universidade do vale do itajaí centro de educação de

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA
TRANSTORNOS ALIMENTARES: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
SORAYA PIACENTINI
ITAJAÍ, 2008
1
SORAYA PIACENTINI
TRANSTORNOS ALIMENTARES: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do titulo de Bacharel em
Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí.
Orientadora: Prof.º MSc. Maria Celina Ribeiro
Lenzi.
Itajaí SC, 2008
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
Membros da Banca
______________________________________
Profº. Dr. Eduardo Legal
______________________________________
Profº. Msc. Giovana Delvan Stuhler
________________________________________
Profº. Msc. Maria Celina Ribeiro Lenzi
3
RESUMO
Comportamentos patológicos são aqueles que desviam-se dos padrões
comportamentais considerados como aceitáveis pela sociedade. Entre estes,
encontramos os transtornos psicológicos, os quais são disfunções prejudiciais
considerados como um comportamento perturbado, atípico e injustificável. Neste
contexto em que se descrevem os transtornos psicológicos foi selecionado para
estudo, os Transtornos Alimentares. Estes são caracterizados por graves
perturbações do comportamento alimentar; são síndromes comportamentais cujos
critérios diagnósticos vêm sendo amplamente estudados nos últimos 30 anos. Nesta
etiologia existem três entidades nosológicas: Anorexia Nervosa (AN), Bulimia
Nervosa (BN) e Transtornos Alimentares Sem Outra Especificação (TASOE). Esta é
uma pesquisa bibliográfica que possui como objetivo desenvolver um estudo
bibliográfico caracterizando os Transtornos Alimentares, ou seja, identificando a
etiologia, levantando as principais características, identificando a incidência do
comportamento, verificando quais as formas de tratamento, o curso e o prognóstico
deste transtorno e descobrindo quais as co-morbidades envolvidas. Apesar da
dificuldade em se encontrar material diferenciado, foi possível obter uma ampla
gama de informações, que por sua vez possibilitaram uma boa compreensão desse
transtorno tão comentado nos últimos tempos.
Palavras-Chave: Transtornos Alimentares; Etiologia; Prognóstico; Co-morbidades.
4
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 ............................................................................................................ 63
Quadro 2 ............................................................................................................ 64
Quadro 3 ............................................................................................................ 74
5
LISTA DE ABREVIATURAS
AN – Anorexia Nervosa
BN – Bulimia Nervosa
DM – Diabetes Mellitus
TA – Transtornos Alimentares
TASOE – Transtornos Alimentares Sem Outra Especificação
TCAP – Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica
6
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO........................................................................................
08
2
METODOLOGIA.....................................................................................
12
3
RESULTADOS E DISCUSSÃO.............................................................. 14
3.1
ANORMALIDADE x NORMALIDADE.....................................................
3.2
COMPORTAMENTO PATOLÓGICO...................................................... 15
3.3
ETIOLOGIA.............................................................................................
18
3.4
TRANSTORNOS ALIMENTARES..........................................................
24
3.4.1
Anorexia Nervosa (AN)...........................................................................
24
3.4.1.1
Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR..................................................... 28
3.4.1.2
Formas de Tratamento............................................................................ 29
3.4.1.3
Curso e Prognóstico da Doença.............................................................
3.4.2
Bulimia Nervosa (BN).............................................................................. 41
3.4.2.1
Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR..................................................... 45
3.4.2.2
Formas de Tratamento............................................................................ 46
3.4.2.3
Curso e Prognóstico da Doença.............................................................
3.4.3
Transtornos Alimentares Sem Outra Especificação (TASOE)................ 54
3.4.3.1
Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR..................................................... 54
3.4.3.2
Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP).........................
14
40
52
55
3.4.3.2.1 Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR..................................................... 57
3.4.3.2.2 Formas de Tratamento............................................................................ 59
3.4.3.2.3 Curso e Prognóstico da Doença.............................................................
62
3.5
CO-MORBIDADES.................................................................................. 64
3.5.1
Transtornos de Ansiedade......................................................................
65
3.5.2
Transtornos de Humor............................................................................
68
3.5.3
Transtornos Relacionados a Substâncias............................................... 70
3.5.4
Transtornos de Personalidade................................................................
3.5.5
Diabetes Melittus..................................................................................... 72
3.5.6
Osteoporose............................................................................................ 73
4
CONCLUSÃO.........................................................................................
5
REFERÊNCIAS....................................................................................... 82
71
75
7
GLOSSÁRIO........................................................................................... 89
8
1 INTRODUÇÃO
Para uma melhor compreensão do comportamento patológico, a psiquiatria
desenvolveu diversas formas de estudo, dentre elas pode-se citar as definições de
comportamento normal e comportamento patológico. Para Atkinson (2002), um
indivíduo com bem-estar emocional, ou seja, um indivíduo considerado normal é
aquele que possui uma percepção adequada da realidade, capacidade de exercer
controle voluntário sobre o comportamento, auto-estima e aceitação, produtividade,
e, capacidade de formar relacionamentos afetivos. Já aqueles que não possuem tais
características, são considerados anormais, ou seja, aqueles que apresentam
comportamentos patológicos. Por comportamentos patológicos pode-se entender
aqueles comportamentos que se desviam dos padrões impostos por determinada
sociedade; este pode ser identificado ao se averiguar como tal comportamento afeta
o bem-estar do indivíduo e do grupo social.
Neste contexto encontram-se os transtornos psicológicos, os quais são vistos
como
disfunções
prejudiciais,
ou
seja,
são
considerados
comportamentos
perturbados (MYERS, 2003). Frente aos vários transtornos psicológicos existentes,
selecionou-se para este estudo, os Transtornos Alimentares, os quais, de acordo
com Ballone (2002), são definidos como desvios do comportamento alimentar que
podem levar ao emagrecimento extremo (caquexia) ou à obesidade, entre outros
problemas físicos e incapacidades.
Dentro
dos
Transtornos
Alimentares,
classificam-se
três
entidades
nosológicas principais: Anorexia Nervosa (AN), Bulimia Nervosa (BN) e Transtornos
Sem Outra Especificação (TASOE).
A AN pode ser definida como uma inanição deliberada e auto-imposta, sendo
seguida de uma busca interminável pela magreza e por um medo extremo de
engordar, que leva a sérios graus de emagrecimento (GARFINKEL apud NUNES et
al, 1998). A BN define-se pela presença de compulsão alimentar, sendo esta a
ingestão, em um período limitado de tempo, de uma grande quantidade de alimento
acompanhado do sentimento de falta de controle sobre o consumo alimentar durante
o episódio. É seguida de comportamentos compensatórios para a prevenção de
ganho de peso. Já o termo TASOE é aplicado quando existem sintomas de
comportamento alimentar perturbado, mas que não apresentam por completo o
9
quadro da AN ou da BN. Esses quadros são conhecidos como quadros atípicos. No
TASOE também encontramos o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica
(TCAP).
Tanto na AN quanto na BN existe uma excessiva preocupação com a forma e
o peso corporal que leva o paciente a adotar comportamentos inadequados dirigidos
à perda de peso; essa preocupação excessiva costuma basear sua autocrítica e o
leva a perseguir o sonho de alcançar um corpo magro “ideal”.
Há muito tempo que os padrões de beleza femininos vêm passando por uma
constante mudança; e dentro do nosso contexto sociocultural atual pode-se observar
nitidamente uma mudança nos padrões de beleza feminina, tendo como ideal um
corpo cada vez mais magro. O culto à magreza transmite a idéia de que um corpo
magro e esbelto está diretamente relacionado à imagem de poder, autonomia e
sucesso. Em conseqüência disso, as pessoas, sendo a grande maioria mulheres,
passam a se preocupar mais com a sua estética corporal visível.
Em função dessa transformação nos padrões de beleza e o medo
desenvolvido, principalmente nas mulheres, da rejeição social devido à obesidade,
as pessoas têm aderido à cultura da magreza, muitas vezes, de maneira incorreta.
De acordo com Galvão et al. (2006b), esse tipo de comportamento citado acima
decorre de uma pressão social relacionada à magreza exposta pela mídia e pode
criar um ambiente psicológico favorável ao desenvolvimento dos Transtornos
Alimentares (TA) quando associados a outros fatores de risco ou vulnerabilidades,
como baixa auto-estima, perfeccionismo, traços obsessivo-compulsivos, entre
outros. Retomando o aspecto citado acima, de que as mulheres são mais
vulneráveis a desenvolver os TA temos como prova um estudo realizado por Ballone
(2005) onde se mostra que 90% das pessoas portadoras de TA são mulheres e,
entre elas, normalmente são aquelas com idade entre 14 e 18 anos.
Nos países industrializados, aos 15 anos de idade, uma em cada quatro
meninas faz regime para emagrecer, sem que, em quase nenhum caso, se
constatem problemas de peso acima de uma faixa de normalidade. Respondendo a
pergunta "você se vê gorda, mesmo que os outros te vejam magra?", 58% das
meninas de 15 anos contestaram afirmativamente a opinião dos outros que as
consideravam normais, magras ou não gordas (BALLONE, 2005).
Os TA tem sido um assunto muito comentado nos últimos tempos, porém há
carência de material científico publicado, dificultando, de certa forma, um maior
10
conhecimento sobre este transtorno. A maioria dos trabalhos publicados relata as
mesmas coisas, às vezes sendo até as mesmas palavras, ou seja, são poucos os
livros e artigos científicos brasileiros que trazem descobertas e informações
diferenciadas.
Devido a este fato, o presente trabalho possui como objetivo investigar em
literatura científica especializada os principais tipos de TA. De forma mais específica
buscará conhecer sua etiologia, as formas de tratamento, o curso e o prognóstico da
doença, as co-morbidades e complicações clínicas associadas.
Para o desenvolvimento deste trabalho, foi feito um estudo bibliográfico a
partir da coleta de fontes na biblioteca da UNIVALI, em acervo particular e na
Biblioteca Virtual de Saúde, PsiqWeb e SCIELO. Nas bibliotecas a busca foi feita
pelo índice dos assuntos através das palavras chaves (Anorexia, Bulimia,
Compulsão Alimentar e Transtornos Alimentares), Os materiais considerados foram
livros publicados entre os anos 1998 e 2008 e artigos científicos com ano de
publicação entre 2002 e 2008.
Após a coleta de dados, foi feita a sistematização de todo o material
encontrado na tentativa de facilitar o acesso ao conteúdo existente sobre os TA,
além de correlacionar as idéias de diversos autores sobre o mesmo assunto.
A sistematização deste material pretende contribuir como um instrumento de
pesquisa aos pesquisadores e profissionais da saúde que trabalham diretamente
com os TA.
No segundo capítulo será apresentada a metodologia que foi utilizada para a
elaboração deste trabalho bibliográfico, apresentando todos os aspectos utilizados,
da obtenção de dados à elaboração do trabalho.
No terceiro capítulo serão abordados temas como a abrangência do
significado de normalidade e anormalidade, ou seja, o que pode ser considerado
como um comportamento comum (normal) ou incomum (anormal). Assim que
esclarecidos os significados designados a tais palavras, foi retratado o conceito de
patologia, o qual, por sua vez, engloba também o conceito de transtornos
psicológicos. Dentro destes encontramos os Transtornos Alimentares (TA) aos quais
o presente trabalho se refere. É também apresentada a etiologia dos TA, a qual
abrange os fatores que predispõem, precipitam e perpetuam determinada patologia.
Além disso, foram esclarecidos os principais pontos de cada patologia relacionada
aos TA, serão elas: Anorexia Nervosa (AN), Bulimia Nervosa (BN) e Transtornos
11
Alimentares Sem Outra Especificação (TASOE), dentro deste último optou-se tratar
de maneira ampla sobre o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP).
Foram abordadas também as co-morbidades psiquiátricas ligadas a cada patologia
(AN, BN e TCAP) e algumas complicações clínicas que podem surgir no decorrer do
quadro clínico.
12
2 METOLOGIA
O procedimento utilizado para atingir os objetivos foi a pesquisa bibliográfica,
ou seja, baseado no material que a pesquisadora teve acesso em relação ao tema
de estudo. De acordo com Marconi e Lakatos (1999, p.73) a finalidade da pesquisa
bibliográfica “é colocar o pesquisador em contato com tudo aquilo que já foi escrito
sobre determinado assunto. [...] Dessa forma, não é mera repetição, mas propicia o
exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem”.
Para a pesquisa foi seguida uma ordem, a qual visou estabelecer uma melhor
organização dos resultados da pesquisa bibliográfica (MARCONI & LAKATOS,
1999). Para tanto, a presente pesquisa compreendeu as seguintes etapas:
1. Escolha do tema: o tema e o assunto que se deseja provar ou desenvolver;
2. Elaboração do plano de trabalho: nesta fase foi observado a estrutura do
trabalho cientifico, introdução, desenvolvimento e conclusão;
3. Identificação: é a fase de reconhecimento do assunto pertinente ao tema
em estudo. Nesta etapa foi realizado um levantamento bibliográfico que buscou
informações do material já publicado sobre o tema em questão. A pesquisa foi
realizada nas bibliotecas da UNIVALI, em acervo particular, na Biblioteca Virtual de
Saúde, PsiqWeb e SCIELO. Nas bibliotecas a busca foi feita pelo índice dos
assuntos através das palavras chaves (Anorexia, Bulimia, Compulsão Alimentar e
Transtornos Alimentares), os materiais a serem considerados foram livros publicados
entre os anos 1998 e 2008 e artigos científicos com ano de publicação entre 2002 e
2008.
4. Localização: reunião sistemática contida nos livros, revistas ou publicações
avulsas;
5. Fichamento: à medida que a pesquisadora teve em mãos fontes de
referência, foram transcritos os dados em fichas;
O fichamento se baseou na análise de todos os dados encontrados e
selecionados possibilitando a junção das informações para a elaboração do trabalho
proposto.
Nesta fase foram utilizados os livros e os artigos científicos para a elaboração
dos resumos e esboços.
13
6. Análise e interpretação: a primeira fase foi composta pelas criticas do
material bibliográfico, a segunda fase compreendeu a decomposição dos elementos
essenciais e sua classificação.
7. Redação: elaboração do texto para o projeto do trabalho de conclusão de
curso, priorizando objetividade, clareza, precisão, consciência, linguagem impessoal
e uso do vocabulário técnico.
14
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 NORMALIDADE X ANORMALIDADE
Antes de abordar o tema do presente trabalho, é necessário a apresentação
de alguns conceitos para o melhor entendimento do mesmo, iniciando pelo conceito
de normalidade. Não existe um conceito específico para “o que é normalidade”, mas,
segundo Atkinson et al. (2002), existem algumas características principais que
indicam o bem-estar emocional de um indivíduo. Essas características são:
percepção adequada da realidade; capacidade de exercer controle voluntário sobre
o comportamento; auto-estima e aceitação; capacidade de formar relacionamentos
afetivos; e, produtividade. Logo, um indivíduo considerado anormal é aquele que não
apresenta estas características.
Para complementar a definição de Atkinson et al. (2002), Dalgalarrondo
(2000) divide o conceito de normalidade em nove critérios, os quais serão citados
abaixo:
•
Normalidade como ausência de doença: aqui define-se como indivíduo
normal, aquele que não é portador de algum tipo de transtorno mental
definido;
•
Normalidade ideal: neste aspecto se considera a normalidade como
uma certa “utopia”, pois é estabelecido uma norma ideal, ou seja,
aquilo que supostamente é considerado como “sadio”;
•
Normalidade estatística: este tipo de normalidade identifica norma e
freqüência. É um conceito que se refere especialmente a fenômenos
quantitativos, ou seja, o normal passa a ser aqueles comportamentos
que são possíveis de serem observados mais freqüentemente;
•
Normalidade como bem-estar: pode-se estabelecer neste aspecto a
definição de saúde feita pela Organização Mundial de Saúde em 1958,
na qual se descreve saúde como o completo bem-estar físico, mental e
social, e não simplesmente como ausência de doença;
15
•
Normalidade funcional: normalidade é aquele fenômeno que não se
considera como patológico, ou seja, não causa sofrimento para o
próprio individuo e nem para o seu meio de convívio social;
•
Normalidade como processo: aqui são considerados os aspectos
dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e
reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a
certos períodos etários;
•
Normalidade subjetiva: neste aspecto se dá uma ênfase maior à
percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de
saúde;
•
Normalidade como liberdade: este conceito de normalidade atribui ao
indivíduo possibilidades que o permitem estabelecer certas relações
entre os sofrimentos e as limitações inerentes à condição humana e,
então, usufruir o resquício de liberdade e prazer que nos é oferecido
pela existência;
•
Normalidade operacional: neste último aspecto define-se os conceitos
de
normalidade
operacionalmente
e
patologia
com
tais
a
priori,
conceitos,
buscando
aceitando,
trabalhar
assim,
as
conseqüências de tal definição prévia.
3.2 COMPORTAMENTO PATOLÓGICO
A partir daquilo que define-se como comportamento anormal, encontram-se
os comportamentos patológicos, os quais são aqueles que se desviam
acentuadamente dos padrões, ou normas, impostos pela sociedade como sendo
comportamentos aceitáveis. Além disso, este comportamento geralmente é
estatisticamente infreqüênte naquela sociedade. Um dos critérios mais importantes
para
se
identificar
um
comportamento
patológico,
é
averiguar
como
o
comportamento afeta o bem-estar do indivíduo ou do grupo social. Segundo este
critério, o comportamento é patológico quando há inadaptação, ou seja, quando ele
tem efeitos adversos sobre o indivíduo ou sobre uma sociedade. Alguns tipos de
16
comportamento desviante prejudicam o bem-estar do indivíduo, assim como outras
formas de comportamento desviante são prejudiciais à sociedade (ATKINSON et al,
2002).
Dentro dos comportamentos patológicos encontram-se os transtornos
psicológicos, os quais são, por diversas vezes, vistos como disfunções prejudiciais.
Disfunção significa não funcionar como a seleção natural predispõe nossa espécie a
se comportar; e prejudicial significa uma avaliação de indesejabilidade. Dessa forma,
o comportamento é rotulado como perturbado quando considerado como atípico,
conturbado, desajustado e injustificável (MYERS, 2003).
Neste contexto em que se descrevem os transtornos psicológicos, foi
selecionado discutir sobre os Transtornos Alimentares (TA), os quais são
considerados como doenças dos países ocidentais desenvolvidos, considerando-se
casos raros em culturas orientais (NUNES et al., 1998). Os TA são caracterizados
por
graves
perturbações
no
comportamento
alimentar;
são
síndromes
comportamentais cujos critérios diagnósticos atualmente vêm sendo amplamente
estudados. São descritos como transtornos e não como doenças pelo fato de sua
etiologia patológica ainda não ser bem conhecida (CLAUDINO e BORGES, 2007).
Estes transtornos são determinados por uma diversidade de fatores que interagem
entre si de uma maneira complexa para produzir e, diversas vezes, perpetuar a
doença. Distinguem-se os fatores: 1) predisponentes, que aumentam as chances do
surgimento do TA, mas não o tornam inevitável; 2) precipitantes, que marcam o
aparecimento dos sintomas do TA; e, 3) mantenedores, que determinam se o
transtorno será perpetuado ou não (MORGAN et al, 2002).
Nesta etiologia existem três entidades nosológicas, a Anorexia Nervosa (AN),
que caracteriza-se por uma recusa a manter o peso corporal em uma faixa normal
mínima; a Bulimia Nervosa (BN), que caracteriza-se por repetidos episódios de
compulsões
alimentares
seguidas
de
comportamentos
compensatórios
inadequados; e os Transtornos Alimentares Sem Outra Especificação (TASOE), que
são compostos pelos quadros atípicos de AN e BN; esses quadros atípicos
representam manifestações mais leves ou incompletas, muito mais freqüentes que
as síndromes completas e com risco de evoluírem para as mesmas, além de
quadros de compulsão alimentar sem o uso de comportamentos compensatórios,
sendo conhecido como Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP). Entre
os TASOE, as classificações também citam os quadros de ruminação e pica (mais
17
comuns na infância), a hiperfagia (episódios de compulsão alimentar) e algumas
alterações do comportamento alimentar sem critérios específicos que parecem
melhor representar sintomas do que síndromes propriamente ditas (CLAUDINO e
BORGES, 2007).
