3. VARIAÇÃO E NORMALIZAÇÃO LINGUÍSTICA Uma língua viva, apesar da unidade que a torna comum a uma nação, apresenta variedades quanto à pronúncia, à gramática e ao vocabulário. Chama-se variação linguística a essa propriedade de diferenciação de uma língua em função do espaço geográfico, da sociedade, da situação e do tempo, dando origem a variantes e a variedades linguísticas. O princípio da unidade na diversidade e diversidade na unidade permite que a língua se mantenha homogénea, mas apresente traços distintivos designados por variedades geográficas (de região para região ou de lugar para lugar), sociais (de grupo social, profissional, de faixa etária...), situacionais (mais ou menos formal) e variação histórica (em função do contacto com outras línguas). VARIAÇÃO Variedades geográficas (ou variedades diatópicas) São as diferentes formas observadas numa mesma língua em espaços distintos. Dependendo da extensão do território e da sua história, estas variedades apresentam-se, frequentemente, como dialectos regionais. É o que sucede em Portugal, com os falares açoriano e madeirense, com os falares das Beiras e do Porto ou com os de Lisboa e do Algarve ou de outras regiões. Além destes exemplos de variedades geográficas do português, há que ter em conta as variedades que permitem distinguir o português europeu do português do Brasil, da África ou da Ásia. Variedades do Português As variedades do português surgem por variação e mudança linguística como resultado do contacto histórico da população de língua materna portuguesa com falantes de outras línguas ao longo do processo da expansão e colonização. Depois da independência no século XII e da Reconquista (terminada no século XIII), a língua portuguesa, acompanhando comerciantes, navegadores e colonizadores portugueses, a partir do século XV, tornou-se língua do Império. Os diversos contactos (uma vezes amigáveis, mas em muitos casos forçados) com as línguas locais permitiram o surgimento de variedades do português. Variedade europeia É a língua portuguesa falada em Portugal continental e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Com o convencionar de que a variedade de Lisboa se constitui como língua padrão, o português foi dividido em dois grandes grupos dialectais: o setentrional, ao norte, e o centro-meridional, ao sul e arquipélagos. Variedade brasileira É a língua portuguesa falada no Brasil, com algumas diferenças em relação à variedade europeia, como a audibilidade das vogais. O português do Brasil tem algumas variações, mas, como diz Paul Teyssier, "as divisões dialectais do Brasil são menos geográficas que socioculturais". Geograficamente, é possível observar uma oposição norte/sul, entre os estados do litoral acima do estado da Baía (inclusive) e os que estão abaixo, com base na realização aberta das pretónicas ao norte e sua realização fechada ao sul; uma oposição entre a cadência, verificada no Norte, e a pronúncia "cantada", no Sul. Variedades africanas São a língua portuguesa com desvios resultantes do contacto com as línguas locais dos países de expressão lusófona em África. Em geral, as variedades africanas de língua portuguesa que têm sido alvo de descrição são as do português de Angola (só o de Luanda) e de Moçambique, embora outras mereçam um estudo específico, como as de Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, onde o português é a língua oficial, mas tanto o crioulo como os dialectos regionais são bastante importantes. Angola e Moçambique têm o português como língua oficial e, para muitos falantes, também materna, mas em convivência com esta há diversos grupos linguísticos, por vezes subdivididos em dialectos, que lhe emprestaram modos, sotaques, vocábulos e formas de construção. Variedades do português no Oriente São as formas da língua portuguesa largamente utilizadas nos portos do Oriente e que, actualmente, é oficial em Timor Lorosae (Timor-Leste) e em Macau, estando neste último território em posição minoritária perante o mandarim. Em Timor Lorosae, o português é influenciado, particularmente, pelo tétum, a principal língua local. As principais marcas distintivas das variedades europeia, brasileira e africana do português são: A nível fonético Europeia (Portugal) Manutenção de duas consoantes seguidas: captura, pneu, absurdo. Manutenção do r em posição final: saber, cortar, tratar, dor. Não palatalização de t e d antes de i e de e átono: dia, mulatinho. Palatalização das sibilantes em final de sílaba e de palavra: Brasileira (Brasil) Introdução de um i entre duas consoantes que não formam grupo na escrita do português: cap[i]tura, p[i]neu, ab[i]surdo. Não palatalização das sibilantes em final de sílaba e de palavra (exceptuando o dialecto do Estado do Rio de Janeiro): rosto, rosto, meninos, quis, mais. meninos, quis, mais. Velarização do I em final de sílaba e de palavra: sensacional, Palatalização de t e d antes de i tónico