V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil LARINGOTRAQUEÍTE INFECCIOSA: SITUAÇÃO BRASILEIRA Nair Massako Katayama Ito 1,2, Claudio Issamu Miyaji1,2, Eduardo de Albuquerque Lima2, Sandra Okabayashi2 2 1Drs. Universidade Santo Amaro - UNISA Drs. SPAVE - Consultoria em Produção e Saúde Animal Ltda Rua: Alvarenga Peixoto, 466, Lapa São Paulo - SP Cep. 05095 - 010 Fone/ Fax: (011) 3831-2984/ 3836-6398 e-mail: [email protected] Introdução Um ano após a confirmação da ocorrência da laringotraqueíte infecciosa das galinhas (LTI) na região de Bastos, Estado de São Paulo (doc. SPAVE de 10/03/2003) e contraprovas realizadas pelo LARA/SP iniciadas em 30/12/2002, ainda não temos dados oficiais sobre a situação do problema no Brasil. Na realidade, não se pode ignorar que não é a primeira vez que a LTI é diagnosticada no país. Na década de 1970 o vírus da LTI (VLTI) foi isolado pela primeira vez de galinhas com doença respiratória que também estavam infectadas com o vírus da doença de Newcastle (Hipólito et al, 1974; Soares, 1977). O vírus isolado (amostra LT 1543) foi classificado como um vírus de baixa patogenicidade, pouco virulento, causando doença subclínica em pintos de corte (Soares, 1977; Soares, Pereira & Hipólito, 1980). O primeiro caso de LTI na forma clínica epizoótica severa foi diagnosticado no Rio de Janeiro em 1981 e em julho de 1982: poedeiras comerciais de 10 meses de idade apresentaram queda de produção (6%) e mortalidade de 5,5% (Araújo et al, 1982a,b). Segundo resultados sorológicos de Vargas (2001), a LTI estaria ocorrendo de forma endêmica e subclínica em frangos de corte e poedeiras comerciais do Rio Grande do Sul, ou possivelmente, estaria subdiagnosticado em todo o país. Recentemente o VLTI foi detectado em poedeiras comerciais (Beltrão et al, 2002; Ito et al, 2003) e em frangos de corte (Beltrão et al, 2004). A LTI pode estar subdiagnosticada no país por inúmeras razões por exemplo, devido a: excessivo direcionamento clínico no diagnóstico das doenças respiratórias que acometem as aves. falta de conhecimento sobre as formas clínicas, relações epidemiológicas e respostas hospedeiro versus parasita que o VLTI induz. um diagnóstico preciso para doenças respiratórias depende de um trabalho multidisciplinar que inclua clínicos, microbiologistas, patologistas e parasitologistas. 107 V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil Excessivo direcionamento clínico: De um modo geral, quando da ocorrência de doença respiratória nas aves, não são efetuados exames anatomopatológicos. Por exemplo, quando uma poedeira ou reprodutora apresenta um quadro respiratório, é dado um diagnóstico clínico para coriza infecciosa, bronquite infecciosa, micoplasma, colibacilose ou pneumovirose (cabeça inchada), o lote é medicado e o soro coletado para realização, invariavelmente, de provas para detecção de anticorpos contra micoplasmas, vírus da bronquite e pneumovírus e, eventualmente, feito um exame microbiológico. Em caso de frangos de corte, de um modo geral, os lotes são medicados para E. coli, é realizado um exame sorológico principalmente para bronquite infecciosa (eventualmente penumovírus) e invariavelmente o diagnóstico é direcionado para doença de Gumboro, como se negássemos que doenças respiratórias são causadas por patógenos primários ou têm etiologia múltipla, independentemente de estarem imunossuprimidos. Falta de conhecimento sobre a LTI O VLTI é um Herpesvírus do sorotipo 3 do gênero Gallid Herpesvírus 1 que tem relação antigênica com o vírus da traqueíte dos papagaios que supostamente é um vírus mutante (Gerlach, 1986) que causa doença clínica em galinhas, faisões, pavão, canários e periquitos e pode infectar patos, codornas e perus jovens (Ritchie & Carter, 1995). O LTI foi identificado pela primeira vez em 1925 nos EUA e denominado de difteria aviária posteriormente modificado para laringotraqueíte infecciosa. Surtos de LTI foram descritos em todos os países e caracterizados sob duas formas clínicas: Forma enzoótica suave também denominada de “laringotraqueíte silenciosa” que é caracterizada pela ocorrência de traqueíte mucóide, sinusite e conjuntivite em