UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU MESTRADO EM CIÊNCIAS GENÔMICAS E BIOTECNOLOGIA EXPRESSÃO DIFERENCIAL DE miRNAs EM LINFÓCITOS T DE INDIVÍDUOS TRANSPLANTADOS RENAIS Autor: Laureane Ribeiro Pavanelli Orientadora: Dr.ª Rosângela Vieira de Andrade Coorientador: Dr. Marcelo de Macedo Brígido Brasília - DF 2013 Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu Mestrado em Ciências Genômicas e Biotecnologia EXPRESSÃO DIFERENCIAL DE miRNAs EM LINFÓCITOS T DE INDIVÍDUOS TRANSPLANTADOS RENAIS Autor: Laureane Ribeiro Pavanelli Orientadora: Dr.ª Rosângela Vieira de Andrade Coorientador: Dr. Marcelo de Macedo Brígido Brasília 2013 LAUREANE RIBEIRO PAVANELLI EXPRESSÃO DIFERENCIAL DE miRNAs EM LINFÓCITOS T DE INDIVÍDUOS TRANSPLANTADOS RENAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Ciências Genômicas e Biotecnologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Genômicas e Biotecnologia. Orientador: Dr.ª Rosângela Vieira de Andrade Coorientador: Dr. Marcelo de Macedo Brígido Brasília 2013 P337e Pavanelli, Laureane Ribeiro. Expressão diferencial de miRNAs em linfócitos T de indivíduos transplantados renais. / Laureane Ribeiro Pavanelli – 2013. 92f. ; il.: 30 cm Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2013. Orientação: Dr.ª Rosângela Vieira de Andrade Coorientação: Dr. Marcelo de Macedo Brígido 1. Rins - transplante. 2. Imunidade celular. 3. Linfócitos. 4.Cirurgia operatória. I. Andrade, Rosângela Vieira de. orient,. Marcelo de Macedo. cooriet. III. Título. Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB 25/07/2013 II. Brígido, Dedico, sem hesitar, à minha família, com amor e gratidão por sua compreensão, carinho, presença e incansável apoio ao longo do período de elaboração deste trabalho. AGRADECIMENTO É com muita satisfação que expresso aqui o mais profundo agradecimento a todas as pessoas que direta ou indiretamente tornaram possível a realização desta dissertação. Agradeço, portanto: À minha família, parentes e queridos agregados. Em especial, mãezinha Therezinha, paizão Altamiro, irmão Rumenigh e cunhada Karine, por terem proporcionado as condições necessárias para os meus estudos e por serem o meu lar, e ainda, pelo amor, carinho, afago e aconchego. À minha amiga Nina Jardim, que além de muito querida e amada, foi o elo entre o meu desejo de fazer o mestrado e a Universidade Católica de Brasília – UCB. À minha orientadora Rosângela Vieira que me recebeu no seu grupo de braços abertos e me guiou por toda a trajetória de elaboração deste trabalho. A todos os professores da Pós-Graduação da UCB que foram essenciais para o meu crescimento intelectual e por despertar em mim o desejo por novos conhecimentos. Aos professores da Universidade de Brasília – UnB, Marcelo Brígido, meu coorientador, e Andrea Maranhão, minha cocoorientadora, por toda a ajuda, considerações, ideias, bolsa de estudo e colaboração. A todo o pessoal da bioinformática da UnB que sempre foram solícitos, em especial, Tainá Raiol e professora Maria Emília. Especialmente à Isabel Garcia, minha parceira, companheira, amiga, cúpida, por toda a ajuda e por ter dividido comigo muito mais que amostras, mas muitas alegrias, todas as angústias, desesperos e quartos de hotéis. Sem você eu não teria conseguido. A todos os amigos e amigas de longa data e aos que fiz através do mestrado por me proporcionarem momentos maravilhosos de alegria, distração e cumplicidade. Não vou citar nomes porque certamente vou me esquecer de alguém, mas prometo expressar minha gratidão dia-a-dia a cada um. Por último e não menos importante agradeço ao meu namorado José Carlos pela paciência, compreensão e apoio na fase final e mais difícil de elaboração deste trabalho. E ainda por ser o motivo dos meus sorrisos mais bonitos. “In my view, all that is necessary for faith is the belief that by doing our best we shall succeed in our aims: the improvement of mankind.” Rosalind Franklin RESUMO Pavanelli, L. R. Expressão Diferencial de miRNAs em Linfócitos T de Indivíduos Transplantados Renais. 93f. 2013. Mestrado em Ciências Genômicas e Biotecnologia, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013. O transplante tornou-se uma terapia para vários casos de falência de órgão a partir do desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas associadas a potentes terapias imunossupressoras. No entanto, a rejeição pós-transplantes ou falência do enxerto, ainda é um fator limitante para esse tipo de intervenção. A rejeição resulta, basicamente, a partir da interação de linfócitos T com células apresentadoras de antígenos, do reconhecimento desses antígenos estranhos pelos receptores dos linfócitos T e pela estimulação de sinalização acessória. Ao longo das últimas décadas, o conhecimento mais detalhado desses mecanismos moleculares associados ao reconhecimento do enxerto pelos linfócitos T, possibilitou o desenvolvimento de várias abordagens e terapias como, por exemplo, o bloqueio de coestimulação e a depleção de linfócitos T alorreativos. Sabe-se ainda, que uma parcela dos pacientes transplantados desenvolve espontaneamente um estado de tolerância operacional que garante a sobrevida do enxerto. Esta é uma condição rara, observada em indivíduos transplantados renais e de fígado e geralmente apresentada por indivíduos que suspenderam o uso dos medicamentos imunossupressores por conta própria devido aos inúmeros efeitos colaterais e fatores de risco associados ao uso dessas drogas. A indução desse estado de tolerância, e consequentemente, manutenção dessa tolerância sem o uso de drogas imunossupressoras e sem rejeição, são os maiores desafios do transplante. Assim, a busca por potenciais biomarcadores para a rejeição ou para a aceitação do enxerto faz-se cada vez mais necessária. Neste contexto, o presente estudo tem como principal objetivo identificar miRNAs diferencialmente expressos em linfócitos T humanos de pacientes com função estável ao enxerto, com rejeição crônica, com tolerância operacional e em indivíduos saudáveis, uma vez que mais pesquisas são necessárias para uma compreensão profunda da função dos miRNAs na fisiopatologia renal e nos estados de tolerância operacional. Para tal, foram selecionados 7 miRNAs (miR-1-1, miR-16, miR-31, miR-126, miR-133a, miR-196b, miR-328) e analisados em 15 indivíduos transplantados renais (em estado de tolerância operacional n=5, com função do enxerto estável n=5 e com rejeição crônica ao enxerto n=5) e em 5 indivíduos saudáveis doadores dos órgãos. Apenas o miR-31 teve expressão diferencial significativa nos linfócitos T de indivíduos transplantados em relação a indivíduos não transplantados (p< 0,05). Contudo, a identificação e análise da expressão deste miRNA, pode ser uma ferramenta importante para a identificação de um biomarcador promissor, além de promover o melhor entendimento dos mecanismos envolvidos no estado de tolerância operacional. Esse conhecimento pode futuramente, identificar pacientes, os quais poderão se beneficiar com a diminuição ou retirada do uso de drogas imunossupressoras, proporcionar o entendimento das vias imunorregulatórias envolvidas nesse estado de tolerância ao enxerto e subsidiar o desenvolvimento de novas terapias e/ou validar moléculas que poderão ser utilizadas como biofármacos. Palavras-chave: Transplante renal. Tolerância operacional. Linfócitos T. miRNA. ABSTRACT Transplantation has become a therapy for multiple organ failure cases from the development of new surgical techniques associated with potent immunosuppressive therapies. However, post-transplant rejection or graft failure still a limiting factor for this type of intervention. The rejection arises primarily from the interaction of T cells with antigen-presenting cells, the recognition of foreign antigens by T lymphocyte receptors and signaling by stimulating accessory. Over the last few decades, detailed knowledge of these molecular mechanisms involved in the recognition of the graft by T lymphocytes has enabled the development of several approaches and therapies such as the blocking of costimulation of T cells and alloreactive depletion. It is known that some transplanted patients spontaneously develop an operational state of tolerance that ensures survival of the graft. This is a rare condition seen in kidney and liver transplanted patients and generally made by individuals who discontinued the use of immunosuppressive drugs on their own due to the numerous side effects and risk factors associated with the use of these drugs. Induce this operational state of tolerance, and consequently, maintenance of tolerance without the use of immunosuppressive drugs and without rejection, are the biggest challenges of the transplant. Thus, the search for potential biomarkers for rejection or acceptance of the graft becomes increasingly necessary. In this context, the present study has as main objective to identify miRNAs differentially expressed in human T lymphocytes from patients with graft function, with chronic rejection, with operational tolerance and healthy subjects, whereas more research is needed for a deep understanding of the role of miRNAs in renal pathophysiology and in the operational tolerance. For this purpose, 7 miRNAs (miR-1-1, miR-16, miR-31, miR-126, miR-133a, miR-196b, miR328) were selected and analyzed in 15 transplanted kidney patients (with operational tolerance n = 5, stable graft function n = 5 and chronic graft rejection n = 5) and 5 healthy donor organs. Only miR-31 had significant differential expression in T lymphocytes in transplanted patients compared to non-transplant (p <0.05). However, the identification and analysis of the expression of miRNA may be an important tool for the identification of a promising biomarker, and to promote a better understanding of the mechanisms involved in the operational state of tolerance. This knowledge may eventually identify patients who may benefit from the reduction or withdrawal of immunosuppressive drugs, lead to understanding of the immunoregulatory pathways involved in this state of tolerance to the graft and subsidize the development of new therapies and / or validate molecules that may be used as biopharmaceuticals. Keywords: Kidney transplantation. Operational tolerance. T cells. miRNA. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Estrutura gênica do HLA. Classe I (HLA-A, B e C), classe II (HLA-DR, DQ e DP) e classe III (proteínas do complemento, HSP e TNF). Os genes TAP, LMP e HLA-DM codificam proteínas que não são expressas nas superfícies celulares. ..... 19 Figura 2. Biogênese e função de miRNA. ................................................................ 35 Figura 3. Caracterização da população de linfócitos T por citometria de fluxo. Os linfócitos foram colocados em uma região com base no tamanho e granulosidade (FSC e SSC) (A) e linfócitos T CD3+-PE (B)............................................................. 55 Figura 4. Análise da qualidade do RNA extraído: Gel de agarose 1,2%, com visíveis subunidades 28S e 18S, indicando a integridade do material. Marcador (M), Amostras (Ltx 10 – Ltx 43). ....................................................................................... 56 Figura 5. Mapeamento das reads no gene CD28, localizado no cromossomo humano 21. Em cada isoforma, as linhas mais grossas representam éxons e as mais finas, regiões de íntrons. A visualização foi feita no UCSC Genome Browser. ......... 71 Figura 6. Mapeamento das reads advindas do banco de dados SRA/NCBI no gene CD28, localizado no cromossomo humano 21. Em cada isoforma, as linhas mais grossas representam éxons e as mais finas, regiões de íntrons. A visualização foi feita no UCSC Genome Browser. .............................................................................. 72 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Expressão do miR-31 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Pacientes com tolerância operacional (TO), pacientes com rejeição crônica (RC), pacientes estáveis (ES) e indivíduos saudáveis (SA). *representa a expressão es estatisticamente significativa dos indivíduos saudáveis em relação aos transplantados renais. ...................................................................... 60 Gráfico 2. Expressão do miR-1-1 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). .............................................................................................. 62 Gráfico 3. Expressão do miR-16 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). .............................................................................................. 63 Gráfico 4. Expressão do miR-126 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). ................................................................................ 64 Gráfico 5. Expressão do miR-133a em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). ................................................................................ 65 Gráfico 6. Expressão do miR-196b em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). ................................................................................ 67 Gráfico 7. Expressão do miR-328 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). ................................................................................ 68 Gráfico 8. Gráfico boxplot das qualidades das sequências obtidas inicialmente. Eixo X: posição nas reads em pb. Eixo Y: escala de qualidade PHRED. ......................... 69 Gráfico 9. Gráfico boxplot das qualidades das sequências obtidas depois da retirada dos adaptadores e das sequências com qualidade <20, segundo a escala PHRED. Eixo X: posição nas reads em pb. Eixo Y: escala de qualidade PHRED. ................. 70 Gráfico 10. Análise da qualidade das sequências obtidas por novas bibliotecas de cDNA. Eixo X: tamanho das reads. Eixo Y: escala Phred. ........................................ 73 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Dados clínicos dos sujeitos selecionados. ................................................ 52 Tabela 2. Quantidade de células totais, de linfócitos T e de RNA obtido dos linfócitos T, após separação imuno-magnética de células dos grupos: tolerante operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). ................................... 57 Tabela 3. Valores de fold change dos miR-126 e miR-133a nos indivíduos do matching 1. Os valores pertencentes ao paciente estável caracteriza um outlier. .... 58 Tabela 4. Número de reads antes e depois da retirada dos adaptadores e das sequências de baixa qualidade. ................................................................................ 69 Tabela 5. Dados demográficos e clínicos dos indivíduos em estado de tolerância operaciomal................................................................................................................89 Tabela 6. Dados demográficos e clínicos dos indivíduos em estado de rejeição crônica........................................................................................................................90 Tabela 7. Dados demográficos e clínicos dos indivíduos com função estável do enxerto tomando doses habituais de imunossupressores.........................................91 Tabela 8. Dados demográficos e clínicos dos indivíduos saudáveis.........................92 LISTA DE SIGLAS APCs, antigen-presenting cells ATG, globulina antitimócita BCR, B cell receptor BSA, bovine serum albumin CD, cluster of differentiation cDNA, DNA complementar Cq, Quantification Cicle CsA, ciclosporina cTECs, thymic cortical epithelial cells CTLA, Cytotoxic T lymphocyte antigen DGCR8, DiGeorge Syndrome critical region 8 DNA, ácido desoxirribonucleico dNTPS, desoxirribonucleotídeos fosfatados EDTA, ethylenediamine tetraacetic acid ES, estáveis FACS, fluorescence-activated cell sorting FOXP3, forkhead box protein P3 FSC, Side Scatter gDNA, DNA genômico HLA, Human Leukocyte Antigens HSP, heat shock protein IL, interleucina INF, interferon MALT, mucosa-associated lymphoid tissue MHC, major histocompatibility complex MIP-1α, macrophage inflammatory protein miRNA, microRNA mRNA, RNA mensageiro PBMC, peripheral blood mononuclear cells PBS, phosphate buffered saline PCR, polymerase chain reaction pri-miRNA, microRNA primário qPCR, quantitative polymerase chain reaction RAG, recombination-activating gene RANTES, regulated upon activation, normal T cell expressed and secreted RC, rejeição crônica RISC, RNA-induced silencing complex RNA, ácido ribonucleico rRNA, RNA ribosomal SA, saudáveis SFB, soro fetal bovino SSC, Forward Scatter STAT, signal transducers and activators of transcription TCR, T cell receptor Th, T helper cell TO, tolerância operacional TSRI, The Scripps Research Institute SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 17 1.1 Aspectos gerais do transplante renal .......................................................... 17 1.2 Mecanismos imunológicos ligados à rejeição de transplantes .................... 20 1.3 Mecanismos imunológicos ligados à tolerância ao transplante ................... 23 1.4 Mecanismos de indução de tolerância ao transplante ................................ 26 1.5 Tolerância operacional ................................................................................ 28 1.6 miRNAs ....................................................................................................... 34 1.7 miRNAs COMO BIOMARCADORES da tolerância operacional ................. 37 1.8 Transcritoma, Rna-seq e bioinformática ..................................................... 38 2. OBJETIVOS ........................................................................................................ 