Existem dois critérios importantes a serem seguidos para que seja feito o
diagnóstico de uma patologia, seja ela AN, BN ou TASOE. O primeiro aspecto
refere-se à necessidade de se esclarecer e definir qual é a dimensão da imagem
corporal que está sendo avaliada e discutida, estando diante de pesquisas ou de
pacientes com TA. O segundo aspecto trata da necessidade de melhor diferenciar a
distorção da imagem corporal entre os diferentes grupos com esse transtorno
(STENZEL, 2006).
Tanto na AN como na BN, uma das principais características, é a existência
de uma perturbação na percepção da forma e do peso corporal (APA, 2002). É
possível observar que no TA o descontentamento com a aparência física não é o
único aspecto que define a chamada distorção de imagem corporal, pois esta pode
estar mais centrada nas sensações corpóreas. Em relação a isso, Stenzel (2006)
cita como exemplo o fato de que um paciente em tratamento pode ter grande
dificuldade de avaliar o quanto está comendo, enquanto a noção sobre sua
aparência física e seu peso corporal pode estar relativamente preservada.
Uma revisão sistemática de 12 estudos de incidência cumulativa realizada por
Pawluck e Gorey, em 1998, mostrou uma estimativa de incidência de forma geral da
média anual da população como um todo de 18,46 por 100.000 em mulheres e de
2,25 por 100.000 em homens quando relacionado à AN. Em relação à BN, relata-se
também uma maior incidência em relação às mulheres, com estimativa de 28,8 em
mulheres e 0,8 em homens (NUNES et al, 2006).
Essa incidência de fato existe devido a um nítido contraste entre a
supervalorização da magreza, das dietas restritivas e do destaque dado pela mídia
de imagens de modelos magérrimas, além da grande disponibilidade de comidas
baratas, calóricas e palatáveis. A idealização da magreza afeta muito mais as
mulheres do que os homens, como demonstra o estudo acima; para a maioria delas
esse padrão de beleza significa possuir autocontrole, competência e atratividade
sexual. Portanto, essa pressão social relacionada à magreza apresentada pela mídia
facilita a criação de um ambiente psicológico favorável ao desenvolvimento dos TA
quando a pessoa apresenta vulnerabilidades, tais como baixa auto-estima,
18
perfeccionismo, traços obsessivo-compulsivos, entre outros. Em acordo com este
fato, Vilela et al. (2004), relatam que o papel da nossa cultura, valorizando mulheres
com corpos delgados, está ligado ao aumento da ocorrência desses distúrbios,
relevando dessa forma a importância dos fatores culturais, especialmente o culto à
magreza, no desenvolvimento dessas patologias.
Além da mídia, a influência de familiares e amigos também é considerada de
grande valia, tanto no desencadeamento quanto na perpetuação dos sintomas
alimentares. De acordo com estudos realizados por Polivy & Herman (2002 apud
GALVÃO et al. 2006b), a opinião da família e de amigos sobre esses jovens tem
maior impacto do que o da mídia. A opinião da família, principalmente a da mãe,
possui grande significado na formação da opinião dos filhos em relação a aparência,
peso e forma do corpo.
Galvão et al (2006b), salienta que estudos do padrão temporal do
desenvolvimento de sintomas de AN e BN mostram que em média 50% dos
pacientes com anorexia desenvolvem bulimia e, entre os pacientes bulímicos, cerca
de 30% apresentam história de AN e outros 30%, história de obesidade.
3.3 ETIOLOGIA
Os TA são determinados por fatores diversos que interagem entre si de
maneira complexa, para produzir e, na maioria das vezes perpetuar a doença. Como
já dito anteriormente, podem-se distinguir três fatores: os predisponentes, os
precipitantes e os mantenedores do TA. Morgan e Claudino (2005), acreditam que
os fatores predisponentes são aqueles que caracterizam o aparecimento da
patologia pela exposição do indivíduo aos fatores de risco que aumentam as
possibilidades de aparecimento da mesma; os fatores precipitantes, por sua vez, se
caracterizam pela ocorrência de fatores que precipitam a doença, marcando, então,
o aparecimento dos sintomas alimentares; e, os fatores mantenedores são
responsáveis por determinar a perpetuação do transtorno.
Diante desses três fatores principais, será feita um aprofundamento de cada
um deles, na tentativa de buscar uma melhor compreensão dos aspectos mais
relevantes.
19
•
Fatores Predisponentes
Os fatores predisponentes, de acordo com Morgan e Claudino (2005), surgem
antes do aparecimento dos TA e deixam o indivíduo predisposto ao seu
aparecimento. Até o momento, pouco se sabe sobre os fatores de risco para o
desenvolvimento do TCAP, no entanto, de maneira geral, os fatores de risco para se
desenvolver os TA dividem-se em três aspectos: os pessoais, os familiares e os
socioculturais.
O fator de caráter pessoal engloba características hereditárias, de
personalidade, tendência à obesidade e experiências traumáticas na infância.
Estudos realizados no ano de 2000 por Bulik et al. mostraram que a BN é
resultante de uma ação genética aditiva, com uma hereditariedade estimada de
aproximadamente 50% dos casos, nesse transtorno. Há também evidências de
transmissão familiar comum entre TA e outros transtornos de comportamento, como
por exemplo, na BN encontram-se influências genéticas comuns com o Transtorno
do Pânico e Fobias, e no caso a AN encontram-se influências genéticas comuns
com o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (SILVA, 2005; MORGAN e CLAUDINO,
2005). Morgan & Claudino (2005), ainda relatam que os TA são mais comuns entre
parentes de 1º grau que possuem a patologia do que entre parentes de 1º grau
considerados saudáveis.
Quando relacionado às características da personalidade, características como
perfeccionismo, obsessividade, introversão, passividade e auto-avaliação negativa
são bastante comuns entre pacientes portadores de AN, principalmente na AN
restritiva. Os pacientes com BN costumam apresentar impulsividade e instabilidade
afetiva. A baixa auto-estima e a maior suscetibilidade ao estresse são características
de personalidade comuns entre AN, BN e TCAP e representam fatores de risco para
as três entidades nosológicas (SILVA, 2005; MORGAN e CLAUDINO, 2005).
A tendência à obesidade é citada como um fator de risco, pois as pessoas
vulneráveis a isso tendem a fazer mais dietas em decorrência de serem
normalmente submetidas a freqüentes brincadeiras depreciativas, relacionadas aos
seus respectivos pesos, que acabam trazendo-lhes efeitos negativos na auto-estima,
na formação de imagem corporal, além de aumentarem a pressão social para a
perda de peso. Alguns estudos de caso mostram que pacientes que estão
20
suscetíveis a essas situações podem desenvolver BN ou TCAP (SILVA, 2005;
MORGAN e CLAUDINO, 2005).
Silva (2005) ainda salienta que os eventos traumáticos ocorridos na infância
aumentam a vulnerabilidade aos transtornos de comportamento em geral. Logo,
pode ser considerado como um fator de risco principalmente para a BN e TCAP, e,
em menor grau, para a AN.
Os fatores predisponentes de caráter familiar envolvem os padrões
desfavoráveis e precoces na relação entre mãe e filho, além da postura dos pais
diante de certos valores, como forma física, controle alimentar dos filhos, atividades
físicas e rigidez educacional, que influenciam na origem dos sintomas alimentares
(SILVA, 2005).
Em relação aos fatores socioculturais, acredita-se que eles são os que mais
têm influenciado nos últimos tempos, devido a isso ele será amplamente abordado
para uma melhor compreensão.
De acordo com Stice (2002 apud SAIKALI et al. 2004), há evidências que
suportam a idéia de que a mídia ajuda a promover os distúrbios de imagem corporal
e alimentar. Algumas análises estabelecem que modelos, atrizes e ícones femininos,
vêm se tornando cada vez mais magras ao longo dos anos. Pessoas com TA
sentem uma demasiada pressão vinda da mídia, pressão a qual exige um corpo
magro e esbelto, logo, essas pessoas relatam terem aprendido técnicas nãosaudáveis de controle de peso, como dietas drásticas, indução de vômitos, etc.,
através desse veículo.
A AN distribuí-se entre as diferentes culturas, tendo manifestado aumento da
incidência em mulheres jovens ao longo do século XX, com possível estabilização
nas ultimas três décadas (HOEK, 2006 apud FREITAS et al., 2007). Por sua vez, a
BN vem aumentando sua incidência tanto em regiões ocidentalizadas quanto em
regiões em fase de desenvolvimento sociocultural (SCHMIDT, 2003 apud FREITAS
et al., 2007). Pode ser estimado que, no mínimo, 10% das mulheres jovens
apresentam algum quadro de TA. Estes, por sua vez, geram grandes prejuízos às
saúdes física e psicológica, tendo a AN a mais alta taxa de mortalidade entre as
doenças psiquiátricas (5% por década, em média) (HOEK, 2006 apud FREITAS et
al., 2007).
Outro aspecto com grande relevância, retrata os prejuízos socioeconômicos
ainda pouco conhecidos. Considerando-se a faixa etária mais freqüentemente
21
acometida nos deparamos com adolescentes que tem de adiar ou até mesmo
interromper seus projetos de vida, seja pelo TA em si, seja pelas freqüentes
complicações clínicas ou co-morbidades psiquiátricas prevalentes nessa população.
A literatura sugere que os custos sociais e de saúde tidos com os TA podem ser
superiores àqueles gastos com graves doenças psiquiátricas como a Esquizofrenia e
o Transtorno de Humor Bipolar (SCHMIDT, 2003 apud FREITAS et al., 2007).
Uma pesquisa etiológica na área, realizada por Schmidt (2003), permite-nos
dizer que nos encontramos diante de patologias multifatoriais. Os avanços
biotécnológicos informam que a genética pode contribuir com aproximadamente
30% a 80% do risco de se desenvolver tais patologias, como já foi dito
anteriormente, porém os achados de aumento de incidência desses transtornos nos
últimos 40 a 50 anos nos fazem refletir sobre o impacto que as mudanças
socioculturais exercem e sua contribuição como fatores desencadeantes e de
manutenção (FREITAS et al., 2007).
Os valores culturais impostos ao peso e à forma corporal podem de fato
estimular o início e a manutenção de dietas restritivas para perda de peso. Essas
dietas
são
responsáveis
em
grande
parte
por
desencadear
padrões
e
comportamentos alimentares alterados, como compulsões alimentares e a utilização
de métodos inadequados de controle de peso. Em alguns grupos ocupacionais,
como bailarinas, modelos e esportistas, o baixo peso corporal é percebido como um
dos principais responsáveis para se atingir o sucesso profissional. Dessa forma
esses profissionais encontram-se em risco aumentado para o desenvolvimento do
TA (HOEK et al, 2003 apud FREITAS et al., 2007). Embora não se possa apontar a
indústria da moda como “culpada” pelo desenvolvimento do TA, acredita-se que
determinadas exigências nessa área favorecem a instalação tanto de padrões
alterados de comportamento alimentar como de quadros completos dos TA
(FREITAS et al, 2007), pois a beleza sintética e de consumo passaram a ser
eficazmente administradas por normas econômicas e pela mídia de massa, as quais
são responsáveis por determinar o que é belo e qual é o padrão estético de beleza,
principalmente, a feminina (SILVA, 2005).
Atualmente nos deparamos com um processo de globalização da beleza, da
padronização das formas; vivemos mergulhados em um ideal de “beleza magra”,
que carrega diversos significados simbólicos, como sucesso, felicidade e poder.
Devido a esse fato, somos bombardeados com imagens de corpos considerados
22
perfeitos e confrontados com a redução dos manequins pelas confecções, nos quais
precisamos caber como numa fôrma corporal. Ao buscarmos uma identificação com
os modelos padronizados e inatingíveis de beleza, acabamos por nos afastar da
nossa própria identidade, resultado de uma bela miscigenação que necessita ser
respeitada e valorizada (FREITAS et al., 2007).
Para complementar o que foi citado acima, Silva (2005) salienta que a
maneira como os extremos da busca de um corpo considerado perfeito podem
transformar sofrimentos humanos em espetáculos televisivos, como no caso de
alguns reality shows, os quais começam a se interessar pelos “defeitos” que as
pessoas possam ver em seus corpos e, então, se propõem a ajudá-las na realização
de uma transformação radical, proporcionando tratamentos, dietas, ginástica,
personal trainers, cabeleireiros, aulas de moda e etiqueta, maquiadores e cirurgias
plásticas. E no fim de todo esse processo doloroso mostram-se as reações de
surpresa e fascínio diante das imagens paralelas e simultâneas do “antes” e do
“depois”. Devido a esse tipo de acontecimento pode-se observar que homens e
mulheres, apesar de livres, parecem condenados a uma incessante repetição de um
padrão de robotização de seus corpos, os quais acabam por distorcer seus
pensamentos e aprisionar a sua capacidade de auto-reflexão, seguindo um modelo
que carece de sentido e prazer e que, freqüentemente, utilizam-no como uma forma
de proteção diante das situações de perigo e desamparo.
•
Fatores Precipitantes
Dentre os fatores precipitantes, destacam-se as dietas e os fatores
estressantes.
Segundo Morgan e Claudino (2005), as dietas feitas para a perda de peso são
o fator precipitante mais freqüente dos TA, mas ela por si só não é suficiente para
gerar o TA, sendo necessário que a mesma interaja com outros fatores de risco.
Silva (2005) reafirma relatando que alguns estudos realizados com pessoas
portadoras de TA demonstram que seguir dietas aumenta consideravelmente o risco
de vir a desenvolver algum tipo de transtorno relacionado à alimentação.
Sobre os fatores estressantes, Silva (2005) e Morgan e Claudino (2005)
acreditam que episódios vitais relacionados a mudanças, transições, que de alguma
forma ameaçam a integridade física de uma pessoa, costumam anteceder
23
freqüentemente
os
TA,
especialmente
a
BN,
e
podem
adquirir
função
desencadeadora, pois realimentam sentimentos de insegurança, inadequação e
baixa auto-estima. O tamanho do impacto desses fatores em uma pessoa é
determinado por recursos prévios que o indivíduo possui como o suporte familiar e
social a que ela dispõe para enfrentar as situações de estresse ocorridas.
•
Fatores Mantenedores
Esses fatores originam-se a partir de alterações fisiológicas e psicológicas
causadas pela desnutrição, no caso da AN, e por constantes episódios de
compulsão alimentar e purgação, como no caso da BN, que propiciam a
perpetuação do transtorno. Pode-se dizer que a privação alimentar é um dos
principais aspectos responsáveis no desencadeamento de episódios de compulsão
alimentar e também na ocorrência de pensamentos obsessivos sobre a comida, que
acabam reforçando a necessidade inicial de controle, desenvolvendo então um
círculo vicioso causador de muito sofrimento (SILVA, 2005; SAPOZNIK et al.,
2005a).
Nos casos de AN nota-se algumas alterações de níveis sangüíneos de
substâncias como o cortisol, o CRH (hormônio responsável pela liberação do
cortisol) e a leptina. Essas alterações provocadas pela enorme perda de peso
podem vir a favorecer a manutenção de sintomas como a recusa alimentar, perda de
libido, irritabilidade, inquietação e dificuldade em recuperar e manter o peso ideal.
Nos casos de BN e TCAP, os episódios de consumo excessivo de alimentos podem
vir a alterar o metabolismo da glicose e da insulina, seguidos de um aumento
significativo da glicemia quando o indivíduo está em jejum e da resposta à insulina, o
que favorece que esses indivíduos utilizem o jejum prolongado como uma forma de
compensação alimentar, com isso, ao passar do tempo, o ciclo de novos episódios
bulímicos é reforçado (SILVA, 2005; MORGAN e CLAUDINO, 2005).
Os mesmos autores ainda concordam que os fatores psicológicos
desenvolvidos em uma dinâmica familiar podem dificultar a melhora do TA, pois os
pacientes, especialmente os anoréxicos, se sentem vitoriosos quando conseguem
perder e manter o seu próprio peso, e esse “êxito” tão valorizado em nossa cultura
atual, pode funcionar como uma forma de troféu raro e supervalorizado para
24
pessoas que dividem seu dia-a-dia com sentimentos de desvalorização, insegurança
e sensação total de controlar sua própria vida.
3.4 TRANSTORNOS ALIMENTARES
3.4.1 Anorexia Nervosa (AN)
O termo anorexia, deriva do grego orexis (apetite) acrescido do prefixo an
(privação, ausência), este termo, o qual significa perda de apetite de origem
nervosa, não é considerado como a expressão mais adequada, pelo fato de que, ao
menos no início do quadro, existe uma luta ativa contra a fome (NUNES et al.,
1998), pois não existe uma falta de apetite real e sim um controle alimentar rígido e
auto-imposto devido ao medo extremo de engordar. Desta forma pode-se observar
na evolução clínica que esses pacientes, de fato, só perdem o apetite depois que se
encontram em estado de caquexia física (emagrecimento extremo) (SILVA, 2005).
Este transtorno caracteriza-se, essencialmente, por uma perturbação
significativa na percepção da forma ou do tamanho do corpo e, também, de um
temor intenso de se ganhar peso, este último já dito anteriormente. Segundo
Claudino
e
Borges
(2005),
estas
características
representam
o
aspecto
psicopatológico central da anorexia. Além disso, segundo Claudino e Borges (2007),
a AN envolve uma disfunção hormonal identificada pela amenorréia, ou seja,
ausência da menstruação (em mulheres que se encontram na fase pós-menarca), e
perda do interesse e potência sexual (em homens). No entanto, segundo Claudino e
Borges (2005) a amenorréia corre risco de exclusão dos critérios diagnósticos da AN
devido ao fator de que 20 a 30% das pacientes apresentam amenorréia antes de ter
uma perda significativa de peso e assim podem permanecer até a sua plena
recuperação. Outro fator aponta para o fato de que até 30% das pacientes podem vir
a apresentar o quadro completo da AN sem amenorréia, e o último fator se refere a
uma inexistência de um critério paralelo para homens. Porém, apesar de todos
esses fatores, a permanência desse critério justifica-se por ajudar a distinção de
mulheres com AN de mulheres normais com baixo peso, evidenciando a disfunção
25
hipotalâmica e deixando em alerta os potenciais de seqüela (osteoporose e
infertilidade).
Cordás (2004) também caracteriza a AN por perda de peso intensa e
intencional devido à adoção de dietas extremamente rígidas com uma busca
desenfreada pela magreza, baseada em uma distorção grosseira da imagem
corporal e com alterações do ciclo menstrual em mulheres.
Vilela et al. (2004) relata que a AN é uma doença que leva à inanição e que
possui como uma de suas principais características a excessiva perda de peso
(auto-imposta) e um grande desgaste físico e psicológico. Devido a uma distorção
da imagem corporal, os indivíduos com AN não se percebem magros, mas sempre
gordos e, então, continuam a restringir suas refeições em forma de ritual. Pacientes
que se encontram em período pré-púbere podem ter atraso na maturação sexual, no
desenvolvimento físico e no crescimento, além disso, não atingem a estatura
esperada. A AN possui sérias complicações associadas à desnutrição, tais como
comprometimento
cardiovascular,
desidratação,
distúrbios
na
motilidade
gastrointestinal (capacidade de fazer movimentos espontâneos no estômago e no
intestino), infertilidade, hipotermia (diminuição da temperatura corporal), entre outras
evidências do hipometabolismo.
Os comportamentos anoréxicos dirigidos a diminuir o ganho energético ou
aumentar o seu gasto não são uniformes, ou seja, há diferenças no padrão alimentar
e nos métodos utilizados por essas pessoas portadoras deste transtorno para
alcançar a perda de peso ou evitar o ganho do mesmo. Sendo assim, alguns
pacientes conseguem perder peso por meio de uma rígida restrição alimentar e, na
maioria das vezes, com atividade física intensa e excessiva. Outros, de acordo com
Beaumont (1995 apud GALVÃO et al., 2006a), além de controlar a dieta, também
induzem vômitos, tomam purgantes, fazem uso freqüente de diuréticos ou de drogas
anorexígenas (drogas feitas à base de anfetaminas que inibem o apetite e provocam
vários efeitos colaterais), hormônios tireoidianos ou outras substâncias.
Conforme o peso real diminui, maior se torna a preocupação com o ganho de
peso ponderal, ou seja, o indivíduo nunca se sente satisfeito com seu peso e sua
forma corporal. Alguns até chegam a se sentirem magros, mas desenvolvem uma
preocupação excessiva com algumas partes de seu corpo, como abdômen, nádegas
e coxas (EBERT et al., 2002). Essas preocupações excessivas com partes do corpo
caracterizam aspectos fenomenológicos mais evidentes como o negativismo, a
26
irritabilidade e principalmente, a distorção da imagem corporal (GORGATI e AMIGO,
2005).
