1 URBANIZAÇÃO, VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA NO

Urbanização, violência e insegurança no distrito de Icoaraci em Belém-PA.
DOI: 10.17552/2358-7040/bag.v3n5p01-23
Marcelle Peres da SILVA
URBANIZAÇÃO, VIOLÊNCIA E INSEGURANÇA NO DISTRITO DE ICOARACI EM
BELÉM-PA.
Marcelle Peres da SILVA1
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Resumo
As discussões acadêmicas voltadas à temática da violência vêm crescendo ao longo dos anos em diversas ciências. A
geografia, nesse aspecto, também trabalha a temática, seja ela no cenário urbano ou rural. No Brasil, a violência tem
se manifestado de forma latente, transformando a vida da população, criando situações e sensações de medo e
insegurança que possuem influências geradas pelo crescimento urbano acelerado e a precarização das condições de
vida nas grandes cidades. No estado do Pará, em especial na cidade de Belém, essas situações também se
apresentam, porém, com suas particularidades. Nesse sentido, o artigo foi produzido com o intuito de compreender o
processo de produção do espaço urbano belenense, bem como do distrito de Icoaraci e as suas possíveis influências
na violência urbana. E ainda, propõe-se a identificar a percepção de insegurança ou falta de segurança, ocasionadas
na população icoaraciense decorrente da violência que vem crescendo no distrito, por meio de uma revisão
bibliográfica acerca da temática junto a trabalhos de campo realizados com foco em entrevistas com a população.
Palavras-chave: Urbanização; Violência; Insegurança.
URBANIZATION, VIOLENCE, AND INSECURITY IN ICOARACI DISTRICT IN BELÉM-PA.
Abstract
Academic discussions focused on the theme of violence have been growing over the years in various sciences. The
geography, in this respect, also works the issue, whether in the urban or rural setting. In Brazil, the violence is
manifested latently, transforming people's lives, creating situations and feelings of fear and insecurity that have
influences generated by rapid urban growth and the deterioration of living conditions in large cities. In the state of
Pará, especially in the city of Belém, these situations also present, however, with its peculiarities. In this sense, this
article has been produced in order to understand the production process of urban space of Belém as well as the
Icoaraci district and its possible influences on urban violence. And yet, they propose to identify the perception of
insecurity or lack of security caused in population of Icoaraci due to the violence that has been growing in the
district, through a literature review about the theme and field work focusing on interviews with the population.
Key-Words: Urbanization; Violence; Insecurity.
URBANIZACIÓN, VIOLENCIA Y INSEGURIDAD EN DISTRITO DE ICOARACI EN BELÉM-PA.
Resumen
Las discusiones académicas centradas en el tema de la violencia han estado creciendo en los últimos años en diversas
ciencias. La geografía también en este punto la cuestión de si funciona en el entorno urbano o rural. En Brasil, la
violencia se manifiesta de forma latente, la transformación de vida de las personas, creando situaciones y
sentimientos de miedo e inseguridad que tienen influencias generadas por el rápido crecimiento urbano y el deterioro
de las condiciones de vida en las grandes ciudades. En el estado de Pará, especialmente en la ciudad de Belém,
también presentes estas situaciones, sin embargo, con sus peculiaridades. En este sentido, el artículo se ha elaborado
con el fin de comprender el proceso de producción del espacio urbano Belenense, así como el distrito de Icoaraci y
sus posibles influencias sobre la violencia urbana. Y, sin embargo, proponen identificar la percepción de inseguridad
o falta de seguridad causado en la población icoarciense debido a la violencia que ha ido creciendo en el distrito, a
través de una revisión de la literatura sobre el tema y el campo de trabajo centrado en entrevistas con la población.
Palabras-Clave: Urbanización; Violencia; Inseguridad.
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Graduada em Geografia pela Universidade do Estado do Pará e Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Federal do Pará (PPGEO/UFPA). e-mail: [email protected]
Boletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 03, n. 05, p. 01-23.
jan./jun. 2016.
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Marcelle Peres da SILVA
INTRODUÇÃO
No Brasil, a violência tem se manifestado de forma latente, transformando a vida da
população, criando situações e sensações de medo e insegurança, influenciadas pelo crescimento
urbano acelerado e a precarização das condições de vida nas grandes cidades. No estado do Pará,
em especial na cidade de Belém, essas situações também se apresentam, porém, com suas
particularidades. A urbanização brasileira não se dá de maneira homogênea, acarretando as
desigualdades socioespaciais nas cidades, causando o aumento da violência e prostituição,
marginalização dos centros urbanos, entre outros ônus, uma urbanização concentrada (SANTOS,
2008).
Um dos principais problemas causados por esse crescimento populacional acelerado e
concentrado nas cidades paraenses foi o “fenômeno” da violência. Em Belém e logo, em Icoaraci,
a elevação do índice de violência, está diretamente relacionada ao processo desigual de produção
do espaço (GOTTDIENER, 2010) o que produz espaços desiguais, de pobreza com precários
indicadores sociais. Os precários indicadores socioeconômicos provocam uma baixa perspectiva,
principalmente na camada mais jovem da população, que são as principais vítimas do fenômeno
da violência (MELO, 2012).
O objetivo principal deste artigo é compreender o processo de produção do espaço urbano
belenense, bem como do distrito de Icoaraci e as suas possíveis influências na violência urbana.
O objetivo específico se propõe a identificar a percepção de insegurança ou falta de segurança
ocasionado na população icoaraciense, decorrente da violência que vem crescendo no distrito. A
metodologia necessária ao desenvolvimento deste trabalho encontra-se primeiramente baseada
em um levantamento bibliográfico e documental, e na realização de trabalhos de campos que
tiveram como objetivo coletar informações primárias acerca do processo de ocupação das áreas
de expansão no distrito e, a opinião dos moradores com relação à insegurança. Para isso, foram
realizadas entrevistas e observações contínuas do espaço.
A abordagem da violência urbana na cidade de Belém, a especificação da realidade do
distrito de Icoaraci, o relato sobre parte do processo de urbanização da cidade e dos bairros do
distrito pós 1960, dar-se-ão no Capítulo 1, junto à abordagem dos diferentes espaços e problemas
socioespaciais desses bairros e suas problemáticas de violência urbana. No Capítulo 2 optou-se
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pela abordagem e análise da opinião da população: as sensações de medo perante a insegurança
do bairro, a partir dos índices de criminalidade e violência identificados no local de estudo.
O artigo é um recorte do Trabalho de Conclusão de Curso da autora, que parte dos anos de
estudo sobre a temática da violência urbana e criminalidade, os quais foram executados durante
sua graduação em Geografia, a contar com a parceria da Secretaria de Segurança Pública do Pará
– SEGUP, em especial com a Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal – SIAC, com
o apoio da Faculdade de Geografia e Cartografia da UFPA e dos Programas PIBIT/UEPA e
PIBIC/CNPq dos quais a autora foi bolsista por dois anos.