42 2.1 Objetivo geral ............................................................................................. 42 2.2 Objetivos específicos .................................................................................. 42 3. DELINEAMENTO EXPERIMENTAL ................................................................... 43 4. MATERIAL E MÉTODOS.................................................................................... 44 4.1 Sujeitos de pesquisa .................................................................................. 44 4.2 Obtenção de células mononucleares de sangue periférico ........................ 45 4.3 Congelamento de células ........................................................................... 45 4.4 Separação das células para obtenção dos linfócitos T ............................... 46 4.5 Citometria de fluxo...................................................................................... 46 4.6 Extração de RNA ........................................................................................ 47 4.7 Quantificação e qualificação do RNA ......................................................... 48 4.8 Tratamento com DNase ............................................................................. 48 4.9 Síntese de cDNA e qPCR........................................................................... 48 4.10 Análise estatística ....................................................................................... 49 4.11 Sequenciamento de alto desempenho ....................................................... 49 4.12 Análise computacional dos dados .............................................................. 50 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................... 51 5.1 Sujeitos da pesquisa .................................................................................. 51 5.2 Eficiência e pureza da separação de linfócitos T........................................ 54 5.3 Qualidade e quantidade de RNA ................................................................ 55 5.4 Perfil de expressão de miRNAs em linfócitos T de transplantados renais .. 57 5.4.1 Perfil de expressão do miR-31 .................................................. 59 5.4.2 Perfil de expressão do miR-1-1 ................................................. 61 5.4.3 Perfil de expressão do miR-16 .................................................. 62 5.4.4 Perfil de expressão do miR-126 ................................................ 64 5.4.5 Perfil de expressão do miR-133a .............................................. 65 5.4.6 Perfil de expressão do miR-196b .............................................. 65 5.4.7 Perfil de expressão do miR-328 ................................................ 67 5.5 Sequenciamento de alto desempenho ....................................................... 68 6. CONCLUSÃO E PERSPECTIVAS ..................................................................... 74 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 75 ANEXO A - APROVAÇÃO DO PROJETO PELO COMITÊ DE ÉTICA. .................... 84 ANEXO B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO E APROVAÇÃO DO PROJETO PELO COMITÊ DE ÉTICA......................................... 85 ANEXO C - TABELAS COM OS DADOS DEMOGRÁFICOS E CLÍNICOS DOS SUJEITOS DA PESQUISA........................................................................................ 90 17 1. INTRODUÇÃO 1.1 ASPECTOS GERAIS DO TRANSPLANTE RENAL O transplante de órgãos e células hematopoiéticas surgiu como uma solução para várias patologias. O primeiro transplante de órgão sólido bem sucedido em humanos foi realizado no ano de 1954, em Boston, por Joseph Edward Murray, que depois de várias tentativas frustradas transplantou um rim entre gêmeos idênticos e posteriormente ganhou prêmio Nobel pelo desenvolvimento de técnicas de transplante de órgãos (GARCIA et al., 2012). Peter Medawar e Thomas Gibson foram os primeiros a fazer associação entre o transplante e o sistema imunológico durante a Segunda Guerra Mundial, através de experimentos que envolviam enxerto de pele em vítimas de queimaduras. Nesses experimentos, através de biópsias seriadas, eles observaram que enxertos do próprio indivíduo eram aceitos (auto-enxertos), enxertos de outros indivíduos eram rejeitados (aloenxertos) e que um segundo aloenxerto igual ao primeiro era rejeitado de forma acelerada, sugerindo que a destruição do tecido do próprio doador ocorria por imunização passiva e ainda que esse processo de rejeição é sistêmico e não local (SIMPSON, 2004). A resposta imunológica contra o enxerto tem sido atribuída ao reconhecimento de antígenos do órgão transplantado, apresentados aos linfócitos T no contexto de antígenos leucocitários humanos HLA (Human Leukocyte Antigens), as quais, por sua vez, dirigem uma enorme variedade de respostas celulares e humorais, causando dano tecidual e rejeição do enxerto. Esse tipo de resposta é mediada pela porção adaptativa do sistema imune (AYALA-GARCÍA et al., 2013). Corroborando com essa teoria, estudos realizados em camundongos demonstraram que os animais desprovidos de linfócitos T não rejeitam o enxerto (COELHO; RAMOS; FILHO, 2007). O sistema imunológico pode ser dividido em duas porções, a inata e a adaptativa. A resposta imune inata não é específica e envolve o recrutamento de diversos componentes do sistema imune, tais como, moléculas solúveis, células fagocitárias, que liberam mediadores inflamatórios e natural killers. É uma forma de resposta rápida a agressões, mas não tem habilidade de reconhecimento de certos antígenos e não se altera quantitativamente ou qualitativamente ao contato prévio 18 com o mesmo agente infectante. Em contrapartida, a resposta imune adquirida envolve a ativação e proliferação de células especializadas, linfócitos B e T, e das moléculas solúveis por eles produzidas. É específica, capaz de reconhecer uma grande diversidade de antígenos, de se tornar mais eficiente após cada encontro sucessivo com o antígeno, de especialização de resposta, autolimitação e tolerância a componentes do próprio organismo (DELVES; ROITT, 2000; CRUVINEL et al., 2010). Apesar dos linfócitos T serem as principais células envolvidas nos processos de rejeição ao transplante, as células apresentadoras de antígenos APCs (antigenpresenting cells) desempenham papel fundamental em sua ativação, funcionando como uma ponte entre o sistema imune inato e o adaptativo. APCs são especializadas na captura e apresentação de antígenos aos linfócitos por expressarem em sua membrana plasmática antígenos associados às moléculas do complexo histocompatibilidade principal MHC (major histocompatibility complex). O conceito de imunohistocompatibilidade surgiu na década de 30, a partir dos trabalhos de Peter Gorer. Consequentemente, surgiu um forte estímulo em busca dos conhecimentos em imunogenética levando à definição do MHC que em humanos são chamados de antígenos leucocitários humanos (HLA) (AMOS, 1986). O sistema HLA, descrito por Jean Dausset et al. em 1954 (RAPAPORT et al., 1965) é um complexo gênico altamente polimórfico que contém mais de 1.000 alelos diferentes presentes no cromossomo 6 (Figura 1). As moléculas do HLA associadas a antígenos são exibidas na membrana plasmática de células dendríticas, os linfócitos T por sua vez reconhecem esses antígenos através de seus receptores de membrana. Moléculas de HLA-A, B e C correspondem ao MHC de classe I e apresentam peptídeos endógenos, expressos em todas as moléculas nucleadas do organismo, aos linfócitos T CD8+. Moléculas de HLA-DP, DQ e DR correspondem ao MHC de classe II e apresentam peptídeos oriundos de antígenos exógenos aos linfócitos T CD4+ (DELVES; ROITT, 2000; FENG et al., 2007). 19 Figura 1. Estrutura gênica do HLA. Classe I (HLA-A, B e C), classe II (HLA-DR, DQ e DP) e classe III (proteínas do complemento, HSP e TNF). Os genes TAP, LMP e HLA-DM codificam proteínas que não são expressas nas superfícies celulares. 6 Fonte: (SILVA; MORY; DAVINI, 2008). O processo de apresentação de antígenos aos linfócitos T é extremamente importante para a sua seleção e maturação no timo. As células pré-T entram no córtex tímico pelas artérias e durante o processo de seleção e maturação migram em direção à medula, de onde saem para a circulação. Para que ocorra a maturação o linfócito T precisa expressar tanto um receptor TCR (T cell receptor) funcional, quanto co-receptores CD4 e/ou CD8 (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2007). O TCR é expresso na membrana dos linfócitos T em associação com um complexo denominado CD3, composto por cinco diferentes proteínas da família das imunoglobulinas, responsável pelo reconhecimento do complexo peptídeo-molécula de MHC, e o CD3, pela sinalização celular subsequente. A grande diversidade de repertório dos linfócitos T maduros é gerada pelo processo de recombinação somática do TCR na qual um dado gene V, entre os diversos possíveis, liga-se a um dado gene J ou combinação DJ. A recombinação entre os diferentes segmentos é mediada por enzimas expressas apenas durante a fase de maturação dos linfócitos (STUTMAN, 1978). Existem diversos subtipos de linfócitos T efetores e reguladores. Dentre os efetores destacam-se os auxiliares (Th1, Th2 e Th17) e os citotóxicos (T CD8). Já dentre os reguladores os linfócitos T são divididos em subpopulações especializadas. Linfócitos T regulatórios (TREG), subpopulação de linfócitos T CD4+, foram inicialmente descritos como derivados do timo (SEDDON; MASON, 2000). Entretanto, outras descobertas apontaram que estas células também podem ser geradas na periferia (WALDMANN; COBBOLD, 2001). Os linfócitos TREG foram 20 originalmente identificados em camundongos e logo após em seres humanos. Eles normalmente constituem uma pequena fração dos linfócitos T CD4+ circulantes no humano adulto e são comumente identificados pela expressão de IL2Rα (CD25) bem como de FOXP3. Como o próprio nome sugere, são células com papel de regulação e estão ligadas a manutenção da autotolerância imunológica e no controle das respostas autoimunes. Existe ainda outra subpopulação de linfócitos (NKT e LTγδ) que atuam ora como efetoras, ora como reguladoras, representando assim populações muito heterogêneas do ponto de vista funcional. Desse modo, há grande interesse no estudo dos subtipos celulares com função regulatórias e de sua potencial aplicação em tratamentos no âmbito de transplantes e de doenças autoimunes. (PAPIERNIK et al., 1998; STEPHENS et al., 2001). 1.2 MECANISMOS IMUNOLÓGICOS LIGADOS À REJEIÇÃO DE TRANSPLANTES No transplante, quanto maiores são as diferenças imunohistoquímicas entre dois organismos, maior será a reação imunológica contra o transplante. Assim, é essencial determinar as diferenças entre o HLA de um potencial doador e do receptor antes do transplante. Mas mesmo depois de determinada a histocompatibilidade por meio de testes in vitro, quando um indivíduo recebe um órgão transplantado, seu sistema imunológico é ativado, culminando ou não em resposta inflamatória contra o transplante. Existem diversas formas de reconhecimento dos transplantes pelo sistema imunológico, as chamadas vias de alorreconhecimento, do Grego állos que significa reconhecimento do outro, essas vias se dividem em direta, indireta e semi-direta (CORNELL; SMITH; COLVIN, 2008). Na via direta de alorreconhecimento, os linfócitos T do indivíduo transplantado reconhecem diretamente os peptídeos expostos nas células apresentadoras de antígenos (APCs) do órgão do doador. Isso ocorre devido à frequência elevada de linfócitos T com especificidade direta ao enxerto, que se deve a um mimetismo causado por reatividade cruzada entre as moléculas de MHC próprias e as do órgão transplantado que são reconhecidas pelos linfócitos T do receptor. As APCs do órgão do doador também podem migrar para os órgãos linfóides secundários, gerando respostas inflamatórias. Células endoteliais presentes nos vasos do órgão 21 transplantado e células do parênquima do órgão, podem ainda expressar moléculas de HLA, gerando alorreconhecimento direto (JIANG; HERRERA; LECHLER, 2004). A via indireta é o modo convencional de apresentação de antígenos pelo sistema imune e se dá pela mesma forma de apresentação de antígenos derivados de patógenos. Moléculas do sistema HLA do receptor apresentam peptídeos, derivados dos antígenos do doador, que foram processados nas APCs, aos linfócitos T CD4+. As vias diretas e indiretas podem acontecer simultaneamente em um indivíduo transplantado (CÔTÉ; ROGERS; LECHLER, 2001). E por último, a via semi-direta, ocorre devida à capacidade das APCs de transferir moléculas da sua superfície celular para outras células. Estudos mostraram que células dendríticas apresentadoras de antígenos, adquiriram essas moléculas de HLA de outras células dendríticas ou de células endoteliais e foram capazes de apresentá-las de forma eficiente para linfócitos T alorreativos. Essa via cria uma ligação entre as diretas e indiretas, já que as APCs podem adquirir moléculas de HLA intactas de células do doador e a mostrá-las aos linfócitos T pela via direta, e essas mesmas APCs podem apresentar peptídeos, gerados por fagocitose, e apresentá-los pela via indireta aos linfócitos T CD4+ (JIANG; HERRERA; LECHLER, 2004). A rejeição imunológica ao transplante é constituída, basicamente, pela fase de sensibilização e pela fase efetora. Durante a sensibilização ocorre o reconhecimento do enxerto como estranho ao organismo, através dos mecanismos de apresentação celular, que conduzem a proliferação de linfócitos T. Na fase efetora ocorre a infiltração por macrófagos e linfócitos T, no transplante com a finalidade de destruir o órgão. Os processos de rejeição ao enxerto são classificados seguindo os critérios Banff. A conferência Banff reúne a cada dois anos uma enorme equipe de médicos cirurgiões, patologistas, imunologistas, entre outros, para discutirem novos direcionamentos para transplantes de forma geral. No ano de 2007, levantou várias questões envolvendo o transplante renal (SOLEZ et al., 2008). De acordo com esses critérios, as rejeições foram classificadas como: aguda ou crônica, mediadas por anticorpos e/ou por linfócitos T. As agudas geralmente acontecem poucas semanas após o transplante e as crônicas, ocorrem depois de 3 meses do transplante. 22 Na rejeição aguda mediada por linfócitos T ocorre a infiltração de células mononucleadas no interstício, seguida por inflamação dos túbulos e por vezes do endotélio das artérias renais. Dentre as células mononucleares presentes em maior frequência estão os linfócitos T CD4+ e T CD8+. Além da perforina e granzina, grânulos dos linfócitos T citotóxicos, e o FasL, um importante efetor do sistema imune. Outras citocinas e quimiocinas também expressas na rejeição aguda são: IFN-ϒ, TNF-α e β, RANTES (regulated upon activation, normal Tcell expressed and secreted) um quimiotático para linfócitos T, eosinófilos e basófilos, MIP-1α (macrophage inflammatory protein) um quimiotático para leucócitos polimorfonucleados. Os pacientes com esse quadro clínico desenvolvem uma elevação abrupta da creatina sérica, retenção de líquidos, febre e até mesmo perda do enxerto (CORNELL; SMITH; COLVIN, 2008). A rejeição aguda mediada por anticorpos, geralmente ocorre em pacientes com exposição prévia a aloantígenos, como aqueles que fizeram transfusões de sangue, transplantes anteriores, gravidez, entre outros. Os anticorpos são direcionados principalmente para antígenos do sistema HLA e para moléculas de MHC expressas nas células endoteliais. Os anticorpos nesse caso atacam regiões diferentes das atingidas pelos linfócitos T, regiões chamadas de peritubulares e capilares glomerulares. A rejeição mediada por anticorpos costuma ter um prognóstico pior do que a rejeição mediada por linfócitos T, necessitando, portanto, de terapias diferenciadas. É caracterizada por evidência morfológica de agressão aguda e por presença de fragmentos de C4d que também é utilizado como marcador diagnóstico na biópsia renal. C4d é um fragmento de C4b, um produto de ativação da via clássica do complemento. Caracteriza-se também pela ativação das vias da cascata de coagulação que juntamente com o complemento, recrutam células inflamatórias (COLVIN, 2007). A rejeição crônica ocorre por intermédio de mecanismos humorais, celulares ou ambos, caracterizada por alterações vistas nos glomérulos, túbulos, vasos e interstícios renais. Características histológicas da rejeição crônica são glomerulopatia, capilaropatia peritubular, arteriopatia, e, menos especificamente, fibrose intersticial e atrofia tubular. Hipertensão arterial e aumento na perda de proteínas na urina também são características facilmente detectáveis em pacientes com esse tipo de rejeição ao transplante renal. Os principais fatores imunológicos 23 que estão relacionados à progressão da rejeição crônica são: disparidades de antígenos HLA entre o doador e o receptor, sensibilização pré-transplante do receptor dirigido a antígenos HLA, episódios anteriores de rejeição aguda, injúria do órgão transplantado causada pelo tempo de isquemia e reperfusão pré e/ou durante a cirurgia e imunossupressão inadequada. A injúria do aloenxerto causada por isquemia e reperfusão resulta em dano tecidual com consequente resposta inflamatória e aumento da expressão de moléculas como: HSP (heat shock protein), moléculas de adesão, citocinas e quimiocinas, que sinalizam a resposta imune inflamatória (JOOSTEN et al., 2005). Como forma de prevenir a rejeição ao enxerto, vários agentes imunossupressores poderosos foram desenvolvidos, tais como a ciclosporina, um peptídeo cíclico natural que inibe ativação de linfócitos T iniciada por antígenos específicos, que bloqueia a atividade da calcineurina, uma fosfatase cálciodependente integrante de uma via que induz a expressão de múltiplos genes, incluindo o fator de crescimento de linfócitos T, a IL2; o tacrolimus, um antibiótico macrolídeo é outro exemplo de imunossupressor que também inibe a atividade da calcineurina e é ainda mais potente que a ciclosporina no tratamento da rejeição aguda a transplantes; o azatioprina e o sirolimus que agem como antiproliferativos dos leucócitos; o micofenolato mofetil derivado do ácido micofenólico, mais seletivo que a azatiopina e que inibe proliferação de linfócitos B e T; a rampamicina, outro antibiótico macrolídeo que tem poderoso efeito inibitório sobre a sinalização dos receptores da IL2 e sobre o ciclo celular de linfócitos T ativados por antígenos; anticorpos monoclonais que foram desenvolvidos para alvejar moléculas específicas em linfócitos T, incluindo moléculas de alta afinidade ao receptor de IL2 que são expressas em linfócitos T ativados; os glicocorticóides que bloqueiam a transcrição dos genes de citocinas em linfócitos, células apresentadoras de antígenos e em outras células imunológicas, entre outros (YU; CARPENTER; ANASETTI, 2001; MAGEE; PASCUAL, 2004). 