, é é preciso preciso que que alguém alguém (o exterior) esteja fornecendo parte desse produto. Vale registrar (o exterior) esteja fornecendo parte desse produto. Vale registrar que que tal tal situação situação ocorreu ocorreu no no Brasil Brasil durante durante a a década década de 80 do século passado. de 80 do século passado. DA DEMANDA AO PONTO DE EQUILÍBRIO Para efeito de simplificação, desprezemos, por um momento, os mercados externos. A partir dos conteúdos desta aula, já depreendemos que, na economia, como dizia sobre a química o francês Lavoisier, “nada se cria, tudo se transforma”. Se tomarmos como certo que famílias recebem uma renda, somos levados a pensar no comportamento dessas famílias diante do mercado. A demanda agregada, por definição, é o desejo dos indivíduos de adquirir os bens e os serviços produzidos em um país dentro de um determinado período de tempo. Chega-se a ela através de três componentes: o consumo agregado (C), o investimento das empresas (I) e os gastos do governo com bens e serviços (G). Logo, DA = C + I + G. Há um modelo simples que descreve algumas condições que trazem a economia ao equilíbrio, o que equivale a dizer que, nesses casos, a oferta agregada corresponde ao que se pretende de demanda agregada – o que está à disposição no mercado encontra respaldo no desejo das pessoas de consumir. Esse modelo estipula que há equilíbrio quando o produto (PIB), que aqui representaremos por Y, for igual à demanda agregada (DA). Então, quando o PIB está em equilíbrio, Y = DA = C + I + G (5). A equação (5) é a forma simplificada da equação (1), que continha as exportações líquidas. Lembre-se: PIB = C + I + G (1) CEDERJ 63 Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada Agora, mais uma vez, voltemos ao exemplo do sanduíche, exposto no início desta aula. Como você viu ali, o valor do produto é igual ao valor da renda (o sanduíche equivale aos cinco reais). A renda, por sua vez, como você também já viu, é utilizada em consumo (C), poupança (S) e em pagamento de impostos (T). Isto é: Y=C+S+T (6) Isso é o mesmo que dizer que o PIB é igual ao consumo, à poupança e aos impostos somados. Vale ainda: Y–C=S+T (6a) Neste caso, observe que Y – C descreve o total da renda não gasta em consumo (a renda revertida para poupança e impostos). Igualando as equações (6) e (5), temos que: S+T=I+G (7) A equação (7) mostra, entre outras coisas, que a parcela da renda das famílias que não é gasta em consumo é igual ao montante de gastos nos dois outros setores (empresas e governos). Assim, a produção está em equilíbrio (oferta de produtos = demanda agregada). Não ficou claro? Entenda um pouco mais o sentido da equação (7). Você já aprendeu que o valor dos bens e dos serviços produzidos reverte-se em renda destinada às famílias (salários, lucros etc.). Pois bem: com essa renda, as famílias realizam compras no mercado (demanda), o que fecha o fluxo circular. A partir daí você pode ficar em dúvida: “mas e se parte da renda que as famílias recebem não for gasta, como esse círculo é fechado?” A resposta estaria na equação (7): se o que as famílias deixam de gastar em consumo e impostos, ou seja, o que elas poupam, for exatamente aquilo de que os Marcelo Moura (www.sxc.hu) empresários precisam para investir, e desde que as contas públicas estejam equilibradas (G = T), haverá equilíbrio. O que as famílias estão deixando de comprar porque estão poupando será equivalente ao que os empresários comprarão, embora com dinheiro que eles não receberam como renda. Daí Figura 3.5: Se o que as famílias poupam for exatamente aquilo de que os empresários precisam para investir, atingimos o ponto de equilíbrio. A poupança representa a sobra de recursos que pode ser utilizada para investimento, daí sua importância para o crescimento econômico. 64 CEDERJ segue o princípio de que é preciso que o país tenha poupança, pois ela representa a sobra de recursos que pode ser utilizada para investimentos. 3 Veja um exemplo: uma pessoa poupa dez reais. Quando poupa AULA (ou aplica) essa importância, a agência bancária, como intermediário financeiro, tenta emprestar os dez reais para alguém, que pode ser um empresário que precise do dinheiro para investir. Nesse caso, o que a pessoa deixou de consumir para poupar deverá ser gasto pelo empresário, sob forma de investimentos. Daí o equilíbrio. Atividade 2 Poupança, um negócio do Japão 1 2 3 Certa vez , um presidente do Brasil deu a seguinte declaração aos jornais: “...o Brasil, para atingir o crescimento econômico de que tanto precisa e merece, necessita que a taxa de poupança aumente em níveis como os da taxa do Japão”. Agora responda: que ligação você percebe entre o hábito de poupar e o crescimento econômico? ______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada A poupança (ou o que podemos chamar “taxa de poupança bruta”) é o resultado da conta “renda menos consumo e impostos”. Quando uma pessoa poupa, ela deixa seu dinheiro no banco. Este disponibiliza tal quantia para empréstimos. Parte desses empréstimos deve se destinar a empresários que precisem investir para aumentar a produção, mas que não disponham dos recursos. Assim, quanto maior a taxa de poupança de uma população maior a possibilidade de financiamento dos investimentos. E quanto maior o investimento maiores serão a produção e o emprego gerados no futuro. A partir daí, gera-se mais crescimento econômico. O Japão, por exemplo, tem uma das maiores taxas de poupança do mundo. O DESEQUILÍBRIO ENTRE OFERTA E DEMANDA Entendidos o conceito de demanda agregada e seus componentes, analisado o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda, vamos examinar os efeitos de um excesso de produtos em relação à demanda agregada (ou ao desejo ou propensão de compra de todos os agentes da economia). Como você já viu na seção sobre investimentos, se parte do que foi produzido não foi consumido, não foi utilizado para investimento (planejado) ou para aquisição do governo, servirá de acúmulo CEDERJ 65 Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada involuntário de estoques. Nesse caso, haverá um desequilíbrio (oferta de produtos maior que demanda por produtos) cuja sobra significará um investimento em estoque não planejado. Logo, o investimento realizado será maior do que o investimento planejado. Em situação inversa, se a demanda agregada ultrapassa os níveis de produto, haverá a completa utilização dos estoques planejados, que serão vendidos para atender ao excesso de demanda. Assim, haverá variação negativa de estoques. Ou seja, os investimentos realizados serão ! menores do que os planejados. Ir = Ip? O investimento realizado só será igual ao planejado quando a demanda agregada for igual à oferta do produto. Gaston Thauvin (www.sxc.hu) Repare que, se em dado momento as empresas estiverem acumulando (ou reduzindo) seus estoques, no período subseqüente deverão produzir um pouco menos (ou mais) para reduzir (ou aumentar) essa variação de estoques não planejada. O nível do produto se alterará enquanto houver qualquer desigualdade entre a demanda agregada e o nível de Figura 3.6: Entre o encalhe e as encomendas de última hora, existe o nível ideal de estoques. O que o determina é a demanda por aquele produto em um dado momento. Atividade 3 Brasil, país do futuro produto ofertado no mercado. Somente quando a demanda agregada igualar o produto é que a produção corrente não deverá variar. Aí encontraremos a posição de equilíbrio. 1 2 Em 2006, o Brasil alcançou a auto-suficiência na produção de petróleo. Em 2008, foram os gêneros alimentícios. Em 2010, praticamente todos os setores da economia brasileira eram auto-suficientes. Foi a partir de 2020 que se disseminou entre os brasileiros a convicção de que não devíamos nem importar nem exportar mais nada. 66 CEDERJ 3 3 AULA De posse desses fatos “históricos”, analise esses dados “concretos”: O Estado brasileiro gasta 30 bilhões de neorreais ao ano. O nível de poupança do Brasil está na casa dos 60 bilhões de neorreais. Os impostos pagos ao Estado chegam à marca dos 80 bilhões de neorreais. Agora responda: diante desse quadro, de quanto os empresários dispõem para investir na potente indústria nacional? Resposta Comentada Antes de mais nada, vale comentar que o primeiro dado, sobre a auto-suficiência do Brasil na produção de petróleo, é real. Agora vamos em frente: ao longo desta aula, você trabalhou em cima da substituição dos fatores que compunham a seguinte equação: PIB = consumo + investimentos + gastos do governo + exportações líquidas (PIB = C + I + G + (X – M) (1)). Viu também que, em uma economia em equilíbrio, o PIB se iguala à renda e à demanda agregada (PIB = Y = DA). Viu ainda que a renda das famílias se desdobra em consumo, poupança e impostos. Logo, PIB = Y = DA = C + I + G + (X – M) Y=C+S+T C + S + T = C + I + G + (X – M) S + T = I + G + (X – M) Mas como já definimos que o “novo Brasil” não importa nem exporta, S+T=I+G Ou, a partir dos valores apresentados, 60 + 80 = I + 30 140 = I + 30 I = 110 Logo, os empresários deverão dispor de 110 bilhões de neorreais para fomentar a produção nacional em seus mais diversos setores. CONCLUSÃO A economia de um país é regida pelos mesmos princípios que norteiam a administração de qualquer mercado de bens e serviços: oferta e demanda precisam ser niveladas a todo momento, a fim de que os níveis de preços se mantenham em patamares interessantes para vendedores CEDERJ 67 Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada e consumidores, e estoques precisam ser escoados ou abastecidos, dependendo do nível de demanda por cada produto. Quando calculamos o produto interno bruto de um país, devemos levar em consideração todos os gastos realizados pelas famílias, a arrecadação de impostos e os gastos feitos pelo governo. Como todos esses fatores atendem a uma equação de identidade, é o bom gerenciamento dos recursos que vai proporcionar uma equação em equilíbrio. A administração pública tem um papel muito importante no fluxo de capitais de um país, na medida em que contas públicas deficitárias interferem nas importações e nas exportações e podem levar a economia a depender de organismos internacionais, que costumam trazer consigo compromissos a serem assumidos pela administração local que vão interferir até no valor dos impostos pagos pela população. Atividades Finais 1. Dados do IBGE informam que a participação do consumo no PIB brasileiro caiu de 58% em 2003 para 55,3% em 2004. A média histórica da participação do consumo é de cerca de 65%. Considerando que o IBGE acusou, no período, um crescimento do PIB de 4%, comente se essa redução do consumo representa uma perda de bem-estar das famílias. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada Não necessariamente. O consumo pode aumentar, ainda que em proporção ao PIB ele diminua (dados mostram elevação de 4% do consumo em 2004). Se o consumo cai em proporção ao PIB, a taxa de poupança pode ter aumentado. Se esta última foi maior que a taxa de investimento (FBCF), então a taxa a mais de poupança foi destinada a financiar os gastos do governo (déficit público) ou foi enviada ao exterior (por exemplo, para reduzir a dívida externa). Sobre o panorama descrito, que se refere ao caso real brasileiro, saiba: segundo declarou o economista Paulo Levy, diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em entrevista ao jornal Valor Econômico (5/4/2005), “a taxa de poupança é muito importante porque mostra que o Brasil tem sido capaz de gerar domesticamente a poupança necessária aos investimentos”. Pelos dados do IBGE, a taxa de investimentos contabilizada (apenas) pelo FBCF foi 0de 19,6%, e a da poupança, de 23,2%. Em termos de dados macroeconômicos, essa situação é confortável, pois indica que o investimento privado não precisou de recursos externos e que a poupança interna deve ter contribuído para melhorar as contas externas. 68 CEDERJ 3 AULA Para ser uma situação negativa, o nível de consumo das famílias precisa estar abaixo de um patamar socialmente aceitável. Ainda assim, lembre-se de que níveis elevados de poupança e de investimento são elementos favoráveis ao crescimento econômico, e que, no longo prazo, permitem elevar o padrão de vida da população. 2. Reflita: o investimento em estoques pode assumir valor negativo? Em que caso isso ocorre? ________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada Sim, investimentos em estoques representam os produtos que foram produzidos porém não vendidos ou utilizados em determinado período. Quando ocorrer o contrário disso, ou seja, bens que sejam vendidos sem que tenham sido produzidos naquele período, tem-se o investimento em estoque negativo. Para que isso ocorra, basta que a demanda seja maior do que a produção planejada. Nesse caso, os empresários procurarão atender a esse excesso de demanda com a venda de seus estoques. RESUMO Consumo, investimento, gastos do governo e exportações líquidas representam os componentes da demanda agregada em relação ao PIB. A renda gerada na produção dos bens e serviços é utilizada para o consumo, para a poupança e para o pagamento de tributos. A conjugação das equações dos componentes do produto e da renda leva a múltiplas e importantes relações que ajudam a ter controle sobre a atividade econômica de um país. A poupança das famílias é importante não apenas para elas mesmas, pois financia o investimento e pode financiar os gastos do governo ou contribuir para saldar os compromissos externos. Sempre que a poupança for insuficiente para financiar a demanda por investimentos, ao mesmo tempo em que houver déficit público, haverá importações em valores superiores às exportações. O consumo é o item da demanda agregada de maior peso no PIB brasileiro e mundial. CEDERJ 69 Análise Macroeconômica | O PIB e os componentes da demanda agregada INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, você continuará a estudar os componentes da demanda agregada. Vamos abordar como é determinada a produção ou a renda de equilíbrio. Estudará ainda o que se conhece como modelo keynesiano simplificado de determinação da demanda agregada. Serão estudados os fatores que afetam o consumo e como este afeta a renda de equilíbrio. LEITURA RECOMENDADA Nesta aula foi citado o FMI. Se você quiser saber um pouco mais sobre o que faz o Fundo Monetário Internacional, bem como ter acesso a dados de outros países, visite o site do fundo: www.imf.org (em inglês). 70 CEDERJ objetivos 4 AULA Determinação da renda e da produção de equilíbrio Meta da aula Descrever o modelo simplificado de determinação da renda de equilíbrio. Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1 2 3 4 determinar a variação do consumo em uma economia, a partir do modelo keynesiano; identificar o valor da renda de equilíbrio, o nível de poupança (na condição de equilíbrio) e o efeito do aumento da poupança na economia de uma nação; analisar o processo de multiplicação de renda a partir da comparação entre diferentes tipos de multiplicadores; aplicar o modelo keynesiano a situações hipotéticas dentro da economia de um país. Pré-requisito Esta aula utiliza os conceitos apresentados na Aula 3, além de fazer uma aplicação da soma de uma extensa série de termos. Caso alguma dificuldade persista após o término desta aula, uma breve consulta aos elementos que compõem o cálculo do PIB pode ajudar. Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio INTRODUÇÃO Figura 4.1: Várias são as maneiras de se determinar o nível de atividade econômica de um país, seja a partir do que se produz, seja a partir do que se consome. Qualquer que seja o caminho escolhido, é preciso ter em mente que um sistema econômico é composto por peças que se encaixam segundo uma lógica específica. (foto site http;//www.sxc.hu #133388, sem autor) Na aula passada, desmembramos os fatores que compõem o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB). Agora chegou a hora de investigarmos um pouco mais a fundo os fatores que fazem com que a produção nacional seja alterada de um período a outro. Para isso, estudaremos o modelo de determinação da renda ou MODELO produto de equilíbrio. Vamos partir de um M O D E L O ECONÔMICO a que se convencionou chamar keynesiano, por conta de seu idealizador, o Segundo o Dicionário Aurélio, é a representação simplificada de relações entre variáveis econômicas, em geral sob a forma de um sistema de equações, e que, com o uso de técnicas econométricas, pode fornecer simulações ou previsões. ECONÔMICO simplificado, economista John Maynard Keynes. O modelo keynesiano, sistema de equações desenvolvido por Keynes, enfatiza que a demanda por produtos tem papel fundamental na determinação do nível de produção e de renda de uma economia. Segundo o modelo, se a demanda agregada aumenta, as empresas procuram atender a essa elevação por meio de mais produção e de mais empregos, o que, por sua vez, faz aumentar a renda, possibilitando sucessivas expansões de produção, até que a economia chegue a um novo ponto de equilíbrio. É importante notar que o modelo formulado por Keynes é uma simplificação do funcionamento dos mercados, uma vez que estabelece várias hipóteses que reduzem suas características a elementos passíveis de serem analisados em um modelo macroeconômico. Você lembra da aula anterior? Pois então, vamos retomar algumas considerações sobre os componentes da demanda agregada. Para tal, vejamos inicialmente o papel do consumo para entender o conceito de demanda dentro deste contexto. 72 CEDERJ Figura 4.2: John Maynard Keynes (1883-1946). 