A auto-estima dos pacientes com essa patologia depende extremamente da
sua forma e peso corporais, e a partir dessa obsessão pelo tamanho do corpo esses
pacientes passam a se pesar excessivamente, medem constantemente as partes de
seu corpo e, persistentemente, usam o espelho para a verificação das áreas
percebidas como “gordas”. A perda de peso é percebida como uma grande
conquista e como sinal de autodisciplina, e conseqüentemente, o ganho de peso é
percebido como um grande fracasso do autocontrole (EBERT et al., 2002).
A AN se desenvolve, principalmente, em pessoas com idade entre 10 e 30
anos, sendo a faixa etária dos 12 aos 16 anos do sexo feminino a mais acometida
na prática clínica. A taxa de mortalidade na AN é altíssima, estudos apontam uma
ocorrência entre 4 e 30% dos casos, levando-se em consideração a idade de início
do quadro, a precocidade do diagnóstico e o tratamento instituído a cada paciente
acometido (SILVA, 2005).
Silva (2005) ainda relata que na maioria absoluta dos casos, os familiares só
constatam a perda de peso das pacientes após muito tempo do início do quadro.
Isso ocorre em decorrência do fato de que as pacientes evitam ingerir suas meras
quantidades de comida perto deles ou em locais públicos, e quando o fazem, levam
horas para terminar um simples almoço à base de folhas, mantendo os alimentos na
boca por vários minutos sem serem mastigados. Apesar de recusarem a
alimentação,
os
pacientes
anoréxicos
geralmente
desenvolvem
extrema
preocupação com a alimentação de seus familiares, pois procuram orientá-los, de
forma obsessiva, sobre o valor calórico de cada alimento e a adequação às
necessidades diárias de consumo de cada um deles.
Ainda sob a mesma perspectiva pode-se citar que os pacientes portadores de
anorexia não procuram tratamento de forma espontânea, pois para eles a doença
não é um problema e sim uma solução para suas insatisfações físicas, ou seja,
manter-se abaixo do peso considerado normal para determinada idade e altura é
considerado como uma prova de sucesso em meio a tantas dúvidas sobre as reais
capacidades.
A AN divide-se em dois subtipos: a AN restritiva, que são aquelas que
reduzem e controlam seu peso pela restrição alimentar baseada em alimentos de
baixas calorias e/ou pelo excesso de atividades físicas, e a AN bulímica/purgativa,
27
que são aquelas que após ingerirem quantidades significativas de alimentos,
induzem o vômito, fazem o uso de laxantes, diuréticos e moderadores de apetite
para eliminar e/ou controlar seu peso (SILVA, 2005).
Pacientes com AN sem sintomas bulímicos revelam, com freqüência, estilos
de personalidade marcados por rigidez, controle excessivo e perfeccionismo
(GALVÃO et al., 2006b).
Segundo Claudino e Borges (2005), pacientes com AN do tipo bulímico
apresentam mais comportamentos impulsivos como abuso de substâncias,
automutilação e tentativas de suicídio; tipos de personalidade mais impulsivas, como
bordeline, narcísica e anti-social; e mais antecedentes de obesidade pessoal e
familiar.
Os dois subtipos de AN são norteados pelo grandioso medo de ganhar peso.
Para controlarem a situação, costumam aceitar alimentos oferecidos pelos pais,
porém escondem-nos embaixo da cama, em fronhas de travesseiros, em mochilas
ou bolsas, etc. Perdem a autopercepção do próprio corpo considerando-se acima do
peso mesmo que todas as evidências enquadrem-nas como extremamente magras
ou caquéticas (SILVA, 2005).
De acordo com a mesma autora citada acima, os pacientes anoréxicos,
principalmente os de tipo restritivo, estabelecem pesos ideais muito além dos
necessários para satisfazer os padrões mínimos de saúde, e para conseguirem
alcançá-los se submetem a rituais alimentares rígidos e agressivos. Os rituais
alimentares mais significativos em termos comportamentais são: obrigar os
familiares a não comerem enquanto os pacientes estiverem em casa, comer
sozinhos, horários rígidos de refeições, utilizar apenas alimentos cortados em
pequenos pedaços e bem espalhados pelo prato, verificar se não há algum alimento
considerado como proibido entre os alimentos de seu prato e retirar do mesmo as
substâncias consideradas com alto teor calórico. Nos pacientes de tipo
bulímico/purgativo nota-se a alternação de jejuns prolongados com episódios de
compulsão alimentar seguidos de métodos compensatórios.
Para Galvão et al. (2006b) Transtornos de Humor, de Ansiedade e ObsessivoCompulsivo na infância e a presença de traços perfeccionistas de personalidade,
aparentemente são fatores de vulnerabilidade para o desenvolvimento dos TA. Os
pacientes com AN tipo restritivo apresentam freqüentes traços de ansiedade,
perfeccionismo, obsessividade e introversão. Estudos com pacientes com AN tipo
28
purgativo sugerem que o estilo de personalidade desses indivíduos é mais
semelhante ao de pacientes bulímicos com peso normal do que ao de pacientes
com AN tipo restritivo.
Os traços perfeccionistas, segundo Gorgati e Amigo (2005), podem ser
avaliados através da rigidez, dos padrões irreais de sucesso e esforço para alcançálos, das falhas na conquista desses objetivos, vividas como falhas pessoais, e
através da falta de habilidade para assumir os riscos necessários da maturidade e
das relações sociais.
Silva (2005) e Gorgati e Amigo (2005), citam algumas características
aparentes em pacientes com AN tais como pele amarelada e seca, cabelos finos e
quebradiços e, até mesmo, leve alopecia (perda temporária ou definitiva, senil ou
prematura, de pêlos e cabelos). Essas características propiciam ao paciente uma
aparência envelhecida. Os pacientes com AN do tipo bulímico costumam a
apresentar erosão do esmalte dentário e “calosidades” no dorso das mãos,
provocados pela indução de vômito, essas últimas características também podem
ser observadas em pacientes com BN, que será apresentado mais adiante.
3.4.1.1 Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR
Para facilitar a identificação da anorexia nervosa, o DSM-IV-TR (APA, 2002)
descreve quatro critérios diagnósticos principais:
A – Recusa a manter o peso corporal em um nível igual ou acima do mínimo
normal adequado à idade e à altura (p. ex., perda de peso levando à manutenção do
peso corporal abaixo de 85% do esperado; ou incapacidade de atingir o peso
esperado durante o período de crescimento, levando a um peso corporal menos que
85% do esperado).
B – Medo intenso de ganhar peso ou de engordar, mesmo estando com peso
abaixo do normal.
C – Perturbação no modo de vivenciar o peso ou a forma do corpo, influência
indevida do peso ou da forma do corpo sobre a auto-avaliação, ou negação do baixo
peso corporal atual.
29
D – Nas mulheres pós-menarca, amenorréia, isto é, ausência de pelo menos
três ciclos menstruais consecutivos. (Considera-se que uma mulher tem amenorréia
se seus períodos ocorrem apenas após a administração de hormônio, p. ex.,
estrógeno).
Especificar tipo:
Tipo Restritivo: durante o episódio atual de Anorexia Nervosa, o
indivíduo não se envolveu regularmente em um comportamento de comer
compulsivamente ou de purgação (i. é, indução de vômito ou uso indevido de
laxantes, diuréticos ou enemas).
Tipo Compulsão Periódica/Purgativo: durante o episódio de Anorexia
Nervosa, o indivíduo envolveu-se regularmente em um comportamento de comer
compulsivamente ou de purgação (i., é, indução de vômito ou uso indevido de
laxantes, diuréticos ou enemas).
3.4.1.2 Formas de Tratamento
a) Tratamento Farmacológico
Segundo o relato de Claudino (2005) e Appolinario et al. (2006), a
farmacoterapia na AN se divide em duas fases: a aguda e a de manutenção. Na
primeira fase, o uso de medicamentos tem como objetivo favorecer a recuperação
de peso e a redução dos sintomas nucleares da AN, tais como fobia de peso,
distorção
de
imagem
corporal,
preocupação
obsessiva
com
a
comida,
comportamentos compulsivos (exercícios físicos excessivos, contagem calórica,
rituais alimentares) e sintomas bulímicos. Nessa mesma fase também se contempla
o tratamento da sintomatologia associada: ansiosa, obsessiva e depressiva. Na
segunda fase, a de manutenção, o principal alvo é evitar recaídas com piora dos
sintomas nucleares e diminuição do peso corporal.
De acordo com Nunes e Ávila (2006), o uso de psicofármacos no tratamento
da AN, agem como coadjuvantes no tratamento e são utilizados quando nos
deparamos com sintomas ou transtornos psiquiátricos em co-morbidade.
30
•
Antidepressivos
Claudino (2005) salienta que os antidepressivos tem sido explorados no
tratamento da AN. Estes freqüentemente desenvolvem sintomas depressivos,
ansiosos, obsessivos e bulímicos. Existe também a identificação de disfunção
serotoninérgica na AN e em outros transtornos psiquiátricos, os quais são
identificados mais adiante como co-morbidades, nos quais comprovou-se a eficácia
de agentes serononinérgicos, e ganho de peso favorecido pelo uso de algumas
drogas antidepressivas.
Pode-se considerar que, como algumas dessas drogas antidepressivas
podem levar ao ganho de peso, como dito anteriormente, elas poderiam ser úteis
como auxiliares na terapêutica de ganho de peso. Os agentes mais estudados são
os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), fluoxetina, citalopram e
sertralina. De maneira geral, estudos abertos sugerem que esses agentes são bemtolerados e têm um efeito positivo na recuperação e manutenção de peso, além de
melhorarem o humor (APPOLINARIO et al., 2006). Sapoznik et al. (2005b),
complementa afirmando que os inibidores seletivos de recaptação de serotonina são
os medicamentos mais utilizados, principalmente quando são associados aos
sintomas depressivos, ou do espectro do Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
•
Antipsicóticos
O uso de antipsicóticos no tratamento da AN envolve a idéia de eles poderem
atuar nas distorções de imagem corporal e também o potencial uso terapêutico do
ganho de peso induzido por esses agentes (CLAUDINO, 2005).
Estudos realizados até o momento, testaram a risperidona e a olanzapina;
estes mostraram resultados positivos em relação ao ganho de peso e alguns
sintomas nucleares da AN, como o medo mórbido de engordar e as distorções de
imagem corporal (POWERS; SANTANA, 2004 apud APPOLINARIO et al., 2006). Em
uma pesquisa realizada pelos mesmos pesquisadores, Powers e Santana, no ano
de 2002, estudou-se o uso da olanzapina em pacientes com AN e descreveu os
resultados favoráveis em relação ao peso corporal, sintomas anoréxicos e melhora
clínica global, com efeitos adversos mínimos (APPOLINARIO et al., 2006). Em outro
estudo realizado por Mondraty et al (2005 apud APPOLINARIO et al., 2006), foi
31
possível demonstrar a eficácia da olanzapina nos sintomas de ruminações
anoréxicas, considerados também como um sintoma nuclear da AN.
Claudino (2005) salienta que os principais efeitos colaterais dos antipsicóticos
são tonturas, ganho de peso e sedação.
•
Orexígenos
O uso desses agentes no tratamento da AN tem por base a sua ação sobre o
apetite e o peso corporal. A ciproeptadina, substância testada desse grupo, é um
agente antagonista serotoninérgico, com leves efeitos anticolinérgicos e antihistamínicos. Apesar de ter apresentado uma boa tolerância, essa substância tem
sido pouco utilizada na prática clínica do transtorno em questão (APPOLINARIO et
al., 2006).
•
Outros Agentes
Agentes como naltrexona, tetraidrocanabinol, clonidina e hormônio de
crescimento (GH), foram estudados na AN, mas não houve apoio para efeitos
positivos (CLAUDINO, 2005; ZWAAN; ROERIG, 2003 apud APPOLINARIO et al.,
2006).
•
Orientações para Uso de Medicamentos no Tratamento da AN
O uso de medicamentos no tratamento de indivíduos com AN deve ser
individualizado e ter como base os sintomas psicopatológicos do paciente. Dessa
forma, os agentes antidepressivos podem ser utilizados visando à redução de
sintomas depressivos e obsessivos associados. Dentre os antidepressivos, os
inibidores seletivos de recaptação de serotonina apresentam um perfil de efeitos
adversos mais seguro na população de pacientes deprimidos. A medicação deve ser
iniciada de forma gradual, buscando de certa forma doses semelhantes às utilizadas
para depressão. Deve-se considerar o uso da fluoxetina em pacientes com AN do
tipo bulímico, mas por sua vez em doses mais elevadas que as usuais para
depressão (60 mg/dia, se tolerada) (APPOLINARIO et al., 2006).
Ainda sob a mesma perspectiva, os inibidores seletivos de recaptação de
serotonina podem ser utilizados para a prevenção de recaídas. Desta forma sugere-
32
se a utilização durante o primeiro ano pós-recuperação de peso. É necessário ter o
cuidado com o uso abusivo desses agentes pelos pacientes anoréxicos com a
finalidade de tentar controlar o apetite.
Appolinario et al. (2006) relatam que os antipsicóticos normalmente são
receitados para pacientes que apresentam alta resistência, agitação, com graves
distorções de auto-imagem ou com outros sintomas com características psicóticas. É
importante ressaltar o fato de que os pacientes apresentam muita resistência frente
a aceitação do uso de antipsicóticos atípicos devido ao acesso de informações sobre
o ganho de peso associado a esses agentes.
Alguns agentes ansiolíticos também são utilizados durante a fase inicial do
tratamento, ou seja, na fase de reabilitação nutricional, principalmente naqueles
pacientes que apesar de demonstrarem colaboração diante do tratamento
encontram enormes dificuldades diante do aumento de ansiedade durante as
refeições e nos momentos antecedentes a esta (APPOLINARIO et al., 2006).
É necessário atentar para a negligência dos pacientes diante do uso de
medicamentos por apresentarem resistência ao tratamento. Em pacientes que
apresentam sintomas purgativos, deve-se ter o cuidado de ministrar os
medicamentos em horários distantes das refeições em que costumam purgar.
Devido as mudanças na composição de proteínas e gorduras corporais, deve-se
atentar aos maiores riscos de efeitos colaterais e toxicidade, dessa forma
recomenda-se
todo
cuidado
no
uso
de
medicamentos
nesses
pacientes
(APPOLINARIO et al., 2006).
b) Tratamento Hospitalar
O processo de recuperação da AN normalmente se dá após alguns anos de
tratamento. Ainda não foi estabelecido qual é a melhor combinação adequada de
tipos de intervenção para as diferentes fases da doença e qual o tempo necessário
para o tratamento, ou seja, ainda não foi definido qual o melhor setting (NUNES e
ÁVILA, 2006).
De acordo com Silva (2005), uma das primeiras dificuldades com as quais nos
deparamos no caso da AN é se o paciente deve ou não ser internado. Geralmente,
33
esses pacientes são levados a se tratarem por se encontrarem em condições físicas
muito precárias. Dessa forma, a hospitalização torna-se uma condição terapêutica
que possui a finalidade de reduzir os riscos de letalidade os quais esses pacientes
estão expostos.
Os pacientes que geralmente necessitam de hospitalização são os mais
sintomáticos, seja pelo surgimento de complicações médicas ou psiquiátricas
graves, ou pela gravidade de sintomas ligados à AN. O tratamento hospitalar deve
contar com uma boa equipe de enfermagem disponível para poder levar o paciente
ao aumento de peso. Este tipo de tratamento deve ser indicado em casos
específicos e no momento que a equipe multidisciplinar considerar que o paciente
necessita de um enfoque mais rígido e abrangente em relação ao seu
comportamento alimentar. É necessário ter conhecimento de que caso a internação
não seja bem-indicada, essa forma de tratamento pode se tornar ineficaz e as
reincidências se tornarem freqüentes (NUNES e ÁVILA, 2006).
De acordo com as autoras citadas acima, para que ocorra a reposição do
peso corporal, é de fundamental importância a inclusão dos familiares no tratamento,
estabelecendo dessa forma uma aliança terapêutica e junto desta, ajudar o paciente
a evitar a negação de seus sintomas. Em decorrência desta realidade, as equipes
responsáveis pela intervenção e tratamento deste transtorno têm feito de tudo para
oferecer aos pacientes diversas alternativas de tratamento que incluem internações
hospitalares com uma equipe multidisciplinar de apoio, internação parcial na forma
de hospital-dia e, também, internações domiciliares. Devido aos altos custos de uma
hospitalização, o hospital-dia tem sido considerado como uma alternativa importante
para a diminuição de gastos. A hospitalização geralmente ocorre em virtude de
situações emergenciais, tais como restauração do peso corporal e co-morbidades
médicas ou psiquiátricas, como diabetes, auto-agressão, depressão, sintomas
obsessivos graves ou purgação excessiva. Somente caso o tratamento ambulatorial
não seja efetivo, a hospitalização torna-se necessária.
Sapoznik et al. (2005b) acredita que a forma de tratamento hospital-dia é
geralmente indicado em casos onde os pacientes já foram tratados sob esquema de
internação, e quando os mesmos apresentam baixo risco de auto-agressão,
apresentam impossibilidade ou incapacidade de auto-cuidado e demonstram
ausência de doenças clínicas agudas. No entanto, na prática esta forma de
tratamento é indicado para aqueles pacientes que não responderam ao tratamento
34
ambulatorial e estão interessados e motivados pela proposta terapêutica, além de
concordarem com as abordagens grupais de tratamento.
No ano de 1990, Flaherty (apud SILVA 2005), descreveu três critérios que
deveriam ser levados em conta para determinar se há ou não a necessidade de
internação do paciente. Seriam eles: a perda de peso rápida e maior que 30% ao
longo de seis meses, a severa perda de energia (vista a partir da execução de
tarefas diárias) e hipocalemia (baixa de potássio no sangue).
Seguindo a idéia de Flaherty, a Associação Psiquiátrica Americana (APA)
publicou no ano de 2000 o Guia Prático Para o Tratamento dos TA, o qual tem o
intuito de uniformizar e padronizar os procedimentos terapêuticos nesta área. Serão
citadas abaixo algumas recomendações que podem ser utilizadas como critérios
indicativos para a hospitalização de pacientes portadores de AN (Sapoznik et al.,
2005b; Nunes e Ávila, 2006):
•
Pacientes que não estejam altamente motivados para o tratamento
ambulatorial;
•
Pacientes apresentando uma perda rápida e contínua de peso;
•
Peso corporal menor que 75% do peso mínimo esperado para a idade
e altura;
•
Índice de Massa Corporal (IMC) abaixo da faixa de 13 a 14 kg/altura²;
•
Pacientes com instabilidade metabólica importante (principalmente em
certos
grupos,
como
crianças
e
adolescentes,
em
vista
de
repercussões dessas alterações para o desenvolvimento): hipotensão
arterial grave, bradicardia, hipoglicemia e hipopotassemia;
•
Rede de suporte social instável ou fraca;
•
Necessidade de monitorização estreita das condições clínicas do
paciente: disfunção cardíaca, renal ou hepática, sintomas de
desidratação e desnutrição graves.
As autoras Nunes e Ávila (2006), propõem outras condições nas quais a
internação também deveria ser considerada:
•
Necessidade de interromper comportamentos inadequados, tais como
vômitos e episódios de compulsão alimentar periódica, que, pela
freqüência e/ou duração, podem levar a sérias complicações clínicas;
•
Para uma avaliação diagnóstica mais adequada;
35
•
Para o tratamento das complicações psiquiátricas associadas, como o
risco elevado de suicídio e a auto-agressão, com ideação e planos de
suicídio evidentes;
•
Para confrontar o paciente com sua negação da doença;
•
Como forma de prepará-lo para um futuro tratamento ambulatorial.
“A perda de peso exagerada, principalmente de forma aguda, em geral é
acompanhada por sinais de desnutrição: bradicardia, hipotensão, extremidades
frias e dificuldades de memória e concentração. É consenso que o IMC igual ou
menor que 13,5 representa um importante sinal de gravidade do caso. A
manutenção do baixo peso corporal prejudica ou até inviabiliza qualquer
abordagem psicoterápica proposta. A dieta seletiva dos pacientes anoréxicos não
é tão preocupante quanto o abuso de laxantes ou a freqüência dos vômitos. Tais
comportamentos podem levar o paciente a distúrbios hidreletrolíticos importantes.