1.3 MECANISMOS IMUNOLÓGICOS LIGADOS À TOLERÂNCIA AO TRANSPLANTE A tolerância imunológica é a maneira pela qual os linfócitos são selecionados antes de amadurecerem e se tornarem competentes, portanto tolerantes a antígenos 24 próprios, mas capazes de reconhecer antígenos estranhos ao organismo. A tolerância é classificada em dois tipos, a central quando os linfócitos são selecionados ainda nos órgãos linfóides primários (timo para linfócitos T e medula óssea para linfócitos B), e periférica quando selecionados posteriormente nos órgãos linfóides secundários (baço e linfonodos) e tecidos linfóides secundários associados a mucosas MALT (mucosa-associated lymphoid tissue) (SAKAGUCHI, 2010). Durante a maturação dessas células, os receptores dos linfócitos são produzidos pela geração de uma enorme quantidade de rearranjos gênicos, TCR (T cell receptor) e BCR (B cell receptor), são receptores de linfócitos T e B, respectivamente. Os genes que codificam esses receptores são montados a partir de fragmentos variáveis e constantes mediados pelas proteínas RAG (recombination-activating gene), sendo assim, partindo de um pequeno número de genes, um grande repertório de receptores é formado, maximizando a diversidade de receptores através da introdução de sequências variáveis no sítio de recombinação e regulando o desenvolvimento de linfócitos individuais capazes de reconhecer um ou um pequeno número de peptídeos (MEDZHITOV, 2007). Apenas uma minoria de linfócitos T é capaz de reconhecer, tanto moléculas do MHC próprias do organismo, quanto antígenos estranhos. Muitos linfócitos imaturos duplamente positivos (T CD4+CD8+), não são capazes de reconhecer moléculas de MHC próprias, portanto entram em apoptose. Aqueles linfócitos que expressam TCRs capazes de interagir tanto com antígenos próprios, quanto estranhos, são selecionados positivamente no cTECs (thymic cortical epithelial cells), mas se essas células apresentarem alta afinidade por antígenos próprios, elas serão eliminadas posteriormente pela indução de apoptose ao interagirem com células dendríticas e macrófagos na medula tímica (seleção negativa). Células selecionadas podem migrar em direção aos tecidos linfóides periféricos continuando sua maturação a partir da interação com moléculas MHC de classe I ou II, determinando assim a maturação em linfócitos T CD8+ ou T CD4+ respectivamente (ABBAS; JANEWAY, 2000; DELVES; ROITT, 2000). Acredita-se que esse processo de seleção que ocorre no timo desempenha um papel importante na autotolerância dos linfócitos T, diminuindo a possibilidade de maturação e ativação de linfócitos T autorreativos na periferia (COHEN, 2002). 25 Mesmo assim, fisiologicamente existe um grande número de linfócitos T autorreativos maduros na periferia (COHEN; QUINTANA; MIMRAN, 2004; COHEN, 2007). Estes linfócitos T autorreativos, normalmente não são ativadas e não induzem autoimunidade, mostrando que existem outros mecanismos de regulação na periferia que são capazes de manter o estado de tolerância ao próprio, esses mecanismos envolvem deleção e apoptose, anergia e regulação ou supressão (AYLA-GARCÍA et al., 2013). Linfócitos T imunorregulatórios (TREG), como o próprio nome sugere, são células capazes de suprimir respostas imunes exacerbadas que podem prejudicar o organismo, além de estabelecer imunidade contra o que não é próprio, tais como os órgãos transplantados. Para tanto, não é nenhuma surpresa que essas células são estritamente controladas. Linfócitos T se ligam a qualquer antígeno que entre em contato com os seus TCRs, mas para que essas células sejam ativadas, gerando proliferação e diferenciação, é necessário um segundo estímulo que é mediado pelo sistema imune inato e pelas APCs (ABBAS; JANEWAY, 2000). Uma melhor definição de TREG se dá pela expressão do principal regulador da transcrição no + desenvolvimento de TREG, FOXP3, que confere ao linfócito T CD4 não regulatório tanto uma função reguladora, quanto um fenótipo regulador. Células que expressam FOXP3 com atividade regulatória exibem uma variedade de marcadores de superfície celular incluindo: CD25, CTLA4, CD103, CD134, CD62L, GITR, GARP, CD39, CD73, TGF-β ligado à superfície, CD127lo e produzem as citocinas antiinflamatórias TGF-β, IFN-γ, IL9, and IL10 (YEH et al., 2013). Os principais linfócitos T com função imunorregulatória são: linfócitos TREG (CD4+CD25+), que expressam o fator de transcrição FOXP3 (forkhead box protein P3) e a cadeia α (alfa) do receptor de IL2 (CD25); linfócitos TR1, que se diferenciam de linfócitos T CD4+ naive na presença de IL10 e regulam outros linfócitos T; e os linfócitos Th3 (T helper 3), capazes de impedir reações autoimunes mediante produção de TGF-β (MESQUITA et al., 2010). Linfócitos TREG, que expressam o fator de transcrição FOXP3, estão altamente associados à manutenção da homeostase e da autotolerância. Disfunções ou deficiências nessas células desencadeiam doenças autoimunes, alergias e imunopatologias. Essas células ainda estabelecem tolerância a antígenos estranhos ao organismo, por exemplo, a transplantes, portanto esse tipo 26 celular tornou-se o foco central de estudos que envolvem a tentativa da manutenção desse estado (SAKAGUCHI; WING; YAMAGUCHI, 2009). Linfócitos TREG podem ser de duas categorias: CD4+CD25+ naturais ou induzidos. Os naturais se desenvolvem normalmente no processo de maturação de linfócitos T no timo e no sangue periférico e estão sempre em vigilância normal contra antígenos próprios evitando respostas autoimunes em potencial. Os induzidos adquirem atividade supressora a partir de sucessivas ativações e sob condições de estimulação únicas (SAKAGUCHI; WING; YAMAGUCHI, 2009). Vários outros mecanismos de regulação, modulação e tolerâncias já foram descritos. Entre eles, um estudo mostrou que camundongos com deficiência de CD28, um receptor coestimulatório indispensável para ativação dos linfócitos TREG CD4+CD25+FOXP3+, desenvolvem severas doenças autoimunes (TAI et al., 2005). Outro estudo demonstrou que o CTLA-4 (Cytotoxic T lymphocyte antigen), está associado à supressão de linfócitos T ativados, controlando negativamente os linfócitos TREG (CHIKUMA; BLUESTONE, 2003). Zheng et al. (2006) reportaram ainda que a estimulação in vitro de linfócitos T CD4 naive na presença de TGF-β leva a um aumento na expressão de FOXP3, juntamente com a conversão para o fenótipo regulador, + a expressão do perfil de citocinas associadas com + TREGCD4 CD25 e aquisição de atividade supressora. 1.4 MECANISMOS DE INDUÇÃO DE TOLERÂNCIA AO TRANSPLANTE A aceitação de um transplante pelo organismo é um processo longo que demanda várias combinações de drogas imunossupressoras. Esse tratamento traz risco a saúde e a qualidade de vida dos transplantados, tais como, infecções oportunistas e vários efeitos colaterais. Em modelos animais mecanismos são estudados na tentativa de indução da tolerância, dentre eles destacam-se: indução do quimerismo linfo-hematopoiético misto, o uso de agentes bloqueadores de coestimulação e o uso de agentes depletadores de linfócitos T (KEAN et al., 2006). No quimerismo linfo-hematopoiético misto, células hematopoiéticas são transferidas do doador para o receptor, com a finalidade de induzir tolerância prévia ao transplante de órgão, tecidos ou células (ANSARI; SAYEGH, 2004). Para tal, várias metodologias são empregadas, como por exemplo, a irradiação total do corpo do receptor para permitir que as células do doador se estabeleçam sem rejeição. 27 Esse modelo mieloablativo implica riscos excessivos de toxicidade. Estudos mais refinados desenvolveram um protocolo que inclui ciclofosfamida, irradiação tímica e globulina antitimócita (ATG) com ciclosporina (CsA) e obtiveram sucesso com 2 pacientes que receberam transplante renal de doadores HLA compatíveis e que foram retirados de todos os regimes imunossupressores. Esses e outros exemplos que envolvem várias combinações de medicamentos e irradiações pré-transplante devem ser cuidadosamente estudados, já que o estado de tolerância não depende apenas de reconhecimento direto pelos linfócitos T, mas também de vários outros mecanismos supracitados (MATTHEWS; RAMOS; BLUESTONE, 2003). Linfócitos T necessitam de uma gama de agentes coestimulatórios para sua ativação completa. O uso de agentes bloqueadores de coestimulação, como o próprio nome sugere, tem a finalidade de bloquear essas moléculas na superfície celular para induzir anergia aos linfócitos T, utilizando antagonistas das vias de sinalização. Técnicas que utilizam esses princípios têm grande potencial, já que envolvem protocolos que não implicam toxicidade. Mas o grande desafio é bloquear as diversas vias de sinalização dos linfócitos T, simultaneamente. Os estudos mais promissores demonstraram efeito sinérgico a partir da combinação de bloqueio de CD28 e CD154, com ou sem a adição da técnica de quimerismo linfohematopoiético. Outra técnica que obteve sucesso em modelo animal é a combinação do quimerismo linfo-hematopoiético, com CTLA4lg e com anti-CD154, isso reduz a necessidade de terapia de radiação, reduzindo portanto, a toxicidade do quimerismo linfo-hematopoiético originalmente descrito (MATTHEWS; RAMOS; BLUESTONE, 2003; ANSARI; SAYEGH, 2004). No estado de tolerância proposto pelo modelo de depleção dos linfócitos T, uma passageira, mas profunda depleção de linfócitos T redefiniria o sistema imune para um estado de tolerância a aloantígenos. O uso de anti-CD3, combinado com imunossupressores obtiveram resultados promissores, podendo ser mais eficaz se essa terapia for aplicada na fase de reconstituição dos linfócitos T. O uso de anticorpos monoclonais com essa finalidade já foi aprovado em casos de transplante renal, mas o uso seguro desses anticorpos ainda é alvo de estudos (MORRIS, 1998; MATTHEWS; RAMOS; BLUESTONE, 2003). O estudo deste modelo faz parte desse projeto e está sendo desenvolvido paralelamente a este trabalho com a finalidade de 28 cruzamento final de dados para compreensão das vias imunorregulatórias no transplante renal, como um todo. É notório que linfócitos TREG e suas vias estão intimamente ligadas à manutenção da tolerância, suprimindo a imunidade por vários mecanismos distintos. O estudo dessas interações é promissor como alvo de terapia clínica, mas um grande desafio é saber se mecanismos supressivos observados in vitro podem ser transferidos para situações in vivo, mesmo observando o microambiente em diferentes órgãos do corpo (WING; FEHÉRVÁRI; SAKAGUCHI, 2006). 1.5 TOLERÂNCIA OPERACIONAL A tolerância operacional é uma situação clínica definida por estabilização da função do órgão transplantado sem nenhum indicativo de rejeição crônica e ausência de qualquer droga imunossupressora, usualmente por mais de 1 ano. Tolerância operacional “espontânea” já foi descrita em pacientes com transplante renal e hepático. Tais pacientes oferecem uma oportunidade única de estudo das condições biológicas e clínicas associadas à tolerância. Um processo de “quase” tolerância operacional caracterizado por função estável do órgão em pacientes com baixas doses de drogas imunossupressoras (monoterapia), também é alvo de estudos (ROUSSEY-KESLER et al., 2006). Ainda não são conhecidos parâmetros preditivos confiáveis de tolerância, no contexto clínico. A recomendação clínica usual é de nunca interromper o uso das drogas imunossupressoras. Portanto, a observação de tolerância operacional ocorre quando a terapia imunossupressora é interrompida devido aos efeitos colaterais causados por essas drogas, como nefrotoxicidade e surgimento de neoplasias. E na maioria dos casos os indivíduos suspendem o uso da imunossupressão por iniciativa própria. É descrito que após a retirada das drogas imunossupressoras, muitos indivíduos transplantados renais foram capazes de manter um funcionamento estável do transplante por um período transitório, mas posteriormente perderam a função renal. No entanto, outros indivíduos transplantados renais mantiveram uma função estável do órgão por muitos anos após a retirada das drogas imunossupressoras, mostrando assim, que o estado de tolerância operacional pode ser mantido por longo tempo em alguns casos (ASHTON-CHESS; BROUARD; SOULILLOU, 2006). 29 Como a tolerância operacional parece estar ligada à deleção clonal, à anergia, ou à uma regulação ativa. Estudos que envolvem seleção e ativação em sangue periférico de indivíduos que realizaram transplante são os mais realizados. A partir desses estudos, já foi possível caracterizar que os transplantados operacionalmente tolerantes têm alterações em linfócitos T clonais no sangue periférico e que esses linfócitos são principalmente T CD8+ com ausência de acúmulos de transcrição de citocinas. Esses estudos buscam ainda usar essas descobertas como marcadores, que poderiam ajudar a identificar indivíduos tolerantes em potencial (BROUARD et al., 2005; ROUSSEY-KESLER et al., 2006). Brouard et al. (2007) analisaram células mononucleares do sangue periférico de 17 pacientes tolerantes operacionais, juntamente com outros grupos clínicos. As análises por microarranjo identificaram um conjunto de 49 genes que estavam diferencialmente expressos no grupo de tolerantes operacionais. Em seguida, os 49 genes foram validados por qPCR e 33 deles tiveram acurácia comprovada. Quando esses 33 genes foram testados em sangue periférico de pacientes com função estável ao enxerto, 1 de 12 pacientes estáveis com terapia tripla de imunossupressão e 5 de 10 pacientes estáveis com monoterapia de baixa dosagem, compartilharam o perfil dos tolerantes, sugerindo que é possível selecionar tolerantes operacionais em potencial dentre os pacientes estáveis ao enxerto. Foi ainda observado que em pacientes com transplante de fígados os casos de tolerantes operacionais é mais comum, chegando a 20% dos pacientes. Martínez-Llordella et al. (2008) analisaram múltiplos parâmetros, incluindo expressão gênica com microarranjo em sangue periférico de 16 pacientes tolerantes operacionais. Os genes encontrados incluíam receptores de linfócitos T e células NK. Curiosamente, o conjunto de genes encontrados em sangue periférico dos transplantados de fígado, pouco se relacionava com os conjuntos gênicos encontrados na tolerância operacional de pacientes transplantados renais. Isso pode ter ocorridos pelas próprias diferenças dos dois tipos de transplante ou pelas variações técnicas devido ao pequeno número amostral. Embora ainda não existam marcadores confiáveis para a identificação de pacientes tolerantes, vários autores já descobriram que tolerantes operacionais possuem padrões transcricionais únicos no sangue periférico. A diferença nos padrões de expressão está relacionada com a resposta imune e pode constituir uma 30 base para futuros ensaios que poderão ser usado no diagnóstico de tolerância, a fim de adaptar melhor a terapia imunossupressora. Mas é importante pensar que outras variáveis podem desenvolver um papel importante no desenvolvimento do estado de tolerância. Não se pode contar só com o perfil genético dos indivíduos transplantados para determinar se eles podem interromper a terapia imunossupressora. Portanto, deve-se associar o transcritoma, com o “imunoma” e com o “clinicoma” na tentativa de predizer com precisão os possíveis tolerantes operacionais (BRAZA; SOULILLOU; BROUARD, 2012). Desde o final dos anos 90, Coelho et al. (1999), pertencentes a este grupo de estudo, também publicavam artigos com dados importantes que buscavam elucidar os caminhos de rejeição e aceitação do enxerto pelas células do sistema imunológico utilizando indivíduos transplantados renais, um dos primeiros trabalhos mostrou evidências de que a via de alorreconhecimento indireta estava presente no sangue periférico de transplantados renais com longo tempo de transplante independentemente de quadros de rejeição ao enxerto. Em 2001, dando continuidade a esse trabalho, Spadafora-Ferreira et al. publicaram dois artigos que avaliavam a resposta indireta à alopeptídeos contra HLA-DR em pacientes renais transplantados, pré-transplantados e pós- transplantados em períodos diversos, bem como em indivíduos saudáveis, através da caracterização do repertório de linfócitos T envolvidos no alorreconhecimento indireto pela avaliação da proliferação e produção de citocinas por essas células. O conjunto de dados desses dois estudos demonstrou que os linfócitos T da via de alorreconhecimento indireta, contradizendo outros estudos, não possuíam papel inflamatório e sim regulador, surgindo