A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO “O SER GAÚCHO” NO NORTE DO PARANÁ: OLHARES SOBRE A IDENTIDADE TERRITORIAL DOS MIGRANTES GAÚCHOS TATIANA COLASANTE1 Resumo: Resgatamos no Norte do Paraná a visão do migrante gaúcho diante da conformação de novos elementos culturais resultantes do processo de reterritorialização que gera incertezas e dualidades sobre a sua identidade territorial. Ao mesmo tempo em que estes sujeitos agregam elementos culturais norte-paranaenses no seu cotidiano, procuram reavivar seus laços identitários frequentando Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). Neste processo de hibridização cultural, muitos paranaenses se inserem nestes espaços de socialização, participando ativamente das festas tradicionais gaúchas, trazendo à discussão, portanto, o “ser gaúcho” no norte paranaense. Palavras-chave: Identidade territorial; migrantes gaúchos; paranaenses. Abstract: We rescued from the North of Parana gaucho migrant's view on the conformation of new cultural elements resulting from the repossession process which generates uncertainties and dualities of its territorial identity. While these individuals add North Paraná cultural elements in their daily life, seek to revive their identity ties attending Gaucho Traditions Centers (CTGs). In this cultural hybridization process, many Paraná fall in these socialization spaces, actively participating in the gaucho’s traditional festivals, bringing the discussion thus "being gaucho" in northern Paraná. Key-words: Territorial identity; gauchos migrants; paranaenses. 1 – Introdução Quando investigamos a migração gaúcha para o Paraná, notamos que houve um fluxo intenso para a região Sudoeste quando da criação da Colônia Agrícola General Osório na década de 1940 (CANGO) pelo então Governo de Getúlio Vargas. Este projeto tinha por objetivo o incentivo à colonização da região 1 - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista Campus Presidente Prudente-SP. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. E-mail de contato: [email protected] 6014 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO que sofria com conflitos pela posse de terras e assegurar os limites fronteiriços. Por outro lado, o Norte do Paraná recebeu um grande número de migrantes paulistas e mineiros que vinham atraídos pela prosperidade da região, principalmente, em virtude da extensa lavoura cafeeira. Entretanto, a presença de migrantes gaúchos nesta região do Estado ainda carece de assuntos mais aprofundados, pois, estes sujeitos através de suas tradições vêm configurando novas territorialidades para o norte-paranaense, principalmente, a partir da formação de Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) em dezenas de municípios. São estes espaços que nos trazem ainda novos sujeitos sociais: os paranaenses que se consideram gaúchos e participam assiduamente de festas tradicionais gaúchas mesmo que muitos deles sequer tenham estado no Rio Grande do Sul. Nosso estudo procura dar voz a estes migrantes gaúchos que estão reterritorializados em Londrina e Maringá, municípios do norte-paranaense, ambos constituídos em Região Metropolitana e que possuem similaridades no seu processo de formação. Nossas inquietações recaem sobre a identidade territorial destes sujeitos que vivem em um paradoxo entre dois territórios, presos a um passado de tradições que tem orgulho de exaltar, ao mesmo tempo em que vivenciam novas experiências a partir do contato com outras formas de cultura no território atual no qual estão inseridos. 2 – Prolegômenos territoriais De acordo com Raffestin (1993), o território é formado a partir do espaço. Ele resulta da ação empreendida por um ator sintagmático, ou seja, aqueles que produzem ações e, neste processo, se apropriam e territorializam o espaço. Assim, o entendimento do território passa por uma perspectiva relacional, pois, são as relações que possibilitam a leitura tanto do poder político quanto de suas manifestações espaciais. Para Saquet (2011a, p. 22), o território “[...] é uma construção social, histórica, relacional e está sempre vinculado a processos de apropriação e dominação do espaço”. Segundo Haesbaert (2012, p. 121), o território “[...] é o produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou 6015 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO controle político-econômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados”. Quando pensamos em território devemos levar em consideração que existem ações que resultam em diferentes territorialidades, pois, os sujeitos atuam de forma individual e/ou coletiva e ocupam determinados pontos no espaço de acordo com suas intencionalidades. Assim, temos uma multiplicidade de relações que ocorrem no e a partir do território, resultando em uma dinâmica complexa de redes de circulação e comunicação. Ao estabelecer a nossa territorialidade, por exemplo, estamos também constituindo ações através de redes, nós e malhas que possibilitam uma maior fluidez no território, incluindo-se aí uma expansão das nossas redes de sociabilidade. Para Saquet (2011b), a territorialidade se refere às relações sociais dos sujeitos entre si e entre o espaço da vida. O território formado a partir das relações sociais em dado período de espaço e tempo de forma contínua confere novas representações para a territorialidade de acordo com cada grupo social que engendra ações no território. Dessa forma, torna-se evidente que a dimensão simbólica e a perspectiva cultural das relações são muito intrínsecas ao território. Logo, tomamos como exemplo a identidade gaúcha que é fortemente construída a partir das relações estabelecidas com o território, pois, os valores históricos que tanto orgulham estes sujeitos encontram-se arraigados e constituídos naquele território, somados a um forte regionalismo que possibilita que os gaúchos se mantenham coesos em seus valores até mesmo estando em outro território. 2.1 – O paradoxo da migração gaúcha: as múltiplas identidades territoriais No processo migratório, podemos relacionar a existência de múltiplas interações reticulares que envolvem, simultaneamente, um território de origem e um território de destino. Assim, nas redes migratórias, a identidade exerce papel importante para os migrantes já que contribui para que os sujeitos se tornem mais coesos e até mesmo acolhidos em um território estranho. A desterritorialização não implica, necessariamente, na perda efetiva do território, mas está inserida em um processo que envolve constantes 6016 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO territorializações, como aponta Haesbaert (2004). Para o migrante, as identidades territoriais se tornam inconstantes à medida que necessitam se adaptar a novos costumes e novas relações cotidianas. Ao mesmo tempo, muitos ainda portam vínculos (sobretudo, familiares) com seu território de origem, o que de certa maneira contribui para que essa identidade tenha uma duplicidade, ou uma hibridez mais acentuada, pois, se mantém indefinida entre dois territórios. Ademais, existe outro aspecto que implica em uma complexidade maior nos estudos sobre identidade e território que se refere ao grupo de migrantes que buscam reproduzir seus valores em outros territórios, como é o caso dos gaúchos que criam CTGs por todo o Brasil e em diversos países do mundo como forma de manter vivas as tradições de seus antepassados. Com isso, acabam difundindo sua cultura para outros sujeitos, os quais muitos sequer estiveram no Rio Grande do Sul ou até mesmo vivenciaram determinados costumes. Cria-se, portanto, uma rede de tradições gaúchas que perpassa as fronteiras sul rio-grandenses. Estando fora do seu território de origem, muitos migrantes estabelecem uma rede de relações que visam amenizar o sofrimento gerado por esta ruptura. Segundo Bhabha (1998), trata-se de um tempo de reunião, onde os (i) migrantes se reúnem em pequenos espaços a fim de evocar lembranças, compartilhar experiências diversas, perspectivas de vida, ou seja, são espaços que remetem certo conforto, pois, acabam trazendo de volta um passado de valores em comum, ao mesmo tempo em que trazem elementos do presente, através das dificuldades vivenciadas no novo território. Compreendemos, portanto, a necessidade de constituição dos CTGs que, ao mesmo tempo em que servem para preservar e disseminar a tradição gaúcha são utilizados também para momentos de socialização entre os gaúchos, atuando como mecanismo de segurança