I PACIENTE 1 Anos SINDSAÚDE-RN Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do RN www.sindsaudern.org.br Março/Abril de 2009 CHUVA DE PROBLEMAS S e o homem do campo reza dia e noite para a chuva aparecer, os trabalhadores da saúde e usuários do SUS, em Natal, rezam justamente pelo contrário. Nos postos e Unidades de Saúde da Família (USF), principalmente na Zona Norte, chuva é sinônimo de caos. Servidores e pacientes já sentiram os efeitos da força das águas. Na USF Bela Vista, no bairro de Igapó, a empregada doméstica Jussara dos Santos afirmou que a unidade ficou alagada depois do carnaval. ‘‘A gente teve que esperar o pessoal secar o chão para poder ser atendida. Atrasou todo o atendimento’’, afirmou. Sobre o ocorrido, a diretora da unidade, Ednalva Melo, declarou que ‘‘o povo costuma exagerar sobre as coisas’’. Ela, no entanto, confirmou o atraso após o carnaval. ‘‘É normal dentro do possível. Mas não chegou a constranger ninguém’’, disse. Fios soltos e aparentes na USF Bela Vista colocam em risco os pacientes Entorno NumavisitaaváriasunidadesdaZonaNorte,aequipedojornalImpacienteconstatouque,além da falta de estrutura dos postos, a população também sofre para ter acesso aos serviços. Bairros mais humildes, como Aliança e Vale Dourado, ainda lutam para verem as ruas pavimentadas. Enquanto o poder público não olha para a Zona Norte, o jeito é enfiar o pé na lama. ‘‘Às vezes a gente precisa de um atendimento, mas não consegue vir por causa das chuvas. Outro dia a fossa estourou na rua e o mau-cheiro veio todo para o posto. Tem que dar um arrodeio grande’’, disse a dona de casa, Creonice Macedo. Pacientes e profissionais da USF Panatis também reclamam, com razão, dos problemas da vizinhança que afetam a unidade. Os agentes de saúde, José Almir Barbosa e Josefa Barros denunciam que a comunidade e os carroceiros depositam lixo num terreno baldio próximo ao posto, o que se agrava com as chuvas. ‘‘Teve dia de ninguém conseguir trabalhar. A gente chama o bombeiro, a polícia, mas meia hora depois vem um carroceiro e despeja mais lixo’’, disseram. A reportagem flagrou a menos de 50 metros do posto, sacos de lixo aberto e até pés de galinha jogados sem a menor higiene. Sindicato A diretora do Sindsaúde e técnica de enfermagem da USF Igapó, Célia Dantas, afirma que os postos de saúde de Natal não têm condições de escapar das chuvas. ‘‘A estrutura é péssima. Se chover bem forte num único dia, a maioria das unidades não tem condições. A gente vê infiltrações, fios soltos, mofo... essa falta de estrutura prejudica os profissionais e a própria população. A minha unidade, USF Igapó, foi interditada por dois dias pela Covisa depois do carnaval’’afirmou. No Panatis, chuva quebrou cano que leva água da rua para a cisterna da USF Uma cena chocante: pés de galinhas jogados a 50 metros da USF Panatis I Página 2 Março/abril PACIENTE A difícil arte de ser MULHER A Maternidade das Quintas está longe de ser uma referência para as mulheres gestantes da capital. A reforma mal-feita pela última administração da cidade, que hoje compromete parte da estrutura da unidade, fala por si. Quando chove, os funcionários e acompanhantes têm que se virar para proteger as pacientes e os recém-nascidos. A reportagem flagrou sinais de infiltração e o piso de uma das enfermarias molhado. Segundo a assistente social da maternidade, Socorro Silva, houve investimento mas faltou fiscalização. “A empresa que a prefeitura contratou para fazer a reforma e ampliação da maternidade não fez o serviço direito. Quando chove, a unidade vira um caos, tem infiltração, a cozinha ficou inundada. Das quatro enfermarias, apenas metade funciona”, afirmou. Leitos No início do mês, algumas mães que chegaram em trabalho de parto foram obrigadas a aguardar nos corredores da unidade por falta de leitos. Isso acontece também, segundo Socorro, sempre que o hospital Santa Catarina e a Maternidade