O distúrbio eletrolítico desenvolve-se, na maioria das vezes, de forma gradual, de
modo que não exige necessariamente hospitalização. Sem dúvida, é nesses
momentos que a presença de uma equipe médica familiarizada com o tratamento
dos TA se impõe”. (NUNES e ÁVILA, 2006, p. 185).
Quando a hospitalização integral ou parcial é usada de maneira consciente e
afetiva, ela proporciona ao paciente um ambiente seguro o qual permite que o
mesmo restabeleça seu equilíbrio emocional e sua capacidade de lidar com o
ambiente externo. Para o êxito da hospitalização é preciso que a família e o paciente
aceitem essa intervenção como um meio para se buscar o bem-estar de todos
(NUNES e ÁVILA, 2006).
Ainda seguindo as autoras citadas acima, a instituição hospitalar deve contar
com
uma
equipe
multidisciplinar,
composta
por
psicólogos,
nutricionistas,
psiquiatras, enfermeiros, clínicos e terapeutas ocupacionais, os quais necessitam ter
mais coesão de idéias do que qualquer saber específico sobre um tratamento. A
ênfase nos aspectos psicológicos torna necessário o treinamento da equipe em
métodos de treinamento psiquiátrico e psicológico em decorrência da compreensão
do TA como uma doença psiquiátrica.
De acordo com Nunes e Ávila (2006), não é possível especificar um tempo
exato em relação à duração da internação, e ainda citam que:
“Para pacientes mais crônicos, as internações costumam ser mais breves, apenas
corrigindo as reagudizações. Pacientes que ganham peso rapidamente, com o
único objetivo de ter alta hospitalar, tendem a ter recaídas e resistir a
reinternações. Ao contrário, pacientes que recebem alta após adquirir um peso
normal costumam ter um prognóstico melhor” (p. 186).
36
De maneira geral, o tempo de duração médio das internações varia entre 8 e
16 semanas, dependendo de condições como o peso corporal inicial e as
complicações médicas e psiquiátricas. Normalmente, o tempo de permanência
hospitalar se divide em duas etapas: a primeira, na qual o principal objetivo é a
correção das complicações médicas e do peso corporal, e a segunda, quando o
objetivo principal é a modificação dos hábitos alimentares, pensamentos errôneos e
práticas consideradas anormais (NUNES e ÁVILA, 2006).
As autoras ainda salientam que geralmente na primeira internação os
pacientes portadores de AN sentem-se assustados com o novo ambiente e, devido a
não aceitação de seus sintomas, não aceitam ficar sob o controle da equipe. Os
pacientes não costumam aceitar a hospitalização livre e espontaneamente, porém
por diversas vezes eles expõem a necessidade de ajuda pelo sofrimento intenso e
pela dificuldade em seguir o esquema ambulatorial proposto. É importante deixar
claro ao paciente que após um período de evolução da patologia, em conseqüência
da cronificação dos sintomas, existe uma diminuição da capacidade de se alimentar
e de avaliar de forma adequada sua própria vida.
Nunes e Ávila (2006) relatam que a equipe deve possuir flexibilidade para
compreender que cada paciente deve ser considerado individualmente para uma
melhor adequação do tratamento, principalmente em relação à reposição de peso e
ao alívio de comportamentos de risco.
Ainda sob a perspectiva das autoras citadas acima, no primeiro momento do
tratamento hospitalar, os familiares devem estar cientes dos limites desta
abordagem.
Recomenda-se
que
os
pacientes
sejam
internados
sem
o
acompanhamento de seus familiares. É necessário que seja estabelecido um bom
vínculo entre a família e a equipe para que se facilite a comunicação entre eles, de
forma a aumentar o esclarecimento e transparência do tratamento não só para o
paciente como também para sua família, visando então o aumento das chances de
se obter bons resultados.
Caso a internação hospitalar seja de fato necessária, ela deve ser feita em
um hospital geral e deve ser viabilizada a instalação de vigorosos cuidados de
enfermagem, administração de dieta hipercalórica via oral ou em forma de
alimentação parenteral em casos da persistente recusa do paciente em se alimentar
(SILVA, 2005).
37
A hospitalização deve ter em vista o bem-estar geral do paciente,
principalmente o retorno a um funcionamento mental mais saudável. A reposição do
peso dificilmente é alcançada sem mudanças nas atitudes e crenças distorcidas dos
pacientes. O estabelecimento de um vínculo terapêutico entre o paciente e equipe é
de fundamental importância para se alcançar o sucesso no tratamento. Este vínculo
marca o seu início na persuasão do paciente para que o mesmo aceite a
hospitalização. Sempre que ocorre o acompanhamento pela equipe, o paciente
sente-se aliviado e aceita com maior facilidade as combinações propostas. É muito
importante esclarecer os objetivos do tratamento ao paciente e também ajudá-lo a
expressar suas inquietações, seus sentimentos e suas necessidades de uma
maneira que não por meio do seu corpo que emagrece (NUNES e ÁVILA, 2006).
As mesmas autoras relatam que durante a estadia do paciente no hospital, é
importante encorajá-lo a repor o seu peso até o mais próximo possível do peso
considerado normal e tentar mantê-lo em um nível que se considere saudável.
c) Tratamento Nutricional
O tratamento nutricional tem como objetivo a reposição do peso através da
reeducação alimentar, pois mesmo tendo um amplo conhecimento sobre o valor
calórico dos alimentos, os pacientes portadores da patologia em questão pouco
sabem sobre uma nutrição saudável, em decorrência disto é necessário que o
paciente seja informado e educado sobre o que é uma nutrição adequada.
Recomenda-se que a equipe oriente o paciente a manter uma alimentação saudável
variada, contendo diversos tipos de nutrientes, além de ingerir uma quantidade
adequada de carboidratos. Os alimentos que em geral são evitados, também devem
ser incluídos de forma lenta em sua dieta. Depois de realizar uma anamnese
alimentar do paciente, o nutricionista elabora um esquema nutricional básico, e
então discute individualmente cada aspecto do tratamento, da reposição à
manutenção de peso. O valor calórico estipulado para cada refeição vai depender do
ritmo de ganho de peso, adequado ao tamanho do paciente e a seu conforto em
relação à dieta. O controle de ganho de peso do paciente é avaliado através de suas
38
pesagens, que são realizadas de duas a três vezes por semana, antes do seu
desjejum (NUNES e ÁVILA, 2006).
De acordo com as autoras citadas acima, durante a hospitalização, o
nutricionista
fica
encarregado
de
fornecer
informações
sobre
trocas
e
balanceamento das refeições, as quais são servidas ao paciente em bandejas
individuais e revisadas pela pessoa da equipe que fica encarregada de realizar o
acompanhamento, controlando-se o tempo de cada refeição, tendo como limite de
tempo 60 minutos. Após o término das refeições, essas bandejas são checadas,
sendo anotado o que foi consumido. Caso o paciente se recuse a se alimentar de
forma adequada, o ambiente hospitalar permite o uso de uma sonda nasogástrica
(sonda presa ao nariz e que vai até o estômago) ou nasoenteral (sonda presa ao
nariz e que vai até ao intestino) para a realização da mesma.
Nunes e Ávila (2006) citam que é estabelecido como critério de alta uma
reposição de 95% do peso corporal esperado. Assim que o paciente ganha alta, ele
recebe um esquema nutricional que esteja de acordo com as suas necessidades
nutricionais, para que ele então possa manter o seu peso.
d) Tratamento Psicoterápico
Os pacientes portadores de AN, como já citado anteriormente, sentem-se
vitoriosos por conseguirem manter um peso abaixo do considerado normal para
certa idade e altura, sentindo-se “poderosos” por dominarem de forma absoluta o
controle de seu próprio apetite. Em decorrência desse fato, eles temem qualquer
medida que seus familiares possam vir a tomar que possa de alguma forma interferir
nesse autocontrole. Por temerem qualquer atitude que contrarie seus ideais,
adquirem uma postura arisca e inatingível nas primeiras tentativas de tratamento
(SILVA, 2005; GORGATI e AMIGO, 2005). No entanto, no início do tratamento,
continuarão com suas idéias consideradas “bem-sucedidas” e ações sobre
alimentação e perda de peso. Estando a par dessas atitudes, deve-se trabalhar no
sentido de construir, pacientemente, uma relação terapêutica baseada na confiança
e no comportamento de ambas as partes (terapeuta e paciente) (SILVA, 2005).
Cabe ao terapeuta ser humilde, e ter disposição para flexibilizar essas “jovens
39
doutoras” que dizem saber tudo sobre alimentação e muito pouco sobre trocas
afetivas e terapêuticas (SILVA, 2005; GORGATI e AMIGO, 2005).
Diferentemente da BN, como veremos mais adiante, a abordagem mais
recomendada para pacientes com AN é a psicoterapia individual, pois essas
pacientes geralmente demonstram ter mais dificuldades em expor seus sentimentos,
retraimento no relacionamento interpessoal e atitude competitiva no sintoma
(STEFANO et al., 2005).
A psicoterapia deve visar a reestruturação de uma forma direta da forma de
pensar e estabelecer conceitos por parte dos pacientes, principalmente quando se
relaciona aos seus valores, à sua maneira de ver e se relacionar com o mundo, às
suas referencias pessoais e ao desenvolvimento de seu talentos acoplados aos seus
projetos de vida. O principal objetivo do tratamento é a normalização do peso
corporal, mesmo que ele ainda não apresente risco de vida iminente para o
paciente. Deverão ser aplicadas técnicas de distração nos pacientes após as
refeições, pois elas tendem a ajudar a diminuir a sensação de desconforto após a
ingestão de alimentos pelo mesmo (SILVA, 2005).
Ainda sob a perspectiva da mesma autora, as excessivas atividades físicas
devem ser reduzidas vagarosamente e então, devem ser substituídas por atividades
que possibilitem o desenvolvimento de relações interpessoais e, conseqüentemente,
o desenvolvimento de habilidades sociais.
É necessário que o nível de expectativa de desempenho do paciente seja
reduzido, com a finalidade de ocasionar menor frustração e melhorar a sua autoestima. Além disso, se deve também utilizar técnicas de prevenção de recaída, pois
auxiliam na manutenção dos resultados e as possíveis dificuldades futuras passam a
ser menos temidas (SILVA, 2005).
De acordo com Nunes e Ávila (2005), existe um consenso de que o
tratamento psicológico é fundamental nesse transtorno independente do nível, seja
ele ambulatorial ou hospitalar, mas também se sabe que o paciente anoréxico pouco
se beneficia do tratamento psicoterápico se o seu peso corporal estiver muito abaixo
do normal, de forma que a reposição do peso torna-se o objetivo principal. Logo, a
intervenção hospitalar serve como um meio que auxilia na correção do peso,
facilitando então as abordagens psicoterápicas e nutricionais.
Seguindo o relato de Nunes e Ávila (2005), Stefano (2005) afirma que o
tratamento psicológico deve se iniciar assim que o paciente começa a sua
40
recuperação
nutricional,
buscando
abordar
conflitos
psicodinâmicos,
desenvolvimento cognitivo, defesas psicológicas, as complexas relações familiares e
a presença de co-morbidades psiquiátricas. Normalmente, as intervenções
psicológicas nesses pacientes são necessárias por longos períodos, em média 6
anos, em função da natureza duradoura de seus sintomas e da necessidade de
suporte durante a recuperação.
3.4.1.3
Curso e Prognóstico da Doença
Segundo Freitas (2006), os fatores prognósticos nos possibilitam informar os
pacientes e seus familiares sobre o curso da doença e qual a estratégia terapêutica
seria a melhor para o caso. É necessário ter em mente que nem sempre a evolução
da doença ocorre conforme o esperado, podendo, em algumas vezes, evoluir de
maneira completamente oposta à esperada. No ano de 1977, Russell fez uma
observação, ainda válida nos dias de hoje, que a AN possui uma imprevisibilidade
de
prognóstico
individualizado.
São
considerados
aspectos
prognósticos
desfavoráveis fatores como vômito auto-induzido, episódios de compulsão alimentar,
cronicidade, aspectos obsessivo-compulsivos e métodos purgativos. No entanto,
considera-se como fator favorável os aspectos histriônicos de personalidade.
Assim como Russell (1977) aponta aspectos positivos e negativos, Silva
(2005), relata alguns aspectos favoráveis e desfavoráveis os quais normalmente se
apresentam na vida dessas pessoas e podem contribuir para uma evolução e
prognóstico mais fáceis ou mais difíceis. Os aspectos positivos são: início precoce
do tratamento; maior flexibilidade em lidar com problemas e frustrações; ambiente
familiar flexível; contar com boa referência interna e gostar e reconhecer suas
virtudes; ambiente social menos rígido em relação ao desempenho pessoal e à
aparência física; saber suas limitações e ter persistência e boa vontade em melhorálas; e, ser confiante e cúmplice com as pessoas que fazem parte de seu tratamento.
Os aspectos desfavoráveis são: baixa auto-estima; pais exigentes, dominadores e
controladores;
perfeccionismo
e
autocontrole;
elevadas
expectativas
do
desempenho pessoal; humor depressivo; famílias que valorizam de forma excessiva
a beleza física e impõem dietas aos filhos; perdas afetivas importantes e precoces;
41
caráter facilmente influenciável; dificuldades em lidar com mudanças, principalmente
quando ocorridas na adolescência; e, história de abuso sexual na infância.
O curso da AN é consideravelmente prolongado, e seus diversos fatores
contribuem para a sua manutenção ou perpetuação, o risco de recaídas durante o
processo de recuperação ou até mesmo após um longo período dessa ocorrer, pode
ser previsto e esperado. Esse fato não pode comprometer a relação de cumplicidade
e confiança estabelecido entre paciente, médico e terapeuta. Muitos pacientes
omitem suas recaídas, consideradas por eles como pecados, e este fato pode
desencadear um afastamento afetivo, o qual, na maior parte das vezes, leva ao
abandono do tratamento. Diante disto, é necessário conscientizar o paciente para
esse fato e lhe garantir sua dedicação incondicional. Existe, também, a possibilidade
da passagem da AN para outras formas de sintomatologia alimentar, especialmente
a BN. Em frente a essa situação, é de suma importância que o paciente entenda que
a passagem para outro tipo de TA não significa um fracasso, e sim uma mudança de
patamar de gravidade (SILVA, 2005).
Ainda diante da mesma perspectiva, é importante saber que apesar de
recuperados, muitos pacientes ainda apresentam padrões idealizados, gerando de
certa forma frustrações e limitações sociais. Essas características refletem o tipo de
personalidade dos pacientes com AN e que os predispõem à própria doença e aos
demais TA. A inflexibilidade social que eles possuem é considerada a principal
matéria-prima a ser trabalhada na terapia desses pacientes.
Sullivan (apud GORGATI E AMIGO, 2005), descreve um resumo de dados
obtidos através da literatura referentes ao prognóstico da AN, incluindo estudos de
até 10 anos após constatação da instalação da patologia em questão. Os resultados
são: aproximadamente 10% de morte; 10% de persistência do quadro; 15% de
remissão parcial dos sintomas; 15% de crossover (quando a AN cursa para a BN) e
50% sem diagnóstico para TA no seguimento do estudo.
3.4.2 BULIMIA NERVOSA (BN)
O termo bulimia deriva do grego bou (grande quantidade de) ou de boul (boi)
e limos (fome), designando fome raivosa ou fome de comer um boi (STUNKARD
42
apud NUNES et al., 1998). Na bulimia, assim como na anorexia, existe uma
excessiva idealização da magreza e um preconceito contra a obesidade, em razão
disso, a forma e o peso do corpo acabam por influenciar excessivamente a autoavaliação do indivíduo. Esse transtorno, então, caracteriza-se essencialmente por
episódios de hiperfagia (compulsão alimentar), sintoma o qual pode estar presente
em diversas doenças orgânicas, síndromes neurológicas ou genéticas ou até
mesmo em transtornos mentais (NUNES et al., 1998); através de métodos
compensatórios inadequados para se evitar o ganho de peso, e por um medo
mórbido de engordar. Para que esse transtorno possa ser qualificado como
patológico, é necessário que a compulsão periódica e os comportamentos
compensatórios inadequados ocorram, em média, no mínimo duas vezes por
semana durante três meses (APA, 2002).
Cordás (2004) relata, também, que a BN caracteriza-se por uma grande
ingestão de alimentos com sensação de perda de controle, porém a preocupação
excessiva com o peso e a imagem corporal direcionam o paciente a fazer o uso de
métodos compensatórios inadequados para que se possa ter um controle do peso,
como vômitos auto-induzidos, uso de medicamentos (diuréticos, inibidores de
apetite, laxantes, etc.), dietas e exercícios físicos excessivos.
“A crise bulímica é tipicamente desencadeada por estados de humor disfóricos,
estressores interpessoais, intensa fome após restrição por dietas, ou sentimentos
relacionados a peso, forma do corpo e alimentos. A crise bulímica pode reduzir
temporariamente a disforia, mas autocríticas e humor deprimido ocorrem logo
após” (APA, 2002, p. 561).
Para o diagnóstico da BN é exigido o engajamento em métodos
compensatórios inadequados após os episódios de compulsão alimentar. De acordo
com Galvão et al. (2006a), o vômito auto-induzido é o método mais freqüente
(ocorrendo em média em 90 a 95% dos casos), de mais fácil identificação e que
melhor delimita o final de uma compulsão. Para Claudino e Borges (2005), pacientes
com Diabetes buscam evitar o ganho de peso deixando de fazer uso da insulina (e a
conseqüente absorção de glicose pelas células).
A BN assim como a AN é mais comum no sexo feminino, tendo como
proporção 9:1. Seu início tende a ser mais tardio que o da AN, ocorrendo por volta
dos 18 anos de idade, então é possível observar significativas taxas de prevalência,
sendo de 5% a 15% nas populações femininas de cursos secundários e
43
universitários, e ainda 2% a 3% deste transtorno na população feminina adolescente
e juvenil (SILVA, 2005). Complementando este dado, Sapoznik et al. (2005a),
relatam que a faixa etária de maior incidência para BN se encontra entre os 18 e 23
anos de idade, em mulheres.
Para alguns pacientes bulímicos a simples ingestão de alimentos altamente
calóricos, mesmo sendo essa uma ingestão em quantidade normal, é considerada
como compulsão alimentar (binge subjetivo), pois o fato de terem ingerido um
alimento de alto teor calórico facilita o ganho de peso. Os tipos de alimentos
ingeridos durante um ataque de hiperfagia variam, mas normalmente os pacientes
dão preferência a alimentos de alto teor calórico, e fáceis de engolir e regurgitar
como bolos, sorvetes, leite condensado, chocolate, entre outros, consumindo-os em
exagero. Entretanto, as crises bulímicas caracterizam-se mais pelo excesso de
alimentos ingeridos do que pela ingestão de apenas um determinado tipo de
alimento, como carboidratos. Esta ingestão excessiva de alimentos ocorre de forma
rápida e, normalmente, termina no momento em que a pessoa sente-se
desconfortável, ou até mesmo dolorosamente repleta. Porém, devido à purgação
após a ingestão desses alimentos o peso da pessoa bulímica permanece
relativamente estável, e isso permite que esses indivíduos consigam manter seu
distúrbio alimentar oculto por mais tempo do que os anoréxicos (ATKINSON et al,
2002).
Assim como Atkinson et al (2002), Vilela et al. (2004), relatam que os
bulímicos, geralmente mantém seu peso próximo ao peso normal ou até mesmo com
um leve sobrepeso, pois altera crises de hiperfagia com vômitos auto-induzidos.
Além da purgação por indução do vômito, alguns também utilizam laxantes e
diuréticos como método purgativo. Além disso, os indivíduos podem jejuar por um
dia ou mais, ou exercitar-se excessivamente na tentativa de compensar o excesso
de alimento ingerido. Esses exercícios são considerados excessivos quando
interferem em atividades importantes, quando ocorrem em momentos ou contextos
inadequados ou quando o indivíduo continua a se exercitar mesmo possuindo lesões
ou outras complicações médicas (APA, 2002).
