VARIABILIDADE INTERANUAL DO RENDIMENTO DO TRIGO SIMULADO PARA SANTA MARIA, RS, BRASIL, E SUA VARIAÇÃO COM O FENÔMENO ENOS Cleber Maus Alberto1; Nereu Augusto Streck2; Galileo Adeli Buriol3 y Flavio Miguel Schneider4 INTRODUÇÃO Os elementos meteorológicos influenciam a produtividade agrícola. A variação dos elementos meteorológicos de alguns locais é parcialmente dependente de fenômenos de grande escala, como por exemplo o fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS). O ENOS afeta o tempo e a produtividade agrícola na Região Sul do Brasil (BERLATO & FONTANA, 2003). O trigo é uma cultura importante no Estado do Rio Grande do Sul. CUNHA et al. (1999) demonstraram que a produtividade de trigo no RS e no Brasil é, geralmente, abaixo da média em anos de El Niño e acima da média em anos de La Niña. Estes autores usaram dados de safra de institutos oficiais do Brasil durante o periodo 1920 a 1997 no seu estudo. Para locais específicos, a utilização de modelos matemáticos de rendimento das culturas é uma alternativa para o estudo da variabilidade de rendimento para uma série longa de dados meteorológicos. Uma opção para a simulação do rendimento de culturas são os modelos matemáticos mecanísticos simplificados, que utilizam um reduzido número de informações, são compostos por funções matemáticas robustas e podem ser usados para diversas situações, sendo intermediários entre modelos de regressão e modelos complexos. Exemplo destes tipos de modelo são os modelos de AMIR & SINCLAIR (1991a,b). O objetivo deste trabalho foi simular o rendimento do trigo ao longo de 32 anos em Santa Maria, RS, na condição potencial e com restrição hídrica no solo em diferentes épocas de semeadura e para grupos genotípicos com diferentes ciclos de desenvolvimento e, associá-los ao evento ENOS. MATERIAL E MÉTODOS Este estudo numérico foi realizado para as condições de Santa Maria, RS, Brasil (latitude: 29º41’S, longitude: 53º42’S e altitude: 95m). O clima da região, conforme classificação de Köppen, é do tipo Cfa subtropical úmido com verões quentes e sem estação seca definida (MORENO, 1961). Foram utilizados dados diários de temperatura máxima (ºC) e mínima (ºC), brilho solar (h) e precipitação (mm) coletados na estação climatológica principal do 8º DISME/MA e localizada no campo experimental do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria durante o período de 1969 a 2001. O rendimento do trigo potencial e com restrição hídrica no solo foi calculado através dos modelos de AMIR & SINCLAIR (1991a) e AMIR & SINCLAIR (1991b), respectivamente. Os modelos funcionam numa escala diária. A densidade de fluxo de radiação solar global incidente, necessária em ambos modelos, foi estimada a partir do brilho solar pela equação de Angstrom com coeficientes mensais para Santa Maria apresentados em ESTEFANEL et al. (1990). Os valores do conteúdo de água no solo no ponto de murcha permanente (PMP) e na capacidade de campo (CC), necessários no modelo de AMIR & SINCLAI (1991b), foram 0,116cm3.cm-3 e 0,232cm3.cm-3, respectivamente (NASCIMENTO, 1981), para o solo da unidade de mapeamento São Pedro, um Argissolo Vermelho-Amarelo Distrófico Arênico (EMBRAPA, 1999) representativo da região. Neste modelo o solo é dividido em duas camadas, a primeira com 0,15 m e a segunda camada de 1,05m. Utilizou-se um único valor de PMP e CC para todo o perfil. Foram adotadas sete datas de semeadura para a cultura do trigo: 15/04, 30/04, 15/05, 30/05, 14/06, 29/06 e 14/07. A época recomendada de semeadura para a cultura do trigo na região de Santa Maria, RS, é de 11/05 a 20/06 (EMBRAPA, 2004). Foram simulados três ciclos de desenvolvimento para a cultura do trigo, precoce, médio e tardio cuja soma térmica acumulada entre o final de crescimento da haste principal e a antese de 370, 460 e 520ºC (AMIR & SINCLAIR, 1991a,b), respectivamente. Os ciclos precoce e médio são os que melhor representam as cultivares de trigo usadas no Sul do Brasil, conforme um ensaio de 14 cultivares realizado em Santa Maria, RS, no ano de 2003 (N.A. STRECK, comunicação pessoal). O sistema de cultivo utilizado foi trigo-pousio. Para fins de simulação considerou-se que, durante o período de pousio, não havia vegetação em crescimento ativo sobre a superfície do solo e os restos culturais foram incorporados ao solo, o que resultou na perda de água por evaporação na taxa potencial. A simulação foi iniciada em 01/01/1969 com o solo na CC e finalizada em 31/12/2001. Os anos de ocorrência de El Niño e La Niña foram retirados do website do Centro Integrado de Meteorologia e Recursos Hídricos (http://www.climerh.rct-sc/elnino/enso.html). Para relacionar a rendimento do trigo com o fenômeno ENSO, os valores de rendimento foram agrupados em anos de El Niño(EN), La Niña(LN) e Normais(N), considerando-se o evento ocorrido no segundo semestre do ano civil. RESULTADOS E DISCUSSÃO Houve grande variabilidade interanual do rendimento da cultura do trigo ao longo dos 32 anos de simulação (figura 1). O maior valor de rendimento para a cultura com ciclo de desenvolvimento tardio foi obtido no ano de 1989 (403,7g.m-2) e o menor rendimento foi em 1982 (185,8g.m-2). Estes dois anos caracterizam-se por serem anos de La Niña e El Niño, respectivamente. Agrônomo – Estudante de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola, Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. Bolsista da CAPES. e-mail: [email protected] 2 Eng. Agrônomo – PhD, Professor, Departamento de Fitotecnia, CCR, UFSM. 