4 AULA ? Renomado economista inglês, John Maynard Keynes publicou, em 1936, sua Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro. A obra aborda temas contemporâneos ao período entre guerras, quando uma severa crise econômica espalhava-se pelo mundo. Para ele, o alto desemprego decorrente da Grande Depressão, no final dos anos 20, era devido à insuficiência generalizada da demanda agregada na tarefa de absorver o total de bens e serviços produzidos ao redor do mundo. Dado o quadro de grave recessão, não havia quem estivesse propenso a adquirir o que era produzido. Para Keynes, a demanda agregada era baixa principalmente por conta do baixo nível de investimentos. Segundo o economista, a receita para restabelecer a prosperidade estaria no papel dos gastos do governo, que, alcançando patamares mais altos, impulsionariam a produção e o emprego, permitindo que a economia retomasse o rumo do crescimento. O CONSUMO Imagine uma pequena cidade chamada Queinópolis. Agora suponha que cada morador gaste exatamente metade de sua renda na cidade. Suponha ainda que uma fábrica tenha se instalado em Queinópolis e que a folha de pagamento de seus empregados seja de R$ 500 mil. Todos os empregados contratados pela fábrica moram na cidade. Agora pense: de quanto é o aumento na renda dos moradores de Queinópolis proporcionado pela fábrica? Certamente, os R$ 500 mil representam uma renda adicional para os assalariados daquela empresa. Mas a história não pára por aí, pois a totalidade das pessoas que receberam seus salários deverá gastar R$ 250 mil (metade de sua renda) localmente, quantia que representará uma renda adicional para lojistas, encanadores, professores, advogados etc. Pensando dessa maneira, a renda dos moradores de Queinópolis agora aumentou para R$ 750 mil. Lojistas, encanadores, professores e advogados, por sua vez, irão gastar R$ 125 mil reais com outros bens e serviços, acarretando um aumento de R$ 875 mil na renda dos moradores da cidade. O processo continua, até que a renda total dos moradores de Queinópolis se aproxime de R$ 1 milhão. CEDERJ 73 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio a. Renda adicional b. Aumento da renda para consumo R$ 500.000,00 R$ 250.000,00 (50% de a) Total R$ 750.000,00 (a + b) c. Aumento da renda de terceiros R$ 125.000,00 (50% de b) Note que os R$ 500 mil iniciais irão se expandir para quase R$ 1 milhão (se continuarmos aplicando o efeito de aumento proporcional), uma vez dentro do sistema econômico da cidade. A esse fenômeno chamamos efeito multiplicador. O tamanho do efeito multiplicador na nossa pequena cidade de Queinópolis depende diretamente da porcentagem da renda que os moradores gastam localmente; nesse caso, 50%. Quanto menor a porcentagem, mais rapidamente a renda adicional sai do sistema econômico da cidade e menor o valor do multiplicador. Para entendermos bem essa idéia, é importante pensar o quanto de sua renda cada pessoa está disposta a gastar na cidade. O modelo matemático que estima esse tipo de comportamento representa o que chamamos função de consumo. Essa função diz que a quantidade de gastos de uma pessoa depende de sua renda, e, conforme essa renda aumenta, também aumenta o consumo. Você, com certeza, já percebeu como a economia influencia a vida de toda e qualquer comunidade, certo? Para que isto fique ainda mais claro, você pode ver o filme Roger & Me, dirigido por Michael Moore (1989). Para produzir este filme, Moore filmou, ao longo de cinco anos, a história de como a depressão econômica e o desemprego atingiram a cidade de Flint (onde nasceu). A cidade natal de Moore vivia só de uma indústria de automóveis, e quando a General Motors, maior fabricante de carros do mundo, fechou as instalações, a cidade ficou arrasada. Agora vamos utilizar outro exemplo. Analise com atenção a Tabela 4.1, que representa uma estimativa do comportamento de consumo e poupança do morador de uma outra cidade, ao longo de um ano. A tabela mostra que, se esse morador espera uma renda de R$ 10.000 anuais, seu consumo será de R$ 12.500. Repare que esse comportamento somente é possível porque ele foi obrigado a despoupar, ou seja, utilizar recursos 74 CEDERJ 4 além de sua renda, como por exemplo sacar dinheiro de uma poupança AULA para atender ao seu consumo básico. Tabela 4.1: Diferentes valores de consumo e de poupança estimados a partir da variação na renda anual esperada por um indivíduo. Conforme aumenta a renda anual, também aumenta o consumo até que se atinja uma situação em que é possível poupar. Renda anual esperada (em R$) Consumo anual (em R$) Poupança anual (em R$) 10.000 12.500 -2.500 12.000 14.000 -2.000 20.000 20.000 0 30.000 27.500 2.500 Continue analisando a tabela. Se a renda anual desse morador aumentar em R$ 2.000, ou seja, passar para R$ 12.000, o consumo básico dele aumenta também, e ainda é necessário despoupar. O consumo básico de uma pessoa varia conforme sua renda e tende a aumentar conforme seus rendimentos aumentam. Vamos agora fazer alguns cálculos básicos. O primeiro aumento na renda anual desse morador foi de R$ 2.000, certo? De R$ 10.000 para R$ 12.000. Seu consumo, por sua vez, aumentou em R$ 1.500. De R$ 12.500 para R$ 14.000. Se você reparar bem, 1.500 representam 3⁄4 de 2.000 (1.500 / 2.000). Se continuarmos a fazer esses cálculos, vamos notar que, em todas as situações analisadas, o aumento do consumo é sempre equivalente a 3⁄4 do aumento da renda anual do morador. Basta fazer as divisões para perceber. Por que você não tenta conferir? A fração de renda adicional que uma pessoa gasta possui um nome ! especial: a P ROPENSÃO MARGINAL A CONSUMIR ou (PMc). A propensão marginal a consumir pode ser calculada da seguinte maneira: (1) PMc = (mudança no consumo) / (mudança na renda) PROPENSÃO MARGINAL A CONSUMIR A propensão marginal a consumir mede quanto da variação da renda será utilizada para aumentar o consumo. Seu intervalo de variação é de 0 a 1. À medida que o consumo aumenta, dados os limites da renda, a propensão marginal a consumir diminui. Um indivíduo que tenha ganhos bastante limitados, após suprir suas necessidades básicas, terá uma propensão marginal próxima de zero. CEDERJ 75 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio O CONSUMO AUTÔNOMO Outra informação importante é que existe um consumo que sempre ocorrerá, mesmo que a renda esperada de uma pessoa seja equivalente a zero. É uma indicação do consumo de subsistência ou vital desse indivíduo, que denominamos consumo autônomo. Como uma pessoa pode consumir alguma coisa sem ter renda? Parece impossível, mas a resposta é simples: ela pode sacar dinheiro de sua poupança, pedir emprestado, receber doações etc. Considera-se, portanto, que haverá sempre algum nível de consumo em um determinado período de tempo, mesmo que o indivíduo não obtenha renda. Vamos tornar nossa análise um pouco mais complexa e imaginar, então, que o consumo autônomo do morador mencionado na Tabela 4.1 seja equivalente a R$ 5.000 anuais. Esse é um valor fixo, que não muda conforme a renda aumenta. Podemos representar a função de consumo demonstrada na tabela por meio de uma equação: Consumo = $5.000 + 3 (renda recebida) 4 Se substituirmos a renda esperada por qualquer dos valores apresentados na tabela, chegaremos ao mesmo resultado de consumo apresentado: Consumo = $5.000 + 3 .($10.000) = $5.000 + $7.500 = $12.500 4 Repare que, nessa equação, está representado o valor da propensão marginal a consumir, que nesse caso é 3⁄4. Como o resultado da equação varia dependendo dos valores de consumo autônomo, propensão marginal a consumir e renda esperada, podemos representar essa função de consumo da seguinte maneira: C = Co + cY C representa o consumo; Co representa a parcela de consumo que não depende da renda, ou seja, o consumo autônomo e se refere aos gastos essenciais (arroz, feijão, conta de luz etc.); c mede a variação do consumo em relação à variação da renda, a propensão marginal a consumir (PMc). Y é a renda esperada. 76 CEDERJ AULA 4 A RENDA DISPONÍVEL A partir deste ponto da aula, podemos refinar ainda mais o conceito de renda. Na aula passada, vimos que a renda tem três destinos possíveis: consumo, poupança e pagamentos de impostos. Chamemos então de renda disponível tudo o que resta às famílias, descontados dos ganhos totais os impostos diretos (imposto de renda, CPMF etc.), ou seja, vamos assumir que a renda disponível, que pode ser revertida para o consumo ou para a poupança, é a principal variável envolvida na determinação do nível de gastos (ou consumo) de um indivíduo. É certo que outras variáveis, como a taxa de juros, também afetam o consumo, mas, neste modelo simples, apenas a renda será considerada. Para resumir o parágrafo anterior, modificamos um pouco a expressão matemática que havíamos apresentado anteriormente e descrevemos o consumo como uma função que depende da renda disponível, como se segue: ! C = Co + cYd A única diferença entre esta expressão e a anterior é justamente a forma como a renda é expressa: Yd é a renda disponível, ou seja, a renda apropriada pelas famílias, descontados os impostos diretos pagos ao governo. POUPAR OU CONSUMIR? Que tal entendermos um pouco mais acerca dos PARÂMETROS PARÂMETROS da função de consumo? Lembre-se de que o consumo autônomo (Co) Valores que determinadas variáveis ou constantes podem assumir em uma equação. pode ser interpretado como a quantidade de bens e serviços consumidos mesmo que os indivíduos estejam sem renda (renda zero). Isso seria uma indicação de consumo de subsistência ou vital. A propensão marginal a consumir (PMc), por sua vez, expressa a disposição da população para alterar seu nível de consumo dado um acréscimo de renda. Veja, é senso comum: a renda de um indivíduo é destinada ao consumo ou à poupança. Um aumento da renda disponível CEDERJ 77 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio normalmente faz com que uma parte seja direcionada ao consumo e que outra vá para a poupança (lembre-se de que não existe outro destino da renda que não seja um desses dois, a menos que se rasgue dinheiro, o que não seria um comportamento racional). Perceba que alguém que ganhe muito pouco provavelmente destinará grande parte ou a totalidade de uma variação positiva da renda ao consumo, a fim de satisfazer suas necessidades, enquanto outra pessoa que seja muito bem remunerada tenderá a destinar seus novos ganhos à poupança. Além do conceito de propensão marginal a consumir, os economistas também se referem à propensão marginal a poupar, que representa a fração da renda adicional que uma pessoa destina à poupança. Uma vez que as pessoas ou gastam ou poupam sua renda adicional, a soma da propensão marginal a consumir com a propensão marginal a poupar deve ser equivalente a 1. Vamos entender melhor essa idéia? O valor da propensão marginal a consumir normalmente está entre 0 e 1. Como a PMc é uma fração, o valor 1 indica que nenhuma parcela da renda adicional será poupada; toda a quantia será gasta. Para você não ter dúvidas quanto a esses valores, basta lembrar que a propensão marginal a consumir é calculada dividindo-se a mudança no consumo pela mudança na renda. Se minha renda adicional foi de R$ 1.000, e eu gastá-la por completo (-R$ 1.000), o resultado da divisão é 1 (1.000/1.000). Para algumas pessoas, o valor de PMc igual a 1 é razoável, e significa que toda a renda adicional recebida é gasta. Para outras, o valor 0 também é razoável, e significa que uma renda adicional de R$ 1.000 foi integralmente destinada à poupança (0/100), na Tabela 4.1, a PMc era igual a 3⁄4, ou seja, 1⁄4 da renda adicional não foi gasto, mas destinado ! à poupança. Valores de PMc extremos, como 0 ou 1, não são comuns a todas as pessoas; de forma geral, esse valor está entre 0 e 1. Perceba: um indivíduo sozinho até pode se comportar como um autêntico pão-duro (PMc = 0) ou como um tremendo gastador (PMc = 1), mas em termos agregados (para a população como um todo) tais extremos são improváveis. 78 CEDERJ 4 Pensando em termos nacionais, se a propensão marginal do país AULA para o consumo for de, digamos, 0,8, e se a renda nacional variar 10 u.m. (10 unidades monetárias, uma moeda qualquer), o consumo agregado no país deverá aumentar 8 u.m.. Simples, concorda? Exatamente o mesmo cálculo que fizemos anteriormente, levando em conta apenas um indivíduo. Em suma: vimos que um aumento da renda disponível pode se reverter para o consumo. Vimos também que há um segundo caminho, a poupança. Como o aumento da renda se converte em mais consumo e mais poupança, o que não for destinado ao consumo vai necessariamente para a poupança, e vice-versa. Disto resulta: c+s=1 Nessa equação, a nova variável s (do inglês savings) é a propensão marginal a poupar, que significa a parcela da variação da renda que será destinada à poupança. Atividade 1 Consumir ou poupar? 1 Explique, no nível de compreensão de uma pessoa leiga, como é que, pela teoria keynesiana, um aumento no consumo autônomo de R$ 10,00 pode resultar em um aumento nas vendas totais de uma economia em mais de R$ 10,00. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Resposta Comentada Uma pessoa, ao comprar um produto, gera renda para quem vende. Esta última irá gastar parte do que recebeu efetuando outras compras. E esse comportamento se repete até que esse processo termine, ou seja, quando as vendas adicionais cessarem. Espera-se que as novas compras diminuam a cada fase, posto que nem toda renda é gasta; parte dela pode ser utilizada para poupar ou importar. CEDERJ 79 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio A função poupança Antes de passarmos ao tópico seguinte desta aula, vamos rever uma equação que aprendemos na aula passada, que relaciona renda, consumo, poupança e impostos na economia de um país, de modo que fique mais fácil compreendermos como devemos representar a poupança no modelo keynesiano: Y=C+S+T (renda = consumo + poupança + impostos) Se simplesmente rearranjarmos os termos dessa igualdade, facilmente perceberemos que: Y–T=C+S Ora, Y – T nada mais é que a representação da renda disponível (Yd), conforme discutimos anteriormente, ou seja, a renda disponível para as famílias, deduzidos os impostos a pagar, lembra? Então, podemos escrever ainda que: Y – T = Yd = C + S Isso equivale a dizer que a renda disponível é igual a consumo + poupança, ou que a renda disponível é igual à renda total, descontados os impostos. E isso tudo nós já havíamos aprendido antes, certo? Então vamos adiante. Você se lembra da equação que define a função de consumo, que estudamos anteriormente nesta aula? FUNÇÃO POUPANÇA A função poupança representa a poupança como dependente do nível de renda. Esta relação é positiva, ou seja, quanto maior a renda, maior o nível de poupança. A função assume valores negativos para níveis demasiadamente baixos de renda disponível, o que pode ser entendido como uma “despoupança”. 80 CEDERJ C = Co + cYd Se retomarmos as igualdades que representam a renda disponível e nos concentrarmos no lado direito da equação Y – T = Yd = C + S, veremos que é possível substituir a variável C, conforme descrita na função de consumo, de forma a chegar a uma nova equação: Yd = Co + cYd + S Ou ainda, se a rearranjarmos: S = - Co + (1- c)Yd Esta última equação é o que se chama F U N Ç Ã O P O U P A N Ç A . Observe que, se a renda disponível for zero, a poupança será de -Co. Isso fica bastante claro se voltarmos ao que dissemos: o consumo autônomo se 4 refere aos gastos essenciais. Um indivíduo sem renda não poderá gastar AULA com nada que não se encaixe nesse tipo de despesa. Atividade 2 Se a função consumo é dada por C = 60 + 0,5 (Y - T), expresse a função poupança correspondente. 2 Resposta A poupança é obtida por Y – C. S = Y - 60 + 0,5 (Y - T) = - 60 + 0,5(Y - T) A RENDA DE EQUILÍBRIO Agora chegamos a um ponto importante da nossa aula, no qual vamos discutir uma situação de equilíbrio, segundo o modelo de Keynes. Para isso, vamos voltar a analisar a Tabela 4.1, que reproduzimos a seguir. Tabela 4.1: Diferentes valores de consumo e de poupança estimados a partir da variação na renda anual esperada por um indivíduo. Conforme aumenta a renda anual, também aumenta o consumo, até que se atinja uma situação em que é possível poupar. Renda anual esperada (em R$) Consumo anual (em R$) Poupança anual (em R$) 10.000 12.500 -2.500 12.000 14.000 -2.000 20.000 20.000 0 30.000 27.500 2.500 CEDERJ 81 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio Nesse exemplo, em qual situação a renda esperada equivale aos gastos efetuados pelo morador? Repare que, para uma renda esperada de R$ 20.000, o consumo é de mesmo valor. Essa situação representa a renda de equilíbrio. Antes de continuarmos, pense que, se uma pessoa espera receber determinada renda mas acaba gastando mais do que recebe, é razoável supor que haja uma mudança de comportamento de forma a atingir um equilíbrio lógico, em que a renda esperada seja equivalente à renda recebida. Em termos macroeconômicos, a renda de equilíbrio representa uma situação em que o nível de renda vigente na economia proporcione a oferta de bens e serviços igual à respectiva demanda (tudo o que se produz é consumido, sem faltas nem sobras). Como se alcança a renda de equilíbrio? Vamos voltar a alguns conceitos discutidos anteriormente e somar elementos às equações que constituem nosso modelo. O consumo não é o único tipo de gasto observado em um país. As empresas, por exemplo, fazem gastos sob a forma de investimentos, o governo faz gastos variados e a economia de um país também é influenciada pelas transações que realiza com outras nações. O governo, ainda, cobra impostos da população. Todos esses fatores aumentam a complexidade de um modelo que prevê o funcionamento de qualquer economia, embora a lógica a ser considerada seja sempre a mesma. Da mesma forma como tomamos decisões acerca de como e quanto consumir, as decisões dos empresários acerca dos investimentos a serem feitos dependem da renda esperada para a empresa em determinado período. Para completar o modelo, é necessário adicionar o governo, pois este afeta o fluxo econômico de uma nação de duas maneiras: soma à renda do país (por meio da compra de bens e serviços) e retira dinheiro do sistema (por meio dos impostos). Os gastos governamentais incluem, por exemplo, a compra de veículos, o pagamento de salários e a construção de estradas. A adição dos gastos e impostos governamentais implica um papel na determinação da renda nacional. Quando o governo aumenta seus gastos, a renda nacional é elevada e também sofre o efeito multiplicador mencionado anteriormente. Se o governo aumenta os impostos, a renda nacional esperada diminui e as pessoas tendem a reduzir seu consumo. 82 CEDERJ 4 A renda de um país, portanto, deve ser considerada a partir da AULA incorporação dos investimentos empresariais e dos gastos governamentais, além do consumo nacional, naturalmente: I + G + C (Investimento + Gasto + Consumo). Voltando à questão do equilíbrio, nós argumentamos que tal situação, no modelo keynesiano, é aquela em que a renda esperada é igual à renda obtida. Uma outra maneira de olharmos para essa condição é considerar que a renda esperada é determinada por três fatores: os impostos (que afetam a renda negativamente, diminuindo-a), o consumo e a poupança esperada, ou: Yexp = T + C + Sexp Yexp = renda esperada (do inglês expected) T = impostos C = consumo Sexp = poupança esperada Havíamos mencionado que a renda real (do inglês, actual) é decorrente de três fatores: consumo, investimento e gastos governamentais, ou: Yact = C + I + G No equilíbrio, estas duas equações são iguais, ou: T + C + Sexp = C + I + G Eliminado C de ambos os lados, temos a condição de equilíbrio expressa sob a forma: Sexp + T = I + G Em outras palavras, essa equação diz que o equilíbrio existe naquele nível de renda em que a quantidade de dinheiro que as pessoas tendem a retirar do fluxo de gastos, seja na forma de poupança seja na de impostos, equivale àquela que elas intencionam adicionar a este fluxo como investimento, seja por meio das empresas, seja por meio dos gastos governamentais. Nesse modelo, os investimentos empresariais e os gastos governamentais significam entrada de renda (influxo) e os impostos e poupança esperados significam saída de renda (perda). Conforme CEDERJ 83 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio aumenta a entrada de renda para um sistema, também aumenta sua saída, sob a forma de poupança esperada. Da mesma maneira como há apenas um nível de água em um balde no qual o vazamento equivale à entrada de líquido, há apenas um nível de renda no modelo no qual a saída de renda equivale à entrada. Esta é a situação de equilíbrio. Gastos governamentais Investimentos Renda de equilíbrio Impostos Poupança Figura 4.3: O equilíbrio do modelo de renda e gastos equivale àquele de um balde d'água vazando. O influxo de água deve equivaler à perda de líquido. GASTOS AUTÔNOMOS E EFEITO MULTIPLICADOR A voz de uma pessoa falando pode ser ouvida como um mero sussurro ou por todo um estádio de futebol, dependendo da amplificação a que é submetida. Um carro com um bom sistema de amortecimento pode trafegar suavemente mesmo sobre uma rua toda esburacada. E a economia de um país, o que você acha? Comporta-se como um carro que amortece solavancos ou como um amplificador dos menores sussurros? Essas são analogias que nos ajudarão a compreender melhor os conceitos que continuaremos a discutir em nossa aula. Um conceito importante é o de gastos autônomos, ou seja, os gastos em uma economia que independem de flutuações de renda no sistema. Lembra do conceito de consumo autônomo? Pois dentro do modelo keynesiano, o consumo autônomo (Co), os gastos governamentais e as exportações, entre outros, são considerados gastos autônomos. 