os tipos psicológicos de pacientes dependentes de cocaína ou

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CENTRO DE REFERÊNCIA DE ÁLCOOL, TABACO E
OUTRAS DROGAS
ALINE DE FREITAS TALLARICO
OS TIPOS PSICOLÓGICOS DE PACIENTES
DEPENDENTES DE COCAÍNA OU CRACK
ATENDIDOS NO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ÁLCOOL
TABACO E OUTRAS DROGAS
São Paulo
2009
ALINE DE FREITAS TALLARICO
Monografia apresentada à
comissão do Aprimoramento
como conclusão do Programa de
Aprimoramento Profissional em
Dependência Química.
Orientador: Wagner Abril Souto
CENTRO DE REFERÊNCIA DE ÁLCOOL, TABACO E OUTRAS DROGAS
São Paulo
2009
2
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
2. COCAÍNA E CRACK .................................................................................................... 15
2.1 Dependência química de cocaína .................................................................................. 17
3. PSICOLOGIA ANALÍTICA ......................................................................................... 20
3.1. Conceitos teóricos ......................................................................................................... 20
4. PSICOLOGIA E DEPENDÊNCIA QUÍMICA ........................................................... 22
5. TIPOS PSICOLÓGICOS ................................................................................................ 26
5.1 As atitudes Introversão e Extroversão .............................................................................. 29
5.2 Pensamento e Sentimento (as funções racionais ou avaliativas) ..................................... 31
5.3 Sensação e Intuição (as funções irracionais ou perceptivas) ........................................... 32
5.4 Função Principal, Função Auxiliar e Função Inferior ....................................................... 33
6. JUSTIFICATIVA .............................................................................................................. 34
7. OBJETIVO ........................................................................................................................ 36
7. 1 Objetivos Específicos ....................................................................................................... 36
8. METODOLOGIA ............................................................................................................. 37
8.1 Sujeitos de pesquisa .......................................................................................................... 37
8. 2 Instrumentos ..................................................................................................................... 37
8. 3 Procedimentos e métodos .............................................................................................. 38
9.RESULTADOS ................................................................................................................... 40
9.1 Resultados QUATI ............................................................................................................ 42
9.2 Entrevistas específicas (semi-estruturadas) ...................................................................... 46
3
9.3 Devolutiva ....................................................................................................................... 47
10.DISCUSSÂO ..................................................................................................................... 48
11.CONCLUSÃO .................................................................................................................. 53
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 56
ANEXOS ................................................................................................................................ 60
4
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.Esquema das atitudes e das funções ....................................................................... 28
Figura 2. As funções apresentadas no modelo quaternário .................................................... 29
Figura 3. Atitudes observadas na amostra ............................................................................. 43
Figura 4. Funções principais observadas na amostra .............................................................. 44
Figura 5. Funções auxiliares observadas na amostra ............................................................. 44
Figura 6. Funções inferiores observadas na amostra (oposta a função principal) ................. 45
Figura 7. Tipos Psicológicos observados na amostra ............................................................. 45
5
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Faixa etária dos participantes da pesquisa ............................................................ 41
Tabela 2. Escolaridade dos participantes da pesquisa ........................................................... 41
Tabela 3. Moradia dos participantes da pesquisa................................................................... 41
Tabela 4. Situação empregatícia dos participantes da pesquisa ............................................. 41
6
Dedico este trabalho, primeiramente ao meu irmão
Jônatas (in memoriam), aos meus pais Maria Lúcia e
Décio e irmã Lenita, meus exemplos de
vida e amores sinceros.
7
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus e a minha família por proporcionarem minha
chegada até aqui.
Ao Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas – CRATOD por
possibilitar a realização deste trabalho.
Ao meu orientador Wagner Abril Souto, pelo apoio técnico e teórico e por me
tranqüilizar e ensinar durante todo o processo.
À Dra. Martha com sua visão crítica e sensata.
Às psicólogas Gabriela e Ivone que tanto me apoiaram e incentivaram.
Aos amigos e companheiros de jornada Karina, Juliana e Aline e especialmente
ao Gustavo pela amizade, companheirismo, incentivo, compreensão e boas
gargalhadas.
À minha irmã Lenita que me auxiliou com seus ensinamentos, atenção e
dedicação constantes. E por sempre ser, meu porto seguro.
À minha amiga Maria Rita pelo apoio técnico e companheirismo.
Ao Bruno pelo carinho e amor.
À todos os funcionários e amigos que auxiliaram de alguma maneira.
8
OS TIPOS PSICOLÓGICOS DE PACIENTES DEPENDENTES DE COCAÍNA
OU CRACK ATENDIDOS NO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ÁLCOOL TABACO
E OUTRAS DROGAS
Aline de Freitas Tallarico
Resumo
A partir da observação de pacientes dependentes de cocaína ou crack em tratamento
no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (CRATOD) foi possível verificar
algumas semelhanças nas atitudes e comportamentos. Para poder avaliar tais características
foi utilizado o Questionário de Avaliação Tipológica (QUATI) como instrumento de
investigação dos tipos psicológicos (perfil de personalidade e atitudes) baseado na psicologia
junguiana. Os participantes da pesquisa foram selecionados aleatoriamente durante as
atividades do regime intensivo e semi-intensivo. Foram submetidos ao QUATI dez sujeitos,
além disso, responderam a outro questionário especifico. Observou-se que três dos sujeitos
pesquisados foram caracterizados com o tipo psicológico introvertido, função principal
sensação, função auxiliar pensamento e função inferior intuição (I Ss Ps). Os dados
qualitativos mais relevantes foram que todos os sujeitos perceberam mudanças significativas
de comportamento após o início do consumo do uso de cocaína ou crack. Eles utilizam a
substância tanto em situações estressantes ou em dificuldades, quanto em situações alegres ou
satisfatórias. Deste modo, é possível concluir que o questionário é eficaz para a obtenção dos
tipos psicológicos, auxiliando na melhor compreensão do paciente e de suas características de
personalidade, podendo ser utilizado em instituições de saúde pública.
Palavras-chave: tipos psicológicos, QUATI, dependência química de cocaína ou
crack, abordagem junguiana.
9
“O objetivo de uma tipologia psicológica não consiste em classificar seres humanos
em categorias – isto, por si só, não teria nenhum sentido. Seu propósito é antes fornecer uma
