CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL 36ª Assembleia das Igrejas Particulares do Regional – Sul 1 Itaici, Indaiatuba-SP, 17 a 19 de outubro de 2014 Tema: «Vocação e Missão dos Cristãos leigos numa Paróquia Missionária» Doc. 01/36ª AIP Textos para serem lidos, estudados e refletidos durante a Assembleia das Igrejas Particulares 2014 Lumen Gentium O apostolado dos leigos 33. Os leigos, congregados no Povo de Deus e constituídos no único corpo de Cristo sob uma só cabeça, quaisquer que sejam, são chamados, como membros vivos, a contribuir com todas as suas forças, recebidas da bondade do Criador e da graça do Redentor, para o incremento da Igreja e sua santificação perene. O apostolado dos leigos é a participação na própria missão salvífica da Igreja, e a este apostolado são destinados todos pelo próprio Senhor ao receberem o Batismo e a Confirmação. Pelos sacramentos, e especialmente pela sagrada Eucaristia, comunica-se e alimenta-se aquela caridade para com Deus e para com os homens, que é a alma de todo apostolado. Mas os leigos são chamados de modo especial a tornar presente e operante a Igreja naqueles lugares e circunstâncias onde ela só por meio deles pode vir à ser sal da terra. Assim, todo o leigo, por virtude dos dons que recebeu, é testemunha e ao mesmo tempo instrumento vivo da missão da própria Igreja “segundo a medida do dom de Cristo”(Ef 4,7). Além desse apostolado, que pertence a todos os fiéis sem exceção, os leigos podem ser chamados de diversos modos a uma colaboração mais imediata com o apostolado da hierarquia, à semelhança daqueles homens e mulheres que ajudavam o apóstolo Paulo na evangelização, trabalhando muito no Senhor (cf. Fl 4,3; Rm 16,3ss). Têm, além disso, capacidade para serem destinados ofícios eclesiais, com um fim espiritual. Pesa ainda sobre todos os leigos o encargo glorioso de trabalhar para que o plano divino da salvação atinja cada vez mais todos os homens, em quaisquer tempos e lugares. Abram-se-lhes, pois, todos os caminhos para que, segundo as suas forças e as necessidades dos tempos, participem também eles, ardorosamente, na tarefa salvadora da Igreja. Apostolicam actuositatem Animação cristã da ordem temporal 7. Na verdade, o plano de Deus acerca do mundo é que os homens, em espírito de concórdia, instaurem e continuamente aperfeiçoem a ordem das realidades temporais. Todas as realidades que constituem a ordem temporal, como sejam os bens da vida e da família, a cultura, a economia, as artes e profissões, as instituições da comunidade política, as relações internacionais e outras semelhantes, assim como a sua evolução e progresso, não são apenas auxílio para o fim último do homem, mas têm também um valor próprio que foi posto nelas por Deus, quer consideradas em si mesmas quer como parte de toda a ordem temporal. “E Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom”(Gn. 1, 31). Esta sua bondade natural recebe uma dignidade especial da sua relação com a pessoa humana, para cujo serviço foram criadas. Finalmente, aprouve a Deus unificar em Cristo Jesus todas as coisas, tanto naturais como sobrenaturais, “para que ele próprio tenha em tudo a primazia”(Cl. 1, 18). Esta finalidade não só não priva a ordem temporal da sua autonomia, dos seus fins próprios, das suas leis, dos seus próprios meios, da sua importância para o bem dos homens, 1 mas antes a aperfeiçoa na sua força e valor próprio, e simultaneamente a adéqua à vocação integral do homem sobre a terra. No decurso da história, o uso das coisas temporais foi desvirtuado por graves vícios, porque os homens, atingidos pelo pecado original, caíram freqüentemente em muitíssimos erros acerca do verdadeiro Deus, da natureza do homem e dos princípios da lei moral: daqui, os costumes e as instituições humanas corrompidos e, não raro, a própria pessoa humana esmagada. Também nos nossos dias, não poucos, confiando demasiado no progresso das ciências naturais e das técnicas, caem como que na idolatria das coisas temporais, tornando-se delas mais escravos do que senhores. É dever da Igreja toda esforçar-se para que os homens se tornem capazes de estabelecer retamente a ordem temporal e de, por meio de Cristo, a ordenarem para Deus. Compete aos Pastores enunciar claramente os princípios acerca dos fins da criação e do uso do mundo e proporcionar auxílios morais e espirituais para que se instaure, em Cristo, a ordem temporal. Cabe, porém, aos leigos assumir a instauração da ordem temporal como um dever próprio e nela, guiados pela luz do Evangelho e pela mente da Igreja impelidos pela caridade cristã, agir diretamente e de modo concreto; como cidadãos, cooperar com os outros cidadãos segundo a sua competência específica e sob a sua própria responsabilidade; e, em toda a parte e em tudo, procurar a justiça do reino de Deus. E de tal modo se deve instaurar a ordem temporal que, observadas integralmente as leis próprias da mesma, ela se torne conforme aos princípios ulteriores da vida cristã e adaptada às várias condições de lugar, de tempo e de povos. Entre as atividades deste apostolado, sobressai a ação social dos cristãos que atualmente o sagrado Concílio deseja se estenda a todos os domínios do temporal, até ao da cultura. OS VÁRIOS CAMPOS DO APOSTOLADO Introdução: vários campos do apostolado dos leigos. A Igreja 9. Os leigos exercem o seu multíplice apostolado tanto na Igreja como no mundo. Numa e noutra destas ordens, se abrem vários campos de atuação apostólica. Queremos recordar aqui os principais. São os seguintes: as comunidades da Igreja, a família, os jovens, o ambiente social e a ordem nacional e internacional. Mas porque, nos nossos dias, as mulheres têm, cada vez mais, parte ativa em toda a vida da sociedade, é de grande importância uma participação mais ampla delas também nos vários campos do apostolado da Igreja. As comunidades da Igreja 10. Como participantes do múnus de Cristo Sacerdote, Profeta e Rei, os leigos têm a sua parte ativa na vida e ação da Igreja. Dentro das comunidades da Igreja, a sua ação é tão necessária que sem ela o próprio apostolado dos Pastores não