A UTILIZAÇÃO DE UM ATLAS GEOGRÁFICO MUNICIPAL PARA A CONSTRUÇÃO E REFLEXÃO DE CONCEITOS BÁSICOS EM GEOGRAFIA Anderson Monteiro Sopelsa1 Cesar De David2 Resumo: Em geografia, assim como nas demais ciências, a compreensão de conceitos básicos torna-se imprescindível no processo de ensino e aprendizagem. Estes conceitos alicerçam o conhecimento, formando o chamado instrumental teórico. A construção deste arcabouço teórico é fundamental para o processo educacional, pois balizará a análise e reflexão dos diversos espaços e contextos geográficos, por mais distantes e abstratos que estes se apresentem. Dada a importância da construção destes conceitos, é essencial encontrar formas de torná-la acessível e exitosa. Neste sentido, trabalhar com a escala local, ou seja, o lugar percebido e vivenciado pelo educando é fundamental. O lugar é real, palpável, passível de observação direta, tornando-se assim um enorme e inesgotável recurso didático. Com o estudo e a reflexão desta realidade, deste espaço cotidiano, adquire-se o supracitado instrumental teórico necessário à compreensão de outros espaços. Algumas visitas a escolas e entrevistas com os professores da rede de ensino de Gramado Xavier - RS, alertaram para a enorme carência de instrumentos didáticos geográficos voltados ao lugar, essenciais na formação dos educandos, pois trabalham com o concreto e servem de ponte para o estudo global. Este pequeno e recente município, localizado na Microrregião de Santa Cruz do Sul, possui características predominantemente rurais, tendo na agricultura seu motor econômico. Esta realidade, compartilhada com a maioria dos municípios gaúchos, demanda uma educação que ensine e reflita o espaço rural, ou seja, que se utilize da riqueza de elementos que a relação sociedade-natureza nos oferece. Esta constatação motivou a construção de um Atlas geográfico totalmente voltado à realidade municipal, denotando diversos temas e buscando assim aproximar o estudo de geografia à realidade dos alunos. Deste modo, busca-se auxiliar a construção e reflexão dos conceitos básicos em geografia, tornando o educando conhecedor e consciente do espaço do qual é produto e produtor. Palavras-chave: Ensino\aprendizagem. Geografia. Atlas escolar. 1 2 Acadêmico do Curso de Geografia – Licenciatura/CCNE/UFSM – Autor; E-mail: [email protected] Prof. Adjunto do Depto de Geociências/CCNE/UFSM - Orientador 2 Introdução Em geografia, assim como nas demais ciências, a compreensão de conceitos básicos torna-se imprescindível no processo de ensino e aprendizagem. Estes conceitos alicerçam o conhecimento, formando o chamado instrumental teórico. A construção deste arcabouço teórico é fundamental para o processo educacional, pois balizará a análise e reflexão dos diversos espaços e contextos geográficos, por mais distantes e abstratos que estes se apresentem. Desta maneira, dada a importância da construção destes conceitos básicos, torna-se fundamental encontrar formas de torná-la acessível e exitosa. A escala de estudo, por exemplo, é determinante na formulação destes conceitos. Trabalhar com a escala local, ou seja, o lugar percebido e vivenciado pelo educando é determinante neste processo. O lugar é real, palpável, passível de observação direta, tornando-se assim um enorme e inesgotável recurso didático. Com o estudo e a reflexão desta realidade, deste espaço cotidiano, adquire-se o supracitado instrumental teórico necessário à compreensão de outros espaços. Os recursos didáticos possuem importância capital na construção destes conceitos, pois em muitos casos além de ilustrar e auxiliar, eles norteiam o processo educacional. Ressalta-se assim, o pressuposto básico de que a educação deve estar em sintonia com a realidade vivida pelo educando, ou seja, não se pode, por exemplo, estudar em uma escola rural utilizando-se unicamente de livros e recursos didáticos voltados à realidade urbana. A escassez de recursos voltados à realidade local dificulta o processo de ensino e aprendizagem, pois não se reconhecem as diferentes demandas de cada realidade educacional e assim distancia-se a escola da vida. Algumas visitas a escolas e entrevistas com os professores da rede de ensino de Gramado Xavier, Rio Grande do Sul, alertaram para a enorme carência de instrumentos didáticos geográficos voltados ao lugar, essenciais na formação dos educandos, pois trabalham com o concreto e servem de ponte para o estudo global. Este pequeno e recente município, localizado na Microrregião