psicologia crítica, que faria uma investigação e uma apresentação metódica do material
empírico possível. Trata-se, antes de tudo, de uma ferramenta crítica destinada ao
pesquisador, que necessita de pontos de vista e de orientações precisas, se deseja reduzir a
profusão caótica de experiências individuais a algum tipo de categoria. Em segundo lugar,
uma tipologia é de grande ajuda na compreensão das amplas variações que ocorrem entre os
indivíduos, bem como das fundamentais divergências entre as teorias psicológicas atuais. Por
último, mas não menos importante, esta psicologia é um recurso essencial para determinar a
“equação pessoal” do psicólogo praticante que, armado com um exato conhecimento das suas
funções diferenciada e inferior, pode evitar muitos erros graves ao tratar de seus pacientes.”
Carl Gustav Jung
10
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi idealizado a partir das experiências vivenciadas no
Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas – CRATOD. Esse centro é
uma instituição pública do SUS (Sistema Único de Saúde), vinculado a Secretaria de
Estado da Saúde, localizado no centro da capital de São Paulo e tem por característica
o atendimento ambulatorial, direcionado a pacientes com transtornos decorrentes do
uso abusivo ou dependência de substâncias psicoativas.
O tratamento oferecido no CRATOD tem como objetivo a re-inserção social,
reabilitação e recuperação dos pacientes, estes procuram espontaneamente ou a partir
de encaminhamentos realizados por albergues, hospitais, centros de convivência,
Fundação Casa, entre outros.
Os profissionais da unidade trabalham em equipe multiprofissional. Essa
modalidade de trabalho se caracteriza pela atuação conjunta e se configura pela troca
de informações referentes a cada área de formação entre os membros da equipe. Na
unidade citada, os profissionais existentes são: enfermeiro, médico psiquiatra,
odontologista, clínico geral, psicólogo, assistente social, auxiliar de enfermagem,
fisioterapeuta, nutricionista, educador físico e médico neurologista. Além disso,
contam com aprimorandos (através do Programa de Aprimoramento Profissional PAP) de três áreas de atuação (Psicologia, Nutrição e Serviço Social) e estagiários
(Serviço Social e Enfermagem).
O primeiro contato do paciente com a instituição é com a equipe de orientação
que agenda as atividades e encaminha o paciente para um grupo de acolhimento. Este
grupo é composto por médico psiquiatra, psicólogo, assistente social, enfermeiro,
auxiliar de enfermagem e aprimorandos de umas das áreas de atuação.
11
No grupo de acolhimento o paciente é entrevistado e avaliado pela equipe, que
em sua maioria decide por inseri-lo no regime intensivo para que consiga se vincular à
unidade, passar pelos atendimentos médicos, se adaptar às regras, grupos e oficinas.
As atividades propostas para o regime intensivo ocorrem diariamente, o que
proporciona ao paciente a reorganização e integração psíquica, assim como do seu
cotidiano.
O paciente é encaminhado para o regime semi-intensivo quando a equipe do
acolhimento avalia sua condição geral e visualiza mudanças do repertório do paciente,
a melhoria da saúde clínica geral, re-inserção social, abstinência, entre outros. Frente a
melhora do quadro, o paciente é incluído em atividades do semi-intensivo, as quais são
escolhidas pelo paciente, exceto a psicoterapia grupal ou individual, de participação
obrigatória.
Após uma breve apresentação da instituição é importante elucidar de que forma
sucedeu a escolha do tema. Esta se deu a partir da observação de situações vivenciadas
pelos pacientes do intensivo e do semi-intensivo, em que usuários de determinadas
substâncias se comportavam de forma semelhante, apresentando atitudes e
características de personalidade similares, tanto no tratamento como na sala de espera,
assim surgiu o interesse pelo aprofundamento do tema.
Alguns exemplos podem ser citados em relação aos comportamentos dos
pacientes em questão. Foi possível observar que os pacientes que fazem uso de
cocaína ou crack se portam de maneira mais agressiva ao meio, até porque para
obterem a droga de consumo, que é ilícita, necessitam burlar regras e agir de forma
mais ativa. Além disso, são mais comunicativos e expansivos, o que pode torná-los
estigmatizados.
12
Desta forma surgiu o interesse em pesquisar se há um perfil de personalidade
dentre os usuários de cocaína ou crack.
Os sujeitos de pesquisa deste trabalho são os pacientes dependentes de cocaína
ou crack, que fazem tratamento no CRATOD no regime intensivo ou semi-intensivo.
O QUATI foi escolhido devido a sua especificidade, ou seja, por avaliar a
tipologia junguiana, teoria elaborada pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung. Nesta
tipologia, Jung tinha por objetivo definir estilos psicológicos e de comportamento,
categorizando semelhanças e diferenças em determinados grupos (Zacharias, 2003).
Devido a esta característica avaliativa de grupos, este instrumento foi selecionado,
pela possibilidade de definir e categorizar tipos psicológicos peculiares dos usuários
de cocaína ou crack. Todavia, a teoria propriamente dita, será explicitada em um
capítulo específico.
É importante ressaltar que na revisão de literatura não foram encontrados
artigos específicos sobre as características da personalidade dos usuários de
substâncias psicoativas. Porém, nos livros relacionados ao tema, a dificuldade foi
menor, possibilitando a elaboração do capítulo especifico sobre o assunto.
Foram encontrados apenas quatro artigos científicos relacionados aos tipos
psicológicos e saúde.
O artigo referente a tipos psicológicos e relacionamento de casal verificou
como os tipos psicológicos influenciam no cotidiano de um casal, através de estudo de
caso e aplicação do QUATI para comparação da tipologia dos cônjuges. Por meio
deste, foi possível perceber que os tipos psicológicos dos parceiros eram opostos
psíquicos, porém complementares e isso auxiliava a manutenção da relação, já que
existia a projeção das funções (Goto; Kamei; Fujii, 2007).
13
Outro artigo encontrado relaciona a tipologia junguiana com pacientes que são,
serão ou foram submetidos à cirurgia para abertura de uma ostomia intestinal, e como
cada tipo psicológico reage a este procedimento médico (Mantovani, 1998).
Kock e Ries (2004) estudaram a influência da personalidade na postura,
levando em consideração somente as atitudes introversão e extroversão. Este estudo
demonstrou que existe sim influência entre personalidade e postura, ou seja, os
pacientes introvertidos apresentam maior protusão de ombros e cabeça anteriorizada.
O último artigo encontrado é sobre a evolução da espécie humana dentro da
visão tipológica, ou seja, a sensação é considerada pela autora a primeira função
vivida pela espécie humana. Além disso, sugere que a função sentimento é a que
estamos vivenciando atualmente e que está relacionada ao aspecto feminino (Luzes,
2001).
Todavia, por não serem trabalhos relacionados à dependência química não
serão explorados em sua totalidade, somente utilizados como exemplos de pesquisa
com tipologia junguiana.
14
2. COCAÍNA E CRACK
A cocaína é uma substância psicoativa extraída das folhas de coca
(Erythroxylon coca) planta nativa do leste dos Andes. Para se obter a cocaína são
necessárias duas etapas que acarretam diversos subprodutos como a merla, a pasta de
coca, o crack e o cloridrato de cocaína (Ribeiro et al., 2003).
A primeira etapa é a secagem das folhas e depois há a maceração, na qual
misturam-se produtos químicos, como solventes, bicarbonato de sódio ou hidróxido de
sódio. Deste processo surge a pasta base de cocaína que quando refinada origina a
cocaína em pó (cloridrato de cocaína). A cocaína em pó pode ser aspirada, ou seja,
consumida de forma intranasal ou injetada por via endovenosa, já o crack e a merla
são a apresentação da cocaína em base livre (pasta) que pode ser fumada através de
cachimbos ou cigarros (Leite, 1999; Ribeiro et al., 2003; CEBRID, 2004).
A cocaína atinge o SNC (sistema nervoso central) de quatro maneiras
(CEBRID, 2006; Marques; Ribeiro, 2006):

