REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA SAÚDE PROGRAMA NACIONAL DE CIRURGIA PROGRAMA NACIONAL DE TRAUMATOLOGIA MONOGRAFIAS 7 DOR CER VICAL E CER VICOAR TROSE REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA SAÚDE PROGRAMA NACIONAL DE CIRURGIA PROGRAMA NACIONAL DE TRAUMATOLOGIA DOR CER VICAL E CERVICOAR TROSE Dr. Rodrigo Miralles e Dra. María Rull Universidade Rovira i Virgili Faculdade de Medicina e Ciências de Saúde Reus (Espanha) Rodrigo Miralles Professor Titular de Traumatologia. Faculdade de Medicina, Universidade Rovira i Virgili. Reus. Chefe do Serviço de Cirurgia Ortopédica do Hospital Universitário Sant Joan. Reus. Maria Rull Professora de Anestesiologia. Faculdade de Medicina, Universidade Rovira i Virgili. Chefe do Serviço de Anestesiologia e Reanimação. Hospital Universitario Juan XXIII, Tarragona REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE MINISTÉRIO DA SAÚDE PROGRAMA NACIONAL DE CIRURGIA PROGRAMA NACIONAL DE TRAUMATOLOGIA MONOGRAFIAS Ano 2. N° 7. Maio 2002 Programa Nacional de Cirurgia Programa Nacional de Traumatologia Título: DOR CERVICAL E CERVICOARTROSE Autores: Dr. Rodrigo Miralles e Dra. María Rull Editor: Consejo Interhospitalario de Cooperación-cic Conselho editorial: Dr. Juan Carballedo, Dr. Paulo Ivo Garrido, Isabel Zulueta Tradução: Louis de Castro Paul Número de registo: 1998/RLINLD/2001 Produção gráfica: Elográfico Financiador: Cooperación Española Tiragem: 700 unidades Outubro, 2001 Maputo, Moçambique Sumário 1- Anamnese .................................................................................................. 4 2- Justificação à estas perguntas ................................................................... 4 3- Cervicalgia ................................................................................................. 7 4- Dor cervicobraquial (cervicobraquialgia) .................................................... 7 5- Dor cervicocefálica ..................................................................................... 8 6- Dor irradiante para as pernas (mielopatia cervical) ................................... 9 7- Exploração ............................................................................................... 10 8- Justificação destas manobras .................................................................. 13 9- Provas complementares .......................................................................... 13 10- Tratamento ............................................................................................... 15 11- Seguimento do paciente .......................................................................... 16 12- Bibliografia básica .................................................................................... 16 4 Dor cervical e cervicoartrose DOR CERVICAL E CERVICOARTROSE A dor cervical é uma dor que se origina na coluna cervical e que aparece na face posterior e lateral do pescoço (Fig.1) podendo irradiar para o braço. É muito frequente, e é devida às posições forçadas, ao frio ou à humidade e à tensão nervosa, podendo chegar a produzir perda da força e da sensibilidade na extremidade superior. Analisaremos só a de origem mecânico-degenerativa e não as de origem inflamatória, infecciosa ou tumoral. Fig. 1: Possíveis zonas de irradiação da dor cervical 1. Anamnese • • • • • • • • • • Quando apareceu a dor? Há quantos dias ou semanas? Foi de forma brusca ou lenta? O pescoço faz ruído quando gira? A dor aparece ao despertar pela manhã? Como é a dor: sensação de peso, picada? Irradia para o braço? Até aos dedos? Até à cabeça? Tem formigueiro nos dedos? Em quais? Tem menos força na mão? Ao cerrar o punho? Tem debilidade das pernas? Tem vertigem? Justificação à estas perguntas Da mesma forma que a dor lombar (ver Monografia 1: Dor lombar e ciática), a dor cervical é transmitida por dois nervos, um que enerva as articulações interapofisárias e a musculatura (ramo posterior do nervo raquidiano), e outro 5 Dor cervical e cervicoartrose Raízes Plexo braquial Ramos posteriores Fig. 2: Ramo anterior Fig. 3: Ramo posterior que sai da coluna e que juntamente com outras raízes forma o plexo braquial e os nervos do braço (ramo anterior do nervo raquidiano) (Fig. 2 e Fig. 3). Além disso, a coluna cervical tem características diferenciadas que se devem conhecer pelo facto de poderem provocar distintos quadros clínicos. A