de Santa Cruz do Sul, possui características predominantemente rurais, tendo na agricultura seu motor econômico. Esta realidade, compartilhada com a maioria dos municípios gaúchos, demanda uma educação que ensine e reflita o espaço rural, ou seja, que se utilize da riqueza de elementos que a relação sociedadenatureza nos oferece. A utilização de um Atlas escolar totalmente voltado à realidade municipal, denotando sua cobertura vegetal, seus recursos hídricos, sua estrutura populacional, seus problemas 3 ambientais, para citar alguns exemplos, aproxima o estudo de geografia à realidade do aluno. Desta maneira, torna-se mais compreensível o tema estudado e, por conseguinte, mais acessível a construção e a reflexão dos conceitos básicos a esta ciência. O estudo do lugar torna mais fácil a compreensão das relações sociais e da dinâmica espacial, pois estas se desenvolvem numa escala vivenciada pelo aluno. A constatação da escassez de recursos didáticos voltados a realidade local, motivou a construção de um Atlas Geográfico Municipal. Neste contexto, este artigo visa apontar os resultados parciais da experiência obtida com a construção – em andamento – do Atlas Geográfico Municipal, direcionado ao ensino fundamental e médio, buscando atender as demandas locais. Bases teóricas A geografia constitui-se numa ciência fundamental para a reflexão e o entendimento da realidade na qual se está inserido. Desta maneira, ela auxilia o educando na compreensão do seu espaço, ajudando-o a construir conceitos, sistematizar seus conhecimentos e a assimilar os produtos científicos da humanidade (Souza, 2001, p.33). Neste sentido, a utilização da cartografia tem importância basal, pois possui uma função intrínseca à ciência geográfica, ou seja, é capaz de fazer interagir os fenômenos com seu espaço de ocorrência, contribuindo para o estudo da dinâmica espacial. Neste contexto, Souza acrescenta que: [...] o entendimento do mapa como meio de comunicação de diversas realidades territorializadas ou como linguagem utilizada no ensino de Geografia pode também auxiliar em nossa reflexão sobre a função deste último, que seria a compreensão do espaço geográfico ou [...] o entendimento e desvelamento da lógica da distribuição e diferencialidade territorial dos fenômenos (2001, p.123). Dada a importância, anteriormente citada, da cartografia para o estudo de geografia, deve-se conceituar o termo e, para tanto, utilizar-se-á a definição da Associação Cartográfica Internacional, datada de 1966, e posteriormente ratificada pela UNESCO: a cartografia apresenta-se como o conjunto de estudos e operações científicas, técnicas e artísticas, que tendo por base os resultados de observações diretas ou da análise de documentação se voltam para a elaboração de mapas, cartas e outras formas de expressão ou 4 representação de objetos, elementos, fenômenos e ambientes físicos e socioeconômicos, bem como a sua utilização. Em uma outra definição, aproximando a cartografia de seu vínculo geográfico das relações sociais articuladas à natureza, o cartógrafo russo Salichtchev (1988, p.22) cita esta como a “Ciência que retrata e investiga a distribuição espacial dos fenômenos naturais e culturais, suas relações e suas mudanças através do tempo, por meio de representações cartográficas [...]”, ou seja, nesta definição a cartografia torna-se além de um instrumento de representação, ou retratação, do espaço, uma ciência preocupada com a investigação da dinâmica espacial. Nos Atlas Geográficos são utilizados largamente os mapas temáticos, que têm a finalidade de comunicar, através de uma simbologia apropriada, determinados fenômenos naturais e sociais em um dado espaço. Estes mapas possuem uma variada gama de utilidades no ensino da geografia, pois portam uma incrível capacidade de comunicação, sintetização de informações, espacialização de dados, etc. Desta maneira, servem como ferramenta para o aluno compreender e refletir o seu espaço, a sua realidade, visto que “a representação do espaço através de mapas permite ao aluno atingir uma nova organização estrutural de sua atividade prática e da concepção do espaço” (Almeida; Passini, 1989, p.15). O Atlas Geográfico trabalha diretamente com o espaço e sua dinâmica. O objeto de estudo primordial da geografia é o espaço, pois este é componente das sociedades, ou seja, “o espaço não é uma extensão preexistente, mas sim constituído pelas coisas. Cada elemento tem um valor relacionado a outros elementos. Assim