1. A URBANIZAÇÃO DE BELÉM: MANCHA URBANA EM DIREÇÃO A ICOARACI
A urbanização da cidade é predominante nos tempos atuais, e como é perceptível, já não
possui a mesma estrutura da antiguidade. Nesse ambiente a luta de classes pode ser percebida,
onde acontecem os violentos contrastes entre a riqueza e a pobreza, os conflitos entre os
poderosos e os oprimidos, as lutas de facções, grupos e de classes estão em constante ocorrência.
Portanto, atualmente aprofunda-se um processo induzido em que se pode chamar de a “implosãoexplosão” da cidade (LEFEBVRE, 1969, p. 15). O fenômeno urbano se estende sobre grande
parte do território nos grandes países industriais.
Costuma-se associar urbanização com industrialização, uma vez que a urbanização
desenvolvida com o advento do capitalismo aparece na Europa como fato moderno logo após a
Revolução Industrial. Mais recente e paralelamente à modernização ela se generaliza nos países
subdesenvolvidos e, segundo Santos (1981), é uma das características dos países
subdesenvolvidos possuir um ritmo acelerado da urbanização, principalmente a partir de 1950.
No que tange a esse crescimento elevado das cidades nos países desenvolvidos e o aumento da
população, Santos (1981, p. 9), afirma que:
Enquanto em alguns países desenvolvidos há uma tendência à diminuição da população
urbana, graças ao fenômeno da suburbanização, nesse momento uma alta taxa de
população urbana e, não menos importante crescimento urbano, caracterizam os países
subdesenvolvidos. Quando se analisa a causa do crescimento da população urbana nos
países industrializados e nos países subdesenvolvidos, constata-se que, para as cidades
com 20.000 habitantes ou mais, por exemplo, a população urbana aumentou um pouco
mais de um terço entre 1920 e 1960 nos países industrializados, enquanto no mesmo
período nos países subdesenvolvidos, a população urbana triplicou (pp. 6-7). Embora a
revolução urbana tenha alcançado uma amplitude impossível de ser medida, o
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crescimento demográfico e econômico, o progresso da informação e as tentativas da
organização do espaço são concomitantes.
Para Pedrazzini (2006) quando fazemos referência às cidades em números, logo nasce o
medo decorrente da indecisão territorial, – quando se trata de analisar a questão da urbanização
mundial –, pois esta seria uma etapa obrigatória para compreender o estado de violência nas
cidades. Desse modo, de acordo com Santos (1981) em meados do século XIX, a população
urbana representava apenas 1,7% da população mundial, em 1950 tal porcentagem era de 21% e
em 1960 subiu para 25%. Assim, a urbanização é um fenômeno não apenas recente como
também crescente e em escala planetária, como também defende o autor. “O fato de que, entre
1800 e 1950 a população mundial se multiplicou em 2,5% e a população urbana em 20%, mostra
a importância que a urbanização vem tendo no mundo desde mais de um século” (p. 3).
Ressalta-se que as últimas décadas são marcadas pela intensidade do processo de
urbanização que, consequentemente, traz o aumento dos problemas urbanos derivados desse
processo acelerado e concentrado. Em virtude do processo de globalização, há um aumento no
número das grandes cidades e das aglomerações com mais de 500 mil habitantes, paralelo a esse
fator, observa-se a difusão dos fenômenos da metropolização juntamente com o da
desmetropolização.
A urbanização brasileira ganhou força a partir de 1950, contou com uma urbanização
acelerada desigual, mais recente e mais rápida, efetuando-se num contexto econômico e político
diferente dos países desenvolvidos. Obteve características originais que a diferenciava
nitidamente da urbanização desse último grupo de países, pois as indústrias dos países
subdesenvolvidos se estruturaram nesses espaços de maneira concentrada em determinadas áreas
e rarefeitas em outras, o que causou diversos tipos de problemas nesses locais, assim como o
inchaço urbano devido ao maciço êxodo rural, marginalização dos centros urbanos, aumento da
violência, prostituição, tráfico de drogas, entre outros, segundo Santos (2008). De fato, o Brasil é
hoje um país predominantemente urbano e, como diria Souza (2003), se urbaniza cada vez mais e
em grande velocidade.
No contexto específico do Estado do Pará esse quadro de urbanização acelerada também
pode ser observado, principalmente a partir dos anos 1960, com a implementação da
“modernização da fronteira”, que cominou com a intensificação do processo de migração interBoletim Amazônico de Geografia (ISSN: 2358-7040 - on line), Belém, v. 03, n. 05, p. 01-23.
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regional onde cidades como Marabá, Parauapebas, a Região Metropolitana de Belém, entre
outras, tiveram um rápido crescimento populacional.
De acordo com os estudos de Souza (2003), no Brasil foram criadas na década de 1970,
nove regiões metropolitanas, são elas: Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio
de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Mesmo Belém, cuja região metropolitana na
época era restrita a dois municípios, pois incluía, além de Belém, o município de Ananindeua e
não possuía uma vasta complexidade, pois apresentava grande centralidade, afinal, sua
hinterlândia (região de influência) se espraiava e crescia pela imensa área da Amazônia.
Em Icoaraci tal dinâmica não é diferente. Para entender como a violência chegou ao
distrito é necessário considerar a formação e a estruturação de seu espaço, com a possibilidade de
ser observada em quatro fases distintas, porém interligadas, o que, segundo Dias (2007), reflete a
própria dinâmica do espaço regional amazônico. A primeira fase teria início no século XVIII a
partir da doação de terras que originou as fazendas Pinheiro e Livramento no século XIX, período
em que foi realizada a compra das fazendas e sua transformação em um hospital ou casa de
abrigo de pessoas com hanseníase, até a transformação em povoado.
A segunda fase, estendida à segunda metade do século XIX, já se caracteriza por algumas
mudanças no espaço icoaraciense, pois foi elevada à categoria de vila até a década de 1950,
quando ocorreu a transformação em distrito administrativo do município de Belém, um longo
período em que também passou a ser local de segunda moradia da população da cidade. Nessa
fase também ocorreu a implementação das primeiras atividades de caráter econômico, como as
indústrias de base local e as atividades comerciais voltadas a atender a área do entorno.
Atividades essas que, como afirma Dias (2007), foram fundamentais para a produção da cidade e
para o processo de migração populacional das microrregiões que passaram a buscar, nesse lugar,
possibilidades de relações de sobrevivência.
Por volta de 1950 até os anos 1970, teve-se início a terceira fase. Marcada,
essencialmente, pelo processo de integração distrital à metrópole paraense e sua redefinição no
espaço urbano local. Período esse em que a atividade industrial de base tradicional era forte e l
voltada à melhoria da matéria-prima com capital de base regional, além da expansão do núcleo
urbano e a expansão de áreas rurais que deram origem a novos bairros devido ao crescimento
demográfico que ocorreu juntamente ao aumento da migração e vegetação.
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Para Dias (2007), a quarta fase teve início na década de 1970 e perdura até os dias atuais.
Nessa fase foi levantada a intervenção do Estado no espaço regional de maneira intensa por meio
de programas, projetos e políticas, objetivando a todo vapor o desenvolvimento da região, o que
acarretou diversas consequências no processo de produção do espaço urbano.