pode, a maior parte das vezes, surtir o seu pleno efeito. Na realidade, os leigos de alma verdadeiramente apostólica, à semelhança daqueles homens e mulheres que ajudavam Paulo na difusão do Evangelho (cf. At 18,18.26; Rm 16,3), suprem o que falta aos seus irmãos e dão alento tanto aos Pastores como ao restante povo fiel (cf. 1Cor 16,17-18). Com efeito, alimentados pela participação ativa na vida litúrgica da sua comunidade, eles tomam solicitamente parte nas obras apostólicas da mesma; conduzem à Igreja os homens que porventura andem afastados; colaboram zelosamente na transmissão da palavra de Deus, sobretudo pelo ensino da catequese; oferecendo a sua perícia, tornam mais eficaz a cura de almas e ainda a administração dos bens da Igreja. A paróquia, congregando na unidade todas as diversidades humanas que aí encontra e inserindo-as na universalidade da Igreja, oferece um exemplo claro de apostolado comunitário. Habituem-se os leigos a trabalhar na paróquia, intimamente unidos aos seus sacerdotes; a levar para a comunidade da Igreja os problemas próprios e os do mundo e as questões relativas à salvação das almas, para serem examinados e resolvidos em conjunto; e a colaborar segundo as suas forças, em todo o trabalho apostólico e missionário da própria família eclesial. Cultivem constantemente o sentido da diocese, de que a paróquia é como que uma célula, sempre prontos, a convite do seu Pastor, a juntarem também a sua colaboração às iniciativas diocesanas. Mais ainda: para corresponderem às exigências das cidades e das regiões rurais, não circunscrevam a sua cooperação aos limites da sua paróquia ou diocese, mas empenhem-se em estendê-la ao campo interparoquial, inter-diocesano, nacional e internacional, tanto mais que o aumento crescente da migração 2 dos povos, o incremento das mútuas relações e a facilidade de comunicações já não permitem que parte alguma da sociedade permaneça fechada em si mesma. Sejam, portanto, solícitos pelas necessidades do povo de Deus, disperso por todo o mundo: em primeiro lugar, façam suas as obras missionárias, prestando-lhes auxílio material e até pessoal. Com efeito, é obrigação e honra para os cristãos restituir a Deus parte dos bens que dele recebem. A família 11. Uma vez que o Criador de todas as coisas constituiu a comunidade conjugal como princípio e fundamento da sociedade humana, e, pela sua graça, a tornou grande sacramento em Cristo e na Igreja (Ef 5,32), o apostolado dos cônjuges e das famílias tem importância singular, tanto para a Igreja como para a sociedade civil. Os cônjuges cristãos são, um para o outro e para os seus filhos e demais familiares, cooperadores da graça e testemunhas da fé. Para os seus filhos, eles são os primeiros pregoeiros da fé e educadores; pela palavra e pelo exemplo, formam-nos para a vida cristã e apostólica e ajudam-nos a escolher prudentemente a sua vocação e acalentam com todo o cuidado a vocação de consagração, neles porventura descoberta. Foi sempre dever dos cônjuges, hoje, porém, constitui a parte principal do seu apostolado: manifestar e provar, pela sua vida, a indissolubilidade e santidade do vínculo matrimonial; afirmar intrepidamente o dever e o direito, conferido aos pais e aos tutores, de educar cristãmente a prole; defender a dignidade e a legítima autonomia da família. Cooperem, pois, eles e os outros fiéis, com os homens de boa vontade, para que na legislação civil estes direitos sejam salvaguardados; que no governo da sociedade se tenham em conta as necessidades das famílias, no que respeita à habitação, educação dos filhos, condições de trabalho, segurança social e contribuições; que, na ordenação das migrações, se ponha absolutamente em segurança o agregado familiar. A própria família recebeu de Deus esta missão, de ser a célula primeira e vital da sociedade. Cumprirá esta missão se, pela mútua piedade dos membros e pela oração em comum dirigida a Deus, se mostrar como que o santuário doméstico da Igreja; se a família toda se inserir no culto litúrgico da Igreja; se, finalmente, oferecer hospitalidade acolhedora, promover a justiça e outras boas obras em serviço de todos os irmãos constituídos em necessidade. Entre as várias atividades do apostolado familiar, podem enumerar-se as seguintes: adotar como filhos crianças abandonadas, receber benignamente os peregrinos, cooperar na orientação das escolas, assistir aos adolescentes com conselhos e com meios econômicos, ajudar os noivos a prepararem-se melhor para o matrimônio, trabalhar na catequese, amparar os cônjuges e as famílias que estão em perigo material ou moral, prover os velhos não só com o necessário, mas ainda procurar-lhes os frutos eqüitativos do progresso econômico. Sempre e em toda a parte, mas de modo particular nas regiões em que se espalham as primeiras sementes do Evangelho ou onde a Igreja está ainda nos seus começos ou atravessa um perigo grave, as famílias cristãs, sendo coerentes na sua vida toda com o Evangelho e dando exemplo do matrimônio cristão, oferecem ao mundo um preciosíssimo testemunho de Cristo. Para poderem mais facilmente atingir os fins do seu apostolado, pode ser oportuno que as famílias se reúnam em associações. Os jovens 12. Os jovens exercem uma influência da máxima importância na sociedade atual. As circunstâncias da sua vida, a sua mentalidade e as próprias relações com a família estão muito mudadas. Muitas vezes, passam com demasiada rapidez a uma nova condição social e econômica. Enquanto, porém, de dia para dia cresce a sua importância social e também política, mostram-se como que impreparados para receberem com a devida aptidão novos encargos. Esta sua influência crescente na sociedade exige deles atuação apostólica correspondente, para a qual a sua própria índole natural os dispõe. Com o amadurecimento da consciência da própria personalidade, impelidos pelo ardor da vida e por um dinamismo transbordante, assumem a responsabilidade própria, desejam tomar parte na vida social e cultural: deste zelo, se é imbuído pelo espírito de Cristo e animado pela obediência e amor aos Pastores da Igreja, podem