assim à hipótese de que a ativação do repertório de linfócitos T regulatórios na via indireta de alorreconhecimento pode induzir um processo ativo de tolerância. Prosseguindo o estudo, Portugal et al., ainda nesse mesmo ano (2001), discorreram sobre o repertório de linfócitos T autorreativos em transplantados renais analisando a resposta proliferativa de células mononucleadas autólogas do sangue periférico no período pré-transplante e em diferentes períodos pós-transplante, por técnica de reação de linfócitos autólogos mistos (auto-MLR). E mostraram que foi encontrada uma intensificada autorreatividade em transplantados renais, sugerindo que os mecanismos imunológicos pós-transplante podem alterar o repertório de 31 linfócitos T autorreativos. A detecção de resposta proliferativa exclusivamente no grupo pós-transplantados sugeriu ainda uma alteração significante no repertório de linfócitos T autorreativos. Mas ainda era preciso esclarecer se essas populações de linfócitos autorreativos suprimiam a alorreatividade e a inflamação, assim com descrito para linfócitos T HSP-reativos em artrite reumatoide e artrite experimental ou se contribuía para a agressão ao enxerto como reportado na autorreatividade anti-miosina nos pós-transplantados de modelo murino. Contudo, o grupo decidiu seguir o que sugeria o estudo de artrite reumatoide, avaliando, portanto, a dinâmica da resposta proliferativa e a produção de citocina induzida por HSP60 e HSP70 (heat shock protein), com a finalidade de caracterizar funcionalmente o repertório de linfócitos T anti-HSP no contexto do transplante renal humano. Para tal, as células mononucleadas do sangue periférico de 36 indivíduos renais transplantados foram analisadas em vários períodos pós-transplante. E verificou-se que a produção de interleucina-4 (IL4) induzida por HSP60 estava associada com a ausência de rejeição imunológica ao enxerto (GRANJA et al., 2004). Esse dado foi melhor analisado e no mesmo ano (2004) outro artigo foi publicado, o objetivo dele era de avaliar a produção de citocinas contra peptídeos autólogos da HSP60 oriundos de diferentes regiões da proteína em pacientes renais transplantados em dois momentos pós-transplante, já que dados anteriores sugeriram que havia predominância de um repertório de linfócitos T autorreativos pró-inflamatórios no início do pós-transplante (<6 meses) e algum fator regulador em indivíduos com mais tempo de transplante (>1 ano). O conjunto de resultados encontrados sugeriu uma predominância de autorreatividade no repertório de linfócitos T regulatórios anti-HSP, no período mais longo do pós-transplante, que predominantemente reconhecem peptídeos das regiões intermediárias e C-terminal da HSP60, esses dados estavam de acordo com o observado no modelo de artrite reumatoide experimental (CALDAS et al., 2004). No ano de 2006, o grupo publicou um trabalho ainda maior e com objetivos mais amplos, foi realizado o estudo do perfil de citocinas da resposta celular induzida por diferentes estímulos (peptídeos e proteínas) em pacientes transplantados renais. O objetivo era avaliar se a autorreatividade para HSP60 induzia diferentes padrões de citocinas em pós-transplantados (<6 meses e >1 ano) 32 e se esse padrão estava associado com o reconhecimento de diferentes regiões da molécula de HSP60. Outra pergunta do estudo era se em grupos de pacientes clinicamente distintos (pacientes estáveis após longo tempo de transplante versus pacientes com rejeição crônica ao enxerto) havia diferentes populações reativas a HSP. E por fim, foi investigado se os linfócitos que infiltravam o enxerto eram capazes de reconhecer a proteína HSP própria e qual era o perfil de citocinas induzidas por essa proteína. Como conclusão foi observado que, nas células mononucleadas avaliadas, houve uma predominância da interleucina 10 (IL10) sendo produzidas por indução da HSP60 durante o período tardio do póstransplante, principalmente em resposta a peptídeos das regiões intermediárias e Cterminal da HSP60, foi relatado ainda que pacientes com rejeição crônica apresentaram reatividade para HSP60 com maior produção de IL10 em relação aos pacientes estáveis a longo prazo, sendo assim foi sugerido que apesar de ter atividade pró-inflamatória a autorreatividade para HSP60 no transplante provavelmente exercia um papel regulador (CALDAS et al., 2006). Para um maior respaldo das informações até então descritas, foi avaliada a proliferação de linfócitos T e a produção de citocinas induzidas por diferentes regiões de HSP60 recombinante em três linhagens de camundongos, BALB/c(H-2d), C57BL/6(H-2b) e C3H/HePas(H-2k). A partir disso, foi verificado que resposta proliferativa foi encontrada predominantemente em camundongos C57BL/6(H-2b), e na maioria induzida por peptídeos intermediários e N-terminal da proteína HSP60. E que a produção de interferon-γ (INFG) foi amplamente induzida por diferentes regiões da HSP60 nas três linhagens de camundongos, embora a resposta tenha sido focada em diferentes grupos de peptídeos em cada linhagem. Não foi observado um perfil particular de citocinas de Th1 e Th2 induzidos por alguma região específica da HSP60. No entanto, foi observada uma hierarquia na produção de IL10 induzida por peptídeos de diferentes regiões da HSP60 pelas linhagens C3H/HePas e BALB/c. Em contraste, a produção de IL4 foi induzida somente por peptídeos das regiões intermediárias e C-terminal das linhagens C3H/HePas e BALB/c. A hipótese era que a caracterização da reatividade celular para HSP60, discriminando quais epítopos e sob quais contextos essa proteína induz atividade funcional diferencial, no transplante humano, poderia ser utilizado como uma 33 alternativa complementar futura ou como uma imunoterapia para controlar a rejeição (LUNA et al., 2007). Em seguida foi necessário caracterizar os linfócitos T regulatórios das vias direta e indireta de alorreconhecimento utilizando células mononucleadas de sangue periférico de indivíduos transplantados renais. Este trabalho também foi desenvolvido por Spadafora-Ferreira et al. (2007) e visava definir se os linfócitos TREG participavam ou não da via indireta de alorreconhecimento, a partir da expressão de FOXP3, além de avaliar o repertório de linfócitos T na via de alorreconhecimento direta, dado que havia sido descrito por vários autores. Em resumo, foi encontrado um conjunto funcional de linfócitos T dessa via reativos para antígenos HLA-DR de doadores, dependentes de IL10 e IL4, sugerindo atividade regulatória. Foi realizada ainda, a caracterização de linfócitos T CD4+CD25+FOXP3+ que suprimiam a proliferação de outra população de linfócitos T do mesmo paciente tanto na via direta como indireta, mostrando que a via indireta do alorreconhecimento também está envolvida nos mecanismos regulatórios inerentes a manutenção do enxerto. O grupo ainda descreveu a manutenção de linfócitos T CD4+CD25+FOXP3+ no sangue periférico pode ser relevante para o processo de tolerância operacional, além de outras vias, como a STAT6 (STAT, signal transducers and activators of transcription) que foi descrita como um inibidor do FOXP3 e que em tolerante operacional teve um perfil de sinalização alterado com a fosforilação reduzida de STAT6 em monócitos, sugerindo que a via IL4/STAT6 pode participar do processo de tolerância imunológica. Esse estudo foi realizado a partir da análise diferencial de sangue periférico de indivíduos transplantados renais com rejeição crônica, estáveis e no estado de tolerância operacional e ainda no controle saudável. (VIEIRA et al., 2010). Utilizando o mesmo grupo de pacientes, outro estudo quantificou o perfil de expressão gênica de um conjunto de moléculas predominantemente inflamatórias e imunorregulatórias (FOXP3, GATA3, IL10, TGFB1, TGFBR1/TBX21, TNF e IFNG) e verificou que foi possível discriminar os tolerantes operacionais dos demais indivíduos pela expressão significativa do gene GATA3 (VIEIRA et al., 2011). Por fim, os colaboradores deste trabalho realizaram outro estudo, mas dessa vez para avaliar o repertório de linfócitos B nos diferentes grupos de indivíduos transplantados renais (tolerante operacional, rejeição crônica e estável) em 34 comparação com indivíduos saudáveis. Seguindo a hipótese de que o repertório de linfócitos B, inclusive linfócitos B regulatórios também participam dos processos de tolerância ao enxerto. Foi descoberto com esse estudo que nos indivíduos tolerantes operacionais o repertório de linfócitos B se assemelhava com o repertório do grupo de indivíduos saudáveis, mostrando uma preservação quantitativa, números normais de linfócitos B totais, naive, de memória e regulatório. Com capacidade conservada para ativar CD40/STAT3 (via de sinalização dos linfócitos B regulatórios). Enquanto, os indivíduos com rejeição crônica apresentaram redução do número de linfócitos B e diminuição significativa na ativação de linfócitos B regulatórios (SILVA et al., 2011). A descoberta de biomarcadores para a tolerância operacional busca contribuir para a seleção de agentes imunossupressores, ajustes de dosagens e pode ainda contribuir para a seleção de pacientes que possam ser tolerantes operacionais em potencial e que se beneficiariam com a retirada da terapia imunossupressora. Um biomarcador ideal tem que possuir sensibilidade e especificidade próximas de 100%, ser de baixo custo e de simples execução e acessibilidade, e deve, em última análise, impactar na mortalidade associada à doença. Os biomarcadores detectados em sangue, urina ou fezes são especialmente interessantes pela facilidade de obtenção dos espécimes, facilidade de repetição das amostras e mínimo desconforto para os pacientes o garante sua aderência no caso destes biomarcadores serem utilizados em rastreamento. Neste contexto, os pequenos RNAs (miRNAs) constituem hoje ferramentas valiosas para o diagnóstico e prognóstico de várias doenças renais. 1.6 miRNAs miRNAs são moléculas de RNA endógenas não codificantes de fita única com cerca de 20-22 nucleotídeos de comprimento. Foram encontrados inicialmente no nematoide Caenorhabditis elegans em 1993 (LEE; FEINBAUM; AMBROS, 1993). Desde que foi descrito, também foi encontrado em plantas e mamíferos (BARTEL, 2004). A descoberta e caracterização de miRNA na última década está revolucionando o entendimento sobre regulação gênica, diferenciação celular, proliferação, apoptose, metabolismo e fisiopatologia de diversas doenças e condições imunológicas, incluindo doenças renais e transplante renal (LI et al., 2010). 35 Os conhecimentos a respeito da biogênese e regulação dos miRNAs foram expandidos nos último anos. Atualmente sabe-se que a biogênese é realizada em um processo complexo que envolve várias proteínas, dentre elas duas endonucleases RNase III, Dicer and Drosha. MiRNAs são codificados por DNA genômico e comumente transcrito pela RNA polimerase II, que gera um transcrito primário (pri-miRNA) que formam estruturas em grampo, contendo o miRNA maduro como parte de uma haste com pareamento de dupla fita imperfeito conectado por um pequeno loop terminal. Os pri-miRNAs são processados pelas proteínas nucleares DROSHA e seu cofator DGCR8 (DiGeorge Syndrome critical region 8), resultando na formação de uma molécula em forma de grampo com 70-100pb chamada de miRNA precursor ou pré-miRNA, que é exportado para o citoplasma pela exportina-5. No citoplasma a estrutura em forma de grampo é clivada pela endonuclease DICER, formando duas moléculas de fita dupla de 21-23 nucleotídeos. Depois da separação das duas fitas, uma delas (miRNA maduro) é transferida para uma proteína ARGONAUTA (Ago) localizada no complexo de silenciamento induzido por RNA (RISC, RNA-induced silencing complex), que está envolvido na supressão da expressão gênica por conduzir miRNAs a determinados mRNAs alvos, enquanto geralmente a outra fita é degradada (Figura 2) (CARTHEW; SONTHEIMER, 2009). Figura 2. Biogênese e função de miRNA. Fonte: (CHANDRASEKARAN, et al. 2012). 36 Sabe-se que os miRNAs geralmente são sintetizados a partir de genes específicos de miRNA ou de determinadas regiões gênicas que não estão associadas à produção de proteínas (RODRIGUEZ et al., 2004). DNA que codifica para miRNAs pode ser encontrado em regiões de íntrons, bem como em regiões intergênicas (INUI; MARTELLO; PICCOLO, 2010). O processo de maturação dos miRNAs envolve uma complexa via metabólica que se inicia no núcleo e se estende até o citoplasma celular (AMBROS, 2004) Os miRNAs exercem suas funções regulatórias da expressão gênica ligando-se à região 3’ não traduzida (UTR), sequência codificadora ou 5’UTR de RNAs mensageiros (mRNA) alvos levando à degradação ou inibição da sua tradução, sendo assim miRNAs são usualmente reguladores negativos da expressão gênica. Cada miRNA é capaz de regular centenas de mRNAs de um tipo celular e um mRNA pode ser regulados por múltiplos miRNAs (VOLINIA et al., 2010), e ainda estima-se que metade do transcritoma humano está sob regulação de miRNA, incorporando essa via de regulação pós-transcricional dentro de quase todos os processos biológicos (CHANDRASEKARAN, et al. 2012; RAISCH, 2013). Os miRNAs são responsáveis por regular a expressão de cerca de 5.300 genes, ou seja, cerca de 30% de todos os genes humanos (LEWIS; BURGE; BARTEL, 2005). Progressos recentes na pesquisa de miRNAs mostraram boas oportunidades para o entendimento de doenças renais e para a identificação de novos biomarcadores diagnósticos. O potencial de utilização de miRNAs já foi demonstrado para câncer em humanos, além de prover melhor acurácia, na classificação de tumor, quando comparada com a análise de mRNAs (LU et al., 2005). Existem algumas vantagens para análise de miRNAs sobre mRNAs tais como, maior estabilidade em tecidos e fluidos biológicos, incluindo soro; e natural proteção contra RNases endógenas por serem pequenos e talvez por ficarem internalizados dentro dos exossomos (MITCHELL et al., 2008). Existem atualmente bases de dados com informações sobre cada miRNAs descoberto, sobre os quais se armazenam as informações como sequência gênica e sequência do miRNA, e se fazem ligações por bioinformática sobre as possíveis conexões de cada miRNA com patologias e processos celulares. De acordo com o principal banco de dados, miRBase, foram descritos até o presente momento 2237 miRNAs na espécie humana (MIRBASE, 2013a). 37 Avanços na tecnologia hoje permitem detecção de miRNAs com grande sensibilidade e especificidade. Originalmente, análise de RNA por blot fornecia informações quantitativas e qualitativas sobre as várias formas de um miRNA a partir de uma amostra de RNA total. Mas assim como houve aumento nos números de miRNAs registrados no miRBase, a tecnologia de microarranjo foi adaptada para buscar milhares de miRNAs de uma mesma amostra. A técnica de PCR em Tempo Real também foi adaptada para prover análises quantitativas sobre os níveis de miRNAs. Através dessa técnica é possível gerar grandes quantidades de informações utilizando uma pequena quantidade de amostra, permitindo análise de pequenas biópsias, volume limitado de fluido biológico e até de material fixado em parafina (LI et al., 2010). 1.7 miRNAs COMO BIOMARCADORES DA TOLERÂNCIA OPERACIONAL O transplante renal surgiu como um ótimo tratamento para pacientes com doenças renais em estágio terminal. No entanto, para o aumento na sobrevida de transplantados e a diminuição na morbidade e mortalidade causadas pelos efeitos colaterais associados ao uso de drogas imunossupressoras, alguns desafios devem ser transpostos. Ultrapassar esses obstáculos requer a descoberta e validação de biomarcadores que permitam o reconhecimento precoce de qualquer reposta imunológica contra o órgão transplantado e melhor entendimento dos processos de rejeição para o desenvolvimento de terapias mais diretas e a identificação de pacientes que podem ter suas terapias imunossupressoras diminuídas ou até retiradas. Como os eventos moleculares precedem o desenvolvimento da resposta imunológica contra o órgão transplantado, eles fornecem uma oportunidade ideal para detectar essa resposta antes que um dano significativo ocorra. É possível detectar algumas alterações por biópsia, mas a habilidade de detectar um sinal em uma amostra não invasiva tais como, sangue periférico e urina, traz benefícios e permite um monitoramento prático dos pacientes (CHOWDHURY; HERNANDEZFUENTES, 2013). Vários estudos já mostraram a diferença de expressão de miRNAs em desordens fisiológicas ou doenças (O’CONNELL et al., 2010; SCHOTT; STOECKLIN, 2010), inclusive em amostras provenientes de biópsias de pacientes 38 transplantados renais (SUI et al., 2008; ANGLICHEAU et al., 2009; SCIAN et al., 2011). No contexto de biomarcadores não invasivos, Danger e et al. (2012) investigaram a modulação de miRNAs em células mononucleadas de sangue periférico de 9 pacientes com tolerância operacional comparada a 10 pacientes com função estável do enxerto sob terapia imunossupressora clássica. A expressão de 381 miRNAs foi mensurada e um total de 266 desses miRNAs estavam expressos com ciclo de quantificação (Cq) menor que 35 em pelo menos metade das amostras de cada grupo. Baseado no teste estatístico de Mann-Whitney entre os dois grupos foram escolhidos oito miRNAs que mostravam claramente a diferença de expressão entre o grupo de tolerantes operacionais e o grupo de estáveis, sendo 4 miRNAs muito expressos (miR-450b-5p, miR-142-3p, miR-876-3p, e miR-106b) e 4 miRNAs pouco expressos (miR-508-3p, miR-148b, miR-324-5p, e miR-98). Outras análises comparativas com indivíduos saudáveis foram realizadas até que o miR-142-3p fosse escolhido como o mais específico dentre os oito miRNAs. Foi verificado, então, sua expressão em subpopulações de leucócitos e foram encontradas as maiores expressões desse miRNA comparadas com os estáveis nos linfócitos B totais, purificados a partir de sangue periférico de tolerantes operacionais. Por fim, os prováveis alvos desse miRNA foram avaliados e foi encontrado que em linfócitos B provenientes de tolerantes operacionais a expressão de TGF-β1, que tem papel fundamental na resposta inflamatória, estava aumentada em comparação com estáveis. Utilizando ferramentas de bioinformática foi possível inclusive predizer a implicação do miR-142-3p na via do TGF-β. Este estudo atualmente é o único que mostrou um provável biomarcador da tolerância operacional utilizando indivíduos com o mesmo contexto clínico que os pacientes deste estudo. 