Inicialmente Icoaraci teve sua expansão urbana por meio da ocupação de áreas livres e
firmes que originaram bairros tradicionais como o Cruzeiro e Ponta Grossa. Nessas áreas o
processo de intervenção do homem sobre a natureza foi exercido imediatamente e de forma
efetiva, marcando o início do processo de ocupação, apropriação e dominação do espaço (DIAS,
2007). Posteriormente novos espaços passaram a ser incorporados e mais afastados da orla –
interiorizando-se cada vez mais –, onde se originou, inclusive, o atual bairro Campina.
Conforme o distrito crescia concentrando atividades de cunho industrial como
madeireiras, alimentícias e metalúrgicas, além de atividades comerciais, residenciais e de outros
serviços, houve um processo migratório de força de trabalho, visto que as pessoas passaram a
buscar, no distrito, alternativas de trabalho e moradia, passando a fazer pressão pelo solo urbano
(DIAS, 2007). Desse modo, o solo urbano logo passou a ser mercadoria restrita, ou melhor,
acessível somente àqueles que dispunham de condições para a sua aquisição. Tais acontecimentos
levaram boa parte desses migrantes a buscarem alternativas diferentes de ocupação e apropriação
de terras, ocasionando diversos problemas devido à forma como o distrito foi sendo ocupado ao
longo do processo, confundindo-se com a lógica impressa na produção do espaço da cidade de
Belém e provocando os problemas que podem ser observados atualmente.
Com a ocupação de áreas periféricas, correspondendo à área de expansão da cidade e do
distrito de Icoaraci, surgiram diversos problemas socioambientais, pois naquele período não havia
alguma norma ou lei referente ao uso do solo urbano que regulamentasse a ocupação. Dias (2007)
compara esse processo de ocupação do distrito à dos bairros do Guamá, Cremação, Sacramenta,
Jurunas, Pedreira, Fátima e Terra firme do início do século XX, que caracterizavam áreas mais
afastadas do centro histórico, formando as atuais periferias, pois, segundo ele, o processo foi
muito semelhante, destinado a assentar as populações pobres distantes da área central da cidade.
O processo de urbanização da cidade de Belém ocorreu proporcionando a expansão da
mancha urbana em dois eixos: o primeiro que leva em direção ao município de Ananindeua,
localizado ao leste da cidade, por meio da efetiva ocupação da BR-316 e o prolongamento da
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avenida Almirante Barroso; e no sentido norte, em direção ao distrito de Icoaraci, acompanhando
a abertura e ocupação da avenida Augusto Montenegro, e também por meio da orla da baía do
Guajará, representado pela avenida Arthur Bernardes, caracterizando vetores de expansão da
cidade.
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Acerca da expansão urbana da cidade de Belém, podemos considerar que ela se deu,
sobretudo, nas formas de ocupação do solo, principalmente do centro da metrópole, valorizandoo. Como expressa Dias (2007, p. 198):
Portanto, é importante ressaltar que o crescimento demográfico na RMB é resultante da
migração interurbana e intraurbana. No primeiro caso, esse processo está relacionado ao
próprio movimento demográfico na metrópole; enquanto o segundo é resultante do
movimento em nível do Estado, da região e do país, sendo responsáveis pela elevação
dos contingentes populacionais quando a cidade de Belém passou a ser um polo de
atração naquele momento. Diante dessa situação, foi intensa a pressão por solo urbano
na cidade, tornando a área central, cada vez mais valorizada.
Assim, com o valor voltado para o centro, junto ao crescimento de Belém gerou-se também
a periferia, que passa a ser o local de morada da classe trabalhadora e, de certa maneira, menos
favorecida, pois os terrenos eram mais baratos, no entanto, apresentavam muitos problemas,
especialmente o de saneamento básico entre outras carências. “Paralelo a esse processo, o Estado
projeta na área de expansão a construção de inúmeros conjuntos habitacionais para diferentes
segmentos sociais” (DIAS, 2007, p. 198).
Portanto, a concentração populacional na periferia da cidade sofre intensificação,
principalmente porque na década de 1970, com a criação da Região Metropolitana de Belém
(RMB), associada ao fracasso do projeto de colonização nas áreas de expansão da fronteira
amazônica, durante o processo de êxodo rural, quando essa população migrante chegou às áreas
urbanas, passou então a se concentrar nas principais cidades ligadas às rodovias federais em
busca de melhores condições de vida. Esse fato ocasionou a concentração do grande número de
pessoas em espaços carentes de infraestrutura e de serviços, de modo geral, que garantissem
melhores condições e qualidade de vida à população.
Nesse contexto, a constituição da Região Metropolitana de Belém está inserida em uma
política de Estado com forte intervenção no espaço urbano, tendo a capital como área principal e
que centraliza as melhores oportunidades de trabalho e serviços públicos, tornando-a por muito
tempo um polo de atração na região. Sobre a produção do espaço, tendo o agente estatal como
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intenso atuante desse processo, Gottdiener (2010, p. 269), afirma que:
Além dos programas e políticas nacionais, o Estado local também se envolve na
produção de espaço, principalmente como um regulador do desenvolvimento do uso da
terra ou manipulando a arrecadação tributária para subsidiar o desenvolvimento
econômico e da propriedade. Já que a ideologia funcional da vida municipal envolve a
legitimação do impulso de crescimento econômico e, como o controle da terra é o poder
principal através do qual as jurisdições locais podem regular o setor privado, líderes
políticos municipais e interesses organizados em torno do desenvolvimento da terra
formam, muitas vezes, como que uma corporação de desenvolvimento imobiliário,
juntando governo e empresários para criar uma rede pró-crescimento. Essas redes
constituem o modo principal pelo qual a transferência local da terra se transforma num
motor para a produção de espaço.
Dessa maneira, fica visível que o processo de produção do espaço de Icoaraci, ao longo
das últimas décadas, possui relações intrínsecas com o próprio processo de expansão da cidade de
Belém, pois, como afirma Dias (2007), a partir da década de 1950,com o esgotamento do solo na
área central, ocorreu o deslocamento de parte dessa população para a chamada “área de transição
e de expansão”, que incluía Icoaraci, a qual também passou a ser local de moradia da população
de menor poder aquisitivo, localizando-se, inicialmente, ao eixo que hoje corresponde a atual
avenida Augusto Montenegro, e, propriamente, Icoaraci.
Assim, a organização socioespacial de Icoaraci também foi alterada em virtude de um
significativo crescimento populacional ocasionado, principalmente, por movimentos migratórios.
A população passou de 94.117 habitantes, registrados pelo IBGE, no ano de 1998, para 133.150
habitantes, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, e em 2010 foram registrados
167.035 habitantes. Sendo que, o crescimento urbano no sentido de Icoaraci, envolve e ocorre
através da ação dos diferentes agentes produtores do espaço urbano, incluindo os promotores
imobiliários que procuraram investir em áreas mais bem estruturadas, de fácil acesso, dotadas ou
não de recursos, passíveis de serem ocupadas, modificadas e estruturadas. Tal fato que gera
conflitos com uma parcela da população de baixa renda, que também procura ocupar esses
espaços para habitar, ocasionando assim, uma espécie de desigualdade socioespacial entre os
locais de moradias altamente estruturadas com os da população carente.