esperar-se frutos 3 abundantíssimos. Eles devem tornar-se os primeiros e os imediatos apóstolos dos jovens, exercendo o apostolado pessoal entre os seus próprios companheiros, tendo em conta o ambiente social onde vivem. Procurem os adultos estabelecer um diálogo amigável com os jovens que permita a ambas as partes, superada a distância da idade, conhecerem-se mutuamente e comunicarem, uma à outra, as riquezas próprias de cada uma. Que os adultos estimulem a juventude ao apostolado, primeiro pelo exemplo e, oferecida a oportunidade, também por conselhos prudentes e auxílio válido. Por sua parte, os jovens cultivem a reverência e a confiança nos adultos; e, embora sejam naturalmente inclinados às inovações, tenham, todavia, no devido apreço as tradições louváveis. Também as crianças têm uma atuação apostólica própria. Segundo as suas forças, elas são verdadeiras testemunhas vivas de Cristo entre os companheiros. Ambiente social 13. O apostolado no meio social, isto é, o empenho de enformar de espírito cristão a mente e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que se vive, é de tal maneira múnus e obrigação dos leigos que nunca pode ser devidamente realizado por outrem. Neste campo, podem os leigos exercer um apostolado de semelhante para semelhante. Aí completam o testemunho da vida pelo testemunho da palavra. Aí, no ambiente do trabalho, ou da profissão, ou do estudo, ou da habitação, ou dos tempos livres, ou de convivência, eles estão em condições mais favoráveis para ajudar os irmãos. Os leigos realizam esta missão da Igreja no mundo, antes de tudo, por aquela coerência da vida com a fé, pela qual se tornam luz do mundo; pela sua probidade em qualquer negócio, pela qual atraem todos ao amor da verdade e do bem e, por fim a Cristo e à Igreja; pela caridade fraterna com a qual, fazendo-se participantes das condições da vida, dos trabalhos, das dores e aspirações dos irmãos, dispõem o coração de todos, pouco a pouco, para a ação da graça salutar; por aquela plena consciência da parte que lhes cabe na edificação da sociedade, por imperativo da qual se esforçam por cumprir, com magnanimidade cristã, os seus deveres domésticos, sociais e profissionais. Assim, o seu modo de agir vai penetrando, pouco a pouco, no ambiente de vida e de trabalho. Este apostolado deve abranger todos os que aí se encontram e não excluir nenhum bem espiritual ou temporal que se lhes possa fazer; mas os verdadeiros apóstolos, não contentes só com esta ação, dispõem-se a anunciar Cristo ao próximo, mesmo por palavras. Com efeito, muitos homens não podem ouvir o Evangelho e conhecer Cristo, senão por intermédio dos leigos que os cercam. Ordem nacional e internacional 14. Abre-se um campo imenso de apostolado na ordem nacional e internacional, onde os leigos, sobretudo, são ministros da sabedoria cristã. Na piedade para com a pátria e no fiel cumprimento dos deveres cívicos, os católicos sintam-se obrigados a promover o verdadeiro bem comum e, assim, façam valer o peso da sua opinião, para que o poder civil se exerça com justiça e as leis estejam de acordo com os preceitos morais e com o bem comum. Os católicos peritos nos negócios públicos e devidamente firmados na fé e na doutrina cristã não recusem exercer cargos públicos, uma vez que, por meio deles, exercidos devidamente, podem promover o bem comum e simultaneamente abrir o caminho ao Evangelho. Procurem os católicos cooperar com todos os homens de boa vontade na promoção de tudo o que é verdadeiro, de tudo o que é justo, de tudo o que é santo, de tudo o que é amável (cf. Fl 4,8). Travem diálogo com eles, indo até eles com prudência e delicadeza, e investiguem como aperfeiçoar as instituições sociais e públicas segundo o espírito do Evangelho. Entre os sinais do nosso tempo, é digno de menção especial esse crescente e inelutável sentido de solidariedade de todos os povos. É dever do apostolado dos leigos promovê-lo solicitamente e convertê-lo em sincero e verdadeiro afeto fraterno. Além disso, os leigos devem tomar consciência do campo internacional e das questões e soluções, quer doutrinais quer práticas, que nele surgem, sobretudo quanto aos povos em via de desenvolvimento. 4 Lembrem-se todos os que trabalham noutras nações ou lhes prestam auxílios de que as relações entre os povos devem ser um verdadeiro intercâmbio fraterno, em que cada um dá e recebe ao mesmo tempo. Os que se deslocam por causa de trabalhos internacionais, ou de negócios, ou de descanso, recordem-se de que são, em toda a parte, também mensageiros itinerantes de Cristo e como tais se devem comportar em verdade. EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL CHRISTIFIDELES LAICI DE SUA SANTIDADE O PAPA JOÃO PAULO II SOBRE VOCAÇÃO E MISSÃO DOS LEIGOS NA IGREJA E NO MUNDO O empenhamento apostólico na paróquia 27. Necessário se torna agora considerar mais de perto a comunhão e a participação dos fiéis leigos na vida da Paróquia. Nesse sentido deve chamar-se a atenção de todos os fiéis leigos, homens e mulheres, para uma observação tão verdadeira, significativa e estimulante, feita pelo Concílio: « No seio das comunidades da Igreja — lemos no Decreto sobre o apostolado dos leigos — a sua ação é tão necessária que, sem ela, o próprio apostolado dos pastores não pode conseguir, na maior parte das vezes, todo o seu efeito ».(100) Esta é uma afirmação radical que, evidentemente, deve ser vista à luz da « eclesiologia de comunhão »: sendo diferentes e complementares, os ministérios e os carismas são todos necessários para o crescimento da Igreja, cada um segundo a própria modalidade. Os fiéis leigos devem convencer-se cada vez mais do particular significado que tem o empenhamento apostólico na sua Paróquia. É ainda o Concílio que com autoridade o sublinha: « A Paróquia dá-nos um exemplo claro de apostolado comunitário porque congrega numa unidade toda a diversidade humana que aí se encontra e insere essa diversidade na universalidade da Igreja. Habituem-se os leigos a trabalhar na Paróquia intimamente unidos aos seus sacerdotes, a trazer para a comunidade eclesial os próprios problemas e os do mundo e as questões que dizem respeito à salvação dos homens, para que se examinem e resolvam com o concurso de todos. Habituem-se a prestar auxílio a toda a iniciativa apostólica e missionária da sua comunidade eclesial na medida das próprias forças ». (101) O acento posto pelo Concílio na análise e na solução dos problemas pastorais « com o contributo de todos » deve encontrar o seu progresso adequado e estruturado na valorização cada vez mais convicta, ampla e decidida, dos Conselhos pastorais paroquiais, nos quais justamente insistiram os Padres sinodais.