átono e de e pós-tónico alto, areal. [tch e dz]: dia, mulatinho. Vogais átonas muito reduzidas: Semivocalização do l em final de sílaba e de palavra: sensacional, desgraça, espantosa, botequim. alto. Supressão e velarização do r em posição final: saber, cortar, tratar, dor. Vogais átonas pouco reduzidas: negrinho, tratar, conhecer. Africana (Angola e Moçambique) As vogais átonas são mais abertas. Os ditongos são monotongados. As sílabas são regularizadas com uma sequência de consoante/ vogal. A nível morfossintáctico A nível semântico Variedades sociais (ou variedades diastráticas) São as que resultam do nível sociocultural do falante, implicando o seu grau de instrução e conhecimento da língua. Ao resultarem do ambiente social e cultural, são, também, designadas como sociolectos ou dialectos sociais. Na sociolinguística, que estuda as variedades sociais da língua, são apreciados diversos factores sociais de variação como a classe social, o nível de instrução, o tipo de educação, a idade, o sexo, a origem étnica, etc. As variedades sociais dependem da estratificação social e cultural, podendo apresentar-se entre um nível culto (uso de um código elaborado, que supõe um bom conhecimento gramatical, lexical e das normas da língua) e um nível vulgar (com um código limitado, com alterações fonéticas, morfossintácticas, lexicais e semânticas...). Variedades situacionais (ou variedades diafásicas ou de uso) São as que resultam da adaptação à situação de comunicação e aos seus interlocutores. Fruto da "competência comunicativa", as variedades situacionais acontecem pela necessidade de o falante adequar o que diz às características e relação com os interlocutores, à intenção comunicativa e ao contexto. Variação histórica (ou variação diacrónica) A que é provocada pelas mudanças linguísticas na história e na evolução da língua. O processo que permite que uma língua se mantenha viva exige a criação, a formação, a adaptação e o envelhecimento de certas palavras, estruturas, sons ou a sua mudança de sentido. O contraste que é possível entre a gramática antiga e uma gramática posterior mostra que na língua há uma variação histórica ou diacrónica. Esta alteração, que não é repentina, permite mudanças em curso, pela coexistência de duas gramáticas com regras diferentes. Português antigo Designa o português arcaico ou galaico-português correspondente aos falares da Galiza e do Norte de Portugal e promovido a língua nacional desde a independência de Portugal, no século XII, até ao século XV. Antes do português antigo, existia, no Noroeste da Península Ibérica, desde os séculos VI e VII, o romance galego-português. Este falar era conhecido como romance e designava uma língua medieval resultante da evolução do latim, que no caso do galego-português foi influenciado por fenómenos de evolução devido às invasões germânicas, suevas, visigodas e árabes. Português clássico Identifica a fase do português europeu da Idade Moderna, entre os séculos XVI e XVIII. Esta fase aparece marcada pelo uso do português na imprensa, pelo desenvolvimento da língua, pela sua normalização e pelo seu incremento junto das comunidades descobertas. Luís de Camões ou o Padre António Vieira são dois exemplos do desenvolvimento do português clássico e, ao mesmo tempo, duas das figuras proeminentes da riqueza vocabular, semântica e sintáctica que emprestaram à língua. Português contemporâneo Designa a fase do português europeu falado a partir do século XIX até ao presente. A vitalidade da língua portuguesa actual mostra a influência das relações de Portugal com outras culturas, importando diversas palavras, e, ao mesmo tempo, a necessidade de acompanhar a evolução da civilização contemporânea, com a produção de novas palavras, com recurso a elementos provenientes das línguas clássicas (grego e latim) e a empréstimos. NORMALIZAÇÃO LINGUÍSTICA Apesar da possível diversidade geográfica, social, situacional ou histórica, há normas linguísticas que permitem a unidade da língua. Considera-se normalização linguística o resultado do processo que permite, através das gramáticas, da literatura, de prontuários, dos meios de comunicação social e das escolas, harmonizar comportamentos linguísticos. Língua padrão A língua padrão ou norma padrão, que permite a normalização linguística, é uma variedade social que ganha legitimidade como meio público de comunicação, nomeadamente enquanto envolve os falantes cultos de uma comunidade linguística. No caso do Português europeu, a norma é a variedade utilizada no eixo geográfico Lisboa - Coimbra pelas camadas mais cultas da população; no caso do Português brasileiro, a variedade que se impôs como padrão é a utilizada pelas camadas mais cultas do Rio de Janeiro e de S. Paulo. Cabe à escola e aos meios de comunicação social difundirem e controlarem a observância desta norma, que constitui o modelo da língua escrita e oral, nos diferentes domínios.