Silva (2005) afirma que a família possui uma função de extrema importância
no diagnóstico e no tratamento dessas doenças. Pois somente eles podem observar
se há algum comportamento estranho na(o) filha(o), como por exemplo se após a
refeição a(o) filha(o) sempre se dirige ao banheiro e se tranca por um tempo, eles já
44
podem identificar essa situação como uma alerta a ser cuidadosamente observado e
avaliado. Essas famílias devem ter em mente que julgamentos e críticas sobre suas
posturas costumam não ter resultados favoráveis, ou seja, a verdadeira ajuda só
ocorre quando se reconhece o sofrimento dos outros e quando se é estendida a mão
com possibilidades reais que permitem a todos escolherem qual será o melhor
caminho na direção da real felicidade.
De acordo com Galvão et al. (2006a), a maioria dos pacientes que utilizam
métodos purgativos o faz devido aos episódios de compulsão alimentar e, portanto,
buscam compensar dessa forma os riscos de ganho de peso. É comum também a
ingestão excessiva de água para facilitar a indução de vômito.
A presença dos episódios de compulsão alimentar e o recorrente uso de
métodos compensatórios geram uma grande instabilidade no peso do paciente.
Alguns deles não chegam a se empenhar nos métodos purgativos, porém alternam
dietas muito restritivas ou jejuns aos episódios de compulsão alimentar.
As pacientes bulímicas que utilizam os métodos purgativos normalmente
apresentam um grau maior de psicopatologia, geralmente são mais jovens, têm um
curso pior de doença e um grau maior de insatisfação em relação ao corpo quando
comparadas às pacientes que utilizam os métodos não-purgativos (GARFINKEL e
MITCHELL apud NUNES et al., 1998).
Em pacientes com BN pode-se observar uma incapacidade de controle de
impulsos, não apenas no comportamento alimentar, como também em outras áreas
da vida do indivíduo (GALVÃO et al., 2006b). Em relação a isso, Silva (2005) relata
que situações de estresse funcionam como um estímulo e também como um fator
mantenedor dos episódios bulímicos. Estes pacientes normalmente apresentam
pensamentos dicotômicos (pensam em extremos relacionados à sua aparência ou é
muito crítico em relação a ela) ou extremos do tipo “tudo” ou “nada”, crenças sem
fundamentos acerca de seus conhecimentos sobre alimentos, calorias, métodos
compensatórios e dificuldade no controle de impulsos (SILVA, 2005; SAPOZNIK et
al., 2005a).
As principais complicações existentes devido ao comportamento bulímico são
os
distúrbios
eletrolíticos,
irritação
e
sangramento
gástrico
e
esofágico,
anormalidades intestinais, erosão do esmalte do dente e aumento das parótidas
(VILELA et al, 2004).
45
Um estudo realizado por Nielsen (2001 apud NUNES, 2006), relata que no
período de 10 anos após o transtorno ter sido diagnosticado, os indivíduos bulímicos
apresentam chance de 1,5 vez maior de morte, quando comparados a indivíduos
saudáveis do mesmo gênero e faixa etária.
Silva (2005) e Sapoznik et al (2005a), relatam as principais queixas e
características apresentadas pelos pacientes portadores de BN, são eles:
•
Sinal de Russel: presença de calos ou feridas no dorso das mãos,
originados pelo atrito dos dentes no ato de indução do vômito;
•
Corrosão no esmalte dos dentes provocada pela acidez dos vômitos;
•
Aumento das glândulas parótidas, pela prática dos vômitos. As
glândulas parótidas ficam na região da face junto às orelhas. O rosto
fica com uma forma mais arredondada;
•
Alterações do ciclo menstrual;
•
Costumam apresentar, após o episódio bulímico, distensão abdominal
seguida de dor, náusea e mal-estar;
•
Diarréia, constipação intestinal ou desidratação, pelo uso abusivo de
laxantes e diurético;
•
Taquicardia, irritabilidade ou sonolência, sudorese, devido ao uso de
anorexígenos, hormônios tireoidianos, diuréticos, etc.;
•
Dor ou “queimação” no estômago em decorrência dos vômitos ou
lesões esofagianas específicas causadas pela acidez do conteúdo
vomitado;
•
Fadiga, após as ações purgativas ou atividades físicas intensas (em
média 4 a 5 horas por dia).
3.4.2.1
Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR
De acordo com o DSM-IV-TR (APA, 2002), existem cinco critérios de
avaliação diagnóstica para a Bulimia Nervosa:
A – Crises bulímicas recorrentes. Uma crise bulímica é caracterizada por
ambos os seguintes aspectos:
46
(1) Ingestão, em um período limitado de tempo (p. ex., dentro de um
período de 2 horas) de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que a
maioria das pessoas consumiria durante um período similar e sob circunstâncias
similares.
(2) Um sentimento de falta de controle sobre o comportamento
alimentar durante o episódio (p. ex., um sentimento de incapacidade de parar de
comer ou de controlar o tipo e a quantidade de alimento).
B – Comportamento compensatório inadequado e recorrente, com o fim de
prevenir o aumento de peso, como indução de vômito, uso indevido de laxantes,
diuréticos, enemas ou outros medicamentos, jejuns ou exercícios excessivos.
C – A crise bulímica e os comportamentos compensatórios inadequados
ocorrem, em media, pelo menos duas vezes por semana, por 3 meses.
D – A auto-imagem é indevidamente influenciada pela forma e pelo peso do
corpo.
E – O distúrbio não ocorre exclusivamente durante episódios de Anorexia
Nervosa.
Especificar tipo:
Tipo Purgativo: durante o episódio atual de Bulimia Nervosa, o
indivíduo envolveu-se regularmente na indução de vômitos ou no uso indevido de
laxantes, diuréticos ou enemas.
Tipo Não-Purgativo: durante o episódio atual de Bulimia Nervosa, o
indivíduo usou outros comportamentos compensatórios inadequados, tais como
jejuns ou exercícios excessivos, mas não se envolveu regularmente na indução de
vômitos ou no uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas.
3.4.2.2
Formas de Tratamento
A busca por um tratamento especializado normalmente ocorre entre dois e
cinco anos depois da instalação do quadro clínico. Isso acontece devido a vergonha
que os pacientes sentem e por sua crença ilusória de que possuem conhecimento e
métodos suficientes e eficazes para controlarem sozinhos a situação (SILVA, 2005).
47
a) Tratamento Farmacológico
Os antidepressivos são os fármacos mais estudados e utilizados na prática
clínica relacionada à BN.
“A farmacoterapia da BN visa à redução e/ou remissão dos episódios de
compulsão alimentar periódica, dos comportamentos compensatórios para
controle do peso corporal, como vômitos auto-induzidos, e ao tratamento dos
sintomas co-mórbidos (depressão, impulsividade)” (APPOLINARIO et al., 2006, p.
160).
•
Antidepressivos
Segundo Sapoznik et al. (2005a) e Appolinario et al. (2006), a fluoxetina,
dentre todos os antidepressivos, tem sido a droga de primeira escolha, pois até
então ela é o único medicamento aprovado pelo Food and Drug Administration
(FDA), com o uso preconizado na dose de 60 mg/dia. Os efeitos colaterais mais
comuns notados com o uso desse medicamento são tremores, insônia e náusea,
com intensidade leve. A fluoxetina reduz os sintomas de ansiedade e depressão,
além de tratar os sintomas típicos da doença, como compulsão alimentar,
purgações, preocupações com peso e forma corporal. Nos casos de intolerância aos
efeitos colaterais da fluoxetina, utilizam-se a sertralina e a fluvoxamina como boas
alternativas ao tratamento preconizado com a fluoxetina.
•
Anticonvulsivantes
O topiramato aumenta a atividade do ácido gama-aminobutírico (GABA),
antagoniza os receptores do glutamato (AMPA e Kainato) e inibe a anidrase
carbônica, devido a esse contingente de ações ele é considerado um agente
neuroterapêutico de larga escala, sendo aprovado como terapia adjuntiva no
tratamento da eplepsia parcial em adultos e na profilaxia da enxaqueca. O
topiramato tem propiciado uma melhora nos sintomas relacionados à preocupação
com o peso, ao desejo de comer compulsivamente e de provocar purgações, devido
a esses fatores ele tem se destacado como potencial agente terapêutico no
tratamento da BN. Além dos aspectos positivos já citados, aparentemente, essa
48
substância também reduz o desejo excessivo de consumir carboidratos, eleva a
saciedade e estabiliza o humor (APPOLINARIO et al., 2006). Complementando o
relato de Appolinario et al. (2006), Silva (2005) cita que o topiramato também auxilia
na redução significativa do desejo de comer compulsivamente, preocupação com o
peso corpóreo, necessidade de efetuar purgações, fissura por doces, massas e
refrigerantes. Seus efeitos também incluem o aumento da saciedade e uma melhora
na estabilização do humor.
•
Outros Agentes
O ondansetron tem sido considerado como uma nova opção no tratamento de
BN, pois ele é inibidor periférico dos receptores de serotonina do tipo 5-HT3, sendo
então utilizado no tratamento de náusea induzida por antineoplásicos. Estudos
mostram a redução de 50% dos episódios de compulsão alimentar periódica e
aumento de 33% das refeições sem o uso de métodos compensatórios, sem
maiores efeitos sobre outros sintomas da BN (FARIS et al., 2003 apud
APPOLINARIO et al., 2006).
•
Orientações Gerais para Uso de Medicamentos em Pacientes com BN
O uso de medicamentos no tratamento da BN deve estar sempre associado a
outras abordagens psicológicas. Os medicamentos que se mostraram mais eficazes
na redução de episódios de compulsão alimentar periódica e nos sintomas
purgativos, são os antidepressivos. Entre estes, os inibidores seletivos de
recaptação de serotonina são os mais seguros. Dentre eles, a fluoxetina é o
medicamento de primeira escolha, como já dito anteriormente, em doses de 60 a 80
mg/dia (APPOLINARIO et al., 2006).
b) Tratamento Hospitalar
Na BN a internação hospitalar não costuma ser necessária, já que o seu nível
de gravidade e letalidade é bastante reduzido quando comparado à AN (SILVA,
49
2005). Porém, quando acontece a internação hospitalar no caso da BN, está
relacionada com a presença de complicações médico-psiquiátricas. O abuso de
substâncias, o risco de suicídios e a gravidade de determinados comportamentos
relacionados aos Transtornos de Personalidade podem vir a exigir uma intervenção
hospitalar. Assim como graves perturbações no comportamento alimentar também
podem indicar uma necessidade de hospitalização para que se possam interromper
os episódios de compulsão alimentar periódica do paciente, porém essa internação
não garante que esses episódios continuem cessados após a alta do paciente. No
entanto, na maior parte dos casos o tratamento da BN ocorre em meio extrahospitalar através de abordagens psicoterápicas, aconselhamento nutricional e uso
de psicofármacos (NUNES e ÁVILA, 2006), sendo que este último já foi visto
anteriormente. Complementando esta informação, Sapoznik et al. (2005b) sugere
que a internação hospitalar no caso da BN pode ocorrer em decorrência de
indicações clínicas, secundárias aos sintomas purgativos persistentes, convulsões e
distúrbios hidroeletrolíticos (desidratação), sendo que este último também é uma
característica da AN.
Nunes e Ávila (2006) citam algumas condições estabelecidas pelo Guia
Prático Para o Tratamento dos TA, elaborado pela APA (2000), que devem ser
consideradas caso haja necessidade de hospitalização para pacientes com BN:
•
Pacientes com graves problemas clínicos concomitantes;
•
Pacientes com problemas psiquiátricos que necessitem de internação
psiquiátrica,
independentemente
do
diagnóstico
de
transtorno
alimentar;
•
Pacientes com sintomas graves e incapacitantes (por exemplo,
episódios de compulsão alimentar periódica ou episódios purgativos
tão intensos ou freqüentes que perturbem de forma significativa as
atividades ocupacionais cotidianas e não-remissão de abuso de
laxantes);
•
Pacientes que não tenham respondido adequadamente às estratégias
iniciais de tratamento ambulatorial.
O modelo de tratamento hospitalar de pacientes portadores da patologia em
questão se baseiam nos modelos de hospital-dia. O caso tem a necessidade de ser
acompanhado por uma equipe multiprofissional, assim como no caso da AN. Os
episódios de compulsão alimentar periódica e os métodos compensatórios merecem
50
uma atenção especial. Para tanto, o hospital deve ter uma adaptação adequada
para que permita a padronização da ingestão alimentar do paciente através de uma
dieta balanceada, facilitando o controle dos comportamentos inadequados
associados ao transtorno (NUNES e ÁVILA, 2006).
De acordo com as autoras citadas acima, o tratamento normalmente se inicia
através de uma orientação comportamental aonde o paciente vai recebendo mais
privilégios de acordo com a sua adesão às normas progressivas da internação. Nos
casos mais graves é necessária a supervisão direta em todas as atividades,
inclusive quando se trata do uso do banheiro.
Ainda sob o mesmo ponto de vista, na fase de transição do tratamento
hospitalar para o ambulatorial, gradualmente o paciente vai recebendo maior
autonomia e responsabilidade, ocorrendo dessa forma uma diminuição da
supervisão diante do seu comportamento. Diante disso, o paciente começa a se
responsabilizar por sua própria alimentação. Essa forma de transição de tratamento
permite ao paciente ter um contato gradual e progressivo com os agentes
estressores responsáveis pelo desencadeamento dos episódios de compulsão
alimentar periódica e seus conseqüentes métodos compensatórios, sendo possível
treinar em seu ambiente de origem as novas habilidades aprendidas durante a
internação.
“Para garantir a manutenção dos ganhos obtidos durante a internação, faz-se
necessária, contudo, a reestruturação do sistema de crenças do paciente, que, ao
final da internação, deve ter adquirido uma noção de alimentação adequada. O
paciente também deve ter uma visão crítica dos fatores que contribuíram para o
desenvolvimento e a manutenção do transtorno alimentar e deve estar treinado
em técnicas de autocontrole. Procedimentos para aumento da auto-estima e
melhoria de habilidades sociais devem ter sido implementados. O envolvimento da
família no tratamento é essencial para que esta torne o meio facilitador da
manutenção dos ganhos obtidos” (NUNES e ÁVILA, 2006, p. 191).
c) Tratamento Nutricional
O tratamento nutricional, segundo Nunes e Ávila (2006), tem como objetivo
interromper o ciclo composto por episódios de compulsão alimentar periódica e seus
conseqüentes comportamentos compensatórios inadequados, além de tratar de
suas co-morbidades.
51
Durante o início do tratamento, este visa estabilizar o peso e normalizar o
comportamento alimentar. Após as refeições o paciente é obrigado a permanecer na
sala de estar ou na presença de outra pessoa, por um período de uma hora e não
lhe é permitido beliscar ou comer alimentos entre uma refeição e outra. Depois da
estabilização de um comportamento alimentar considerado normal, inicia-se a
segunda fase do tratamento, onde as refeições continuam sendo supervisionadas e
a permanência na sala de estar por uma hora após as refeições ainda é exigida. Na
última parte do tratamento ocorre uma fase de adaptação ao mundo exterior e
reorganização. Caso os episódios de compulsão alimentar periódica voltem a se
repetir, deverá ser aplicado um programa excepcional relacionado à fase de
tratamento em que o paciente se encontra (NUNES e ÁVILA, 2006).
Diante do relato das autoras citadas acima, pode-se estabelecer uma
correlação entre as etapas do tratamento da AN e da BN, pois assim como na AN, o
tratamento da BN se inicia após a realização de uma anamnese alimentar, onde é
possível obter informações sobre a ingestão atual, os episódios de compulsão
alimentar periódica, freqüência dos comportamentos compensatórios e restrição
alimentar. A partir daí, se realiza a avaliação antropométrica (avaliação da gordura
corporal através das dobras cutâneas) do paciente para se identificar o seu estado
nutricional atual. Depois dessa avaliação é determinado um plano dietoterápico para
o paciente, este plano é composto de seis a oito refeições diárias servidas em
bandejas individuais. Após o termino de cada refeição, as bandejas são recolhidas e,
então, é feito o registro dos alimentos que foram ingeridos, assim como na AN.
A pesagem do paciente é feita uma vez por semana, antes do seu desjejum.
Depois de receber alta, o paciente se orienta por uma conduta nutricional para a
perda de peso, caso seja necessário, com a cessação dos comportamentos
bulímicos. É necessário que ocorra a restauração do peso normal e a estabilização
do comportamento alimentar para que se encontre uma solução para os conflitos e
problemas relacionados à manutenção do TA (NUNES e ÁVILA, 2006).
52
d) Tratamento Psicoterápico
No tratamento psicoterápico é essencial incluir uma abordagem que seja
capaz de flexibilizar e reconceituar os valores e interesses nesses pacientes. Assim
como na AN, deve ser abordado questões relacionadas à auto-estima, à relação
com a imagem corporal e com o sistema de crenças disfuncionais. Um dos principais
objetivos desse tratamento é o controle de episódios de compulsão alimentar e a
indução de vômitos, para que isso seja possível o terapeuta deve disponibilizar
informações ao paciente sobre a ocorrência de tais episódios, suas complicações
clínicas e psicológicas, assim como sua pequena eficiência na redução do peso
corporal. Também é de suma importância ressaltar que as dietas restritivas
aumentam a possibilidade de ocorrência de episódios de compulsão alimentar e
estes, por sua vez, aumentam o medo de ganhar peso (SILVA, 2005; STEFANO et
al., 2005).
A autora ainda cita que assim como na AN, técnicas de prevenção de recaída
devem ser utilizadas, onde paciente e terapeuta planejam formas para lidar com as
possíveis dificuldades futuras.
De acordo com Sapoznik et al. (2005b), o atendimento psicoterápico pode se
desenvolver de forma individual, familiar ou grupal, dependendo das particularidades
de cada caso.
3.4.2.3 Curso e Prognóstico da Doença
Segundo Silva (2005) e Sapoznik et al. (2005a), a uniformização dos dados
na BN se mostra bastante complexa, uma vez que os fatores metodológicos dos
estudos e pesquisas avaliam que curso e prognóstico nos pacientes bulímicos se
diferenciam em critérios diagnósticos, intervalos de tempo das avaliações e conceito
de recuperação, o qual por diversas vezes torna-se vago e inconsistente. Tendo por
base essas limitações, pode-se levar em conta os estudos de Herzog et al. (1999) e
os de Keel e Mitchell (1997). No primeiro considera-se um intervalo de seguimento
entre 5 e 11,5 anos, e seus dados indicam que 73,8% dos pacientes avaliados
53
apresentaram recuperação total ao longo dos anos. No segundo estudo, mostraramse índices de recuperação na faixa de 69,9% de recuperação após 11,5 anos de
acompanhamento.
A mesma autora ainda salienta que na prática clínica aproximadamente 60%
dos pacientes apresentam remissão total do quadro em algum momento nos
primeiros dois anos de tratamento. No entanto, esse percentual tende a declinar com
o passar dos anos e então é possível encontrar uma significativa relação entre o
retorno dos sintomas bulímicos de maneira acentuada e o abandono do
acompanhamento médico e psicoterápico. Outros dados sugerem que 25% dos
pacientes ainda sofrem de BN após dez anos de acompanhamento, o que aponta
para um alto índice de cronificação da doença.
Diferentemente do que foi citado acima, Freitas et al. (2006) relatam que
ainda não há resultados de estudos desta patologia que permitam a chegada de
conclusões sobre o prognóstico da mesma. Pouquíssimos fatores se replicaram nos
estudos, a lista de variáveis não se associaram ao desfecho e ultrapassa aquelas
que se relacionaram. Portanto, os estudos realizados até o momento não
conseguiram encontrar resultados significativos, assim como as variáveis que
relacionaram-se ao desfecho desfavorável associam-se às perdas de seguimento.
No entanto, aspectos obtidos em alguns estudos associados a um desfecho
favorável determinam menor tempo de doença e menor idade de início do
transtorno. Os aspectos que contribuem para o desfecho desfavorável contam com
maior gravidade da sintomatologia relacionada ao TA, maior duração dos sintomas,
transtorno de personalidade, impulsividade, co-morbidade psiquiátrica e baixa autoestima.
Assim como na AN, na BN também pode ocorrer uma migração para outros
TA, em especial para o TCAP. Essa migração tem de ser avaliada cuidadosamente,
pois pode ser temporária e refletir a própria BN como remissão parcial de seus
sintomas. O impacto de um tratamento adequado por determinado tempo aponta
para um bom prognóstico dessa patologia. Essa conduta revela uma significativa
melhora nos seus sintomas. É possível também observar, que os pacientes que são
precocemente tratados apresentam maiores probabilidades de alcançarem a plena
recuperação quando comparados com aqueles que começaram o tratamento
tardiamente (SILVA, 2005).