(102) Nas atuais circunstâncias, os fiéis leigos podem e devem fazer muitíssimo para o crescimento de uma autêntica comunhão eclesial no seio das suas paróquias e para o despertar do impulso missionário em ordem aos não crentes e, mesmo, aos crentes que tenham abandonado ou arrefecido a prática da vida cristã. A Paróquia, sendo a Igreja colocada no meio das casas dos homens, vive e atua profundamente integrada na sociedade humana e intimamente solidária com as suas aspirações e os seus dramas. Frequentemente, o contexto social, sobretudo em certos países e ambientes, é violentemente sacudido por forças de desagregação e de desumanização: o homem pode encontrar-se perdido e desorientado, mas no seu coração permanece o desejo, cada vez maior, de poder sentir e cultivar relações mais fraternas e humanas. A resposta a esse desejo pode ser dada pela Paróquia, quando esta, graças à participação viva dos fiéis leigos, se mantém coerente com a sua originária vocação e missão: ser no mundo « lugar » da comunhão dos crentes e, ao mesmo tempo, « sinal » e « instrumento » da vocação de todos para a comunhão; numa palavra, ser a casa que se abre para todos e que está ao serviço de todos, ou, como gostava de dizer o Papa João XXIII, o fontanário da aldeia a que todos acorrem na sua sede. Formas de participação na vida da Igreja 5 28. Os fiéis leigos, juntamente com os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, formam o único Povo de Deus e Corpo de Cristo. Ser « membros » da Igreja nada tira ao fato de cada cristão ser um ser « único e irrepetível », antes, garante e promove o sentido mais profundo da sua unicidade e irrepetibilidade, enquanto é fonte de verdade e de riqueza para a Igreja inteira. Nesse sentido, Deus, em Jesus Cristo, chama cada qual pelo próprio e inconfundível nome. O convite do Senhor: « Ide vós também para a minha vinha » dirige-se a cada um pessoalmente e soa: « Vem também tu para a minha vinha »! Assim, cada um na sua unicidade e irrepetibilidade, com o seu ser e o seu agir, põe-se ao serviço do crescimento da comunhão eclesial, como, por sua vez, recebe singularmente e faz sua a riqueza comum de toda a Igreja. Esta é a « Comunhão dos Santos », que nós professamos no Credo: o bem de todos torna-se o bem de cada um e o bem de cada um torna-se o bem de todos. « Na santa Igreja — escreve São Gregório Magno — cada um é apoio dos outros e os outros são seu apoio ».(103) Formas pessoais de participação É absolutamente necessário que cada fiel leigo tenha sempre viva consciência de ser um « membro da Igreja », a quem se confia um encargo original insubstituível e indelegável, que deverá desempenhar para o bem de todos. Numa tal perspectiva, assume todo o seu significado a afirmação conciliar sobre a necessidade absoluta do apostolado de cada pessoa: « O apostolado individual que deriva com abundância da fonte de uma vida verdadeiramente cristã (cf. Jo 4, 14), é origem e condição de todo o apostolado dos leigos, mesmo do associado, e nada o pode substituir. A este apostolado, sempre e em toda a parte proveitoso e em certas circunstâncias o único conveniente e possível, são chamados e, por isso, obrigados todos os leigos, de qualquer condição, ainda que não se lhes proporcione ocasião ou possibilidade de cooperar nas associações ».(104) No apostolado individual existem grandes riquezas que precisam de ser descobertas em ordem a uma intensificação do dinamismo missionário de cada fiel leigo. Com essa forma de apostolado, a irradiação do Evangelho pode tornar-se mais capilar, chegando a tantos lugares e ambientes quanto os que estão ligados à vida quotidiana e concreta dos leigos. Trata-se, além disso, de uma irradiação constante, estando ligada à contínua coerência da vida pessoal com a fé; e também de uma irradiação particularmente incisiva, porque, na total partilha das condições de vida, do trabalho, das dificuldades e esperanças dos irmãos, os fiéis leigos podem atingir o coração dos seus vizinhos, amigos ou colegas, abrindo-o ao horizonte total, ao sentido pleno da existência: a comunhão com Deus e entre os homens. Chegou a hora de nos lançarmos numa nova evangelização 34. Países inteiros e nações, onde a religião e a vida cristã foram em tempos tão prósperas e capazes de dar origem a comunidades de fé viva e operosa, encontram-se hoje sujeitos a dura prova, e, por vezes, até são radicalmente transformados pela contínua difusão do indiferentismo, do secularismo e do ateísmo. É o caso, em especial, dos países e das nações do chamado Primeiro Mundo, onde o bemestar econômico e o consumismo, embora à mistura com tremendas situações de pobreza e de miséria, inspiram e permitem viver « como se Deus não existisse ». Ora, a indiferença religiosa e a total insignificância prática de Deus nos problemas, mesmo graves, da vida não são menos preocupantes e subversivos do que o ateísmo declarado. E também a fé cristã, mesmo sobrevivendo em algumas manifestações tradicionais e ritualistas, tende a desaparecer nos momento mais significativos da existência, como são os momentos do nascer, do sofrer e do morrer. Daí que se levantem interrogações e enigmas tremendos, que, ao ficarem sem resposta, expõem o homem contemporâneo à desilusão desconfortante e à tentação de eliminar a mesma vida humana que levanta esses problemas. Noutras regiões ou nações, porém, conservam-se bem vivas ainda tradições de piedade e de religiosidade popular cristã; mas, esse patrimônio moral e espiritual corre hoje o risco de esbater-se sob o impacto de múltiplos processos, entre os quais sobressaem a secularização e a difusão das seitas. Só uma nova evangelização poderá garantir o crescimento de uma fé límpida e profunda, capaz de converter tais tradições numa força de liberdade autêntica. 