aproximadamente 5% das aves, queda de produção e mortalidade de 0,1 a 2%. Esta forma clínica é a mais comum e foi detectada em vários países: Austrália (1953-1954), EUA (1957, 1974, 1975), Nova Zelândia (1958) e Inglaterra (1965) (Marty, 1975) e no Brasil em 1973 por Hipólito et al, 1974; Soares, 1977; Beltrão et al, 2002. Esta forma clínica é observada em faisões (Kaleta & Redman, 1997) e em galinhas e é caracterizada pela apresentação de sintomas discretos ou de infecção assintomática. Vacinas vivas contra LTI e vírus de campo avirulentos ou pouco virulentos causam este tipo de quadro clínico. VLTIs de baixa virulência foram isolados na Inglaterra, do fêmur de frangos de corte com perda de pernas (Jones et al, 1993) e nos EUA, de frangos com cabeça inchada e pneumonia do tipo bronquite infecciosa das galinhas (Burns, 2002). Vírus virulentos da LTI podem ter variabilidade de sua virulência conforme diferenças na genética, sexo e idade das galinhas. Forma epizoótica severa com elevada morbidade (>90%) e mortalidade (5 a 70%), em média 10 a 20% foi descrito no Canadá em 1971 (Marty, 1975); de 1985 a 1987 (Davison & Miller, 1988) e em 1992 (Linares et al, 1994) nos EUA, e de 1978 e 1982/1983 no Reino Unido (Curtis & Wallis, 1983). A forma que foi diagnosticada nestes países foi a mesma vista no Rio de Janeiro no período de 1982-1983 (Araújo et al, 1982ab) e que hoje está ocorrendo em Bastos. Esta forma clínica se caracteriza por apresentar um curso clínico superagudo com aparecimento de aves com dispnéia, 108 V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil prostração, cianose ou morte sem sintoma ou quadro clínico agudo com ocorrência de traqueíte hemorrágica num período de 3 a 4 dias pós infecção. A forma aguda do LTI é semelhante àquela vista na traqueíte dos papagaios (Gerlach, 1986) e em faisões (Kaleta & Redman, 1997) e foi vista em poedeiras comerciais e frangos de corte com traqueíte e conjuntivite com alta mortalidade (Linares et al, 1992). Como os surtos de LTI agudos apareceram nas últimas décadas, acreditam os virologistas que houve um aumento da virulência do VLTI devido passagem ave a ave em populações de galináceos de múltipla idade. A passagem seriada de vírus de baixa patogenicidade, ave a ave (≥ 6 vezes) não causa mudança do DNA viral mas aumenta a sua virulência (Kotiw, Wilks & May, 1995). É importante considerar que vírus virulentos estressados por exemplo, por congelamento (Kotiw, Wilks & May, 1995) ou disseminados por via aerógena (Davison, Smith & Eckroade, 1989) podem não expressar sua virulência original e que lesões típicas de LTI ficam restritas ao trato respiratório superior sendo mais severo na laringe e traquéia. O comprometimento das passagens nasais, seios comunicantes e olhos parece estar dependente do modo de infecção e do curso da doença. Um determinado porcentual de casos podem apresentar bronquite, peribronquite, áreas com pneumonia focal e hemorragia nos pulmões (Garside, 1965). Aves assintomáticas: numa população de aves, independente da ocorrência de uma forma clínica severa ou suave, podemos encontrar de 21 a 100% das aves com infecção latente ou portadoras sãs assintomáticas com ou sem anticorpos circulantes. Aves sentinelas em contato com aves doentes não apresentam vírus na traquéia e não ficam doentes quando desafiadas com vírus virulentos (Davison, Smith & Eckroade, 1989). Sabe-se que aves assintomáticas podem apresentar VLTI infectivo no sistema respiratório superior (seio nasal, laringe/faringe) ou na conjuntiva (Key et al, 1994) na ausência de viremia e permanecer como carreador (2 a 50%) por até 16 meses eliminando vírus de forma intermitente ou apresentar vírus latente não infectante no gânglio trigêmio por até 15 meses. Aves com infecção latente são dificilmente reconhecidas por métodos convencionais de isolamento do vírus, mas quando estressados podem excretar o vírus ou ficar doentes. Em reprodutoras pesadas com infecção latente, observou-se que vírus latentes desreprimidos ao início de produção causavam queda de produção, aparecimento de ovos descoloridos e anticorpos circulantes e tinham um curto período de excreção do vírus (Pagès-Manté et al, 1996). Diagnóstico preciso das doenças respiratórias As doenças respiratórias ainda são as mais prevalentes e economicamente importantes para a avicultura intensiva e semi-intensiva e, de modo geral, ocorrem por disseminação aerógena de inúmeros patógenos (Tabela I) que podem ser inalados ou estar em contato com a conjuntiva e infectar uma ave e, menos comumente, através da contaminação da água e ração, serem ingeridos e causar uma infecção sistêmica. Face à existência de uma diversidade de agentes infecciosos primários e secundários (Tabela I) e fatores inanimados primários que podem causar lesão no trato respiratório (desinfetantes, amônia, fuligem, deficiência de vitamina A, hipóxia, ofego), a existência de vários fatores predisponentes (manejo, ambiente, clima, estresses, imunossupressão, etc) que favorecem o agravamento da doença, o diagnóstico preciso das doenças respiratórias só é conseguido quando é efetuado uma junta técnica 109 V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil envolvendo profissionais do campo, microbiologistas, patologistas e parasitologistas (Campbell, 1986). Enquanto microbiologistas devem realizar análises específicas para inúmeros agentes infecciosos, aos técnicos de campo e aos patologistas cabe prover informações para possibilitar o diagnóstico diferencial, a detecção de patógenos associados ou avaliar gravidade e a extensão do problema. O exame histopatológico é uma ferramenta imprescindível para diagnosticar doenças respiratórias na fase aguda e crônica da infecção, afecções subclínicas de aves jovens e adultas, sindromes que são indistinguíveis uma das outras e infecções complicadas ou de etiologia múltipla (Garside, 1965; Campbell, 1986). Os exames sorológicos, quando realizados na fase de convalescença das aves (7 a 20 dias) são muito úteis para complementar o diagnóstico de doenças respiratórias causadas por agentes infecciosos considerados patógenos primários, clínica ou economicamente importantes, desde que o lote não tenha recebido vacina. Tabela 1 - Principais patógenos respiratórios primários disseminados por via aerógena nas aves e manifestações clínicas. Doenças Patógeno Características clínicas 1. Vírus: Variável de letal a subclínico de acordo com o tipo de vírus (velogênico, mesogênico, Doença de PMV-1 (Paramyxovírus 1) lentogênico) com distribuição tissular Newcastle pantrópica (linforeticular, epitelial e neuronal) de natureza aguda. Variável de letal a subclínico conforme subtipo viral. Amostras H7 e H5 do tipo A Orthomyxovírus Influenza são os mais patogênicos e podem causar lesões respiratórias, vasculares, entéricas e reprodutivas, de natureza aguda. Doença respiratória de natureza letal a assintomática de acordo com espécie de Herpesvírus 3 (HPV-3) Laringotraqueíte ave, tipo de vírus e interações estabelecidas no hospedeiro, com manifestação aguda ou subclínica. Doença respiratória e reprodutiva aguda, não letal ou nefrite-nefrose com letalidade Bronquite infecciosa Coronavírus conforme tipo de vírus e interações estabelecidas no hospedeiro. Infecções subclínicas causando doença Parainfluenza PMV2 a PMV9 respiratória grave quando associadas com Adenovírus Grupo 1 e 3 outros patógenos bacterianos, virais ou Reovírus Várias amostras fatores predisponentes extrínsecos ou Pneumovírus TRT ou ART intrínsecos ao hospedeiro. Bouba aviária Poxvírus tipo galinha Quando as lesões se localizam na traquéia, Marek brônquios ou pulmões é fatal e causam Herpesvírus 1 (HPV-1) Leucose linfóide e Retrovírus sintomas respiratórios severos. Geralmente mielóide são de evolução crônica. 