Heidegger, caminhos pela fenomenologia…

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Heidegger, caminhos pela fenomenologia....
Adriano Ricardo Mergulhão*
RESUMO: Pretendemos neste artigo, nos afastar de opiniões preconcebidas por
estereótipos, para realizar um exame imparcial dos diferentes caminhos trilhados pelo
pensador alemão Martin Heidegger (1889-1976), ao estabelecer seu método
fenomenológico de filosofar. Analisaremos as ligações entre a fenomenologia em seus
primórdios, e o método desenvolvido por Heidegger, ao longo das décadas de 20 e 30.
Como nosso trabalho possui um caráter essencialmente teórico propomos aqui uma
análise exegética da produção hedeggeriana deste período específico, que é aqui
mencionado, onde o referencial (filosófico/teológico/ontológico) é contraposto a uma
nova experiência do pensamento que poderíamos denominar “hermenêutica
fundamental”. Antes de percorrermos este aspecto conceitual de sua obra, iremos nos
deter na referência a “virada”/“vira volta” (Kehre) conceitual, diagnosticada por
estudiosos da obra do autor, ao dividirem seu pensamento em duas fases específicas ,
embora argumentaremos aqui que não se tratam de fases distintas, mas duas faces de
um desenvolvimento, por diferentes vias, de uma mesma problemática, a saber, a
questão do Ser. Assim ficará claro o que compreendemos por I Heidegger e II
Heidegger, visto que nossa análise se detém prioritariamente em sua primeira fase,
cuja cronologia histórico se limita a década de 30. Iremos circunscrever nossa
investigação ao que então se convencionou chamar de I Heidegger, discutindo qual o
método correspondente ao primeiro estágio de suas pesquisas sobre o Ser e suas
correlações com a analítica existencial e com o niilismo, o qual servirá como eixo
condutor deste ensaio. Do II Heidegger, gostaríamos de alertar posteriormente sobre
a importância de alguns conceitos, como o de verdade enquanto alethéia, para um
aprofundamento acerca de suas discussões acerca do velamento do Ser ocasionado
pelos abusos da técnica e do pensamento científico. Demonstrando assim que existem
determinados fatores históricos (argumentaremos que estes fatores são a própria
história da metafísica) que causaram o esquecimento de nosso acesso a verdade do
Ser, em oposição aos entes.
PALAVRAS-CHAVE: Fenomenologia. Heidegger. Hermenêutica. Niilismo.
INTRODUÇÃO:
O patrono fundador da fenomenologia Edmund Husserl (1859-1938) parece haver
afirmado de certa feita que “A fenomenologia somos eu e Heidegger”. Mas qual a
extensão de uma frase tão contundente como esta, se tomarmos por fenomenologia o
método, ou a disciplina que espera atingir, como também afirma Husserl, uma “volta
*
Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Bolsita CAPES.
E-mail: <[email protected]>.
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as coisas mesmas”? A própria filologia da palavra fenomenologia nos da algumas
indicações quanto a maneira adequada de compreensão/entendimento (Verstehen)
que
1
temos
de
nossa
experiência
existencial
, posto que fenômeno vem de Phainomenon (o que se manifesta, aparecer) + logia,
que vem de Logos2 (discurso, manifestar, fazer ver) (STEIN 2002 p.55), Heidegger, ao
definir o significado desta palavra, nos explicita o sentido que deve direcionar nossa
compreensão deste termo enquanto abertura (Erschlossenheit) da presença (Dasein) :
Ciência dos Fenômenos significa: apreender os objetos de tal maneira que
se deve tratar de que esta em discussão, numa demonstração e
procedimentos diretos ( HEIDEGGER 2006 -“Ser e tempo” p. 74 ).
Podemos constatar a existência de diversas obras, tratando da relação
estabelecida por mestre e discípulo, entre os anos de 1917 a 1923, grande parte destes
comentários se atem a determinados fatos secundários, que muitas vezes retratam
Heidegger sob os aspectos negativos desta sua ligação com Husserl. É este o caso de
“Um caminho para uma biografia” de Hugo Ott, e do chileno Victor Farias com seu
livro, altamente sensacionalista, diga-se de passagem, “Heidegger e o nazismo”, que
retrata o filósofo ora como a “ovelha negra” da fenomenologia (por seu abandono do
mestre, e a subserviência ao nacional socialismo durante o período de Reitorado em
1
A análise ontológica do Dasein – ou seja, nossa própria análise de nós mesmo em nossa existência
fática.
2
Por Logos concebemos neste trabalho a definição clássica transcrita a seguir, de autoria de
CHAUI,M.
Lógos: Esta palavra sintetiza vários significados que, em português, estão separados, mas unidos em grego.