6 É urgente, sem dúvida, refazer em toda a parte o tecido cristão da sociedade humana. Mas, a condição é a de se refazer o tecido cristão das próprias comunidades eclesiais que vivem nesses países e nessas nações. Ora, os fiéis leigos, por força da sua participação no múnus profético de Cristo, estão plenamente envolvidos nessa tarefa da Igreja. Pertence-lhes, em particular, dar testemunho de como a fé cristã, mais ou menos conscientemente. Ouvida e invocada por todos, seja a única resposta plenamente válida para os problemas e as esperanças que a vida põe a cada homem e a cada sociedade. Será isso possível, se os fiéis leigos souberem ultrapassar em si mesmos a ruptura entre o Evangelho e a vida, refazendo na sua quotidiana atividade em família, no trabalho e na sociedade, a unidade de uma vida que no Evangelho encontra inspiração e força para se realizar em plenitude. Repito mais uma vez a todos os homens contemporâneos o grito apaixonado com que iniciei o meu serviço pastoral: « Não tenhais medo! Abri, ou antes, escancarai as portas a Cristo! Abri ao Seu poder salvador os confins dos Estados, os sistemas econômicos assim como os políticos, os vastos campos da cultura, da civilização, do progresso. Não tenhais medo! Cristo sabe bem "o que está dentro do homem". Só Ele o sabe! Hoje em dia muito frequentemente o homem não sabe o que traz no interior de si mesmo, no profundo do seu ânimo e do seu coração. Muito frequentemente se encontra incerto acerca do sentido da sua vida sobre esta Terra. E sucede que é invadido pela dúvida que se transforma em desespero. Permiti, pois, — peço-vos e vo-lo imploro com humildade e confiança — deixai que Cristo fale ao homem. Só Ele tem palavras de vida; sim, de vida eterna ».(124) Escancarar a porta a Cristo, acolhe-lo no espaço da própria humanidade, não é, de modo algum, ameaça para o homem, mas antes, é a única estrada a percorrer, se quisermos reconhecer o homem na sua verdade total e exaltá-lo nos seus valores. A síntese vital que os fiéis leigos souberem fazer entre o Evangelho e os deveres quotidianos da vida será o testemunho mais maravilhoso e convincente de que não é o medo, mas a procura e a adesão a Cristo, que são o fator determinante para que o homem viva e cresça, e para que se alcancem novas formas de viver mais conformes com a dignidade humana. O homem é amado por Deus! Este é o mais simples e o mais comovente anúncio de que a Igreja é devedora ao homem. A palavra e a vida de cada cristão podem e devem fazer ecoar este anúncio: Deus ama-te, Cristo veio por ti, para ti Cristo é « Caminho, Verdade, Vida » (Jo 14, 6)! Esta nova evangelização, dirigida, não apenas aos indivíduos mas a inteiras faixas de população, nas suas diversas situações, ambientes e culturas, tem por fim formar comunidades eclesiais maduras, onde, a fé desabroche e realize todo o seu significado originário de adesão à pessoa de Cristo e ao Seu Evangelho, de encontro e de comunhão sacramental com Ele, de existência vivida na caridade e no serviço. Os fiéis leigos têm a sua parte a desempenhar na formação de tais comunidades eclesiais, não só com uma participação ativa e responsável na vida comunitária e, portanto, com o seu insubstituível testemunho, mas também com o entusiasmo e com a ação missionária dirigida a quantos não creem ainda ou já não vivem a fé recebida no Batismo. Em relação às novas gerações, os fiéis leigos devem dar um precioso contributo, necessário como nunca, com uma obra sistemática de catequese: Os Padres sinodais acolheram com gratidão o trabalho dos catequistas, reconhecendo que eles « têm uma tarefa de grande importância na animação das comunidades eclesiais ».(125) é verdade que os pais cristãos são os primeiros e insubstituíveis catequistas dos próprios filhos, habilitados que o foram para isso pelo sacramento do Matrimonio, mas, ao mesmo tempo, devemos todos ter consciência do direito que assiste a todo o batizado de ser instruído, educado, acompanhado na fé e na vida cristã. 7 Documento de Aparecida 5.3.4 - Os fiéis leigos e leigas, discípulos e missionários de Jesus, Luz do Mundo 209. Os fiéis leigos são “os cristãos que estão incorporados a Cristo pelo batismo, que formam o povo de Deus e participam das funções de Cristo: sacerdote, profeta e rei. Realizam, segundo sua condição, a missão de todo o povo cristão na Igreja e no102 CELAM mundo”108. São “homens da Igreja no coração do mundo, e homens do mundo no coração da Igreja”. 109 210. Sua missão própria e específica se realiza no mundo, de tal modo que, com seu testemunho e sua atividade, contribuam para a transformação das realidades e para a criação de estruturas justas segundo os critérios do Evangelho. “O espaço próprio de sua atividade evangelizadora é o mundo vasto e complexo da política, da realidade social e da economia, como também da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos „mass media‟, e outras realidades abertas à evangelização, como o amor, a família, a educação das crianças e adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento”. 110 Além disso, eles têm o dever de fazer crível a fé que professam, mostrando autenticidade e coerência em sua conduta. 211. Os leigos também são chamados a participar na ação pastoral da Igreja, primeiro como testemunho de vida e, em segundo lugar, com ações no campo da evangelização, da vida litúrgica e outras formas de apostolado, segundo as necessidades locais sob a guia de seus pastores. Estes estarão dispostos a abrir para eles espaços de participação e confiar-lhes ministérios e responsabilidades em uma Igreja onde todos vivam de maneira responsável seu compromisso cristão. Aos catequistas, ministros da Palavra e animadores de comunidades que cumprem magnífica tarefa dentro da Igreja,111 os reconhecemos e animamos a continuarem o compromisso que adquiriram no batismo e na confirmação. 