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. e-mail: [email protected]. 3 Eng. Agrônomo, Dr, Professor, Departamento de Fitotecnia, CCR, UFSM e Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Brasil. Bolsista do CNPq. 4 Eng. Agrônomo, Professor, Departamento de Fitotecnia, CCR, UFSM, Estudante de Doutorado, Programa de PósGraduação em Agronomia, CCR,UFSM, Brasil. 1Eng. respectivamente). A tendência é de diminuição do rendimento com o retardamento da época de semeadura para todos os ciclos de desenvolvimento (figura 3). Figura 1. Variabilidade interanual do rendimento de trigo com semeadura no dia 15/05, simulado pelo modelo com limitação hídrica de AMIR & SINCLAIR (1991b) para Santa Maria, RS, Brasil no período de 1969 a 2001. Figura 3. Rendimento da cultura do trigo e desvio padrão em função da época de semeadura, simulado pelo modelo de AMIR & SINCLAIR (1991a,b) com limitação hídrica (CLH) e sem limitação hídrica (SLH), no período de 1969 a 2001, para Santa Maria, RS, Brasil. Conclusões Há influência do fenômeno ENOS sobre o rendimento do trigo para Santa Maria, RS, Brasil. Com o retardamento da época de semeadura há uma tendência de diminuição de rendimento para a cultura de trigo para a região de Santa Maria, RS, Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Figura 2. Distribuição do rendimento do trigo no período de 1969 a 2001 associado aos eventos de El Niño (EN), La Niña (LN) e neutros (N), para genótipo de ciclo de desenvolvimento médio com semeadura no dia 15/05 simulado pelo modelo com limitação hídrica de AMIR & SINCLAIR (1991b) para a região de Santa Maria, RS, Brasil. A linha cheia horizontal no interior da caixa representa o percentil de 50 (mediana); a linha tracejada representa a média dos anos neutros; o final das caixas os percentis de 25 e 75; as barras os percentis de 10 e 90. Os efeitos do fenômeno ENOS sobre o rendimento de trigo estão representados na figura 2. Observou-se que em 61,5% (8/13) dos anos de El Niño apresentaram rendimento inferior a média dos anos neutros para a cultivar de genótipo de ciclo médio com semeadura no dia 15/05, resultados similares aos reportados por CUNHA et al. (1999) para o RS (57%). Já para os anos de La Niña, notou-se que 54,5%(6/11) dos anos ficaram com rendimento abaixo da média dos anos neutros, o que difere dos resultados reportados por CUNHA et al. (1999) para o RS (33%). Em 66,7% (6/9) dos anos neutros obteve-se rendimento inferior a média dos anos neutros, o que também é um tanto diferente dos resultados similares aos reportados por CUNHA et al. (1999) para o RS (37%). As médias de rendimento de trigo entre épocas de semeadura para os genótipos de ciclo médio e precoce não diferiram entre si pelo teste Tukey (nível de probabilidade de 5% de erro). Já para o genótipo de ciclo tardio, houve diferença significativa pelo teste Tukey (nível de probabilidade de 5% de erro) entre a primeira e última época de semeadura (15/04 e 14/07, AMIR, J., SINCLAIR, T.R. A model of the temperature and solar radiation effects on spring wheat growth and yield. Field Crops Research, Amsterdam, v. 28, n. 1, p. 47-58, 1991a. AMIR, J., SINCLAIR, T.R. A model of water limitation on spring wheat growth and yield. Field Crops Research, Amsterdam, v. 29, n. 1, p. 59-96, 1991b. BERLATO, M.A.; FONTANA, D.C. El Niño e La Niña: Impactos no clima, na vegetação e na agricultura do Rio Grande do Sul; aplicações de previsões climáticas na agricultura. Editora da UFRGS, Porto Alegre, 2003. 110p. CUNHA, G.R.; DALMAGO, G.A.; ESTEFANEL, V. ENSO influences on wheat crop in Brazil. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, v. 7, n.1, p. 127-138, 1999. EMBRAPA. Sistema brasileiro de classificação de solos. Brasília, Embrapa Produção de Informações; Rio de Janeiro, Embrapa solos, 1999. 412p. EMBRAPA. Indicações técnicas da Comissão SulBrasileira de Pesquisa de Trigo – 2004. Capturado em 20 abr. 2004. Online. Disponível na Internet http://www.cnpt.embrapa.br/rcsbpt04/index.htm . ESTEFANEL, V.; SCHNEIDER, F. M.; BERLATO, M. A.; et al., Insolação e radiação solar em Santa Maria, RS: I – Estimativa da radiação solar global incidente a partir dos dados de insolação. Revista do Centro de Ciências Rurais. Santa Maria, v. 20, n. 3-4, p. 203218. 1990. MORENO, J. A. Clima do Rio Grande do Sul. Secretaria da Agricultura, Porto Alegre, 46p., 1961. NASCIMENTO, J. L. DO. Características de umidade e disponibilidade de água do solo da unidade São Pedro, RS. Santa Maria, 1981. 56 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Rural), Universidade Federal de Santa Maria.