Vem do verbo lego (no infinitivo: légein) que significa: 1) reunir, colher, contar, enumerar, calcular; 2) narrar,
pronunciar, proferir, falar, dizer, declarar, anunciar, nomear claramente, discutir; 3) pensar, refletir; ordenar; 4)
querer dizer, significar, falar como orador, contar, escolher; 5) ler em voz alta, recitar, fazer
dizer. Lógos é: palavra, o que se diz, sentença, máxima, exemplo, conversa, assunto da discussão; pensar,
inteligência, razão, faculdade de raciocinar; fundamento, causa, princípio, motivo, razão de alguma coisa;
argumento, exercício da razão, juízo ou julgamento, bom senso, explicação, narrativa, estudos; valor atribuído
a alguma coisa, razão íntima de uma coisa, justificação, analogia. Lógos reúne numa só palavra quatro
sentidos: linguagem, pensamento ou razão, norma, ou regra, ser ou realidade íntima de alguma coisa. No
plural, lógoi, significa: os argumentos, os discursos, os pensamentos, as significações: -logía, que é usado
como segundo elemento de vários compostos, indica: conhecimento de, explicação racional de, estudo de.
Diálogo, dialética, lógica são palavras da mesma família de lógos. O Lógos dá a razão, o sentido, o valor, a
causa, o fundamento de alguma coisa, o ser da coisa. É também a razão conhecendo as coisas, pensando os
seres, a linguagem que diz ou profere as coisas, dizendo o sentido ou o significado delas. O verbo lego conduz
à idéia de linguagem porque significa reunir e contar: falar éreunir sons; ler e escrever é reunir e contar letras;
conduz à idéia de pensamento e razão porque pensar é reunir idéias e raciocinar é contar ou calcular sobre
as coisas. Esta unidade de sentidos é o que leva os historiadores da filosofia a considerar que, na
filosofia grega, dizer, pensar e ser são a mesma coisa.
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1933/34) ora como o filho pródigo, que torna a casa de uma filosofia transcendental
para ampliar os feitos de seu mestre, antes renegado a berlinda, mas sem nunca
admitir a enorme divida com a fortuna do esquecido “pai” (como no caso da supressão
da dedicatória3 ao mestre em “Ser e Tempo” anos depois da publicação da 4ª edição
de 1934, de sua opus magna.)
Mas, neste contexto específico, o que pudemos constatar com nossas leituras
não remete a uma inimizade entre ambos, pelo contrário, a grande discordância se dá
em âmbito teórico/intelectual, e não no plano pessoal. Assim, defendemos que esta
cisão existente no pensamento de Heidegger com sua tradição contemporânea, não
deve, de modo algum, ser interpretado levianamente como uma traição do aluno em
relação aos seus mestres (incluindo ai os clássicos da história da filosofia, contra quem
Heidegger realiza sua “violenta” interpretação hermenêutica). Senão, que deve ser
compreendida
como
uma
tentativa
de
radicalização
de
alguns
preceitos
fenomenológicos delineados por Husserl de forma inconsistente, que agora poderiam
ser aplicados a uma nova estrutura conceitual sob o prisma da existência humana
fática, a saber, o Dasein4. Para Heidegger o acesso a verdade se encontra oculto na
3
A dedicatória: “A Edmund Husserl em testemunho de admiração e amizade” de 8/4/1926 , foi
suprimida no ano 1941, Heidegger comenta o fato em sua entrevista a Der Spiegel em 1966: “Em ordem
a desmentir certas informações incorretas e amplamente difundidas, faço notar expressamente que a
dedicatória de Ser e Tempo – recordada na pag. 92 do diálogo - também figurava na 4ª edição da obra,
em 1935. Quando, em 1941, o editor viu dificultada a 5ª edição, tendo chegado a temer que o livro fosse
proibido, chegou-se finalmente a um acordo, a conselho e por desejo de Niemeyer, de suprimir a
dedicatória nesta edição, embora com a condição expressa pela minha parte que se mantivesse a nota
da pag. 38, na qual se justifica aquela dedicatória e cujo conteúdo e o seguinte: “Se a presente
investigação avança alguns passos no sentido da exploração das coisas mesmas, o autor agradece-o, em
primeiro lugar, a Edmundo Husserl que, com a sua penetrante orientação pessoal e a maior das
confianças, familiarizou o autor, durante os seus anos de formação em Friburgo, com investigações suas,
inéditas, em diferentes campos da análise fenomenológica.”(HEIDEGGER 1996 p.60, nossa tradução)
4
DASEIN – reproduzimos parcialmente aqui a nota de “Ética e Finitude”(LOPARIC 2004 p.20), para
clarificar o que compreendemos pelo termo Dasein: “Esta leitura tão habitual do termo “Dasein” (que
deixo sem itálicos considerando-o como expressão incorporada ao português) apóia-se na afirmação de
Ser e Tempo de que o ser que esta em jogo para o ser humano é ser o seu aí “(sein ´Da´ zu sein)”. Esta
escolha pode ser reforçada por muitas outras referências(...): “Segundo a tradição a palavra ´Dasein´
significa ser presente, existência. É neste sentido que se fala por exemplo da prova de existência de Deus.
Mas, em Ser e Tempo, o ´Dasein´ é compreendido de maneira diferente. (...) O termo ´o aí´(das Das) não
é usado em Ser e Tempo como uma indicação de lugar para um ente, visto que pretende nomear a
abertura na qual os entes podem estar presentes para o homem, inclusive ele mesmo para si mesmo. Ser
o aí (das Da zu sein) distingue o ser-homem.”