54
Segundo Sapoznik et al. (2005a), a BN assim com a AN apresenta fatores
prognósticos favoráveis e desfavoráveis. Os favoráveis incluem início menos tardio
da BN, curta duração da doença e papel conclusivo na dinâmica famíliar, os
aspectos desfavoráveis por sua vez incluem aspectos como baixo peso, episódios
de compulsão alimentar, restrição alimentar, depressão, tentativas de suicídio,
abuso de drogas, ansiedade, Transtorno de Ansiedade Bordeline, baixa auto-estima,
auto-avaliação negativa na infância, comportamento impulsivo, perfeccionismo,
alcoolismo, papel inconclusivo na dinâmica familiar e relacionamento instável com
parceiro.
3.4.3 Transtornos Alimentares Sem Outra Especificação (TASOE)
De acordo com Claudino e Borges (2005), os transtornos atípicos de AN e BN
têm recebido maior reconhecimento, não apenas por manifestarem-se com
freqüência igual à AN e BN, mas por, também, representarem fonte substancial de
morbidade. Apesar de serem manifestações mais leves e/ou incompletas da AN ou
BN, possuem risco de evoluírem para as mesmas em até 50% dos casos. No
entanto, as características clínicas desses transtornos atípicos não se acham bem
estabelecidos em decorrência da falta de estudos descritivos onde a psicopatologia
tenha sido bem explorada.
3.4.3.1 Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR
Segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002), essa última categoria, Transtornos de
Alimentação Sem Outra Especificação serve para classificar os transtornos da
alimentação que não satisfazem os critérios para qualquer Transtorno da
Alimentação específico. Exemplo:
1 – Mulheres para as quais são satisfeitos todos os critérios para Anorexia
Nervosa, exceto pelo fato de que as menstruações são regulares.
55
2 – São satisfeitos todos os critérios para Anorexia Nervosa, exceto que,
apesar de uma perda de peso significativa, o peso atual está na faixa normal.
3 – São satisfeitos todos os critérios para Bulimia Nervosa, exceto que a
compulsão alimentar e os mecanismos compensatórios inadequados ocorrem
menos de duas vezes por semana ou por menos de 3 meses.
4 – Uso regular de um comportamento compensatório inadequado por um
indivíduo de peso corporal normal, após consumir pequenas quantidades de
alimento (p. ex., vômito induzido após o consumo de dois biscoitos).
5 – Mastigar e cuspir repetidamente, sem engolir, grande quantidades de
alimentos.
6 – Transtorno de compulsão periódica: crises bulímicas recorrentes na
ausência do uso regular de comportamentos compensatórios inadequados,
característicos da Bulimia Nervosa.
Frente a dificuldade de se encontrar material específico sobre os quadros
incompletos da AN e da BN que caracterizam, também, os TASOE, foi definido
discutir mais amplamente somente sobre o TCAP, o qual é um transtorno que vem
ganhando mais atenção com o passar dos anos e tem se tornado mais comum nos
dias de hoje.
3.4.3.2 Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP)
Até o momento, o TCAP tem sido o diagnóstico mais pesquisado entre os
TASOE. Por sua vez, o TCAP é descrito como episódios recorrentes de compulsão
alimentar na ausência de uso regular de comportamentos compensatórios
inadequados característicos da BN (CLAUDINO e BORGES, 2005).
O TCAP pode ser distinguido da BN em alguns pontos, tais como, os
portadores de TCAP normalmente apresentam índice de massa corporal (IMC)
superior aos portadores de BN (GELIEBTER, 2002 apud AZEVEDO et al., 2004).
Além disso, a história natural da BN geralmente revela a ocorrência de dietas e
perda de peso, enquanto que os comportamentos prévios do TCAP são mais
variáveis (STRIEGEL, 2001 apud AZEVEDO et al., 2004). Assim, pacientes com BN
56
mostram maiores níveis de restrição alimentar quando comparados aos portadores
de TCAP (GRILO, 2000 apud AZEVEDO et al., 2004).
O TCAP é caracterizado por episódios bulímicos do tipo binge eating (NUNES
et al., 1998), ou seja, pela ingestão compulsiva de grandes quantidades de alimento,
devido à sensação de perda de controle sobre o que se está ingerindo, em no
mínimo duas vezes por semana, feito isso durante seis meses. Caso a compulsão
alimentícia não ocorra dentro desse espectro, ela não pode ser considerada como
um TA.
Uma segunda opinião relata que o TCAP pode caracterizar-se pela ocorrência
de episódios de total descontrole alimentar, onde se pode constatar uma ingestão
pesada e desenfreada de alimentos, tendo em decorrência desse comportamento
uma “ressaca moral” dominada por grandes doses de auto-reprovação e inundada
de sentimentos de culpa de primeira grandeza (SILVA, 2005).
A ingestão descontrolada de uma grande quantidade de alimentos não visa
apenas saciar uma fome exagerada, mas também está relacionada a uma série de
estados emocionais ou situações estressantes. Esses episódios geralmente são
secretos e rápidos, e somente acabam com a chegada súbita de outra pessoa
(interrupção externa), mal-estar físico ou por esgotarem-se os alimentos. Em
conseqüência dessa ingestão excessiva de alimentos, o indivíduo sente-se
angustiado devido à ausência de comportamentos regulares voltados para a
eliminação do excesso alimentar.
Os pacientes chegam ao empanturramento por experimentarem um
verdadeiro descontrole e, mais raramente, segundo Galvão et al. (2006a), até franca
despersonalização ou desrealização, lembrando um fenômeno dissociativo (como se
não agissem por conta própria). De maneira geral, tudo ocorre de forma rápida, de
modo que os pacientes engolem os alimentos sem ao menos saboreá-los.
Galvão et al. (2006a) cita que atualmente concebe-se que um episódio de
compulsão alimentar envolve uma ingestão alimentar excessiva para aquele
momento ou circunstância, levando-se em conta quando e como se deu a última
refeição que antecedeu a compulsão alimentar.
O episódio de compulsão alimentar não é encontrado apenas em pessoas
obesas, mas também é considerada como uma das principais características da BN,
o que ocorre é que no caso do TCAP não existem comportamentos compensatórios.
De acordo com Stefano et al. (2002), alguns indivíduos até chegam a fazer uso de
57
métodos purgativos, contudo não costumam fazê-lo com muita freqüência e
regularidade. Alguns estudos brasileiros, segundo Silva (2005), indicam que 15%
dos obesos apresentam este tipo de transtorno.
Indivíduos com diagnóstico de TCAP diferenciam-se dos indivíduos obesos
sem compulsão alimentar e de indivíduos com BN devido à gravidade de sintomas
psicopatológicos, os quais associam-se à quantidade e qualidade da comida
ingerida em dias normais e em dias de compulsão alimentar (GALVÃO et al.,
2006a).
“Devlin e cols. abordaram o estado atual da nosologia do TCAP resumindo
exaustivamente as evidências que pudessem apoiar ou refutar quatro formas de
conteituá-lo. No primeiro modelo conceitual, o TCAP é considerado um subtipo
distinto de transtorno alimentar; no segundo, um subtipo da BN; no terceiro, é visto
como subtipo comportamental de obesidade; e, no último modelo hipotético, o
TCAP é considerado uma condição clínica que ocorre quando dois transtornos
primários coexistem (a obesidade e a depressão, ou a obesidade e a
impulsividade)”. (DEVLIN e cols. apud APPOLINARIO, 2004, p. 2).
Os principais traços de personalidade encontrados em indivíduos com TCAP
são: baixa auto-estima, perfeccionismo, impulsividade e pensamentos dicotômicos
(BORGES et al., 2007).
A compulsão alimentar pode ocorrer em um transtorno depressivo maior, com
características atípicas. Além disso, a presença de comportamento alimentar bizarro,
como a ingestão de alimentos não nutritivos, pode ocorrer, também, em pacientes
esquizofrênicos e deficientes mentais (NUNES et al., 1998).
3.4.3.2.1 Critérios Diagnósticos do DSM-IV-TR
De acordo com o Apêndice-B do DSM-IV-TR, os critérios estabelecidos para o
diagnóstico do TCAP são:
A – Episódios recorrentes de comer compulsivo. Um episódio de comer
compulsivo é caracterizado pelos dois critérios a seguir:
1) Ingestão, em um período limitado de tempo (por exemplo, dentro de
um período de duas horas), de uma quantidade de alimentos nitidamente maior do
58
que a maioria das pessoas consumiria em um período similar, sob circunstancias
similares;
2) Um sentimento de falta de controle sobre o consumo alimentar
durante o episódio (por exemplo, uma sensação de não conseguir parar de comer
ou controlar o que ou o quanto está comendo).
B – Os episódios de comer compulsivo estão associados com três (ou mais)
dos seguintes critérios:
1) Comer muito mais rapidamente que o normal;
2) Comer até sentir-se incomodamente repleto;
3) Ingerir grandes quantidades de alimentos quando sem fome;
4) Comer sozinho, em virtude do embaraço causado pela quantidade
de alimentos que o indivíduo ingere;
5) Sentimento de repulsa por si próprio, depressão ou demasiada culpa
após comer em excesso.
C – Acentuada angústia relacionada ao ato de comer compulsivamente;
D – O comer compulsivo ocorre, em média, pelo menos dois dias por semana,
durante seis meses.
Observação: O método de determinação da freqüência difere daquele usado
para a BN; as futuras pesquisas devem dirigir-se à decisão quanto ao método
preferencial para o estabelecimento de um limiar de freqüência, isto é, contar o
numero de dias nos quais ocorre o comer compulsivo ou contar o numero de
episódios de comer compulsivo.
E – O ato de comer compulsivamente não está associado com o uso habitual
de comportamentos compensatórios inadequados (por exemplo, purgação, jejuns,
exercícios excessivos), nem ocorre exclusivamente durante o curso da AN ou BN.
59
3.4.3.2.2 Formas de Tratamento
a) Tratamento Farmacológico
Para a escolha de um agente farmacológico para o tratamento do TCAP
existem três pontos que devem ser levados em consideração, seriam eles, o
comportamento alimentar alterado, ou seja, os episódios de compulsão alimentar
periódico, a psicopatologia freqüentemente associada (depressão, impulsividade) e
o peso corporal. As classes de medicamentos mais estudadas no momento para o
tratamento do TCAP incluem os antidepressivos, os agentes antiobesidade e os
anticonvulsivantes (FREITAS et al., 2005; APPOLINARIO; MCELROY, 2004 apud
APPOLINARIO et al., 2006).
•
Antidepressivos
De acordo com Sapoznik et al. (2005b) e Appolinario et al. (2006), devido a
semelhança entre os sintomas da BN e do TCAP e a eficácia do uso de
antidepressivos no tratamento da primeira, reforça-se a idéia da possível utilidade
desses agentes no tratamento do TCAP. Os inibidores seletivos de recaptação de
serotonina são os agentes antidepressivos mais pesquisados nos pacientes
portadores da patologia em questão. Esses agentes reduzem a freqüência de
episódios de compulsão alimentar periódica, porém não ocorre perda de peso
significativa, do ponto de vista clinico.
A venlafaxina, outro agente antidepressivo, mostra-se semelhante ao agente
antiobesidade sibutramina, tendo como mecanismo de ação o bloqueio da
recaptação da serotonina e da noradrenalina (APPOLINARIO et al, 2006).
•
Agentes Antiobesidade
A compulsão alimentar correlaciona-se a alterações da regulação do
comportamento alimentar devido ao aumento do apetite e redução da saciedade;
com relativa freqüência o TCAP é associado ao sobrepeso, obesidade e depressão;
60
os agentes antiobesidade, normalmente, diminuem o apetite, aumentam a saciedade
e induzem a perda de peso, assim como também podem reduzir os sintomas
depressivos (FREITAS et al., 2005; APPOLINARIO; MCELROY, 2004 apud
APPOLINARIO et al., 2006).
A sibutramina age como inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina,
e induz a perda de peso em conseqüência do aumento da saciedade e da
prevenção da diminuição do gasto energético que ocorre em decorrência da perda
de peso. Sua eficácia frente à indução inicial de perda de peso com subseqüente
manutenção a longo prazo encontra-se bem estabelecida (APPOLINARIO et al,
2006).
•
Anticonvulsivantes
Segundo o relato de Freitas et al. (2005) e Appolinario et al. (2006), existem
alguns fatores que sugerem a eficácia dos anticonvulsivantes no tratamento do
TCAP, dentre elas vale destacar a associação entre o TCAP e o Transtorno Bipolar.
Além disso, o topiramato, como já citado anteriormente, auxilia na redução dos
episódios de compulsão alimentar periódica e do peso corporal.
Nos pacientes que fazem uso da zonisamida observa-se a redução
significativa dos episódios de compulsão alimentar periódica, da fome, da gravidade
global da doença e do peso corporal. Tanto o topiramato quanto a zonisamida
apresentam uma boa tolerância, particularmente se o seu uso inicia-se em baixas
doses e sofrem um aumento gradual relacionado à resposta terapêutica e os efeitos
adversos (APPOLINARIO et al., 2006).
•
Orientações Gerais para Uso de Medicamentos em Pacientes com
TCAP
Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina eram considerados os
agentes de primeira escolha no tratamento do TCAP, mas diante de estudos
negativos realizados com os mesmos foi necessário questionar a sua indicação para
o tratamento dos pacientes obesos com compulsão alimentar periódica. Em
decorrência deste fato, o topiramato é indicado como uma boa opção terapêutica e
potencialmente mais indicado para pacientes com transtorno bipolar ou labilidade de
61
humor. Uma outra opção indicada para pacientes que não correspondem aos
agentes citados anteriormente e que não apresentam co-morbidades psiquiátricas
importantes, é a sibutramina, na dose de 15 mg/dia. Porém, esta droga, mesmo
sendo considerada relativamente segura, pode provocar alterações na pressão
arterial e na freqüência cardíaca (APPOLINARIO et al., 2006).
b) Tratamento Psicoterápico
No tratamento do TCAP buscam-se a modificação nos hábitos alimentares, o
início da atividade física e a redução de peso em caso de obesidade associada.
Para a mudança nos hábitos alimentares, deve-se abordar a auto-estima, dando
uma atenção especial aos sentimentos de vergonha e de inferioridade, que
normalmente acompanham os pacientes com esse tipo de transtorno. O paciente
também deve modificar suas crenças relacionadas ao seu peso, mantendo
expectativas realistas com relação à meta de peso e formato corporal (SILVA, 2005).
A mesma autora cita que o paciente precisa diminuir a sua exposição às
condições que facilitam a alimentação inadequada. De início, o paciente deve
escolher uma atividade física que lhe seja reforçadora de alguma maneira e que
tenha um tipo de programa razoavelmente flexível. No tratamento deste paciente,
também devem ser utilizadas técnicas para prevenção de recaídas.
De acordo com Passos et al. (2005), estudos indicam que pacientes com
TCAP apresentam uma maior propensão a responder a seus sentimentos e a
situações de caráter emocionais com alimentos. Esses pacientes consideram como
condições antecedentes aos atos de compulsão alimentar sentimentos de solidão,
tédio, ansiedade, raiva e estresse. Eles apresentam também baixa auto-estima,
auto-imagem negativa, excessiva autocrítica e propensão a comportamentos
impulsivos. Quando comparados a pessoas obesas, apresentam maiores índices de
insatisfação corporal e pior imagem do mesmo, assim como distanciam mais o peso
desejado do peso real, como conseqüência, apresentam maiores dificuldades em
construir expectativas realistas sobre os tratamentos.
62
3.4.3.2.3 Curso e Prognóstico da Doença
De acordo com o relato de Freitas et al (2006), o fato de o TCAP ser
considerado recentemente como uma nova entidade nosológica, pouco se sabe
sobre o seu curso natural. Em estudos realizados por Fairburn e colaboradores no
ano de 2000, relata-se que, após cinco anos de seguimento, apenas 18% das
pacientes participantes realmente apresentavam alguma forma clínica de TA,
entretanto 39% eram obesas, quando comparadas a 21% do início da pesquisa. No
final da mesma, obteve-se o resultado que grande maioria dessas mulheres
diagnosticadas com TCAP se recuperaram (PASSOS et al, 2005; FREITAS et al,
2006).
“Gravidade e prognóstico em TCAP demonstram maior relação com o
comportamento alimentar e não com o peso corpóreo em si. Freqüências mais
elevadas de compulsões ligam-se a maiores índices de psicopatologias
associadas e maior comprometimento de aspectos psicológicos, acarretando
piores prognósticos. A gravidade de aspectos psiquiátricos e psicológicos
associados estabelece ciclos cada vez mais intensos de compulsões: sentimentos
de auto-reprovação e menos valia podem levar a compulsões, que, por sua vez,
fortalecem esses sentimentos, ocasionando novas compulsões” (PASSOS et al.,
2005, p. 68).
Alguns estudos apontam a psicoterapia como intervenção do TCAP mostram
reduções de cerca de 90% na freqüência dos episódios de compulsão alimentar, e
cerca de 80% de remissão dos mesmos em curto prazo, porém a manutenção
desses resultados em longo prazo tem sido menor (PASSOS et al., 2005).
A seguir, serão apresentados dois quadros. O primeiro (Quadro 2) tem por
finalidade proporcionar uma melhor compreensão das correlações de dados,
apresentando quais os subtipos de cada patologia associada aos TA, seus
comportamentos característicos, seus respectivos tipos de tratamento e o
prognóstico da doença. O próximo quadro (Quadro 3) tem a finalidade de descrever
quais as principais características das 3 patologias principais (AN, BN e TCAP),
estabelecendo então suas diferenças básicas.
63
Quadro 1: Principais Aspectos Etiológicos
Subtipos
Comportamentos
AN
BN
TASOE
AN restritiva e AN
Bulímica
Greve de fome sem fins
ideológicos
BN purgativa e BN não
purgativa
Episódios de compulsão
alimentar seguidos de
comportamentos
compensatórios.
Antidepressivos
(fluoxetina, sertralina e
fluvoxamina),
Anticonvulsivantes
(topiramato) e outros
agentes (ondasetron)
Quadros atípicos da
AN e BN; e TCAP
Episódios
de
compulsão
alimentar
característicos
Tratamento
farmacológico
Orientação
nutricional
Tratamento
Antidepressivos
(inibidores seletivos de
recaptação
da
serotonina,
fluoxetina,
citalopram e sertralina),
Antipsicóticos
(risperidona
e
olanzapina), Orexígenos
(ciproeptadina) e outros
agentes
(naltrexona,
tetraidrocanabinol
e
clonidina)
Reposição e manutenção Normalizar
o
do peso e reeducação comportamento alimentar
alimentar
e estabilizar o peso
Individual e familiar
Individual,
grupal
psicoterápico
Prognóstico
Imprevisibilidade
prognóstico
individualizado
familiar
ou
Antidepressivos
(inibidores seletivos
de recaptação da
serotonina,
venlafaxina),
Antiobesidade
(sibutramina)
e
Anticonvulsivantes
(topiramato
e
zonisamida)
-
Individual ou grupal
de
Vago e inconsistente
Vago
64
Quadro 2: Diferenças Básicas entre os Tipos de Transtornos Alimentares
AN
Predominância
excessiva
em
mulheres
Restrição
alimentar
severa
Costumam purgar por
auto-indução
Abusam de diuréticos,
laxantes
e/ou
atividades físicas
Diferenças
Grave perda de peso
básicas
Predomina
em
adolescentes,
principalmente dos 12
aos 16 anos
Grande distorção de
imagem corporal
Ausência
de
menstruação
(amenorréia)
Normalmente
introvertidas
Julgam
seu
comportamento
alimentar
como
“normal” e defendem
suas atitudes como
corretas
BN
Predominância
mulheres
TCAP
em
Predominância
mulheres
em
Episódios
de
compulsão alimentar
periódica
Provocam
purgação
após
compulsão
alimentar
Abusam de diuréticos,
laxantes,
anorexígenos,
hormônios tireoidianos,
etc
Peso normal ou acima
do peso
Predomina em adultos
jovens, na faixa etária
dos 18 aos 23 anos
Episódios
de
compulsão alimentar
periódica
Não fazem uso de
métodos
compensatórios
Não
praticam
atividades físicas
Distorção de imagem
corporal
menos
acentuada que na AN
Menstruação irregular
Não
apresentam
distorção da imagem
corporal
Menstruação normal
Normalmente
extrovertidas
Apresentam
culpa
acentuada por seu
comportamento
alimentar
Alternam introversão e
extroversão
Apresentam
muita
culpa
por
seu
comportamento
alimentar
Grande maioria são
pessoas obesas
Predomina em adultos,
na faixa etária de 30 a
35 anos
3.5 CO-MORBIDADES
O termo co-morbidade implica a ocorrência simultânea de dois ou mais
transtornos mentais, ou de quadro psiquiátrico associado à condição médica. O fato
de o paciente estar sofrendo de um transtorno mental aumenta consideravelmente a
sua vulnerabilidade a outro tipo de transtorno. Os pacientes com TA que possuem
algum tipo de co-morbidade clínica ou psiquiátrica demonstram algumas alterações,
em decorrência disso, na evolução do quadro clínico de base, na eficácia do
tratamento prescrito e nos custos sociais da doença (AMIGO, 2005).