84 CEDERJ 4 Agora vamos imaginar um incremento em qualquer item dos AULA gastos autônomos, como por exemplo gastos governamentais, que representam uma entrada de renda no sistema. Essa despesa adicional do governo indica que alguém está recebendo mais renda. Vamos retomar o processo que discutimos anteriormente nesta aula. Diante de um aumento de renda, o indivíduo eleva seu consumo de acordo com sua propensão marginal a consumir, lembra? Isso significa que, além desse indivíduo, haverá outras pessoas se beneficiando desse consumo adicional por meio do recebimento de renda. Essas pessoas, por sua vez, também gastarão essa renda com mais consumo, dada a sua propensão a consumir. Daí em diante, outras pessoas receberão como renda tais aumentos de consumo, e assim sucessivamente. Da mesma forma ocorre quando o governo incrementa a renda do sistema com o aumento de gastos (como infra-estrutura, por exemplo). Na situação descrita, um aumento nos gastos autônomos gerou um efeito multiplicador sobre o consumo, o que, por sua vez, acarreta uma diminuição não planejada nos estoques de diferentes produtos, e assim surge a necessidade de uma nova produção por parte das empresas, alterando o sistema econômico e conduzindo a uma nova condição de ! equilíbrio de renda. Vamos a um exemplo prático para você entender melhor. Imagine que o governo contratou a empreiteira Toda Obra S.A. para construir 1.000 casas populares. A empreiteira, para dar conta da obra, contratou mais 100 funcionários, comprou mais cimento e tijolo da distribuidora Tem Tudo Ltda. Esta firma, por sua vez, precisou refazer seu estoque, e para tal contactou a olaria Barro Bom Ltda. para repor o produto da distribuidora. A olaria, por conseqüência, teve de aumentar sua produção para atender à demanda, e assim por diante. Ficou clara a idéia de efeito multiplicador? Agora que entendemos o conceito de gastos autônomos e suas implicações para o equilíbrio de um sistema, vamos tentar voltar às equações que constituem nosso modelo e representar esses componentes do ponto de vista matemático. Começaremos retomando duas equações que já vimos nesta aula: Y=C+I+G C = Co + cYd CEDERJ 85 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio Se combinarmos essas duas equações, percebemos facilmente que: Y = Co + cYd + I + G Para relembrarmos ainda que a renda disponível é a renda menos os impostos, devemos recuperar uma outra equação: (Yd = Y - T) Fazendo uma nova substituição de termos, temos que: Y = Co + c (Y – T) + I + G Y = Co + cY – cT + I + G Y – cY = Co – cT + I + G Se você gastar alguns minutos desenvolvendo ainda mais essa equação, chegará facilmente à igualdade abaixo, que descreve as variáveis que determinam a renda na situação de equilíbrio (Ye): Ye = 1 (Co − cT + 1 + G ) 1− c Para que você entenda um pouco melhor do que estamos tratando, vamos separar o lado direito dessa igualdade em duas partes: 1 1− c O primeiro termo ( e Co – cT + I + G 1 ) é chamado multiplicador dos gastos 1− c autônomos (m). Ele recebe esse nome porque o valor da renda de equilíbrio será m vezes o valor dos componentes autônomos da equação (consumo, gastos governamentais etc.), representados pelo segundo termo (Co – cT + I + G). O multiplicador dos gastos mostra o efeito de uma variação nos gastos autônomos sob a forma de uma variação ainda maior na renda. Como a fração será sempre um valor maior que um (daí se chamar multiplicador), o produto dessa fração pela variação nos gastos autônomos naturalmente resultará em um aumento na renda de equilíbrio maior do que apenas a elevação dos gastos autônomos propriamente ditos. Ficou mais fácil entender a equação agora? Então voltemos a ela: Ye = 86 CEDERJ 1 (Co − cT + 1 + G ) 1− c 4 Como mencionamos, o segundo termo do lado direito dessa AULA equação diz respeito aos gastos autônomos. Em termos matemáticos, podemos perceber com essa equação que a renda de equilíbrio varia linearmente em função da variável T (os impostos). Como o coeficiente que acompanha o termo linear T é negativo (-c), a renda de equilíbrio diminui linearmente à medida que o valor de T aumenta. Em termos concretos, isso equivale a dizer que quanto mais se aumentam os impostos, menor será a renda disponível para o consumo e, assim, menor será a renda de equilíbrio. Atividade 3 Mexendo na poupança 3 Considerando os dados a seguir, Y=C+I+G C = 100 + 0,8 Y I = 150 G = 50 T=0 determine: a. o valor da renda de equilíbrio; b. o nível de poupança na condição de equilíbrio. c. Suponha que foi feita uma campanha nacional para que todos poupem mais (elevem sua taxa de poupança). Sendo bem-sucedida tal campanha e considerando que os gastos autônomos serão os mesmos, qual seria o efeito dessa campanha sobre a renda ou o produto dessa nação? CEDERJ 87 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio Resposta Comentada Observando que Y nesta questão é a renda disponível, a letra a é resolvida utilizando a 1 equação ( Ye = (Co − cT + 1 +),Gda ) qual resulta que a renda de equilíbrio deve ter valor 1− c de 1.500 u.m. A função poupança dada pela equação S = – Co + (1- c)Yd, por sua vez, determina o nível de poupança em 200 u.m. Por fim, vamos à resposta da letra c: um aumento da propensão a poupar acarreta simultânea diminuição na propensão a consumir (lembre-se de que elas estão inversamente relacionadas). Em outras palavras, se as pessoas estão poupando um pouco mais com o mesmo salário que recebem, apenas o valor de C se alterou (nesse caso, diminuiu). O consumo diminui e no final a renda de equilíbrio também cairá, dado que o multiplicador diminuiu. Isto é conhecido como paradoxo da parcimônia. Com base nesta atividade, podemos constatar que o nível da renda de equilíbrio dado pela equação depende da propensão marginal a consumir e dos componentes dos gastos autônomos. Quanto maior o valor de algum desses itens, tanto maior será o valor da renda de equilíbrio. ALTERAÇÃO NOS IMPOSTOS Você deve ter percebido que, até aqui, consideramos os impostos como gastos autônomos. Pois agora, visto o comportamento dos indivíduos diante de variações na renda, suponha uma mudança na política fiscal do governo (uma variação nos impostos). Examine a seguir a expressão que indica o efeito da alteração dos impostos sobre a renda de equilíbrio, expressa pela equação que você já conhece bem: Ye = 1 (Co − cT + 1 + G ) 1− c Como você sabe, mudanças, em qualquer variável, são representadas pelo símbolo ∆ (delta). Dessa forma, se considerássemos que todos os elementos constitutivos dos gastos estivessem variando, a variação da renda de equilíbrio seria representada da seguinte forma: ∆Y = 1 (∆Co – c∆T + ∆I + ∆G) 1– c Como apenas consideramos a variação dos impostos, todas as outras alterações assumem valor zero e, dessa forma, a equação que representa a variação de renda de equilíbrio passa a ser expressa assim: 88 CEDERJ Ou ainda: AULA 4 ∆Y = 1 (– c∆T) = – c ∆T 1– c 1– c ∆Y −c = ∆T 1 − c Em termos concretos, essa equação equivale a dizer que um aumento nos impostos cobrados pelo governo diminui a renda nacional, pois reduz o nível de consumo para qualquer nível de renda da população. MODELO DE DETERMINAÇÃO DA RENDA COM IMPOSTOS EM FUNÇÃO DA RENDA Nesse ponto, é importante compreendermos um pouco mais acerca de como os impostos interferem na renda de equilíbrio. Vamos considerar que a arrecadação tributária de um país hipotético seja proporcional à renda. Ou seja: quem ganha mais paga uma alíquota maior “ao leão”, e os impostos, portanto, devem ser expressos em função da renda, assim: T= tY (0< t < 1) onde t denota “alíquota do imposto de renda” (ou fração da renda total destinada ao pagamento de impostos). Recuperando a equação que representa a renda disponível Yd (ou seja, renda subtraída de impostos) e substituindo T conforme expresso, facilmente chegamos à conclusão de que: Yd = Y – T = Y – tY Fazendo uma nova substituição na equação que representa a função de consumo, chegamos à equação a seguir: C = Co + cYd = Co+ c (Y – tY) A condição de equilíbrio (renda = demanda agregada), como já vimos, é: Y=C+I+G Logo, Y = Co + c (Y – tY) + I + G Depois de colocarmos em evidência os termos com a variável renda e os isolarmos, como fizemos no modelo anterior, teremos o seguinte resultado: CEDERJ 89 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio Ye = 1 (Co + 1 + G ) 1 − c (1 − t ) Co, I e G, como já vimos, são os gastos autônomos. Continuamos a ter um efeito multiplicador representado (1 / 1 – c (1 – t) que, nesse caso, assume um valor diferente (menor) que o multiplicador anterior. Todo esse desenvolvimento foi para você perceber que as relações implicadas na equação anterior nos dizem que toda vez que haja uma mudança nos gastos autônomos, toda vez que estes aumentem a renda, os impostos absorverão parte dessa renda, limitando o consumo adicional. Atividade 4 Certo como a morte e os impostos Considere os dados da atividade anterior, exceto os impostos, que passam a ser calculados em função da renda. Y = C+ I + G C = 100 + 0,8 Yd I = 150 G = 50 T= t Y = 0,3Y Determine o nível de renda de equilíbrio e compare os valores dos multiplicadores com e sem os impostos em proporção da renda. Resposta Comentada Y = 100 + 0,8 (Y – 0,3) + 150 + 50 Ye = 1 1- 0,8(1- 0, 3) (300) = 681,8 Observe que a renda caiu e que o multiplicador dos gastos, também. Perceba: quando não considerávamos os impostos em função da renda, o multiplicador era 5. Agora, o multiplicador dos gastos autônomos é 2,27. É fácil perceber, pela expressão do multiplicador, que, com os impostos proporcionais à renda, o valor do multiplicador se reduz. Intuitivamente, se a alíquota fosse de 100%, todo acréscimo de renda seria absorvido pelo imposto, não restando nada para gerar novos gastos e renda. No outro extremo, se a alíquota fosse zero, teríamos o multiplicador do modelo mais simples (impostos independentes da renda). Portanto, quanto maior a alíquota, menores os gastos induzidos, em razão de alterações nos gastos autônomos. 90 CEDERJ AULA 4 O SETOR EXTERNO NA DETERMINAÇÃO DA RENDA Até aqui, estamos tratando de um sistema econômico fechado ou que trave todas as suas relações econômicas com outros países. Quando o setor externo é levado em consideração no modelo keynesiano, admite-se que as importações são dependentes do nível de renda da população. Seguindo esse raciocínio, à medida que os indivíduos vão aumentando sua renda, mais bens importados são adquiridos. Desse modo, considera-se que as importações são uma função crescente da renda. Veja como: considere as exportações como dependentes da demanda de outros países, isto é, imagine que as exportações não sejam alteradas por nenhuma variável composta na equação da renda de equilíbrio VA R I Á V E L (ou seja, as exportações são uma variável E X Ó G E N A ). Elas dependem apenas ENDÓGENA E de indivíduos inseridos em outro sistema econômico que apresentem propensão a adquirir nossos produtos nacionais. Como vimos na aula anterior, o saldo das relações econômicas de bens e serviços externos de uma economia é denominado Balanço das Transações Correntes. É o saldo de movimentos da balança comercial (exportações menos A equação que expressa o Balanço das Transações Correntes (BTC) é: importações) e de serviços como pagamento de juros da dívida externa. BTC = X – M Lembre-se de que, nesta equação: X = exportação de bens e serviços M = importação de bens e serviços Considere agora que existe uma fração da renda que é destinada às importações. Assim como para o consumo e para a poupança, chamamos EXÓGENA Diz-se que uma variável é endógena quando seu valor é determinado no interior do modelo. A variável é exógena quando seu valor não é determinado ou afetado pelo sistema de equações do modelo. Por exemplo, o consumo autônomo é uma variável exógena, pois seu valor não se altera, qualquer que seja a renda. A variável consumo, por sua vez, é uma variável endógena, já que seu valor depende do nível de renda. esta fração de propensão marginal a importar (o que varia também de acordo com um acréscimo na renda). Assim, vamos considerar agora a expressão: M = mY (0 < m < 1) Nesse caso, m é a fração da renda (Y) destinada às importações (M). Como agora estamos incorporando o setor externo à demanda agregada, a condição de equilíbrio que discutimos anteriormente passa a assumir a seguinte expressão: Y=C+I+G+X–M CEDERJ 91 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio Se partirmos do que já desmembramos de cada uma dessas variáveis, chegaremos a: C = Co + c (Y – T) T = tY M = mY, Substituindo C e M abaixo, e considerando agora que I, G e X são variáveis autônomas ou fixas, elas passam a ser representadas por Io, Go e Xo. Observe: Y = Co + c(Y – T) + Io + Go + Xo – mY Considerando T = tY, temos: Y = Co + c(Y – tY) + Io + Go + Xo – mY Colocando Y em evidência na expressão c( Y – tY), chegamos a: Y = Co + c(1 – t) Y + Io + Go + Xo – mY Passando todos os termos em Y para o lado esquerdo da igualdade, teremos: Y – c(1– t) Y + mY = Co + Io + Go +Xo Agora colocamos Y em evidência do lado esquerdo da equação para encontrar Y(1– c(1 – t) + m) = Co + Io + Go + Xo Finalmente, isolamos Y dividindo o lado direito da equação por (1– c(1 – t) + m) Y= 1 (Co + Io + Go + Xo) 1 − c(1 − t ) + m Da mesma maneira que estudamos anteriormente, a fração do lado ECONOMIA 92 direito da equação representa o multiplicador dos gastos. Por incorporar ABERTA a propensão a importar, é conhecido como o multiplicador de gastos Expressão utilizada pelos economistas para se referir a países que mantenham relações econômicas com outros. A economia é aberta quando há fluxo de exportações e importações de bens e serviços. com a E C O N O M I A CEDERJ ABERTA. O valor desse multiplicador é menor que os anteriores, posto que, agora, parte de qualquer aumento de renda também é gasto com os produtos de outros países. Isso ocasiona um “vazamento” no valor do multiplicador e na renda de equilíbrio (lembre-se da figura do balde d’água). Nesse caso, em vez de gastar internamente todo o adicional de renda disponível, uma parcela é destinada ao exterior. Finalmente, repare ainda que a soma da propensão marginal a 4 consumir com a propensão marginal a poupar e a importar assume o AULA valor 1. Isto decorre do fato de que uma unidade a mais de renda é ∆C = c ) e/ou produtos destinada ao consumo de produtos nacionais ( ∆Y ∆M ∆S = m ) ou à poupança ( importados = s ). Isso significa dizer que, ∆Y ∆Y uma vez que há um acréscimo de renda, só existem três maneiras de utilizá-las: consumindo nacionalmente, poupando ou importando – a soma dos três assume o valor 1. Isto é: c + s + m = 1. CONCLUSÃO O modelo keynesiano enfatiza a demanda agregada como elemento que eleva a renda e a produção de equilíbrio. Para tal, é preciso que haja possibilidade de expansão na produção para atender eventuais crescimentos da demanda. Ou seja, no modelo de determinação da renda de equilíbrio, a existência de capacidade ociosa é importante para que não haja limitações do lado da oferta e assim possam vigorar os resultados previstos pelo modelo. É justamente o efeito multiplicador proposto por Keynes que possibilita entender a capacidade de aumento de consumo e os desdobramentos macroeconômicos que são gerados. Atividades Finais Desconstruindo o país 1. Um país, em determinado ano, apresentou os seguintes dados nacionais (em $): Investimentos = 50; Dispêndios do governo = 40; Impostos =10; Função consumo: C = 10 + 0,4 Yd CEDERJ 93 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio 1. A partir desses dados, calcule: a. o nível da renda de equilíbrio e o valor do multiplicador dos gastos autônomos; b. o valor da nova renda de equilíbrio caso o investimento aumente em 10 u.m. 2. Imagine que haja uma denúncia de que terroristas estariam sabotando os produtos de todos os países que exportam para o Brasil. Se os brasileiros tomarem essa notícia como verdadeira, qual seria o resultado disso em termos do valor da renda nacional? E qual seria o efeito sobre o multiplicador dos gastos externos? 3. Para que a teoria keynesiana da demanda agregada como determinante da renda e do produto nacional seja plenamente aceita, torna-se fundamental supor que as empresas tenham capacidade ociosa (ou economia com desemprego). Explique. 4. Dado o modelo keynesiano estudado, se em determinado ano a demanda agregada for menor que a produção agregada, qual o comportamento esperado em direção ao produto de equilíbrio? 94 CEDERJ 4 AULA Respostas Comentadas 1. a. nível da renda de equilíbrio Y = 10 + 0,4 (Y-10) +90 Ye = 160 O multiplicador: 1. b. se o investimento aumenta em $10,00, então a renda aumentará em 16,667 (1,6667 x 10). Portanto, a nova renda de equilíbrio assumirá o valor de 176,667. 2. A renda nacional aumentaria, posto que a parcela de compras com produtos importados tenderia, em parte, a ser destinada a produtos nacionais. Assim, aumentaria a demanda agregada por produtos nacionais. O multiplicador, por sua vez, diminuiria, pois na sua composição carrega a propensão marginal a importar, que nesse caso estaria reduzida. Como a propensão a importar diminuiu, o valor do multiplicador aumenta. 3. Suponha que as firmas estejam produzindo com todos os seus recursos disponíveis. Assim, se houver novos pedidos de produção, as empresas terão de adquirir novos recursos, com grandes possibilidades de terem custos adicionais. Estes serão repassados aos preços, de forma a inibir (pelo menos em parte) o crescimento da demanda. Em situação de capacidade ociosa, os empresários só precisariam dar ordens de elevação na produção, sem necessidade de elevar preços. Quanto mais intensa a capacidade ociosa, menos necessidade o empresário terá de aumentar preços. 4. Se a oferta em determinado ano for superior à demanda, haverá uma acumulação involuntária nos estoques das empresas. No ano seguinte, os empresários produzirão um volume menor, para diminuir o total de estoques e ajustar sua produção ao volume demandado. Há uma tendência ao ajuste da oferta em relação à demanda. CEDERJ 95 Análise Macroeconômica | Determinação da renda e da produção de equilíbrio RESUMO As mudanças nos gastos autônomos da demanda agregada são os elementos mais freqüentes nas alterações dos níveis de equilíbrio da renda. Com o impacto do multiplicador de gastos, as variações nos gastos autônomos induzem a outras mudanças. Isto ocasiona um aumento na renda de equilíbrio tantas vezes superior à variação inicial dos gastos autônomos. O valor do multiplicador é a expressão da intensidade da variação da renda de equilíbrio em relação à mudança do dispêndio autônomo inicial. Apesar de simplificado, o modelo proposto por Keynes possibilita e potencializa o entendimento básico do funcionamento do processo de geração de produção e renda de equilíbrio. Modelos mais completos são construídos sobre tais princípios, especialmente quando comparamos o paradigma keynesiano ao complexo funcionamento da economia de um país, posto que a variável renda é afetada por diversos fatores, como gastos e investimentos públicos, aumento de impostos e influência externa (importação e exportação) – ou seja, a balança comercial. LEITURA RECOMENDADA Se você quer conhecer um pouco mais sobre a teoria keynesiana, procure algum dos livros-texto de Macroeconomia. Todos contêm capítulos sobre o tema. Como uma sugestão, vale o Capítulo 10 de A era do economista, de Daniel Fusfeld. 96 CEDERJ 5 AULA Os investimentos e as taxas de juros Meta da aula objetivos Explicar a influência das taxas de juros e da inflação sobre os investimentos realizados pelas empresas. Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1 listar os fatores macroeconômicos que afetam os investimentos; 2 identificar a importância dos investimentos como fator de aumento na produção agregada; 3 distinguir taxa nominal e real de juros. Pré-requisito Ajuda a compreender esta aula uma breve revisão da tabela que mostra o PIB brasileiro desmembrado (Aula 3) e o modelo keynesiano, apresentado na Aula 4. Análise Macroeconômica | Os investimentos e as taxas de juros Henning Buchholz (www.sxc.hu) INTRODUÇÃO INVESTIMENTO (PRODUTIVO) É o acréscimo de bens de capital à empresa, como novas máquinas ou a construção de uma planta industrial (a fábrica). O investimento proporciona aumento da capacidade produtiva do país gerando o que se denomina Taxa de Acumulação de Capital. Os investimentos podem ser desdobrados em investimentos em bens de capital (Formação Bruta de Capital Fixo) e em variação de estoques. Lembre-se de que tratamos disso rapidamente quando desmembramos o PIB brasileiro (Aula 3). Figura 5.1: Investir em uma empresa pode ser uma operação de risco. Diante do cenário macroeconômico em que esteja inserida, no entanto, há certos fatores que podem ser observados a fim de que se diminuam as incertezas sobre o futuro. No final do século passado, a publicidade resumiu em uma frase o que podemos entender como quase uma revolução na área de administração: “a propaganda é a alma do negócio”. Podemos nos aproveitar dessa máxima e afirmar: “O investimento é a alma do crescimento econômico”. Você verá, ao longo desta aula, que esta nossa máxima se justifica: enquanto a propaganda estimula a preferência pelo produto e gera a prosperidade nos negócios, os investimentos representam a possibilidade de maior capacidade produtiva e maior prosperidade na economia. Quando há investimento, há a expansão da empresa, o que gera mais emprego, renda e produção. Nesta aula, vamos analisar o papel dos investimentos na economia de um país. Para isso, precisamos, entre outras coisas, identificar os elementos que BENS DE CAPITAL São os bens cujo destino é a produção de outros bens. O capital pode ser físico (máquinas e equipamentos) ou financeiro (aplicações em ações, títulos públicos ou financeiros etc.). Quando os investimentos são em capital físico, denominam-se investimento produtivo. Quando são em capital financeiro, costumase denominá-los investimento financeiro. 98 CEDERJ os estimulam. É o que vamos desenvolver a seguir. POR QUE INVESTIR? Em primeiro lugar, você sabe definir o que é I N V E S T I M E N T O ? Em Macroeconomia, investir significa adquirir capital novo. Capital é o bem cujo destino é a produção de outro bem. São exemplos de BENS DE CAPITAL o maquinário, as edificações, os equipamentos etc. Quando uma empresa resolve aumentar o tamanho de sua fábrica, ela está investindo. Os investimentos têm dupla função na economia: são um importante elemento de demanda agregada (como visto na aula anterior) e proporcionam incremento na capacidade produtiva. Esta última função dos investimentos se dá por conta de se aumentarem os recursos disponíveis – estoque de capital – destinados à produção de bens e serviços. 5 Podemos dividir os investimentos em duas fases: AULA A primeira ocorre quando há despesas com a compra de capital, o que impulsiona a demanda agregada (ainda não há o resultado dos investimentos em termos de aumento da produção). A segunda se nota após a maturação dos investimentos, o que resulta em aumento da produção (oferta agregada) e da capacidade produtiva da economia. Ou seja, você pode entender o investimento também como a ação que eleva a oferta agregada e o estoque de capital no sistema econômico. São exemplos disso os gastos com instalações industriais, aquisições de máquinas ou equipamentos, variações de estoques etc. Saiba ainda que o investimento pode ter duas dimensões: pode ser bruto ou líquido. Considerando que o estoque de capital também se deprecia, a diferença entre investimento bruto e líquido é dada pelo montante de investimento destinado a cobrir o que se desgasta ao longo do tempo, ou seja, a depreciação. A equação a seguir mostra a relação entre investimento bruto e líquido. IL = IB – D sendo: IL = investimento líquido IB = investimento bruto D = taxa do estoque de capital depreciado no período. Em termos concretos: se, por exemplo, os investimentos totais de um país forem da ordem de 10 bilhões de dólares e, em média, 10% dos investimentos servirem apenas para cobrir o desgaste do capital, teremos: IL = 10 – 0,1 (10) = 90 Caso você se sinta mais à vontade com um raciocínio baseado em equações, pode-se dizer que a definição de investimentos é dada por: It = Kt – Kt-1 (1) onde: Kt = o estoque de capital no período t Kt-1 = o estoque de capital no período t-1 (período anterior a t) CEDERJ 99 Análise Macroeconômica | Os investimentos e as taxas de juros Como o estoque de capital aumenta na proporção do montante dos investimentos líquidos realizados, o papel dos investimentos se torna claro pelo fato de permitir uma elevação na capacidade produtiva da economia ao longo do tempo. O ACELERADOR DOS INVESTIMENTOS O que leva um empresário a desejar ampliar seu estoque de capital? A verificação ou expectativa de que a demanda pelo seu produto está em elevação torna-se um estímulo para ampliação de seus recursos produtivos; entre estes, o estoque de capital necessário para essa ampliação. Uma vez identificado o nível adequado de estoque de capital, os investimentos são realizados em função de alcançar tal nível. Em geral, o estoque de capital desejado pelo empresário guarda relação com o nível de produto: (2) onde: = estoque desejado de capital no período t; = coeficiente da relação entre capital e produto e α > 0; Yt = nível de produto no período t. Supondo que, no período anterior, o estoque de capital tenha seguido o mesmo comportamento em relação a seu respectivo nível de produto: (3) Agora veja: se utilizarmos as equações (2) e (3) na equação (1), temos: (4) Analisando a equação (4), percebemos que os gastos com investimentos são feitos em função de uma taxa de variação do produto. Se o produto (ou PIB), em um determinado período, cresce 10 unidades monetárias (u.m) e a razão capital produto (α) é 3, os gastos com investimentos serão, portanto, de 30 u.m. 100 C E D E R J 5 Você deve observar que, quando há um gasto com investimentos, a AULA renda e o produto deverão aumentar por conta do multiplicador dos gastos (lembre-se do que vimos na aula anterior sobre o modelo keynesiano). Agora estamos falando que, quando o produto aumenta, os investimentos também aumentam. Ou seja, desencadeia-se um processo de aceleração, já que, ao elevar o estoque de capital, a oferta de produto aumenta também. O princípio acelerador dos investimentos estabelece que uma taxa de crescimento do produto (PIB) causa uma elevação nos investimentos, o que, por sua vez, aumenta os níveis de produto, o que acelera os investimentos mais uma vez, como mostra a equação (4). O gráfico a seguir apresenta a taxa média dos investimentos no Brasil entre os anos de 1980 e 2000. Repare que, quanto mais alta a taxa de investimentos, mais o Brasil esteve ampliando o seu potencial de crescimento econômico. Taxa média de investimento Taxa média de investimento (% do PIB) 30 25 20 15 10 5 0 1980 1985 Fonte: Froyen (2001) 1990 Anos 1995 2000 Atividade 1 Invista em Marte 1 2 Observe os dados a seguir: 1. A Aço Marciano S.A. é uma empresa que se dedica a atender dois mercados consumidores de aço: o dos fabricantes de satélites e o dos fabricantes de naves espaciais. 2. De 2055 a 2056, a demanda por satélites cresceu 3%. Já a demanda por naves aumentou 1%. C E D E R J 101 Análise Macroeconômica | Os investimentos e as taxas de juros 3. O coeficiente da relação entre capital e produto para as naves é de 2. Para os satélites, é de 4. 4. Uma nave espacial tem depreciação anual estimada em 50%. Um satélite tem depreciação anual estimada em 10%. 5. Em 2055, cada um desses dois setores respondeu por 100 reais marcianos (100 RM$) do PIB daquele planeta. Agora que você está a par do cenário macroeconômico de Marte, responda: Qual produto dependerá de maior investimento bruto a fim de que sua demanda seja atendida? De quanto deverá ser esse montante? Qual produto apresentará investimento líquido mais próximo do bruto? Explicite ambos os valores. Resposta Comentada Partindo do pressuposto de que tanto os satélites quanto as naves espaciais responderam por RM$100 do PIB de Marte em 2055, podemos depreender que a demanda por satélites, em 2056, passou a RM$ 103, enquanto a demanda por naves chegou a RM$ 101. Já vimos que, no cálculo dos investimentos, há um importante fator chamado coeficiente da relação entre capital e produto. Este índice visa a estipular quanto deve ser investido para que se alcance uma unidade de produto. No caso dos satélites, é preciso que se invistam RM$ 412 para atender a uma demanda de RM$ 103. No caso das naves, basta que se invistam RM$ 202 para que se atenda à demanda de RM$ 101. Logo, as naves dependem de menor investimento bruto para que sua demanda seja atendida. No entanto, vimos que satélites depreciam 10% ao ano, enquanto naves perdem 50% de seu valor no mesmo período. Logo, se já aprendemos que o investimento líquido é o bruto descontado da taxa de depreciação, chegamos ao resultado que diz que RM$ 412 investidos em satélites geram RM$ 370,8 de investimento líquido. No caso das naves, RM$ 202 investidos (investimento bruto) geram RM$ 101 de investimento líquido. Logo, os satélites apresentam uma relação mais próxima entre investimento bruto e líquido. 102 C E D E R J AULA 5 A TAXA DE JUROS Já vimos que investir requer um desembolso financeiro inicial. Uma empresa pode investir com recursos próprios ou de terceiros. Em ambos os casos, a taxa de juros exerce um papel importante na decisão de investir ou não. Veja como: se a empresa precisar recorrer aos bancos para financiar a aquisição do nível de capital desejado, ela precisará pagar os juros de tais empréstimos. Nesse caso, a taxa de juros será um importante indicador dos custos de investir. Bastante claro, concorda? Existe, no entanto, uma outra forma de fazer investimentos. Ela ocorre quando a empresa dispõe de lucros do período anterior retidos em nível suficiente para bancar seus gastos com investimentos. Ainda assim, a Neil Gould (www.sxc.hu) taxa de juros afetará a decisão de investir. Isso ocorre porque o empresário irá avaliar a possibilidade de aplicar esses lucros retidos em títulos que rendam em ritmo igual ao das taxas de juros. Se esses títulos tiverem uma rentabilidade com os juros maior do que a rentabilidade esperada com a maturação dos investimentos na produção, o empresário pode decidir por não investir na produção e sim nesses títulos. Sendo assim, com recursos próprios (lucros retidos) ou de terceiros (empréstimos), a taxa de juros representa o custo de investir. Figura 5.2: É nas Bolsas de Valores que se acompanha o desempenho dos títulos e das ações das empresas. Agora guarde: o conceito de taxa de juros recai sobre duas vertentes: a taxa nominal e a taxa real. A primeira é definida como aquela expressa em termos de quantas unidades monetárias são pagas como juros. Um empréstimo de 100 u.m. com taxa de juros de 10% representa juros de 10 u.m. Estes últimos são os juros nominais, aqueles pagos no mercado. A taxa real de juros, por sua vez, mede o quanto realmente se paga, levando em consideração o poder aquisitivo do dinheiro antes e depois de pago o empréstimo. Isto é, considera-se a perda do poder aquisitivo do dinheiro dada a inflação entre o momento em que se pegou e o momento em que se pagou pelo empréstimo. Se aquele empréstimo de 100 u.m., com taxa de juros (nominal) de 10%, tivesse sido realizado em um ambiente de inflação de 10%, o valor real do que se emprestou seria 110 u.m. (pois os preços aumentaram em 10%). Entendido isso, repare: ao se pagar 110 u.m. (100 u.m. da parcela principal e 10 u.m. de juros nominais) não se estaria na realidade pagando juro real nenhum. C E D E R J 103 Análise Macroeconômica | Os investimentos e as taxas de juros Desprezando-se uma pequena imprecisão matemática (consulte o boxe explicativo a seguir), considera-se a taxa real de juros como: r=n-π (5) onde: r = taxa real de juros n = taxa nominal de juros π = taxa de inflação Então, se são dados os juros nominais e se há uma taxa alta de inflação, os gastos efetivamente realizados com os investimentos serão menores. O que importa para o empresário são as taxas de juros reais, pois ela mede o valor real dos juros que precisaram ser pagos. Lembre-se de que os preços dos produtos que o empresário vende devem estar acompanhando o ritmo inflacionário. ? A equação das taxas de juros nominal e real A definição analítica de taxa de juros real (ρ) é: 1+ ρ = 1+ n 1 + π (6) onde: n = taxa de juros nominal π = taxa de inflação Como já foi dito, a taxa de juros nominal é a taxa divulgada no mercado, isto é, aquela expressa em unidades monetárias. Para extrairmos ρ vamos desenvolver a equação (6): (1 + ρ ) (1 + π ) = (1 + n ) 1 + n = 1 + π + ρ + ρπ ρ + ρπ = n − π ρ= n −π 1+ π Para baixos valores de inflação, a taxa de juros real pode ser entendida como: ρ ≈ n −π A leitura da equação anterior é de que a taxa de juros real é aproximadamente a taxa de juros nominal descontada a taxa de inflação. 104 C E D E R J 5 Por essa razão, os dispêndios com investimentos dependem da taxa AULA real de juros. Observe que, se a economia do país apresenta baixa taxa de inflação, a diferença entre juros reais e nominais deverá ser pequena; sendo assim, nesse caso, tanto faria entender os investimentos a partir da taxa real ou da nominal. Note que quanto maior e mais instável for a taxa de juros, maior será a importância de distinguir os efeitos do juro nominal e do real sobre novos investimentos. Atividade 2 Os juros e o mercado 1 IBGE anuncia queda na inflação Cheque especial é a melhor opção para o consumidor oram divulgados na noite de ontem os números do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC/ IBGE). Segundo o índice, a taxa de inflação deste mês fica na casa dos 2,68%. egundo o opera-dor da Bolsa de Valores Jorge Stressman, “o mercado financeiro se ressente das taxas atuais”. De acordo com Stressman, os títulos que mais renderam no mês passado não conseguem competir com uma taxa nominal de 7,79% para o cheque especial. F 2 3 S A partir desses dois fragmentos de notícia, determine a taxa de juros real do cheque especial e verifique a diferença entre os valores das taxas de juros, considerando todos os termos que a compõem e a equação que a define como um valor aproximado. C E D E R J 105 Análise Macroeconômica | Os investimentos e as taxas de juros Resposta Comentada A taxa de juros real, como já vimos, é dada por ρ = n −π . 1+ π Ou seja, a partir dos dados que apresentamos, temos: ρ= 0, 0779 − 0, 0268 = 0, 049766 , 1 + 0, 0268 o que, em termos percentuais, corresponde a 4,9%. Considerando o valor aproximado (numerador da equação acima), a taxa de juros real seria 0,0511, ou ainda 5,11%. Ou seja, tratamos aqui de uma diferença pouco significativa. OS DETERMINANTES DO INVESTIMENTO Você deve ter notado que os investimentos são afetados por Davide Guglielmo (www.sxc.hu) algumas variáveis, descritas na seguinte função: I = f ( Y , n, π, Kt-1) (7) A equação (7) informa que o investimento depende das variáveis nível de produto (Y), taxa de juros nominal (n), inflação (π) e estoque de capital do período anterior (Kt-1). A relação entre cada uma destas variáveis e o nível de investimento é descrita a seguir: • um aumento no nível do produto estimula os investimentos; a elevação do produto se traduz em mais vendas e, assim, um estoque adicional de capital é desejável; • mantida fixa a taxa de inflação, quanto maior a taxa de juros, maior será o custo de investir. Como efeito, será menor a motivação para investir. Quanto menor a taxa de juros, menor será o custo de investir. Como efeito, será maior a motivação para investir; • mantida a taxa nominal de juros, uma elevação na taxa de inflação diminui o valor real do que se pagará com os empréstimos para investir. Como efeito, por estar mais barato investir, o nível desejado de investimentos deve aumentar. E uma redução na taxa de inflação aumenta o valor real do que se pagará com os empréstimos para investir; conseqüentemente a tendência é de diminuir o nível de investimentos; e • quanto menor o estoque de capital (no período anterior), maior será a necessidade de investir para cada nível de produção desejada. 106 C E D E R J 5 Agora pense: um empresário percebe que a demanda pelos AULA seus produtos está aumentando e, assim, considera que é uma boa oportunidade para realizar novos investimentos em sua fábrica. Ele precisa recorrer aos bancos para financiar seus investimentos. A taxa de juros é de 100% ao ano. O empresário espera que os preços dos seus produtos subam 80%. Quanto ele estará pagando de juros reais? A resposta é simples: o cálculo da taxa de juros real será a taxa de juros nominal decrescida do índice de preços dos produtos do empresário, ou seja, 20%. Saiba, no entanto, que essa taxa não é a que normalmente se chegaria, visto que não está sendo considerada a taxa de inflação. Todavia, essa conta é mais apropriada para aquele empresário como indicação do custo de investir. Isso ocorre porque o índice de preços de seus produtos reflete com mais precisão o que ele receberá por seus produtos para abater na taxa de juros nominal. Veja outro exemplo: um empresário vai financiar a compra de uma máquina no valor de 100 reais, com taxa de juros de 100%. No momento do empréstimo, o preço do produto que vende é de 10 reais. Então, o empréstimo representa o faturamento de dez produtos. Suponha então que os preços dos seus produtos subirão 150%. O que o empresário no final vai pagar com o empréstimo, 200 reais, equivalerá a oito produtos. Isso reflete mais precisamente o custo de investir do que se o empresário utilizasse a taxa de inflação do período, que poderia diferir do aumento de preço daquele produto específico. Lembre-se de que a inflação é uma média, é uma variável agregada. A TAXA DE JUROS E A ILUSÃO MONETÁRIA Alguns meses antes do início do governo Collor, a taxa média de inflação mensal era de cerca de 80%. Como a poupança no Brasil rende correção monetária (calculda por uma taxa que visa referenciar a correção) acrescida de 0,5% de juro real ao mês, os indivíduos que tinham caderneta de poupança recebiam mensalmente cerca de 80,5% (dos quais 80% devidos à inflação no período e 0,5% de juro real). Se, por exemplo, um depositante tivesse naquela época, o equivalente a 1.000 reais de hoje, ao final de um mês de aplicação na poupança ele verificaria que sua conta passou para 1.805 reais. C E D E R J 107 Análise Macroeconômica | Os investimentos e as taxas de juros Quando o então presidente Collor assumiu o comando do país, implementou uma controversa política antiinflacionária (bloqueou todos os tipos de contas bancárias que excedessem determinado valor) que reduziu, pelo menos nos primeiros meses daquele plano, a taxa de inflação. A taxa mensal de inflação baixou então para cerca de 10%. Dessa maneira, a remuneração da poupança passou a ser de 10,5%. Grande parte dos aplicadores sentiu que a poupança estava rendendo menos. Afinal, se antes, com 1.000 u.m. eles receberiam 1.805 u.m., agora eles receberiam apenas 1.105 u.m. Mas você acha que eles estavam realmente recebendo menos? O entendimento dessa questão é a distinção entre taxa de juros real e nominal. Ou, em um nível mais abstrato, entre variável econômica nominal e variável econômica real. Veja como: se você depositou R$ 1.000 em uma caderneta de poupança cuja taxa de juros de mercado, após um ano, foi de 10%, sua poupança totalizou R$ 1.100. Então, será que você ficou mais rico com o resultado da aplicação na poupança? Vamos pensar: imagine que, no mesmo período em que foi feita a aplicação, a taxa da inflação foi de 100%. Com isso, fica fácil perceber que os R$ 1.100 do final da aplicação valem menos do que os R$ 1.000 que você depositou, não é? Ou seja, apesar de ter mais em termos nominais (valor expresso em unidades monetárias), o poder aquisitivo do valor que você aplicou na poupança diminuiu (valor em termos reais). Por que isso aconteceu? Isso aconteceu por conta da inflação, que reflete o aumento médio dos preços dos produtos no período. Se a inflação atingiu a casa dos 100%, isso indica que, em média, os preços dobraram de valor. Para que no final da história o valor do que você depositou tivesse sido o mesmo com a aplicação a taxa de juros, ele teria que ser reajustado em 100%. Em outras palavras, se a taxa de juros fosse de mais de 100%, você teria aumentado o seu poder aquisitivo com a poupança. Caso contrário, teria perdido com a aplicação. Nesse exemplo dado, a taxa de juros de 10% paga pelo banco é a taxa nominal. A taxa real será a taxa nominal deduzida da taxa de inflação, como diz a equação (5) (r = n - π). Portanto, a taxa de juros real foi de –90%. Isto é, com a aplicação na poupança, o poder aquisitivo diminuiu em 90%. 