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dicotomia existente entre o Ser5 e os entes6. De acordo com E. Stein dentro da obra
heideggeriana;
É a história do ser (...) que será, exatamente o divisor de águas entre a
compreensão do ser que é afirmada até 1930 e a história do ser que vem
corrigir a idéia da compreensão do ser. Porque Heidegger percebeu que na
idéia de Dasein enquanto compreende o ser, esta muito próximo ainda o
risco da subjetividade da filosofia moderna que quer o fundamento
absoluto, transparente do conhecimento(...) Portanto ele nunca torna
inteiramente transparente a sua compreensão do ser.(...) Esta percepção de
Heidegger, faz com que surja o que chamamos segundo Heidegger, onde se
produz aquilo mesmo que ele chamou de Kehre, a viravolta (STEIN 1993
p.237, grifo nosso)
Heidegger sempre fez questão de reconhecer sua divida com Husserl, embora
sempre demarcasse seu ponto de vista a partir da “diferença ontológica”, a qual,
nunca poderia admitir um “eu transcendental” em sua conformação. Esta sua postura
se aproxima a nosso ver, de um saudável e profícuo diálogo com o mestre, ele próprio
explicita claramente em seu texto de 1963, “Meu Caminho para a fenomenologia” que
diz;
Das investigações Lógicas de Husserl esperava claramente um estimulo
decisivo com relação às questões suscitadas pela dissertação de Brentano
(...). Contudo, a obra de Husserl marcara-me de tal modo que anos
subseqüentes sempre a li, sem compreender suficientemente o que me
fascinava (HEIDEGGER 1973, p.495).
Em momento algum de sua carreira ele se mostrou propenso a denegrir a obra
de Husserl, mas ao propor em seu método o uso de categorias existenciais não mais
poderia
aceitar
as
abstratas
formulações
universalistas
que
maculavam
metafisicamente toda a tradição do pensamento ocidental dominante até o período, e
isto incluía a noção mais cara a teoria Husserliana, o “eu transcendental” (colocando o
Mundo entre parênteses para a realização de suas análises) que era a base das
abstrações das investigações Lógicas, conforme nos demonstra Ernildo Stein;
O núcleo da diferença entre Husserl e Heidegger consiste naquilo que
perpassa Ser e Tempo, como objeção latente contra Husserl, quando
Heidegger, repetidas vezes, se refere, rejeitando, ao “observador imparcial”,
5
Ser: verbo derivado do latim esse e do grego eimi (ou do particípio ente, correspondente ao ens latino e
ao tó òn grego)
6
Ente: a palavra ente faz referência ao particípio presente do verbo ser, designando assim tudo aquilo
que é. São entes, todas as coisas que encontramos no mundo, (inclusive nós mesmos [seres humanos
singulares] somos também entes). Já o Ser se diferencia do ente por sua unidade/totalidade, embora
não possa ser expresso em sua inteireza pelo Logos.
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ao puro ver teorético, a partir do qual, segundo Husserl, se revelariam as
estruturas da subjetividade, que possibilitam a posse de mundo e a
experiência, e se revelariam
o próprio sentido do ser. Para Heidegger,
não é o observador imparcial, mas a realização, o exercício da própria
existência concreta que já sempre revela o mundo e as possibilidades da
experiência e o próprio ser (STEIN 2002 p.53,54, grifo nosso).
Para que fosse possível abalar estas estruturas conceituais tão cristalizadas pela
tradição idealista eram necessários novos rumos (e um novo vocabulário) para
encaminhar o pensamento em direção aos fundamentos do Ser, o qual, desde a
antiguidade fora esquecido em meio aos entes. O ser do ente, para ser atingido em seu
cerne, deveria prescindir dos transcendentais abstratos em nome de uma
transcendentalidade passível de ser obtida em meio a abertura (Erschlossenheit) para
o Mundo proposta pela nova fenomenologia heideggeriana. Este salto mortal era
incontornável, mas para ser dado, antes se via necessário um cauteloso recuo para
que o impulso necessário a sua consumação, fosse realizado em meio a uma
reinterpretação fenomenológica da tradição filosófica. Esta reinterpretação dos
clássicos da metafísica ocidental seria ministrada com uma “violência hermenêutica”
sobre os textos, para retirar deles algo de original, algo de novo para a abertura de
novas trilhas do pensamento.
Dentro deste seu projeto de uma analítica existencial, também começou a se
fundamentar uma analítica da linguagem (isto em paralelo a viravolta-Kehre7, do II
Heidegger e seu retorno ao fundamento da metafísica) que se baseava numa nova
terminologia que servisse de apoio a sua ontologia hermenêutica. Podemos distinguir
neste projeto, uma nítida separação de método entre seu intento e as correntes de
pensamento do mesmo período que estavam se consolidando, para sermos mais
exatos, as diferentes antropologias filosóficas8 com seu apelo a uma volta ao homem,
o movimento neokantiano9 com sua ordem do dia de uma “Volta a Kant” (Zurück Zu
7
Viravolta (Kehre) – “Antes da viravolta,a interrogação de Heidegger interroga pela analítica
existencial, pelo horizonte transcendental em que se desvela o ser na multiplicidade de seus sentidos.