à medida que propiciam um sentimento de afetividade entre os sujeitos que passam por momentos de adaptação a uma cultura diferente. Nesta perspectiva de alteridade que se estabelece entre o sujeito e o território mediados pela identidade, destacamos que embora haja um esforço por parte dos gaúchos em manter a sua tradição, dificilmente esta ficará alheia a influências externas, pois, conforme argumenta Hall (2006), os fluxos culturais que existem entre os diferentes espaços geram identidades partilhadas e a apropriação cultural 6017 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO se torna inevitável, sobretudo, em tempos de globalização. Assim, quanto mais entramos em contato com diferentes formas de cultura, mais estamos propensos a desenvolver uma identidade desvinculada de lugares específicos, ou seja, mais agregamos valores que nos condicionam a sermos sujeitos de múltiplas identidades. Na nossa própria vivência, dificilmente podemos ficar alheios a influências de culturas externas o que, de certa maneira, nos torna sujeitos instáveis no processo identitário, pois, estamos condicionados a conviver com diferentes tipos de pessoas e temos também a possibilidade de experienciar diferentes territórios. Enfatizamos que o contato entre as culturas nunca é passivo, pelo contrário. Sempre vão existir trocas, recombinações entre alguns elementos e incorporações de outros elementos, resultando em novas formas de cultura ou, em outras palavras, um hibridismo sociocultural, conforme Canclini (2001). Os gaúchos se constituem um dos grupos sociais que mais preserva o tradicionalismo no Brasil. Muitos destes valores culturais são impregnados de elementos que fazem alusão à Revolução Farroupilha, de 1835, quando houve um grande conflito de sul-rio-grandenses contra o governo imperial da época. A partir desse contexto histórico marcado por um forte sentimento de tradicionalismo, houve também os primeiros ensaios para a construção dos primeiros CTGs que rapidamente se disseminaram por todo o território brasileiro e hoje existem até em outros países, como Japão, Estados Unidos e Portugal. 2.2 – Ser gaúcho no Norte do Paraná: incógnitas de uma identidade territorial Através de nossas entrevistas notamos que existe uma participação muito grande de paranaenses em CTGs no norte do Paraná. Inclusive, alguns deles são fundadores e até presidentes de CTGs. Mesmo durante as festas mais tradicionais que ocorrem nos CTGs, como os bailes, é difícil encontrar um grande número de gaúchos. Na sua maioria, são paranaenses que trazem a família para participar, principalmente, em almoços nos quais se serve o típico churrasco gaúcho. O ambiente familiar é apontado por vários migrantes gaúchos como uma das motivações para frequentarem os CTGs, pois, acreditam que estes espaços possibilitam uma vivência harmoniosa, onde podem levar a família com 6018 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO tranquilidade, sem medo da violência, como nesse relato: “[...] o ambiente é propício pra educação dos filhos, pela questão de responsabilidade e respeito. Principalmente, respeito, tanto para os pais quanto para os outros” (Felipe, 42 anos, casado, Analista de Recursos Humanos, natural de Sarandi-RS, casado, Analista de Recursos Humanos e residente em Maringá-PR). É interessante que até aqueles entrevistados que se mostraram um tanto alheios ao tradicionalismo ou que não participam do CTG, acabam enaltecendo aspectos peculiares da história do Rio Grande do Sul vinculados a própria constituição do sujeito gaúcho, sobretudo, relacionados aos aspectos de uma bravura indômita, de sujeitos que não se deixam vencer. De acordo com uma das entrevistadas: “As mulheres gaúchas são, sobretudo, guerreiras. Antes de ser brasileira, sou gaúcha. São pessoas muito fortes e batalhadoras” (Lígia, 42 anos, casada, arquiteta e urbanista, natural de Arroio Grande-RS e residente em LondrinaPR). Para outro entrevistado, “[...] ser gaúcho é acreditar que possamos superar os limites, sabermos tirar força de vontade de onde não tem, é ser desbravador, é criar oportunidades” (Gustavo, 34 anos, solteiro, professor universitário, natural de Passo Fundo-RS e residente em Londrina-PR). O gaúcho é, portanto, visto