as coisas não estão no espaço, mas são elas mesmas, espaço” (Fonseca; Oliva, 2004, p.72). O pertencimento ao espaço torna significativo e facilita a efetivação do seu estudo e reflexão, principalmente no âmbito escolar. A identidade e a dimensão de pertencimento se dão através dos vínculos afetivos que ligam as pessoas aos lugares, às paisagens. Desta maneira, faz com que nos sintamos parte do espaço no qual estamos inseridos, pois a construção deste é a nossa própria história, nossos hábitos, nossos usos, ou seja, nossa cultura. (Callai, 2000, p.84). A construção e reconstrução do espaço a partir do trabalho produz um espaço descontínuo, caracterizado por suas nuances, ou seja, produzido a partir de diferentes técnicas, em diferentes tempos, gerando, por conseguinte, diferentes espaços. Contudo, estes, de maneira alguma, estão desvinculados, pelo contrário, fazem parte de uma imensa rede em interação. Assim, de acordo com Santos (1997, p.5), apesar da totalidade espacial, o estudo do 5 espaço fragmentado possibilita uma análise parcial, de cunho didático, que permite sua compreensão mais aprofundada, remetendo-se posteriormente a reconstituição daquela totalidade. O estudo do lugar aborda a realidade vivida do educando, portanto trabalha com seu espaço concreto. Assim, Callai (2000, p. 83) cita que a geografia deixa de tratar apenas com fenômenos distantes, que ocorrem a redor do mundo e escapam a cotidianidade do educando, passando a trabalhar temas que ocorrem em seu lugar vivenciado, vinculando-os assim a outras escalas de análise. Nesse sentido, o estudo do lugar se faz significativo uma vez que trabalha com a dimensão de pertencimento, com a identificação do aluno perante seu espaço de ação. Contudo, isto não significa ignorar outras escalas de análise, pelo contrário: Cada fenômeno estudado deve considerar sempre que tal como ele se apresenta não esgota todas as possibilidades de explicações. Muitas vezes, a explicação de algo muito próximo está distante noutro nível de escala. Portanto, ao estudar o local, não se pode perder de vista o regional, o nacional e o mundial. Este movimento faz da análise de qualquer fenômeno, ou mesmo de algum espaço, a diferenciação necessária e a amplitude de tratamento das questões. Supera-se a simples descrição e o tratamento simplório, ao buscar referências maiores que permitam entender o fenômeno em uma distância que é a própria vida. (Callai, 1998, p.74) Neste contexto, o trânsito entre escalas – local/global – deve estar inserido na prática educacional, pois possibilita a reflexão e a construção efetiva dos almejados conceitos básicos. A globalização e a conseqüente amplificação das trocas a nível mundial, facilitada por incrementos nos transportes e comunicações, tornou o mundo mais dinâmico e interdependente. Deste modo, para se entender um espaço próximo devemos observar suas relações com outros espaços, em diferentes escalas. Assim, o aluno, analisando o espaço local, o concreto, terá condições de refletir, de construir conceitos e assimilar a interdependência dos lugares (Almeida; Passini, 1989, p.12-13). Conforme o exposto, o estudo do município, como a menor unidade políticoadministrativa, facilita e dinamiza o estudo do lugar. O município encerra condições para se compreender localmente relações que se dão a nível global, ou seja, será possível a partir dele refletir como os homens se organizam, como se apropriam da natureza, como se relacionam entre si e com outros lugares, quais os fluxos externos têm influência local, etc. Portanto, este 6 local estudado deve ser entendido como uma pequena parte do mundo, afinal o global é uma imensa trama de locais inter-relacionados. O espaço de ação do educando é o município e, por conseguinte ele deve conhecê-lo. Neste sentido Callai conclui que: Estudar o município tem pelo menos duas vantagens: o aluno tem condições de reconhecer-se como cidadão em uma realidade que é sua vida concreta, apropriando-se das informações e compreendendo como se dão as relações sociais e a construção do espaço. A outra vantagem é pedagógica, pois, ao estudar algo que é vivenciado pelo aluno, são muito maiores as chances de sucesso, de se tornar um aprendizado mais conseqüente. (1988, p.75) Conforme o citado acima, o estudo do município é capaz de conduzir o aluno a reconhecer-se como cidadão, como parte integrante da sociedade na qual está inserido. Isto é fundamental para a efetiva formação do aluno consciente e crítico. Os