Graus de expansão de orações reduzidas de infinitivo

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Graus de expansão de orações reduzidas de infinitivo
Maria Célia Lima-Hernandes (USP)
Guaraniciba Beraldo (PG-USP)
Abstract: The aim of this paper is the grammaticalization chains of the non-finite
sentences from Brazilian Portuguese. For this, I compare grammatical concepts between
several authors (grammatical tradition) and several linguists (structural perspective) and
I identify the expansion unnidirectionality.
Keywords: grammaticalization; non-finite sentences; expansion; ambiguity.
Resumo: Este trabalho lida com os graus de gramaticalização de orações não-finitas do
português do Brasil. Para tanto, comparações entre concepções da tradição gramatical e
pressupostos lingüísticos auxiliarão no estabelecimento do continuum unidirecional que
subjaz às expansões estruturais.
Palavras-chave: gramaticalização; orações não-finitas; expansão; ambigüidade.
Introdução
A maior parte dos gramáticos históricos afirma que, na linguagem primitiva, os
homens comunicavam-se por meio de proposições ditas umas após as outras, sem a
necessidade de conectivos. É por esse motivo que autores, em geral, atribuem uma
feição paratática à frase primitiva e também aos primeiros estágios de aquisição de
língua materna pelas crianças. Ao que consta, somente depois é que surgiram as
hipotáticas.
As gramáticas tradicionais tratam paratáticas como coordenadas e hipotáticas,
como subordinadas, embora não haja uma relação biunívoca entre essas noções.
Na linguagem da época dos clássicos, havia mais opções para se construir uma
oração infinitiva final. O falante, segundo Said Ali (1964:143), podia substituir a
preposição para, comumente usada atualmente, pela preposição por. Esse uso era
corrente no século XVI e podemos observá-lo, por exemplo, em textos de Camões. No
português contemporâneo, encontramos por somente em orações causais, substituindo
porque. Isso significa que a língua tem sofrido intensas mudanças.
Uma vez que a língua muda, é importante que se observem os contextos mais
frágeis de mudança, ou seja, os contextos em que ocorram ambigüidades, porque toda
ambigüidade expõe uma nova fronteira semântica. É onde inicia este trabalho.
Com este trabalho, temos o objetivo de analisar um conjunto de dados
lingüísticos do português do Brasil, a fim de observar o comportamento das orações
reduzidas de infinitivo. Essas orações são consideradas típicas do português falado no
Brasil, por isso mesmo alguns autores utilizam o rótulo de idiotismo lingüístico.
O texto apresenta-se dividido em cinco partes. Na primeira seção, apresentamos
discussão teórica sobre o fenômeno focalizado, a partir de duas vertentes lingüísticas:
tradicional e formal, a fim de estabelecer um modelo teórico a ser assumido durante esta
análise. Na segunda seção, apresentamos informações sobre o método adotado na
investigação e sobre as amostras que compõem o corpus. É nessa seção que proporemos
um contínuo unidirecional baseado no grau de expansão, como reflexo dos estágios de
gramaticalização das estruturas identificadas. Na terceira seção, elaboramos uma
conclusão sobre dois pontos mais genéricos que julgamos gerenciarem a rigidez
estrutural dessas orações: ambigüidade e fixação.
1. Pressupostos teóricos da tradição e da ciência lingüística
Ao estabelecer a revisão do que já havia sido teorizado sobre o assunto, notamos
que várias eram as contribuições. Dessa maneira, optamos pela exposição seccionada
em duas vertentes da ciência lingüística: visão tradicional e visão formalista.
A primeira vertente inclui o pensamento e análise de gramáticos tradicionais da
língua portuguesa. Selecionamos os mais influentes deste século: Said Ali (1964),
Cegalla (1971), Cunha (1975), Cunha & Cintra (1985) e Bechara (1992).
A segunda vertente inclui idéias estruturalistas de Macambira (1971) que reflete
modelo precursor do que é o gerativismo atual, na concepção de Dubois-Charlier
(1977), e uma análise baseada no gerativismo menos recuado no tempo, como é o caso
daquele empreendido por Perini (1996).
Sob a perspectiva da tradição, Said Ali (1964) afirma que orações reduzidas de
infinitivo podem desdobrar-se em temporais, quando combinadas com o elemento ao,
mas
também
se
evidenciam
quando
introduzidas
pela
combinação
de
advérbio+preposição, redundando, após seu desenvolvimento, numa oração introduzida
por locução conjuntiva.
Outras orações podem assumir a forma infinitiva. As finais se podem originar a
partir das infinitivas também. Isso ocorre quando combinadas a partir de preposição
para + infinitivo. Já, as causais são desenvolvidas a partir dos elementos visto e por ,
como demonstram os exemplos (1) e (2).