108 C E D E R J 5 No caso do período Collor, a taxa de juros nominal caiu, embora AULA tenha acompanhado a queda da taxa de inflação na mesma intensidade. Isto quer dizer que a taxa de juros real (a que mede a variação do poder aquisitivo) permaneceu a mesma. Em termos reais, não houve qualquer vantagem ou desvantagem em receber juros nominais mais elevados em ambiente de inflação mais elevado. Diz-se que há uma ilusão monetária quando o individuo só verifica a taxa de juros nominais e não percebe a taxa de juros real. ? Variáveis reais e nominais Em economia, as variáveis podem ser classificadas como nominais ou reais. As variáveis nominais são aquelas expressas em unidades monetárias. As reais são as expressas em termos de poder aquisitivo ou poder de compra. As variáveis reais são obtidas a partir das variáveis nominais. Para chegar à variável real, basta dividi-la por um índice de preços (deflacionar) e obtém-se a variável real. A tabela a seguir apresenta três das mais conhecidas variáveis nominais/reais na economia. Exemplos de variáveis nominais e reais Nominal Real Forma da variável real PIBn PIBr PIBr=PIBn P Juros (n) Juros (ρ) ρ = n−π ou ≈ n − π 1+π Salário (W) 1Salário real (w) w=W P P (índice de preços no período) representa um índice de preços como o INPC, IPC, IGP etc. Saiba que salário real é o salário medido pelo poder de compra. Em outras palavras, seu contracheque indica o seu salário nominal (quanto em u.m. você esta recebendo). O que você compra com o salário que recebeu evidencia o seu salário real. C E D E R J 109 Análise Macroeconômica | Os investimentos e as taxas de juros Atividade 3 Não se iluda 1 2 3 Reflita e responda: o que você prefere, um salário nominal maior ou um salário real menor? Justifique sua resposta. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Resposta Comentada Não é possível responder com precisão a essa questão sem que se tenha mais informações sobre tais valores de salários. De qualquer forma, você pode argumentar o seguinte: o salário nominal é apenas um número de unidades monetárias. O que vai dizer se esse número vale muito ou pouco será o nível de preços. Afinal, de que adianta eu receber milhões de u.m. se os preços das coisas são bem maiores? O salário real, por sua vez, refere-se justamente ao poder de compra do meu salário. Assim, o salário real maior é garantia de maior poder de compra do salário. Pode ocorrer uma situação de aumento de salário nominal de 40% em período de 80% de taxa de inflação, ou redução do salário real em 10% sem qualquer aumento de salário nominal, o que seria preferível à primeira, pois a redução do salário real seria menor neste caso. CONCLUSÃO Os investimentos são uma importante variável macroeconômica, pois se constituem em um elemento da demanda agregada, como também, em um elemento da oferta agregada. Portanto, além de estarem presentes no modelo keynesiano, os investimentos estão presentes em modelos de crescimento e desenvolvimento econômico ainda não abordados em nossas aulas. Nesta aula, atribuímos à taxa real de juros e ao crescimento do produto os fatores que afetam os investimentos. Entram nessa conta o efeito multiplicador de gastos (o aumento de investimento eleva a renda) e o efeito acelerador (o aumento da renda devido ao multiplicador leva a novo aumento de investimentos) presentes na relação entre investimento e nível de renda ou produto. 110 C E D E R J 1 2 3 R$ 1.000. Um ano depois, seu salário foi para R$ 2.000, enquanto a inflação atingiu a taxa de 80%. O que aconteceu com o salário nominal e o salário real nesse caso? ________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 2. Economicamente, um empréstimo pode ter taxa de juros nominais negativa? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 3. Por que a taxa de juros é o custo de investir, mesmo se a empresa tiver recursos próprios para tal? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Respostas Comentadas 1. O salário nominal aumentou em 100%. O salário real aumentou em 20%. 2. Sim, embora essa situação se refira a um equívoco da parte de quem empresta. Se a taxa real de juros foi negativa, então o valor real do que se emprestou foi menor do que o valor do que se recebeu com o fim do empréstimo. Sendo assim, quem emprestou perdeu. Isso ocorre quando quem empresta não percebe ou erra na previsão da inflação que deve ocorrer no período de vigência do empréstimo. Economicamente, ninguém estaria disposto a emprestar, digamos, a uma taxa nominal de 10% se estiver imaginando que a taxa de inflação no mesmo período deverá ser maior do que 10%. 3. Porque o empresário leva em consideração o que poderia receber se aplicasse no mercado financeiro o dinheiro destinado a investir. Por exemplo, se o mercado financeiro estiver remunerando as aplicações com uma taxa mais alta do que a taxa de lucratividade que ele espera receber como resultado dos seus investimentos, ele pode preferir aplicar no mercado financeiro, ao invés de se voltar para o mercado produtivo. C E D E R J 111 AULA 1. Em determinado país, um trabalhador recebia salários mensais de 5 Atividades Finais Análise Macroeconômica | Os investimentos e as taxas de juros RESUMO Os Os investimentos investimentos são são importantes importantes para para o o sistema sistema econômico econômico porque porque são são um componente de demanda agregada (estimulam o crescimento do um componente de demanda agregada (estimulam o crescimento do PIB PIB pelo pelo lado lado da da demanda) demanda) e e porque, porque, por por outro outro lado, lado, aumentam aumentam a a capacidade capacidade produtiva da economia devido à elevação do seu estoque de capital. produtiva da economia devido à elevação do seu estoque de capital. Quando Quando há há aumento aumento na na produção, produção, os os empresários empresários procuram procuram manter manter uma uma relação entre a produção e seu estoque de capital. Quando a produção relação entre a produção e seu estoque de capital. Quando a produção aumenta, aumenta, o o estoque estoque de de capital capital desejado desejado tende tende a a aumentar. aumentar. Tal Tal mudança mudança de estoque de capital é justamente o investimento. de estoque de capital é justamente o investimento. Os Os mais mais importantes importantes fatores fatores que que influenciam influenciam o o nível nível de de investimentos investimentos são: são: a a taxa real de juros – que por sua vez depende da taxa nominal e da inflação taxa real de juros – que por sua vez depende da taxa nominal e da inflação — —e eo o crescimento crescimento do do produto. produto. A existência da inflação A existência da inflação faz faz nascer nascer dois dois conceitos conceitos de de taxas taxas de de juros: juros: a a primeira é a taxa nominal, que nada mais é do que aquela divulgada pelo primeira é a taxa nominal, que nada mais é do que aquela divulgada pelo comércio comércio e e pelos pelos bancos. bancos. A A segunda segunda é éa a taxa taxa real, real, que que considera considera o o poder poder aquisitivo aquisitivo da da moeda moeda ao ao longo longo do do período período dos dos empréstimos. empréstimos. A A taxa taxa real real é é aproximadamente aproximadamente igual igual à à taxa taxa nominal nominal decrescida decrescida da da taxa taxa de de inflação. inflação. Quanto mais elevada for a taxa de investimento, mais o país poderá Quanto mais elevada for a taxa de investimento, mais o país poderá crescer. crescer. Sem Sem investimento, investimento, não não há há como como obter obter crescimento crescimento econômico econômico durável. durável. Em Em outras outras palavras, palavras, “o “o investimento investimento é éa a alma alma do do crescimento crescimento econômico”. econômico”. 112 C E D E R J AULA O sistema monetário 6 Meta da aula objetivos Descrever o funcionamento básico do sistema monetário. Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1 listar as funções da moeda; 2 analisar o papel dos bancos na circulação da moeda; 3 identificar o papel do Banco Central no controle da oferta do meio circulante. Análise Macroeconômica | O sistema monetário INTRODUÇÃO Não é um pouco estranho ir a uma agência de automóveis, adquirir um tremendo carrão em troca de um cheque (que não deixa de ser um pequeno pedaço de papel)? Ou então depositar uma grande soma em dinheiro e o caixa do banco lhe entregar um minúsculo papel e você ser obrigado a confiar que aquele seja um autêntico recibo? O dinheiro que utilizamos para fazer as transações não são papéis e níqueis especiais que satisfazem a vida material de tantas pessoas? Pois nesta aula você estudará a importância, as características, Piotr Bizior (www.sxc.hu) os tipos e as finalidades da moeda. Figura 6.1: As relações que envolvem a moeda estão dentro de um conjunto de situações a que chamamos sistema monetário. A confiança das pessoas no valor da moeda, no sistema monetário e no sistema bancário é justamente o fator que garante o funcionamento desse sistema. O QUE É MOEDA? Está claro que, em nossa sociedade, indivíduos com muito MOEDA dinheiro são tidos como ricos, ou seja: quanto mais M O E D A S possuírem, É todo meio utilizado pela sociedade para realizar a compra de bens e serviços (ex.: papel-moeda e depósitos nos bancos, também chamados de moeda escritural). mais bens e serviços poderão comprar. Dessa forma, para a economia, a moeda representa o dinheiro e todas as outras formas de pagamento ou recebimento de que dispomos. Os economistas apregoam que a moeda tem três funções: é um intermediário de troca, serve como unidade de conta e funciona como reserva de valor. Dito isso, vamos explicar e evidenciar cada uma dessas três importantes funções. Como intermediário de troca, a moeda transforma as transações em trocas indiretas. Veja: se você trabalha como professor e precisa comprar pão, você não precisa dar uma aula para o padeiro para que ele 114 C E D E R J 6 lhe forneça pão. Ao trabalhar como professor, você será capaz de, com AULA o seu salário, adquirir pão. Se não houvesse a moeda, não haveria essa intermediação de troca; você teria de encontrar um padeiro de desejasse aprender o que você ensina. Com a moeda, portanto, as trocas são indiretas: o professor dá aulas (ou troca aulas por dinheiro) e depois troca dinheiro por pão. É por todos aceitarem o dinheiro que se diz que a moeda é um meio de troca, isto é, a intermediação pode ser também compreendida como a moeda exercendo a função de meio de troca. A função da moeda como unidade de conta deriva do fato de que ela expressa os valores das mercadorias e de todos os ativos em geral pela sua própria unidade. Veja um exemplo: quando você vai a um supermercado, observa o preço do arroz em unidades monetárias (por exemplo, R$ 2,00 por quilo) em vez de, digamos, “meio quilo de alcatra”. Os preços “de tudo” estão em termos da unidade de conta (unidade monetária) da moeda. Esta é, portanto, uma atribuição da moeda: cotar os valores (unidade de conta) em unidades monetárias. Por último, como reserva de valor, a moeda pode ser utilizada em vários períodos de tempo. A pessoa com a posse da moeda pode utilizá-la no futuro. Como assim? Quando você recebe o seu salário em dinheiro, pode guardá-lo para gastar mais tarde. Então, a moeda serve como uma reserva de valor; pode-se transferir o poder de compra do presente para uma outra data no futuro. Você deve observar que o valor da moeda (poder aquisitivo) é inversamente proporcional ao nível de preços. Toda vez que o nível de preços sobe, simultaneamente o valor da moeda é reduzido. E se os preços recuam, o valor da moeda aumenta. Ou seja: M= 1 , P onde M e P representam, respectivamente, o valor da moeda e o nível de preços. Quando há inflação, a quantidade de dinheiro que você mantém no bolso continua a mesma; porém, o poder aquisitivo dela diminui na mesma proporção em que aumentam os preços dos produtos que você consome. Com isso, você já pode entender por que, em períodos de alta C E D E R J 115 Análise Macroeconômica | O sistema monetário inflação, como o que ocorreu no Brasil durante a década de 1980, um país troca de moeda várias vezes. Atividade 1 Vamos pegar um cineminha? 1 Não é novidade que Gerson está de olho em Marinalva. Mas ontem foi diferente: o homem reuniu coragem, livrou-se da timidez e convidou a moça para uma sessão de cinema. Sorte que Marinalva aceitou prontamente. O programa, segundo ele, transcorreu muito bem. Hoje Gerson contou que estão namorando. Agora pense: quais foram as funções da moeda utilizadas nessa situação? Justifique sua resposta. ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada No exato momento da compra dos ingressos, o dinheiro de Gerson atuou como meio de troca. Foi com dinheiro que o rapaz conseguiu os ingressos, percebeu? Talvez, no entanto, antes do convite, dado seu interesse em Marinalva, Gerson tenha procurado saber quanto custava o cinema. Naquele instante, a moeda lhe serviu como unidade de valor (ou conta). Veja: para calcular quanto seria gasto com sua paquera, Gerson precisou utilizar a unidade que lhe serve de referência em todos os momentos em que pretende adquirir um bem ou serviço. Mas há ainda mais: se Gerson guardou um pouco mais de dinheiro, especulando que poderiam ocorrer outras distrações após o cinema, esse dinheiro de reserva serviu à função de reserva de valor. Atividade 2 Moedas brasileiras 1 O Brasil já passou por vários períodos de alta inflação. Em vários meses, a taxa de inflação mensal ultrapassou os 50%, o que já é considerado uma situação de hiperinflação. Diz-se que a inflação destrói as funções da moeda. 116 C E D E R J ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ Resposta Comentada Quando a inflação é muito alta, em primeiro lugar é a função de unidade de reserva da moeda que se deteriora: ninguém vai querer guardar moeda para transações futuras se os preços crescem a cada instante. Nesses casos, as pessoas procuram antecipar as compras e fazer estoques. Esse fenômeno foi percebido naquela época, quando, nos primeiros dias dos meses (quando são pagos os salários), os supermercados andavam lotados, o que contrastava com os corredores às moscas nas últimas semanas do mês. Com a incidência e a elevação persistente da inflação, a referência de preços pela moeda nacional também vai deixando de existir. Saiba que, no Brasil, na época de mais alta inflação, muitas mercadorias foram cotadas em dólar ou até mesmo em títulos do governo, como as chamadas ORTNs (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional). A esse respeito, lembre-se de que, na época próxima ao lançamento do Plano Real (primeiros meses de 1994), havia a URV (Unidade Referencial de Valor), que servia para cotar os preços das mercadorias. Isto quer dizer que se utilizava outro fator para servir de unidade de conta para os preços, e não a moeda propriamente dita. Por fim, se continuasse o ritmo de hiperinflação, seria perfeitamente possível que as pessoas rejeitassem a moeda como meio de troca, pois a assustadora elevação dos preços fatalmente faria com que a moeda perdesse o valor rápida e profundamente. Assim, a inflação é um fenômeno monetário que destrói as funções da moeda. Felizmente, o Brasil (1923) edina.ac.uk/eig parece ter se livrado do tsunami monetário que é a hiperinflação. Figura 6.2: Alguns países, como a Áustria e a Alemanha, passaram por altíssimas taxas de inflação, em certos momentos do século XX. A foto mostra um alemão que, diante da desvalorização do marco após a Primeira Guerra (1914-1918), preferiu forrar as paredes de sua casa com notas a pagar por um papel de parede convencional. C E D E R J 117 6 AULA De posse dessas informações, você seria capaz de responder como e quais funções da moeda são destruídas quando se tem uma inflação demasiadamente alta, como a que ocorreu no Brasil dos anos 1980 e da primeira metade da década de 1990? Justifique sua resposta. Análise Macroeconômica | O sistema monetário QUAIS AS CARACTERÍSTICAS DE UMA MOEDA? Ao longo da história econômica, várias mercadorias foram utilizadas para servir de moeda antes de evoluir para a forma atual. Alguns exemplos são o sal, o gado, o ouro e a prata. Hoje, a moeda disseminada pelo mundo é o papel-moeda. Agora pense: que características essenciais deve possuir a moeda para que ela exerça as suas funções de forma plena? A resposta a que a socidade chegou é clara: a moeda precisa ter durabilidade, aceitação universal e ser de difícil falsificação. Precisa ser durável para que possa ser utilizada ao longo do tempo. Veja como: imagine que você a tenha em mãos, mas que saiba que ela não dura mais de dois meses. Aí estariam comprometidas as funções de meio de troca e reserva de valor. Como reserva de valor, a moeda seria inviável, já que não poderia ser guardada por muito tempo; não serviria também como meio de troca, porque as pessoas que não tivessem planos de utilizá-la em espaço de tempo menor que a sua perecibilidade poderiam não se interessar em recebê-la em uma transação econômica. Esse foi um dos problemas enfrentados quando o gado foi utilizado como moeda: e se ele morresse? Outra característica bastante clara da moeda é que ela precisa ser aceita por todos para que funcione como tal. Isso requer que tenha baixo custo de estocagem e que possa ser utilizada facilmente para pequenas e altas transações. Por exemplo, se a moeda for o gado, como cotar o preço de um chiclete? E depois, como transportar ou guardar várias somas de dinheiro sem que se tenha alto custo? Ou seja: para ter boa aceitação, a moeda precisa ter elevada durabilidade, baixo custo de operação e se mostrar adequada para transações de baixos e altos valores monetários. Por fim, a difícil falsificação é fundamental para a estabilidade do valor da moeda. Isso ocorre porque um volume muito grande de moeda em relação ao produto existente retira-lhe valor e coloca sua existência “em xeque” (na aula sobre inflação, você verá mais questões a esse respeito). 