charles baudelaire e os devaneios do haxixe

Propaganda
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
CHARLES BAUDELAIRE E OS DEVANEIOS DO HAXIXE
Danieli dos Santos Pimentel
Doutoranda em Teoria da Literatura
Faculdade de Pós-Graduação em Letras (PUCRS-CAPES)
[email protected]
Resumo: É sabido que no contexto da literatura o tema dos paraísos artificiais são questões relevantes
e plausíveis de serem estudadas, pois muitos relatos de autores como Thomas de Quincey e Charles
Baudelaire popularizaram a temática ao assumirem, junto aos leitores, o uso de substâncias psicoativas.
Esses relatos pessoais deram origem a dois importantes livros: As confissões de um comedor de ópio e
Os Paraísos Artificiais. No caso, do poeta simbolista observa-se que este vai além das descrições
obtidas a partir do uso de ópio. A sua obra contém relatos não só a despeito dessa droga, mas também
sobre o haxixe e o vinho. No entanto, o artigo se ocupa apenas de um tema, o do haxixe. Assim, desse
modo, o objetivo deste trabalho é propor um estudo da obra Os Paraísos Artificiais, de Charles
Baudelaire. Para tanto, toma-se como ponto de partida os relatos sobre o uso do haxixe presente no
primeiro ensaio da referida obra em questão. Em um primeiro momento, procura-se demarcar, à luz do
pensamento de alguns críticos de Baudelaire como Paul Valéry e Anna Balakian, o lugar que a
produção poética do escritor do simbolismo francês ocupa na literatura. Em seguida, a análise crítica
possibilita traçar um quadro dos efeitos e das experiências provocadas pelo uso do haxixe e a forma
como, segundo o escritor, esse tipo de substância atua diretamente no processo de criação poética.
1 Introdução
O trabalho se centra no estudo da obra, Os Paraísos Artificiais (1998), de Charles
Baudelaire, em especial, a partir de suas experiências com o uso do haxixe. Esse longo
relato que que aparece na primeira parte da obra recebe o seguinte título: “Poema do
haxixe”. Sendo este um relato denso e poético, mesclando descrições do poeta e de outros
pacientes de quem Baudelaire coletou informações a despeito do uso e das sensações
obtidas. Acrescente-se a isso, o fato da obra de Baudelaire ser considerada como um dos
tratados mais impressionantes sobre o uso dos paraísos artificiais na literatura depois da
conhecida obra de Thomas de Quincey, As confissões de um comedor de ópio. Levando em
consideração a obra baudelairiana, o referido estudo procura destacar de que maneira
essas experiências com as drogas, no caso, o haxixe, são descritas no âmbito do texto
literário e de que maneira influenciam, atuando diretamente ou não no processo de criação
poética.
Os ensaios de Baudelaire escritos entre as décadas de 1850-60 contêm as descrições
pormenorizadas dos efeitos de drogas como o haxixe, o ópio e o vinho. Algumas descrições
provocadas pelo uso de drogas, por exemplo, são correlatas às sugestões imagéticas
presentes em um dos mais importantes poemas também de autoria de Baudelaire:
Correspondências, quarto poema de As Flores do Mal (1857).
Nesse poema, o eu-lírico relata uma espécie de experiência metafísica, cujo título
explora muito bem a fusão dos sentidos na forma como aglutina imagens sinestésicas do
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
devaneio poético e das sensações. As “correspondências” de que fala o eu-poético, nesse
caso, funcionam como uma espécie de conexão e unidade entre dois mundos, o material e
o transcendente; tentativa de conexão oculta com os mundos superiores mediada pela
relação direta com a natureza, seus símbolos e seus mistérios1. Para o poeta, a natureza é
um santuário vivo e pleno, espaço onde o eu-lírico transcende espiritualmente quando
adentra esse mundo do desconhecido.
Correspondências
A natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam filtrar não raro insólitos enredos;
O homem o cruza em meio a um bosque de segredos
Que ali o espreitam com seus olhos familiares.
Como ecos longos que à distância se matizam
Numa vertiginosa e lúgubre unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.
Há aromas frescos como a carne dos infantes,
Doces como o oboé, verdes como a campina,
E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes,
Com a fluidez daquilo que jamais termina,
Como o almíscar, o incenso e as resinas do Oriente,
Que a glória exaltam dos sentidos e da mente.
