A metáfora da água

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FICHA 9
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Caderno de Exercícios
FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO
A metáfora da água
mentos centrais na poesia de
Pessoa ortónimo: a água.
Este poema é disso exemplo:
Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.
O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.
Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?
[1930]
Fernando Pessoa, in Poesias
(Ortónimo), Col. Mundo das
Letras, Porto Editora, 2007
Outros poemas que comportam
mensagens idênticas:
■
– Chove, Que fiz eu da vida?
– Boiam leves, desatentos
– Eis-me em mim absorto
– Aqui na orla da praia, mudo e
contente do mar
a. “dependem da sua sede sem nome e sem mitigação” (l. 7);
A poética de Fernando Pessoa é atravessada tão insistentemente por um
elemento líquido, que não nos podemos manter alheios à frequência com
que a água brota dos seus versos. E ela aparece de todos os modos: orvalho, chuva, oceano, mar, rio, catarata, regato, largo, charco. Ela banha a
praia, o cais, a ilha, a margem…
Vários são os estímulos, conscientes ou inconscientes, conforme a água
escolhida e que dependem da sua sede sem nome e sem mitigação. A morte
consciente do dia a dia, a morte transportada dentro de si, a fonte primeira
da vida, são traduções da água de Pessoa.
De minuto a minuto são águas diferentes as que passam. Do mesmo
modo, de minuto a minuto, a transformação incessante da substância do
ser, arrasta-o na metamorfose ontológica que nada mais é do que a morte
lenta de cada um a caminho de um fim. A mudança constante da humanidade, do indivíduo, do pensamento ou do sentimento, espelham-se no fluir
hídrico, na sucessão do caudal de água que nunca se repete. Quotidianamente o homem passa; quotidianamente morre; em cada dia ele realiza em
si a imagem que associa vida e rio.
Os rios calmos de que devemos imitar o curso, porque passamos como
eles, são testemunho da adesão de Pessoa à velha doutrina do filósofo de
Éfeso que considerava a alma humana mergulhada no sono, tendente a
transformar-se em humidade e que afirmava que a morte era a liquefação
da alma. O que Heraclito sugeria ser parte integral da insubstancialidade
humana vai, de certo modo, encontrar eco em Pessoa que, possuidor da
intuição heraclitiana, vê a morte na água.
Vária é a hidrografia da sua poética, como vimos, mas com mais frequência aparecem os rios que trazem sempre a marca duma transitoriedade: da consciência, da razão, da vida.
Na poesia de Pessoa nem sempre a água corre. Embora raramente, aparecem os lagos parados, silenciosos e solenes. Saem da sua geografia
íntima, do mapa da desgraça que traz gravado em si.
Nem por serem outras as águas, o significado delas é diferente: se cada
rio reflete a morte, cada lago a contém.
CEXP12 © Porto Editora
→ O texto aborda um dos ele-
2. Explicite o sentido das seguintes expressões:
b. “arrasta-o na metamorfose ontológica” (l. 12).
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3. Neste texto, o elemento “água”, pelo seu passar incessante, transmite a ideia de fugacidade da vida.
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3.1. Retire do texto outros elementos que traduzam essa mesma ideia.
4. Com base no texto principal, faça uma breve análise do poema de Fernando Pessoa “Contemplo o lago
mudo”, presente na nota lateral da página anterior.
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Atividade de escrita
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Texto com 200 a 300 palavras, manuscrito ou digitado.
Para realizar esta atividade tenha em conta os seguintes aspetos:
• Tema: O papel da cultura na integração do ser humano em sociedade
• Tipologia textual: Texto de opinião
• Aspetos a considerar: Meios tradicionais de apropriação de cultura: leitura, escola, família… / Meios
atuais de apropriação de cultura: Internet, televisão…
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Maria da Glória Padrão, A Metáfora em Fernando Pessoa,
2.a ed., Ed. Limiar, 1981 (adaptado)
• Este
texto de Fernando Pessoa poderá ser um ponto de partida para a elaboração do texto:
1. O conjunto das palavras “orvalho, chuva, oceano, mar, rio, catarata, regato, lago, charco, praia, cais, ilha,
margem…” constitui o campo lexical de “água”.
1.1. Justifique a afirmação.
CEXP12 © Porto Editora
[O poeta e a cultura]
[dact.] [1924?]
A inteligência elabora elementos vindos do exterior, isto é, trabalha sobre dados dos sentidos.
Vemos e ouvimos melhor − no sentido de mais completa e interessantemente − quanto mais
ampla e informada é a inteligência que está por trás do nosso ver e ouvir. Por isso com razão
disse Blake: “Um néscio não vê a mesma árvore que vê um sábio”. (Um néscio e um sábio
não veem a mesma árvore.)
Fernando Pessoa, in Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias,
Georg Lind e Jacinto do Prado Coelho (org.), 2.a ed., Ed. Ática, 1973
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