212. Para cumprir sua missão com responsabilidade pessoal, os leigos necessitam de sólida formação doutrinal, pastoral, espiritual e adequado acompanhamento para darem testemunho de Cristo e dos valores do Reino no âmbito da vida social, econômica, política e cultural. 213. Hoje, toda a Igreja na América Latina e no Caribe querem colocar-se em estado de missão. A evangelização do Continente, dizia-nos o papa João Paulo II, não pode realizar-se hoje sem a colaboração dos fiéis leigos.112 Hão de ser parte ativa e criativa na elaboração e execução de projetos pastorais a favor da comunidade. Isso exige, da parte dos pastores, maior abertura de mentalidade para que entendam e acolham o “ser” e o “fazer” do leigo na Igreja, que por seu batismo e sua confirmação é discípulo e missionário de Jesus Cristo. Em outras palavras, é necessário que o leigo seja levado em consideração com espírito de comunhão e participação113. 214. Nesse contexto, é um sinal de esperança o fortalecimento de várias associações leigas, movimentos apostólicos eclesiais e caminhos de formação cristã, comunidades eclesiais e novas comunidades, que devem ser apoiados pelos pastores. Estes ajudam muitos batizados e muitos grupos missionários a assumir com maior responsabilidade sua identidade cristã e colaborar mais ativamente na missão evangelizadora. Nas últimas décadas, várias associações e movimentos apostólicos leigos desenvolveram forte protagonismo. Por isso, um adequado discernimento, incentivo, coordenação e condução pastoral, sobretudo da parte dos sucessores dos Apóstolos, contribuirá para ordenar esse dom para a edificação da única Igreja114. 215. Reconhecemos o valor e a eficácia dos Conselhos paroquiais, Conselhos diocesanos e nacionais de fiéis leigos, porque incentivam a comunhão e a participação na Igreja e sua presença ativa no mundo. A construção da cidadania, no sentido mais amplo, e a construção de eclesialidade nos leigos, é um só e único movimento. Evangelii Gaudium A Alegria do Evangelho Outros desafios eclesiais 102. A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu serviço, está uma minoria: os ministros ordenados. Cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na Igreja. Embora 8 não suficiente, pode-se contar com um numeroso laicado, dotado de um arreigado sentido de comunidade e uma grande fidelidade ao compromisso da caridade, da catequese, da celebração da fé. Mas, a tomada de consciência desta responsabilidade laical que nasce do Batismo e da Confirmação não se manifesta de igual modo em toda a parte; nalguns casos, porque não se formaram para assumir responsabilidades importantes, noutros por não encontrar espaço nas suas Igrejas particulares para poderem exprimir-se e agir por causa dum excessivo clericalismo que os mantém à margem das decisões. Apesar de se notar uma maior participação de muitos nos ministérios laicais, este compromisso não se reflete na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e económico; limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenhamento real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade. A formação dos leigos e a evangelização das categorias profissionais e intelectuais constituem um importante desafio pastoral. 103. A Igreja reconhece a indispensável contribuição da mulher na sociedade, com uma sensibilidade, uma intuição e certas capacidades peculiares, que habitualmente são mais próprias das mulheres que dos homens. Por exemplo, a especial solicitude feminina pelos outros, que se exprime de modo particular, mas não exclusivamente, na maternidade. Vejo, com prazer, como muitas mulheres partilham responsabilidades pastorais juntamente com os sacerdotes, contribuem para o acompanhamento de pessoas, famílias ou grupos e prestam novas contribuições para a reflexão teológica. Mas ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Porque «o génio feminino é necessário em todas as expressões da vida social; por isso deve ser garantida a presença das mulheres também no âmbito do trabalho» [72] e nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes, tanto na Igreja como nas estruturas sociais. De pessoa a pessoa 127. Hoje que a Igreja deseja viver uma profunda renovação missionária, há uma forma de pregação que nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação informal que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um missionário quando visita um lar. Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho. 128. Nesta pregação, sempre respeitosa e amável, o primeiro momento é um diálogo pessoal, no qual a outra pessoa se exprime e partilha as suas alegrias, as suas esperanças, as preocupações com os seus entes queridos e muitas coisas que enchem o coração. Só depois desta conversa é que se pode apresentar-lhe a Palavra, seja pela leitura de algum versículo ou de modo narrativo, mas sempre recordando o anúncio fundamental: o amor pessoal de Deus que Se fez homem, entregou-se a Si mesmo por nós e, vivo, oferece a sua salvação e a sua amizade. É o anúncio que se partilha com uma atitude humilde e testemunhal de quem sempre sabe aprender, com a consciência de que esta mensagem é tão rica e profunda que sempre nos ultrapassa. Umas vezes exprime-se de maneira mais direta, outras através dum testemunho pessoal, uma história, um gesto, ou outra forma que o próprio Espírito Santo possa suscitar numa circunstância concreta. Se parecer prudente e houver condições, é bom que este encontro fraterno e missionário conclua com uma breve oração que se relacione com as preocupações que a pessoa manifestou. Assim ela sentirá mais claramente que foi ouvida e interpretada, que a sua situação foi posta nas mãos de Deus, e reconhecerá que a Palavra de Deus fala realmente à sua própria vida. 129. Contudo não se deve pensar que o anúncio evangélico tenha de ser transmitido sempre com determinadas fórmulas pré-estabelecidas ou com palavras concretas que exprimam um conteúdo absolutamente invariável. Transmite-se com formas tão diversas que seria impossível descrevê-las ou catalogá-las, e cujo sujeito coletivo é o povo