(1) Faltei por ser feriado.
(2) Devia dar um desconto, visto sermos bons clientes.
Vários autores (CEGALLA 1971, CUNHA 1975, CUNHA & CINTRA 1985,
BECHARA 1992, dentre outros) atribuíram às infinitivas a característica básica de ter o
verbo na forma não-finita, o que lhe renderia o status de oração reduzida.
Cunha & Cintra (1985) afirmam ser a reduzida uma oração dependente que não
se inicia nem por conjunção subordinativa nem por relativo, iniciada por um verbo na
forma nominal. É uma definição que conceitua por exclusão de características, ao
contrário do que temos visto até aqui.
Segundo esses autores, as reduzidas de infinitivo podem vir regidas ou não por
preposições. A expressão “podem...ou não” permite vislumbrar uma interpretação
indesejada de que se trate de regra variável. Na verdade, não podemos falar em regra
variável num espectro semântico tão amplo. Para se observar a variação, há que se
observar que duas ou mais formas estejam em distribuição complementar, ou seja, as
formas ou expressões devem conter “o mesmo valor de verdade, num mesmo contexto”
(LABOV 1972). Definitivamente, este não é o caso.
Para Cunha & Cintra, as reduzidas de infinitivo podem se desenvolver em
substantivas (subjetivas, objetivas diretas e indiretas, completivas nominais,
predicativas e apositivas), em adjetivas 1 e em adverbiais (causais, concessivas,
condicionais, consecutivas, finais e temporais).
Bechara (1992), por sua vez, acrescenta informações sobre as várias lacunas
observadas em outras gramáticas. A primeira delas diz respeito à forma da reduzida. O
autor assevera que não é a falta de conectivo que caracterizaria esse tipo de oração. Na
verdade, é somente a forma nominal que nos indica esse aspecto.
Como Cegalla, Bechara afirma ser possível que orações reduzidas desenvolvamse em coordenadas, mas precisa conter características específicas. No caso das de
1
O autor não especifica se seria uma adjetiva restritiva ou uma explicativa, mas acrescenta em forma de
observação que é uma estrutura recorrente no português europeu. Aqui no Brasil, preferimos a reduzida
de gerúndio para expressar uma desenvolvida adjetiva. Bechara (p.237) atribui esse uso gerundivo a uma
imitação do francês, a mesma explicação caberia para as consecutivas. Já, para as finais, o autor menciona
que é mais comum o emprego junto a verbos de movimento.
infinitivo, é condição sine qua non a co-ocorrência da preposição sobre ou da locução
além de, quando exprimem adição enfática, conforme exemplo (3):
(3) É que as toucas e lencinhos pudibundos, sobre não serem enfeites mui sedutores,
algumas vezes tornam a virtude rançosa... (Camilo Castelo Branco. A queda dum anjo,
apud BECHARA, p. 236)
Em se tratando de orações subordinadas, em sua forma reduzida, Bechara ainda
acresce algumas observações. No caso das subjetivas e objetivas diretas, que não pedem
preposição, podem às vezes apresentar o infinitivo precedido de preposição expletiva.
Também em alguns casos, o infinitivo pode vir antecedido de artigo ou pronome
demonstrativo, por questões de ênfase.
Do ponto de vista dos estudos lingüísticos de orientação formalista, Macambira
(1971) afirma que alguns aspectos devem ser levados em conta para se analisarem as
infinitivas: aspecto mórfico, absolutividade/relatividade, colocação, infinitivo e finito
teóricos, forma básica, caráter conectivo e função sintática.
Quanto ao aspecto mórfico, o autor associa o infinitivo impessoal
preposicionado (IIP), infinitivo impessoal não-preposicionado (IINP), infinitivo pessoal
preposicionado (IPP) e infinitivo pessoal não-preposicionado (IPNP) e envolve até
mesmo a comparação com o grego, no que tange ao emprego do infinitivo.
Com relação ao segundo traço, o autor afirma que é possível classificar as
infinitivas em absolutas e relativas, e trata nesta questão da identidade entre sujeitos.
Para tratar da colocação, Macambira (1971:50) busca respaldo em outros autores
que ensinam que a posposição do sujeito em predicados formados por verbos nominais
é mais comum. Porém, em se tratando de infinitivos, essa posição não é categórica. Na
realidade, traduz-se numa variação estável, gerenciada pelo estilo do falante.
Levando em conta os parâmetros de finito e infinito teóricos, o autor quer relatar
casos em que a forma verbal, estando na forma nominal, deixa de ser atualizada, não
aparecendo na estrutura de superfície, e ilustra esse caso com um exemplo de Camões
que, sobretudo, reflete uma estrutura em desuso no português atual, soando como um
caso de disfluência.