É absorvida pela mucosa do nariz (inalação da cocaína refinada, esta
leva de dez a quinze minutos para atingir seu pico de ação e seus efeitos
duram em média quarenta e cinco minutos).

Pelas vilosidades intestinais (ingestão oral, ou seja, através da
mastigação das folhas de coca ou em forma de chá).

Pelos capilares pulmonares (fumada, nesta forma de consumo a pasta
de coca é misturada com tabaco ou maconha. Ou ainda, em forma de
merla ou pedras de crack, as quais são fumadas em cachimbos ou
cigarros. O crack pode também ser misturado ao tabaco (pitilho) ou
maconha (mesclado). Leva em média de dez a quinze segundos para
15
alcançar o SNC, sendo a duração dos efeitos muito rápida, em média
cinco minutos. Sendo considerada a forma mais dependógena).

Injetada na circulação venosa (o uso é realizado através de seringas,
nas quais são manipuladas cocaína refinada diluída em água, nesta
forma de consumo após três ou cinco minutos os efeitos iniciam).
A cocaína caracteriza-se pela função anestésica local, possui propriedades
vasoconstrictoras e é estimulante do sistema nervoso central. Os efeitos psíquicos são:
euforia, sensação de bem-estar, aumento do estado de vigília, autoconfiança elevada e
aceleração do pensamento. E os efeitos físicos são: aumento da freqüência cardíaca,
aumento da temperatura corpórea, aumento da freqüência respiratória, sudorese,
tremor leve das extremidades, espasmos musculares (língua e mandíbula), tiques e
mídriase (Ribeiro et al., 2003).
Os efeitos experimentados pelos usuários de crack são: intensa euforia, ilusão
de onipotência e grande autoconfiança, essas sensações ocorrem somente com a
utilização da substância através das vias endovenosa e pulmonar e recebem o nome de
rush ou flash (Schwartz et al., 1991; WHO, 1987; Fasoli, 1995 apud CEBRID 2004).
As principais complicações psiquiátricas encontradas em dependentes de
cocaína podem decorrer de intoxicação aguda e da síndrome de abstinência. Além
disso, podem incidir disforia, ansiedade, agitação, quadros de pânico, depressão,
heteroagressividade, sintomas paranóides e alucinações. As medicações mais
utilizadas para os sintomas ansiosos são os benzodiazepínicos (diazepam ou
clordiazepóxido). Os sintomas psicóticos podem desaparecer após a ação da cocaína,
mas caso isso não aconteça é necessária a aplicação de haloperidol, que atua nas
16
agitações extremas. Atualmente não são usados medicamentos para atenuar os
sintomas da abstinência, pois nenhum deles foi eficaz para diminuí-los (ibidem).
2.1. Dependência química de cocaína e crack
A dependência química de substâncias psicoativas é considerada um problema
de saúde pública, necessitando uma maior compreensão psicológica dos usuários, para
auxiliar no melhor planejamento das ações, tanto de prevenção, quanto de tratamento,
para que assim possibilite a melhoria da qualidade de vida.
Primeiramente é importante elucidar o que corresponde a dependência química.
Segundo a óptica de Marques e Ribeiro (2003) o conceito de dependência química é
baseado em sintomas e sinais, ou melhor, em fenômenos. Ou seja, a dependência é
considerada uma síndrome que varia de indivíduo para outro e é determinada a partir
de diversos fatores de risco.
Para Silveira Filho (2002) a dependência abrange diversos comportamentos por
parte do usuário de substâncias e se caracteriza pelo “encontro de um indivíduo com
uma substância psicoativa em um determinado contexto sociocultural” (p. 13).
A dependência engloba três aspectos: a substância psicoativa, com
farmacologia específica; o indivíduo, com características de personalidade e
singularidade biológica e por fim o contexto sociocultural, onde há o encontro entre o
sujeito e o psicotrópico (ibidem). Em se tratando dos critérios diagnósticos pode-se
dizer que ocorre uma relação disfuncional entre o indivíduo e o modo de consumir a
substância (Marques; Ribeiro, 2003).
17
Segundo o CID-10 (2002) os critérios diagnósticos para dependência são
citados abaixo. Para um diagnóstico definitivo é necessário que o indivíduo tenha
experenciado ou exibido três ou mais requisitos em algum momento do ano anterior:

Compulsão para o consumo (desejo incontrolável).

Aumento da tolerância (a necessidade de doses cada vez maiores para
obtenção dos mesmos efeitos alcançados inicialmente).

Síndrome de abstinência (aparecimento de sinais e sintomas quando
cessou ou reduziu o uso).

Alívio ou evitação da abstinência pelo aumento do consumo (o
consumo é feito para alivio dos sintomas de abstinência).

Relevância de consumo (o consumo torna-se mais importante que
outras atividades antes valorizadas).

Estreitamento ou empobrecimento do repertório (perda de referência
interna e externa que direcionam o consumo, a vida do sujeito é
direcionada para o alívio dos sintomas de abstinência, o sujeito não
visualiza outras formas de obtenção de prazer).