Januário Cicco – as outras duas unidades públicas que realizam partos em Natal transferem pacientes por falta de vagas. A assistente social lembra ainda de outra promessa não cumprida pelo prefeito Carlos Eduardo Alves. A unidade precisa de divisórias nas enfermarias pré-parto para que o acesso aos maridos ou a qualquer outro acompanhante masculino seja permitido. Sem as divisórias, homem não entra. Centro de Saúde Reprodutiva precisa de profissionais R eferência na área de reprodução feminina e masculina do RN, o Centro de Saúde Reprodutiva (CSR), localizado no Alecrim, apresenta um dos problemas mais crônicos da saúde pública local: a falta de profissionais. De acordo com a diretora geral do Centro, Débora Torquato, o quadro de médicos e, principalmente, de técnicos de enfermagem é reduzido. “Apesar de termos 25 médicos em nosso quadro, ainda precisamos de pelo menos 6. Já o déficit de técnicos de enfermagem é de 20 profissionais. O problema é que muita gente está se aposentando e precisamos repor esse pessoal até para continuar suprindo a demanda”, afirmou. O CSR desenvolve várias ações para a comunidade que vão desde assistência ao adolescente a atendimento às vítimas de violência sexual. Indagada se o Centro de Saúde Reprodutiva poderia ser considerado uma referência para a mulher potiguar, ela conta que as pacientes costumam procurar a unidade, mas ressalta que ainda faltam algumas coisas. “Acho que ainda precisamos de hormônio, por exemplo. E esse serviço a gente não oferece. Temos algumas dificuldades, como a da falta de pessoal que já falei, mas até agora temos cumprido nosso papel”, disse. EXPEDIENTE Publicação do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do RN (Sindsaúde) Secretaria de Comunicação: Paulo Martins, Vivaldo Augusto Centro cirúrgico Outro problema enfrentado pela equipe da maternidade é a falta de estrutura para atender mães que precisam fazer cesariana. Os funcionários da unidade estão na expectativa de que o centro cirúrgico seja instalado em breve. “Aqui só fazemos parto natural. Quando alguma paciente precisa de cirurgia é encaminhada para a maternidade Januário Cicco ou para o hospital Santa Catarina. Dependendo da época, as mães saem em romaria daqui”, disse. Pertences em cima dos leitos por falta de espaço EQUIPE Jornalistas Responsáveis: Ana Paula Costa DRT 1235 JP/RN Rafael Duarte DRT 1250 JP/RN Ilustração: Amâncio Sede Própria: Av. Rio Branco, 874, Centro - Natal/RN Telefone: 4006-2950 Sugestões de pauta: [email protected] I Página 3 Março/Abril de 2009 PACIENTE BARRADO! ‘‘Vou voltar para a rua e usar droga de novo’’ O caso do usuário de drogas Cosme Alves Neto, 23 anos, é emblemático para mostrar a crueldade do sistema de saúde pública do Rio Grande do Norte. No dia 2 março deste ano, Cosme - que está desempregado e parou os estudos no 2º ano do 2º grau - acordou na rua e decidiu que, naquele dia, iria se internar por conta própria na ala de dependentes químicos do hospital João Machado. Barrado Usuário de crack, maconha e cocaína, ele saiu do bairro de Ponta Negra a pé rumo à unidade, em Morro Branco. Mas na hora de preencher a ficha de identificação, a surpresa: foi barrado na porta. "No caminho, eu vinha fazendo planos para quando eu saísse do hospital. Pensei em rever pedindo, vigiando carro. Se fosse fácil eu já minha família, mas agora não sei o que vai tinha parado, mas não é. Eu só queria poder me tratar, só queria uma chance. Pedi para a mulher acontecer", afirmou sem perspectiva. procurar minha ficha, mas ela se recusou", disse emocionado antes de concluir: "Agora eu Sem família Pela recepcionista, Cosme soube que o vou voltar para a rua e usar droga de novo, não hospital não poderia recebê-lo porque ele não sei o que fazer", desabafou. tinha família. O curioso é que o jovem já havia sido internado outras duas vezes, mas a funcionária Esmola nem se prestou a procurar o