Mas a determinação do tempo como pertencente ao ser já prepara a viravolta.(...)A viravolta somente
podia ser exercida na interrogação pelo esquecimento do ser na história da metafísica ocidental” (STEIN
2002 p.85)
8
Max Scheler, Plessner, Gehlen
9
Cassirer, Natorp, Cohem, Rickert
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Kant) e por fim, a fenomenologia tradicional10, com seu apelo à “volta as coisas
mesmas”. Para Heidegger era necessário ir mais a fundo que estas correntes, e separar
o joio metafísico de toda autêntica filosofia existencial que convergiria nesta nova
visão de mundo (weltanschaaung ) baseada no cuidado (Sorge) do ser aí (Dasein) com
sua autenticidade , dentro de uma temporalidade (Zeitlichkeit) específica e finita. Só
assim, o Ser (Sein) poderia ser descortinado de seu véu de Maia que é o tempo (Zeit),
por um método inteiramente novo de interpretação.
Agora, o apelo histórico do Ser era diluído na historicidade do ser aí mundano,
e toda a tradição ( Platão, Aristóteles, Agostinho,Tomás de Aquino, Kant, etc)
precedente seria reexaminada sob este prisma existencial. Heidegger, buscava neste
caminho de volta , muitas vezes pensar o Ser em sua nudez, ou seja, despojar o ser de
seus entes transitórios e finitos e adentrá-lo com o pensamento em sua totalidade
unilateral. Este acesso direto, não poderia mais implicar numa dualidade entre Ser e
Essência, Potência e Ato, res Cogitan e Res Extensa, Corpo e Alma, ou qualquer
binômio deste estilo, por isso o enfoque existencial seria o único caminho necessário a
esta empresa. O ser ai humano, antes de tudo, existe, e está ad hoc lançado em meio
aos entes, possuindo por via de sua singularização um acesso privilegiado ao Ser11. Ele
é, como poeticamente enfatiza Heidegger: “O pastor do Ser”.
SOBRE O CONCEITO DO NADA E SUA RELAÇÃO COM O NIILISMO:
“Ex Nihilo Nihil Fit” (Do nada, nada vem).Tal é a sentença secular da filosofia antiga.
Ela surge como um questionamento de um princípio consolidado por outra tradição,
que não aquela em que Heidegger se insere. Talvez, o nada possa gerar como será aqui
discutido a nadificação, mas o que se pode compreender desta sentença? Veremos
que só ao atingirmos a essência do nada é que poderemos efetivamente conhecer algo
sobre o conceito de Ser, ou, nas palavras do autor aqui em questão:
Na medida em que o nada “nadifica”, confirma-se ainda mais com
excepcional presença, vela-se como a própria presença. Nas palavras
10
E.Husserl, K. Jaspers
Este habitar se da junto com os outros entes e Dasein, pois o “Mundo do Dasein (da presença) é um
Mundo compartilhado(Mitwelt)” (HEIDEGGER 2006b p.175)
11
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essenciais acima referidas impera um dizer diferente das enunciações
científicas. É certo também que a representação metafísica conhece os
conceitos. Estes, contudo, não se distinguem dos conceitos científicos
apenas sob o ponto de vista do grau de generalidade. Kant foi o primeiro a
ver isto com toda a clareza (HEIDEGGER, 1969, p.34, grifo nosso).
Este grau de generalidade que difere os conceitos metafísicos dos conceitos
científicos é a base da questão analisada pelo autor, pois a ciência em seu projeto de
progresso, busca o domínio da técnica e, deste modo, pretende conhecer o ente, em
seu valor exato, isto acaba por obstruir a dimensão poética, e mágica, que imperava
antes de seu advento (foi perdido um misticismo gnosiológico, que o povo grego
resguardava em meio a sua Paidéia). Este pretenso valor de exatidão e universalidade
que é parte do projeto científico do conhecimento , diz o autor, leva o homem ao
esquecimento do Ser, que por princípio, deveria ser o conhecimento sui generis do
saber Metafísico.
Esta imutabilidade do compreender e do compreensível em sua totalidade é
algo que nos escapa, perante a variabilidade de propósitos, a que se presta o processo
científico na busca por conhecimento seguro e universal. Assim, a questão primordial,
levantada por Heidegger, não pretende desqualificar a validade da ciência e da técnica,
mas ele nos alerta sobre alguns riscos que este tipo de pensamento pode levar, em sua
linha limite, e procura demonstrar em quais pontos este conhecimento se distingue de
um projeto metafísico fundamental. Pois a ciência moderna, ao propor um fim para os
dogmas por via da invariabilidade das leis naturais, acaba por não poder mais buscar
um valor seguro de verdade que possa ser estabelecido como seu fundamento, e disto
surge o próprio niilismo, pois “[...] o homem, enquanto é aquele ser do qual o ser necessita,
participa da constituição da zona do ser, e isto quer dizer, ao mesmo tempo, da zona do
niilismo”(Heidegger 1969 p. 58).
É uma conseqüência da própria modernidade, a partir da
qual o homem deve viver sem dogmas, pois tanto
sujeito, quanto
objeto se
encontram em constante mutação. Mas este dualismo metafísico entre objetividade
e subjetividade que a modernidade, trouxe consigo como herança, não pode nem
mesmo ser ainda utilizado como um paradigma válido em nossa época, ou para que
possamos atingir um fundamento ou principio seguro onde possamos apoiar nossas
“verdades ultimas”, nossa ultima ratio.