assuntos do cotidiano, do espaço vivido pelo aluno, impedem que o estudo da geografia caia na abstração. Portanto, para o efetivo exercício da cidadania devemos conhecer e entender a realidade na qual estamos inseridos, ou seja: a local. Assim, “somos cidadãos brasileiros, mas agimos, exercemos nossa cidadania no lugar em que vivemos, no município, que é em geral o nível local e é nele que nos conhecemos, trabalhamos, vivemos” (Callai, 1998, p.75). Baseado nisso, ao perceber o espaço cotidiano, estamos construindo um conhecimento concreto, pois de acordo com Santos: O ato de perceber ultrapassa os sentidos e ganha a razão. É assim que se opera a metamorfose do sensorial, mudado em conhecimento. Este se alimenta da relação entre sujeito e objeto, relação em que este, permanecendo o que é e interagindo com o sujeito, contribui para que, nessa interação, o sujeito evolua. É nessa mesma evolução que permite revisitar o objeto, vendo-o de forma nova, despojando-o dos símbolos que escondem a sua realidade profunda. É a vitória da individualidade, da individualidade forte que ultrapassa a barreira das práxis repetitivas e se instala em uma práxis libertadora (1998, p.52). Desta maneira, fica evidente a importância do efetivo estudo do município, como a realidade do lugar do educando, sendo que este estudo propiciará o entendimento de uma lógica muito mais complexa e abstrata: o espaço global. 7 A metodologia A utilização de um Atlas Geográfico Municipal como material de apoio à reflexão e construção de conceitos em geografia, mostra-se bastante oportuna quando em consonância com o método dialético. Este método torna-se importante uma vez que concebe mundo, e, por conseguinte a trama de espaços locais, como inacabado, como dinâmico, em constante processo de transformação, portanto, a representação desse espaço, além de seu caráter parcial, também se mostra momentânea. A dialética, neste caso, é usual por tratar os elementos da realidade como partes interdependentes de um todo, organizados de tal forma que uma ação não acontece isolada, pelo contrário, influencia-os reciprocamente em diferentes níveis. Em um Atlas analisam-se diferentes temas como hidrografia, relevo e agricultura, contudo não se pode perder de vista sua conexão essencial aos elementos do meio ao qual estão inseridos. Deve-se sim, priorizar as formas de análise integrada, bem como seu caráter transitório, ou seja, de constante transformação. A idéia de produção de um Atlas Geográfico de Gramado Xavier iniciou-se a partir das entrevistas e da constatação da escassez de recursos didáticos geográficos voltados a realidade local. Desta maneira, começou-se a construção a partir da busca de materiais e do levantamento de dados referentes às mais diversas áreas do município, como por exemplo, a agricultura, o relevo e a saúde. Conjuntamente, foram elaborados os materiais cartográficos, ressaltando-se temas locais e utilizando-se, além dos mapas, alguns gráficos, textos e fotografias (feitas durante as diversas saídas a campo realizadas no município). Com a elaboração de alguns temas, foram sendo feitas avaliações junto a alguns professores e a comunidade do município. O projeto será finalizado com a publicação do Atlas e sua distribuição nas escolas municipais. Também serão realizados alguns encontros com os professores a fim de sugerir algumas formas de utilização do material produzido em sala de aula. Desenvolvimento do projeto O desenvolvimento do projeto iniciou-se em setembro de 2005. Passado quase um ano, já se efetivou muito do que foi inicialmente proposto. Neste período, foram consultadas diversas bibliografias, a fim de formar o referencial teórico necessário. Contudo, neste momento inicial constatou-se uma enorme escassez de bibliografias específicas, tendo que se recorrer às mais abrangentes, principalmente as que enfocam a realidade regional. Também se 8 constatou, a partir de visitas às escolas e entrevistas com os professores, a escassez quase total de materiais cartográficos, principalmente voltados à realidade local, sendo que os existentes em algumas escolas reduzem-se a mapas incompletos e reproduzidos em mimeógrafo. Esta realidade torna-se preocupante quando se observa que muitos dos recursos utilizados são voltados a outros espaços, totalmente distintos daquele vivenciado pelo educando. As entrevistas acima citadas foram fundamentais para o esclarecimento da situação do ensino do lugar no município. Gramado Xavier possui 18 