2. Bactérias: M. gallisepticum Doença respiratória não letal e grave Micoplasmose M. meleagridis quando associada a outros patógenos. M. synoviae 110 V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil Chlamydia psittacci E. coli virulentos S. aureus H. paragallinarum A. paracolum/S. Typhimurium, etc O. rhinotracheale S. Pullorum Salmonelas do grupo S. Gallinarum D S. Enteritidis Ornitose Colibacilose Esfilococose Coriza Salmonelas Ornitobacteriose Cólera aviária 3. Fungos: Aspergilose 4. Protozoários: Criptosporidiose 5. Helmintos: 6. Artrópodes: Geralmente causam lesões localizadas e/ou são agentes secundários a outros patógenos que infectam as galinhas. Com organotropismo variável para pulmão. Pasteurella multocida Agudo ou crônico conforme virulência e relações com o hospedeiro. A. fumigatus e outras espécies Dactilogirus gallopava Muito grave em pintos ou nas aves adultas quando associadas a outros patógenos. Cryptosporidium baileyi Syngamus trachea Ascaridia galli Cytotides nudus Traqueíte e pneumonia moderada. Raros em galinhas confinadas. Dispnéia em infestações severas. Diagnóstico da laringotraqueíte em poedeiras comerciais (Bastos, SP, 2002) O primeiro caso suspeito de LTI em poedeiras comerciais, depois confirmado através da histopatologia, virologia (inoculação em ovos embrionados e PCR), ocorreu acidentalmente porque 5 fragmentos de traquéia fixados em formol 10%, coletados de aves com suspeita clínica de “Sindrome da cabeça inchada” (SCI), foram remetidos para análise histopatológica. As cinco amostras apresentaram necrose e perda total da camada epitelial com inflamação severa na muscular mucosa e apenas uma amostra continha um tampão de células degeneradas e inflamatórias apresentando, de permeio, sincícios com corpúsculos de inclusão intranuclear. Diante deste achado foi solicitada nova remessa de material (traquéias e pulmões inteiros) e então se confirmou VLTI através isolamento e PCR e, LTI do tipo severo com descamação do epitelial e hemorragia traqueal, bronquial e bronquiolar (5/5) e com a maioria dos pulmões (6/7) apresentando sincícios e corpúsculos de inclusão intranucleares. Do estudo de outros oito casos de doença respiratória com observação de espirros ou roncados ou ofego (respiração dificultosa) ou sinusite ou conjuntivite ou cabeça inchada, 6/8 tiveram confirmação ao PCR e ao exame histopatológico (3/6 com corpúsculo de inclusão na traquéia, 4/6 nos seios nasais e 2/6 na conjuntiva). O vírus foi isolado em ovos embrionados inoculados via membrana cório-alantóide em 4/8 casos após uma a duas passagens seriadas . Dois casos não confirmados virologicamente ou histologicamente, apresentaram cáseo nos seios nasais, brônquios e tecido subcutâneo facial e foram relacionados com fase convalescente da LTI ou com ocorrência de infecção mista com vírus da bronquite infecciosa ou micoplasma ou pneumovírus. A prova de detecção de anticorpos realizada em 6 dos oito lotes analisados (Tabela II) pelo teste ELISA permitiu concluir que nas aves que apresentaram sinusite e broncopneumonia crônica ou conjuntivite e traqueíte aguda e não se observou corpúsculos de inclusão intranuclear nas células epiteliais, também foram detectados anticorpos circulantes contra o VLTI. 111 V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil Tabela II: Anticorpos contra VLTI detectados ao teste ELISA (Guildhay). Granja LTIV-CIN + Nº de soros + 1 Fase da coleta do soro Após 4 sem TM TGM CV% T,P 11/12 a 4209 99,4 T,P,C 17/17 2676 Aguda T 14/18 2374 4 Crônica ND 5/8 1582 5 Aguda SN 15/16 3724 6 Crônica P 10/10 2509 2868 b (12,0) 2488 (11,4) 1536 (11,2) 1041 (10,6) 2330 (11,9) 2398 (11,3) 2 Após 3 sem 3 40,7 99,7 80,7 117,5 31,8 Legenda: TM= título médio; TGM= título geométrico médio; (a)= número de soros/total analisado; (b) = título geométrico médio expresso como recíproca da diluição, entre parênteses log2; T= traquéia; P= pulmão; C= conjuntiva; SN= seio nasal; ND= não detectado. Situação da LTI no país Até o presente momento, de acordo com os relatos de casos confirmados em 1973 (Hipólito et al, 1974; Soares, 1977), em 1981-1982 no Rio de Janeiro (Araújo et al, 1982a,b) e em 2001-2002 (Beltrão et al, 2002, 2004, Ito et al, 2003) pode-se dizer que a LTI tem-se manifestado clinicamente como descrito nos principais países produtores de aves. A citação da presença de aves sorologicamente positivas para LTI (Vargas, 2001) é um indício de que VLTIs estão disseminados no Sul do país. Por ocasião do primeiro episódio de LTI ocorrido no Rio de Janeiro (Soares, 1977), discutiu-se a possibilidade de introdução do vírus no país através da importação de material genético. Apesar de não haver comprovação científica de ocorrência de