Balakian (1985, p. 30) ressalta que todo o livro de Baudelaire, em especial, o soneto
“Correspondência”, faz alusão direta a Emmanuel Swedenborg de quem Baudelaire era
leitor assíduo e outros autores como: Plutarco, Montaigne, Gassendi, Diderot, Robespierre,
Allan Poe, Chateaubriand e Ruskin.
(...) considera-se um discípulo de Swedenborg, dando como prova o magnífico
repertório de analogias e metáforas que ligam o humano ao divino – inigualável,
como diz, com exceção da Bíblia. (...) no sentido ampla da palavra, é um tradutor, um
1
Só para lembrar que o Romantismo alemão já havia tomado partido da questão do divino por meio do
swedenborguismo, como atesta Anna Balakian (1985, p. 27): “a influência de Swedenborg sobre o
Romantismo, além das modas e popularizações, resultou numa profunda marca no compromisso romântico
ante a existência divina. O mundo natural é ao mesmo tempo uma barreira e uma escala de símbolos do
divino. Somente através do reconhecimento da dualidade entre nosso espírito e nossos sentidos, pode o poeta
aproximar-se da unidade final no futuro”.
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
decifrador de hieróglifos divinos. Aceita, também a correspondência literal entre os
mundos divino e natural. (BALAKIAN, 1985, p. 30-1).
É sabido que a estética das drogas na literatura começa muito antes do surgimento do
simbolismo francês e muito antes de um de seus principais expoentes: Baudelaire. O nome
de Thomas de Quincey pode ser usado como um dos exemplos mais emblemáticos de
autores que fizeram o uso de substâncias como o ópio materializado na pena artística.
Nascido em Manchester aos 15 de agosto de 1785, o escritor inglês, Thomas de
Quincey viria a se tornar um dos mais notáveis escritores malditos que o século XVIII
testemunhou. Ao despontar, em sua época, como um dos fundadores da “estética do mal”
que, mais tarde, um certo poeta nascido sobe à égide da maldição e das blasfêmias,
Baudelaire, por muito apreço ao santuário confessional de Quincey, tornaria não só a
principal fonte de tradução da obra deste, como também, um dos mais importantes
escritores que o século XIX viu brotar no embrião da chamada Modernidade. Por sua vez,
Baudelaire grande apreciador de Edgar Allan Poe, lembremos aqui, em especial do conto:
“O homem da/na multidão” a quem pertence a alcunha do termo Modernidade, mais tarde,
comumente atribuída a Baudelaire em função de Allan Poe, portanto seu mestre.
O poeta e crítico, Paul Valéry chama atenção para a atualidade e importância de As
Flores do Mal. No primeiro capítulo de sua obra, Variedades (2001), o leitor se depara com
um importante estudo: “Situação de Baudelaire”, a primeira linha do texto é precisa:
“Baudelaire está no apogeu na glória”, mais adiante reitera:
Esse pequeno volume As Flores do Mal, que não chega a trezentas páginas,
encontra-se, na opinião dos letrados, entre as obras mais ilustres e mais amplas. Foi
traduzido para a maioria das línguas europeias: vou me deter um instante sobre esse
ponto, pois não existe outro igual na história das letras francesas (...) com Baudelaire
a poesia francesa ultrapassa finalmente as fronteiras da nação. Ela é lida no mundo
inteiro; impõe-se como poesia própria da modernidade; dá origem à imitação,
fecunda muitos espíritos.
No ano de 1821 nasce Baudelaire, em 1860 surgem Os Paraísos Artificiais (1860), a
terceira obra na lista de publicação dos livros do poeta. Esta obra corresponde a um
profundo e completo estudo sobre os paraísos artificiais na literatura, uma importante
monografia literária, lírica e poética dos efeitos do haxixe, do ópio e do vinho provocados no
homem. Aliás, diga se passagem, o próprio Baudelaire é quem atribui ao seu livro o caráter
de monografia: “Farei apenas uma fusão destes documentos variados em uma espécie de
monografia, escolhendo uma alma, por sinal fácil de explicar e definir, como tipo próprio às
experiências desta natureza” (BAUDELAIRE, 1998, p. 15).
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
Os depoimentos colhidos e confrontados em Os paraísos artificiais variam conforme o
paciente. Baudelaire interessou-se, principalmente, pelos depoimentos de Quincey sobre o
ópio, substância que este usou por período de dez anos ininterruptos para o tratamento de
nevralgia. Om poeta francês foi um dos tradutores de As confissões de um comedor de ópio
e o fruto desse processo, resulta numa espécie de “didução”2, ou seja, assimilação do
primeiro pelo segundo. O envolvimento do poeta com As confissões de um comedor de ópio
resultou no ousado projeto estético de Os Paraísos Artificiais. Desta vez, acrescenta aos
seus estudos a descrição pormenorizada de outras drogas: o haxixe e o vinho.