1.8 TRANSCRITOMA, RNA-SEQ E BIOINFORMÁTICA O transcritoma consiste no conjunto completo de transcritos de uma célula e a sua quantidade para um determinado estágio especifico do desenvolvimento ou condição fisiológica, pois avalia o conjunto dos RNAs transcritos, em uma determinada célula e situação, refletindo a atividade gênica momentânea. Compreender o transcritoma é essencial para interpretação dos elementos funcionais do genoma, para revelar constituintes moleculares de células e tecidos e 39 também para a compreensão de doenças e do desenvolvimento. Os principais focos da análise de transcritomas são: catalogar todos os tipos de transcrição, incluindo mRNAs, RNAs não-codificadores e miRNAs; determinar a estrutura transcricional de genes, como os seus sítios de início 5’ e fim 3’, padrões de splicing e outros modificadores pós-transcricionais; e quantificar os níveis de expressão da mudança de cada transcrição durante o desenvolvimento e sob condições diferentes (WANG; GERSTEIN; SNYDER, 2009). A análise do transcritoma constitui uma excelente ferramenta para estudar a expressão diferencial dos genes. Geralmente essa análise é feita de forma grosseira resultando em sequências curtas que são utilizadas como marcadores ou etiquetas e demonstram a atividade transcricional daquela dada região do genoma. Essa limitação estava ligada ao método de sequenciamento de Sanger, que demandava bibliotecas de cDNA e um grande número de sequenciamentos para acumular dados representativos de EST, porém com advento de técnicas de sequenciamento de última geração como o pirosequenciamento e o PCR em ponte, criou-se um novo paradigma operacional. Com essas novas técnicas, múltiplos sequenciamentos são feitos em paralelo a um custo que representa uma fração daquele realizado com a tecnologia de Sanger (TORRES et al., 2008; WANG; GERSTEIN; SNYDER, 2009). Para se realizar um RNA-Seq, em geral, uma população de RNA (total ou fracionada) é convertida em uma biblioteca de fragmentos de cDNA com adaptadores ligados a uma ou as duas pontas dessa pequena sequência. Cada molécula, com ou sem amplificação, é sequênciada em uma plataforma de alto rendimento para obter sequências curtas de uma extremidade (single-end sequencing) ou de ambas extremidades (pair-end sequencing). As reads são tipicamente de 30-400 pb, dependendo da plataforma de sequenciamento utilizada. Ao final do sequenciamento todas as reads são alinhadas a um genoma referência ou transcritos de referência ou montado sem um genoma de referência, podendo assim indicar tanto a estrutura transcricional, quanto o nível de expressão de cada gene (WANG; GERSTEIN; SNYDER, 2009). Para comprovar a eficiência do método de sequenciamento de alto desempenho, um estudo que consistia em demonstrar o potencial do sequenciamento Illumina para detecção de níveis de expressão de mRNA, foi proposto, para tal, os dados foram comparados com os resultados obtidos pela 40 técnica de arranjo Affymetrix, utilizando uma mesma amostra de RNA de rim e de fígado. O estudo mostrou que o sequenciamento Illumina tem alta reprodutibilidade, com pouca variação técnica, além de ser possível realizar o sequenciamento de cada amostra de RNA uma única vez utilizando uma única canaleta para isso. O sequenciamento Illumina também permite análises adicionais, tais como, detecção de baixos níveis de expressão gênica, variantes de splicing alternativo e novos transcritos (MARIONI et al., 2008). Com o aprimoramento das técnicas de sequenciamento, surgiram novos desafios para a bioinformártica, tais como, o desenvolvimento de métodos eficientes para armazenar, recuperar e processar grandes quantidades de dados, que devem ser suficientes para reduzir erros e para remover sequências de baixa qualidade. De forma geral, uma vez que reads de alta qualidade foram obtidas, a primeira tarefa é mapear as reads a partir de um genoma de referência ou montá-las em contigs alinhando a sequência genômica para revelar as estruturas de transcrição. A partir disso são utilizados softwares que permitem a visualização desse alinhamento e a confecção de gráficos gerados a partir do tipo de elemento transcricional que se deseja. Um desafio para o futuro é desenvolver métodos computacionalmente simples para identificar novos eventos de splicing que ocorrem entre duas sequências distantes ou entre éxons de dois genes (WANG; GERSTEIN; SNYDER, 2009). Nesse contexto, análise do perfil de miRNAs nas amostras de linfócitos T, associado aos dados obtidos por transcritoma e bioinformática, objetivo e perspectiva deste trabalho, servirão para a descoberta de biomarcadores preditivos da tolerância operacional. Esse conhecimento busca contribuir para a seleção de agentes imunossupressores, ajustes de dosagens e pode ainda contribuir para a seleção de pacientes tolerantes operacionais em potencial e se beneficiarão com a possível retirada da terapia imunossupressora. Pode ainda subsidiar o desenvolvimento de novas terapias e/ou validar moléculas que provavelmente serão utilizadas como biofármacos de última geração. Haja vista que o transplante de órgãos é uma terapia que vem se difundindo com o avanço da medicina. O desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas associadas a drogas imunossupressoras tornou rotineiro o transplante de órgãos. No entanto, a rejeição 41 pós-transplantes ou falência do enxerto, devido à resposta do receptor, ainda é um fator limitante para esse tipo de intervenção. O estudo proposto faz parte de um projeto maior intitulado: “Estudo do perfil imunológico regulador em pacientes com longo tempo de transplante de órgãos sólidos, em estado de tolerância operacional: bases para novas estratégias terapêuticas imunomoduladoras na clínica”, coordenado pela Profª. Drª. Verônica Coelho (INCOR – USP) e está contido dentro dos projetos do Instituto de Investigação Imunológica – (iii) INCT/CNPq, coordenado pelo Prof. Dr. Jorge Kalil. Além disso, esse projeto também faz parte do Núcleo de Excelência em Biofármacos e Imunogenômica, apoiado pelo Edital FAPDF 03/2009 – Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX/FAP-DF/CNPq), sob coordenação do Prof. Dr. Marcelo de Macedo Brígido. 42 2. OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Identificar miRNAs diferencialmente expressos em linfócitos T humanos de pacientes estáveis, com rejeição crônica, tolerante operacional e indivíduos saudáveis. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS a. Analisar os dados clínicos dos sujeitos da pesquisa; b. Analisar a expressão de miRNAs por meio de qPCR na busca de potenciais biomarcadores para a tolerância operacional; c. Transcritoma dos linfócitos T dos indivíduos transplantados renais e dos indivíduos saudáveis. 43 3. DELINEAMENTO EXPERIMENTAL Sujeitos da pesquisa (n=20): Tolerantes operacionais (n=5); Rejeição crônica (n=5); Estáveis (n=5); Separação das células para obtenção dos linfócitos T, após seleção dos grupos Saudáveis (n=5). Citometria de fluxo Extração de RNA Quantificação e qualificação do RNA Síntese de cDNA de miRNAs qPCR Análise estatística dos dados 44 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1 SUJEITOS DE PESQUISA Os indivíduos do presente estudo provêm do projeto maior coordenado pela Dr.ª Verônica Coelho (INCOR) e foi devidamente aprovado pela Comissão de ética para análise de projetos de pesquisa do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) (CAPPesp no 1097/05, vide anexo A). As informações clínicas dos pacientes transplantados renais foram obtidas no prontuário eletrônico do Serviço de Transplante Renal do HCFMUSP e no serviço de transplante renal do Hospital São Lucas da PUC-RS com auxílio dos colaboradores clínicos do projeto. Os indivíduos saudáveis são doadores de pacientes transplantados renais no HCFMUSP. Todos os participantes deste projeto assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pela comissão de ética da instituição (anexo A e B). Foram analisados três grupos de pacientes transplantados renais e um grupo de indivíduos saudáveis e não transplantados, separadamente. Cada grupo clínico é composto por 5 indivíduos. Os grupos foram dispostos pelas seguintes características: A - Grupo Tolerante Operacional: Indivíduos estáveis com longo tempo de transplante (> 1 ano de transplante), sem uso de drogas imunossupressoras há pelo menos 1 ano. B - Grupo Rejeição Crônica: Indivíduos com longo tempo de transplante (> 1 ano de transplante) com rejeição crônica (diagnóstico por biópsia seguindo os critérios histopatológicos de classificação do rim transplantado - Banff 1997 e 2005 (SOLEZ et al., 2007). C - Grupo Estável: Indivíduos estáveis com longo tempo de transplante (> 1 ano de transplante) sem uso de drogas imunossupressoras há pelo menos 6 meses, ou com baixas doses de imunossupressores, seja monoterapia ou terapia com 2 drogas. D - Grupo Saudável: Indivíduos sadios doadores de transplante renal com função renal estável analisada através do limite de clearance de creatinina >45mL/min, não apresentando variação negativa de clearance >10% nos últimos 6 meses. 45 4.2 OBTENÇÃO DE CÉLULAS MONONUCLEARES DE SANGUE PERIFÉRICO As células mononucleares foram isoladas a partir do sangue de indivíduos adultos sadios e indivíduos transplantados, obtido por punção venosa em tubos contendo anticoagulante, EDTA ou heparina. As amostras de sangue coletadas foram diluídas 1:2 em solução salina isotônica e separadas em gradiente de FicollHypaque (densidade 1.077g/L, Ficoll: Pharmacia Biotech, Sweden e Hypaque: Urografina 370, Schering, Brasil). Após a centrifugação a 600xg por 25 min, as células mononucleares (PBMC, peripheral blood mononuclear cells) foram coletadas, ressuspensas com salina e centrifugadas a 600xg por 10 min. Após a centrifugação, o sedimento celular foi lavado duas vezes. Nessas lavagens as células foram ressuspensas em meio RPMI 1640 (Roswell Park Memorial Institute Medium, Gibco-BRL, Grand Island, NY, EUA) suplementado com 2mM L-Glutamina (Gibco BRL, Grand Island, NY, EUA), 10mM Hepes (Gibco BRL, Grand Island, NY, EUA), 0,1ng/mL de Perflacin (Rhodia, SP-Brasil), 1mM de Piruvato de Sódio (Gibco BRL, Grand Island, NY, EUA) e centrifugadas novamente a 600xg, por 8 min. As células foram ressuspendidas em 10mL de meio RPMI 1640 e centrifugadas a 400xg, por 8 min, para a remoção de plaquetas. As células foram ressuspensas em 3mL de meio RPMI 1640 acrescido de 10% de soro fetal bovino inativado (SFB) (Imunoquímica, RJ, Brasil). A concentração e viabilidade celular foram determinadas por contagem em câmara de Neubauer utilizando-se o corante vital Azul de Tripan (MCB Manufacturing Chemists Inc., Cincinnati, OH, EUA). 4.3 CONGELAMENTO DE CÉLULAS As suspensões de células mononucleares foram centrifugadas a 600xg por 8 min e ressuspensas (5 a 20x106 células/mL) em solução de congelamento contendo 90% de SFB (Imunoquímica, RJ, Brasil), e 10% dimetilsulfóxido (Sigma-Aldrich, Saint Louis, MO, EUA). Alíquotas de 1mL foram distribuídas em tubos de congelamento (TPP, Switzerland) previamente resfriados e transferidos para freezers -80ºC por um dia e, posteriormente, para botijões de nitrogênio líquido. 46 4.4 SEPARAÇÃO DAS CÉLULAS PARA OBTENÇÃO DOS LINFÓCITOS T Os tubos foram transferidos do nitrogênio líquido para o banho-maria a 37ºC até que o conteúdo estivesse parcialmente descongelado. Essa suspensão de células foi transferida para outro tubo contendo 10mL de meio RPMI 1640 acrescido de 10% de SFB. Após isso, as células foram centrifugas a 600xg por 8 min e ressuspensas em 10mL de meio RPMI 1640 acrescido de 10% de SFB, a viabilidade celular foi determinada através do corante vital Azul de Tripan (MCB Manufacturing Chemists Inc., Cincinnati, OH, EUA) pela contagem em câmara de Neubauer. Primeiramente foi realizada uma separação positiva dos monócitos pela marcação magnética com CD14 MicroBeads Kit (Miltenyl Biotec Inc., Auburn, CA, EUA). As células em suspensão foram purificadas em uma coluna MACS® que em contato com um suporte metálico gera um campo magnético. As células marcadas magneticamente com CD14+ ficaram presas à coluna, enquanto os outros tipos celulares passaram livremente e foram coletados em um tubo contendo 3mL de meio RPMI 1640 acrescido de 10% de SFB. Depois que a coluna foi removida do suporte os monócitos foram eluidos em um tubo contendo 3mL de meio RPMI 1640 acrescido de 10% de SFB, contados em câmara de Neubauer utilizando o corante vital Azul de Tripan. As células que passaram livremente pela coluna foram submetidas a uma nova separação utilizando o Pan T Cell Isolation Kit (Miltenyl Biotec Inc., Auburn, CA, EUA) que isola os linfócitos T marcando os outros tipos celulares (seleção negativa). As células que eram de interesse foram marcadas com um coquetel de anticorpos monoclonais conjugados a biotina e Pan T Cell MicroBeads. Ao passar as células pela coluna presa ao suporte metálico magnético, todas as células, exceto os linfócitos T, ficaram aderidas à coluna, enquanto os linfócitos T passaram livremente e foram coletados em um tubo contendo 3mL de meio RPMI 1640 acrescido de 10% de SFB, a viabilidade celular foi determinada através do corante vital Azul de Tripan pela contagem em câmara de Neubauer. 4.5 CITOMETRIA DE FLUXO Para avaliar a eficiência e pureza da separação celular após a obtenção dos linfócitos T, as células foram caracterizadas através de marcações imunogênicas. Para tal, 2x105 células foram transferidas para uma placa de 96 poços, lavadas em 47 tampão MACS® (PBS, BSA, 0.09% Azida e EDTA, Miltenyi Biotec, Bergisch Gladbach, Germany), e centrifugadas a 500xg por 5 min a 4°C. O sobrenadante foi descartado e as células foram ressuspensas por forte agitação (vortex) com o tampão remanescente nos poços. Adicionou-se 25μL dos anticorpos diluídos em tampão de lavagem FACS (Fluorescence-activeted cell sorting), anti-CD3-PE, antiCD4-FITC, anti-CD19-APC e anti-CD4-PECy5 (BD bioscience®), e icubou-se no gelo por 30 min protegidas da luz. Em seguida, foram adicionados 150μL de tampão de lavagem de FACS e as células foram novamente centrifugadas nas condições já descritas. As células foram ressuspensas em 400μL de tampão de lavagem de FACS e transferidas para tubos apropriados para o Citômetro FACSCalibur (BD bioscience®). A leitura da reação no citômetro de fluxo foi realizada no mesmo dia da reação para evitar a morte celular. O programa utilizado para aquisição e análise dos dados foi o BD CellQuest Pro™. As células foram adquiridas e selecionadas de acordo com seu tamanho e granulosidade de maneira a analisar a população de linfócitos, e a seguir foram contadas 10.000 células para cada amostra dentro da região de linfócitos. Os dados foram obtidos a partir da análise dos histogramas ou gráficos de pontos fornecidos pelo programa. Os resultados foram expressos em percentagem de células positivas para cada marcação em estudo. 4.6 EXTRAÇÃO DE RNA O RNA foi extraído de acordo com o método (adaptado) proposto por Chomczynski em 1987 (CHOMCZYNSKI e SACCHI, 1987), no qual se utiliza solução de TRIzol® (Life Technologies, Grand Island, NY, EUA) para o isolamento de RNA total. TRIzol® é uma solução monofásica de fenol e isotiocianato de guanidina que rompe as células mantendo a integridade do RNA. Para a extração, 1mL de TRIzol® para 1-5x106 células foi adicionado. As amostras foram homogeneizadas por pipetagens repetidas, após a homogeneização foram adicionados 200μl de clorofórmio RNAase free (Merck, Darmstadt , Germany) por mL de TRIzol® e a amostra foi agitada vigorosamente por 15 seg. Após agitação, a amostra foi incubada por 2 a 3 min à temperatura ambiente e centrifugada a 12000xg por 15 min, a 4ºC. Após a centrifugação, há uma separação de fases e o RNA encontra-se localizado na fase aquosa. Essa fase foi transferida para um novo tubo, 1μl de GlycoBlue™ (15mg/mL, Applied Biosystems/Ambion, Austin, Texas, 48 EUA) foi adicionado e o RNA foi precipitado com 500μL de isopropanol. A amostra foi agitada vigorosamente e congelada a -80ºC. Após essa etapa as amostras foram descongeladas e centrifugadas por 20 min a 12000xg a 4ºC. O sobrenadante foi removido e 500μL de etanol 75% foram adicionados, seguido por centrifugação a 12000xg por 10 min a 4ºC. O sobrenadante foi descartado e o sedimento deixado secar até o precipitado mudar de cor. O precipitado foi, então, ressuspendido em 12μL de água DEPC (água tratada com Diethylpyrocarbonato, Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA). Este material foi mantido a -80ºC até o momento da utilização. 4.7 QUANTIFICAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DO RNA Após a extração, o RNA obtido foi quantificado pela leitura em espectrofotômetro (NanoDrop®, Thermo Fisher Scientific Inc., Wilmington, DE, EUA) nos comprimentos de onda (λ) de 260/280nm e 260/230nm. O grau de pureza da amostra foi verificado através da análise da relação entre 260/280nm e 260/230nm sendo considerada uma boa extração aquela que apresentasse valores de razão ~2,0. Uma alíquota de RNA foi submetida à eletroforese em gel de agarose RNase free 1,2% para visualização da qualidade das amostras, permitindo, assim, a observação das duas subunidades do RNA ribossômico, 18S e 28S. Como marcador de massa molecular o High DNA Mass ladder (Invitrogen®, Carlsbad, CA, EUA) foi utilizado. 