coluna cervical tem sete vértebras; a primeira (atlas) é um anel com duas articulações (Fig. 4). Por cima articula-se com o crânio e por baixo com a segunda cervical, o axis. O axis tem como particularidade uma apófise (odontóide) que actua como centro das rotações do crânio. As cinco vértebras inferiores têm todas a mesma forma, sendo constituídas por um corpo vertebral, um arco e pelas apófises. A diferença com as restantes Atlas Axis Fig. 4: Atlas e Axis 6 Dor cervical e cervicoartrose vértebras dorsais e lombares é evidenciada pela presença, nestas vértebras inferiores, de prolongamentos para fora e para cima que se articulam com as vértebras superior e inferior (apófises unciformes) (Fig. 5) conferindo estabilidade lateral. Por se tratarem de articulações podem eventualmente gerar artrose. Apófisis unciformes Fig. 5: Detalhe das apófises unciformes Orifício para a artéria vertebral Na base das apófises transversas existem buracos por onde passa a artéria vertebral, uma de cada lado (Fig. 6). Estas duas características definem os tipos de quadros clínicos que poderemos observar: • Dor cervical (cervicalgia) • Dor cervicobraquial (cervicobraquialgia) • Dor cervicocefálica • Dor irradiante para as pernas (mielopatia cervical) Fig. 6: Artéria vertebral 7 Dor cervical e cervicoartrose 2. Cervicalgia Aparece em qualquer idade e é uma dor localizada no pescoço, em um ou ambos lados, geralmente em C5 e C7, que pode irradiar para os ombros e para a parte anterior ou posterior do tórax (Fig 7). Nunca irradia para o braço. É uma dor de origem tipicamente articular (ramo posterior), que aumenta ao se inclinar o pescoço para trás, para os lados ou ao girá- Fig. 7: Irradiação da Cervicalgia lo, e que melhora ao incliná-lo para frente. Podem haver crises de contractura muscular que provoquem inclinação do pescoço (torcicolo). A contractura muscular (torcicolo) é um mecanismo de defesa que aparece para evitar o movimento doloroso do pescoço. Aparece depois de posições forçadas do pescoço, tanto de dia como de noite, por exemplo, ao se trabalhar com o pescoço inclinado para frente, ao dormir-se com o rosto virado para baixo ou com o pescoço virado para o lado. O frio ou a humidade (suor, ventoinha, ar condicionado, janela do carro aberta com o pescoço suado) podem provocar também a contractura muscular de defesa. A tensão nervosa provoca contractura muscular e agrava o quadro. Em geral, associa-se a postura à tensão nervosa ou o frio e a humidade à tensão nervosa. Este quadro que aparece em jovens pode repetir-se várias vezes. Em pessoas mais velhas, e devido à artrose, acompanha-se de um ruído nas articulações ao girar-se o pescoço, como se de areia se tratasse. Esta crepitação é ouvida pelo próprio paciente. Significa irregularidade nas articulações (artrose) que se pode evidenciar pela radiografia. 3. Dor cervicobraquial (cervicobraquialgia) É uma dor cervical idêntica à anterior mas com irradiação para o braço. Trata-se de uma afecção do ramo anterior por estarem comprimidos um ou vários nervos que saem da coluna. A dor irradia segundo a raiz afectada (Fig. 8). É característica a existência de uma alteração da sensibilidade e posteriormente a diminuição da força do braço ou da mão. Fig. 8: Cervicobraquialgia. Compressão das raízes cervicais 8 Dor cervical e cervicoartrose Fig. 9: Hérnia discal comprimindo raiz A compressão nervosa ocorre em pacientes jovens por uma protrusão discal, e em pacientes mais velhos, por osteofitos das apófises unciformes (Fig. 9). 4. Dor cervicocefálica Trata-se de uma dor que iniciando-se no pescoço, ascende à nuca e à cabeça. A dor predomina na parte posterior do crânio e é acompanhada pela sensação de vertigem. Deve-se ao compromisso da artéria vertebral (Fig. 10), pelo que, se deverá diferenciá-la da compressão do segundo nervo cervical (nervo de Arnold) Fig. 10: Dor cervicocefálica. Compressão da artéria vertebral Dor cervical e cervicoartrose 9 O nervo de Arnold é um nervo sensitivo que passa pelo meio da musculatura responsável pela rotação do pescoço e que surge no tecido subcutâneo ao nível da nuca ao atravessar um orifício aponevrótico onde pode sofrer compressão (Fig. 11). Aparece com frequência em pessoas que trabalham com os braços levantados ou que apresentam curvatura acentuada do pescoço. Fig. 11: Nervo de Arnold. O ponto de compressão é a saída da aponevrose. 