Interessante é a questão do conector explícito. Entretanto, o autor trata das
preposições que podem acompanhar os infinitivos e é nesse contexto que vai discutir a
conexão. O certo é que o fato de estar elíptica a preposição não altera em nada a forma
gerada: uma oração subordinada.
Às funções sintáticas das infinitivas equivalem, segundo o autor, a sujeito
predicativo, objeto direto e indireto, complemento nominal, adjunto adnominal e aposto.
Contudo, alerta para o fato de não ter encontrado exemplos de agentivas e vocativas, o
que nos parece perfeitamente plausível.
O mais instigante no trabalho de Macambira – e que conflui para nossos
objetivos – é a questão das categorias duplas, associadas à noção de expansão oracional.
Para Macambira, a reduzida é sempre uma subordinada “que tem o sujeito
expandido por um predicado verbóideo ou o verbóide expandido por um ou mais termos
oracionais”
e,
acrescentamos,
assumindo
diferentes
valores
semânticos
concomitantemente.
Por outro lado, esse comportamento difuso não é regra. Às vezes, as reduzidas
são fixas, não permitindo nenhum tipo de expansão. É o que Macambira chama de
inexpansão. Para nós, as fixas representam o grau máximo de gramaticalização
estrutural.
Ao contrário do que afirma Macambira, Cegalla (1971:306) assente que alhures
as reduzidas podem desencadear uma coordenada, conferindo ao verbo, antes não-finito,
o status de indicativo ou subjuntivo. Não se deve, contudo, segundo o autor, confundilas com locuções verbais.
Para Perini (1996:470), há que se observarem regras de interpretação do
infinitivo impessoal, qual seja: “quando um verbo não tem sujeito nem sufixo de pessoanúmero, vale como sujeito primeiro SN à sua esquerda”. O autor se refere às categorias
vazias em estruturas com maior grau de integração, ou seja, os sujeitos detêm o traço
[+identidade], o que licencia o apagamento do segundo sujeito. Esse SN, portanto,
funciona como controlador do papel semântico, por ser ele o responsável pela leitura,
em estrutura profunda, do segundo elemento.
É evidente que a preocupação do autor diverge da nossa quanto ao alvo de
observação, embora em algum momento também focalizemos a questão do SN sujeito.
Para nós, esse mesmo elemento é índice de integração sintática e de cristalização
estrutural, já que nosso objetivo é observar como funcionam semanticamente estruturas
infinitivas quanto à expansão.
Dubois-Charlier (1977:286) discute também a questão das estruturas infinitivas.
Um dos itens importantes do comportamento das infinitivas completivas é a
correferência dos sujeitos, há pouco citada.
Alguns verbos, defende o autor, controlam a correferência entre sujeitos. Além
disso, a elisão do verbo copulativo pode desencadear a manutenção equivocada do
sujeito da segunda oração. É óbvio que muitas das estruturas oferecidas não refletem um
português típico do Brasil. Temos ali muitos casos típicos da variedade portuguesa.
Em suma, a idéia disseminada pelo autor é que o sujeito da sentença encaixada
pode desaparecer numa estrutura infinitiva, ou por ser idêntico ao da matriz ou por ser
idêntico a um complemento da matriz. Muitos desses casos de apagamento, é a idéia
forte do autor, podem gerar uma inferência equivocada ou ambígua do que seja o
sujeito.
Por outro lado, toda e qualquer ambigüidade da estrutura de superfície só poderá
ser elidida pela estrutura profunda, a menos que o sujeito seja indeterminado. Esta é,
sem dúvida, uma discussão que atinge este trabalho em suas raízes.
2. Norte assumido: Método e dados
Fizemos, no decorrer da seção anterior, a apresentação do tratamento dado ao
fenômeno investigado por duas diferentes vertentes lingüísticas. São contribuições que,
ao mesmo tempo que alimentam discussões, abrem questões interessantes. Além do
mais, a partir desses trabalhos, pudemos elaborar algumas hipóteses de trabalho, que
nos renderam quatro dos sete critérios selecionados para a análise.
De um lado, temos os gramáticos que levam em conta, para exemplos, textos
clássicos, que se distanciam em muito da realidade da língua falada atualmente no
Brasil. De outro lado, temos os formalistas, que trabalham com dados intuitivos, muitas
vezes também distantes da realidade, pois são resultantes de um exercício de
circunspecção.
Este trabalho adota a orientação da escola funcionalista que prevê a utilização de
dados de fala, produzidos pelo falante real. Ao par dessa postura, teremos dados
também de língua escrita, que refletiria os resultados mais próximos do que observaram
os gramáticos.