transmissão vertical do VLTI, existem evidências de que durante a viremia, por um período curto de tempo (2 semanas),o vírus pode ser isolado de órgãos e de ovos (Pagès-Manté et al, 1996). É importante lembrar que a principal forma de transmissão é lateral e ocorre por contato direto com aves doentes ou convalescentes: na Pensilvania, durante o surto de 1985-1986, recomendou-se que um lote convalescente para LTI não fosse movido até 6 semanas após a mortalidade diária ter retornado ao normal (Davison, Smith & Eckroade, 1989). Considerando-se o episódio de 1980-1981 ocorrido no Rio de Janeiro (Araújo et al, 1982a,b), os ocorridos na Argentina ao final da década de 1990 e mais recentemente na região de Bastos, devido ao intenso intercâmbio comercial e de migração de psitacídeos e pessoas entre diferentes regiões do país, é possível que o LTI deva estar disseminado por todo o país. Conforme Bagust, Jones & Guy (2000) são fontes de transmissão do VLTI: • aves com doença aguda no trato respiratório superior ou carreador assintomático com infecção na traquéia, conjuntiva ou seio nas’al. • portador latente que excreta o vírus quando estressado. 112 V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil • fomites inanimados, esterco e pessoas em contato com aves infectadas: segundo Marty (1975) o vírus pode sobreviver a uma temperatura ≤ 26°C, em suabes de algodão por até 14 dias, em secreções, madeira e vidro por 80 a 90 dias. • aves vacinadas podem apresentar infecção latente ou causar doença (Guy, Barnes & Morgan, 1990) e vacinas vivas não evitam latência do vírus de campo (Myung & Kun, 2003) e podem apresentar reversão de patogenicidade (Guy, Barnes & Smith, 1991; Kotiw, Wilks & May, 1995). Até hoje não se tem demonstrado que os VLTIs possam ser erradicados, portanto quando temos uma granja ou região contaminada, mesmo se vacinando as aves, por um período prolongado e indefinido de tempo, o vírus de campo poderá estar presente porque: • o VLTI permanece por semanas a meses no muco traqueal e carcaças deixadas à temperatura ambiente, principalmente a temperaturas baixas (≤ 20°C) por até 100 dias (Bagust & Guy, 1998), nas fezes por 8 dias, na cama, se úmida, por 3 a 5 dias e seca por mais de 20 dias (Marty, 1975). • pássaros, outras aves (faisão, pavão, psitacídeos, peruzinhos, etc) e galinhas caipiras podem estar infectados e favorecendo a perpetuação do vírus. As interações que são estabelecidas entre o VLTI e o hospedeiro, principalmente durante infecção latente, limitam a erradicação da doença, no entanto existem outros fatores relacionados com o vírus que permitem manter a emergência de doença clínica sob controle (Bagust & Johnson, 1995). É importante considerar que a emergência de uma doença grave pode ser facilitada pela incidência de fatores predisponentes ou determinantes da doença, extrínsecos (ambiente, calor ou frio, alto desafio, densidade, idade múltipla, etc) e intrínsecos ao hospedeiro (genética, sexo, stress, imunodeficiência, etc). De acordo com Bagust & Johnson (1995), o VLTI possui algumas características de infectividade que podem ser exploradas para erradicar este patógeno das granjas que possam adotar boa medidas de biossegurança. Estes fatores são: elevada especificidade do hospedeiro, dependência de contacto íntimo para disseminação, infectividade de curta duração fora do hospedeiro, estabilidade do genoma, ausência de variação antigênica significativa e imunidade mediada por células. Para se ter uma visão real do que está ocorrendo no país, ou seja, avaliar a distribuição LTI nas suas diferentes formas clínicas seria muito importante efetuar um levantamento epidemiológico baseado em isolamento de vírus e/ou detecção do vírus e avaliação histopatológica. De acordo com Ferhat & Andreasen (1996), a histopatologia e as provas de PCR realizadas na traquéia tem uma especificidade de 100% em relação ao isolamento viral. Quando a histopatologia é realizada na traquéia a sua sensibilidade é baixa (7%) comparativamente ao PCR (27%), no entanto quando os exames são efetuados na traquéia, nos seios nasais (Bang & Bang, 1967; Ito et al, 2003) e conjuntiva (Ito et al, 2003) o