O distrito de Icoaraci que é formado pelos nove bairros (Cruzeiro, Agulha, Águas Negras,
Campina de Icoaraci, Maracacuera, Paracuri, Parque Guajará, Ponta Grossa e Tenoné, conforme
se pode visualizar por meio do Mapa 1), que se constituíram a partir do núcleo do primeiro
povoado: as áreas do Paracuri, Campina, Maracacuera, Km 23, Tenoné e Ponta Grossa.
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Figueiredo e Tavares (2006) afirmam que essas áreas foram aos poucos ocupadas e hoje são
identificadas por seus moradores como residenciais, destacando-se as comunidades: Área do
Riso, Tocantins, 15 de Outubro, Paulo Fonteles, Cubatão, Paracuri I e II, Central Parque, Itália,
Morada de Deus I e II, Fé em Deus, Águas Negras, Uxiteua, Parque Zogby, Santa Luzia. Além
das áreas de ocupações espontâneas que foram povoadas desordenadamente pelos próprios
moradores sem uma “autorização” do Estado.
Mapa 1: Localização do Distrito Administrativo de Icoaraci.
Fonte: IBGE, SIPAM, COHAB. Elaborado por Juliana Maciel/UFPA, 2016.
Nessas áreas, encontram-se casas construídas em madeira ou com partes em alvenaria,
algumas são remendadas com papelão e plástico, é possível observar muitas casas mal acabadas
ou em processo de construção. Também é visível a total carência de infraestrutura, no que tange a
serviços de água e esgoto, asfaltamento, escola, regularização fundiária e acesso a ambientes de
cultura e lazer (cinema, teatro, shows etc.), apontados por Figueiredo e Tavares (2006), e a
própria falta de segurança. Diferentemente dos elementos urbanístico, paisagístico e turístico
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voltados à orla construída, onde são oferecidos os serviços de barracas de comidas típicas, venda
de artesanato, áreas de lazer, localizadas no bairro Cruzeiro que, em sua maior parte, é ocupado
por áreas comerciais, residências mais antigas e bem estruturadas, além do porto de acesso às
Ilhas de Belém.
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1.1. A RELAÇÃO ENTRE URBANIZAÇÃO E VIOLÊNCIA
As metrópoles caracterizam-se ainda, atualmente no Brasil, como lugares da riqueza. Para
Souza (2012) essa riqueza, em parte, se desconcentra e se interioriza, entretanto, com a
desconcentração de atividades e a fuga seletiva de agentes econômicos (migrações de
profissionais altamente qualificados), a metrópole cada vez mais é, também, um locus da pobreza
e da miséria, assim, consequentemente, palco da insegurança e da violência.
Acerca dessa relação intrínseca entre urbanização e violência, Beato Filho (2012, p. 70)
afirma:
O fenômeno de maior estreitamento associado ao crescimento dos homicídios no Brasil
é a urbanização. A rigor, poderíamos dizer que os crimes violentos são fenômenos
urbanos associados a processos de desorganização nos grandes centros urbanos, nos
quais os mecanismos de controle se deterioram, tal como ocorreu também em outros
países.
Segundo os autores Beato Filho (2012) e Souza (2008), a violência não pode ser
considerada um fenômeno recente. Contudo, como já foi abordado acima, junto à urbanização
houve um incremento significativo nos índices de violência nas cidades. Nesse sentido, a
violência urbana pode manifestar-se de diferentes formas no espaço das cidades, na visão de
Souza (2012, p. 52):
[...] Parece muito mais produtivo reservar a “violência urbana” para as diversas
manifestações da violência interpessoal explícita que, além de terem lugar no ambiente
urbano, apresentam uma conexão bastante forte da “espacialidade urbana” e/ou com
problemas e estratégias de sobrevivência que revelam ao observador, particularidades ao
se concretizarem no meio cotidiano, ainda que não sejam exclusivamente “urbanos” (a
pobreza e a criminalidade são, evidentemente, fenômenos tanto rurais quanto urbanos) e
sejam alimentados por fatores que emergem e operam em diversas escalas, da local à
internacional.
A violência e sensação de medo e insegurança se devem a um conjunto de fatores que
passam pela ampliação do processo de urbanização, o qual espraia as áreas das regiões
metropolitanas, ocasionado por processo de urbanização concentrada (SANTOS, 2008). Esse
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processo de urbanização concentrada produz uma reestruturação espacial que altera a dinâmica
urbana e gera novas territorialidades. Assim, as políticas públicas não conseguem emergir com
eficiência e eficácia um plano de segurança pública capaz de amenizar a violência generalizada
no espaço urbano. As áreas pobres são consideradas comuns nos grandes centros urbanos e em
Belém não é diferente. É marca presente no espaço belenense as áreas de intensa pobreza,
marcadas por um processo de baixa participação do poder público e de precários indicadores
sociais.
Nesse cenário a violência em Icoaraci também se faz presente devido à falta de estruturas
e maior atenção do poder público da Grande Belém. Uma vez que a antiga Vila do Pinheiro,
originária de uma fazenda dos padres carmelitas (ANDRADE, 2004), possui hoje uma intrínseca
relação com a capital que foi acentuada principalmente na década de 1940, quando houve um
incremento da rede de circulação que interligou Icoaraci e Belém, sendo esta marcada pela
abertura da Rodovia Arthur Bernardes (14 km). E, mais tarde, na década de 1960, a abertura da
Rodovia Augusto Montenegro (20 km), construída no eixo da antiga estrada de ferro de Bragança
também contribuiu para que essas duas Rodovias funcionassem como fator indutivo do processo
de urbanização das áreas de expansão do Distrito Administrativo de Icoaraci – DAICO (COSTA,
2007).
Costa (2007), afirma que a dinâmica produtiva e socioespacial de Icoaraci de forma mais
intensa está inter-relacionada com o processo de expansão e apropriação do espaço urbano de
Belém ocorrido entre os anos 1960 e 1990, o qual, segundo Souza (2003), determinou a formação
de três espaços claramente definidos na cidade: a área central, a área de transição e a área de
expansão. Acerca dessa inserção do distrito de Icoaraci no contexto da expansão urbana de
Belém, Trindade Jr. (1998) identifica esse cenário como um processo de conurbação e de
suburbanização do distrito em relação à capital do Estado. Sendo demonstrado, por esse autor,
que diversos espaços surgidos em Belém nos últimos anos estão localizados na área
correspondente ao distrito de Icoaraci e no eixo de expansão em direção a ele, denotando a
integração efetivada entre esses dois espaços.
Aos olhos de Guimarães (1996) Icoaraci extrapolou todos os limites cabíveis a um
distrito. Visto que, quando uma localidade atinge, no máximo, uma população de 10 mil
habitantes, logo pleiteia sua autonomia administrativa. Várias tentativas de emancipação foram
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feitas, porém, sem sucesso, em detrimento de interesses políticos, fazendo com que as grandes
proporções atingidas por Icoaraci causassem certos problemas. Segundo o autor, o mais grave
deles são os problemas sociais gerados pela falta de investimentos em novos projetos e a falta de
oportunidades profissionais para a população. Tal problema seria causado devido à proximidade
com Belém que centraliza todos os recursos e as grandes somas geradas no distrito.