escolas, sendo uma estadual e o restante municipal, nelas estudam 948 alunos. A escola estadual, localizada na zona urbana, é a única com ensino médio. As escolas municipais localizam-se no interior do município, geralmente nas sedes das localidades, junto à igreja e ao salão comunitário. Estes dados evidenciam a configuração essencialmente rural do município, que possui em sua zona urbana apenas 382 habitantes (IBGE, 2000). Esta configuração espacial local deve ser o ponto de partida para a objetivada construção e reflexão dos conceitos básicos em geografia. Neste caso, o Atlas municipal apresenta-se como o instrumento, o recurso que, simbolicamente, representa este espaço de ação. Nas séries iniciais do ensino fundamental, além dos professores lecionarem todas as disciplinas, é freqüente, nas escolas municipais, reunir os alunos em uma mesma sala, o sistema multiseriado. Esta é uma realidade bastante freqüente no município, onde predominam as escolas rurais que, apesar de bem distribuídas no território, não possuem número suficiente de alunos para individualizar as séries. Foi constatado também que a formação dos professores é bastante variada e que poucos dos que lecionam geografia (estudos sociais, nas séries iniciais) possuem esta formação. Este fato evidencia a necessidade de recursos didáticos específicos à realidade municipal. Com estes instrumentos tornar-se-ia mais fácil a busca por temas a serem tratados e o desenvolvimento de atividades com os educandos, já que estes, segundo os professores entrevistados, possuem um elevado interesse por temas locais. A geografia do lugar, ou seja, do município, é abordada na terceira série do ensino fundamental e retomada na quinta. Além destas séries, alguns professores afirmaram trabalhar o lugar cotidianamente, recorrendo a exemplos, debatendo fatos, esclarecendo fenômenos, etc. A utilização do lugar como base da reflexão geográfica, como já foi citado, é essencial na construção do instrumental teórico e sua recorrência nos diversos assuntos trabalhados demonstra, na prática, um dos pressupostos do processo de ensino e aprendizagem da geografia, que seria a transição local/global e global/local, necessária ao entendimento das diversas realidades como integradas e interdependentes. 9 Os recursos cartográficos existentes nas escolas do município reduzem-se ao mapa setorial, ao mapa hidrográfico, ao mapa de relevo, a planta urbana e a um pequeno histórico somado a alguns dados de população. Cabe ressaltar que estes são todos os recursos citados pelos professores durante as entrevistas, sendo que muitos deles possuem apenas um ou dois destes instrumentos. Quanto aos temas abordados no estudo do município, notou-se uma concentração nos temas físicos, ficando os humanos geralmente em segundo plano. Alguns dos temas tratados são, por exemplo, localização, orientação, hidrografia, relevo e escala. Quanto à cartografia do lugar, alguns professores afirmaram que inicialmente a abordam através de atividades em que o aluno assume o papel de mapeador, e posteriormente, de leitor do seu espaço cotidiano. Neste processo, o aluno mapeia a sala de aula, a sua casa e o caminho dela até a escola. Este tipo de atividade, como já foi salientado, é muito importante. Contudo, nota-se a dificuldade de vincular-se este lugar mapeado e vivenciado, ao contexto municipal ou regional devido à escassez de materiais cartográficos apropriados. Segundo alguns professores, os recursos existentes no município encontram-se bastante fracionados, não havendo uma organização ou sistematização dos mesmos. A escassez de recursos didáticos constatada, e acima relatada, motivou a construção de um Atlas Geográfico Municipal, como um instrumento auxiliar de mediação entre o educando, seu espaço e a ciência. A produção do Atlas iniciou-se com a confecção do mapa base digital, obtido a partir de Cartas Topográficas do Exército Brasileiro. Este procedimento possibilitou e possibilita a construção de inúmeros mapas temáticos, como por exemplo, mapa hidrográfico, mapa das vias e o mapa dos setores. Na seqüência iniciaram-se as saídas a campo e o levantamento de dados. Nas saídas de campo percorreu-se boa parte dos 400 km de estradas do município, a fim de se observar a paisagem, tirar fotografias e conversar com os habitantes das comunidades. Esta atividade foi muito valiosa, pois possibilitou o contato com a realidade local, expressa na sua natureza, na sua gente, nos seus costumes, nos seus