cadastro do rapaz. A única "ajuda" dada pelo hospital a Cosme foi uma Nas duas ocasiões anteriores, Cosme foi bandeja com comida. O jovem alto de 23 anos acompanhado da mãe, que se mudou cheio de esperanças que chegou ao hospital João recentemente para o Rio de Janeiro e não quis Machado em busca de tratamento conseguiu num levar o filho. "Mas qual é a mãe que vai querer hospital, que deveria ser referência para a iniciativa um filho drogado? Ela me deixou aqui, hoje privada, o mesmo que consegue todos os dias na estou morando na rua e ganho uns trocados rua: esmola. Severina Alves Freire IMPACIENTE DO MÊS 9 dias na fila do hospital João Machado A realidade é dura com a maioria dos familiares e amigos das vítimas de transtornos mentais que precisam do serviço público. A falta de vagas e de estrutura no hospital João Machado é vista com um misto de tristeza, decepção e indignação pelos acompanhantes dos pacientes. A aposentada Severina Alves Freire, 68 anos, não sabe mais a quem recorrer quando chega à unidade. Todas as vezes que precisa internar o filho, doente mental de 38 anos, a longa espera por uma vaga se transforma em dor, aflição e desespero. Na última vez, em fevereiro, foi e voltou ao hospital nove vezes. Foram nove dias de sofrimento. ‘‘Eu já não sei o que fazer. E é sempre desse jeito. Nunca tem vaga e a gente é obrigada a esperar. Fiquei nove dias na fila a última vez. Passaram gente na minha frente, não há controle, mas meu filho precisa de tratamento’’, disse, emocionada, a aposentada. I Página 4 Março/Abril de 2009 PACIENTE Patativa do Assaré O poeta do povo brasileiro A poesia nordestina e, sobretudo, brasileira do cearense Patativa do Assaré ainda deve correr o mundo um bocado de tempo. Vivíssima da Silva, a obra do poeta da caatinga é imortal. Se esse cabra estivesse por aqui em carne e osso, teria completado 100 anos no último dia 9 de março. Ainda que pese a saudade, os poetas desse mundão de meu Deus não deixarão 2009 passar em branco. Origem As penas, as asas e cauda pretas da patativa, pássaro de canto enternecedor que habita as caatingas e matas do Nordeste brasileiro, batizaram o poeta Antônio Gonçalves da Silva, conhecido em todo o Brasil como Patativa do Assaré, referência ao município que nasceu. Analfabeto "sem saber as letra onde mora", como diz num de seus poemas, sua projeção no país se iniciou na década de 50, a partir da regravação de Humor "Triste Partida", toada de retirante gravada por Luiz Gonzaga. Veio ao mundo dia 9 de março de 1909. Criado num ambiente de roça, na Serra de Santana, próximo a Assaré , seu pai morrera quando tinha apenas oito anos legando aos seus filhos o ofício da enxada, "arrastar cobra pros pés" , como se diz no sertão. Sonho A sua vocação de poeta, cantador da existência e cronista das mazelas do mundo despertou cedo, aos cinco anos já exercitava seu versejar. A mesma infância que lhe testemunhou os primeiros versos presenciaria a perda da visão direita, em decorrência de uma doença, segundo ele, chamada "mal d'olhos". Premiado e reconhecido, costumava dizer que nunca sonhou em fazer sucesso com os versos. I Patativa voo dia 8 de julho de 2002. E pense num voo bonito! Outra fome Pouco importa que outro pássaro cante em meu umbral se minha patativa foi embora e a natureza ainda hoje chora e dela a harmonia some Pouco importa que florem mandacarus no sertão se a verve em rimas a explosão de versos silenciou e a poesia em seca se consome Não não importa se o pão que outras bocas alimenta não me alenta porque tem outro nome a minha fome Homenagem da poetiza Rizolete Fernandes Cabra da peste ‘‘Eu sou de uma terra que o povo padece Mas não esmorece e procura vencer. Da terra querida, que a linda cabocla De riso na boca zomba no sofrê Não nego meu sangue, não nego meu nome. Olho para a fome , pergunto: que há ? Eu sou brasileiro, filho do Nordeste, Sou cabra da Peste, sou do Ceará."