Considera-se, então, que a formação socioespacial de Icoaraci, na segunda metade do
século XX, reafirmou sua constituição como espaço periférico ou suburbanizado de Belém, que
apresenta certo dinamismo econômico, mas que tem como marca principal a elevação do
crescimento populacional, a insuficiência de sua rede de infraestrutura e o desencadeamento ou
intensificação de problemas urbanos, a exemplo da elevação dos índices de desemprego, pobreza
e a deficiência dos serviços de saúde, educação, transporte, saneamento e habitação. (COSTA,
2007, p. 73).
Aos olhos de Souza (2012) a chamada “questão urbana” trata-se de uma manifestação
particularizada que envolve as especificidades do espaço urbano em conformidade com as
relações sociais, incluindo o que o autor chama de “problemas urbanos primários”, pois não
contemplam as reações dos indivíduos e grupos às privações materiais e outras. Reações essas
que também podem ser percebidas ou dar origem a problemas como exemplo da violência.
Os problemas primários seriam aqueles que dependem da consciência humana sobre
natureza ou origem e podem ser encarados como expressões de injustiça social. São eles, em
parte, problemas gerados por fatores gerais, mas, por outro lado, guardam especificidades devido
às peculiaridades do ambiente citadino (pobreza que se manifesta devido às estratégias de
sobrevivência próprias à cidade e adaptadas às suas formas espaciais, ritmos e atividades, como
pobreza urbana), ou ainda, que se expressam de forma diretamente espacial, como por meio da
segregação socioespacial. Evidenciando que violência, urbanização e suas problemáticas
possuem intrínseca relação que cresceu ao longo dos anos com o advento e crescimento acelerado
das cidades.
Nesse sentido, a violência urbana deve ser analisada como parte de um sistema
socioespacial dinâmico, juntamente ao crescimento das desigualdades e segregações
socioespaciais, disputas por territórios e fragmentação espacial, a relação com o medo e
insegurança nas cidades que, combinam-se entre si, para traçar um “projeto de sociedade”
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selvagem e inquietante, cujos elementos estruturantes seriam a economia liberal globalizada e a
cidade como modelo atual hegemônico. Segundo Pedrazzini (2006), cabe, portanto, analisar
como os principais setores da economia global instauraram um determinado modelo de
urbanismo, de arquitetura e de cidades ditas “globais”, e como a urbanização contemporânea
globalizada começou a impor práticas sociais e espaciais que contribuíram para o crescimento da
violência.
Portanto, a questão acima diz respeito à dinâmica das cidades mundiais e, possivelmente,
como isso, influencia as áreas periféricas do sistema. Sendo assim, é necessário demonstrar que,
apesar de Belém não ser considerada cidade “global”, o distrito de Icoaraci e a própria cidade são
áreas afetadas por diversos problemas decorrentes desse processo de mundialização da produção
e da circulação. Sendo importante estudar o distrito de Icoaraci, aliando sempre a escala desse
lugar com o global, pois, como afirma Santos (2012), “cada lugar é objeto de uma razão global e
de uma ação local, ao mesmo tempo, e convivem dialeticamente”.
2. A SENSAÇÃO DE MEDO E INSEGURANÇA
Aos olhos de Pedrazzini (2006), a violência urbana é o assunto do momento, em nossa
sociedade já não se pode dissociar a “insegurança” do espaço público. Nos estudos e debates,
assim como nas ruas, vem crescendo o interesse pela discussão da insegurança, a qual a questão
da imigração cede espaço. Os danos que essa dita insegurança é capaz de causar na vida da
população dos bairros periféricos é grande. Nas cidades e, principalmente nas grandes
metrópoles, o caos urbano é cada vez mais notável, a população que naturalmente já vive em um
cenário estressante do dia a dia de trabalho, trânsito, entre outras situações, também conta com a
onda de violência crescente, sentindo-se cada vez mais insegura. Segundo Souza (2003, pp. 2021).
[...] A cidade, especialmente a grande cidade de um país periférico ou semiperiférico
(países periféricos, semiperiféricos e centrais), é vista como um espaço de concentração
de oportunidades de satisfação de necessidades básicas materiais (moradia, saúde...) e
imateriais (cultura, educação...), mas, também, como um local crescentemente poluído,
onde se perde tempo e se gastam nervos com engarrafamentos, onde as pessoas vivem
estressadas e amedrontadas com a violência e a criminalidade.
Beato Filho (2012) analisa que existem processos que influenciam e afetam na segurança
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das grandes cidades, eles perpassam por processos físicos, econômicos e éticos, que estariam
diretamente relacionados ao enfraquecimento dos mecanismos habituais de controle exercidos
naturalmente pelas pessoas que vivem nos espaços urbanos. E ainda sob esse contexto, o
desenvolvimento dos grandes centros urbanos tornou-se sinônimo de medo e crime, restringindo
de diversas formas a liberdade dos habitantes urbanos, já que muitos buscam alternativas para
viver com maior segurança e proteção contra a sensação de insegurança. As regiões
metropolitanas brasileiras exibem indicadores que parecem significar a ausência de mecanismos
de controle contra a violência, e, dessa forma, os indicadores que podem ter um ponto de partida
de diversos fenômenos relacionados à segurança pública, aumentam sucessivamente, tornando
nossas cidades sinônimos de insegurança, risco e medo.
O medo vai cada vez mais se tornando uma cultura da metrópole, e a população, seja ela
em termos mais genéricos, rica ou pobre, tenta criar seus mecanismos de proteção e segurança em
suas residências, desde os mais simples como grades protetoras de portas e janelas, câmeras de
segurança e grandes aparatos, a exemplo dos grandes condomínios e casas de alto padrão.
Aprofundando, assim, o processo de segregação que subsiste nas cidades caóticas, pois nem
todos os seus habitantes podem se proteger igualmente. A população carente dos bairros
populares busca se proteger até mesmo dos próprios vizinhos meliantes, também moradores
desses bairros, e que vivem no mesmo cenário de precárias condições sociais, porém, inseridos
no mundo da criminalidade. Acerca disso, Beato Filho (2012, p. 24) salienta:
Mas os pobres, antes de serem considerados diversamente habitantes, cidadãos,
consumidores, classe perigosa, são dominados pelos ricos – indivíduos isolados que
visam os mesmos objetivos e se valem, uniformemente, dos diversos recursos das
sociedades urbanas globais. Com um mínimo de fatalismo, poderíamos nos limitar a esta
dicotomia social: os pobres que radicalizam uma luta reservada ao fracasso e os ricos
que se protegem militarmente com um crescente sucesso. E das cidades partidas entoam
cantos histéricos... Até os pobres procuram se proteger dos mais pobres. A violência
pulsa desde o amanhecer para aquele que incorporou o medo como cultura da metrópole.
[...]