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Ao se prestar atenção demasiada ao ente, na tentativa de objetivá-lo, nossa
razão instrumental (que caracteriza o homem enquanto zoon logon echón) se esquece
do Ser como “A questão fundamental da metafísica”. Questão, que não se deixa
conhecer a partir de um sujeito que se situa de fora, ou seja, do sujeito da ciência, que
busca conhecer seu oposto, o objeto (aos moldes do cogito Cartesiano). Esta divisão
lógica fracionaria a totalidade em duas diferentes instâncias (a do sujeito [eu singular],
e a do seu objeto [neste caso o Ser]). Isto pressupõe que eles pudessem ser pensados
de modo distinto, como se o sujeito não participasse da totalidade, o que seria
absurdo de um ponto de vista ontológico fundamental. Neste ponto, nos auxilia
afirmar que;
Heidegger procura mostrar que o compreender é essencialmente operativo.
O ser humano se compreende como unidade, que nos da a totalidade que
se antecipa ao dualismo de ser cérebro e pensar, e se explicita, desde
sempre, e isso se da pela compreensão do ser. Se não ocorresse essa
compreensão não teríamos acesso nem a nós mesmos nem aos entes. Não
seriamos o lugar onde os entes se dão. Somos esse lugar porque sempre já
somos Dasein, o ser aí, ou o ser-o-aí.(...) somos o “aí do ser” pela
compreensão do ser e porque nos compreendemos enquanto somos. Nisto
se constitui a circularidade da compreensão (Stein, 2010 p.117, grifo nosso).
Portanto, a única maneira de se obter um pensamento pós-metafísico sobre o
Ser, é abrangê-lo a partir de um referencial que o englobe e ao mesmo tempo o
ultrapasse, este é o projeto do circulo hermenêutico, que ao romper os laços que a
tradição estabeleceu entre o conhecer baseado na inter-subjetividade, alçaria o
pensamento filosófico à uma analítica existencial
humana apoiada apenas
dentro dos limites da finitude
na transcendência12das possibilidades do Dasein (como
projeto de Mundo), e não mais no cógito transcendental de Descartes. Esta é a
condição sine qua non para a superação do cartesianismo metafísico. Heidegger, como
demonstramos, tem de fazer isso, para livrar a fenomenologia do “eu transcendental”
que Husserl assume como ponto de apoio para sua volta as coisas. Dentro desta
leitura, podemos vislumbrar mais exatamente qual o problema esta em questão na
concepção heideggeriana do cógito ergo sum. Vejamos uma prévia do argumento
12
“O homem já sempre se ultrapassa e transcende, e essa ultrapassagem e transcendência já é a
própria compreensão, compreensão do ser e, assim, de si” (STEIN 2006 p.49)
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para elucidar um pouco mais qual o projeto deste filósofo, e em qual contexto suas
objeções se situam para uma correta compreensão de sua problemática:
Com Descartes deixamos que a filosofia moderna assuma um começo e
principio fundamentalmente novos: Origina-se no objeto. O que significa
isso? A essa guinada rumo ao sujeito corresponde igualmente a
determinação ontológica desse ente da res cogitan ? De modo algum. Junto
com essa transferência do perguntar questiona-se em geral a respeito do
ser? De modo algum. O nexo de pertença entre verdade em geral e ser em
geral, alcança esclarecimento ou pelo menos é questionado? De modo
algum. Deve-se mostrar igualmente por que a res cogitan renasce
indeterminada do ponto de vista ontológico, por que a questão do ser não é
colocada (HEIDEGGER 2009 p. 151, grifo nosso).
Nisto reside o grande erro metafísico de Descartes, no fato de que ela se
debruça precisamente sobre o ente e assim se esquece do Ser em sua totalidade.
Heidegger, então sugere que na filosofa contemporânea é chegado o momento de se
buscar a superação da metafísica, pois toda a antiga tradição ao se concentrar apenas
sobre ente promove um ocultamento do Ser, que em sua opinião é um conceito mais
primordial a ser investigado sob uma nova perspectiva, ou seja, sem a separação
clássica entre sujeito e objeto.13
Portanto, a crítica de Heidegger feita em relação a Descartes é parte de um
projeto maior sobre a investigação destas raízes, ou seja, dos fundamentos últimos da
metafísica, desde suas origens até seus reflexos para a filosofia atual, iniciando seu
trajeto entre os gregos, com especial ênfase ao pensamento pré-socrático de
Parmênides e Heráclito, passando a colocação do problema
por Platão, e a
investigação sistemática de Aristóteles com sua filosofia primeira (investigar o “O Ser
enquanto Ser”), percorrendo então todo pensamento Medieval com Agostinho de
Hipona, e a escolástica Tomista para se concentrar no desfecho da modernidade,
inaugurada por Descartes:
Descartes escreve a Picot, que traduzira os Principia Philosophiae para o
francês: “Assim toda a filosofia é como uma árvore, cujas raízes são
formadas pela metafísica, o tronco pela física e os ramos que saem deste
tronco, constituem todas as outras ciências que, ao cabo se reduzem a três
principais: a medicina, a mecânica e a moral”(nossa tradução)Aproveitando
esta imagem perguntamos: Em que solo essa árvore da filosofia tem seu
apoio? De que chão recebem as raízes e, através delas, toda árvore as seivas
e forças alimentadoras? Qual o elemento que percorre oculto no solo, as
13
“Em toda parte, se iluminou o ser, quando a metafísica representa o ente. O ser se manifestou num
desvelamento (alétheia)” (HEIDEGGER 2009 p. 151)
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raízes que dão apoio e alimento à árvore? Em que repousa e se movimenta