com traços heroicos e de qualidades excepcionais que supera os obstáculos e não tem medo de enfrentar as adversidades da vida. Além disso, é percebido como um sujeito que contribui para a sociedade devido aos seus valores peculiares e que faz a sua parte para melhorar o seu entorno. [Pergunta: O que significa ser gaúcho para você?] É ser um pouco desbravador [...], é ser persistente, atrás dos objetivos que se tem. Acho que um pouco de manter e valorizar a cultura e tradição [...], valorizar o ser gaúcho por essas características e por toda a história, por tudo que se conhece da historia do gaúcho (Flávio, 35 anos, solteiro, arquiteto, natural de Pelotas-RS e residente em Londrina-PR, grifo nosso). Sobre a sua identidade territorial na atualidade, muitos entrevistados se mostram em dúvidas ao serem questionados. Por um lado, alguns se mostraram enfáticos ao afirmar sua identidade gaúcha: “Ah sou mais gaúcho ainda. Meu sotaque não mudou nada, tanto é que todo mundo que fala comigo pela primeira vez já sabe que sou de lá” (Edmilson, 44 anos, casado, empresário, natural de 6019 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Bossoroca-RS e residente em Maringá-PR. Da mesma maneira, observamos na fala de outro entrevistado: Sou gaúcho. Não sou paranaense. Nem um pouco paranaense. Não tem percentual, é 100% gaúcho. Eu estou aqui, mas eu não sou daqui, sou de Bagé. Gosto muito daqui, me dou com muita gente daqui, se tiver que viver o resto da minha vida aqui, vou viver, mas eu vou ser sempre gaúcho (Walter, 45 anos, casado, vendedor/propagandista, natural de Bagé-RS e residente em Maringá-PR). Por outro lado, existem aqueles que se mostram divididos, pois, já demonstram estar arraigados ao Estado do Paraná: “Olha, vou dizer para ti que eu sou gaúcho de nascença e paranaense de coração. Diria que eu sou um gaúcho misto. Amo meu Rio Grande, mas adoro o PR” (Odair, 68 anos, casado, aposentado, natural de Pinheiro Machado-RS e residente em Maringá-PR). Em outra fala, notamos a indecisão: “É meio a meio né? Porque já me adaptei aqui” (Marli, 59 anos, casada, dona de casa, natural de Espumoso-RS e residente em Maringá-PR). Existem outros, porém, que pelo fato de estarem há bastante tempo no Paraná, já se consideram mais paranaense do que gaúcho: Acho que me considero mais paranaense porque apesar de ser gaúcho, mais da metade dos meus hábitos já são daqui [do Paraná]: tomar tereré, mais do que chimarrão; música sertaneja, antes eu não aturava, agora eu já escuto, já tenho no pen drive ali do carro. Antes eu gostava mais do frio, mas agora me adaptei ao calor, não tenho nada contra [...] os hábitos foram mudando aqui pra região (Cristiano, 24 anos, solteiro, analista de PCP, natural de Porto Alegre e residente em Maringá-PR). Interessante ressaltar que, até mesmo entre os gaúchos que não frequentam o CTG, existe um sentimento muito forte pelo Rio Grande do Sul. Para estes migrantes, é motivo de orgulho ter nascido naquele Estado, sobretudo, por fazerem parte de um grupo social que lutou pelos seus interesses, em grandes acontecimentos históricos, como a Revolução Farroupilha. Ser gaúcho é, acima de tudo, ter tradições e ser um idealista. Eu vejo o Rio Grande do Sul como o precursor de grandes revoluções, principalmente, eu vejo um Estado que se contrapõe à desonestidade, à truculência estatal. Eu vejo um povo muito idealista, muito culto, muito coeso, muito unido (Rodrigo, 33 anos, solteiro, empresário, natural de Santa Maria-RS e residente em Maringá-PR). 6020 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Assim, a identidade territorial gaúcha é muito atrelada a aspectos de coragem e bravura. Constatamos também que a participação em CTGs não é a única forma de sociabilidade gaúcha existente nos dois municípios de análise. Muitos entrevistados destacaram que costumam se reunir com amigos quando ocorrem partidas de futebol do Grêmio e do Internacional, que são clubes gaúchos. Além disso, grupos de amigos gaúchos também costumam se reunir para cultuar a tradição gaúcha, ouvindo músicas típicas, tomando chimarrão e fazendo comidas típicas, como o arroz carreteiro e o churrasco. Dessa forma, a identidade não se perde, mesmo estando em um território distante. Verificamos