65
Estudos realizados até o momento mostram que os portadores de AN, BN e
TCAP apresentam com freqüência outros transtornos psiquiátricos associados tais
como Transtorno de Humor, de Ansiedade, do Controle de Impulsos, de Abuso de
Substâncias e de Personalidade (FONTENELLE et al., 2003; O’BRIEN; VINCENT,
2003; DAWE; LOXTON, 2004; KAYE et al., 2004; HUDSON; HUDSON; POPE,
2005; apud NASCIMENTO et al., 2006).
A presença de outros transtornos psiquiátricos pode influenciar o curso do TA,
camuflar a presença de um TA subjacente, influenciar a procura de assistência e,
também, causar um impacto no planejamento do tratamento (GRILO, 2002, apud
NASCIMENTO et al., 2006).
Segundo Silva (2005), é de fundamental importância a identificação
diagnóstica dessas co-morbidades para que possam ser estabelecidos as
possibilidades terapêuticas desses pacientes, determinando o local onde os
tratamentos poderão ser realizados e de suas respectivas avaliações posteriores.
Existem quatro transtornos psiquiátricos classificados como sendo mais
comuns entre os portadores de TA. São eles: Transtornos de Ansiedade, Transtorno
de Humor, Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtorno da Personalidade.
A seguir será feito um breve relato sobre cada um deles.
Além
dessas
patologias
citadas,
enquadram-se
nas
co-morbidades
complicações clínicas graves como Diabetes Melito e Osteoporose, as quais
também serão abordadas neste capítulo.
3.5.1 Transtorno de Ansiedade
Os Transtornos de Ansiedade mais comumente encontrados nos quadros de
TA são Transtorno de Ansiedade Generalizada, Fobia Específica e Transtorno
Obsessivo-Compulsivo, os mesmos serão descritos a seguir.
De acordo com o DSM-IV-TR (APA, 2002), a Fobia Social caracteriza-se
principalmente por um medo acentuado e persistente de situações sociais ou de
desempenho nas quais o paciente poderia sentir-se envergonhado. A exposição a
este tipo de situação provoca uma resposta imediata de ansiedade, a qual pode
assumir a forma de um Ataque de Pânico ligado à situação ou predisposto pela
66
mesma. Em decorrência disso, a situação social passa a ser evitada, porém, em
algumas ocasiões, ela é suportada com pavor.
Seguindo o mesmo ponto de vista, o Transtorno de Ansiedade Generalizada
caracteriza-se por demasiada ansiedade ou preocupação, ocorrendo todos os dias
durante um período de no mínimo seis meses, acerca de diversos eventos ou
atividades. Essa ansiedade e preocupação excessivas são relacionadas com pelo
menos três sintomas adicionais, como inquietação, dificuldade de concentração,
irritabilidade, perturbação do sono e tensão muscular. No caso da AN a ansiedade e
preocupação excessivas se encontram diante do medo mórbido de engordar. Os
pacientes que sofrem de Transtorno de Ansiedade Generalizada relatam sofrimento
subjetivo devido à constante preocupação, pois apresentam dificuldades em
estabelecer um controle sob a mesma, ou apresentam prejuízo no funcionamento
social ou ocupacional, ou até mesmo em outras áreas importantes.
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo, segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002)
caracteriza-se por obsessões ou compulsões recorrentes suficientemente graves a
ponto de consumirem tempo, normalmente mais de uma hora por dia; ou causarem
sofrimento acentuado ou prejuízo significativo. Por obsessão se entende idéias,
pensamentos, impulsos ou imagens persistentes, as quais são vivenciadas como
intrusivas e inadequadas e causam acentuada ansiedade ou sofrimento. O indivíduo
com essas obsessões, geralmente, tenta ignorar ou suprimir essas idéias ou
impulsos; ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação. A compulsão é
caracterizada por comportamentos repetitivos ou atos mentais cujo objetivo é
prevenir ou reduzir a ansiedade e sofrimento, ao invés de oferecer prazer ou
gratificação.
Tanto na AN de tipo restritivo quanto na de tipo bulímico, os transtornos de
ansiedade mais comuns são a Fobia Social, o Transtorno de Ansiedade
Generalizada e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, com prevalência variando entre
31 e 55%; 24 e 49%, e 21 e 62%, respectivamente (HALMI, 2003; GODART et al.,
2000; GODART et al., 2003, apud NASCIMENTO et al., 2006; AMIGO, 2005). Já nos
tipos de bulimia purgativa e não-purgativa, os Transtornos de Ansiedade que
apresentam maior freqüência são a Fobia Social e o Transtorno de Ansiedade
Generalizada, com prevalências que variam entre 30 e 59%, e 23 e 55%,
respectivamente (GODART et al., 2000, 2003; HALMI, 2003, apud NASCIMENTO et
al., 2006). O TCAP também está relacionado com maior freqüência aos Transtornos
67
de Ansiedade com prevalência de pelo menos um tipo de Transtorno de Ansiedade
em cerca de 44% dos pacientes (FONTENELLE et al., 2003, apud NASCIMENTO et
al., 2006).
Em estudos realizados por Godart et al. (2000), observou-se que a freqüência
de episódios de compulsão alimentar e comportamentos purgativos em pacientes
bulímicos estão diretamente ligados à intensidade da sintomatologia ansiosa
(NASCIMENTO et al., 2006).
Obsessões relacionadas à forma corporal, ao peso e à comida são os
aspectos psicopatológicos importantes dos TA (Nascimento et al., 2006), e os
portadores destes transtornos podem desenvolver compulsões, como rituais
elaborados para comer, contagem de calorias, assim como realizar exercícios
compulsivos.
“Estudos atuais, utilizando amostras clínicas, encontraram taxas de comorbidade
entre Transtorno Obsessivo-Compulsivo e AN variando entre 9,5 e 35% e entre
Transtorno Obsessivo-Compulsivo e BN variando entre 18,5 e 40% (LAESSLE et
al., 1989; KAYE et al., 2004). Em pacientes com diagnósticos duplos (AN e BN), a
freqüência do Transtorno Obsessivo-Compulsivo pode chegar a 44% (KAYE,
2004). A freqüência, deste transtorno, em pacientes obesos portadores de TCAP
não difere da apresentada por pacientes obesos sem TCAP (FONTENELLE et al.,
2003 apud NASCIMENTO et al., 2006, p. 85)”.
Segundo Milos et al (2002) apud Silva (2005), o Transtorno ObsessivoCompulsivo pode estar presente de forma associada em cerca de 29% dos casos de
AN, principalmente naqueles que apresentam o subtipo restritivo. No entanto,
estudos realizados por Gorgati & Amigo (2005), revelam o Transtorno ObsessivoCompulsivo se associa a pacientes com AN em uma incidência que varia entre 10 a
13%.
Em estudos realizados por Godart et al. (2000) e por Halmi (2003), relata-se
que o Transtorno Obsessivo-Compulsivo antecede os Transtornos Alimentares em
uma média de 65 a 88% dos casos. Entretanto, em um estudo realizado por
Fontenelle, Cordás e Sassi (2002) encontra-se uma pequena diferença de dados,
onde se relata que até 42% dos portadores deste também podem apresentar TA
(NASCIMENTO et al., 2006).
68
3.5.2 Transtornos de Humor
Quando se refere aos Transtornos de Humor pode-se notar uma maior
incidência nos quadros de TA do Transtorno de Depressão Maior e do Transtorno
Bipolar do tipo I.
Os Transtornos de Humor, segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002), são aqueles
caracterizados principalmente por possuir algum tipo de perturbação no humor.
Esses
transtornos
são
divididos
em
Transtornos
Depressivos
(Transtorno
Depressivo Maior, Transtorno Distímico e Transtorno Depressivo Sem Outra
Especificação), Transtornos Bipolares (Transtorno Bipolar I, Transtorno Bipolar II,
Transtorno Ciclotímico e Transtorno Bipolar Sem Outra Especificação), Transtorno
de Humor Devido a uma Condição Médica Geral e Transtorno de Humor Induzido
por Substância.
O Transtorno Depressivo Maior é caracterizado pelo DSM-IV-TR (APA, 2002)
por um ou mais episódios depressivos maiores, ou seja, são, no mínimo, 2 semanas
de humor deprimido ou perda de interesse, acompanhados por, pelo menos, 4
sintomas adicionais de depressão, tais como, alterações no apetite ou peso, sono e
atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa;
dificuldades para pensar, concentrar-se ou tomar decisões; ou pensamentos
recorrentes sobre morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio.
O Transtorno Bipolar do tipo I, de acordo com o DSM-IV-TR (APA, 2002),
caracteriza-se por um ou mais episódios maníacos ou mistos, normalmente
acompanhado de episódios depressivos maiores, e o Transtorno Bipolar do tipo II é
caracterizado por um ou mais episódios depressivos maiores, seguidos por pelo
menos um episódio hipomaníaco.
Os sintomas depressivos são mais freqüentes nos indivíduos portadores de
TA, e sua prevalência pode chegar a 98% na AN (RASTAM; GILLBERT, 1995 apud
NASCIMENTO et al., 2006). O diagnóstico clínico de depressão maior é
significativamente mais freqüente nas pessoas com TA do que na população em
geral, sua prevalência é de 50 a 68% na AN e de 38 a 63% na BN (BRAUN;
SUNDAY;
HALMI,
1994;
HERZOG;
NUSSBAUM;
MARMOR,
1996
apud
NASCIMENTO et al., 2006). A prevalência de qualquer Transtorno de Humor nos
indivíduos com TCAP, varia entre 32 e 34,3%, também sendo mais freqüente que na
69
população geral (FONTENELLE et al., 2003 apud NASCIMENTO et al., 2006). A
depressão maior é indicada como o Transtorno de Humor mais freqüente entre os
pacientes portadores de TA. Já o Transtorno Bipolar do Humor, é mais ligado a BN,
com prevalência entre 2 e 12% (HALMI, 2003 apud NASCIMENTO et al., 2006). De
acordo com Sapoznik et al. (2005a), a depressão aparece em até 83% dos casos de
BN, e em contrapartida com a informação dada por Halmi apud Nascimento et al.
(2006), o Transtorno Bipolar do Humor pode atingir de 5 a 12% dos pacientes com
BN.
Existem hipóteses que tentam de alguma forma explicar a relação dos
Transtornos de Humor com os TA. Uma delas é de que maior parte dos sintomas de
humor poderiam ser explicados pela desnutrição e pelo padrão alimentar caótico
adotado pelo paciente com TA. Uma segunda evidência trata da relação direta da
sintomatologia depressiva com a presença ou não do TA em atividade, observandose uma menor co-ocorrência de sintomas depressivos em pacientes em remissão do
que em pacientes com TA ativo, independente do subtipo do mesmo (TROOP;
SERPELL; TREASURE, 2001, apud NASCIMENTO et al., 2006).
Existe também, uma outra hipótese que procura explicar a associação entre
sintomas depressivos e TA, esta acredita que ambos seriam parte de uma mesma
síndrome. Para corroborar essa ultima hipótese, os Transtornos de Humor deveriam
ser precedentes do TA e permanecer após a remissão do mesmo. A literatura tornase conflitante neste ponto, pois existem autores a favor da hipótese de que os TA
seriam uma variante dos Transtornos de Humor e, no entanto, parte de uma mesma
síndrome (TROOP; SERPELL; TREASURE, 2001, apud NASCIMENTO et al., 2006).
Alguns autores defendem a hipótese de que os Transtornos de Humor
poderiam ser considerados como fatores de risco para o desenvolvimento da BN,
portanto, é considerado que o principal fator determinante do desenvolvimento de
TA é, possivelmente, a presença de sintomas alimentares (NASCIMENTO et al.,
2006).
70
3.5.3 Transtornos Relacionados a Substâncias
Dentre os Transtornos Relacionados a Substâncias, o de maior ocorrência
nos quadros do TA é o Transtorno por Abuso de Substância.
De acordo com o DSM-IV-TR (APA, 2002), esse tipo de transtorno engloba
desde transtornos relacionados ao consumo de uma droga de abuso, até os efeitos
colaterais de um medicamento e a exposição a toxinas. As substâncias tóxicas
capazes de causar esse tipo de transtorno incluem metais pesados, raticidas
contendo estricnina, pesticidas contendo nicotina, inibidores de acetilcolinesterase,
gases nervosos, etileno glicol (anticongelante), monóxico e dióxido de carbono.
Substâncias voláteis são classificadas como inalantes, quando usadas com intenção
de intoxicação, e são classificadas como toxinas, se a exposição é acidental ou faz
parte de envenenamento intencional. Os sintomas mais comuns associados com
substâncias tóxicas são prejuízos na cognição ou no humor, porém, ansiedade,
alucinações, delírios ou convulsões também podem vir a ocorrer. Esse tipo de
transtorno subdivide-se em dois grupos, os Transtornos por Uso de Substâncias
(Dependência de Substância e Abuso de Substância), e os Transtornos Induzidos
por Substâncias.
Segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002), o Abuso de Substâncias caracteriza-se
principalmente por um padrão mal adaptativo de uso de substâncias, manifestado
por conseqüências adversas recorrentes e significativas ligadas ao repetido uso da
substância. A Dependência de Álcool pode ser indicada por evidências de tolerância
ou sintomas de abstinência, principalmente quando associada a algum histórico de
abstinência, a dependência fisiológica é indicativa de uma evolução clínica mais
grave. Portanto o Abuso de Álcool pode ser menos grave do que a Dependência, e
apenas é diagnosticado quando se estabelece a ausência desta.
O Abuso de Substâncias é consideravelmente mais freqüente em pacientes
que apresentam episódios de compulsão alimentar (BRAUN; SUNDAY; HALMI,
1994; CORCOS et al., 2001 apud NASCIMENTO et al., 2006). Em um estudo
realizado por Corcos e Colaboradores (2001), com mulheres portadoras de TA,
obteve prevalências de abuso de qualquer tipo de substância psicoativa de 4,5% na
AN de tipo restritivo, de 18,2% na AN de tipo bulímico, de 24,4% na BN de tipo
purgativo e de 26,3% na BN de tipo não purgativo. No mesmo estudo demonstrou-se
71
também que o abuso e dependência de álcool e outras drogas psicoativas estão
associadas ao comportamento impulsivo. Ainda neste mesmo estudo relata-se que o
consumo de álcool tem uma freqüência maior em pacientes com BN e AN de tipo
bulímico, com prevalências de 12,4 e 10,9% respectivamente; derivados do
tetraidroxicanabinol (cannabis e derivados) e estimulantes também são utilizados
frequentemente por pacientes com TA (NASCIMENTO et al., 2006). Sapoznik et al.
(2005a) complementa esses dados relatando que pacientes portadores de BN
apresentam risco elevado de co-morbidade com Transtorno por Uso de Substâncias,
atingindo 30 a 37% dos casos, sendo que abuso de diuréticos, anorexígenos e
laxantes tem índice de 20 a 40% dos casos.
Silva (2005) apresenta taxas relevantes em pacientes bulímicos, atingindo
entre 30% e 37% dos casos, são os Transtornos por Uso de Substâncias em Geral,
como nicotina, cafeína, álcool, etc. Quando avalia-se o abuso de substâncias
específicas como diuréticos, laxantes e redutores de apetite (anorexígenos), os
índices podem variar entre 20% e 40% dos casos.
3.5.4 Transtornos de Personalidade
Os Transtornos de Personalidade que mais se mostra presente nos quadros
dos TA é o Transtorno de Personalidade de tipo Bordeline.
De acordo com o DSM-IV-TR (APA, 2002), os Transtornos de Personalidade
possuem como característica essencial um padrão persistente de vivência íntima e
comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas culturais do
indivíduo e manifesta-se em no mínimo duas das seguintes áreas: afetividade,
cognição, controle de impulsos ou funcionamento interpessoal. Este padrão
persistente não tem flexibilidade e abrange uma ampla faixa de situações pessoais e
sociais, além de provocar sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento
social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Esse
transtorno subdivide-se em onze tipos (Transtorno de Personalidade Paranóide,
Transtorno
de
Esquizotípica,
Personalidade
Transtorno
de
Esquizóide,
Personalidade
Transtorno
de
Anti-Social,
Personalidade
Transtorno
de
Personalidade Bordeline, Transtorno de Personalidade Histriônica, Transtorno de
72
Personalidade Narcisista, Transtorno de Personalidade Esquiva, Transtorno de
Personalidade Dependente, Transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva,
Transtorno de Personalidade Sem Outra Especificação).
A principal característica do Transtorno de Personalidade de tipo Bordeline,
segundo
o
DSM-IV-TR
(APA,
2002),
é
uma
grande
instabilidade
nos
relacionamentos interpessoais, da auto-imagem e dos afetos, assim como uma
acentuada impulsividade que se inicia no começo da idade adulta e se apresenta em
uma variedade de contextos. Esses indivíduos fazem grandes esforços no sentido
de evitar um abandono real ou imaginário, eles são muito sensíveis às
circunstâncias ambientais, pois experimentam intensos temores de abandono e raiva
inadequada, mesmo estando frente a uma separação real de tempo limitado ou
quando há mudanças inevitáveis em seus planos. Sendo assim, eles acreditam que
este tipo de “abandono” implica que eles são pessoas “más”.
Dados demonstram que 53 a 93% dos indivíduos portadores de algum tipo de
TA apresentam pelo menos um Transtorno de Personalidade, e que 37 a 56%
preenchem os critérios necessários para dois ou mais Transtornos de Personalidade
(AMIGO, 2005). Alguns estudos disponíveis relatam que a taxa de co-morbidade
entre os TA e Transtornos de Personalidade varia entre 27 e 94%, relata também
que o Transtorno da Personalidade de tipo Bordeline é o mais freqüente, estado
presente em 31% dos pacientes com BN e em 14% daqueles com AN (GRILO, 2002
apud NASCIMENTO et al., 2006).
3.5.5 Diabetes Mellitus
Segundo Gross et al. (2002), Diabetes Mellitus (DM) engloba um grupo de
doenças metabólicas que se caracterizam pela hiperglicemia, decorrente de defeitos
na secreção da insulina e/ou em sua ação. A hiperglicemia manifesta-se através de
sintomas como poliúra, perda de peso (como no caso da AN), hiperfagia, polidipsia e
visão turva ou por complicações agudas que podem levar o paciente a correr risco
de vida, como a cetoacidose diabética e a síndrome hiperosmolar hiperglicêmica não
cetótica, esta última é uma complicação aguda clássica do DM tipo II. A
73
hiperglicemia crônica associa-se ao dano, disfunção e falência de órgãos,
principalmente os olhos, os rins, os nervos, o coração e os vasos sangüíneos.
Ainda sob o mesmo ponto de vista, relata-se que as alterações da tolerância à
glicose relacionam-se a um aumento do risco de doença cardiovascular e de
desenvolvimento futuro de diabetes. Alguns estudos recentes demonstram que
existe a possibilidade de diminuir de forma significativa a incidência de novos casos
através de medidas de intervenção, tais como realização de exercícios físicos e
redução de peso (no caso de pacientes obesos, onde normalmente há incidência de
TCAP).