Também não devemos separar o estudo da violência urbana do estudo da cidade, como
espaço de conflito e poder, pois seria um erro do ponto de vista científico e não ideológico,
segundo Beato Filho (2012). Assim como não é possível separar as questões de luta contra a
insegurança das questões que se referem ao desenvolvimento da economia política da segurança,
e também não se deve separar e pensar a implantação da segurança do território sem ligá-la com
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os interesses imobiliários, que pregam em suas propagandas dos mais diversos tipos de
residências, ambientes que, além de oferecer lazer e conforto, acima de tudo, oferecem
segurança.
De fato, a pobreza humana tem relação e não pode ser entendida fora do contexto da
globalização. Segundo Beato Filho (2012), a cidade, a favela e a violência geradas nesses
ambientes estão integradas. Muitos indivíduos, ao adentrarem nesse violento cenário, recorrem ao
uso de armas, principalmente as armas de fogo. No entanto, essa não é a solução para a violência
nas cidades, tampouco acabará com a insegurança. Pois “A arma não traz segurança, apenas
enraíza o medo em nós” (BEATO FILHO, 2012, pp. 89-90). Assim, os habitantes urbanos devem
seguir diante da cidade e de sua violência, já que não é oferecida a eles uma segurança eficaz que
os proteja de uma morte violenta, de um assalto ou qualquer outro tipo de crime vivenciado
constantemente. “O urbanismo desenfreado dos bairros pobres responde ao urbanismo do medo,
assim como a violência dos pobres responde à violência da urbanização” (BEATO FILHO, 2012,
p. 68).
O medo do crime passou a fazer parte da vida dos brasileiros, principalmente nas últimas
décadas. Atualmente, para viver nas cidades, temos que abrir mão da liberdade, conviver com o
medo e sermos enclausurados com a limitação do direito de ir e vir. Fala-se muito que a violência
urbana é a maior causa dessa falta de liberdade do homem, o que torna o assunto bastante
complexo, pois existem diversos fatores responsáveis por essa relação entre violência e cidades.
Acerca disso, afirma Souza (2008, p. 50): “E é em cidades sócio-político-espacialmente
fragmentadas que o medo generalizado prospera e se sente em casa. São elas as fobópoles 2por
excelência”. Essa sensação de medo é refletida na fala dos moradores do distrito de Icoaraci, ao
relatarem o sentimento de insegurança vivido:
Não tem um lugar seguro, né!? [...] Se for ver, a gente que tem que ficar preso e os
bandidos ‘solto’. Essa minha amiga aqui, semana passada presenciou o homem ali
assaltando uma menina às quatro horas da manhã e o homem ainda queria detonar com
ela, assaltante, ainda ameaçou. [...] ‘Pra ti ver’... Aí quer dizer que é essa a situação. Mas
se a gente ficar preso dentro de casa, tudo bem. O problema é quem tem filho, né mana?
Fica preocupada, a gente sai e não sabe se vai voltar (Entrevistada 1 – Comerciante, 46
anos, moradora do bairro do Paracuri).
2
Conceito de Marcelo de Lopes Sousa, que é resultado da derivação das palavras gregas phobos, que significa
“medo” e pólis, que significa “cidade”. Essa combinação é o que o autor propõe como a “cidade do medo” (SOUZA,
2008, pp. 8-9).
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Nessas cidades e lugares, sociopoliticamente e espacialmente fragmentados, é que o medo
generalizado toma conta da população, remetendo-se novamente ao conceito de “cidade do
medo”, por Souza (2008), e também esse ambiente deixado pelos rastros da violência e do medo,
insegurança, desesperança e cinismo, juntamente com a situação vivida nas periferias, é
conveniente para a disseminação da criminalidade, pois, ao estar desempregado, desamparado
pelo Estado, com a sensação de insegurança no local onde se vive, o cidadão não tem muitas
escolhas a fazer: ou se afilia ao crime ou se coloca contra ele. Sendo assim, as atividades ilegais,
o adensamento e a expansão de redes ilícitas, que articulam grandes pontos, resultam em um
espaço local cada vez mais fraturado sociopoliticamente e menos vivenciado como um ambiente
comum de socialização. Aos olhos de Tuan (2005, p. 251), com relação ao medo na cidade, é
refletido que:
[...] A cidade não é “paus e pedras”, mas uma complexa sociedade de pessoas
heterogêneas vivendo perto umas das outras. Idealmente, pessoas de diferentes
procedências habitam em harmonia e usam seus diferentes dons para criar um mundo
comum. Todas as vezes que isso acontece, a cidade é, durante esse tempo, uma soberba
realização humana. Porém, a heterogeneidade é também uma condição que incentiva o
conflito. Durante sua história, a cidade tem sido oprimida pela violência e pela ameaça
constante do caos.
E ainda, se observa, segundo Souza Júnior (2013), que a “cidade do medo”, enquanto uma
das expressões da organização territorial da insegurança urbana é contextualizada de forma
diferenciada entre os diversos sujeitos sociais. Afinal, a junção dos fundamentos metodológicos
possibilita uma leitura sobre a intencionalidade do discurso na difusão da geografia do medo, na
qualidade de “mito” decorrente do aumento da violência nos espaços urbanos. A associação desse
evento a um “mito” sustenta-se, segundo o autor, no argumento de que, embora seja um fato o
aumento dos indicadores de violência, especialmente nas grandes cidades, o maior impacto ao
cotidiano urbano decorre dos discursos provenientes desse evento, tanto os oficiais, que são
difundidos pela mídia despertando na sociedade a “sensação de catastrofismo”, como aqueles
reproduzidos em imagens criadas pelos próprios sujeitos sociais que se apropriam dos espaços.
Sendo essa a sensação dos indivíduos e moradores da cidade de Belém e do distrito de Icoaraci,
que também se procurou identificar.
Nos bairros visitados de Icoaraci, os moradores relataram situações vivenciadas por eles
mesmos ou por algum vizinho (alguém próximo), com relação à violência e insegurança vividas
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no local. No bairro Agulha, por exemplo, podemos destacar os seguintes relatos:
Nós estamos sujeitos a qualquer momento à violência. A gente já não pode mais ficar
sentado aqui, com celular, que os caras passam de moto. Existe essa facilidade que agora
eles andam de moto, pegam e levam o que a gente tiver. E é aqui, e em todos os bairros
de Icoaraci. A gente hoje anda com a sorte e com Deus no coração mesmo, Desde a hora
que acorda até a hora de dormir tem que tá atendo. Mas a nossa segurança, ela tá
precária. Eu não sei se é falta de pessoal, administração, é governo... A gente tá
realmente à mercê. Então não podemos facilitar, quando a gente tá à mercê não vê um
carro de polícia. Aqui a Berredos é complicada, Icoaraci em geral... Antigamente os
caras tinham horário mais certo pra assaltar, hoje não, é qualquer horário (Entrevistado 2
– Fiscal de pátio, 50 anos, morador do bairro Agulha).
Faz-se importante, também, distinguir o sentimento de “ter segurança” ao do “se sentir”
em segurança, uma vez que a condição reservada a todos aqueles que podem se beneficiar, do
sistema de segurança e de seus serviços, não é igual para todos os habitantes da cidade. Dessa
forma, as classes dominantes impõem sua visão de organização e de espaços que visam construir
para ter uma sociedade segura, para além da garantida segurança pública, a busca por segurança
privada e aparatos se torna cada vez maior. E essa dicotomia, de espaços seguros e inseguros de
um território, legitima a opressão de certos grupos sociais, acusados de serem os responsáveis, ou
seja, os “pobres” das cidades (BEATO FILHO, 2012, p. 121-122).