que todos os entrevistados costumam voltar ao Rio Grande do Sul com a finalidade de visitar parentes e amigos que ainda estão lá ao menos uma vez por ano. Alguns deles, inclusive, mencionaram a vontade de regressar para lá depois de se aposentarem. Estes sujeitos sociais encontram-se em constante processo de idas e vindas, o que de certa forma, contribui para que os laços identitários e os aspectos culturais gaúchos não se percam totalmente. Isso gera certo conflito identitário já que vivem entre dois territórios: um marcado pelo tempo passado, pelas lembranças familiares e atrelada a valores tradicionais e outro que é o tempo presente, mas que representa também um tempo futuro, pois, a maioria não pensa em retornar e pensa em criar os filhos no Paraná. 3 – Metodologias Para investigar a trajetória de vida dos migrantes gaúchos no norteparanaense e conseguir seus relatos orais, a primeira etapa da nossa pesquisa envolveu uma extensa pesquisa bibliográfica e documental. Pela escassez de bibliografia sobre o tema, nos atentamos a obter informações diretamente com órgãos tradicionalistas gaúchos, como CTGs e o Movimento Tradicionalista Gaúcho do Paraná, que é o órgão que organiza todos os CTGs do Paraná. Como fonte principal da pesquisa bibliográfica, o trabalho buscou focar em grandes temas centrais: território; identidade e; migrações. Isso nos possibilitou demonstrar os vínculos estreitos entre estes três temas abordados e a partir daí, compreender de 6021 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO que forma são constituídas as identidades territoriais e como a migração tem um papel decisivo neste processo. Através de informantes em Londrina e Maringá (ver figura 1), realizamos entrevistas com um total de 26 sujeitos nascidos no Rio Grande do Sul, entre homens e mulheres com idade entre 24 e 72 anos. As perguntas envolviam vários temas como cultura, identidade, participação no CTG, tradicionalismo gaúcho, dificuldades de adaptação no Norte do Paraná, lembranças do Rio Grande do Sul e as perspectivas de voltar ao território de origem. Figura 1 – Mapa de localização de Londrina e Maringá-PR Fonte: IBGE (2012) Organização: Tatiana Colasante/Patrícia Helena Milani (2015) Com isso, partimos para outra escala de análise, buscando conhecer a trajetória de vida dos sujeitos da nossa pesquisa, contribuindo assim para um melhor entendimento sobre as razões da migração gaúcha para o Norte do Paraná e de que forma estes migrantes se reconhecem enquanto sujeitos culturais: são gaúchos ou são paranaenses? Neste aspecto, optamos por uma abordagem qualitativa a fim de conseguir maior riqueza de detalhes das impressões dos migrantes gaúchos mediante a técnica de entrevista. 6022 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 4 – Resultados A respeito da migração gaúcha para o Norte do Paraná, nossos entrevistados vieram das mais diferentes regiões do Rio Grande do Sul. Existem desde sujeitos que vieram de municípios de forte tradicionalismo como Bagé e Pelotas, como de colonização alemã, como Santa Cruz do Sul. Assim temos uma grande heterogeneidade entre os entrevistados, já que os valores culturais adquiridos no Rio Grande do Sul se processam de forma diferenciada. Entretanto, este fato não minimiza o orgulho que os entrevistados sentem ao se referirem ao seu Estado de origem, enfatizando sempre as qualidades dos seus conterrâneos. Diferente da Região Sudoeste do Paraná, onde podemos falar em um fluxo migratório de gaúchos e até mesmo periodizar, no Norte do Paraná isto não foi possível devido a grande disparidade de informações relacionadas às motivações, dificultando uma similaridade nas respostas. Assim, os motivos que levaram estes gaúchos a se reterritorializar no Paraná passam por tempos distintos e desde razões econômicas, como oportunidade de emprego, até razões familiares, para acompanhar esposa/marido. Nas nossas investigações, descobrimos um grande grupo de sujeitos os quais estamos dominando paranaúchos - paranaenses que assimilaram a cultura gaúcha e se consideram como tal, mesmo sem terem nascido no Rio Grande do Sul. Muitos deles, inclusive, nem sequer conhecem o Rio Grande do Sul. Por outro lado, identificamos a existência de microterritorialidades gaúchas que resultam de reuniões de amigos gaúchos e paranaúchos que se reúnem para cultivar a cultura gaúcha fora do CTG, ou seja, o CTG não é o elemento condicionante na preservação da difusão da cultura gaúcha, mas um dos elementos que contribuem para este processo. Muitas vezes, é nesses espaços familiares que alguns paranaenses têm contato com a cultura gaúcha e passam a fazer uso de alguns hábitos, como tomar o chimarrão e ouvir música tradicionalista. 