4.8 TRATAMENTO COM DNase Verificada a presença de gDNA nessas amostras de RNA, procedeu-se o tratamento destas com DNase I. As amostras de RNA foram então incubadas a 37°C durante 45 minutos com DNAse I. Após o tratamento, essas amostras foram precipitadas com 10% de sal (Acetato de sódio 3M; pH 5,2) e isopropanol durante 20 horas a -20°C. Em seguida foram centrifugadas a 1.2000 rpm durante 45 minutos a 4°C e posteriormente lavadas com álcool 70%. 4.9 SÍNTESE DE cDNA E qPCR A expressão individual de miRNA foi avaliada com Taqman miRNA assays (Applied Biosystems™) usando sondas previamente validadas: miR-1-1 49 (assay ID: 002222), miR-16 (assay ID: 000391), miR-31 (assay ID: 002279), miR125b (assay ID: 000449), miR-126 (assay ID: 002228), miR-133a (assay ID: 002246), miR-196b (assay ID: 002215), miR-328 (assay ID: 000 543), miR-650 (assay ID: 001603), e miR-let7a (assay ID: 000377) e como constitutivo foi utilizado o miRNA RNU48 (assay ID: 001006). A biblioteca de cDNA foi sintetizada usando miRNA reverse transcription kit (Applied Biosystems™). Foi utilizado 10ng de RNA total para preparação da biblioteca. Para cada reação de 10 μL de material foi realizado um pool com 8 sondas adicionando-se 1 μL de 10mM de dNTPs, 0.8 μL de MultiScribe Reverse Transcriptase, 1μL de Buffer, 0.2μL de RNase Inhibitor e Primers RT (0.5 μL de cada sonda). As reações foram incubadas no termociclador Veriti Cycler (Applied Biosystems™) por 30 minutos a 16 °C, 30 minutos a 42 °C, 5 minutos a 85 °C. As amostras foram diluídas na razão de 1:5 para a análise de qPCR. Os ensaios de qPCR foram realizados usando TaqMan® Universal Master Mix II, no UNG (Applied Biosystems™). As reações foram processadas, e incubadas no sistema Step One Plus® ( Applied Biosystems™) a 95 °C por 10 minutos, seguido por 40 ciclos de 95 °C por 10 segundos e 60 °C por 10 minutos. Todos os ensaios foram feitos em triplicata. A expressão relativa entre as amostras foi calculada de acordo com o método 2-ΔΔCq. O modelo de utilização de 8 sondas foi validado a partir da sua comparação do método convencional que utiliza apenas uma sonda por reação de cDNA utilizando um mesmo alvo com eficiência comprovada. 4.10 ANÁLISE ESTATÍSTICA O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para verificar a normalidade da média e desvio padrão dos dados obtidos no programa SPSS 20. Em seguida, foi aplicado uma análise de variância, ANOVA One Way, com utilização de post hoc de Bonferroni no programa GraphPad Prism v.6 para Windows que também gerou os gráficos. O nível de significância adotado foi de p < 0.05, ou seja, 95% de confiabilidade. 4.11 SEQUENCIAMENTO DE ALTO DESEMPENHO O sequenciamento de alto desempenho das amostras de cDNA (RNA-seq) foi realizado em um aparelho Illumina HiSeq, pelo The Scripps Research Institute 50 (TSRI) localizado em La Jolla, CA, EUA. O RNA total extraído das células T (150ng) foi liofilizado em um tubo RNA stable® (Biomatrica, San Diego, CA, EUA) e enviado para o centro de sequenciamento. Para a preparação da biblioteca de cDNA utilizouse o Encore Complete DR RNASeq kit (Nugen, San Carlos, CA, EUA) que consiste no enriquecimento de todos os RNAs não ribossomais, durante a síntese de cDNA, para geração de bibliotecas compatíveis com o sequenciamento de alto desempenho. Para tal, primeiramente a síntese de cDNA é realizada utilizando primers que se ligam a dupla fita de cDNA, não se fazendo necessário nenhum passo para depleção de rRNA. Depois de pronta, a biblioteca de cDNA foi fragmentada e adicionou-se a cada fragmento adaptadores correspondente ao Illumina, a esses fragmentos também adicionou-se uma pequena sequência identificadora (barcode) para identificar cada RNA. O método utilizado para a leitura dessas sequências foi o paired-end, gerando então duas sequências (reads) para cada fragmento de 100pb de RNA. 4.12 ANÁLISE COMPUTACIONAL DOS DADOS Os dados recebidos do centro de sequenciamento foram processados no laboratório de Bioinformática da UnB sobre supervisão do professor Marcelo de Macedo Brígido. Todo o processamento foi feito em servidores dedicados e os resultados organizados em relatórios via web. Os dados foram processados por programas livres (open source innitiative) que compararam as sequências obtidas experimentalmente com o genoma de referência, neste caso o genoma humano (National Center of Biotechnology Information/genoma-hg19p10). Um pipeline de análise, armazenamento e visualização desses alinhamentos foi utilizado e visualizado no UCSC Genome Browser. De posse das reads em formato fastq, o primeiro passo foi analisar a qualidade dos dados gerados por meio do programa FASTQC. Após esta etapa foi realizada a filtragem de reads, retirando-se os adaptadores e as reads que possuíam valor abaixo de 20, segundo a escala PHRED. Em seguida, cada par de reads foi alinhado utilizando-se o programa Segemehl ao conjunto de todos os cromossomos humanos simultaneamente. Foi utilizada a opção split no programa Segemehl, a qual considera os alinhamentos dos pares de reads parciais e distantes entre si, com o intuito de permitir a detecção de possíveis processamentos alternativos dos RNAs. 51 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 SUJEITOS DA PESQUISA Os indivíduos que participam deste estudo foram escolhidos e segregados em grupos de acordo com as suas condições clínicas, e em seguida separados em Matching a partir de afinidades, tais como idade, sexo e tempo de transplante. No total foram escolhidos 20 indivíduos, dentre eles 5 indivíduos saudáveis (doadores de órgãos), 5 pacientes com tolerância operacional, 5 pacientes estáveis e 5 pacientes renais crônicos (Tabela 1). Os demais dados clínicos como, por exemplo: doença de base, disparidades HLA, tipo de doador (falecido ou vivo), função retardada ao enxerto, terapia de indução, presença de rejeição aguda ou crônica, podem ser encontrados no Anexo C. 52 Tabela 1. Dados clínicos dos sujeitos selecionados. Matching Tempo de Indivíduos Grupo Sexo Idade Ltx 03 TO M 54 25 Ltx 25 RC M 51 15 Ltx 28 ES M 56 36 Ltx 41 SA M 39 - Ltx 08 TO M 41 7 Ltx 04 RC M 46 6 Ltx 09 ES M 47 6 Ltx 36 SA M 42 - Ltx 10 TO F 42 9 Ltx 13 RC F 45 11 Ltx 14 ES F 45 4 Ltx 40 SA F 34 - Ltx 75 TO ND ND ND Ltx 67 RC F 41 13 Ltx 27 ES F 47 24 Ltx 37 SA F 52 - Ltx 62 TO M 31 14 Ltx 05 RC M 35 9 Ltx 31 ES M 56 7 Ltx 43 SA M 30 - 1 2 3 4 5 transplante Saudável (SA), rejeição crônica (RC), tolerante operacional (TO), estável (ES), ND: não disponível. Uma limitação importante nos estudos da tolerância operacional, no contexto do transplante renal humano, é o pequeno número de indivíduos. Tolerância ao enxerto, sem a necessidade de imunossupressão, é uma condição rara, geralmente apresentada por indivíduos que suspenderam o uso dos medicamentos imunossupressores por conta própria devido aos inúmeros efeitos colaterais e fatores de risco associados ao uso dessas drogas (SOULILLOU e GIRAL, 2001; NANKIVELL et al., 2003; HALLORAN, 2004). Assim os trabalhos envolvendo transplante renal, apresentam grupos pequenos de indivíduos. Em 2005, Brouard et al., publicaram seus trabalho com 5 indivíduos tolerantes operacionais provenientes 53 de toda a França. No final de 2012 o mesmo grupo utiliza 27 pacientes tolerantes operacionais provenientes de toda a Europa (BROUARD, 2012). Atualmente, colaboradores deste trabalho possuem amostras biológicas de 7 indivíduos em estado de tolerância operacional provenientes de todo o Brasil, dois não foram incluídas nesse estudo, um por falta de material e outro por ter sido inserido no projeto após o início deste trabalho. Analisando as principais características clínicas e de função renal dos diferentes grupos de indivíduos inseridos no estudo, percebe-se que a glomerulonefrite crônica foi a doença de base mais comum (8 dos 15 indivíduos transplantados renais) e apresentada por todos os indivíduos com rejeição crônica. Várias outras doenças de bases foram observadas (Anexo C), mas sem que nenhuma outra se destacasse. Outra observação foi que todos os indivíduos estáveis apresentaram 3 disparidades HLA e o grupo de indivíduos com rejeição crônica apresentou o maior número de disparidades HLA em maior parte dos indivíduos desse grupo (3 indivíduos com 6 disparidades HLA). Não se destacou nenhuma outra característica, entre os diferentes grupos de estudo, a fatores como número de transfusões sanguíneas, sexo, idade, número de gestações e tempo de diálise no que diz respeito à evolução clínica e desfecho para rejeição crônica ou tolerância operacional (Anexo C). O grupo de indivíduos com rejeição crônica apresentou uma maior frequência (3 dos 5 indivíduos) de doadores cadavéricos e função retardada do enxerto (FRE) (4 de 5 indivíduos) quando comparado com todos os outros grupos de estudo (Anexo C). Apesar dos enxertos oriundos de doadores falecidos (TERASAKI et al., 1995a; TERASAKI et al., 1995b) e com FRE (WHITTAKER et al., 1973; HALLORAN e HUNSICKER, 2001), em geral, apresentarem uma pior evolução clínica após o transplante, vale ressaltar que há um indivíduo (Ltx08) com enxerto de doador falecido e com FRE entre os tolerantes operacionais, neste trabalho e outros descritos na literatura (ROUSSEY-KESLER et al., 2006; NEWELL et al., 2010; SAGOO et al., 2010). Desta forma, esses fatores não parecem ser os únicos determinantes para o desenvolvimento de rejeição crônica, visto que o perfil imunológico diferencial do grupo TO foi, também, observado no indivíduo Ltx08. Assim, outros fatores desencadeados pelo sistema imune devem atuar na evolução do enxerto de cada indivíduo. 54 O grupo de indivíduos com rejeição crônica apresentou os maiores níveis de creatinina sérica (ANEXO C), um importante indicador de lesão renal, corroborando com dados estabelecidos na literatura nos quais a rejeição crônica é, geralmente, caracterizada por uma lenta disfunção renal, resultando em um aumento progressivo da creatinina sérica e, geralmente, também acompanhada de proteinúria e hipertensão arterial (JOOSTEN et al., 2005). Entretanto, não foi observada diferença significativa em relação ao grupo de tolerantes operacionais. Apesar disso, o grupo TO apresentou estabilidade da função renal ao longo do tempo sem uso de imunossupressores enquanto o grupo RC apresentou uma deterioração da função renal, mesmo fazendo uso de terapia imunossupressora, com confirmação do seu estado por biópsia. Além disso, o grupo TO não apresentou diferenças significativas em relação ao grupo SA. Provavelmente, os resultados encontrados aqui devem estar refletindo os processos imunológicos desencadeados por condições tão contrastantes como tolerância operacional e rejeição crônica. 5.2 EFICIÊNCIA E PUREZA DA SEPARAÇÃO DE LINFÓCITOS T A partir do sangue periférico, as células mononucleadas desses indivíduos foram coletadas e armazenadas no laboratório de imunologia do INCOR-SP e posteriormente fracionadas por tipos celulares, conforme descritos em material e métodos. O fenótipo e morfologia da população dos linfócitos T enriquecidos foram analisados por citometria de fluxo e microscopia de luz. Para identificar populações de linfócitos, primeiramente, utilizando o programa CellQuest foi feito uma seleção nas células com base nas propriedades de tamanho e granulosidade, respectivamente, FSC (Side Scatter) e SSC (Forward Scatter). (Figura 3A). A partir dessa região, os linfócitos T com marcação positiva para CD3 foram selecionados (Figura 3B). 55 Figura 3. Caracterização da população de linfócitos T por citometria de fluxo. Os linfócitos foram colocados em uma região com base no tamanho e granulosidade (FSC e SSC) (A) e linfócitos T CD3+-PE (B). O enriquecimento imuno-magnético dos linfócitos T utilizados nesse estudo foi eficiente, resultando em uma população linfócitos T altamente viável e pureza de 98,2% (Figura 3B). 5.3 QUALIDADE E QUANTIDADE DE RNA Confirmada a pureza dos linfócitos T obtidos, o RNA total de todas as amostras foi extraído e como pode ser visualizado na Figura 4, as moléculas de RNA apresentaram-se íntegras e de boa qualidade, com as bandas ribossomais 28S e 18S evidentes, sem rastro e sem contaminação de DNA genômico. (Tabela 2, Figura 4). 56 Figura 4. Análise da qualidade do RNA extraído: Gel de agarose 1,2%, com visíveis subunidades 28S e 18S, indicando a integridade do material. Marcador (M), Amostras (Ltx 10 – Ltx 43). A maior concentração de RNA obtida foi de 1.062,89 ng/µl, a partir de 1,1X107 linfócitos T provenientes de 1,5X107 células de PBMC total. E a menor quantidade de RNA obtida foi de 346,99 ng/µl, a partir de 2,4X106 linfócitos T provenientes de 6,6X106 células de PBMC total. A média da concentração de RNA foi de 572,93 ng/µl levando em consideração os 20 sujeitos da pesquisa (tabela 2). 57 Tabela 2. Quantidade de células totais, de linfócitos T e de RNA obtido dos linfócitos T, após separação imuno-magnética de células dos grupos: tolerante operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). Matching Indivíduos 1 2 3 4 5 5.4 PERFIL Grupo PBMC Linfócitos T [ ] RNA ng/µl Ltx 03 TO 1,0 X 107 3,1 X 106 547,69 Ltx 25 RC 1,6 X 107 1,3 X 107 457,46 Ltx 28 ES 6,6 X 106 2,4 X 106 346,99 Ltx 41 SA 1,3 X 107 1,1 X 107 696,00 Ltx 08 TO 6,6 X 106 1,7 X 106 714,34 Ltx 04 RC 7,2 X 106 3,1 X 106 474,53 Ltx 09 ES 1,6 X 107 6,3 X 106 860,41 Ltx 36 SA 6,0 X 106 3,1 X 106 456,97 Ltx 10 TO 1,0 X 107 3,8 X 106 726,00 Ltx 13 RC 1,5 X 107 3,1 X 106 381,44 Ltx 14 ES 8,7 X 106 3,8 X 106 475,90 Ltx 40 SA 7,0 X 106 3,5 X 106 686,00 Ltx 75 TO 1,5 X 107 1,1 X 107 1.062,89 Ltx 67 RC 1,5 X 107 4,5 X 106 561,71 Ltx 27 ES 1,8 X 107 6,6 X 106 423,72 Ltx 37 SA 2,0 X 107 6,0 X 106 474,55 Ltx 62 TO 2,1 X 107 2,7 X 106 560,64 Ltx 05 RC 1,4 X 107 3,1 X 106 646,45 Ltx 31 ES 7,8 X 106 5,0 X 106 371,05 Ltx 43 SA 9.4 X 106 5,7 X 105 534,00 DE EXPRESSÃO DE MIRNAS EM LINFÓCITOS T DE TRANSPLANTADOS RENAIS Um total de 19 miRNAs (miR-1-1, miR-16, miR-31, miR-126, miR-133a, miR196b, miR-328, miR-146a, miR-let-7a, miR-99a, miR-100, miR-145, miR-378, miR650, miR-1275, miR-570, miR-125b, miR-499 e miR-499b-3p), juntamente com 2 miRNAs constitutivos (RNU48 e RNU6b), foram selecionados para serem testados 58 pela técnica de qPCR nos indivíduos pertencentes ao matching 1 (tolerante operacional Ltx03, rejeição crônica Ltx25, estável Ltx28 e saudável Ltx41). Logo nas primeiras análises, percebeu-se que havia um indivíduo estável (Ltx28) apresentando valores de fold change muito acima dos demais indivíduos, caracterizando claramente um outlier. Para ilustrar tal situação, dois exemplos se encontram na tabela 3 abaixo. Este indivíduo permaneceu nas análises posteriores, mas com a utilização de devidas correções de outliers (COUSINEAU e CHARTIER, 2010). Tabela 3. Valores de fold change dos miR-126 e miR-133a nos indivíduos do matching 1. Os valores pertencentes ao paciente estável caracteriza um outlier. miRNA miR-126 miR-196b Grupo clínico TO RC ES SA TO RC ES SA Fold change 2,96 2,38 1127,22 1,05 2,85 8,22 72,93 1,09 Para as análises posteriores excluiu-se os miR-499 e miR-499-3p que não apresentaram expressão nas amostras analisadas e os miRNAs com média de Cq (Quantification Cicle) superiores a 35 (dados não mostrados) para a maioria das amostras testadas (miR-145, miR-378, miR-570, miR-125b, miR-let-7a, miR-99a, miR-100 e miR-650), incluindo o miRNA constitutivo RNU6b que não se mostrou um bom controle para o material em questão. Os miR-146a e miR-1275, apesar de apresentarem média de Cq superiores a 35 mostraram níveis de expressão linear, sem alterações entre os grupos de estudos, portanto excluídos das análises posteriores. Por fim foram escolhidos 7 miRNAs (miR-1-1, miR-16, miR-31, miR-126, miR133a, miR-196b, miR-328) que foram expressos com um ciclo de quantificação (Cq) inferior a 35 e que se destacaram dos demais por apresentarem possibilidade de servir como biomarcadores. Todos os outros indivíduos deste estudo foram testados para estes 7 miRNAs escolhidos e prosseguiu-se com as análises de normalidade 59 dos dados, tratamento para correção de outliers e aplicação do teste ANOVA one way de acordo com o descrito na sessão 4 (Material e Métodos). A partir da análise estatística, dentre os outros sete miRNAs analisados, somente um foi diferencialmente expresso entre os grupos de indivíduos (miR-31). A análise da expressão basal entre os indivíduos saudáveis mostrou um perfil extremamente regular para todos os miRNAs selecionados, sugerindo que todos esses miRNAs regulam situações nos pacientes transplantados renais que não estão presentes nos indivíduos saudáveis. Lembrando que os transplantados renais tiveram alguma doença de base que levou ao transplante, muitos fizeram diálise e transfusões sanguíneas previamente ao transplante, alguns tiveram quadros de rejeição aguda ou crônica, outras comorbidades diversas, entre tantas outras variáveis passíveis de uma avaliação mais detalhada (ANEXO C). A análise da expressão diferencial de miRNAs no contexto da tolerância operacional do transplante renal humano é um novo caminho que começou a ser explorado recentemente, haja vista que existe apenas um trabalho na literatura que encontrou o miR-142-3p (DANGER et al., 2012) como um provável biomarcador da tolerância operacional utilizando indivíduos com o mesmo contexto clínico que os pacientes deste estudo. Contudo, este trabalho busca contribuir para a inserção de fatores de extrema relevância científica. 