a metafísica? O que é a metafísica vista desde seu fundamento? O que em
última análise é a metafísica? Ela pensa o ente enquanto ente (HEIDEGGER
2005 P.77, grifo nosso).
A esta imagem clássica da filosofia ele impõe seu conceito de Dasein14, que é o
“ser aí” propriamente humano em sua relação de imanência com o Ser enquanto
totalidade. Este Dasein é o “ser lançado no Mundo” que poderia, por sua condição
privilegiada (enquanto possibilidade/disponibilidade)
promover o desvelamento
(alétheia15) do Ser em sua totalidade, por meio de uma tonalidade afetiva
fundamental, a saber a angústia, ou tédio profundo. Por hora não iremos explorar esta
teoria existencialista em seus detalhes, queremos neste primeiro estágio do nosso
comentário, apenas nos concentrar no levantamento dos argumentos deste autor ao
se opor à metodologia do Cogito cartesiano, onde;
(...) o princípio decisivo da filosofia moderna radicado no sujeito significa
igualmente a perda da questão ontológica fundamental, a ele referida: sum
“eu sou”, existência! Perda, isto é, permanece no antigo, adoção da
ontologia escolástica antiga. Enquanto res cogitans, o sujeito é concebido
ontologicamente no sentido de um simplesmente-dado, ou seja, o sentido
do ser do Dasein continua fundamentalmente indeterminado (HEIDEGGER
2009 P.114).
Heidegger se contrapõe ao fundamento metafísico do cogito, pois este deixaria
de investigar o aspecto central do “eu” em seus fundamentos últimos em relação ao
Ser que no cartesianismo é identificado ainda com Deus e embora ele não parta deste
como princípio, sua filosofia tem seu termino Deus, como garantia da existência16,
tomando como sinônimos certeza e verdade, concebidos a priori, no interior da auto
evidência do “cogito”. A filosofia cartesiana, vista pela lente heideggeriana peca em
pontos cruciais de sua argumentação, pois ainda não pôde escapar da influencia da
escolástica, embora subverta sua ordem, visto que:
Na filosofia moderna, a pergunta pelo ser não é retomada de maneira nova.
Ao contrário, alocada no problema da verdade, e isso novamente no solo da
ontologia da tradição(...)Com essa reflexão sobre a verdade junto com o
conhecimento, e ao mesmo tempo deformando-a, a descoberta da física
14
A Essência do Dasein ( ser aí humano) é sua própria existência .
Alethéia- alpha privatido + lethéia (velamento) – desvelamente, estar ao menos tempo na verdade e
na não verdade. Ambigüidade de sentido.
16
Neste quesito (HEIDEGGER 2009) retoma o argumento de Espinosa do Circulo Cartesiano, vide p. 137
e mais a frente, o fato de que não temos garantia de nossa perfeição, reiterando a crítica de Leibniz,
vide p. 156.
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matemática e com isso também uma nova postura ontológica frente à
natureza (HEIDEGGER 2009 p.98, grifo nosso).
Embora ele reconheça que toda a problemática da filosofia mude seu
referencial a partir de Descartes, centrando-se agora no subjetivismo e no problema
da certeza científica, argumentamos que Heidegger pretende esboçar um novo ponto
de apoio para as grandes indagações filosóficas, e por isso não pode admitir nada que
venha da tradição moderna:
Descartes teve a tendência fundamental de fazer da filosofia um
conhecimento absoluto. Justamente em sua obra vemos algo notável. Aqui a
filosofia começa com a dúvida e se dá como se tudo fosse colocado em
questão. Mas apenas se dá como. (...) Ela, e como ela todo o filosofar da
modernidade, não coloca nada em jogo. Ao contrário, a postura
fundamental cartesiana já sabe ou acredita saber a priori que tudo pode ser
provado e fundamentado de modo absolutamente rigoroso e puro. Para
provar isso ela é crítica de uma maneira desprovida de todo caráter
imperativo e de todo risco. Ela é tão crítica que está de antemão certa da
suposição de que nada lhe acontecerá (HEIDEGGER 2006 p. 25, grifo nosso).
Porém, no desenvolvimento posterior desta problemática será o filósofo
Immanuel Kant quem ira assinalar as limitações desta dependência da metafísica,
realizando seu esforço homérico para categorizar os diferentes usos e limites do
pensamento racional, visando uma depuração entre o projeto de uma ciência baseada
em conhecimentos sintéticos a priori, e as possibilidades de um
pensamento
metafísico da mesma ordem. Tal intento, fica implícito na primeira edição de sua obra
“Crítica da Razão Pura” embora, de acordo com Heidegger, ele também não tenha sido
capaz de superar este problema de forma definitiva, por não propor uma ontologia
fundamental do ser ai finito, o que o fez recuar em alguns pontos, na elaboração de
uma segunda versão de sua crítica, que suprime o papel de destaque dado a
imaginação transcendental17. Mas Kant recebe o mérito de ser o primeiro a
problematizar de maneira clara a questão.”18 .