de Deus com seus gestos e sinais inumeráveis. Por conseguinte, se o Evangelho se encarnou numa cultura, já não se comunica apenas através do anúncio de pessoa a pessoa. Isto deve fazer-nos pensar que, nos países onde o cristianismo é minoria, para além de animar cada batizado a anunciar o Evangelho, as Igrejas particulares hão de promover ativamente formas, pelo menos incipientes, de inculturação. Enfim, o que se deve procurar é que a pregação do Evangelho, expressa com categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura. Embora estes processos sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado. Se deixamos que as dúvidas e os medos sufoquem toda a ousadia, é possível que, em vez de sermos criativos, nos deixemos simplesmente ficar cómodos sem provocar qualquer avanço e, neste caso, não seremos participantes dos processos históricos com a nossa cooperação, mas simplesmente espectadores duma estagnação estéril da Igreja. 9 Diretrizes gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil – Doc.94 CNBB Igreja em estado permanente de missão 33. Neste redescobrir missionário, emerge, em primeiro lugar, o papel de cada pessoa batizada em todos os lugares e situações em que se encontrar. Trata-se do testemunho pessoal, base sobre a qual o explícito anúncio haverá de ser construído.32 Períodos históricos com menores doses de incerteza e oscilação oferecem aos discípulos missionários referências de valores que desaparecem nas mudanças de época, deixando-os sozinhos em meio à grande diversidade de valores e crenças. Este, portanto, é um tempo do testemunho! Em virtude do enfraquecimento das instituições e das tradições, cresce a responsabilidade pessoal. Em outras épocas, instituições e tradições protegiam bem mais os indivíduos. Nesta mudança de época, instituições e tradições tendem a ser socioculturalmente julgadas com base na ação dos indivíduos. Ninguém, em sã consciência, deseja colaborar para o mal. Em tempos de perplexidade e incertezas, os discípulos missionários sabem que necessitam de rigor ainda maior naquilo que sentem, pensam e fazem. Devem verificar se, em razão das perplexidades e incertezas, não estão, de algum modo, deixando de realmente defender, promover e testemunhar a vida em todas as suas instâncias34. Em segundo lugar, surge a urgência de pensar estruturas pastorais que favoreçam a realização da atual consciência missionária. Esta “deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais”,33 a ponto de deixar para trás práticas, costumes e estruturas que, ao corresponderem a outros momentos históricos, já não têm atualmente grandes condições de favorecer a transmissão da fé, como lembra Aparecida.34 Não se trata, portanto, de negar tudo que já foi feito em outras épocas, mas de reconhecer que, nesta mudança de época, é preciso agir com firmeza e rapidez. É neste sentido que se entende a convocação de Aparecida à conversão pastoral, através da qual se ultrapassam os limites de uma “pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária”. Comunidade de Comunidade: uma nova paróquia – Doc. 100 - CNBB 1.7 Conversão para a missão 58. A conversão pastoral supõe passar de uma pastoral ocupada apenas com as atividades internas da Igreja, para uma pastoral que dialogue com o mundo. A paróquia missionária há de ocupar-se menos com detalhes secundários da vida paroquial e focar-se mais no que realmente propõe o Evangelho. 59. A conversão e a revisão das estruturas não se realizam para modernizar a Igreja, mas para buscar maior fidelidade ao que Jesus quer da sua comunidade. É exigência da missão a renovação dos costumes, estilos, horários e linguagem. Só assim toda a estrutura eclesial favorecerá mais à evangelização do que à autopreservação da paróquia. 32 60. Enquanto a comunidade paroquial for autorreferencial, ocupando-se apenas de suas questões internas, tende a atrair cada vez menos pessoas, pois “o discípulo de Cristo não é uma pessoa isolada em uma espiritualidade intimista, mas uma pessoa em comunidade para se dar aos outros.” 33 1.8 Breve conclusão 61. A paróquia atual está desafiada a se renovar diante das aceleradas mudanças deste tempo. Desviar-se dessa tarefa é uma atitude impensável para o discípulo missionário de Jesus Cristo. Isso implica ter coragem de enxergar os limites das práticas atuais em vista de uma ousadia missionária capaz de atender aos novos contextos que desafiam a evangelização. A renovação da paróquia tem fonte perene no encontro com Jesus Cristo, a ser renovado constantemente pelo anúncio do querigma. 5.5 Os leigos 210. A missão dos leigos deriva do Batismo e da Confirmação: “A sua ação dentro das comunidades eclesiais é tão necessária que, sem ela, o próprio apostolado dos pastores não pode conseguir, na maior parte das vezes, todo o seu efeito.” 110 O Concílio Vaticano II tratou da atuação dos leigos na vida 10 da Igreja e no mundo, testemunhando Cristo além dos limites da comunidade de fé e colaborando diretamente com as atividades pastorais. 211. Para que leigos e leigas possam superar o clericalismo e crescer em suas responsabilidades, é preciso fomentar a sua participação nas comunidades eclesiais, nos grupos bíblicos, nos conselhos pastorais e de administração paroquial. O empenho para que haja a participação de todos nos destinos da comunidade supõe reconhecer a diversidade de carismas, serviços e ministérios dos leigos, até mesmo confiando-lhes a administração de uma paróquia, quando a situação o exigir, como prevê o Código de Direito Canônico.109 212. Para que os fiéis leigos e leigas possam assumir sua corresponsabilidade no trabalho pastoral e testemunhem a fé cristã na vida pública, é urgente desencadear um processo integral de formação, que seja programada, sistemática e não meramente ocasional, considerando especialmente a Doutrina Social da Igreja. Assim leigos e leigas se compreenderão como sujeitos da comunhão eclesial e engajados na missão.110 213. É preciso perceber e vencer o clericalismo em relação à atuação dos leigos nas comunidades, como alerta o Papa Francisco: “O pároco clericaliza, o leigo lhe pede, por favor, que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade e de liberdade cristã em parte do laicato da América Latina.”111 214. Leigos e leigas devem crescer na consciência de vocacionados a “ser Igreja” e precisam dispor de espaço para atuarem na comunidade assumindo sua participação na construção da comunidade de comunidades. Dentre os sujeitos da conversão pastoral, merecem destaque as famílias, as mulheres, os jovens, e os idosos. 