Selecionamos dois tipos de materiais para a análise. O primeiro representa a
língua escrita e reflete uma linguagem mais cuidada, mais presa aos padrões cultos
observados pelas normas gramaticais tradicionais. Trata-se de contos de Machado de
Assis, dos quais selecionamos os seguintes: O caso da viúva, João Fernandes e Duas
Juízas.
O segundo material representa a língua falada na cidade de São Paulo e reflete a
variedade culta. Todos os dados de língua falada são do tipo rotulado de elocuções
formais por serem gravações de aulas, palestras e conferências. Por ser formal, o falante
preocupa-se mais com o que diz e como diz.
Esse material é proveniente do Projeto NUrC – Norma Urbana Culta, referente à
Cidade de São Paulo, do qual selecionamos três palestras, produzidas por falantes de
mesma faixa etária (mais ou menos 35 anos), dois professores universitários e um
advogado. Duas delas foram gravadas em 1976 e uma, em 1972.
Colhemos as estruturas-alvo nesses materiais e descrevemos o comportamento
de cada uma a partir dos seguintes critérios: identidade entre sujeitos, pessoa gramatical,
tipo sintático, aspecto mórfico, colocação do sujeito, ordem e semântica verbal.
3. Identificando as diferenças entre os usos
Numa perspectiva assumida por Hopper & Traugott (1993), quanto à questão
dos processos de combinação de orações, as reduzidas são consideradas as orações mais
gramaticalizadas, haja vista que, somente a partir do tempo-modo do verbo da oração
matriz, pode-se inferir o tempo-modo do verbo da oração encaixada. Dessa maneira,
esperávamos encontrar alto índice de integração sintática.
Ainda que sejam integradas, inicialmente julgávamos que diferenças mínimas
deveriam ser evidenciadas nos dados, pois, em exercícios de expansão, nem sempre
conseguiríamos dar o mesmo tratamento a todas as orações. Assim, o exercício
expansional foi utilizado como critério para a identificação de estruturas em graus
maiores ou menores de gramaticalização, cujo estágio mais avançado pode ser
evidenciado no comportamento de estruturas mais fixas.
A partir dos dados colhidos, observamos que as orações reduzidas de infinitivo
mostravam-se categoricamente subordinadas e comportavam-se de modo diferenciado,
tendo em vista o seu desenvolvimento. Esse comportamento diferenciado permite-nos
criar um eixo unidirecional:
infinitivo > desenvolvida > desenvolvida1 > fixa
[ - ] --------------------------------------------------------------- [ + ]
grau de gramaticalização
No pólo mais à esquerda, marcado pelo sinal de menor gramaticalização, estão
as orações reduzidas de infinitivo, no estado de produção encontrado nos documentos
analisados, como em (1).
Na seqüência, encontramos as desenvolvidas prototípicas, que representam o
conjunto de orações que, originalmente reduzidas, se desenvolvem e acolhem em seu
corpo um conectivo prototípico de subordinação (conjunção e locução conjuntiva).
Além disso, o verbo também migra de não-finito para finito.
Seguindo ainda o continuum, apresentado anteriormente, encontramos as
orações desenvolvidas 1, que constituem o conjunto mais abrangente e que merecerá, no
futuro, uma nova e mais profunda observação. São orações que, ao serem
desenvolvidas, flutuaram entre dois tipos de desenvolvimento com conjunção, além de
um terceiro que resultava na nominalização, que é um grau mais alto de cristalização.
No último nó desse continuum, estão as orações fixas. Refletem um conjunto de
orações que não puderam ser expandidas de forma alguma. Assim, atingiram o mais alto
grau de rigidez estrutural, conforme segue:
(4) ...onde eu tive oportunidade de estar na Europa... (língua falada culta – homem)
(5) ...fazer a distinção entre São Paulo e outra cidade do Brasil é difícil ... (língua falada
culta – homem)
Conclusão
Como nos propusemos inicialmente, fizemos um estudo das orações reduzidas
de infinitivo, a partir de materiais de língua falada e escrita da variedade culta do
Português do Brasil.
Encontramos, a partir de alguns parâmetros iniciais, um continuum
comportamental ditado pela rigidez expansional de estruturas subordinadas. Também
elaboramos uma descrição de tipos oracionais e as analisamos segundo os graus de
gramaticalização de orações, proposto por Hopper & Traugott (1993).
Identificamos, portanto, estruturas intra-subordinativas, regidas por graus
expansionais. Isso significa afirmar que orações num estágio máximo de fixação detêm
maior rigidez expansional que funcionaria como um bloqueio semântico e, ainda, que
uma estrutura em estágio menor de gramaticalização acumularia os traços [+expansão]
estrutural e [+ambigüidade].
Em sentido
contrário,
encontramos
estruturas
em estágio
maior
de
gramaticalização, acumulando os traços [+fixação] estrutural e [-ambigüidade]
semântica.
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1964.
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