5. Dor irradiante para as pernas (mielopatia cervical) Em pessoas mais velhas, com um quadro evolutivo de artrose (às vezes com antecedentes de traumatismo cervical) aparece uma dor cervical que se associa à debilidade das pernas. Trata-se de uma artrose cervical grave que comprime a medula (Fig. 12) e provoca a clínica nas extremidades inferiores. É pouco frequente, mas importante. Fig. 12: Mielopatia cervical produzida por osteofitos ou por compressão por uma hérnia central. 10 Dor cervical e cervicoartrose 6. Exploração Sempre que se explora o pescoço devem-se explorar as extremidades superiores. O paciente pode estar de pé, mas é mais cómodo para o explorador que esteja sentado. Observa-se a postura do pescoço e anota-se na história, se está inclinado ou rodado. Palpa-se a musculatura cervical e pressionam-se as articulações observando-se se esta manobra provoca dor em alguma delas (Fig. 13). Com uma mão no ombro e outra sobre a cabeça do(a) paciente, movimenta-se suavemente a cabeça para frente e para trás (flexão e extensão), para os lados (inclinações laterais) e por forma a girá-la (rotação) (Fig. 14). Nesse momento, observa-se se os Fig. 13: Palpação sobre as articulações cervicais movimentos são iguais em ambos sentidos e se há dor em algum deles. Explora-se a força e a sensibilidade da extremidade superior recordando que: • A diminuição da força na separação dos braços e na flexão dos cotovelos, juntamente com a diminuição da sensibilidade no ombro, indica afecção da raiz C5 (Fig. 15). Dor cervical e cervicoartrose Fig. 14: Exploração da flexo-extensão, das inclinações laterais e das rotações. 11 12 Dor cervical e cervicoartrose • Raiz C5 Dor Deltóide Supraespinhoso Bíceps Bicipital Alteração sensitiva Fig. 15: Exploração da raiz C5 A dor na face externa do braço e do antebraço com diminuição da sensibilidade no dedo polegar, indica uma afecção da raiz C6 (Fig. 16). • A diminuição da força de extensão do cotovelo e alteração sensitiva do segundo e terceiro dedos, indica alteração da raiz C7 (Fig. 17). • A dor na face interna do antebraço, com diminuição da força da mão e alteração sensitiva dos dois últimos dedos, indica uma afecção da raiz C8 (Fig. 18). Deve-se observar se a dor se localiza na base do crânio a dois centímetros da linha média e aumenta com a pressão, e se irradia até ao crânio e à parte posterior da orelha. Raiz C6 Raiz C7 Raiz C8 Dor Dor Alteração motora Dor Tríceps Alteração motora Alteração sensitiva Alteração sensitiva Alteração sensitiva Fig. 16: Exploração da raiz C6 Fig. 17: Exploração da raiz C7 Fig. 18: Exploração da raiz C8 Dor cervical e cervicoartrose 13 7. Justificação destas manobras Qualquer problema que afecte as articulações da coluna irá provocar diminuição da mobilidade do pescoço, seja por dor ou por contractura muscular. Quando observarse menor mobilidade da coluna e o aparecimento de uma dor localizada ao se tentar aumentar a mobilidade, deve-se pensar num problema articular. É uma dor transmitida pelo ramo posterior. É um quadro benigno que provavelmente evoluirá rapidamente para a melhoria não requerendo tratamento especializado. Se essa dor cervical irradiar-se para o braço e para a mão com menor intensidade e alteração sensitiva, dever-se-á pensar na compressão da raiz (um ramo posterior). A causa mais frequente de ruptura do disco cervical (hérnia discal). É um quadro importante que pode resolver-se bem se a compressão do nervo for pequena. Se o quadro persistir, e a debilidade motora e a alteração sensitiva não melhorarem, dever-se-á consultar um especialista para a realização de tratamentos mais complexos. Se a dor cervical irradiar para a nuca e aumentar com a pressão na pele, na zona de saída do nervo, dever-se-á pensar numa afecção do segundo nervo cervical (nervo de Arnold). Quando a dor se acompanhar de vertigens e instabilidade, chegando ocasionalmente o(a) paciente a perder-se, cair ou perder por alguns segundos o conhecimento, poder-se-á pensar num problema da artéria vertebral (síndrome cervicocefálico). Se a dor cervical se acompanha de debilidade nas pernas, poder-se-á pensar na compressão da medula causada pela artrose cervical (mielopatia cervical). 