5.4.1 Perfil de expressão do miR-31 O miR-31 já é bem estabelecido como supressor de tumor em câncer de mama, com a sua expressão variando de acordo com o estágio de metástase do tumor. Além de ser um possível alvo terapêutico para esse tipo de câncer (MIRBASE, 2013b). Já foram validados 34 alvos desse miRNA (DIANA TOOLS – TARBASE, 2013a), dentre eles o FOXP3 que é o maior regulador (fator de transcrição) envolvido no desenvolvimento e função dos linfócitos TREG. Como pode ser observado no Gráfico 1, o miR-31 é reprimido nos linfócitos T de indivíduos transplantados em relação a indivíduos não transplantados com nível de significância de p < 0.05. 60 Gráfico 1. Expressão do miR-31 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Pacientes com tolerância operacional (TO), pacientes com rejeição crônica (RC), pacientes estáveis (ES) e indivíduos saudáveis (SA). *representa a expressão es estatisticamente significativa dos indivíduos saudáveis em relação aos transplantados renais. Estudos mostram que o miR-31 é significativamente reprimido em linfócitos TREG Ele modula os níveis de expressão da proteína FOXP3 por se ligar diretamente ao seu potencial alvo situado na região 3’ UTR do mRNA FOXP3. (ROUAS et al., 2009; TY, 2011; SETHI et al., 2013). O papel imunomodulatório desses linfócitos T CD4+CD25+FOXP3+ já é bem estabelecido, eles constituem 5-10% do repertório total de linfócitos T CD4+ em humanos e camundongos e suprimem a expansão e ativação de outros linfócitos T autorreativos que escaparam da seleção negativa no timo (YAGI et al., 2004). Em humanos, mutações em FOXP3 causam desregulação imunitária, poliendrocrinopatia, enteropatia, síndrome ligada ao X, que é caracterizada por alta incidência de doenças autoimunes incluindo o diabetes tipo 1 e tireoidite, doença inflamatória intestinal e alergias, tais como, dermatite atópica e alergia alimentar (CHATILA et al., 2000; WILDIN et al., 2001; BENNETT et al., 2001). O papel dos linfócitos TREG na tolerância de transplantes tem sido extensivamente documentado (SAKAGUCHI, et al., 2001; WOOD e SAKAGUCHI, 2003; JONULEIT, ADEMA e SCHMITT, 2003). Estudos em medula óssea e transplante de órgãos sólidos têm mostrado que os linfócitos TREG possuem habilidade para regular a rejeição a aloenxertos por linfócitos T CD4+ e CD8+ alorreativos (HARA, et al., 2001 e GRACA et al., 2002). Assim linfócitos TREG têm 61 sido propostos como um importante fator que contribui para a manutenção da tolerância ao enxerto. A partir da supracitada relação direta desse miRNA com linfócitos T imunorregulatórios, inferimos que quanto mais reprimido o miR-31 estiver, maior será a expressão de FOXP3 nos linfócitos T CD4+, com consequente fenótipo e função de imunorregulação por parte dessas células. Logo, os indivíduos transplantados renais necessitam de mais regulação à células e tecidos alorreativos por parte das TREG, do que os indivíduos saudáveis, se encaixando perfeitamente no perfil encontrado em nossas análises. Os miRNAs constituem hoje ferramentas valiosas para o diagnóstico e prognóstico de várias doenças renais. Cada vez mais são encontrados miRNAs exercendo papéis importantes na regulação do desenvolvimento, fisiologia, e manutenção da microestrutura do rim. Embora os perfis de expressão de miRNAs em várias doenças renais já tenham sido examinados, mais estudos são necessários para uma compreensão profunda da função dos miRNAs na fisiopatologia renal, principalmente no que tange o transplante renal. É necessária ainda uma melhor caracterização dos genes, proteínas e moléculas associados com o estado de tolerância operacional nos pacientes transplantados renais e dos fatores codificantes ou não codificantes desses (SUI et al., 2008; ANGLICHEAU et al., 2009; SCIAN et al., 2011). 5.4.2 Perfil de expressão do miR-1-1 A participação do miR-1-1 está bem estabelecida como um pivô no desenvolvimento e na fisiologia de tecidos musculares, incluindo o coração. Sabe-se que ele tem um papel importante em doenças cardiovasculares, tais como hipertrofia, infarto do miocárdio e arritmias. Níveis desse miRNA no plasma já foi caracterizado como um sensível biomarcador para infarto do miocárdio (MIRBASE, 2013c). Também foi caracterizada a relação desse miRNA em diversos tipos de amostras cancerosas. Kanaan (2012) mostrou que esse foi um dos miRNAs por ele analisado mais reprimidos em várias neoplasias, sugerindo também sua utilização como um biomarcador para câncer. Já foram validados inúmeros alvos regulados pelo miR-1-1 e já foram descritos milhares de prováveis alvos. De acordo com miRecords (2013), 62 miRTarBase (2013) e DIANA TOOLS – Tarbase (2013b), já foram validados 118, 188 e 1016 alvos, respectivamente. Dentre os alvos validados o GATA3, um importante regulador do desenvolvimento de linfócitos T e que promove um papel importante na biologia celular de células endoteliais, é um gene importante nas questões que envolvem a tolerância operacional (VIEIRA et al., 2011). No entanto, neste trabalho ele não foi diferencialmente expresso entre os grupos. Entretanto, a partir da análise estatística de variância ANOVA o miR-1-1, com p >0,05, não apresentou perfil diferencial estatisticamente significativo entre os grupos de indivíduos, apesar de aparentar expressão bastante reprimida nos indivíduos tolerantes e nos indivíduos saudáveis quando comparado aos outros grupos (Gráfico 2). Espera-se que os pacientes tolerantes operacionais apresentem expressão gênica similar à dos indivíduos saudáveis, visto que no estado de tolerância operacional o indivíduo leve uma vida saudável, sem necessidade de medicamentos imunossupressores e/ou qualquer outro tratamento para evitar rejeição ou disfunção renal. Sendo assim, o resultado obtido indica a necessidade de uma pesquisa em um número maior de indivíduos. Gráfico 2. Expressão do miR-1-1 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). 5.4.3 Perfil de expressão do miR-16 O miR-16 é um precursor pertencente à família do miR-15 juntamente com o miR-195 e o miR-147. Eles são pequenos RNAs não codificantes que regulam a expressão gênica. Parecem ser específicos para determinados vertebrados e vários 63 alvos já foram previstos ou validados em uma gama de vertebrados. Já foi mostrado que a região no cromossomo 13 em que o miR-16 e o miR-15a está associada aparece deletada em mais da metade das leucemias linfocíticas crônicas de linfócitos B e a expressão desses miRNAs reprimida em dois terços dos casos nessa doença (MIRBASE, 2013d). Esse miRNA foi validado em 1.007 alvos de acordo com o DIANA TOOLS – Tarbase (2013c), porém nenhum desses alvos foram descritos como relevantes para a tolerância operacional. Landgraf et al. (2007) analisaram por clonagem e sequenciamento mais de 330.000 pequenos RNAs independentes, oriundo de 256 bibliotecas de cDNA, de 26 órgãos e linhagens celulares distintos de humanos e roedores. Quando analisaram a frequência global dos miRNAs clonados, perceberam que vários miRNAs se destacavam como constitutivos, inclusive em células e tecidos de linhagem embrionária. Dentre eles, o miR-16 foi encontrado de forma mais abundante em cada uma das mais de 250 amostras analisadas. Salaun et al. (2011) demonstraram que o miR-16 foi altamente expresso em todos os subtipos celulares de linfócitos T CD8+ de sangue periférico de indivíduos saudáveis. A expressão deste miRNA se assemelhou à expressão apresentada pelo miR-1-1 (Gráfico 2). Ele parece levemente reprimido em pacientes TO e SA em relação aos indivíduos RC e ES, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa (Gráfico 3). Gráfico 3. Expressão do miR-16 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). 64 5.4.4 Perfil de expressão do miR-126 O miR-126 é um miRNA capaz de regular a expressão gênica antes e depois da transcrição. É expresso principalmente em células endoteliais, desde capilares até vasos sanguíneos maiores, e atua sobre vários transcritos para controlar a angiogênese (MIRBASE, 2013e). Só existem três alvos validados para esse gene (SLC45A3, NM_033102 e PROSTEIN) (DIANA TOOLS – Tarbase, 2013d), nenhum de relevância para a tolerância operacional. Landgraf et al. (2007) verificaram ainda que o miR-126 era fortemente expresso em precursor de linfócitos B na leucemia linfóide aguda e Brunner et al. (2007) demonstraram a correlação desse miRNA com a geração de linfócitos Th2 em asma alérgica no modelo murino. Eles mostraram que a supressão na expressão desse miRNA, nas vias áreas, resultou em baixa regulação de IL4, IL5 e IL13 por linfócitos Th2 e aumento da regulação do fator de ligação OCT1 (OBF.1) que é um regulador negativo do fator de transcrição PU.1. Esse fator de transcrição inibe especificamente a expressão de GATA3 nos Th2. Sugerindo que essa pode ser a via pela qual o miR-126 promove a geração de linfócitos Th2. No contexto de linfócitos T dos indivíduos deste estudo, o miR-126 não apresentou diferença significativa na análise estatística, apresentando expressão praticamente linear em todos os grupos de indivíduos transplantados renais e saudáveis, e com uma distribuição mais ampla dos pacientes tolerantes operacionais (Gráfico 4). Gráfico 4. Expressão do miR-126 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). 65 5.4.5 Perfil de expressão do miR-133a O miR-133a é conhecido por ter sido o primeiro miRNA caracterizado em camundongo. Desde então vários homólogos já foram descobertos em várias outras espécies incluindo, invertebrados como a Drosophila melanogaster. Ele é expresso em tecido muscular e parece ter expressão reprimida em genes que não são de tecido muscular (MIRBASE, 2013f). No banco DIANA TOOLS – Tarbase (2013e) constam 51 validações de alvos, mas nenhum correlacionado com os dados analisados por este estudo. Foi relatado também que o miR-133a e o miR-1-1 estavam significantemente reprimido em linhagens celulares e em amostras clínicas de carcinoma renal celular humanas, funcionando como um supressor do tumor. Sugerindo que uma alta regulação do oncogene TAGLN2 acontece devido à baixa regulação do miR-1 e do miR-133a na progressão da doença (KAWAKAMI et al., 2012). Nas análises deste estudo não foi verificado diferença de expressão significativa para esse miRNA, já que ele apresentou basicamente a mesma expressão em todos os indivíduos transplantados renais e saudáveis (Gráfico 5). Gráfico 5. Expressão do miR-133a em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). 5.4.6 Perfil de expressão do miR-196b O miR-196 é um miRNA que possui a característica de ser expresso principalmente em humanos e camundongos, mas já foi previsto ou validado em inúmeros vertebrados sugerindo, portanto, que ele é específico dos vertebrados 66 (MIRBASE, 2013g). Entretanto, foram validados apenas dois alvos para esse miRNA de acordo com a DIANA TOOLS– Tarbase (2013f), HOXB8 e HOXC8. É encontrado altamente expresso em câncer de pâncreas e colorretal e em adenocarcinoma de esôfago, gliobastoma e em diversos tipos de leucemias. A sua regulação alta correlaciona-se com a transição para a malignidade desses tipos de neoplasias. miR-196 é um alvo potencial de sinais inflamatórios, uma vez que é altamente expresso também em células epiteliais em indivíduos com doença inflamatória intestinal. A indicação de que o aumento na expressão deste miRNA está associado ao fenótipo maligno em tumores estromais gastrointestinais o torna um potencial biomarcador para neoplasias gastrointestinais induzidas por quadros inflamatórios (TILI et al., 2013). Foi citado ainda a expressão do miR-196 em tecido renal (LI et al., 2010), mas nas amostras deste estudo não houve diferença estatisticamente significativa desse miRNA, apesar de parecer que a média de expressão dos indivíduos tolerantes operacionais está reprimida em contraste com da média dos outros indivíduos que mantiveram uma expressão praticamente idêntica como pode ser visualizado no Gráfico 6. Sugerindo que se o número de indivíduos deste estudo fosse maior e a expressão desse miRNA seguisse o mesmo apresentado no Gráfico 6, poderia existir uma diferença estatisticamente significa e esse miRNA provavelmente seria um bom marcador para a tolerância operacional. Para uma melhor caracterização da expressão do miR-196b dentro do grupo TO outros testes estatísticos devem ser feitos visando uma relação entre a expressão do grupo utilizando como variável os estados clínicos dos pacientes. 67 Gráfico 6. Expressão do miR-196b em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). 5.4.7 Perfil de expressão do miR-328 O miR-328 foi descrito como um regulador da expressão do gene PTPRJ, cujo produto é uma proteína PTPRJ (receptor-type protein tyrosine phosphatase) encontrada diminuída em diversos tipos de neoplasias (PADUANO et al., 2013), potencial biomarcador para o câncer de pulmão (ULIVI et al., 2013), marcador prognóstico de glioblastoma (WU et al., 2012) e encontrado ainda em câncer colorretal. Segundo o DIANA TOOLS – Tarbase (2013g) foram validados 6 alvos para esse miRNA (ABCG2, H2AX, CD44, BACE1, NM_004827, NM_001001390), nenhum aparenta ter relação com o transplante renal humano ou com linfócitos T. Na análise estatística das amostras do presente estudo não foram verificadas diferenças significativas, visto que em todos os indivíduos a expressão basicamente foi linear, com uma pequena expressão diferencial não significativa nos indivíduos estáveis. O fato de o resultado apresentar uma amplitude de expressão para os pacientes transplantados leva a cogitar que a expressão deste miRNA é influenciada por fatores intrínsecos às condições clínicas destes pacientes (Gráfico 7). 68 Gráfico 7. Expressão do miR-328 em linfócitos T de indivíduos transplantados renais e não transplantados. Tolerância operacional (TO), rejeição crônica (RC), estáveis (ES) e saudáveis (SA). 5.5 SEQUENCIAMENTO DE ALTO DESEMPENHO Para o sequenciamento de alto desempenho foram escolhidas, primeiramente, as amostras pertencentes aos matchings 2 e 4, que apresentavam as maiores quantificações de RNA e melhor qualidade. O sequenciamento de alto desempenho foi realizado no centro de sequenciamento The Scripps Research Institute (TSRI), conforme descrito na sessão 4 (Material e Métodos). Após o sequenciamento foram avaliadas as quantidades e as qualidades das reads obtidas. Logo, verificou-se a necessidade da retirada dos adaptadores. Na tabela 4 constam os dados de números de reads antes e depois da retirada dos adaptadores e os Gráficos 8 e 9 remetem as qualidades das reads antes e depois da retirada dos adaptadores e das sequências com valores abaixo de 20, segundo a escala PHRED. Os dados, a princípio, se mostravam de boa qualidade e quantidade em relação ao número de reads mesmo após a retirada dos adaptadores. 69 Tabela 4. Número de reads antes e depois da retirada dos adaptadores e das sequências de baixa qualidade. Indivíduo - Barcode Ltx08 (Mat. 2) TO - TTCAGC Ltx04 (Mat. 2) RC - AAGGGA Ltx09 (Mat. 2) ES - AAGACG Ltx36 (Mat. 2) SA - TTCGCT Ltx16 (Mat. 4) TO - CCTCGG Ltx67 (Mat. 4) RC - TGTTGC Ltx27 (Mat. 4) ES - GGATGT Ltx37 (Mat. 4) SA - GTGGCC Quantidade de reads inicial 19.462.548 25.875.560 20.667.454 27.037.554 18.068.907 18.191.347 22.938.163 23.319.858 Quantidade de reads final 12.455.850 11.077.357 11.316.570 10.062.600 13.446.753 15.229.226 12.681.304 9.789.617 Gráfico 8. Gráfico boxplot das qualidades das sequências obtidas inicialmente. Eixo X: posição nas reads em pb. Eixo Y: escala de qualidade PHRED. 70 Gráfico 9. Gráfico boxplot das qualidades das sequências obtidas depois da retirada dos adaptadores e das sequências com qualidade <20, segundo a escala PHRED. Eixo X: posição nas reads em pb. Eixo Y: escala de qualidade PHRED. A análise dos dados foi feito a partir do alinhamento de cada par de reads ao conjunto de todos os cromossomos humanos (hg19p10) simultaneamente. O próximo passo tinha a intenção de explorar dois conteúdos em paralelo: o primeiro, quantitativo, utilizado para quantificar a expressão diferencial de éxons entre as amostras (MARIONI et al., 2008); o segundo, qualitativo, referindo-se a diferentes formas de splicing entre as amostras (SULTAN et al., 2008). Todavia, logo nas análises inicias foi observado um problema no alinhamento das reads em relação ao genoma referência. As reads não se alinhavam em regiões de éxons, e estavam distribuídas ao longo de todos os cromossomos, incluindo em regiões intergênicas (Figura 5). 71 Figura 5. Mapeamento das reads no gene CD28, localizado no cromossomo humano 21. Em cada isoforma, as linhas mais grossas representam éxons e as mais finas, regiões de íntrons. A visualização foi feita no UCSC Genome Browser. Primeiramente, a suspeita foi que o problema era proveniente do programa Segemehl, utilizado para o mapeamento, que acabara de ser implementado no Laboratório de Bioinformática da Universidade de Brasília. Contudo, o problema estava no material biológico que havia sido enviado ao centro de sequenciamento. Sendo assim, o pipeline desenvolvido foi validado com dados públicos de RNA-seq de linfócitos T que se encontravam disponíveis no SRA/NCBI, evidenciando o alinhamento esperado principalmente nas regiões de éxons (Figura 6). 72 Figura 6. Mapeamento das reads advindas do banco de dados SRA/NCBI no gene CD28, localizado no cromossomo humano 21. Em cada isoforma, as linhas mais grossas representam éxons e as mais finas, regiões de íntrons. A visualização foi feita no UCSC Genome Browser. Mais uma vez questionado, o centro de sequenciamento confirmou o problema ocorrido e sugeriu que as amostras estavam contaminadas com DNA genômico. Entretanto, as amostras deveriam ter passado por um tratamento com DNase, no centro de sequenciamento, antes de serem sequênciadas. Em seguida, houveram novas tentativas frustradas de se obter dados de qualidade como pode ser visualizado no Gráfico 10 enviada pelo centro de sequenciamento. 