118 C E D E R J AULA 6 AS MOEDAS METÁLICAS E O PAPEL-MOEDA Na época em que o ouro era utilizado como moeda metálica, não havia problemas quanto à questão da aceitação universal deste metal. No entanto, seu valor intrínseco estimulava que as pessoas lhe retirassem um pedaço, antes de se desfazerem dela na hora das transações. Até mesmo o governo lançava mão de políticas de redução do peso do ouro contido na moeda como forma de aumentar a quantidade de moeda em circulação. Outro problema que havia na época é que o transporte de grandes somas em ouro causava um significativo volume de carga, o que facilitava os assaltos e os saques em viagens (lembre-se dos filmes de faroeste, em que os bandidos atacavam as diligências procurando os tesouros). No intuito de evitar tais problemas, evoluiu-se para o papelmoeda. Este último consistia em certificados que correspondiam a determinada quantidade de ouro, ou seja, garantiam sua conversibilidade em ouro (o que se convencionou chamar de lastro). Hoje, o sistema já não funciona assim: a aceitação dessa modalidade de moeda foi tamanha que a conversibilidade com o ouro deixou de existir. No entanto, não pense que essa transição foi natural e espontânea: a aceitação do papelmoeda passou a ocorrer pela força da lei ou por decreto governamental. A partir de um determinado ponto, todos estavam obrigados a receber moeda como forma de pagamento (a título de curiosidade, perceba como sua “veia de cidadania” aumenta quando algum comerciante diz que não aceita cheque ou cartão de débito). Nos dias de hoje, portanto, o papel-moeda não tem qualquer V A L O R INTRÍNSECO. Atualmente, o papel-moeda em circulação é a moeda manual (as cédulas e as moedas). No entanto, isso não esgota o total do que é considerado comumente como moeda. Resta ainda, como já vimos, a VA L O R INTRÍNSECO DA MOEDA A moeda-mercadoria (mercadoria que assume a função de moeda) tem obrigatoriamente valor intrínseco, ou seja, tal mercadoria, mesmo não sendo utilizada como moeda, tem algum valor de troca. Hoje em dia, quando um papel-moeda deixa de existir como moeda, deixa de ter qualquer valor (exceto para os colecionadores). Assim, seu valor intrínseco é zero. O valor extrínseco da moeda, por sua vez, é o poder aquisitivo do seu valor de face (que vem sempre indicado: um real, dez reais etc.). denominada moeda escritural. C E D E R J 119 Análise Macroeconômica | O sistema monetário ? O fim do bimetalismo e a história da “moeda má que expulsa a boa” Em meados do século XVII, o ministro francês Jean-Baptiste Colbert exerceu grande influência sobre o sistema de moeda chamado bimetalismo. Esse sistema significava a existência conjunta da moeda-ouro e da moeda-prata. Como, à época, o ouro tinha maior valorização e atração do que a prata, os indivíduos mantinham guardada a moeda-ouro o máximo de tempo possível, procurando se desfazer apenas da moeda-prata. Isso fez com que houvessse um certo transtorno por falta de moeda suficiente para atender às necessidades de troca. Depois de muito tempo, tal fenômeno foi percebido e reconhecido por Colbert como “moeda má que expulsa a boa”. Assim, extinguiu-se o bimetalismo para dar lugar ao monometalismo (apenas uma moeda metálica). Algo um pouco parecido com “a moeda má que expulsa a boa” ocorre quando o Banco Central lança moedas que a população desaprova ou as cédulas demasiadamente desgastadas ou a ponto de rasgar. As pessoas passam a “livrar-se” delas no primeiro momento em que vão gastar. Quem as recebe procura fazer o mesmo. Perceba que, algumas vezes, dentro de um ônibus, os cobradores procuram encher sua mão de moedinhas e que você torce o nariz ao recebê-las. Provavelmente, você trata de vingar-se, transferindo-as ao cobrador da próxima viagem que fizer. Com um pouco de exagero, pode-se dizer que, no ônibus, “a moeda má expulsa a boa”. A MOEDA ESCRITURAL É fato comum: o comércio aceita em larga escala os cheques como forma de pagamento. Os cheques representam o que você tem guardado DEPÓSITO A em seu banco comercial. Repare: você pode levar toda a sua riqueza em PRAZO uma única folha de cheque, o que, na época da moeda-ouro, teria de ser É aquele em que o cliente só pode resgatar o que depositou após um certo período de tempo estipulado. Por isso rende juros. Os bancos utilizam esse recurso para suas operações de empréstimos e aplicações em títulos. Um exemplo de depósito a prazo é o CDB (Certificado de Depósito Bancário). feito em enormes e pesadas malas. Tal praticidade é o que chamamos de moeda escritural (ou depósitos à vista, como veremos a seguir). O chamado depósito à vista representa o saldo em conta corrente bancária que pode ser utilizado por meio de cheque para pagamentos ou recebimentos. Dessa forma, opõe-se ao que se chama DEPÓSITO A PRAZO. OS BANCOS COMERCIAIS Como você já viu, os cheques representam os valores relativos aos depósitos em conta corrente bancária. São os chamados depósitos à vista. Basta apresentá-los ao caixa, que recebe o papel-moeda, 120 C E D E R J estabelecimento bancário autorizado pela AUTORIDADE MONETÁRIA a receber depósitos à vista. São exemplos: Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Unibanco e tantos outros. A atividade principal de um banco comercial é realizar empréstimos. Os bancos recebem depósitos à vista (e também a prazo) e deixam parte destes guardados sob a forma de reservas (também chamadas de encaixes), precavendo-se de que os clientes que os depositaram possam vir a precisar daquela parcela mantida em reservas. A outra parcela que MONETÁRIA É a instituição designada para supervisionar e regular o sistema monetário ou bancário. No Brasil, o Banco Central exerce o papel de autoridade monetária. se estima que vá ficar sem uso pelos que depositaram é emprestada a terceiros. Estes últimos pagam juros sobre o quanto estão solicitando como empréstimo. Para os bancos, esses juros representam os ganhos brutos com empréstimos. ? Banco Central do Brasil (Bacen) Nosso Banco Central é uma autarquia federal criada em 1964. Até 1985, exercia, juntamente com o Banco do Brasil, as funções de autoridade monetária. A atual Constituição de 1988 assegura ao Bacen a exclusividade de instituição emissora de moeda no país. É possível listar algumas de suas principais funções: 1) Banco dos bancos. O Banco Central empresta aos bancos (o que se chama redesconto de liquidez); 2) Guardião das reservas internacionais. O que o país recebe de moedas estrangeiras (reservas internacionais) é mantido no Bacen; 3) Banco do governo. O governo deposita no Banco Central seus recursos referentes a impostos e taxas (recursos do Tesouro Nacional). O Bacen realiza empréstimos ao governo (nos níveis federal, estadual e municipal) e mantém e opera os títulos do governo; 4) Emissor de moeda (manual e etálica). Os bancos não mantêm em reservas a totalidade do que recebem em depósitos, pois sabem que apenas uma parcela de tudo que é depositado não é movimentada. Grosso modo, podemos dizer que, enquanto um cliente está retirando dinheiro no banco, outros tantos estão depositando. Apenas em raríssimos casos as retiradas serão maiores do que os depósitos. No momento em que o banco empresta para outro C E D E R J 121 6 AUTORIDADE AULA no valor estipulado no cheque. Denomina-se banco comercial todo Análise Macroeconômica | O sistema monetário cliente, há a criação de moeda. Isso ocorre porque o cliente está recebendo moeda e o depositante que deu origem à possibilidade do empréstimo também detém a posse (contábil) da moeda. Esse mecanismo, que será detalhadamente explicado mais adiante, é denominado multiplicação dos meios de pagamento. Em resumo: dados os depósitos bancários, uma parte destes é retida em forma de reservas. Uma outra parte é utilizada como empréstimos, que se converterão em novas formas de meios de pagamento, ou seja, em moeda. Atividade 3 Pensando com a cabeça do banqueiro 2 O Banco Pereira-Silva lançou a seguinte campanha publicitária: Cliente com saldo gordo ganha mais sorrisos e cafezinhos. "O que se passa na cabeça do Sr. Pereira, diretor-presidente" da instituição? ______________________________________________________________________ _______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Resposta Comentada Já vimos que o saldo médio representa a parcela dos recursos depositados pelos clientes que pode ser utilizada pelos bancos, já que fica ociosa na conta corrente. É desses recursos que o banco se utiliza para fazer empréstimos a terceiros – recursos cujos juros representarão, no final das contas, o lucro da instituição bancária. A OFERTA DE MOEDA Compreendidas as características e as funções da moeda e analisados os princípios que regem a atividade bancária, veja agora alguns conceitos que contribuirão para o entendimento dos mecanismos que geram a oferta de moeda em um país. A moeda, que nada mais é do que os meios de pagamento (M), pode ser delimitada como o total do papel-moeda em poder do público (PMPP) mais os depósitos à vista nos bancos comerciais. Ou seja: M = PMPP + DVBC (1) Definindo como Base Monetária (B) o PMPP e o total de reservas mantidas pelos bancos comerciais (R), temos: B = PMPP + R 122 C E D E R J (2) 6 M é um múltiplo de B (DVBC, como já vimos, é bem maior que AULA R). A diferença entre elas é justamente o fenômeno da multiplicação da moeda decorrente das operações de empréstimos bancários. Observe que PMPP é o volume do papel-moeda emitido menos as reservas dos bancos. Biblioteca Franklin Delano/Roosevelt/EUA ? A quebradeira de bancos na crise dos anos 30 (Grande Depressão) e o feriado bancário. Figura 6.3: Crianças posam para a câmera na extinta favela de Hooverville, nascida às margens do rio Hudson, em Nova York, durante o período da Grande Depressão. No século passado, durante a famosa crise mundial que se deu entre o final dos anos 1920 e início dos anos 1930, houve um grande corrida aos bancos americanos. Vários deles quebraram. Os clientes, tomados de pânico pela notícia de que os bancos estavam falidos, resolveram então, todos ao mesmo tempo, transformar seus depósitos em papel-moeda. Mesmo os bancos em boa situação financeira não contiveram os inesperados saques e, por estarem com apenas uma fração dos depósitos (as reservas) em caixa, não tiveram outra saída senão fechar as portas. Este fato serviu de lição para as autoridades monetárias: em momentos de desconfiança geral da população ou de grandes boatos, decreta-se o feriado bancário (os bancos ficam fechados por um período determinado pelo governo, em geral três dias). Dessa forma, procura-se impedir a corrida inesperada e impensada de clientes em busca de seus ativos, o que põe em risco o funcionamento dos bancos. No Brasil, os mais recentes feriados bancários ocorreram por ocasião do Plano Collor (1990) e do Plano Cruzado (1986). Na crise argentina de 2002, também foi decretado feriado bancário. Naquele caso, não podendo entrar nos bancos, fechados por decreto, os argentinos optaram por quebrar as agências. Sim, literalmente. C E D E R J 123 Análise Macroeconômica | O sistema monetário O MULTIPLICADOR DOS MEIOS DE PAGAMENTO O Banco Central, como já vimos, é a instituição que autoriza a emissão de moeda no Brasil. Porém, pelo que foi dito anteriormente, ao emprestar parte dos depósitos que recebem de seus clientes, os bancos comerciais também criam moeda. Esse mecanismo bancário de criação de moeda ocorre porque apenas uma fração dos depósitos é mantida como reservas, emprestando-se o restante. Esses novos empréstimos acabam se transformando em novos depósitos que, pela regra dos bancos de manter apenas uma parcela como reservas, acabam gerando novas rodadas de empréstimos–depósitos–reservas–empréstimos. Ou seja, os bancos criam meios de pagamento adicionais. Isso é o que se conhece como multiplicador bancário ou dos meios de pagamento. Veja como se dá esse processo com um pouco mais de detalhe. Os bancos comerciais possuem três tipos de reservas (ou encaixes) para estarem aptos a responder pelos seus compromissos de guardiões dos depósitos: • encaixes em caixa: são os caixas das agências bancárias. Eles estão lá para atender aos que vão sacar ou trocar os cheques por papel-moeda; • reservas voluntárias: são aquelas mantidas no Banco Central (até 1986 eram mantidas no Banco do Brasil) para fins de compensação de cheques. Toda noite, os cheques de diversos bancos são confrontados. Aqueles que devam pagar mais do que receber podem lançar mão das reservas voluntárias; • reservas compulsórias: por determinação da regulação bancária, o Banco Central estipula obrigatoriamente a retenção de uma porcentagem dos depósitos à vista como encaixes compulsórios, que devem ser recolhidos no Banco Central. Quando anteriormente dissemos que uma parcela dos depósitos é mantida como reservas, estávamos nos referindo a esses três tipos de reservas. Por intermédio de um exemplo, você vai entender o mecanismo da multiplicação dos depósitos que leva à expansão dos meios de pagamento. Um indivíduo vai ao banco e deposita R$ 1.000,00 em sua conta. O banco possui a regra de converter em encaixes totais 20% de tudo que é depositado, emprestando o restante. Dessa forma, são emprestados R$ 800,00 a uma outra pessoa. Esta, por sua vez, deixa depositada a metade desses empréstimos no próprio banco. Uma vez que 20% de depósitos são 124 C E D E R J 6 reservas (20% de R$ 400,00), o banco mantém R$ 80,00 como encaixes AULA e disponibiliza R$ 320,00 para emprestar a um terceiro indivíduo. Este saca imediatamente R$ 120,00 e deixa o restante guardado no banco como depósito. Por fim, o banco efetua o encaixe de R$ 40,00 e empresta R$ 160,00 para alguém que saca todo o empréstimo sob a forma de dinheiro. Veja quanto foi gerado de novos depósitos apenas com essa regra de comportamento de encaixes, empréstimos e clientes do banco. Exemplo de multiplicação dos depósitos bancários (Em R$) Indivíduo Depósitos (DV) Reservas (20% DV) Empréstimos (80% DV) 1º 1.000 200 800 2º 400 80 320 3º 200 40 160 No total das operações com empréstimos, gerados a partir do depósito de R$ 1.000,00, foram contabilizados R$ 1.600,00. Com algumas simplificações a mais, pode-se estabelecer um método de contagem dos depósitos, como se segue: Suponha que a regra e o comportamento dos clientes sejam invariavelmente os mesmos: cada depósito implica 20% de reservas e 80% de empréstimos. Cada empréstimo se transforma em novo depósito (como se o cliente que recebeu o empréstimo abrisse uma conta corrente com o empréstimo). Desse modo, a geração de depósitos seria: Exemplo de multiplicação dos depósitos bancários (Em R$) Indivíduo Depósitos (DV) Reservas (20% DV) Empréstimos (80% DV) 1º 1.000,00 200,00 800,00 2º 800,00 160,00 640,00 3º 640,00 128,00 512,00 4º 512,00 102,40 409,60 5º 409,60 81,92 327,68 6º 327,68 65,53 262,14 ... ... ... ... C E D E R J 125 Análise Macroeconômica | O sistema monetário A soma dos depósitos à vista é o resultado da criação de meios de pagamentos por intermédio dos bancos. O quadro anterior evidencia uma relação de progressão geométrica (PG) de razão (q) igual a 0,8, da seguinte forma (em reais): ∑ DV = 1.000 + 800 + 640 + 512 + 409, 6 + ... DV 1 1.000 1 ∑ DV = 1 − q = 1 − 0, 8 = 1.000 × 0, 2 = 1.000 × 5 = R $5.000 O que essas contas mostram é que os R$ 1.000,00 iniciais possibilitaram uma expansão de depósitos para R$ 5.000,00. Tendo ocorrido o sistema bancário de empréstimos, os depósitos foram multiplicados por cinco, que é o resultado da fração: 1 0, 2 O multiplicador será tanto maior quanto menor for a parcela dos depósitos retidos sob a forma de reservas bancárias. Se as reservas fossem 50% dos DV, o multiplicador seria igual a dois. Então, os R$ 1.000,00 iniciais levariam, com o tempo, a novos depósitos que totalizariam R$ 2.000,00. O entendimento da relação entre reservas e o tamanho do multiplicador dos depósitos (ou dos meios de pagamento) é bastante intuitivo: quanto maiores as reservas, menos recursos o banco terá para emprestar. Por conseqüência, menor será o número e o valor de depósitos adicionais. Se, por exagero, 100% do depósito fosse mantido como encaixe, não haveria o que emprestar e o multiplicador seria 1 (nesse caso, não multiplicaríamos nada). Agora suponha que cada cliente mantenha 10% do que recebe de empréstimos em papel-moeda, deixando o restante sob a forma de depósitos. O quadro a seguir ilustra essa situação: Exemplo de multiplicação dos depósitos bancários 126 C E D E R J (Em R$) Indivíduo Depósitos (DV) Reservas (20% DV) Empréstimos (80% DV) 1º 1.000,00 200,00 800,00 2º 720,00 144,00 576,00 3º 518,40 103,68 414,72 4º 373,24 74,64 298,59 ... ... ... ... AULA 6 Assim, os depósitos teriam a seguinte soma: ∑ DV = 1.000 + 720 + 518, 4 + 373, 24 + ... Dessa soma infinita de termos resulta uma PG de razão 0,72 (basta dividir um termo por outro subseqüente), isto é: 1.000 ∑ DV = 1 − 0, 72 = 1.000 × 3, 51714 = R $3.571, 42 Você pode verificar que o multiplicador bancário diminuiu em comparação com o exemplo anterior (passou de 5 para 3,517). Isso se deve a um vazamento no sistema (que ocorre quando os clientes usam mais papel-moeda do que antes), o que reduz o total de recursos disponíveis para empréstimos bancários. No caso anterior, o multiplicador (m) assume a seguinte expressão (veja a dedução no boxe explicativo): m= 1 (3) 1 − d (1 − r ) onde: d representa a fração dos depósitos em relação ao total dos meios de pagamento (M); r representa as reservas como fração dos depósitos à vista. O que o multiplicador dado pela equação (3) nos diz é que, quanto maior a razão entre depósitos à vista e meios de pagamentos, maior será o multiplicador; e quanto maior a fração das reservas bancárias sobre o que se recebe de depósitos à vista, menor será o multiplicador. Em outras palavras, quanto maior d (relação entre o total dos depósitos em razão do total dos meios de pagamento) e quanto menor r (fração dos depósitos que são retidos em reservas bancárias), maior será o multiplicador dos ? meios de pagamento. A dedução do multiplicador dos meios de pagamento Considerando as equações (1) e (2): M = PMPP + DVBC B = PMPP + R (1) (2) C E D E R J 127 Análise Macroeconômica | O sistema monetário E definindo: c= PMPP proporção dos meios de M pagamento que são papel-moeda; d= DVBC M proporção dos meios de pagamento que são depósitos à vista; R = r DVBC as reservas como uma fração r dos depósitos à vista, Temos: Dividindo ambos os lados de (1) por M 1= PMPP DVBC + =1= c+d M M (4) De (4) em (2) B = cM + rDVBC = (1 – d)M + r dM Observe que R = r DVBC = r dM Colocando M em evidência: B = M (1 – d – rd) O que dá B = M 1 − d (1 − r ) M 1 = =m B 1 − d (1 − r ) (3) O multiplicador (m) representa o quanto os meios de pagamento são mais elevados que o total da base monetária (moeda manual existente na economia). O CONTROLE DA OFERTA DE MOEDA PELO BANCO CENTRAL Já vimos que, por meio de empréstimos, os bancos podem alterar a oferta de moeda em um país. Mas será que o Banco Central (Bacen), como autoridade monetária, não pode controlar a influência dos bancos 128 C E D E R J 6 na questão da oferta de moeda? A resposta é sim. O Bacen exerce tal AULA controle de três modos: Operações de open market (mercado aberto) Open market é a operação em que o Bacen compra ou vende títulos do governo no mercado de títulos. Quando o governo vende um título, como a Letra do Tesouro Nacional (LTN) ou a Obrigação do Tesouro Nacional (OTN), recebe o valor da venda do título em dinheiro, o que retira tal montante de moeda de circulação. Assim, há uma diminuição nos meios de pagamento. De forma inversa, quando compra os títulos do público, está