Reinstalação da síndrome de dependência (reaparecimento dos
comportamentos relacionados ao consumo e dos sintomas, após um
período de abstinência).
Em se tratando do tratamento e ao padrão de consumo de cocaína, as diferenças
encontradas por Ferri (1999) que se relacionam a este trabalho são que os usuários de
crack diferentemente dos usuários de cocaína intranasal, apresentam maior nível de
consumo, possuem mais problemas sociais, de saúde e maior participação em
atividades ilegais. Assim como, a busca por tratamento ocorre após longo período de
18
uso de cocaína e que não sentem confiança para procurar ajuda, ou seja, sentem receio.
Contudo, quando estes são motivados pela família, igreja ou amigos, a busca por
tratamento é maior.
19
3. PSICOLOGIA ANALÍTICA
3.1. Conceitos teóricos
Na psicologia analítica (também nomeada de psicologia junguiana) a
personalidade é considerada como um todo, esta totalidade é denominada psique
objetiva. Os componentes formadores da psique possuem uma estrutura que interage
com o mundo exterior. Além disso, subdivide-se em vários níveis, dentre eles
encontram-se o consciente e o inconsciente pessoal (Goto; Kamei; Fujii, 2007;
Whitmont, 2004).
Para inovar Jung trouxe o conceito de inconsciente coletivo que em sua
concepção era uma herança psíquica comum a todos os seres humanos de todas as
épocas. No inconsciente coletivo estão as imagens arquetípicas e os grupos de
instintos (Charran, 2007; Stein, 2006).
A formação da personalidade se dá através dos arquétipos (padrão inato de
comportamento, pensamento e imaginação encontrados em todos os seres humanos,
tempos e lugares). Dentre os mais importantes estão a persona, a sombra, anima e
animus e o self. Além destes arquétipos, Jung estudava os tipos psicológicos, esta idéia
surgiu porque ele passou a observar que os indivíduos possuíam diferenças individuais
e de personalidade. Essas diferenças típicas derivam em dois tipos psicológicos ou
atitudes, a introversão (voltada para dentro) e a extroversão (voltada para fora). Além
destes tipos, estudou as quatro funções, subdivididas em funções de percepção e de
julgamento (Stein, 2006; Goto; Kamei; Fujii, 2007).
Em relação às funções de julgamento Jung dividiu em pensamento e
sentimento, já as funções de percepção ele denominou a sensação e a intuição
(Whitmont, 2004; Stein, 2006).
20
É importante esclarecer alguns aspectos mais importantes do desenvolvimento
da personalidade. Este processo é influenciado por diversos padrões arquetípicos como
o dinamismo matriarcal e o patriarcal, que tem papel fundamental na estruturação
egóica. Além destes, existe os dinamismos de alteridade e de totalidade que se
relacionam ao processo de individuação (tornar-se si mesmo, ou melhor, tornar-se o
que é de fato) que ocorre na segunda fase de vida (Silveira Filho, 1995).
Na visão de Silveira Filho (1995) o dinamismo matriarcal é regido pelo
Arquétipo da Grande-Mãe que se caracteriza por uma atitude de carinho, cuidado e
proteção, sendo o corpo (campo corporal) a via de expressão principal para orientação
do desejo da fertilidade. Neste dinamismo visa-se a preservação da espécie e a
sobrevivência. De outro modo, o dinamismo patriarcal é regido pelo arquétipo do Pai,
tendo como atributos principais a organização e a orientação direcionada às regras,
normas e leis no sentido mais abstrato, e também à sociabilização. Neste movimento
arquetípico há a orientação pelo princípio da causalidade, deste modo há a
discriminação das polaridades, privilegiando um dos pólos opostos (certo/errado,
bem/mal, etc). É importante esclarecer que todo arquétipo possui uma estrutura
bipolar, relacionando-se de maneira dialética.
Todavia é na adolescência que o indivíduo é requisitado a transformar-se, isto é
claramente observado a partir dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
Levando em consideração os aspectos psicológicos, neste período é que se constela o
arquétipo do herói, tendo como objetivo estruturar outro padrão de consciência. A
libido vai se direcionando para o externo (exogamia). Entretanto há muitas perdas
neste período, tanto do corpo, quanto do papel de criança, entre outras coisas. Podendo
levar o adolescente à procura de algo que o proteja deste sofrimento, entrando muitas
vezes em contato com a droga (Silveira Filho, 1992).
21
4. PSICOLOGIA ANALÍTICA E DEPENDÊNCIA QUÍMICA
A dependência química com enfoque junguiano foi pouco estudada, todavia há
alguns estudos de relevância que serão citados neste capítulo.
Desde tempos imemoriáveis há registros da procura de alteração dos estados de
consciência a partir do uso de substâncias psicoativas, como por exemplo, os
estimulantes, cocaína e a cafeína, que tem história de uso do século III a.C (Oliveira,
2005).
A droga era utilizada principalmente em rituais, para possibilitar a
transcendência, todavia, no século XX passou a ser utilizada predominantemente pelo
prazer e êxtase que proporciona. Na visão junguiana leva-se em consideração a função
transcendente pela qual se abre caminho para o processo de individuação, que é
caracterizado pela necessidade de suportar conflitos decorrentes da tensão de pólos
opostos (Oliveira, 2005).
A busca por estados alterados de consciência é inerente aos seres humanos.
Sendo uma das maneiras do sujeito transcender a experiência imediata, buscando o
numinoso e a vivência da totalidade, à procura de si mesmo. Podendo ser o uso de
drogas uma tentativa de vivenciar essa ligação com algo maior (Self) (ibidem).
Foi observado por Weil (1972 apud Oliveira, 2005) que crianças descobrem e
obtém prazer em brincadeiras que provocam estados alterados de consciência, como
girar até ficar com tontura, prender a respiração, balançar, etc.
Maxence (1992 apud Oliveira, 2005) contribui para compreensão da
dependência a partir da psicologia analítica. Na concepção deste autor o dependente
químico “está à espera da revelação de si mesmo a si mesmo” (p. 40). Segundo ele, o
dependente não consegue levar a cabo o processo de individuação, pois espera voltar à
22
androginia primitiva, a um prazer solitário. Além disso, acredita que o dependente não
aceita sua sombra, não conseguindo se ver por inteiro, permanecendo sem a
personalidade total.
Em relação ao desenvolvimento da personalidade do indivíduo, a dependência
química denota uma estagnação neste processo, ou seja, há a repetição de um
comportamento que não é elaborado. Isso ocorre porque o individuo não consegue
lidar com seus problemas ou vivências, passando a utilizar a substância como um meio
de se deparar ou atenuar o que sente. A estagnação no desenvolvimento da
personalidade ocorre, pois o sujeito não lida com seus conteúdos emocionais, mas sim,
torna-se escravo da substância, dificultando na individuação do sujeito. A
individuação é o processo contrário da dependência química, pois esta estagna o
desenvolvimento, já a individuação liberta o sujeito para que se torna o que é de fato,
livre para escolher, desejar e realizar. A dependência aprisiona a individualidade do
sujeito, dificultando que ele alcance a totalidade do seu ser (Oliveira, 2005).
Silveira Filho (2002) discorre sobre a impossibilidade de se caracterizar uma
“personalidade do dependente” (p. 18). Entretanto, acrescenta que o dependente
encontra-se frente a uma realidade objetiva ou subjetiva insuportável, fazendo com
que busque substâncias que alterem a percepção desta realidade. Além disso,
configura o uso de drogas como uma “lei” do dependente, pois é a única referência
estável, portanto as outras leis não existem enquanto código, ocasionando os atos
infracionais e transgressão, devido ao desconhecimento destas leis.
Os dependentes são indivíduos que não suportam a falta, a abstinência, já que
na mudança da adolescência para a vida adulta, existem perdas, é como se os
dependentes não pudessem se separar da mãe, o que ocorre nesta fase. Eles não
conseguem se ver separados da mãe, impossibilitando o movimento da libido. Para
23
Maxence estes sujeitos, drogam-se com a esperança de reviver a dinâmica da Grande
Mãe, pois querem rejeitar a ruptura, e para isso utilizam a substância (ibidem).
Segundo Oliveira (2005) o uso de drogas provoca sensações agradáveis,
permitindo que o sujeito acesse conteúdos inconscientes.
Zoja (1992) afirma que a dependência pode ser compreendida como uma
necessidade dos jovens resgatarem a experiência dos rituais de iniciação, de morte e
renascimento, do profano ao sagrado, já que estes rituais se perderam na cultura.
Sendo considerada por ele uma tentativa de reviver rituais, que eram comuns
antigamente. Para este autor os jovens da sociedade atual, não vivenciam uma etapa do
processo de iniciação, que é a morte iniciática, onde há a renúncia à identidade
anterior a afastamento libidinal.
Por fim, Zoja (1992) refere que o usuário de drogas inverteu o modelo,
vivendo o renascimento como experiência inicial e morte como experiência final.
Edinger (1972 apud Baptista 2008) relaciona o uso de cocaína e o conceito de
inflação. Neste estado do ego, ele se encontra inicialmente dentro de si mesmo (estado
urobórico original), ou seja, o ego somente existe como potencial, e apresenta-se em
estado de inflação. Como o ego está localizado no si mesmo, ou melhor, na totalidade
do ser, o ego percebe-se como uma divindade.
No uso de cocaína o indivíduo apresenta sintomas muito semelhantes à
inflação, como por exemplo, a euforia, desinibição, idéias de grandeza etc. Portanto, a
utilização de drogas estimulantes pode ser considerada uma tentativa de restabelecer o
estado de inflação original (Baptista, 2008).
Atualmente é observado um aumento significativo do processo de
dependência, a droga passou a ocupar lugar central na vida dos indivíduos, ao invés de
24
ser um elemento a mais na vida deste. Segundo Oliveira (2005) a droga deixa de ser
ritualística e passa a ser uma forma de alienação de si mesmo.
25
5. TIPOS PSICOLÓGICOS
Há centenas de anos os seres humanos tentam classificar as atitudes individuais
e os padrões de comportamento para que torne possível descrever as diferenças de
personalidade (Sharp, 1990).
O sistema tipológico mais antigo foi elaborado pelos astrólogos orientais
influenciado pela cosmologia. Neste modelo há quatro elementos principais (água,
terra, ar e fogo) sendo que, em cada elemento estão reunidos três signos do Zodíaco,
totalizando doze distintas atitudes (por exemplo: ar-aquário, gêmeos e libra ibidem).
Além deste modelo, existe a tipologia fisiológica da antiga medicina grega, na
qual os indivíduos eram classificados como fleumáticos, sangüíneos, coléricos ou
melancólicos, conforme as denominações da secreção do corpo humano (Jung, 1976;
Sharp, 1990).
Todavia, neste trabalho será abordada a tipologia junguiana, também conhecida
como tipos psicológicos. Este modelo nasceu de uma extensa revisão bibliográfica e
histórica dos tipos citados na Literatura, Mitologia, Estética, Filosofia e
Psicopatologia. A partir desta pesquisa Carl Gustav Jung escreveu os Tipos
Psicológicos, que se tornou um dos livros mais importantes de suas obras completas
(ibidem).
Os tipos podem ser denominados como classes, grupos de pessoas com padrões
de reação e atitudes típicas semelhantes. Estabelecendo as reações habituais,
determinando deste modo, a natureza da experiência subjetiva. E também denota o
tipo de atividade compensatória do inconsciente (Whitmont, 2004; Jung, 1976).
26
O propósito do modelo junguiano é a investigação metódica do material
empírico, sendo de grande valia para a compreensão das variações de personalidade
entre os indivíduos (Jung, 1976).
O modelo de Jung leva em consideração “o movimento da energia psíquica e
ao modo como cada individuo se orienta no mundo, habitual ou preferencialmente”
(Sharp, 1990). Ou seja, Jung não perdeu o interesse pela exploração da consciência,
mesmo que, em grande parte de sua teoria, estudou o inconsciente, ele não deixou de
lado as relações do homem com o meio externo (Silveira, 1994).
Jung sempre se interessou pelos problemas de comunicação entre as pessoas,
vivenciando no consultório diversas situações em que o outro é o maior desafio na
convivência cotidiana. A partir da observação destes problemas Jung formulou os
tipos psicológicos, contribuindo sobremaneira para que os indivíduos se orientem
melhor dentro do quadro de referência do outro (ibidem).
Primeiramente, Jung observou e teorizou as atitudes introversão e extroversão,
e percebeu que havia muitas variações dentro destas atitudes típicas. Deste modo,
passou a observar empiricamente as diferenças entre ambas as atitudes, assim concluiu
que estas divergências se davam devido a maneira que o indivíduo adaptava-se ao
meio externo, ou seja, dependendo da função psíquica preferencialmente usada pelo
sujeito. Desta forma, organizou as idéias e pontuou quatro funções conscientes de
adaptação, que auxiliam no processo de reconhecimento do mundo exterior e
orientação frente a este. Estas funções são sensação, pensamento, sentimento e
intuição (ibidem).
Estes são os oito grupos tipológicos que Jung (1976) formula:

Duas atitudes da personalidade: introversão e extroversão.
27

Quatro funções de orientação: pensamento, sensação, intuição e
sentimento, podendo cada uma delas atuar de modo introvertido ou
extrovertido.
É possível elucidar as atitudes e funções através dos esquemas abaixo (Ratis,
1986):
EXTROVERTIDO
(voltado para o objeto)
ATITUDES
INTROVERTIDO
(voltado para o sujeito)
FUNÇÕES
RACIONAIS
SENTIMENTO
(“juízo de valor”)
PENSAMENTO
(“juízo de realidade”)
FUNÇÕES
IRRACIONAIS
INTUIÇÃO
(captação de potenciais)
SENSAÇÃO
(concretude imediata)
FIGURA 1 - Esquema das atitudes e das funções.
28
O modelo tipológico junguiano abarca a relação entre as quatro funções, sendo
considerada uma quaternidade, ou seja, composta por quatro elementos (Sharp, 1990).
PENSAMENTO
INTUIÇÃO
SENSAÇÃO
SENTIMENTO
FIGURA 2 – As funções apresentadas no modelo quaternário.
Segundo Jung (1976) para que haja uma orientação adequada, todas as funções
devem contribuir igualmente.
O sistema tipológico é um indicador geral das características que as pessoas
têm em comum e também das diferenças entre estas. Entretanto, é necessário frisar
que nenhum indivíduo é um tipo puro, já que reduzir a personalidade a algumas
características seria inadequado, pois o ser humano é formado por um conglomerado
de atitudes e funções, demonstrando que a personalidade não é estrutura estanque
(Sharp, 1990).
5.1 As atitudes Introversão e Extroversão
As atitudes se caracterizam por formas psicológicas de adaptação à realidade,
ou seja, a forma como o ego vai se orientar frente ao meio (Sharp, 1990; Stein, 2006).
29
Estes termos foram criados e introduzidos em psicologia por Jung, popularizando pelo
mundo todo (Silveira, 1994).
Na atitude introversão o movimento da energia psíquica é direcionado para o
mundo interior (o próprio sujeito, ou seja, se orienta por fatores subjetivos), ou seja, a
libido recua diante do objeto, pois este sempre parece ter algo de ameaçador que pode
afetar o indivíduo (Sharp, 1990; Silveira, 1994).
As principais características do indivíduo introvertido são: reserva, recuo
diante dos objetos, reage defensivamente, conservador, prefere o ambiente familiar e
conversar com amigos, natureza vacilante e meditativa, prefere a companhia dos livros
à de pessoas, reflete antes de agir, controlado, retraído com pessoas que não são
íntimas, prefere atividades solitárias, etc. (Jung, 1976; Zacharias, 2003; Sharp, 1990).
Jung (1976) descreve “o tipo introvertido distingue-se do extrovertido pelo fato
de que não se orienta, como o segundo, pelo objeto e pelo objetivamente dado, mas
por fatores subjetivos” (p. 434).
A atitude extroversão se caracteriza pelo oposto da introversão, o movimento
da energia, ou melhor, a atenção é dirigida para o mundo exterior, o objeto (as outras
pessoas, coisas, são mais importantes) (Sharp, 1994; Zacharias, 2003). Para Silveira
(1994) “na extroversão a libido flui sem embaraços ao encontro do objeto” (p. 52).
Indivíduos extrovertidos possuem as seguintes características: francos, se
adaptam com facilidade às situações, estabelecem ligações ou vínculos rapidamente,
se arriscam confiantes às situações desconhecidas, aprecia ação, se expressa melhor
falando, gosta mais de ouvir, impulsivo, gosta de movimento e mudanças constantes,
pode ser agressivo, age impensadamente, resposta rápida a qualquer situação, etc.
(Jung, 1976; Zacharias, 2003; Sharp, 1990).
30
As duas atitudes extroversão e introversão são consideradas “normais” e
encontradas em todas as culturas, no entanto, ambas as atitudes em grau exagerado
podem tornar-se patológicas (Silveira, 1994).
5.2 Pensamento e Sentimento (as funções racionais ou avaliativas)
A função psíquica pensamento refere-se ao processo cognitivo, racional
(julgamento) (Sharp, 1990). O pensamento tem como função esclarecer os significados
dos objetos, julgar, classificar e discriminar as diferenças (Silveira, 1994).
O indivíduo reflexivo está atento á causalidade lógica de seus atos, avalia os
prós e contras de uma situação, busca padrão objetivo da verdade, gosta da
organização e da lógica, baseia seu julgamento em padrões universais e coerentes,
voltado à razão, mostra-se frio em seus julgamentos, porém faz as análises sem
julgamentos pessoais (Zacharias, 2003).
A função sentimento se caracteriza por fazer estimativas dos objetos levando
em consideração os valores pessoais, é baseado na lógica do coração (Silveira, 1994).
Para Sharp (1990) o sentimento é a função da avaliação subjetiva.
Segundo Zacharias (2003) a função sentimento não pode ser confundida com
emoção, deve ser compreendida em relação à dimensão valorativa das pessoas e
coisas, ou seja, um valor pessoal. O sentimental decide-se com base em seus valores
pessoais, pois sempre leva em consideração o que sente e o que os outros sentem.
Respeita as idiossincrasias humanas, é voltado às relações pessoais, mostrando-se
receptivo e habilidoso para lidar com pessoas. Sente forte atração pela história e pelas
tradições.
31
5.3 Sensação e Intuição (as funções irracionais ou perceptivas)
A sensação enquanto função torna possível a constatação da “presença das
coisas que nos cercam e é responsável pela adaptação do indivíduo à realidade
objetiva” (Silveira, 1994, p.55). A sensação de forma geral é a percepção através dos
órgãos dos sentidos (Sharp, 1990).
O sensitivo confia em seus órgãos sensoriais para compreender objetivamente
uma situação, preocupa-se mais com o aqui e agora, ou seja, no dado imediato. Tem
maior habilidade para lidar com dados reais e objetivos, sendo práticos e realistas.
Tem facilidade para lidar com máquinas e objetos que necessitem de precisão e
cuidados, gosta de manter as coisas em funcionamento e prefere executar ao invés de
planejar, necessitando de dados concretos para avaliar as situações (Zacharias, 2003).
Na função intuição a via de percepção é o inconsciente (Silveira, 1994; Sharp,
1990).
O intuitivo leva em consideração o que esta acontecendo no momento,
entretanto esta não é sua preocupação. Preocupa-se mais com os significados, nas
relações e nas possibilidades futuras inerentes ao que percebe. Tem habilidade para
observar o todo e não as particularidades de uma situação, busca novas soluções,
novas estratégias, intui novas possibilidades e é imprevisível em suas ações, prefere
planejar do que executar e é muito útil quando é necessário avaliar situações que não
possuem muitos dados ou aparentemente não têm solução (Zacharias, 2003).
32
5.5 Função Principal, Função Auxiliar e Função Inferior
A tipologia junguiana é permeada pela concepção de que existem
possibilidades de adaptação do indivíduo à realidade, isto é visto através das funções
que se opõem entre si aos pares. Deste modo, um dos opostos tende a se desenvolver
mais, configurando a função principal. Esta função é auxiliada por alguma das quatro
funções que se desenvolveu mais do que sua oposta, sendo denominada de função
auxiliar. As outras funções tornam-se subdesenvolvidas, sendo consideradas funções
inferiores, tendendo a permanecer mais próximas do inconsciente (De Moraes; Primi,
2002).
A função inferior é aquela que é menos utilizada pelo indivíduo, permanecendo
em um estado mais primitivo e infantil, tornando-se inconsciente (Sharp, 1990).
33
6. JUSTIFICATIVA
A tipologia junguiana considera que os indivíduos apresentam padrões de
comportamento e atitudes semelhantes no plano consciente, todavia estas podem ser
influenciadas por situações cotidianas levando-as a adaptação.
Na concepção
junguiana os seres humanos nascem com algumas características típicas de
personalidade, contudo podem ser modificadas conforme as experiências vivenciadas.
No caso dos dependentes químicos se sabe que com o uso de substâncias psicoativas
estas características e atitudes são modificadas, devido às intercorrências da vida.
Todavia pode-se afirmar que não existe uma personalidade preestabelecida do
dependente químico (Silveira Filho, 2002), porém após observação dos pacientes
atendidos no CRATOD, em atividades, grupos e oficinas, foi possível perceber que
usuários de cocaína ou crack apresentavam algumas semelhanças nas atitudes e
comportamentos. A forma destes se relacionarem com o meio mostrava semelhanças
tipológicas, por isso foi definida a utilização do QUATI, que avalia os tipos
psicológicos da teoria junguiana.
Levando em consideração estas observações feitas no CRATOD surgiu uma
hipótese de que os dependentes de cocaína ou crack obteriam maior pontuação na
função principal SENSAÇÃO.
Após a realização da revisão bibliográfica foi possível perceber que apesar de
existirem trabalhos relacionados aos usuários de cocaína ou crack, observa-se uma
escassez de estudos voltados à psicologia analítica, principalmente aqueles
relacionados à tipologia junguiana.
A obtenção de dados sobre as características de personalidade destes
indivíduos poderá contribuir para o tratamento e manejo mais eficaz. Por isso, é de
34
extrema importância e relevância a realização desta pesquisa, para um maior
aprofundamento do tema proposto.
35
7. OBJETIVO
O objetivo desta monografia foi avaliar a existência dos tipos de personalidade
a partir do modelo da psicologia analítica dos dependentes de cocaína ou crack
atendidos no CRATOD.
7. 1 Objetivos Específicos

Contribuir para o conhecimento do paciente dependente de cocaína ou crack.