73 Gráfico 10. Análise da qualidade das sequências obtidas por novas bibliotecas de cDNA. Eixo X: tamanho das reads. Eixo Y: escala Phred. Na tentativa de corrigir o problema, foram enviadas ao mesmo centro de sequenciamento amostras provenientes dos matching 3 e 4, dessa vez em maior quantidade (250ng) e tratadas com DNase utilizando a mesma metodologia empregada para o envio anterior, sessão 4. Material e Métodos. Porém, a resposta obtida foi de que as amostras chegaram com quantificações entre 130-150ng e que por esse motivo não foi possível a obtenção de bibliotecas de cDNA de qualidade. Atualmente estamos buscando uma forma de solucionar esse problema. O entendimento da expressão dos miRNAs para determinados tipos celulares específicos, é um passo importante para a elucidação da função dos miRNAs. Atualmente um número crescente de estudos remetem miRNAs ao desenvolvimento de órgãos, tecidos, células, sistemas e em várias doenças, necessitando de um abrangente catálogo de sequências acuradas, validadas por sequenciamento de alto desempenho, bioinformática e técnicas de biologia molecular como microarranjo, qPCR e PCR array, capazes de gerar informações sobre expressão e conservação desses inúmeros miRNAs encontrados. 74 6. CONCLUSÃO E PERSPECTIVAS Foi mostrado no trabalho que dentre os 7 miRNAs analisados somente o miR- 31 (Fig. 5) teve diferença de expressão estatisticamente significativa entre os grupos de pacientes transplantados renais e o grupo de indivíduos saudáveis, mostrando que esse miRNA se apresenta reprimido nos indivíduos que realizaram transplante renal provavelmente por ter como alvo o gene FOXP3, peça fundamental para aceitação e rejeição a enxertos. Mas como esse miRNA não apresentou diferença significativa dentre os grupos transplantados renais, portanto novos experimentos e novos pacientes terão que ser testados para que o mesmo possa ser considerado um potencial biomarcador. O estudo concluiu ainda que o miR-1-1(Fig. 6), o miR-16 (Fig. 7) e o miR196b (Fig. 10) mesmo não apresentando diferença estatisticamente significativa, tiveram níveis de expressão diferenciais entre os indivíduos. A mesma análise em um número maior de indivíduos seria necessária para a validação da expressão diferencial e significativa destes miRNAs. O RNA-seq ainda é uma perspectiva real para a conclusão deste trabalho. O sequenciamento total do transcritoma de linfócitos T de todos os grupos de pacientes supracitados é de grande importância para a validação dos dados deste estudo, para elucidação das vias imunorregulatórias envolvidas no estado de tolerância operacional, além da contribuição para a descoberta de novos alvos que possam ser testados e possivelmente utilizados como biomarcadores da tolerância operacional do transplante renal humano. 75 REFERÊNCIAS ABBAS, A. K.; JANEWAY, C. A. Jr. Immunology: Improving on Nature in the TwentyFirst Century. Cell, v. 100, n. 1, p. 129-138, 2000. ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI S. Cellular and Molecular Immunology. 6. ed, Local: Philadelphia, Pensylvania, Editora Saunders, 2007. AMBROS, V. The functions of animal miRNAs. Nature, v. 431, n. 7006, p. 350-355, 2004. AMOS, B. D. Recollections of Dr. Peter Gorer. Immunogenetics, v. 24, n. 6, p. 341344, 1986. ANGLICHEAU, D. et al. microRNA expression profiles predictive of human renal allograft status. 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TELEFONE: DDD (............)........................................................................................ 2. RESPONSÁVEL LEGAL: ............................................................................................ NATUREZA (grau de parentesco, tutor, curador etc.) ............................................................ DOCUMENTO DE IDENTIDADE :.........SEXO: M F DATA NASCIMENTO: .../..../.... ENDEREÇO: ..................................................................... Nº ............... APTO: ........... BAIRRO: .................................... CIDADE: ....................CEP: ............................ TELEFONE: DDD (............)................................. ____________________________________________________________________ II - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA TÍTULO DO PROTOCOLO DE PESQUISA: Estudo do Perfil imunológico transcricional em pacientes transplantados com tolerância operacional. Este projeto faz parte do projeto multicêntrico: Estudo do perfil imunológico regulador em pacientes com longo tempo de transplante de órgãos sólidos, em estado de tolerância operacional: bases para novas estratégias terapêuticas imunomoduladoras na clínica. PESQUISADOR: Verônica Coelho (coordenadora e gerente do projeto) CARGO/FUNÇÃO: Médica Pesquisadora do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração - Professora Colaboradora da Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. INSCRIÇÃO CONSELHO REGIONAL Nº 45907 ............................................................................................................................... 3. AVALIAÇÃO DO RISCO DA PESQUISA: 86 SEM RISCO RISCO MÍNIMO X RISCO MÉDIO RISCO BAIXO RISCO MAIOR (probabilidade de que o indivíduo sofra algum dano como consequência imediata ou tardia do estudo) 4.DURAÇÃO DA PESQUISA : 3 anos III - REGISTRO DAS EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO PACIENTE OU SEU REPRESENTANTE LEGAL SOBRE A PESQUISA, CONSIGNANDO: 1. justificativa e os objetivos da pesquisa; Neste projeto de pesquisa, estudaremos algumas diferenças no comportamento imunológico entre as pessoas que foram transplantadas e que, com o tempo, ficaram muito bem (com seu órgão transplantado funcionando bem), e aquelas que não evoluíram tão bem e rejeitaram o enxerto, desenvolvendo rejeição crônica. Em todo mundo, médicos e pesquisadores que trabalham com transplante estão estudando para tentar compreender as diferenças nesses dois tipos de situação. Algumas pessoas que foram transplantadas conseguem chegar a um melhor equilíbrio, precisando de apenas pequenas doses de drogas imunossupressoras, que são os remédios que previnem a rejeição. Quase todos os pacientes que param de tomar as os remédios imunossupressores perdem o órgão transplantado rapidamente, porém, existem alguns casos raros de pessoas que precisaram suspender todas os remédios imunossupressores e que não perderam o enxerto. Nós acreditamos que se conseguirmos compreender melhor essas diferenças, e saber como as pessoas transplantadas que estão bem chegaram a este estado de equilíbrio, nós possamos usar este conhecimento em benefício de novos pacientes. Poderemos usar os novos conhecimentos para identificar melhor (diagnosticar) o estado de equilíbrio no transplante e, desta forma, oferecer outras opções para diminuir os remédios para rejeição de quem não precisa de tanto, e também para criar novos tratamentos para a rejeição no futuro, que possam ajudar ao organismo da pessoa transplantada a desenvolver o estado de melhor equilíbrio. Desta forma, esperamos que os conhecimentos conseguidos nessa pesquisa possam ajudar pacientes no futuro. Este projeto de pesquisa conta com a participação de vários centros de transplante no Brasil (estudo multicêntrico) e estudaremos pacientes de transplante de rim, de coração e de fígado. Também teremos um grupo de indivíduos sadios, não transplantados, como um grupo comparativo dos padrões imunológicos. 87 2. procedimentos que serão utilizados e propósitos, incluindo a identificação dos procedimentos que são experimentais; Os nossos estudos serão feitos utilizando um pouco de sua urina e de seu sangue que será colhido de uma veia do seu braço. Usaremos a sua urina para analisar proteínas e o seu sangue para obter umas células chamadas linfócitos e também soro, e com esse material faremos nossos estudos, analisando anticorpos e substâncias produzidas pelas células. Também, se o seu médico, em algum momento, achar necessário fazer uma biópsia do seu órgão transplantado para orientá-lo no seu tratamento (não por causa da pesquisa) poderemos utilizar um fragmento do material retirado do enxerto para fazer a pesquisa. Mas, a biópsia não será realizada por causa da pesquisa. Caso aceite participar deste estudo, você deverá assinar este documento concordando que seja colhido o seu sangue para este propósito, de acordo com o seguinte roteiro: - Coleta de 20 ml de urina estéril. - Coleta de 65 ml de sangue a ser feita de uma veia do seu braço, a cada 4 meses (3 coletas) e, mais uma (01) coleta se, em algum momento do estudo, você tiver rejeição ou infecção. A coleta seqüencial programada será previamente agendada no momento do seu ingresso na pesquisa. 3. desconfortos e riscos esperados; O desconforto será de uma picada da agulha para a retirada do sangue. É importante ressaltar que o você não é obrigado a participar desta pesquisa e que, se não quiser participar, nada afetará o seu tratamento e acompanhamento neste hospital. 4. benefícios que poderão ser obtidos; É importante dizer que esta pesquisa não prevê qualquer benefício direto para o seu tratamento mas, poderá ajudar outros pacientes no futuro. 5. procedimentos alternativos que possam ser vantajosos para o indivíduo Não se aplica. 88 IV - ESCLARECIMENTOS DADOS PELO PESQUISADOR SOBRE GARANTIAS DO SUJEITO DA PESQUISA: 1. Acesso, a qualquer tempo, às informações sobre procedimentos, riscos e benefícios relacionados à pesquisa, inclusive para dirimir eventuais dúvidas. Os riscos desta pesquisa para o Sr ou Sra são mínimos, e estão relacionados à coleta de sangue. A coleta de sangue será semelhante à coleta de exames, feita habitualmente pelo paciente no laboratório, para os exames de rotina. O local da picada no seu braço pode ficar roxo no após a punção, chamado hematoma, que desaparece com o passar dos dias. A coleta do sangue necessária para a pesquisa vai sempre ser acompanhada pelo exame de hemograma e não será colhido sangue do paciente que estiver com anemia que contra indique a retirada de sangue. O pesquisador se responsabiliza por esclarecer os riscos e benefícios relacionados a esta pesquisa e quaisquer outras dúvidas que o paciente tenha sobre a pesquisa. 2. Liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do estudo, sem que isto traga prejuízo à continuidade da assistência. O sujeito de pesquisa está livre para retirar o seu consentimento a qualquer momento e desistir de participar desta pesquisa. O fato de não querer participar desta pesquisa não vai trazer nenhum prejuízo para o seu tratamento. O paciente vai receber todos os tratamentos disponíveis e necessários para o seu caso. 3. Salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade. Todas informações obtidas dos pacientes serão confidenciais e sigilosas durante toda a pesquisa e no momento em que esta pesquisa for publicada nas revistas da área de saúde. 4. Disponibilidade de assistência no HCFMUSP, por eventuais danos à saúde, decorrentes da pesquisa. Se ocorrer algum dano causado por esta pesquisa o paciente terá toda assistência a sua saúde no hospital onde é acompanhado (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP). 5. Viabilidade de indenização por eventuais danos à saúde decorrentes da pesquisa. Este estudo prevê apenas riscos mínimos para o paciente, sem risco de dano à saúde do paciente. Não existe remuneração ou indenização ao paciente que aceitar participar deste estudo. V. INFORMAÇÕES DE NOMES, ENDEREÇOS E TELEFONES DOS RESPONSÁVEIS PELO ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA, PARA CONTATO EM CASO DE INTERCORRÊNCIAS CLÍNICAS E REAÇÕES ADVERSAS. 1. Coordenação do projeto - Verônica Coelho - Laboratório de Imunologia – Instituto do Coração – Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 – 9o andar – bloco 2 -– cep: 05403-010 - fones: 3069-905 ou 3069 89 5180. VI. OBSERVAÇÕES COMPLEMENTARES: VII - CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO Declaro que, após convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido o que me foi explicado, consinto em participar do presente Protocolo de Pesquisa São Paulo, ______de________de 20____. ____________________________________________ assinatura do sujeito da pesquisa ou responsável legal _______________________________ assinatura do pesquisador coordenador (carimbo ou nome Legível) 90 ANEXO C - TABELAS COM OS DADOS DEMOGRÁFICOS E CLÍNICOS DOS SUJEITOS DA PESQUISA Tabela 5. Dados demográficos e clínicos dos indivíduos em estado de tolerância operacional. Paciente Matching Sexo Idade Doença de Base Nº de Gestações Tempo de hemodiálise (meses) Nº de transfusões Nº de Transplantes Tempo de Transplante (anos) Tipo de Doador Disparidades HLA Tempo de Isquemia Função Retardada do Enxerto Terapia de Indução Rejeição Aguda Rejeição Crônica Terapia IS Inicial Ltx 03 Ltx 08 1 2 M M 54 41 Glomerulonefrite Glomerulonefrite membrano crônica proliferativo Ltx 10 3 F 42 Ltx 75 4 - Nefropatia diabética - Ltx 62 5 M 31 Glomerulonefrite esclerose segmentar focal NA NA 2 - NA ND 24 NA - ND ND 2 0 - ND ND 2 1 - 1 25 7 9 - 14 Vivo não Aparentado Falecido Vivo Aparentado - Vivo Aparentado 3 4 Idêntico - 3 ND 16:00 01:00 - 01:00 NC Sim Não - Não NC Basilixmab Não - Não Não Sim Não - Não Não Não - Não Cya, Aza, Pred - Cya, Aza, Pred - Sem IS desde 2005 - Recidiva de GESF no rim Tx - 1,71 Não NC Pred, Tacro, MMF Sem IS desde 2006 Terapia IS Final Sem IS desde 2002 Comorbidades Hipertensão Arterial; Obesidade HBV e HCV Cretinina Sérica 1,15 1,62 Sem IS desde 2003 Múltiplos abcessos perianal; jan/2004 - Infarto Agudo do Miocárdio com Angioplastia; mar/08 Abcesso de mama; ago/08 Infarto Agudo Miocárdio 0,89 Ltx: Transplante; TO: Tolerância operacional; M: Masculino; F: Feminino; NA: não se aplica; ND: não disponível; Basiliximab: Anticorpo monoclonal quimérico anti-CD25; Aza: Azatioprina; Cya: Ciclosporina A; MMF: Micofenolato mofetil; Tacro: Tacrolimus; Pred: Prednisolona. HBV: Hepatite B; HCV: Hepatite C; GESF: Gloméruloesclerose segmentar e focal. ND: não disponível; IS: Imunossupressão. 91 Tabela 6. Dados demográficos e clínicos dos indivíduos em estado de Rejeição Crônica Paciente Ltx 25 Ltx 04 Ltx 13 Ltx 67 Ltx 05 Matching 1 2 3 4 5 Sexo M M F F M Idade 51 46 28 41 35 Doença de Glomerulonefrite Glomerulonefrite Glomerulonefrite Glomerulonefrite Glomerulonefrite Base crônica crônica crônica crônica crônica Nº de NA NA 0 0 NA Gestações Tempo de hemodiálise 55 ND 12 25 60 (meses) Nº de 2 8 1 ND 0 transfusões Nº de 1 1 1 1 1 Transplantes Tempo de Transplante 15 6 12 13 9 (anos) Tipo de Doador Falecido Falecido Vivo Aparentado Vivo Aparentado Falecido Disparidades 6 6 2 1 6 HLA Função Retardada do Sim Sim Sim Não Sim Enxerto Terapia de Não ND Não Não ATG Indução Rejeição Aguda Sim Sim Sim Não Não Rejeição Sim Sim Sim Sim Sim Crônica Última Biópsia 2007 2005 2006 2005 2004 (ano) Arterioloescleros NCE com NCE Banf I, e hialia extensa, NCE Banf II, glomerulopatia arterioloescleros Histologia NCE Banff II atrofia e fibrose fibrose focal do Tx, C4d e hialia, C4d focais positivo positivo Terapia IS Cya, Aza, Pred ND Cya, Aza, Pred Cya, Aza, Pred Cya, Aza, Pred Inicial 2005 - ITU; 1999 - Cisto Ovariano 2008 - CMV; esquerdo + 1999 Salpingectomia HCV, Herpes jan/96 e jul/97 Condiloma esquerda; Simples; 2001Pneumonia Acuminado; Endometriose; Comorbidades ND Candidíase lobar; jun/03 2005 Hipertensão genital; Herpes Zoster Pneumonia; Arterial; Amidalite 2008 - Herpes Dislipidemia; Simples 2004 e 2006 Gota; 2007 Herpes Zoster Cretinina 2,26 1,21 1,64 2,06 1,41 Sérica Ltx: Transplante; RC: Rejeição Crônica; M: Masculino; F: Feminino; NA: não se aplica; ND: não disponível; ATG: Timoglobulina Anti-timocitária; Aza: Azatioprina; Cya: Ciclosporina A; Pred: Prednisolona; HCV: Hepatite C; ITU: Infecção do trato urinário; NA: não se aplica; ND: não disponível; IS: Imunossupressão; NCE: Nefropatia crônica do enxerto. 92 Tabela 7. Dados demográficos e clínicos dos indivíduos com função estável do enxerto tomando doses habituais de imunossupressores. Paciente Matching Sexo Idade Ltx 28 1 M 56 Doença de Base Glomerulonefrite crônica Nº de Gestações Tempo de hemodiálise (meses) Nº de transfusões Nº de Transplantes Tempo de Transplante (anos) Tipo de Doador Disparidades HLA Função Retardada do Enxerto Terapia de Indução Rejeição Aguda Rejeição Crônica Terapia IS Inicial Ltx 09 2 M 47 Insuficiência Renal sem Causa Definida Ltx 14 3 F 45 Ltx 27 4 F 47 Nefropatia diabética Glomerulonefrite crônica Ltx 31 5 M 56 Insuficiência Renal a Esclarecer NA NA 2 ND NA 2 18 24 60 26 ND ND 0 >5 2 1 1 1 1 1 36 6 4 24 7 Falecido Vivo Falecido Vivo Vivo Aparentado 3 3 3 3 3 NC ND Não NC Nâo Não Basilixmab Basilixmab Não Daclizumab Não Não Não Sim Sim Não Não Não Não Não Pred, Aza Pred, Tacro, MMF Pred, Tacro, MMF Pred, Aza Comorbidades Fev/2004 Celulite Blastocistose ND ND Cretinina Sérica 1,23 0,89 0,88 0,86 Ltx: Transplante; ES: indivíduos com função imunossupressores; M: Masculino; F: Feminino; Anticorpo monoclonal quimérico anti-CD25. antiCD25; Aza: Azatioprina; MMF: Micofenolato não disponível; IS: Imunossupressão. Pred, Tacro, MMF Abr/2008 Adenocarcinoma de Próstata; Candidíase 1,28 estável do enxerto tomando doses habituais de NA: não se aplica; ND: não disponível; Basiliximab: Daclizumab: Anticorpo monoclonal humanizado mofetil; Tacro: Tacrolimus; Pred: Prednisolona; ND: Tabela 8. Dados demográficos dos indivíduos saudáveis. Paciente Matching Sexo Idade Ltx 41 1 M 39 Ltx 36 2 M 42 Ltx 40 3 F 34 Ltx 37 4 F 52 Ltx: Transplante (doador); SA: indivíduo saudável; M: masculino; F: feminino. Ltx 43 5 M 30