6.10 Ministérios leigos 306. Na Igreja há uma pluralidade de ministérios (cf. 1Cor 12,5). Nas primeiras comunidades cristãs, por exemplo, havia apóstolos, pregadores e profetas. A Trindade enriquece a Igreja com muitos carismas que estão a serviço da comunidade, e fazem crescer a dimensão ministerial da Igreja. Os ministérios leigos também refletem a dignidade de todos os batizados e a corresponsabilidade de todos os cristãos na comunidade. 307. Para que as comunidades possam ser bem servidas e crescer na fé, é necessário estimular a participação de leigos nos diferentes ministérios e serviços.156 Destaque especial deve ser dado ao Ministério da Palavra, por meio do qual homens e mulheres tornam-se autênticos animadores de comunidades. Sejam devidamente preparados líderes para, missionariamente, fundar novas comunidades eclesiais, tanto no meio rural quanto nas grandes cidades, que se expandem sempre mais, como iniciar comunidades transterritoriais, ambientais e por afinidade, possibilitando às pessoas a alegria do encontro e do seguimento do Senhor em pequenas comunidades. 308. Para cumprir sua missão, os ministros precisam estar bem preparados com sólida formação doutrinal, pastoral e espiritual. Os melhores esforços das paróquias precisam estar voltados à convocação e à formação dos leigos das comunidades, especialmente seus ministros. Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade – Estudos da CNBB 107 175. O Papa Francisco sugere alguns critérios que nos iluminam na resposta aos apelos da Nova Evangelização. Critérios gerais a. A ação evangelizadora inclui sempre a Igreja, a sociedade e cada sujeito individual como força renovadora e razão de ser da ação de todo Povo de Deus. Esse critério geral perpassa a Exortação Evangelii Gaudium e exige que toda ação do povo de Deus, sujeito coletivo que evangeliza, considere esses três espaços tanto como lugares e destinatários concretos da evangelização, quanto dimensões que se interligam nos projetos missionários. b. A ação é sempre discernimento das realidades concretas. Esse critério geral vincula a Igreja ao mundo de modo orgânico e exige que cumpra seu papel profético. O mundo é uma realidade a ser constantemente discernida. Não deve ser rejeitado ou assumido por si mesmo e em qualquer condição. Dentro do mundo, a Igreja busca demarcar sua posição a partir do Reino de Deus; rejeita tudo o que vai contra o Reino, inclusive as influências negativas da sociedade e da cultura atual (mundanismo) dentro dela; assume aquilo que os tempos atuais oferecem de positivo para a vida humana e que constituem já sinais do Reino na história. 11 c. A ação é preferível à estabilidade e à estagnação. Todos somos convidados a sair da própria comodidade e a alcançar as periferias que precisam da luz do Evangelho (cf. EG, n. 20). “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG, n. 49). d. A ação tem um foco concreto: a opção pelos pobres. A solidariedade e a defesa da vida humana, sobretudo onde ela é negada, constitui mandato de Jesus. Esse imperativo da encarnação na realidade exige que a evangelização assuma a vida do povo, se encontre com o sofredor onde Cristo se faz presente (cf. EG, n. 24). e. O diálogo com o mundo social, cultural, religioso e ecumênico deve promover a cultura do encontro e a inclusão do outro na vivência da fraternidade (cf. EG, n. 238). f. A ação deve considerar a “primazia do humano”, antes de qualquer outra, sob o risco de cair em idolatrias (cf. EG, n. 55). Critérios específicos 176. Além desses critérios gerais, o Papa enumera explicitamente quatro princípios específicos que visam contribuir para a “construção de um povo de paz, justiça e fraternidade” (EG, n. 221): 1º. O tempo é superior ao espaço. Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. Trata-se de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificarem em acontecimentos históricos, sem marcha à ré. É necessário planejar e esperar os resultados da ação em um horizonte mais amplo, dentro do qual a paciência aguarda os frutos amadurecerem, a esperança supera todos os desânimos e a fé transcende os imediatismos da ação que visa resultados para construir a plenitude da existência humana (cf. EG, n. 223). 2º. A unidade prevalece sobre os conflitos. A ação se depara sempre com situações conflitantes. A convicção de que a unidade é um princípio superior que norteia a ação permite encarar de frente o conflito e buscar caminhos de superação na direção de uma comunhão maior, anterior e para além dos conflitos, por si mesma capaz de agregar as diferenças. Para tanto, é necessário. acolher e respeitar a dignidade dos outros, suas potencialidades, descobrindo sempre neles Jesus Cristo que tudo unificou em si. Ele é nossa Paz (cf. EG, n. 228; 229). 3º. A realidade é mais importante que as ideias. A ação transformadora ocorre, evidentemente, a partir de um ideal transformador. Contudo, esse ideal não pode dispensar o realismo que percebe e acolhe a realidade concreta com seus desafios em cada momento da ação. A realidade é o lugar da encarnação da Palavra de Deus no decorrer da história de ontem e de hoje. Por isso, o cristão leigo é chamado a vivenciar no seu dia a dia o mistério da encarnação. 4º. O todo é superior à parte. O global e o local estão, mais do que nunca, em tensão em nossos dias. Ainda que a parte seja o lugar imediato da ação e da encarnação do ideal, em termos de discernimento e de encaminhamento das ações, é necessário ter sempre como horizonte maior a pessoa de Jesus Cristo e o seu Reino. Desse modo, se evitarão todas as formas de isolamentos locais e de relativismos individualistas. 12