8. Provas complementares A exploração clínica é a melhor forma para se chegar a um diagnóstico. A radiografia cervical deverá realizar-se quando existir algum antecedente de trauma, se a contractura muscular for persistente e importante, ou quando existir alteração sensitiva na mão ou nas extremidades inferiores. Na figura 19, observa-se a coluna cervical normal. Numa projecção anteroposterior, observa-se a artrose (osteofitos) da apófise unciforme, com uma imagem que recorda as orelhas de um cão dobradas para baixo. Na projecção de perfil, poderá observar-se se a coluna está rectificada, com diminuição da curvatura (Fig 20). 14 Dor cervical e cervicoartrose Fig. 19: Coluna cervical normal. Podem-se observar os buracos de conjugação direitos e esquerdos. Nas projecções oblíquas, vêem-se bem os buracos de conjugação. Deve-se observar se o buraco tem uma forma arredondada (normal) ou se adopta a forma de um 8 que a priori indicar-nos-ia uma artrose. Os osteofitos invadem o buraco de conjugação e podem (embora, nem sempre) comprimir o nervo. Outra exploração a ser efectuada apenas por especialistas seria o TAC para observar a forma e as dimensões do canal medular. Fig. 20: Artrose da coluna cervical Dor cervical e cervicoartrose 15 Resumindo: a clínica per se pode conduzir ao diagnóstico e a radiografia confirmará a existência de artrose e, sobretudo, descartará um processo infeccioso, inflamatório ou tumoral. 9. Tratamento Em todos os quadros, a primeira atitude será tratar a dor obtendo-se deste modo a melhoria da contractura muscular (paracetamol 1gr a cada 8 horas), evitar o frio e a humidade, tapar o pescoço e colocar calor local. Os colares cervicais têm pouco efeito, salvo em lesões traumáticas. A imobilização propicia à contractura muscular. As massagens suaves e a electroterapia são úteis e têm o mesmo efeito que os relaxantes musculares. Em caso de compressão nervosa, além de analgésicos, estão indicados corticóides (prednisolona 15 mg/ dia durante 5 dias, ou dexametasona 4mg/ dia i.m. durante 5 dias). Se o quadro não ceder, está indicada a consulta com um especialista. O especialista em ortopedia e neurocirurgia poderá usar tratamentos especializados (artrodese da coluna, extirpação do disco, liberação da artéria vertebral. Em nível de saúde primário, poder-se-á efectuar um tratamento especializado dos problemas de tipo articular e do nervo de Arnold sempre que as indicações descritas anteriormente não surtirem efeito. A infiltração periarticular é idêntica à da dor lombar (2ml de xilocaina e 2ml de corticóide de depósito). É feita após a localização do ponto máximo de dor a 2 cm da linha média. A diferença mais importante é que a introdução da agulha deve ser feita em menor profundidade, especialmente se paciente for magro e tiver pouca musculatura (Fig. 21). Fig. 21: Infiltração das articulações da coluna 16 Dor cervical e cervicoartrose Infiltram-se dois níveis se a dor for exclusivamente de um lado ( o mais frequente) ou nos dois. A dor do tipo articular é bilateral. Fazem-se no máximo três infiltrações separadas entre 7 e 10 dias. Em geral, duas são suficientes. A compressão do nervo de Arnold é a que mais frequentemente aparece. Se existirem dúvidas poder-se-á efectuar uma infiltração apenas anestésica no ponto assinalado na figura 11. Se a dor desaparecer totalmente, poder-se-á repetir a infiltração com corticóide de depósito. 10. Seguimento do paciente Tanto a patologia articular como a compressão radicular podem repetir-se. Devese aconselhar as pessoas, a evitarem posturas incorrectas, a corrigirem a cifose dorsal, a sentarem-se correctamente nos postos de trabalho, a não dormirem com o pescoço virado nem com almofadas excessivamente altas. Dormir sem almofada também poderá provocar moléstias. Uma almofada pequena colocada na nuca poderá relaxar a musculatura e evitar esta patologia. Evitar o frio ou a humidade e a tensão nervosa. 11. Bibliografia básica Adams JC. Manual de Ortopedia. Barcelona: Toray, 1978, pp 157-236. Apley AG, Solomon, L. Manual de Ortopedia y Fracturas. Barcelona: MassonSalvat, 1992, pp 139-146. Bibliografia complementar Gore DR, Sepic SB, Gadner GM. Neck Pain: A long-term follow-up of 205 patients. Spine 1987; 12: 1-5. Boden SD, Weisel SW. Conservative treatment for cervical disk disease. Semin Spine Surg 1989; 1: 229-232. Clements DH, O’Leary PF. Anterior cervical diskectomy and fusión. Spine 1990; 15: 1023-1025. Bernhardt M, Hynes RA, Blume HW, White AA. Cervical spondylotic myelopathy. J Bone Joint Surg 1993; 75A: 119. Torrens M. Cervical Spondylosis. Part 1: Pathogenesis, diagnosis and management options. Curr Orthop 1994; 8: 255-264.