Analisar os pacientes dependentes sob a perspectiva da teoria junguiana.

Avaliar a possibilidade do uso do Questionário de Avaliação Tipológica (QUATI)
como instrumento para investigação psicodinâmica do paciente dependente de
cocaína ou crack.

Mensurar os tipos psicológicos prevalecentes em dependentes de cocaína ou crack,
para posteriormente utilizar os dados obtidos para a elaboração e estruturação de
atividades específicas direcionadas aos sujeitos de cada tipologia, ou ainda, cada
atitude ou função preferencialmente usada pelo indivíduo. Pois, sistematizando as
informações de cada tipo psicológico, pode-se alcançar uma maior aderência nas
atividades, devido a melhor compreensão das características de personalidade dos
pacientes.
36
8. METODOLOGIA
8.1 Sujeitos de pesquisa
Os sujeitos de pesquisa foram os pacientes do CRATOD inseridos no
tratamento em regime intensivo ou semi-intensivo, dependentes de cocaína ou crack,
sendo considerada pelos pacientes como droga de preferência uma das duas. Muitos dos
pacientes desta instituição fazem uso concomitante de diversas drogas. Participaram da
pesquisa pacientes inseridos em ambos os regimes devido a falta de voluntários para a
participação da pesquisa.
Não havia a necessidade que os pacientes estivessem abstinentes da substância
para participarem da entrevista especifica e do Questionário de Avaliação Tipológica QUATI.
8.2 Instrumentos
O instrumento utilizado foi o QUATI – Questionário de Avaliação Tipológica.
Este questionário é um teste situacional composto por 93 questões que são divididas
em seis situações específicas (a festa, o trabalho, a viagem, o estudo, o lazer e
pessoal). Nestas questões há duas possibilidades de resposta a ou b, podendo ser
escolhida somente uma.
São possíveis dezesseis tipos psicológicos como resultado deste teste (oito
tipos introvertidos e oito extrovertidos, com as respectivas funções, principal e
auxiliar).
37
Este questionário foi publicado no Brasil por Zacharias (2003). O instrumento
baseado no modelo junguiano mais utilizado era o Myers – Briggs Type Indicator,
padronizado em 1962 por Myers (1995 apud De Moraes; Primi, 2002).
Em 2003 a precisão e a validade do QUATI foram obtidas por meio do método
teste-reteste. Comparando os resultados das duas pesquisas foi possível afirmar que
são semelhantes em relação às dimensões Introversão e Extroversão e Pensamento e
Sentimento. Todavia na polaridade Intuição e Sensação os coeficientes encontrados
foram distintos, o que pode ser explicado pela hipótese de que estas funções por serem
perceptivas, estejam mais propensas e sensíveis a interferências momentâneas
(Zacharias, 2003).
8. 3 Procedimentos e métodos
Primeiramente foi realizada uma revisão de literatura e posteriormente
elaborada a entrevista específica (semi-estruturada) com quatro questões abertas para
obtenção de dados referentes às características de personalidade e relação com o uso
da substância (anexo A).
Os pacientes foram escolhidos aleatoriamente durante as atividades do regime
intensivo e semi-intensivo, quando foram convidados a participar da pesquisa. O
critério para participar da pesquisa foi que o paciente fosse dependente de cocaína ou
crack, informação que foi confirmada no prontuário individual.
Aqueles que aceitaram participar assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido (anexo B), conforme os preceitos éticos que regem pesquisas com seres
humanos.
38
Os dez sujeitos que participaram foram entrevistados individualmente, quando
foi aplicado o QUATI - Questionário de Avaliação Tipológica (Zacharias, 2003).
Todavia não poderá ser anexado neste trabalho, devido a proibição de reprodução
parcial ou total do questionário.
È importante esclarecer que três sujeitos não deram continuidade na
participação da pesquisa, sendo seus dados desconsiderados.
Após a correção dos testes houve a devolutiva individual e elaboração dos
resultados e da discussão.
39
9. RESULTADOS
Os resultados foram apresentados de duas maneiras, através da análise
quantitativa (resultados dos testes - QUATI) e da qualitativa (entrevistas semiestruturadas e prontuários).
Os dez sujeitos da pesquisa eram usuários de cocaína ou crack. No entanto,
cinco pacientes utilizavam preferencialmente crack, quatro usavam cocaína e um
relatou utilizar as duas substâncias.
A faixa etária dos participantes foi entre os 28 aos 48 anos de idade (Tab. 1).
A situação habitacional observada na maioria da amostra foi de albergue (Tab.
3). E a escolaridade obtida em quatro dos sujeitos foi ensino fundamental incompleto e
três com superior incompleto, mostrando a disparidade de formação educacional (Tab.
2).
As profissões desempenhadas pelos participantes foram diversas: ajudante
geral, comerciante, captador de imóveis, artesão, professor, cozinheiro, técnico em
informática, ajudante de gráfica.
Todavia, a maioria dos pacientes estão
desempregados (Tab. 4).
Além do diagnóstico de transtornos decorrentes do uso abusivo ou dependência
de substâncias psicoativas, havia pacientes com comorbidades associadas. Um foi
diagnosticado com distimia e transtorno mental decorrente de lesão e disfunção
cerebrais e de doença física não especificada; outro apresentava retardo mental leve;
um apresentava suspeita de esquizofrenia paranóide; outro paciente apresentava
diagnóstico de cleptomania; outro paciente tem o diagnostico de depressão recorrente
e mais um paciente com episódio depressivo leve e transtorno de personalidade
emocionalmente instável.
40
Faixa etária
28-33
33-38
39-45
46-48
Total
3
4
1
2
TABELA 1- Faixa etária dos participantes da pesquisa
Escolaridade
Ensino
Ensino
Ensino
Superior
Superior
Fundamental
Médio
Médio
Completo
Incompleto
1
3
Incompleto
Total
Incompleto
4
1
1
TABELA 2- Escolaridade dos participantes da pesquisa
Situação
Situação
habitacional
de rua
Total
Albergue
1
5
Casa dos
Mora
pais
sozinho
(própria)
(aluguel)
2
2
TABELA 3- Moradia dos participantes da pesquisa
Situação
Empregado
Desempregado
3
7
Empregatícia
Total
TABELA 4- Situação empregatícia dos participantes da pesquisa
41
9.1 Resultados QUATI
O resultado quantitativo obtido no questionário confirmou a hipótese prevista,
de que a função principal preponderante seria a sensação, o que foi comprovado. Dos
dez indivíduos pesquisados seis obtiveram pontuação que os caracterizaram como
sensitivos, ou seja, a forma de orientação consciente foi predominantemente a da
função sensação (Fig. 4).
A segunda função principal observada foi o sentimento, com a pontuação de
dois sujeitos. As funções intuição e pensamento contaram com um sujeito cada uma
(Fig. 4). Já a função auxiliar que teve maior resultado foi o pensamento (Fig. 5).
Em relação às atitudes, a introversão teve maior resultado, dos dez sujeitos
participantes, seis foram avaliados como introvertidos e quatro como extrovertidos. O
que significa que a forma de lidar com a libido é em sua maioria voltada para a própria
subjetividade do sujeito (Fig. 3).
A função inferior encontrada na amostra foi a função intuição, ou seja, a
função oposta à principal sensação. Demonstrando que os pacientes usuários de crack
ou cocaína apresentam dificuldade para obter informações do meio externo, por
intermédio do inconsciente. O que pode ser visualizado pela concretude em que se
relacionam com o ambiente (Fig. 6).
O tipo psicológico mais encontrado na amostra foi o tipo introversão, com
função principal sensação, função auxiliar pensamento e função inferior intuição (I Ss
Ps) (Fig. 7). Esta maneira de se relacionar com o consciente torna este tipo psicológico
preferencialmente, indivíduos confiáveis, realistas, apresentam facilidade par absorver
e lembrar fatos, gostam das coisas muito claras e bem explicadas, possuem dificuldade
para demonstrar o que sentem publicamente, aparentemente calmos e seguros em
situações de crise, sistemáticos, conservadores, as vezes são um pouco dominadores
42
com pessoas menos assertivas que elas, perseverantes, impulsivos, podem ter
problemas se não desenvolverem as funções cognitivas, podendo se fechar
demasiadamente em si mesmos, colocando toda a atenção nas próprias reações e nas
impressões proporcionadas pelo sensório, necessitam acreditar mais na intuição e
imaginação (função inferior) para desenvolver as informações vindas por esta via
(Zacharias, 2003).
Atitudes
40
extroversão
introversão
60
FIGURA 3 – Atitudes observadas na amostra.
43
Funções Principais
10
20
sensação
intuição
sentimento
60
pensamento
10
FIGURA 4 – Funções principais observadas na amostra.
Funções Auxiliares
20
40
sensação
intuição
10
sentimento
pensamento
30
FIGURA 5 – Funções auxiliares observadas na amostra.
44
Funções Inferiores
10
20
sensação
intuição
sentimento
10
pensamento
60
FIGURA 6 – Funções inferiores observadas na amostra (oposta a função principal).
Tipos Psicológicos
10
10
10
30
10
10
10
10
Extroversão
Sensação
Sentimento
Extroversão
Sentimento
Sensação
Extroversão
Pensamento
Intuição
Extroversão
Sensação
Pensamento
Introversão
Intuição
Sentimento
Introversão
Sentimento
Sensação
Introversão
Sensação
Pensamento
Introversão
Sensação
Sentimento
FIGURA 7 - Tipos Psicológicos observados na amostra.
45
9.2 Entrevistas específicas (semi-estruturadas)
Os aspectos mais relevantes obtidos nas entrevistas específicas foram:

Todos os sujeitos da pesquisa responderam que perceberam mudanças
de comportamento após inicio do consumo de cocaína ou crack.

Em relação a suas características de personalidade àquelas mais
observadas foram respectivamente, comunicativo e impulsivo seguidos
de oscilações de humor, explosivo e altruísta.

No tocante a situações estressantes ou frente às dificuldades, a maioria
referiu usar drogas para resolver os problemas, em seguida relataram
explodir de raiva/irritação/agressividade e alguns tentam resolver da
melhor maneira e tornam-se introspectivos.

Nas situações alegres e satisfatórias referiram fazer uso da substância, e
que sentem muita alegria/euforia.

A maioria dos sujeitos relatou que se tornaram mais explosivos,
estressados, agressivos ou irritados. Relataram que eram pacíficos e
“normais” (sic), respectivamente.

Muitos dos sujeitos pesquisados referiram ter dificuldade para lidar
com emoções e sentimentos.
46
9.3 Devolutivas
Foram realizadas duas devolutivas, pois os demais não foram localizados,
impossibilitando sua execução.
Ambos os pacientes relataram terem gostado de participar da pesquisa.
Referiram que se identificaram com as descrições das características apresentadas. O
primeiro paciente referiu que gostou muito de participar da pesquisa e que sente-se da
maneira que foram descritas as características.
O segundo paciente afirmou que se sentiu compreendido e que as
características “bateram” (sic) com sua identidade.
47
10. DISCUSSÃO
Por meio das entrevistas e aplicação do QUATI em dependentes de cocaína ou
crack foi possível observar que grande parte da amostra foi caracterizada com o
seguinte tipo psicológico: introversão com função principal sensação e função auxiliar
pensamento, sendo a função inferior intuição (I Ss Ps). Indivíduos com este tipo
psicológico têm as seguintes características: são confiáveis, realistas, possuem
dificuldade para demonstrar o que sentem publicamente, aparentemente calmos e
seguros em situações de crise, sistemáticos, perseverantes, impulsivos, podem ter
problemas se não desenvolverem as funções cognitivas, podendo se fechar
demasiadamente em si mesmos e possuem dificuldade para acreditar na intuição e
imaginação (função inferior) (Zacharias, 2003).
Nesta descrição do tipo psicológico o que é mais relevante é a impulsividade,
já que esta característica é comumente observada em usuários de cocaína ou crack.
Nas atividades realizadas no CRATOD é usual vermos estes pacientes reagirem de
forma impulsiva perante os demais pacientes, ou até mesmo, em relação à equipe.
Normalmente tomam uma decisão e depois refletem a respeito. Isto pode ser
exemplificado, em atividades físicas são os primeiros a querer desistir quando não
conseguem êxito, se envolvem em mais discussões ou brigas, etc. Isto pode ser
confirmado com a característica citada, em que diz que estes tipos psicológicos são
aparentemente calmos, mas na realidade, escondem o que sentem, podendo torna-se
explosivos e agressivos quando frustrados.
Em relação a atitude principal, a função principal e função auxiliar, analisandoas isoladamente, foi observado que as características mais encontradas foram as
mesmas do tipo psicológico.
48
A atitude com maior pontuação foi a introversão, sujeitos com esta atitude tem
como característica recuar diante dos objetos, ou melhor, são indivíduos que
comportam-se defensivamente (Sharp, 1990). Este aspecto é visto em sujeitos
dependentes de cocaína ou crack, já que muitos deles tornam-se medrosos, ou até
mesmo com alguns sintomas persecutórios.
É importante levar em consideração que os sujeitos se consideram
comunicativos e extrovertidos, mas na somatória dos resultados grande parte
apresentou atitude introvertida.
No tocante à função principal, a sensação obteve maior pontuação, que se
caracteriza por uma forma de perceber o meio através do órgão dos sentidos. Sujeitos
com esta função principal são mais concretos, apresentam facilidade em se relacionar
com o mundo externo através da percepção. Podendo ser desenvolvidas oficinas
direcionadas a este público, como oficinas que tenham o toque como método, como,
por exemplo, oficina de argila, pintura em tecido, reciclagem de papel, fuxico, etc. um
profissional da Terapia Ocupacional seria de grande valia no trato com esses
pacientes.
Além disso, pode se observar a relevância do tato para o sujeito com função
principal sensação, como por exemplo, a manipulação da substância a ser utilizada. A
cocaína e o crack são drogas que para consumo, são necessários alguns rituais para
utilização. Para se consumir o crack, por exemplo, é necessária a confecção de um
cachimbo e no caso da cocaína, é preciso um canudo ou seringa, ou até mesmo
misturar o tabaco ou a maconha para fazer um cigarro (baseado ou pitilho).
A função inferior obtida na aplicação do QUATI foi intuição, esta função tem
como característica a percepção de informações por intermédio do inconsciente, ou
seja, pessoas que entram em contato com seus conteúdos mais primitivos (Silveira,
49
1994). Isso demonstra que os sujeitos da amostra não conseguem integrar este aspecto
na sua personalidade, sendo uma dificuldade perceber tais “sinais”. Estes sujeitos
podem ser considerados pouco “conectados” aos conteúdos inconscientes. Esta
dificuldade pode retardar a evolução do paciente, já que ele não se apropria dos
conteúdos que podem desencadear insights significativos para sua recuperação.
No resultado do QUATI a função auxiliar obtida foi pensamento, esta se
caracteriza pela capacidade de fazer escolhas e julgar por meio da cognição. O
sentimento é a função oposta ao pensamento, sendo menos desenvolvida no psiquismo
(Jung, 1976; Sharp, 1990). Nas entrevistas especificas os sujeitos afirmaram possuir
dificuldades para escolher e julgar conforme o que sentem, confirmando assim as
idéias de Zacharias (2003) em relação as dificuldades do tipo pensamento.
Outro dado significativo encontrado nas entrevistas específicas foi que os
dependentes utilizam substâncias quando passam por situações estressantes ou por
dificuldades, o que confirma a teoria proposta por Silveira Filho (1995), na qual o
autor sugere que os indivíduos usuários de drogas utilizam as substâncias para não se
deparar com a realidade que é insuportável. Isto foi observado nas respostas dos
sujeitos, em que muitos deles utilizam a substância porque não “agüentam” as
situações-problema.
Silveira Filho (1995) afirma não existir uma personalidade típica do
dependente o que foi observado neste estudo, já que não foi possível estimar
quantitativamente este aspecto. Entretanto, este aspecto pode ser discutido, visto que
neste estudo foi possível perceber características semelhantes de personalidade como,
por exemplo, relatam possuir dificuldade para lidar com emoções e sentimentos.
Apesar dos resultados positivos obtidos na aplicação do QUATI deve-se
ressalvar que é possível que o tipo psicológico seja falsificado ou deturpado por
50
fatores de ordem familiar ou ambiental, bem como por complexos e atitude
compensatória do inconsciente (Sharp, 1990).
No tocante aos transtornos mentais apresentados pelos pacientes, descritos nos
resultados, é importante afirmar que podem influenciar no resultado do teste
principalmente em relação a depressão, na qual existe uma distorção da autopercepção e auto-conceito, que muitas vezes apresenta-se negativo. Nos demais
transtornos o retardo mental pode influenciar também no resultado, já que o paciente
pode ter dificuldades para compreender as questões apresentadas.
Levando em consideração que a psique é dinâmica, ou seja, está em constante
movimento e o propósito do teste é tentar verificar as características do paciente
naquela fase e não estigmatizá-lo (Jung, 1976). Mesmo assim, o questionário é de