[...] O urbanismo do medo ocasiona uma radicalização dramática dos processos de
segregação espacial. Além da fragmentação urbana clássica, surge uma nova
fragmentação planejada dos territórios, segundo o grau de segurança ou de “perigo”.
Podemos observar essa seleção no reaquecimento do mercado imobiliário,
principalmente em zonas centrais que, após passarem por um período de abandono
estatal e imobiliário, renascem para projetos de requalificação urbana. Os ocupantes –
nem sempre ilegais – devem abandonar os imóveis aos agentes responsáveis pela
reabilitação e pelos programas de realojamento.
O surgimento do chamado “urbanismo de segurança”, não traz melhorias para a segurança
da cidade ou da região em questão, pelo contrário, instaura uma dualidade nas práticas de
segurança e ambientes cada vez mais segregados, fazendo surgir uma dualidade do medo e da
violência dos ricos e pobres que, cada vez mais, se opõem na tentativa de usar seus recursos
econômicos para se protegerem da violência urbana. Essa tendência atinge as diferentes regiões
brasileiras, e com um impacto negativo para a população carente, pois essa dualidade de se obter
segurança leva a formação de novos territórios de segregação. Como afirma Beato Filho (2012),
esses espaços planejados, urbanizados, construídos pelos promotores do urbanismo do medo não
surgem por acaso, em razão de serem determinados pela dinâmica contemporânea da
fragmentação. Fragmentação essa que, logo de início, estimula a divisão da sociedade em grupos
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antagônicos, como já observado.
A fragmentação enquanto variável contemporânea do dualismo social e, talvez, da luta de
classes pós-moderna, também é percursora da fobia, do medo urbano e do estado de violência
generalizado. Para Beato Filho (2012), a segurança então é vista como um novo fetiche que agita
a vida urbana, e que a própria população procura suprir, porém, dando origem à construção de
novas desigualdades sociais e internacionais. A metrópole contemporânea, como “fábrica do
medo”, favorece tal projeto de divisão social, conferindo a certos profissionais, o poder de
orientar as “construções seguras” que, na verdade, objetivam alcançar o crescimento econômico,
a ordem e a propriedade, em que eles próprios escolhem os meios para tal fim.
Se os valores e as práticas urbanas são determinados pela globalização das formas
espaciais de segurança, um importante fenômeno de transformação dos territórios urbanizados é,
segundo Haesbaert (2014), denominado “urbanismo do medo”. Na cidade globalizada essa
relação entre a estratificação social e a fragmentação espacial é indissociável. Segundo esse autor,
devemos lutar contra o urbanismo do medo que transforma o espaço urbano em nível global e
não deixarmos à mercê do mesmo. Devemos ser contra a violência das práticas de fragmentação
que segregam os ambientes nos quais vivemos, precisamos atuar, em contrapartida, com as
sociedades de controle, do medo e contra o sentimento de insegurança que prevalece nas
sociedades urbanas contemporâneas, de norte a sul. Uma vez que, esse sentimento de
insegurança, na verdade, segrega ainda mais nossa sociedade.
Nesse sentido, as palavras dos moradores que vivem nos bairros periféricos da cidade, em
especial para este trabalho (os moradores de Icoaraci), são altamente importantes, pois são eles
que podem nos relatar o que se passa em seus cotidianos e nas dinâmicas de violência. É, a partir
deles, que poderemos entender também essa sensação de insegurança e medo na cidade. Uma vez
que “[...] se não acreditarmos no poder da palavra das populações marginalizadas, a violência dos
bairros carentes nunca será superada [...]” (HAESBAERT, 2014, p. 29). E os moradores do
distrito têm muito a dizer sobre esse cenário e o quanto se sentem inseguros, como se escutou
durante as entrevistas realizadas.
Uma das entrevistas mais marcantes e ricas em informações foi de uma senhora, já idosa,
antiga moradora de Icoaraci, em sua fala transmite:
Já me senti muito bem morando aqui, logo quando vim embora pra cá, era uma beleza.
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Mas agora é muita violência, às vezes a gente não pode nem sair de casa. Minha filha já
foi roubada duas vezes, levaram o celular. Aí a gente não pode ficar como a gente ficava
aqui na frente antigamente conversando. agora a gente não pode, senão é muito provável
ser assaltada. Antigamente a gente ficava trabalhando era tranquilo, ixi... A gente ficava
até meia-noite. Agora não dá. Quando dá, uma hora a gente tem que fechar, todo mundo
tem que fechar. Uma hora da tarde fica tudo deserto aqui, parece que não mora ninguém,
todo mundo se fecha, aí não dá pra gente ficar aqui. né? Se expondo assim, porque o que
que a gente vai esperar disso aí? E é isso, já foi muito bom o Paracuri, mas com essa
violência que tá aí agora, tá horrível, a gente não tem mais aquele sossego, ficar
tranquila... A gente sai, já sai tudo assustado, uma hora ou outra pode acontecer o pior,
né? É assim que nós ‘tamo’ vivendo. Se tivesse outro lugar pra ‘mim’ ir, acho que me
mudava porque não dá mais não (Entrevistada 4 – Aposentada e comerciante, 71 anos,
moradora do bairro Paracuri).
Ainda, no bairro do Paracuri, onde há muitos comércios na rua Soledade (Imagem 1 – na
qual podemos identificar a principal rua do bairro de Paracuri, onde existe um forte comércio
informal de serviços e pequenos estabelecimentos de vendas de produtos alimentícios e de
vestuário, além das vendas do artesanato local, das cerâmicas, por meio de pequenas lojas. No
entanto, na imagem, em específico, trata-se de um trecho quase ao fim da rua, com a presença de
comércios de serviços informais e de subsistência. No entanto, no momento em que a imagem foi
tirada, nas primeiras horas da manhã, não havia tanta movimentação, pois os estabelecimentos
ainda estavam abrindo. Além disso, a imagem retrata um trecho quase ao fim da rua, chegando
próximo à ocupação do buraco fundo, considerada insegura por muitos moradores.
Figura 1: Rua Soledade no bairro Paracuri, distrito de Icoaraci.
Fonte: Trabalho de Campo, Marcelle Peres, 2015.