O leitor interessado em saber dos detalhes mais precisos dos efeitos a que o cérebro
se submete, quando do uso do ópio, deverá recorrer com tamanha sagacidade às obras de
Quincey e Baudelaire. De posse dessas duas obras, o leitor inicia uma viagem, uma viagem
pelo mundo da imaginação, onde só quem ganha bilhete de ida é o verdadeiro iluminado e
profundamente interessado pela seriedade deste assunto. Pois, não se pode relegar o tema,
ou melhor, a seriedade com que este deve ser tratado e visto fora do ramo dos assuntos
banais. A viagem é séria e comprometida.
Acaso, se o leitor estiver tomado pelo espírito de pura e simplesmente curiosidade,
será como aquele que viajou às terras mais distantes e não se permitiu enxergar com os
olhos da imaginação as cores vibrantes de cada esquina. Este nem ao mesmo, iniciou a sua
partida do chão de sua cidade. Lembramos do belo trecho de um livro de viagem: “(...)
quando se vive sob a espécie da viagem o que importa não é a viagem mas o começo da
(...)” (CAMPOS, s/d e s/p).
O que é o haxixe? Baudelaire se interessa profundamente pelo reino vegetal, pois
além de fazer uso de plantas alucinógenas procura demarcar a sua natureza. Assim
comenta a despeito do haxixe:
O haxixe, ou cânhamo indiano, cannabis indica, é uma planta da família das
urticáceas, bastante semelhante, salvo por não alcançar a mesma altura, ao
cânhamo de nossos climas. Possui propriedades embriagadoras muito
extraordinárias” (BAUDELAIRE, 1998, p. 17).
Em Baudelaire o que importa é começo da eterna viagem a que está submetido esse
paciente das horas vagas. Instado a comer o ópio deixa-se elevar – espiritualmente – pelo
“prazer supremo” das mais belas experiências sensoriais, astrais e simbólicas, somado a
tudo isso, ao desvelamento da personalidade da natureza do ser sob o efeito do veneno.
2
Lembramos de um caso particular de tradução da obra de Mallarmé realizada por três poetas e tradutores
brasileiros: Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. O resultado final da obra, o seja, a
descrição do processo de tradução ficou conhecida como: “tridução”. Assim se refere Augusto sobre trabalho
de tradução simultânea.
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
Os que sabem observar-se a si mesmos e guardam a lembrança de suas
impressões, os que souberam, como Hoffmann, construir seu barômetro espiritual,
puderam por vezes notar, no observatório de seu pensamento, belas estações, dias
felizes, minutos deliciosos” (BAUDELAIRE, 1998, p. 11).
(...) o que há de mais extraordinário neste estado excepcional do espírito e dos
sentidos, que posso sem exageros chamar de paradisíaco, se o comparo às pesadas
trevas da existência comum e cotidiana” (BAUDELAIRE, 1998, p.11).
Em outra passagem, o poeta descreve uma sensação que se assemelha ao “despertar
no espírito humano a lembrança das realidades invisíveis”. Uma tentativa de “tomar o
paraíso de um só golpe”: “o ideal artificial”.
(...) sem se preocupar em violar as leis de sua constituição, buscou na ciência física,
na farmacêutica, nos mais grosseiros líquidos, nos perfumes mais sutis, em todos os
climas e em todos os tempos, os meios de escapar, mesmo que por algumas horas,
à sua morada de lobo e, como disse o autor de Lazare: “Tomar o paraíso de um só
golpe”. Infeliz! Os vícios do homem, tão repletos de horror como supomos, contêm a
prova (quando não fosse apenas a infinita expansão deles mesmos!) de seu gosto
pelo infinito; acontece que é um gosto que sempre toma o caminho errado.
Poderíamos entender em um sentido metafórico o provérbio vulgar: Todo caminho
leva a Roma, e aplicá-lo ao mundo moral; tudo leva à recompensa ou ao castigo,
duas formas de eternidade (BAUDELAIRE, 1998, p. 13).