6023 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 5 – Conclusões A respeito da concepção de ser gaúcho, os nossos entrevistados demonstraram certa contradição nas respostas. Ao mesmo tempo em que afirmam que o vínculo com o Rio Grande do Sul é fundamental, também atribuem ao cultivo das tradições, ou seja, um paranaense poderia ser gaúcho, basta se apropriar da cultura gaúcha. Nesse sentido, o ser gaúcho perpassa territórios, pois, alguém que nasce no Japão e passa a cultivar a tradição, pode ser considerado gaúcho. Por um lado, essa concepção de ser gaúcho pelo modo de vida nos motiva a compreender a atuação desses sujeitos sociais que surgem neste processo, os chamados paranaúchos, por outro lado, nos converge para uma análise mais complexa da identidade territorial gaúcha no Norte do Paraná. Notamos assim, que a cultura gaúcha é bem aceita e vivenciada por muitos paranaenses que até mesmo frequentam os CTGs. Em contrapartida, muitos gaúchos que residem em Londrina e Maringá não costumam frequentar o CTG seja por falta de costume ou até mesmo por acreditar que existe uma descaracterização da cultura gaúcha nestes espaços. Assim, as ressignificações da cultura em diferentes territórios nos conduzem a um olhar para o hibridismo, indicando que somos resultado de múltiplas identidades territoriais. Os migrantes gaúchos buscam preservar um pouco da sua tradição através da construção dos CTGs, o que materializa sua territorialidade em várias regiões do país. Podemos afirmar, portanto, que os gaúchos trazem para outros territórios aspectos da identidade territorial do Rio Grande do Sul, ou seja, formada a partir do seu território de origem, possibilitando uma coesão social desses indivíduos em outros territórios. Estes indivíduos certamente possuíam uma identidade territorial com seu estado de origem resultante da sua relação com o território, com mais ou menos intensidade. Por sua vez, o Estado do Rio Grande do Sul possui uma formação territorial distinta do estado do Paraná, o que acarreta diversas formas de apropriação do território e, consequentemente de identidade. A partir do momento em que estes indivíduos se reterritorializam no Norte do Paraná, deparam-se com outra forma de vida, um tempo e um espaço diferente que serão assimilados por estes indivíduos de forma subjetiva e objetiva, resultando em 6024 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO novas identidades territoriais, nas quais alguns elementos sociais perduram e passam a coexistir com novos elementos desse intercâmbio cultural. Sem encerrar totalmente a discussão, apresentamos novos contornos para a análise da identidade territorial gaúcho no Norte do Paraná, sobretudo, a partir de novas formas de socialização dos gaúchos, além dos CTGs, com a reunião em partidas de futebol ou até mesmo na Semana Farroupilha que tem extrema importância para a cultura gaúcha. Assim, a territorialidade não se limita aos espaços ditos oficiais, instituídos através do Movimento Tradicionalista Gaúcho, mas se estende a microterritórios cotidianos nos quais os gaúchos estabelecem contato com outros indivíduos estreitando laços de identidade, adaptando sues costumes à realidade norteparanaense. Referências Bibliográficas BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. CANCLINI, Néstor Garcia. Hybrid Cultures. Strategies for entering and leaving modernity. Tradução de Christopher L. Chiappari and Silvia L. Lopez. Minneapolis, Estados Unidos: Minnesota Press, 2001. HAESBAERT, Rogério da Costa. Territórios Alternativos. São Paulo: Contexto, 2012. ______. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. HALL, Stuart. Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. 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