grande valia para descrever as atitudes e funções mais utilizadas pelos pacientes, que
caracterizará as formas de se relacionar com o meio externo e estimar possíveis
comportamentos.
É importante esclarecer que este teste avalia fases do sujeito, já que o ser
humano é mutável segundo as concepções de Jung. Por isso, este teste pode ser reaplicado a cada doze meses. Podendo ser um instrumento para avaliar as modificações
psíquicas e evolução do tratamento do paciente.
O desenvolvimento de novas metodologias de avaliação e análise dos tipos
psicológicos correlacionados com dependência química surgiu devido a escassez de
literatura específica. Neste sentido, a avaliação dos pacientes usuários do CRATOD,
por meio do questionário QUATI foi de grande importância para a compreensão da
personalidade do dependente químico de cocaína ou crack. Assim, o QUATI pode ser
utilizado como uma ferramenta de auxílio aos profissionais que atuam na área da
dependência química.
51
Além disso, poderia ser um instrumento de fácil aplicação, pois pode ser
utilizado em grupos de até trinta sujeitos, sendo uma alternativa válida para a saúde
pública.
52
11. CONCLUSÃO
Após a aplicação do QUATI em dependentes químicos de cocaína ou crack, foi
possível concluir que o questionário pode ser empregado como uma ferramenta de
avaliação tipológica, sendo de grande utilidade para a obtenção de características
específicas entre grupos de sujeitos.
Seria importante avaliar os pacientes do CRATOD, pois assim, sabendo-se
algumas características de personalidade, pode-se identificar e prever alguns
comportamentos e com isso compreendê-los de forma mais integral, percebendo desta
forma, o que pode auxiliá-los no tratamento, bem como suas potencialidades e
limitações.
Os dados obtidos na aplicação do questionário foram que os indivíduos
dependentes de cocaína ou crack se comportam preferencialmente frente ao meio
utilizando a atitude introvertida. A função principal observada nos pacientes foi a
sensação e a função auxiliar foi o pensamento. Comparando com os efeitos da
substância é possível observar que algumas características são também decorrentes do
uso de cocaína ou crack, como por exemplo, os usuários de crack tornam-se mais
solitários devido a persecutoriedade causada pelo uso, podendo ser comparada a
atitude introversão, em que o sujeito permanece voltado a si mesmo.
A função principal mais encontrada foi a sensação. E os efeitos provenientes da
cocaína ou crack são: sudorese, taquicardia, tremores, etc. Estes efeitos corroboram
com a função mais pontuada, ou seja, indivíduos que fazem uso destas substâncias
tendem a sentir mais intensamente os efeitos por meio dos órgãos dos sentidos, mais
especificamente pela sensação corpórea.
53
A função auxiliar obtida foi o pensamento, este dado também é bastante
significativo, já que quando indivíduos fazem uso de cocaína ou crack, um dos efeitos
é que o pensamento torne-se acelerado, isto ocorre durante o uso, mas nada impede de
que este efeito não influencie posteriormente no psiquismo.
Entretanto, os efeitos físicos são decorrentes do uso, já a as características de
personalidade observadas a partir dos testes demonstram quais são as formas mais
comuns dos sujeitos dependentes de cocaína ou crack agirem no plano consciente.
Assim, não podemos restringir estas características somente ao plano orgânico, mas
sim, visualizá-las de maneira integral, ou melhor, a totalidade do sujeito.
Este teste pode ser utilizado pela equipe de psicólogos do CRATOD para uma
melhor compreensão dos pacientes, bem como para visualizar as características
subjetivas.
É importante ressaltar que os sujeitos participantes da pesquisa sentiram-se
compreendidos e se identificaram com o instrumento, relataram que a descrição das
características coincide com a imagem que fazem de si-mesmos, demonstrando que
pode ser aplicado nesta população.
Deste modo foi possível concluir que este teste pode auxiliar na compreensão
dos sujeitos dependentes de cocaína ou crack. Sendo um estudo inicial, porém com
possibilidade de aprofundamento no futuro, podendo ser aplicado em um número
maior de participantes, com um acompanhamento mais sistemático, ou ainda, em
pacientes dependentes de outras substâncias psicoativas, para uma comparação de
dados.
Com a sistematização das características de personalidade mais prevalecentes é
possível estruturar atividades específicas para cada tipo psicológico, auxiliando na
efetividade dos encaminhamentos. Pois, quando se leva em consideração as
54
preferências e formas deste sujeito se relacionar com o meio e com si-mesmo, há a
possibilidade de que a aderência ao tratamento, seja mais efetiva.
Além disso, quando as atividades forem mais focadas nas necessidades,
potencialidades e interesses dos indivíduos a satisfação em participar do tratamento
será maior, porque há a compreensão de fato da subjetividade do paciente.
55
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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cocaína
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ZOJA, Luigi. Nascer não basta. São Paulo: Axis Mundi, 1992.
59
ANEXOS
60
CARTA DE INFORMAÇÃO DA PESQUISA
Prezado Senhor/Senhora:
O presente trabalho tem como objetivo estudar as características de personalidade e
atitudes dos pacientes do CRATOD que fazem uso preferencialmente da cocaína ou do crack.
Será realizada uma entrevista e aplicação do instrumento QUATI em aproximadamente 10
sujeitos.
Deste modo, convido você a participar do estudo através de uma entrevista e resposta
de um questionário com 93 perguntas com duas alternativas. Durante toda a pesquisa
gostaríamos de solicitar-lhe que seja o mais sincero possível. Sua identificação será
preservada em toda a pesquisa, o sigilo e demais questões éticas serão respeitadas em
quaisquer circunstâncias.
Os resultados da presente investigação estarão à disposição, haja vista que há a
possibilidade de publicação do estudo.
A participação é voluntária e agradeço desde já a colaboração e atenção de todos.
Coloco-me à disposição para todos os esclarecimentos necessários através do telefone
(11) 3329-4455.
Orientador: Wagner Abril Souto
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o (a) Senhor(a)
_____________________________________________________________________
,
portador de RG _______________________ e participante da pesquisa, após leitura da Carta
Informativa, ciente dos objetivos e procedimentos referentes ao estudo, não restando
quaisquer dúvida a respeito do lido e do explicado, firma seu Consentimento Livre e
Esclarecido de concordância em participar da pesquisa proposta.
Fica claro que o participante da pesquisa pode a qualquer momento retirar seu
Consentimento Livre e Esclarecido e deixar de participar do estudo alvo da pesquisa e fica
ciente que todo trabalho realizado torna-se informação confidencial, guardada por força de
sigilo profissional.
O presente termo é assinado em duas vias, ficando uma em seu poder.
Telefone para contato: __________________
São Paulo,
___________________________________
Ass. Participante
de
de 2008.
___________________________________
Aline de Freitas Tallarico
61
Entrevista Específica
Nome:
Idade:
1) Conte-me um pouco sobre você. Suas características, atitudes, personalidade, como
reage nas situações cotidianas.
2) Como reage em situações estressantes ou frente às dificuldades?Quanto destes
comportamentos tem relação com o uso de drogas (cocaína ou crack)?Cite um
exemplo.
62
3) Como reage em situações alegres e satisfatórias?Quanto destes comportamentos tem
relação com o uso de drogas (cocaína ou crack)?Cite um exemplo.
4) Percebe mudanças no seu comportamento e atitudes após o início do consumo de
drogas? Como era antes da dependência?
63
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