Ao descrever as sensações a partir do uso do haxixe, o poeta vai dizer que as
sensações do paciente se assemelham a um enorme teatro, um teatro belo como o de
Serafim. Em seguida se questiona: “O que se experimenta? O que se vê? ” O mesmo
Baudelaire é quem responde em longa descrição:
Coisas maravilhosas, não é? Sim, desde os espetáculos glamorosos no palco deste
teatro inquietante e maravilhosamente belo. A luz se acende no centro do palco. A
platéia nada percebe esse mundo maravilhoso que cerca um universo tramado por
atores. Luz e sombra se igualam e já não há trevas para esconder os mínimos
detalhes dos atores lá no centro. A luz que privilegia o ator toma ares ainda mais
brilhantes. Surge, de repente, um clarão enorme que aproxima o mundo da atuação
ao mundo real. Não há fronteiras entre realidade e sonho. Não existe ilusão nesse
mundo onde tudo é real. Nesse palco, demônios e serafins gargalham na sinfonia. É
possível vislumbrar – microscopicamente – todas as visões do mundo num átimo de
segundo como se todo o princípio fosse o fim tal qual nos descreve o poeta: “Eles
imaginam a embriaguez do haxixe como um país prodigioso, um vasto teatro de
prestidigitação e escamotagem onde tudo é milagroso e imprevisto” (BAUDELAIRE,
1998, p. 21).
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
De repente, eis que o mais inusitado acontece. Tudo isso se vê de sua poltrona
solitária. Nesse trono solitário há um rei atuando no meio da multidão do teatro, mas
ninguém o vê. A noite é morna e os corpos se agitam dentro das roupas. O suor faz derreter
a maquilagem das moças que se abanam como as mais sedutoras damas. O ambiente é
desconfortante, uns se agitam enquanto outros se distraem com a performance dos atores
lá no palco. De sua poltrona tem uma vista privilegiada e a toda gente enxerga com
profunda nitidez. Um frio intenso percorre-lhe a espinha e chega até o cérebro. Nesse
instante tudo para. O mundo então deixa de existir. Ou se tem a sensação de ter vivido
milênios em átimos de segundos. Não há tempo cronológico quando se está sob o domínio
do veneno. Tudo pertence a harmonia perfeita, não existe nada fora do lugar. As estrelas
param nos céus e os atores agora escorrem líquidos pelo palco. Há uma enorme gelatina
humana. O frio é ainda mais intenso e seus pés deslizam no mais fino veludo da terra.
Aquele que se acha sob o efeito da droga se vê sozinho caminhando nu em uma infinita
praia de areia alva. A água do mar é ainda mais verde ao sol do meio dia, os barcos, lá
longe, cintilam ainda bêbados na quebrada das ondas. Como descreve Baudelaire:
Na embriaguez do haxixe, nada parecido. Não sairemos do sonho natural. A
embriaguez, em toda sua duração, será apenas, é verdade, um imenso sonho,
graças à intensidade das cores e à rapidez de concepções; mas guardará sempre a
tonalidade particular do indivíduo. O homem quis sonhar, o sonho governará o
homem; mas este sonho será o filho de seu pai. (BAUDELAIRE, 1998, p. 22).
Baudelaire (1998, p. 23) observa: “Eis aí a felicidade! Uma colherzinha bem cheia! A
felicidade com toda a sua embriaguez, todas as suas loucuras, todas as suas criancices!
Pode engolir sem medo, disto não se morre”. Descreve ainda a sensação de se estar
possuindo por alguma entidade: “O demônio o invadiu; é inútil resistir a esta hilaridade,
dolorosa como cócegas. De vez em quando, você ri de si mesmo, de sua ingenuidade e de
sua loucura (BAUDELAIRE, 1998, p. 26).
Para poeta em questão, as sensações variam de acordo com os indivíduos. Um
paciente enfrenta uma sensação de frescor, seguido de uma fraqueza e um frio intenso. A
sensação é de que as mãos ficam tão leves e macias como manteiga:
(...) sensação de frescor nas extremidades (que pode mesmo tornar-se um frio muito
intenso em alguns indivíduos) e uma grande fraqueza de todos os membros; você
agora, tem mãos de manteiga e em sua cabeça, em todo o seu ser, há um estupor e
uma estupefação embaraçantes. Seus olhos dilatam-se; estão como que lançados
em todos os sentidos por um êxtase implacável. Seu rosto inunda-se de palidez.
Seus lábios se contraem e entram em sua boca, com o movimento da respiração
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
ofegante que caracteriza todo homem presa de grandes projetos, oprimido por
vastos pensamentos ou que simplesmente toma fôlego. (BAUDELAIRE, 1998, p. 32).