De acordo com Papelbaum (2007), há um enorme contingente de evidências
que sugerem que existe um aumento de psicopatologia em pacientes diagnosticados
com DM, dentre eles a Depressão e os TA são os transtornos psiquiátricos que mais
chamam a atenção de clínicos e pesquisadores. Alguns estudos evidenciam um
aumento na ocorrência de BN e de TA subclínicos em mulheres portadoras de DM
do tipo I quando comparadas com indivíduos sem esse tipo de DM. Outros estudos
apontam um aumento nos episódios de compulsão alimentar entre adolescentes
com DM do tipo I, incluindo uma taxa de 11% de omissão das doses de insulina
para, então, evitar o aumento de peso. Quando relacionado aos portadores de DM
do tipo II, estudos encontram taxas elevadas de ocorrência do TCAP. Diante dessa
afirmação, Andrade et al (2004) relata que os TA são particularmente comuns em
mulheres com DM do tipo I, onde mais de um terço delas desenvolve essa patologia.
Portanto, estas devem ser vistas com um rigor maior, devido ao aumento de
complicações microvasculares e metabólicas.
3.5.6 Osteoporose
A osteoporose é definida como uma doença que se caracteriza por baixa
massa óssea e deterioração da microarquitetura do osso, aumentando a fragilidade
óssea e, em conseqüência, elevando o risco de fraturas. Entretanto, apesar da
importância da massa óssea, a National Health Institutes, define a osteoporose
como uma doença caracterizada por uma resistência óssea comprometida e elevado
risco de fratura (COSTA-PAIVA et al., 2003).
74
De acordo com Oliveira et al. (2003), o desenvolvimento de padrões
alimentares anormais acarreta na disfunção menstrual e, em conseqüência, à
osteoporose, sendo, então, necessário o controle dos sintomas dessas alterações. A
osteoporose, por sua vez, é mais identificada nos casos de pacientes que praticam
algum tipo de atividade física, sendo então, considerados como atletas.
A seguir será apresentado um quadro a fim de sistematizar as principais comorbidades de cada patologia, possibilitando dessa forma um melhor entendimento
sobre o assunto.
Quadro 3: Co-morbidades Associadas aos Transtornos Alimentares
Co-morbidade
AN
BN
TCAP
Transtorno de Ansiedade
(Fobia Social 31 a 55%;
Transtorno de Ansiedade
Generalizada 24 a 49%;
Transtorno
ObsessivoCompulsivo 21 a 62%),
Transtorno
de
Humor
(Depressão 50 a 68%),
Transtorno de Abuso de
Substancias (Substancias
psicoativas 4,5 a 18,2%;
Consumo
de
álcool
10,9%) e Transtorno de
Personalidade (Bordeline
14%)
Transtorno de Ansiedade
(Fobia Social 30 a 58%;
Transtorno de Ansiedade
Generalizada 23 a 55%),
Transtorno
de
Humor
(Depressão 38 a 63%;
Transtorno Bipolar 2 a
12%),
Transtorno
de
Abuso de Substancias
(Substâncias psicoativas
24,4 a 26,3%; Consumo
de álcool 12,4%; Abuso de
diuréticos,
laxantes
e
anorexígenos 20 a 40%) e
Transtorno
de
Personalidade (Bordeline
31%)
Transtorno
de
Ansiedade 44% e
Transtorno
de
Humor 32 a 34,3%
75
4 CONCLUSÃO
Este estudo buscou na literatura científica vigente os principais tipos de TA.
De forma mais específica investigou sua etiologia, as formas de tratamento, o curso
e o prognóstico da doença, as co-morbidades e complicações clínicas associadas.
Desta forma, pode-se inferir que seus objetivos foram alcançados, uma vez que a
sistematização dos dados apresentou material suficiente para desenvolver as
conclusões descritas a seguir.
Observa-se que nos últimos anos alguns comportamentos associados à
alimentação e à imagem corporal têm sido divulgados demasiadamente por meios
de comunicação, fenômeno este que por sua vez tem sido constatado
principalmente na cultura ocidental.
Os jornais, as novelas, as revistas, os documentários, os programas de
entrevista ou os de caráter informativo, em geral, vem carregado de informações
distorcidas que vendem a imagem do corpo magro associado ao ideal, ao poder e
ao sucesso. São meios de comunicação que direcionam a sua abordagem para um
público jovem, no qual os TA costumam apresentar suas primeiras manifestações.
Desta forma, reafirma-se que nas sociedades ocidentais, o preconceito
relacionado à obesidade é muito forte e este culto à magreza se associa diretamente
à imagem de poder, beleza e mobilidade social, gerando um quadro contraditório
quando relacionado à mídia da indústria de alimentos, pois esta por sua vez, vende
gordura, com apelo aos alimentos hipercalóricos.
Os TA mais relevantes no momento são a Anorexia Nervosa, a Bulimia
Nervosa e o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica. Esta relevância se deve
ao aumento significativo do número de casos constatados ultimamente, se pode
pensar em usar o termo “epidemia do culto ao corpo”, principalmente quando
referidos à AN e à BN.
É de suma importância destacar que os TA são patologias que precisam ser
diagnosticadas e tratadas o mais precocemente possível, em decorrência do fato
que sua incidência tomou grandes proporções e sua gravidade tem feito muitas
vítimas. No entanto, não se pode deixar de ver o aspecto sociocultural destas
patologias, uma vez que a formação da auto-imagem corpórea e dos hábitos
alimentares de cada pessoa são fortemente influenciados pela maneira como os
76
membros de uma sociedade pensam e agem em relação ao que seja ter um corpo e
uma alimentação saudáveis.
Os fatores etiológicos não podem ser divididos por patologia, pois acredita-se
que eles são basicamente os mesmos para todos os tipos de TA. Com base em todo
o material pesquisado até então, pode-se pensar em dizer que os fatores
socioculturais são de grande influencia no desenvolvimento dos TA. Pois, como
pode-se observar no caso da AN a mídia muitas vezes fica responsável por divulgar
corpos de atrizes e modelos magérrimas, que acabam se tornando um tipo de
modelo padrão, mulheres que são magras, mas nem sempre saudáveis, que
atingem o sucesso. A partir daí, alguns jovens passam a querer o mesmo para elas,
achando que a magreza extrema vai levá-las conseqüentemente ao sucesso, logo
essas jovens podem deixar de se alimentar de maneira saudável, tornando-se
pessoas doentes e acabam por desenvolver, na grande maioria quando associada a
outros fatores etiológicos, uma doença grave com alto índice de mortalidade,
chamada Anorexia Nervosa.
Na BN, pode-se constatar um pensamento dicotômico, no qual as jovens
ficam divididas entre esses padrões “não-saudáveis” de beleza e as “apetitosas”
propagandas de alimentos hipercalóricos. Dessa forma, elas se deixam levar pelos
alimentos gordurosos, porém desenvolvem um grande sentimento de culpa que as
fazem recorrer aos métodos compensatórios (vômito, uso de laxantes, exercícios
físicos excessivos, etc.), fazendo com que isso se torne um ciclo vicioso, no qual
elas não passam vontade, ingerindo os alimentos que a mídia vende, mas tentam
evitar o ganho de peso, fazendo o uso dos métodos compensatórios. Este ciclo
vicioso normalmente mantém o peso corpóreo estável, tendo uma pequena variação
de peso, dessa forma essa patologia se torna mais sigilosa, e a sua descoberta
normalmente se dá devido ao sofrimento pessoal do indivíduo.
O TCAP não engloba os corpos delgados que a mídia vende como modelo
para ser uma pessoa bem-sucedida, mas pode-se dizer que ele “compra” os
alimentos hipercalóricos que a mídia “vende”. Pessoas com essa patologia perdem
total e absoluto controle diante dos alimentos, e estes por sua vez não são alimentos
considerados saudáveis, e sim alimentos extremamente gordurosos e calóricos, os
quais levam o indivíduo a um considerável aumento de peso.
Apesar da produção científica disponível sobre o tema não se diferenciar
muito uma das outras, observa-se uma grande mobilização nas equipes de saúde no
77
sentido de criar estratégias de tratamento para esse transtorno, desenvolvendo um
trabalho multidisciplinar a fim de estabelecer um ambiente mais apropriado para
esses pacientes.
É de suma importância que esse tratamento multidisciplinar seja fortalecido,
relevando o início do tratamento, quando o paciente se encontra em uma fase muito
propensa a recaídas e conseqüentes desistências. Em decorrência dessas
prováveis desistências, principalmente nos casos de pacientes com AN, sugere-se o
tratamento em ambiente hospitalar, onde é possível obter um maior controle sob a
evolução do quadro clínico desses pacientes.
No tratamento de pessoas portadoras de TA é necessário também
acompanhamento da família no seu dia-a-dia, pois acredita-se que a presença desta
pode auxiliar na criação de um ambiente terapêutico mais seguro e familiar,
melhorando conseqüentemente a aceitação do paciente diante do tratamento, além
do fato desta poder acompanhar de perto a evolução do paciente e compreender
melhor quais são as suas reais necessidades e dificuldades.
Os psicofármacos têm sido coadjuvantes fundamentais no tratamento desses
transtornos, principalmente quando se encontram associados com algumas comorbidades, como Transtorno de Personalidade, Transtorno de Humor, Transtorno
Relacionado a Substâncias, etc., mas eles apenas se apresentam de forma eficaz
quando associado a outras formas de tratamento, como o nutricional e o
psicoterápico. Aliás, nenhuma dessas formas de tratamento mostra bons resultados
quando realizadas sozinhas, aqui eles necessitam estar interligados, é de suma
importância que haja o tratamento de forma multiprofissional, como dito
anteriormente, para que o paciente possa ter um melhor benefício.
No tratamento farmacológico, os medicamentos mais utilizados nas três
entidades nosológicas são a fluoxetina e os inibidores seletivos de recaptação de
serotonina, sendo então possível observar o grande uso dos antidepressivos no
tratamento dos TA devido ao grande sofrimento apresentado por pessoas que
sofrem dessa patologia.
No tratamento psicológico também pode-se notar uma grande igualdade entre
os métodos utilizados, o individual tem o maior nível de aceitação, porém a terapia
em grupo é bastante indicada especialmente nos casos de BN e TCAP, para que os
indivíduos possam estar compartilhando o seu sofrimento e, conseqüentemente,
ajudando uns aos outros.
78
Pelo fato de o TCAP ser considerado como uma entidade nosológica recente,
há
pouco
material
publicado
sobre
ele,
dificultando
seu
conhecimento.
Diferentemente da AN e da BN, não se achou muito material científico publicado
sobre o tratamento de ordem nutricional do TCAP, contudo, acredita-se que este tipo
de tratamento tem como objetivo normalizar o comportamento alimentar, cessando
com os episódios de compulsão alimentar, assim como na BN, além de reduzir o
peso corporal do paciente, pois estes normalmente se encontram acima de um peso
considerado normal e saudável, sendo então classificados como obesos. Em relação
ao tratamento hospitalar, também não há muito material publicado, considerando-se
que este tipo de tratamento somente se torna necessário caso o transtorno se
associe com alguma complicação clínica de suas respectivas co-morbidades.
Sobre as diferenças básicas observadas entre as patologias dos TA, pode-se
observar que este é um transtorno que ocorre principalmente nas mulheres,
acometendo várias faixas etárias. Na AN podemos notar que ela se desenvolve
principalmente entre os 12 e 16 anos, idade que caracteriza o período de
adolescência em que ocorrem algumas mudanças corporais, as quais acarretam o
aumento de gordura corporal, principalmente no corpo das meninas que passa a ser
um corpo mais curvilíneo. A BN acomete pessoas com idade entre 18 e 23 anos,
quando se inicia a fase adulta, e o TCAP, por sua vez, predomina em mulheres
adultas com idade entre 30 e 35 anos.
Pode-se observar que na AN há ausência de menstruação, pois o estado de
desnutrição em que mulheres se encontram, geram alterações hormonais que
geram sérias conseqüências, dentre elas a ausência do período menstrual e a
infertilidade. Na BN este período sofre algumas alterações, como atrasos, porém
nada muito grave; no TCAP a mulher permanece com o ciclo menstrual normalizado.
Características fisicamente visíveis são: a excessiva magreza, pele
amarelada e seca, cabelos finos e quebradiços e, até mesmo, queda dos cabelos e
pêlos do corpo na AN. Entre AN do tipo bulímico, e BN é possível estabelecer uma
correlação nas características, pois em ambas os pacientes apresentam erosão do
esmalte dentário e “calosidades” no dorso das mãos, devido à purgação. Na BN
podemos também observar nos indivíduos um rosto mais arredondado por conta do
aumento das glândulas parótidas, decorrente da purgação excessiva. Nos indivíduos
com TCAP notamos um grave nível de obesidade, pois estes têm o costume de
apresentar um nível mais alto de gordura corporal que os obesos comuns.
79
Vale a pena salientar que qualquer uma das três entidades nosológicas
apenas
pode
ser
considerada
como
transtorno
se
os
comportamentos
característicos de cada patologia, seja ela AN, BN ou TCAP, persistirem por mais de
6 meses, se repetindo no mínimo duas vezes por semana.
A única entidade nosológica do TA que possui um prognóstico bem definido é
a AN, em relação a BN existem algumas informações contraditórias e quanto ao
TCAP não há muito material publicado (como já foi dito anteriormente), pois os seus
estudos ainda estão em fase de desenvolvimento.
Pacientes com AN possuem fatores prognósticos favoráveis e desfavoráveis
que surgem no decorrer do tratamento auxiliando ou dificultando a evolução do
mesmo. Como exemplo de aspecto favorável é possível citar aquelas pessoas que
tem mais facilidade em lidar com os problemas e com certas situações, pessoas que
de certa forma são mais flexíveis, como aspecto desfavorável, podemos dar como
exemplo pessoas que apresentam rigidez diante dos seus próprios problemas, ou
seja, aquele tipo de pessoa que não aceita opiniões alheias, estas normalmente são
perfeccionistas, dominadoras e controladoras.
A AN é uma doença que tem um curso prolongado, pois devido às
características pessoais que os pacientes apresentam existem diversos fatores que
influenciam na manutenção e até mesmo perpetuação da doença, aumentando
consideravelmente o risco de recaídas. É valido ressaltar que a AN é considerada
uma doença com alto índice de mortalidade em decorrência da rigidez apresentada
diante do tratamento.
Sobre a BN não é possível ter uma conclusão bem definida sobre o seu
prognóstico, pois alguns autores citaram a remissão total dos sintomas enquanto
outros relatam que os estudos ainda não foram finalizados. Em pacientes bulímicos
também existem aspectos favoráveis e desfavoráveis. Um exemplo de aspecto
favorável é o início tardio da doença, visto que este acomete principalmente pessoas
com idade entre 18 e 23 anos. Como aspecto desfavorável podemos citar pessoas
ansiosas, que fazem uso de drogas lícitas e ilícitas, entre outros.
O pouco material encontrado sobre o prognóstico do TCAP, relata uma alta
incidência de recuperação, bem como relacionam a gravidade dessa patologia com
as co-morbidades envolvidas.
80
É possível notar que o tratamento precoce de todas as entidades nosológicas
do TA aumentam as probabilidades de se alcançarem uma plena recuperação,
favorecendo um bom prognóstico.
Em relação às co-morbidades, pode-se analisar o fato que pelo TCAP ser
considerado um novo campo de estudo pouco se sabe sobre o mesmo, sendo
divulgadas apenas informações generalistas. Na AN e na BN podem-se observar
dados mais detalhados sobre a porcentagem de cada subtipo de transtorno
psicológico que acomete a população, sendo possível estabelecer uma correlação
entre ambos. É possível observar que tanto a Fobia Social quanto o Transtorno de
Ansiedade Generalizada acometem grande parte da população com AN e BN, assim
como a Depressão, o Abuso de Substâncias Psicoativas, Abuso de Álcool e o
Transtorno de Personalidade Bordeline.
Existem estudos que relatam uma taxa que varia entre 27 e 94% de
ocorrência dos Transtornos de Personalidade em pessoas com TA. Os sintomas
depressivos, característicos dos Transtornos de Humor, acometem 98% dos
pacientes com AN. Outro transtorno com grande incidência é o Transtorno
Obsessivo-Compulsivo que acomete entre 65 a 88% dos casos.
Considera-se necessário uma exploração um pouco mais fundamentada das
informações que certas fontes publicam, pois esta distorce alguns dados e deixa
tantos outros de maneira superficial, generalizando de certa forma os conceitos,
principalmente da BN e da AN. E relevando o aspecto que essas informações
abrangem em sua maioria um público jovem, o qual passa a crer que desenvolvendo
os sintomas desses transtornos (privação alimentar, purgação, atividade física
excessiva, etc.), é a maneira mais fácil de se atingir seus objetivos préestabelecidos. Em contrapartida existe uma necessidade urgente de publicação de
informações corretas, divulgando as características principais da doença, quais os
seus aspectos negativos e suas conseqüências à saúde da pessoa, uma vez que
este transtorno é uma doença silenciosa que tem acometido diferenciadas classes
sociais.
Podemos deixar como sugestão o desenvolvimento de pesquisas qualitativas
que tenham como objetivo principal a descoberta do processo de migração de uma
patologia para outra, ou seja, em que ponto e quais os reais motivos que levam os
pacientes com AN passarem a desenvolver BN e pacientes com BN passarem para
TCAP.
81
Outra sugestão importante é uma pesquisa, também qualitativa, relacionando
a Diabetes Mellitus com os episódios de compulsão alimentar periódica.
Sugere-se
também
uma
pesquisa
bibliográfica
que
sistematiza
um
levantamento do TCAP, visto que este é considerado como uma nova patologia
ainda encontrando-se no apêndice-b do DSM-IV-TR.
82
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GLOSSÁRIO
Alimentação parenteral. Consiste em alimentar por via venosa pessoas que
tenham o trato digestivo incapacitado de receber qualquer tipo de nutrição.
Alterações eletrocardiográficas. Depressão na onda T e elevação da onda U.
Anidrase carbônica. Enzima eritrocitária que contém zinco, com peso molecular de
30 kD. Está entre as enzimas mais ativas conhecidas, e catalisa a hidratação
reversível do dióxido de carbono, que é significante no transporte de CO2 dos
tecidos para os pulmões. A enzima é inibida pela acetazolamida.
Antineoplásicos. Que destrói neoplasmas ou células malignas; que evita ou inibe o
crescimento e a disseminação de tumores.
Bradicardia. Lentidão excessiva na ação do coração, normalmente com uma
freqüência cardíaca abaixo de 60 batimentos por minuto.
Cetoacidose diabética. Disfunção metabólica grave causada pela deficiência
relativa ou absoluta da insulina, associada ou não a uma maior atividade dos
hormônios contra-reguladores (cortisol, catecolaminas, glucagon, hormônio do
crescimento).
Hipopotassemia. Concentração anormalmente baixa de potássio no sangue; ela
pode resultar de perda excessiva de potássio pela via renal ou gastrintestinal, de
ingestão diminuída ou de desvios transcelulares. Ela pode ser manifestada
clinicamente por distúrbios neuromusculares variando de fraqueza à paralisida, por
alterações eletrocardiográficas, por doença renal e por distúrbios gastrintestinais.
Leptina. Proteína reguladora que informa ao cérebro o possível excesso de gordura
do corpo, a fim de que sejam liberadas substancias que facilitem o emagrecimento.
90
Parótidas. A maior das glândulas salivares. Situada atrás do ramo ascendente do
maxilar inferior, ligeiramente abaixo do conduto auditivo externo. Prolonga-se em
profundidade na direção do músculo masseter.
Pica. Caracteriza-se por consumo persistente de substâncias não nutritivas. A
substância típica tende a variar com a idade. Bebês e crianças mais jovens
tipicamente comem reboco, tinta, cabelos cordões e tecidos. Crianças mais velhas
podem comer fezes de animais, insetos, areia, folhas ou pedregulhos. Adolescentes
e adultos podem consumir argila ou terra. Não existe aversão à comida.
Polidpsia. Sede constante, exagerada, levando à ingestão sucessiva de líquidos.
Poliúria. Eliminação de uma grande quantidade de urina com um aumento na
freqüência urinária, comumente visto em diabetes.
Ruminação. A característica essencial do Transtorno da Ruminação consiste na
repetida regurgitação e re-mastigação de alimentos, que se desenvolve em um bebê
ou criança após um período de funcionamento normal. O alimento parcialmente
digerido é regurgitado sem náusea, esforço para vomitar, repugnância ou transtorno
gastrointestinal aparentes. O alimento é, então, ejetado da boca, ou, mais
comumente, mastigado e engolido de novo.
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