17 “τα μετα τα Φυσις, não visa mais ao que vem em seguida às doutrinas sobre a física, mas ao que trata do que se lança para
fora da Φυσις, esse direcionar para um outro ente, para o ente em geral e para o que é verdadeiramente ente. Esta mudança
radical acontece no interior da filosofia propriamente dita.”
( HEIDEGGER 2009 P. 47)
18
Afirmando que“Por isso, a razão humana, desde que começou a pensar, ou melhor, a reflectir, não
pode prescindir de uma metafísica, embora não a tivesse sabido expor suficientemente liberta de todo
elemento estranho (KANT 1997, p. 664 , A853 B871/)
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Mas, façamos uma pequena pausa para refletirmos sobre o que foi dito até
agora, pois se o pensamento metafísico, para Heidegger, é o situar-se dentro da
pergunta, que nos leva para além do ser, somente um pensamento não metafísico (um
pensamento que o ultrapassa) poderia penetrar além do Ser em seu desvelar-se. A isto
Heidegger designa, O Nada ; “A essência do nada originariamente nadificante
consiste em: conduzir primeiramente o ser aí diante do ente enquanto tal”
(Heidegger 2005 p. 58) Leia-amos com atenção a seguinte afirmação:
Ser aí quer dizer: estar suspenso dentro do nada. Suspendendo-se dentro do
nada o ser aí já sempre está além do ente em sua totalidade. Este estar além
do ente designamos a transcendência. Se o ser-aí, nas raízes de sua
essência, não exercesse o ato de transcender, e isto expressamos agora
dizendo: se o ser aí não estivesse suspenso previamente dentro do nada, ele
jamais poderia entrar em relação com o ente e portanto, também não
consigo mesmo (HEIDEGGER 2005 p. 58, grifo nosso.)
Parece que agora tocamos o ponto nevrálgico desta exposição, que tenta
desbravar alguns caminhos que poderiam levar a este desvelamento do Ser aí (Dasein).
Mas, antes de prosseguirmos, é importante ressaltar que a crítica kantiana à metafísica
é geralmente interpretada como uma proposta epistemológica (tese dos
neokantianos). Porém defende Heidegger, que esta crítica em última instância prepara
o terreno para uma ontologia fundamental do Ser, uma proposta de análise cujo tema
é verificar como a consciência se coloca frente ao Mundo.
Visto que possuímos uma percepção artificial perante os fenômenos do Mundo
e não uma visão natural, sem pressupostos definidos, deveríamos, descrever o Mundo
tal qual ele nos surge espontaneamente ( limitado pela nossa condição finita), como
uma “volta as coisas mesmas”, esta seria a abertura (Erschossenheit) para o Mundo e
para o Dasein ( o estar no Mundo como presença)19.Posto isto, nos livramos de
algumas dificuldades que poderiam barrar a compreensão adequada sobre quais
conceitos Heidegger escrutina antes de colocar a questão sobre esta “Superação da
Metafísica”, somos então levados a investigar a essência do nada (se é que o nada
possui alguma essência ou fundamento), pois “Entre as coisas grandes que se podem
19
Alguns tradutores como Marcia Sá C. Schuback optam por traduzir DASEIN por presença ao invés de
ser aí; ser o aí; estar aí.
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encontrar entre nós, o ser do nada é a maior” (Leonardo da Vinci, Apud HEIDEGGER,
1969, p. 55).
A partir do próximo item, iremos nos deter um pouco em algumas definições
importantes, para se explicar o que se deve compreender por metafísica a partir de
alguns conceitos basilares. Antes de aprofundarmos a leitura, vejamos uma passagem
onde o professor Zeljko Loparic nos oferece uma definição da relação entre a
metafísica e o niilismo, causado pelo esquecimento do Ser;
Nos anos de 1930 Heidegger descobrira que o modo de ser do mundo
moderno aquele caracterizado pela vontade de poder explicitada por
Nietzsche não pode ser interpretado como projeto gerado a partir do terque-ser do ser-o-aí. (...)Mas os destinamentos dos modos da presentidade
que marcaram desde Platão até Nietzsche as épocas decisivas da história e
da civilização ocidentais, ocultam-se como tais, razão pela qual a história da
metafísica pode ser vista como um aprofundamento do abandono do
homem pelo ser-presença (LOPARIC 2004 p. 71, grifo nosso).
Se compreendemos Mundo e Ser como inseparáveis, notamos que o Ser é o
modo pelo qual temos acesso ao Mundo, esta seria uma atitude natural da essência
do homem(neste sentido só o homem possui Mundo, enquanto categoria
existencial).20 Vejamos o que diz Heidegger neste
sentido,
ao afirmar que isto
“permite que se reconheça os caminhos nos quais se esboçam as maneiras de uma
possível superação do niilismo.” :
Na presença e representação se manifesta o traço fundamental daquilo que
se desvelou ao pensamento ocidental como ser. “Ser” significa desde os
primórdios da Grecidade até os últimos tempos de nosso século: presentar.
Qualquer espécie de presença (Praesenz) e presentação brota do
acontecimento da presença (Anwesenheit). A “Vontade do poder” porém, é,
enquanto a realidade do real, um modo de aparecer do “ser” do ente
(HEIDEGGER 1969 p.32).