exame histopatológico se torna muito sensível e 113 V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil de grande auxílio para triar o material ideal para realização do exame virológico. Conforme Garside (1965), da análise histopatológica de traquéias coletadas de 227 casos de aves com doença respiratória, foi possível triar 187 casos de traqueíte (82,3%) dos quais 142 casos foram positivos para bronquite ou LTI ou bouba aviária ou Newcastle e se isolou vírus em 112 casos (78,8%). O exame histopatológico permitiu também distinguir micoplasmose ou alterações não específicas em 85/227 dos quais, 8 resultaram no isolamento do vírus da bronquite e 2, do vírus da doença de Newcastle. A realização de um inquérito epidemiológico baseado em provas sorológicas pode ser útil para avaliação da distribuição de LTI no país. A prova de ELISA pode ser utilizada para detectar aves que foram expostas ao VLTI porque ela tem uma boa correlação e é mais sensível que a imunofluorescência indireta (Adair et al, 1985) e soroneutralização (Adair et al, 1995; Bauer, Lohr & Kaleta, 1999). Aves vacinadas ou naturalmente infectadas ficam sorologicamente positivas ao teste ELISA 7 dias pós infecção (Adair et al, 1985) e títulos elevados de anticorpos persistem por um período prolongado de tempo (4 a 7 semanas) (Sander & Thayer, 1997). Um inquérito sorológico ao teste de Elisa que está em andamento com soros coletados de aves com problema respiratório (Tabela III) sugere que o vírus da LTI está disseminado pelo país se considerado o número de indivíduos ou lotes positivos. Preliminarmente observouse que o número de indivíduos sorologicamente positivos e títulos de anticorpos mais elevados foram detectados com maior freqüência em poedeiras comerciais e reprodutoras pesadas do que em frangos de corte. Ao que tudo indica, o encontro de um maior número de frangos de corte sorologicamente negativos ou suspeitos está relacionado com tempo de exposição, curso da infecção e extensão da reexposição ao vírus de campo. Tabela III: Exames sorológicos (ELISA-Guildhay) realizados com soros coletados no período de 20012004, de diferentes estados do Brasil e de lotes que apresentaram problemas respiratórios. Tipo de Ave Reprodutoras pesadas Poedeiras Número de estados Lotes positivos Total Variação de títulos Título médio TMG Número de soro/total Suspeito Negativo 0,19<SP<0, S/P≤ ≤0,109 150 Positivo S/P>0,150 6 31/32 285-6930 247-5407 53/609 41/609 515/609 3 44/44 987-8972 300-6498 20/359 12/359 342/359 81-2264 25/99 16/99 58/99 308-4464 261-4185 59/258 33/258 166/258 3 (sem histórico) 2/8 Frangos de 6 22/24 corte Legenda: TMG= título médio geométrico. 516-2605 Medidas adotadas no Bolsão de Bastos Em meados de março de 2003, após comunicação oficial do surto de LTI na região da Grande Bastos, foram efetuadas campanhas e orientações técnicas 114 V SIMPÓSIO BRASIL SUL DE AVICULTURA 05 a 07 de abril de 2004 – Chapecó, SC - Brasil coordenadas pela defesa animal para a adoção de medidas de biossegurança e restrição de trânsito de esterco e de aves recriadas ou de descarte. Foi orientado o uso de desinfetantes para aspersão dos veículos, galpões e aves e a fermentação do esterco por 7 dias. Os casos de LTI ainda persistem na região. Como já extensivamente exposto, o VLTI não é passível de erradicação, e o curso da doença e disseminação viral depende do controle de inúmeros fatores predisponentes extrínsecos e intrínsecos ao hospedeiro e ao vírus. Apesar do VLTI ser pouco resistente fora do animal, ele resiste no meio ambiente na presença de matéria orgânica, mesmo se aplicando vários tipos de desinfetantes (Ruano, El-Attrache & Villegas, 2001). Portaria CDA-4, Coordenadoria de defesa Agropecuária, 20/01/2004 – Campanha de vacinação no Bolsão de Bastos Em 02 de fevereiro de 2004, tornou-se compulsória a vacinação de todas as aves de 4 a 70 semanas de idade até o dia 29/02/2004 – foi autorizado o uso da vacina Laryngo-Vac® Intervet produzida em ovos embrionados. Aves em recria deverão receber duas doses de vacina. Referências Bibliográficas ADAIR BM, TODD ER, MCKILLOP ER, BURNS K. 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