Os moradores e trabalhadores da área relataram suas sensações perante a violência,
sensações voltadas para o medo e insegurança. Sentem-se inseguros e com seu direito de ir e vir
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modificado pelas atividades criminosas; possuem a sensação de serem prisioneiros em suas
próprias casas. Preferem, assim, permanecer justamente nelas a ter que sair às ruas. Como
observamos nas falas a seguir:
Aqui nesse período tá complicadíssimo. Essa daqui é a Soledade. Aí agora já tá
acalmando, aí é nesse ponto assim de ficar calmo que eles aproveitam que não vê muita
movimentação, aí... Esses dias, acho que foi, é... na quinta feira passada, quatro horas da
madrugada a menina que ia saindo pra trabalhar, o bandido encontrou ela bem ali, assim,
aí ela deu uma ‘carreira’ pra casa dela. Eu vou deixar o meu filho na escola já com
medo, sete horas. Tem que ter mais segurança, a polícia aqui é uma vez na vida e outra
na morte. Passa, mas é pouco. Ah..., mas quando matam um, aparece milhões de polícia
aí. Mas mataram, né? Aí não tem como, não tem mais jeito. A polícia tem que fazer mais
ronda aqui (Entrevistada 5 – Comerciante, 23 anos, moradora do bairro Paracuri).
Em seguida, destacam-se as impressões de moradores do bairro Campina de Icoaraci a
respeito da violência. Na opinião da maioria a violência é algo generalizado no espaço urbano,
não está presente somente em Icoaraci, mas em todos os lugares da cidade. Os crimes são os mais
diversos, e não ocorrem isoladamente o homicídio, o tráfico ou o roubo, mas, sim, todos ao
mesmo tempo.
É uma violência que todo mundo tá achando que tá geral. Não é só Icoaraci, Terra
Firme, Icuí, não... é geral, é geral... Eu moro aqui há onze anos e essa violência
aumentou. Antigamente não era assim não, mas agora é droga, é morte, é assalto, é tudo.
Não dá pra dizer, assim, é uma coisa só. ‘Ah, é só a droga’, não, é tudo junto. É
violência de modo geral mesmo, geral (Entrevistada 7 – Cabelereira, 39 anos, moradora
do bairro Campina de Icoaraci).
Essa fala, acerca do medo do crime, sejam eles os mais diversos e, da insegurança são
analisadas por Caldeira (2000), como narrativas cotidianas, conversas ou até mesmo brincadeiras
e piadas que possuem o crime como tema e refletem o medo e à experiência de ser uma vítima do
crime. Ao passo que, quanto mais debatido esse tema, mais acaba fazendo o medo proliferar. Para
a autora, “A repetição das histórias, no entanto, só serve para reforçar as sensações de perigo,
insegurança e perturbação das pessoas” (CALDEIRA, 2000; p. 27). A fala do crime em meio
cotidiano acabaria, então, por alimentar um círculo de situações e vivências que trabalham e
reproduzem o medo em cada morador, pessoa. E, nesse círculo, a violência acaba sendo
combatida e ampliada a um só tempo.
Dessa forma, os relatos de situações de medo do crime, permeiam pelos moradores dos
demais bairros da 12ª AISP, como no bairro do Cruzeiro. Este mencionado como aquele que
sofre um grande número de assaltos, pela movimentação constante de comércio e da orla
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turística. Uma moradora expressa: “Olha, a violência aqui tá demais também, é assalto... Não tem
como a gente ficar aqui fora mais como antes. A gente não sai mais como a gente saía antes.
Assim... sempre morei aqui, porque não era assim, mas hoje tá grande a violência” (Entrevistada
8 – Comerciante, 34 anos, moradora do bairro Cruzeiro).
Em um dos bairros próximos ao Cruzeiro, os relatos de violência também se expressam,
de forma mais intensa, com vários tipos de crimes que os moradores observam: “Aqui tem muitos
assaltos, constantemente. Também assassinatos, ‘baleamento’, nesse pedaço aqui têm muitos”.
“Por enquanto eu não acho aqui muito perigoso, mas frequentemente passa meliantes, assaltantes,
assaltam pessoas do colégio próximo. Aí a gente fica com receio, né?” (Entrevistado 9 –
Aposentado, 61 anos, morador do bairro Ponta Grossa). No bairro Maracacuera a sensação de
medo também se faz presente na vida da população: “A violência é camuflada, né? Não acaba,
vem de um bairro pro outro Já fui assaltado cedo com a minha esposa quando ia para o médico
dentro da van Aí já ficamos com medo de pegar coletivo” (Entrevistado 1 – Logística de
supermercado, 28 anos, morador do bairro Maracacuera).
Assim, em meio a essa onda de violência em que se encontram os moradores dos bairros
de Agulha, Campina de Icoaraci, Cruzeiro, Maracacuera, Paracuri e Ponta Grossa, nota-se que os
mesmos entendem e percebem a violência cada vez mais enraizada em seus cotidianos, eles
acabam tendo que criar mecanismos para evitar sofrer algum tipo de violência. A partir da
pesquisa, o que se pode perceber é que eles têm a preocupação em não sair em determinados
horários, andam acompanhados sempre que possível para não correrem o risco de serem vítimas
de assalto e, até mesmo, crimes contra a pessoa, como o homicídio, caso eles se arrisquem a falar
o que sabem para a polícia. O que se pode perceber é que, antes de tudo, o que vem se
territorializando em primeiro lugar é a violência, seja por parte, tanto da polícia, quanto do
tráfico, por isso a população se vê coagida de tal forma que muitas vezes não sabe a quem
recorrer (SILVA; LEITE, 2007).
Em suma, nesse cenário violento e repleto de desigualdades sociais, a busca por proteção
e segurança, gera uma espacialização que cria ainda mais desigualdades nas cidades, pois o que
se vê são espaços seguros versus inseguros. O grande capital, por meio dos empreendedores
imobiliários, prega em seus folhetos e divulgam espaços altamente seguros os quais devem ser
ocupados por aqueles que possam pagar, ou que, ao menos teoricamente, usufruem de um poder
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aquisitivo que os possa defender dos que estão de fora. Enquanto que, os outros espaços que
“restaram”, são para aqueles que não podem pagar por essa segurança, que acaba sendo uma
mercadoria veiculada e vendida dentro do mercado imobiliário. Assim, grande parcela da
população das grandes cidades vive em constante sensação de medo e tentam se proteger como
podem, de acordo com suas possibilidades, dessa violência que se espraia nas cidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante os trabalhos de campo realizados nos bairros que englobam o Distrito de Icoaraci,
constatou-se que em determinadas áreas de estudo, uma parcela de sua população vive em
condições precárias de muitos serviços essenciais a vida, a violência e a insegurança também são
constantes, são habitantes da periferia, em razão de estarem afastados geograficamente do centro
do distrito, como acontece com os bairros do Paracuri, Agulha, Ponta Grossa e Maracacuera. Os
bairros mais “centrais”, como o Cruzeiro e Campina de Icoaraci, contam com maiores ocupações
urbanas dotadas de condições de infraestrutura, no entanto, com algumas contradições.
Nesse sentido, considera-se que o processo de ocupação de terras urbanas originou o
surgimento de inúmeros bairros na periferia da metrópole. Tal processo de certa forma conta com
a participação e intervenção da figura do Estado atuante no espaço, agente de grande poder no
que se refere ao processo produção do mesmo. Pois o espaço, em especial nesse acaso o urbano
se tornou instrumento de importância capitalista para o Estado. Sendo que esse agente influencia
na produção controlando os lugares, hierarquizando-os, homogeneizando partes e segregando
outras, ocasionando desigualdades e insegurança em diversos espaços que se tornaram reduto da
criminalidade e violência urbanas.
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