hábitos, etc. O levantamento de dados foi efetivado através de visitas às secretarias municipais, escolas, igrejas, sindicatos e diversas outras instituições, que foram fundamentais no fornecimento de dados acerca dos temas municipais. Os dados obtidos através dos trabalhos relatados acima permitiram o início da elaboração do Atlas. A organização dos temas a serem abordados, bem como os principais dados a serem inseridos, foi elaborada previamente, antes mesmo da obtenção destes. Desta maneira, com os dados em mãos, iniciou-se a construção do Atlas. Primeiramente foi elaborado o tema localização, onde o município de Gramado Xavier foi localizado no contexto regional, nacional, americano e mundial. Nesta seção também foram demonstrados 10 os diferentes agrupamentos regionais nos quais Gramado Xavier esta inserido, como o Conselho Regional de Desenvolvimento (COREDE), por exemplo. Juntamente com os mapas, foram inseridos textos didáticos que auxiliam na compreensão do tema. O segundo tema abordado foi a formação ou ocupação e humanização do território de Gramado Xavier, onde esta foi relatada desde os primeiros indígenas a habitarem o território, passando pela chegada dos colonos até os dias atuais, dando-se ênfase à formação do município. Para esta seção foram utilizados fotos e mapas que recontam a história do município. Os temas posteriores, já elaborados, consistem em hidrografia, relevo, clima e vegetação. Estes temas formam abordados de maneira a incentivar a consciência ambiental nos educandos e a necessidade de entenderem o meio ambiente como recurso essencial a nossa vida. Outro ponto importante na abordagem destes temas foi a tentativa de humanizálos, pois eles são tradicionalmente entendidos como físicos e até mesmo são abordados de maneira desconexa aos temas humanos. A construção do Atlas encontra-se agora na parte em que serão abordados temas como população, saneamento básico, religião, saúde, educação, órgãos públicos, economia, cultura e espaços de circulação. Os dados para a elaboração desta parte já foram levantados e também já foi feita a estruturação básica dos temas. Depois de elaborados, os temas foram apresentados no município. Eles foram impressos e apresentados a professores, alunos e a indivíduos da comunidade, que avaliaram o material e teceram sugestões. Neste momento foram feitas críticas muito importantes que acabaram por inserir novos elementos a idéia inicial, aproximando o trabalho dos anseios da sociedade local. Até o momento, a repercussão foi bastante positiva, e o trabalho é visto pelos professores como muito importante, pois auxiliará no ensino e na aprendizagem do espaço local. Considerações finais A constatação da escassez de instrumentos didáticos que tratam da geografia do lugar, aliada a falta de formação geográfica da maioria dos professores das séries iniciais, colocou o estudo do lugar no município de Gramado Xavier em situação delicada. Contudo, durante as entrevistas observou-se que os professores demonstram um grande interesse em trabalhar os temas do lugar, mas reclamam da falta de recursos didáticos específicos. Desta forma, a construção de um Atlas Geográfico voltado à realidade local surgiu como uma alternativa pertinente e que sem dúvidas acrescentaria muito para o estudo e reflexão do espaço local na rede de ensino de Gramado Xavier. A idéia foi apresentada a 11 alguns professores do município, que a acharam bastante interessante. Posteriormente, desenvolveu-se o projeto e partiu-se para a elaboração da pesquisa. Os resultados até o momento têm sido bastante positivos. Os fragmentos do futuro Atlas têm sido apresentados não só aos professores e alunos, mas também a comunidade em geral, que tem contribuído com sugestões e opiniões, sempre demonstrando um saudável interesse pelo tema. Referências bibliográficas ALMEIDA, R. D. de; PASSINI, E. Y. O espaço geográfico: ensino e representação. São Paulo: Contexto, 1989. 90p. (Repensando o ensino). CALLAI, H. C.; ZARTH, P. A. O estudo do município e o Ensino de História e Geografia. Ijuí, RS: Livraria Unijuí Editora, 1988. _____. O lugar na Geografia e as monografias municipais. In: SCHÄFFER, N. O. Ensinar e aprender geografia. Porto Alegre: Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre, 1998. p. 65-77. _____. Estudar o lugar para compreender o mundo. In: CASTROGIOVANNI, A. C. (Org). Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotidiano. 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