Segundo Baudelaire, quando o paciente se submete ao uso do haxixe este
compromete a sua visão. O olhar também se embriaga, algumas formas “estranhas e
monstruosas” se revelam. O frio e o aguçar de todos sentidos são outras sensações
descritas pelo paciente:
O frio aumentava sempre e, no entanto, via pessoas vestidas de roupas leves ou
mesmo enxugando a testa com ar de cansaço”. Fui tomado por uma ideia divertida,
a de que eu era um homem privilegiado, o único a quem era dado o direito de ter frio
no verão em uma sala de espetáculo. O frio aumentava a ponto de se tornar
alarmante; mas eu estava, antes de tudo, dominado pela curiosidade e saber até que
temperatura poderia descer. Enfim, chegou a tal ponto, foi tão completo, tão geral,
que todas as minhas ideias se congelaram, por assim dizer; eu era um pedaço de
gelo pensante; considerava-me uma estátua talhada em um só bloco de gelo
(BAUDELAIRE, 1998, p. 32-35).
(...) olfato, a visão, a audição e o tato participam igualmente deste processo. Os
olhos alcançam o infinito. O ouvido percebe sons quase inaudíveis no centro do
maior tumulto. É aí então que começam as alucinações. Lentamente,
sucessivamente, os objetos ganham aparências estranhas; deformam-se e se
transformam. Em seguida, surgem os equívocos, os desprezos e as transposições
de ideias. Os sons se revestem de cores e as cores contêm uma música. Isto, dirão,
é muito natural, e todo cérebro poético em seu estado são e normal” (...) As notas
musicais se tornam números, e se seu espírito for dotado de alguma aptidão
matemática, a melodia, a harmonia ouvida, mantendo seu caráter voluptuoso e
sensual (BAUDELAIRE, 1998, p. 36).
A fome voraz é outro sintoma descrito, acompanhada se uma sensação de êxtase
“calmo e imóvel”. Alteram-se também as percepções do corpo, as dores físicas e da alma
desaparecem. O paciente entra em outra dimensão, o tempo cronológico é eliminado e o
paciente perde a noção de realidade. Advém em seguida, a sensação de um “HomemDeus” de que fala Baudelaire: “Tornei-me um Deus!” e “Sou um Deus que jantou mal?” Até
aqui se viu a tese de Baudelaire sobre a embriaguez. Adiante, se observa como a ação do
veneno interfere na caminhada espiritual: “o que é mais importante, creio, para o homem
espiritual, é conhecer a ação do veneno sobre a parte espiritual” (BAUDELAIRE, 1998, p.
47).
Conclusões
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
Ao longo do texto, procurou-se estudar os devaneios poéticos de Baudelaire em seu
famoso ensaio – “Poema do haxixe” – presente na obra: Os Paraísos Artificiais. Acredita-se
que esse é um dos temas mais polêmicos a serem estudados no âmbito da literatura, e, por
isso talvez, um dos temas mais esquecidos por parte dos críticos literários. Daí a
importância de revisitar temas marginais como este dos paraísos artificiais na literatura,
buscando compreender o estudo e os relatos empreendidos por aquele que foi e continua
sendo um dos expoentes mais fecundos do simbolismo francês. Existe a outra parte do livro
(segunda a terceira), a que contém as descrições do uso de drogas como o ópio e o vinho,
mas que não foram mencionados durante o texto, pois como foi dito, inicialmente, para um
primeiro estudo de uma ampla obra como esta de Baudelaire, o tema do haxixe toma
grandes proporções ao ser trabalhado.
Espera-se com isso, que de alguma maneira, esse estudo tenha contribuído para a
pesquisa sobre o tema das drogas na literatura, um tema que poucos tem interesse em
abordar, mas que não pode ser desconsiderado no âmbito da produção literária e dos
estudos literários.
Referências
BAUDELAIRE, Charles. Paraísos Artificiais. Trad. Alexandre Ribondi, Vera Nobrega e
Lúcia Nagib. Porto Alegre: L&PM, 1998.
BALAKIAN, Anna. O Simbolismo. Trad. José Bonifácio. São Paulo: Perspectiva, 1985.
QUINCEY, Thomas de. Confissões de um comedor de ópio. Trad. Ibañez Filho. Porto
Alegre: L&PM, 2007.
VALÉRY, Paul. Variedades. (Org.). João Alexandre Barbosa. Trad. Maiza Martins de
Siqueira. São Paulo: Iluminuras, 2011.
XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015
Download