injetando moeda na economia, o que significa aumentar a oferta monetária. Você deve observar que a cada R$ 1,00 colocado na economia (por exemplo, pela compra de título pelo Bacen), se essa importância for totalmente mantida em dinheiro, a oferta monetária irá aumentar em igual valor. Todavia, depositado o dinheiro em um banco, ao longo do tempo, o processo multiplicador dos depósitos elevará a oferta monetária para valores acima dos que foram injetados com a operação de open market. Reservas compulsórias De acordo com o Banco Central, todo banco precisa reservar uma fração dos depósitos que recebe. As reservas compulsórias são a fração das reservas do banco regulamentada pela entidade. Essa fração é definida segundo os interesses de política monetária do país. Por afetar a disponibilidade dos recursos para empréstimos, o valor dessas reservas influencia o multiplicador bancário. Se o Bacen determinar que as reservas compulsórias serão de 0% do DV, haverá grande volume de recursos para empréstimos. Se tal taxa de reservas, por outro lado, for de 100%, os bancos não terão como oferecer empréstimos com os depósitos que recebem em suas agências. É simples, concorda? O Bacen modifica a exigência de reservas compulsórias freqüentemente, em função justamente do controle monetário que visa a estabelecer. Se ele pretender contrair a oferta monetária, pode elevar o recolhimento compulsório das reservas bancárias. Se quiser ampliá-la, pode consegui-lo por meio da diminuição dessa taxa. C E D E R J 129 Análise Macroeconômica | O sistema monetário Taxa de redesconto Ainda que não seja tão freqüente, é possível que, em determinado momento, os bancos se vejam sem moeda suficiente para atender aos saques de seus clientes. Nessa situação de insuficiência eles podem recorrer ao Bacen para receber empréstimos de liquidez. O Bacen os atende, mas cobra uma taxa de juros em função desse empréstimo. Essa taxa é denominada taxa de redesconto de liquidez. A taxa de redesconto é, portanto, a taxa de juros que os bancos têm de pagar ao Bacen quando estão sem liquidez (ou sem moeda suficiente) para atender aos clientes. A taxa de redesconto funciona como um instrumento de controle monetário. Veja por quê: se o Bacen não cobra nada ou muito pouco para socorrer os bancos em momentos de insuficiência de caixa, os bancos terão mais folga para destinar mais recursos oriundos dos depósitos para empréstimos. Afinal, com mais recursos para empréstimos, maior volume de empréstimos e mais juros os bancos receberão. Por outro lado, se o Bacen fixar uma taxa significativamente alta, os bancos assumirão mais cautela na hora de decidir quanto deixam de reservas totais e quanto destina para empréstimos, pois, em situação de baixa liquidez, ficará muito caro recorrer ao Bacen. Portanto, um aumento na taxa de redesconto tende a elevar as reservas bancárias e, assim, a diminuir o multiplicador e os meios de pagamento. Atividade 4 O país em guerra 2 BANCOS: Brasileiros não querem aderir à campanha militar O anúncio sobre o engajamento dos bancos comerciais no esforço de guerra brasileiro fez com que, na tarde de ontem, centenas de milhares de pessoas fossem às agências bancárias e esvaziassem suas contas correntes. 130 C E D E R J 3 6 AULA BC se coloca à disposição O presidente do Banco Central, Gastão da Prata, disse ontem, em entrevista coletiva à imprensa, que a entidade está disposta a enfrentar a crise no sistema financeiro. Segundo Prata, o Bacen deve lançar mão de todos os recursos disponíveis. Agora responda: o que aconteceria com um banco caso todos os seus clientes, em um só tempo, fossem fazer retiradas sobre seus depósitos efetuados? E quais seriam, nas palavras do Sr. Prata, “todos os recursos disponíveis” de que o Banco Central poderia lançar mão, a fim de evitar o pior? Resposta Comentada As corridas repentinas dos clientes aos bancos são motivo de terror para o bom funcionamento dessas empresas. Mesmo que o banco esteja em situação de lucratividade, em circunstâncias assim, ele pode “quebrar”. Isto porque o banco trabalha “alavancado”, ou seja, com parcelas de recursos de terceiros bem maiores do que as de recursos próprios. Sendo assim, o banco não tem liquidez suficiente para atender a todos os clientes ao mesmo tempo. Em uma situação assim, a saída seria fechar as portas ou solicitar ao Banco Central que se decretasse um feriado bancário. Assim, o banco teria tempo para adquirir empréstimos do Banco Central, de fontes externas, ou mesmo para acalmar seus clientes. CONCLUSÃO A moeda é parte integrante e diária da vida das pessoas. Por intermédio dela, fazem-se os pagamentos e recebimentos. Todavia, o valor da moeda está intimamente ligado ao nível de preços dos produtos e serviços. Zelar pelo nível de preços (inflação) é zelar pela sobrevivência da moeda ao longo do tempo. Os bancos comerciais exercem destacada importância no sistema monetário, pois, por intermédio de suas atividades de empréstimos bancários, ampliam a oferta de moeda na economia. O Banco Central, que, no Brasil, exerce a função de autoridade monetária, tem a função de garantir o funcionamento do sistema como um todo. C E D E R J 131 Análise Macroeconômica | O sistema monetário Atividades Finais Dinheiro elástico 1. Segundo o relatório do Banco Central (março de 2005, vol. 7 número 1), os meios de pagamento totalizaram R$ 120,7 bilhões, ao final de fevereiro de 2005. A base monetária alcançou, em igual período, o saldo de R$ 23,6 bilhões. Diante desses dados, de quanto os meios de pagamento aumentariam ao longo do tempo, caso houvesse a transferência de R$ 1,00 de PMPP para deposito à vista? Resposta Comentada O multiplicador bancário ou dos meios de pagamento representa de quanto cada real depositado em um banco comercial irá ampliar a quantidade de moeda na economia. O valor do multiplicador é obtido pela divisão entre os meios de pagamento e a base monetária. Sendo assim: m= M R $120, 7 = = 5,1 B R $23, 6 Ou seja: após um período suficiente de tempo, cada real retirado do bolso (PMPP) e depositado no banco (DVBC) elevaria os meios de pagamento em pouco mais de R$ 5,00. 2. Os bancos comerciais de um país receberam 10 milhões de u.m. em novos depósitos. Por determinação de sua autoridade monetária, eles retêm 10% dos depósitos como reservas totais. Qual será o valor do multiplicador dos meios de pagamento caso todos os indivíduos mantenham seu dinheiro sob forma de depósito à vista? Ao longo do tempo, em quanto irão se alterar os meios de pagamento? 132 C E D E R J 6 Resposta Comentada m= 1 . 1 − d (1 − r ) AULA O multiplicador (m) é dado por: No entanto, dada a hipótese em que os novos depósitos gerados sejam todos convertidos ainda em outros depósitos, como visto na exposição desta aula, o multiplicador assume a expressão: m= 1 , ou seja, m = =10 0,1 Então, como o multiplicador afirma, cada R$ 1,00 depositado gera R$ 10,00. Logo, o acréscimo de R$ 10 milhões irá gerar R$ 100 milhões a mais no total de meios de pagamento. RESUMO Você viu a moeda é um ativo de alta liquidez. Utilizada como meio de pagamento ou de recebimento, possui três funções: intermediária de troca, unidade de conta e reserva de valor. Em geral, a moeda consiste em papelmoeda em poder do público e depósitos à vista nos bancos comerciais. O total de moeda ou meios de pagamento é bem maior do que o total de moeda manual e metálica existente (papel-moeda emitido pelo Bacen). Isso se deve ao multiplicador bancário ou dos meios de pagamento, que consiste na multiplicação dos depósitos por parte dos bancos, o que leva a que o saldo dos meios de pagamento seja maior do que a base monetária (papel moeda emitido). O multiplicador bancário é influenciado pela reservas totais sobre os depósitos. Uma diminuição na fração das reservas sob depósitos diminui o multiplicador, pois sobram mais recursos para os empréstimos bancários. De forma semelhante, quando o público resolve manter moeda sob a forma de depósitos à vista, o multiplicador aumenta. O Banco Central (Bacen) é a instituição que zela pelo funcionamento do sistema monetário. Por isso recebe também o nome de autoridade monetária. Dentre suas atribuições está a função de banco dos bancos (empresta aos bancos) e do governo (depositário dos recursos do Tesouro Nacional) e a de guardião das reservas internacionais. O Bacen controla a oferta de moeda por intermédio de operações de open market, da taxa de redesconto de liquidez e pelo nível das reservas compulsórias que impõe aos bancos comerciais. C E D E R J 133 7 AULA A demanda por moeda Meta da aula objetivos Descrever o processo que leva à demanda por moeda e definir a Teoria Quantitiva da Moeda. Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1 listar os motivos que levam as pessoas a guardar moeda quando poderiam, alternativamente, estar com o dinheiro aplicado; 2 analisar os custos de manter moeda em ambiente de inflação e taxa de juros elevada; 3 estabelecer a relação entre quantidade de moeda e crescimento no nível de preços de uma economia. Análise Macroeconômica | A demanda por moeda INTRODUÇÃO Você acaba de receber a notícia de que ganhou sozinho na loteria. O prêmio, deixado em aplicações financeiras, rende R$ 20 mil mensais. Imagine que, mesmo rico, você queira usar sua riqueza da forma mais lucrativa possível (não quer desperdiçar ou esbanjar). Sendo assim, com toda essa bolada na mão, quanto você retiraria em dinheiro e quanto deixaria em aplicações? Ou seja, quais os fatores que o motivariam a preferir manter sua riqueza em dinheiro, em vez de aplicá-la em títulos que rendam juros? Grande parte desta aula auxilia você a responder perguntas como essa. Na última aula, estudamos o que é moeda e analisamos os mecanismos que geram a oferta de moeda. Agora, para completar nossos estudos sobre o sistema Paul Pasieczny (www.sxc.hu) monetário, abordaremos o processo que leva à demanda por moeda. Figura 7.1: Por que as pessoas querem moeda? Como as famílias se decidem por acumular mais moeda e menos títulos financeiros (ou aplicações)? E como se dá o inverso? A DEMANDA POR MOEDA Admitindo a popularmente conhecida “lei de Gerson” (“é preciso levar vantagem em tudo”), podemos concordar que ninguém quer moeda se pode manter sua riqueza em qualquer aplicação financeira que renda juros. Sendo assim, vamos levantar os fatores que levam à demanda por moeda (ou a que os indivíduos decidam converter seus rendimentos ou na riqueza sob forma de moeda). A teoria monetária (segmento da teoria econômica que estuda as questões relacionadas a moeda, preços e taxa de juros) enfatiza que a demanda por moeda se dá por motivos de transação, precaução e especulação. De início, compreenda que, quando utilizamos a expressão "demanda por moeda", estamos falando sobre quanto de sua riqueza ou renda as pessoas desejam manter sobre a forma de moeda. 136 C E D E R J 7 Por exemplo: imagine que uma pessoa tem como riqueza dois AULA imóveis, um automóvel, uma caderneta de poupança com saldo de R$ 5.000,00 e uma renda mensal de R$ 1.000,00. Se mensalmente ela retira do seu salário R$ 800,00 em dinheiro, podemos dizer que sua demanda por moeda corresponde a esse valor. De outro modo, se essa pessoa resolve vender um apartamento, pois pretende dar a volta ao mundo, naquele período a demanda por moeda terá aumentado em igual valor ao da venda do imóvel, ou seja, a demanda por moeda representa o quanto da riqueza será mantido em moeda em vez de estar alocado em outros ativos (títulos ou imóveis, por exemplo). OS MOTIVOS QUE LEVAM À DEMANDA POR MOEDA Já aprendemos aqui que uma parcela dos rendimentos dos indivíduos é convertida em moeda. Pois agora veremos que essa proporção não é gerada ao acaso. Existem três motivos que levam uma pessoa a demandar moeda. Tratemos agora de cada um deles. O motivo transação No dia em que recebe seu contracheque (comprovante de rendimentos), quanto você pensa em sacar se, por exemplo, sua ida ao banco é apenas semanal? Provavelmente, o primeiro pensamento recairá sobre as contas que terá de pagar (aluguel, mensalidade escolar, taxas de luz), algumas despesas com alimentação e lazer etc. Neste momento, estamos falando de quanto você demandará de moeda por motivo de transações planejadas, isto é, a demanda por moeda compreende um fator chamado motivo transação. Demanda-se moeda pela facilidade que ela proporciona para efetuar transações econômicas. Hoje em dia, com as várias opções de formas de pagamento disponíveis no mercado, essa questão tem uma complexidade um pouco maior: o quanto de moeda será demandado dependerá do seu hábito de utilizar cartões de crédito, caixas automáticos etc. Mas, grosso modo, a demanda por moeda por motivo transação é o montante de moeda suposto como o suficente para efetuar os gastos planejados por um certo período de tempo. C E D E R J 137 Análise Macroeconômica | A demanda por moeda Na aula passada, já vimos que o indivíduo precisa da moeda porque ela é o melhor meio de troca (pelo menos do ponto de vista da aceitação universal). Considerando que as transações dependem positivamente da renda, isto é, quanto maior a renda, maior o nível desejado de transações, podemos dizer que a demanda por moeda depende positivamente do nível de renda. Observe que o quanto se demandará por motivo transacional vai depender da quantidade de transações desejadas. Todavia, as transações são cotadas em preços, e estes podem se alterar. Assim, a demanda por moeda será maior quanto mais os preços das transações se elevarem e viceversa. Portanto, o nível de preços afeta de maneira direta a demanda por moeda. Quanto maiores as transações desejadas pelos indivíduos, maior a demanda por moeda. Por outro lado, quanto menores as transações desejadas pelos indivíduos, menor será a demanda por moeda. O motivo precaução Analisado o motivo transação, saiba que a demanda pode ocorrer também pelo motivo precaução. A demanda por moeda por precaução se dá pela ciência de que fatos imprevistos podem ocorrer. Quando não sabemos com exatidão o que iremos precisar gastar ou mesmo quando iremos receber nossos rendimentos, demandamos alguma quantidade de moeda para fazer frente a essas incertezas. Esse volume de dinheiro é o que chamamos de encaixes (saldos) monetários por motivo de segurança ou precaução. Vale dizer que esses encaixes também dependem do nível de renda. Quanto mais rica for a pessoa (ou maior a empresa), maiores serão os encaixes por motivo de precaução. Agora veja: como a renda é a variável comum aos dois motivos de demanda por moeda, podemos expressar a relação da seguinte forma: Mt+pd = k Y k > 0 (1) onde: Mt+pd representa a demanda por moeda pelo motivo transacional e precaucional Y representa a renda monetária k representa a proporção média da renda que será destinada à retenção de moeda, pelos motivos já vistos. 138 C E D E R J Além dos motivos transação e precaução, perceba que as pessoas podem desejar reter moeda a fim de ESPECULAR POR MOTIVO (aproveitar uma oportunidade de ganhar dinheiro a partir das circunstâncias do momento ou do futuro). Se, por um lado, a moeda não rende juros, por outro é um ativo sem riscos, principalmente em ambiente não-inflacionário (onde há baixa perda de poder aquisitivo ao longo do tempo). Normalmente, para diluir os riscos (“não colocar todos os ovos em uma cesta só”), os indivíduos procuram diversificar suas aplicações. Para que fique mais claro, perceba: se o indivíduo acredita ou percebe que determinado ativo (imagine um imóvel, por exemplo) vai, em algum momento, baixar de preço, ele pode reter moeda para estar apto a aproveitar essa oportunidade. Esse comportamento se refere à demanda por moeda por motivo de especulação, ESPECULAÇÃO Também denominado motivo portfólio, representa a fração dos encaixes monetários (demanda por moeda) que as pessoas retêm com o objetivo de se apropriar de algum ganho futuro na aquisição de títulos financeiros ou com a valorização ou desvalorização de outros ativos (imóveis, automóveis etc.). isto é, à parcela da demanda por moeda que o individuo guarda com objetivo de ser beneficiado por algum ganho futuro. Perceba agora que, quanto maior a taxa de juros das aplicações, menor será a propensão dos indivíduos a manter moeda em vez de adquirir títulos. Assim, a demanda por moeda por motivo de especulação (também denominada motivo portfólio) possui relação inversa com a taxa de juros, ou seja: Mde = h i h < 0 (2) sendo: Mde representa a demanda por moeda especulativa h representa a sensibilidade do mercado diante de um aumento na taxa de juros e vice-versa. i representa taxa média de juros. A equação (2) informa que um aumento na taxa de juros reduz o comportamento de demandar moeda. Já uma redução na taxa de juros ? estimula a procura por moeda. A função da demanda por moeda Ao reunir (agregar) os três motivos pelos quais as pessoas retêm moeda, temos: Md = Mt+pd + Mde d M = ky + h i k > 0 e h < 0 (3) Ou seja: a demanda total por moeda depende positivamente da renda e é afetada de forma inversa pela taxa de juros. C E D E R J 139 7 DEMANDA POR MOEDA AULA O motivo especulação ou portfólio Análise Macroeconômica | A demanda por moeda Atividade 1 Carro a preço de banana 1 a. Suponha que você tenha em casa R$ 5.000,00. Está juntando dinheiro para comprar um automóvel. Em um belo dia, um vizinho bate à sua porta informando que, por estar em uma situação de emergência, oferece seu automóvel, que acabara de comprar por R$ 50 mil. Agora ele aceita vendê-lo em troca dos seus R$ 5 mil. Se você aceitar tal proposta, qual dos três motivos de reter moeda você diria que prevaleceu na sua decisão? ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ b. Por que o caso descrito anteriormente não seria (ou seria?) uma situação de demanda por moeda por motivo especulativo? ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ Resposta Comentada a. O motivo de precaução evidencia a retenção de moeda em nome de imprevistos. Desconsiderando o fato de seu vizinho estar em uma situação de emergência, do ponto de vista estritamente econômico tal situação representaria uma boa oportunidade para você, que fatalmente compraria um automóvel. Portanto, a retenção de moeda se deu por motivo de precaução. b. Você estava com o dinheiro retido em casa e acabou pagando R$ 5.000,00 por um produto que valia dez vezes mais. Logo, você auferiu lucro com o negócio. Ainda assim, esta não é uma situação de motivo especulativo, já que você não imaginou que um dia o seu vizinho bateria à sua porta e lhe faria tal proposta. A DEMANDA POR MOEDA É A DEMANDA POR ENCAIXES REAIS Tecnicamente, diz-se que a demanda por moeda é a demanda por encaixes reais. Veja: as pessoas retêm moeda não pelo seu valor nominal (valor de face ou o valor expresso em unidades monetárias). O que importa, nesse processo, é a demanda real, ou seja, o poder de compra da quantidade de moeda de que se precisa para fazer frente aos 140 C E D E R J reais, estamos dizendo que as pessoas não são acometidas pelo que já MONETÁRIA. Charles Thompson conhecemos como I L U S Ã O Figura 7.2: Sua coleção de notas pode até crescer, mas, caso os preços aumentem junto, você não estará ficando mais rico. Considerando a demanda por encaixes reais, perceba que, caso Ocorre quando as pessoas confundem aumento de variável nominal com aumento de variável real. Por exemplo: se os salários e os preços aumentam em um mesmo montante, as pessoas são iludidas pelo aumento do salário nominal (quanto estão ganhando em moeda). Acham que estão ganhando mais apenas porque seus salários nominais subiram, não percebecendo que os preços subiram na mesma proporção, o que faz com que, no fim, o salário real permaneça o mesmo. não haja variação na renda real, não haverá alteração na demanda por moeda. Incluindo, portanto, a demanda por moeda como a demanda por encaixes reais, a equação (3) assume a seguinte forma: k > 0; h < 0 (4) onde: P representa o nível geral de preços. A equação (4) nos diz que a demanda real por moeda, a demanda pelo poder aquisitivo da moeda, é uma função positivamente relacionada ao nível de renda real e negativamente relacionada à taxa de juros. Os parâmetros k e h expressam, respectivamente, a magnitude com que a renda real e a taxa de juros afetam a demanda por moeda, isto é, uma elevação na renda real deve aumentar a demanda real por moeda em k u.m.; Já uma elevação na taxa de juros deve reduzir a demanda real por moeda em h u.m. Na seção a seguir, vamos estudar uma das questões clássicas mais conhecidas sobre a moeda: a teoria quantitativa da moeda, que estabelece uma relação entre a quantidade de moeda e os valores que terão as transações (ou produtos) que são trocadas por elas em uma economia. C E D E R J 141 7 ILUSÃO MONETÁRIA AULA gastos. Considerando a demanda por moeda como demanda por encaixes Análise Macroeconômica | A demanda por moeda Atividade 2 A equação da demanda 2 Admitindo que a demanda dos indivíduos por moeda assuma a seguinte expressão: M d = 0,6Y - 2i, a. interprete a equação acima. ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ b. Qual seria a equação da demanda por moeda, caso a renda fosse de 1.000 u.m. e a taxa de juros do mercado estivesse na casa dos 15%? Resposta Comentada a. A equação informa que a demanda por moeda depende da renda e da taxa de juros. No caso exposto, uma elevação da renda aumenta a demanda por moeda em 0,6 de cada unidade monetária (u.m.) de renda a mais. Por sua vez, cada ponto percentual a mais de juros diminui em 2 u.m. a demanda por moeda. b. M d = 0,6 x 1000 - 2 x 0,15 M d + 600 - 0,3 = 599,7 u.m. R. John Schuler A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA 142 C E D E R J moeda passa de mão em mão nos negócios em que é utilizada recebe o nome de VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO , ou velocidade-renda da moeda. A maneira mais usual de calcular a circulação da moeda consiste em dividir o PIB nominal pela quantidade de moeda (meios de pagamento). VELOCIDADE DE CIRCULAÇÃO Taxa pela qual a moeda “gira” pela economia em determinado período. Assim, a velocidade de circulação da moeda é dada por: V= PY M (5) onde: V é a velocidade de circulação da moeda; P representa o nível de preços; Y representa o nível da produção agregada ou PIB; M representa a quantidade de moeda no país. Um exemplo pode ajudar a compreender o conceito de velocidaderenda: suponha que um país tenha produzido e consumido 1.000 dúzias de bananas, ao preço de R$ 2,00 por dúzia. Estipulemos que a quantidade de moeda existente era de R$ 100,00. Nesse caso, a velocidade de circulação de moeda (V) seria: V= R$ 2 ×1.000 = 20 100 Isto quer dizer que, com o PIB nominal de R$ 2.000, 00 e um estoque de moeda de R$ 100,00, cada real teve de circular em média vinte vezes para atender às transações que se efetivaram naquele ano. Da equação (5) chega-se facilmente a: M V = P Y (6) A leitura da equação (6) nos diz que a quantidade de moeda multiplicada pela velocidade em que ela circula é exatamente igual ao PIB nominal (produto x quantidade produzida). Agora perceba: se a economia estiver em atividade (ou produção) máxima e se a velocidade de circulação da moeda for constante (V), qualquer aumento na quantidade de moeda elevará os preços na mesma proporção. Uma pequena manipulação algébrica da equação (6) é dada por: M 1 = ×Y P V (7), C E D E R J 143 AULA para fazer pagamentos ou recebimentos? O número de vezes que uma 7 Quantas vezes, no intervalo de um ano, uma nota de real é utilizada Análise Macroeconômica | A demanda por moeda o que pode ser simplificado por: , onde M T+PD = K Y A equação (1) nos diz que a demanda por moeda (motivo transação e precaução) depende positivamente do nível de renda. Observe que o k é o mesmo da equação (1) (Mt+pd = k Y k > 0), ou seja, representa a taxa da renda que será retida sob forma de moeda. O valor de k é dado pelo inverso da velocidade da moeda. Isto quer dizer o seguinte: quando a moeda está com alta velocidade de circulação é porque as pessoas estão retendo pouca quantidade de moeda em razão da renda. Está claro que, quando a inflação está muito elevada, ninguém quer ficar com dinheiro nas mãos, já que a perda de seu poder aquisitivo é grande. Com todos tentando se livrar da moeda, isso significa que a velocidade da moeda está alta. Atividade 3 A batata alemã 1 2 3 Dizem que, durante o período de hiperinflação alemã, o dinheiro era como “batata quente nas mãos das pessoas”. Explique essa expressão, tendo em vista a velocidade da moeda e a relação inversa com a demanda por moeda. _______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Resposta Comentada Quando falamos em hiperinflação, inferimos automaticamente que estamos lidando com um processo de rápida elevação dos preços. Como os preços alemães aumentavam rapidamente, o valor da moeda reduzia-se na mesma intensidade; as pessoas procuravam antecipar os pagamentos, com o propósito de evitar que tais aumentos recaíssem sobre a moeda que já detinham em mão. Dessa forma, ao receber moeda, as pessoas tratavam de se desfazer dela logo, comprando o mais rapidamente possível, antes que o dinheiro perdesse seu poder de compra. Assim, como esse comportamento era estendido a todos, diante de cenário nacional tão terrível, a moeda era tida como “uma batata quente”. 144 C E D E R J AULA 7 ? O monstro da hiperinflação Costuma-se definir como hiperinflação as taxas inflacionárias que alcançam patamares superiores a 50% mensais. Essa taxa, mantida constante ao longo de doze meses (o que se denomina taxa anualizada), equivale a cerca de 1.300%, em termos anuais. Ao longo do século XX, quatro países passaram por ambientes de hiperinflação: Alemanha, Grécia, Hungria e Polônia. A Alemanha atingiu taxa mensal de inflação de 322% (de agosto de 1922 a novembro de 1923); a Hungria, taxas mensais de 19.800% (de agosto de 1945 a 1946); a Polônia chegou a taxas mensais de 81% (de janeiro de 1923 a janeiro de 1924) e a Grécia registrou taxa de 365% entre novembro de 1943 e o início de 1944. A Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) estabelece como hipótese que a velocidade de circulação da moeda é constante (hipótese mais aceitável no curto prazo). Partindo dessa pressuposição, o resultado de uma expansão monetária (aumento na oferta de moeda) depende de a economia estar ou não operando a plena capacidade produtiva. Se a economia estiver com capacidade ociosa zero (recursos plenamente utilizados), a elevação em M causará apenas aumento de preços (ver equação 6). Ou seja: , (7) onde os traços em cima da variável V e Y indicam que elas, por hipótese, mantêm-se constantes. A equação (7) ilustra a versão clássica da Teoria Quantitativa da Moeda, pois está considerando V como constante e a renda e o produto como sendo o pleno emprego dos fatores. Admitindo-se tais hipóteses, mais moeda implica maior nível de preços. Grosso modo, esta é a teoria monetária da inflação: emissão monetária causará tão-somente mais inflação. A explicação intuitiva da TQM é simples: a economia (pessoas, empresas, governo), com mais dinheiro em mão, desejará comprar mais. Como já se está no nível máximo de produção, a pressão da demanda apenas elevaria os preços. C E D E R J 145 Análise Macroeconômica | A demanda por moeda Se relaxarmos um pouco a hipótese de a economia encontrar-se no nível de pleno emprego dos fatores de produção (existe alguma capacidade ociosa), pode-se admitir que a expansão monetária, de alguma maneira, acabe resultando em elevação no nível de preços. Nesses casos, suponha que haja uma estimativa de que a economia vá crescer 5%. Se o governo aceitar uma taxa de inflação de até 10%, de quanto ele teria de expandir a oferta monetária para permitir essas previsões de crescimento econômico? Pela TQM: MV=PY A TQM, em termos de variação, pode ser dada por, aproximadamente: ∆M% = ∆P% + ∆Y % ∆M = 0, 1 + 0, 05 ∆M = 0, 15 Você deve observar que , pois a V é constante por hipótese. Portanto, a oferta monetária deverá crescer 15% para permitir o crescimento econômico de 5%, dada a meta de inflação de 10%. Atividade 4 Você com mais dinheiro na mão 1 2 3 Suponha que o governo coloque mais dinheiro na economia, ou seja, que faça uma expansão monetária (o governo pode fazer a expansão monetária resgatando os títulos que vendeu anteriormente ou comprando ativos do público pagando em moeda). Você conseguiria argumentar como uma expansão monetária poderia aumentar a produção, em vez de apenas gerar inflação? ________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 146 C E D E R J 7 As pessoas que receberam o adicional de moeda irão ao mercado comprar mais bens e serviços. Se os empresários podem atender ao aumento da demanda sem que tenham novos custos e caso estejam com os estoques muito elevados, podem não se sentir estimulados a aproveitar o acréscimo de demanda para aumentar preços. Quanto mais capacidade ociosa e concorrência o mercado tiver, menos estímulos terão os empresários a aumentar preços. Nesse ambiente econômico, é possível que a expansão monetária leve ao crescimento da produção. Essa não foi tão fácil, concorda? Então cabe ressaltar que este ponto constitui-se de um dos infindáveis debates da teoria econômica: a moeda pode ou não elevar a produção? DEMANDA POR MOEDA: TAXA REAL OU NOMINAL DE JUROS? Como vimos, a taxa de juros tem relação inversa com a demanda por moeda. Se a taxa de juros de um título financeiro (caderneta de poupança, CDB etc.) aumenta, será mais vantajoso colocar ali o máximo de dinheiro, visto que serão recebidos os generosos juros de tal aplicação. Assim, a demanda por moeda tende a diminuir. De forma contrária, se a taxa de juros cai, a remuneração dos títulos diminui, de maneira que manter moeda em reserva não representará tanto uma perda. Sabemos que o rendimento real de uma aplicação (título) é a taxa real de juros, ou seja, é o que se ganha em termos de poder de compra com o resultado da aplicação. Seria então a taxa real de juros a componente que afeta a demanda por moeda? A resposta é não. Veja um exemplo: suponha a inflação com taxa mensal constante de 20%. A taxa de juros do CDB apresenta também valor constante, mas de 30% ao mês. Se você manteve R$ 100,00 guardados em sua gaveta durante todo o mês, qual o custo de ter retido essa importância? Em primeiro lugar, cabe verificar a taxa nominal e a taxa real de juros. A taxa nominal é de 30%. A taxa real será a nominal menos a inflação, o que, nesse caso, resulta em 10%. Qual dessas duas taxas influencia a demanda por moeda? Se você tivesse aplicado em CDB, ganharia 10% de taxa real de juros, ou seja, seu poder aquisitivo teria aumentado nesta taxa. Porém, esse não é o C E D E R J 147 AULA Resposta Comentada Análise Macroeconômica | A demanda por moeda custo total de se reter moeda. Se você não aplicou, perdeu o que ganharia com a aplicação e também perdeu o que a moeda se desvalorizou com a inflação. Mesmo que não houvesse qualquer aplicação, você perderia 20% do poder aquisitivo da moeda por tê-la guardada em casa. Assim, a perda que representa o ato de manter moeda é composta por duas parcelas: a taxa real de juros (o que se deixou de ganhar por não ter aplicado) e a desvalorização da moeda no período (a taxa de inflação). Logo, o custo de demandar moeda é composto por: C = r + ∏ (8) sendo: r representa a taxa real de juros; ∏ representa a taxa de inflação; C representa o custo de manter moeda. Lembrando que a taxa real de juros é a taxa nominal descontada a inflação, ou seja: r = i - ∏ (9) e combinando (9) e (8), temos: C=i Ou seja, o custo de reter a moeda é dado pela taxa nominal de juros. A taxa nominal de juros é, portanto, a taxa apropriada que evidencia o custo de manter moeda, quando alternativamente poder-se-ia estar aplicando em títulos. Quando dizemos que quanto maior a taxa de juros menor deverá ser a demanda por moeda e que quanto menor a taxa de juros, maior a demanda por moeda, estamos nos referindo à taxa nominal de juros. 148 C E D E R J 7 AULA Hilary Quinn (www.sxc.hu) ? Dinheiro da noite para o dia No Brasil, no final dos anos 1980, as taxas de juros nominais de aplicações financeiras eram altas tanto por conta da inflação quanto pela própria necessidade de manterem-se juros reais elevados para manter os investidores aplicando nos títulos do governo. Nessa época, as pessoas poderiam aplicar em curtíssimo prazo. Os bancos faziam aplicações ou resgates diários para seus clientes, o que era chamado de aplicações no overnight (aplicações da noite para o dia). Como os juros nominais eram elevados e era possível aplicar e resgatar a qualquer tempo, grande parte da população ia ao banco praticamente todos os dias. Naquela época, manter moeda no bolso era sinônimo de perda diária de riqueza. Como a inflação era muito elevada (chegava a 70% ao mês) e era fácil aplicar e resgatar títulos, a demanda por moeda era muito baixa. Os bancos, então, percebendo que os saldos em conta corrente estavam baixos, passaram a remunerar com juros os depósitos à vista. As taxas nominais eram tão altas que várias pessoas, além de procurar consumir o mínimo possível, até vendiam seus carros para aplicar no “over” (ter o carro era deixar de ganhar os rendimentos que poderiam receber com a sua venda). Esse momento na história econômica recente do Brasil ilustra como a taxa de juros nominal afeta a demanda por moeda. C E D E R J 149 Análise Macroeconômica | A demanda por moeda As cédulas e moedas metálicas em circulação (em poder do público e da rede bancária) na data de 4 de julho de 2005. Cédula - em papel Denominação Quantidade Valor 1,00 593.855.459 593.855.459,00 2,00 312.406.788 624.813.576,00 5,00 238.810.124 1.194.050.620,00 10,00 609.646.294 6.096.462.940,00 20,00 196.677.616 3.933.552.320,00 50,00 783.857.653 39.192.882.650,00 100,00 19.333.125 1.933.312.500,00 Total = 2.754.587.059 R$ 53.568.930.065,00 Moeda – 1ª. família (inox) Denominação Quantidade Valor 0,01 1.977.365.087 19.773.650,87 0,05 1.315.147.298 65.757.364,90 0,10 1.398.022.892 139.802.289,20 0,25 425.920.678 106.480.169,50 0,50 480.162.332 240.081.166,00 1,00 41.466.525 41.466.525,00 Total = 2.754.587.059 R$ 613.361.165,47 Moeda – 2ª. família Denominação Quantidade Valor 0,01 1.168.942.947 11.689.429,47 0,05 1.041.623.481 52.081.174,05 0,10 1.109.644.844 110.964.484,40 0,25 575.521.191 143.880.297,75 0,50 380.834.189 190.417.094,50 1,00 341.181.307 341.181.307,00 Total = 4.617.747.959 R$ 850.213.787,17 Fonte: www.bcb.gov.br Total da moeda circulante (exceto as comemorativas): a soma do total de cada quadro. 150 C E D E R J 7 AULA Endereços de portais sobre os bancos e a moeda: www.ie.ufrj.br/moeda. www.caringi.com.br/aberj/bancos.htm. www.bcb.gov.br/pre/educação/cadernos. CONCLUSÃO Nesta aula, apresentamos os motivos e os custos de manter-se a riqueza em forma de moeda. Você viu que a taxa nominal de juros e a taxa de inflação são importantes elementos na determinação de quanto da riqueza de um indivíduo será mantido em moeda. Uma maior ou menor demanda por moeda implica efeitos de menor ou maior velocidade de circulação da moeda. Você viu: mudanças na quantidade de moeda e/ou na velocidade de circulação na economia podem causar alterações no nível de preços de um país. C E D E R J 151 Análise Macroeconômica | A demanda por moeda Atividades Finais A velocidade da economia brasileira Analise os seguintes dados: a. O Banco Central do Brasil, em seus relatórios sobre o comportamento do sistema monetário, define a velocidade–renda da moeda como a razão entre o PIB acumulado de 12 meses (cotado pelo IGP-DI) e o saldo do total de meios de pagamento. Dessa maneira, é extraída a velocidade-renda mês a mês, de fevereiro de 2002 a fevereiro de 2005, o que é ilustrado pelo gráfico a seguir. Velocidade-renda 20 15 10 5 0 fev/02 ago fev/03 go meses fev/04 ago fev/05 b. Em fevereiro de 2005, o saldo dos meios de pagamento (M) atingiu R$ 120,7 bilhões. Agora, de posse dessas informações, faça uma interpretação da velocidade-renda no Brasil e calcule o valor do PIB nominal no período ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ Resposta Comentada A velocidade-renda dos meios de pagamento no Brasil durante os meses de fevereiro de 2002 a fevereiro de 2005 esteve dentro da faixa de 15 a 20 vezes, o que dá indicações de que o total de moeda existente (tecnicamente denominado agregado monetário) circulou em média de 15 a 20 vezes no decorrer do período estimado (media móvel de 12 meses). Ao final de fevereiro de 2005, a velocidade-renda (V) alcançou 15 vezes. O saldo dos meios de pagamento (M), como já definimos, chegou a R$ 120,7 bilhões. Como a multiplicação entre M e V resulta no PIB nominal, estima-se que este tenha sido de cerca de R$ 1,8 trilhão. 152 C E D E R J 7 A demanda por moeda é justificada por três razões: transação, precaução e especulação. Os motivos de transação e precaução se explicam pelo fato da nãocoincidência e da incerteza entre os recebimentos e os pagamentos dos bens e serviços de que as pessoas necessitam. A demanda por moeda por motivo de transação e precaução depende positivamente do nível de renda. Quanto mais alta a renda, mais elevada será a demanda por moeda, e vice-versa. A demanda por moeda por motivo de especulação é afetada pela relação inversa com a taxa de juros. Quanto mais elevada a taxa de juros, menos as pessoas desejarão reter moeda, pois a retenção de moeda não rende os juros que alternativamente poder-se-iam ganhar, caso a riqueza estivesse concentrada em títulos financeiros. A demanda por moeda é uma demanda por encaixes reais, ou seja, as pessoas não se importam com o valor expresso pela moeda e sim pelo seu poder aquisitivo. Assim, a demanda por moeda não considera o fenômeno da ilusão monetária. A Teoria Quantitativa da Moeda revela que a quantidade de moeda multiplicada pela sua taxa de circulação (velocidade-renda) é igual ao valor das transações ou ao PIB nominal. Essa equação determina que uma expansão na quantidade de moeda, mantida constante a velocidade-renda, implica elevação no nível de preços, aumento na quantidade produzida ou uma combinação dessas duas variáveis. C E D E R J 153 AULA RESUMO Referências Análise Macroeconômica CEDERJ 155 Aula 1 DEU na mídia. Jornal Valor Econômico, São Paulo, p. A14; 18 dez. 2005. FROYEN, Richard T. Macroeconomia. São Paulo: Saraiva, 2001. 635 p. Cap. 1. MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. Rio de Janeiro: Campus, 1999. Cap. 1 . Aula 2 SITES RECOMENDADOS ECONOMIANET: pesquisas e conceito. Disponível em: <www.economiabr.net/ economia>. Acesso em: 18 jul. 2006. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 18 jul. 2006. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 18 jul. 2006. Aula 3 LOPES, Luiz Martins; VASCONCELOS, Marco Antonio Sandoval (Orgs). Manual de macroeconomia: nível básico e intermediário. São Paulo: Atlas, 1988. 388 p. Aula 4 FUSFELD, Daniel. A era do economista. São Paulo: Saraiva, 2001. 356 p. Aula 5 FROYEN, Richard T. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 630p. 156 CEDERJ Aula 6 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br>. Acesso em: 5 jun. 2006. SIMONSEM, Mário Henrique; CYSNE, Rubens Penha. Macroeconomia. 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