CARACTERIZAÇÃO DOS CONCEITOS RELATIVOS AO NIILISMO:
A questão do niilismo em termos Nietzschianos poderia ser caracterizada
como uma vontade de nada, como um fator que contamina de forma inevitável o ar do
mundo moderno, mas como superar esta linha?
Como seria isto viável, se precisamente a linguagem da metafísica e a
própria metafísica, seja ela a do Deus vivo ou Morto, formaram, enquanto
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metafisíca, aquela barreira que impede a ultrapassagem da linha, isto é, a
superação do niilismo? (HEIDEGGER 1969 p.37).
Para que este “ser aí” (Dasein) possa tentar se desprender das teias do niilismo
moderno ele deve, primeiramente, evitar que a razão seja o local único da construção
do Mundo, devemos explorar outras, e novas formas de habitar o mundo, a partir do
olhar, do escutar e do pensar. Vejamos, por exemplo, a frase de Leibniz que encerra a
sua preleção sobre o “Que é a metafísica?”; “Porque existe afinal ente e não antes
Nada?” (apud HEIDEGGER 1969 p.44.)
“Porquoi il y a plutôt quelque chose que rien?”; “Car le rien est plus simple et
plus facile que quelque chose” - (HEIDEGGER 2005 p. 87) (Porque o ser e não
antes o nada?; Porque o nada é o mais simples e o mais fácil que alguma
coisa. [nossa tradução])
Esta indagação é um dos agentes que fomentam a reflexão de Heidegger para a
caracterização do nada, como o caminho ou ponto de referência, para a reflexão sobre
o ser, é este o ponto de fruição sobre o qual o ser se encontra imerso. É chegada a
hora de se encarar a questão conforme ela nos solicita, ou melhor, aproveitando um
caminho, que já fora trilhado por Nietzsche. Mas se, para Nietzsche, a destruição da
Metafísica é necessária para a criação (transvaloração) de uma nova Metafísica,
baseada em uma fidelidade a terra21, Heidegger não visa simplesmente a destruição
21
Assim assinala Loparic (2004 p. 112 e 113); “(...) Heidegger descerra o horizonte em que se
movimentará sua meditação sobre Nietzsche: “E se a nossa existência mais profunda realmente esta
diante de uma grande decisão, se é verdade o que diz F. Nietzsche, o último filósofo alemão que
apaixonadamente procurou Deus: ‘Deus esta morto’, se nós temos que levar a sério este abandono do
homem atual em meio aos entes... “. De que fala esta palavra: ‘Deus esta morto’ que não do ente em
geral, do fundamento dos entes que se esvaiu, no mais ente que perdeu sua força de fundamentação?
Mas isso põe em crise toda a metafísica. Ela é sacudida em seus fundamentos, por esse grito do último
metafísico. A experiência radical do sentido do ‘Deus esta morto’ colocou Heidegger na decisão suprema
diante de toda metafísica. A tese de Heidegger sobre a presença de Nietzsche como último pensador da
metafísica se esboça do seguinte modo: “A metafísica funda uma época enquanto lhe dá o fundamento
de sua forma essencial, através de uma determinada explicação do ente e através de uma determinada
concepção da verdade. Esse fundamento perpassa todas as manifestações que caracterizam a época.”
Nietzsche é o sinal que indica o fim dessa época e ao mesmo tempo o começo e as direções da nova
época. Quais são os sinais concretos com que essa época vem caracterizada pela metafísica? Esta é a
pergunta que surge que surge no fim da leitura da obra de Heidegger sobre Nietzsche, que é uma tese
filosófica sobre toda a história da filosofia e não só isto, mas uma tese sobre a história ocidental. Esta
tese ao mesmo tempo perpassa toda a interpretação de Nietzsche, e quer ver Nietzsche como o ponto de
intersecção que encerra e inicia duas épocas.”
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(Destruktion der Geschichte der Ontologie)22, mas sim a superação, que
referencialmente é um conceito antagônico neste sentido. “Se Deus não existe, então
tudo é permitido”, está já era a idéia corrente do personagem literário Kirílov na obra
“Os demônios” de Fiodór Dostoiévski. Porém para Friedrich Nietzsche, o homem cujo
espírito é livre das amarras da vontade e da representação, não deve sucumbir ao
niilismo cego, pois o ser humano é ser antes de tudo um ser moral, e portanto, apto a
criar seus próprios valores, fazendo com que a vida seja enaltecida em sua infinita
multiplicidade de formas23. E se como diz Heidegger, o caminho para o nada, é o que
nos poderia elevar até o nível da superação da metafísica, devemos refletir seriamente
sobre isto, sobre o conceito singular de Ser para a morte, ou da definição do homem,
como o lugar tenente do nada. Na definição do dicionário de Filosofia de Ferrater
Mora, podemos ver o claramente o lado positivo do conceito de nada;
O Nada não é, para Heidegger, a negação de um ente, mas aquilo que
possibilita o não e a negação. O nada seria nesse caso, o “elemento”
dentro do qual flutua a Existência, esforçando-se por manter-se a
tona. Esse nada é descoberto por um fenômeno primordial, de índole
existencial: a angústia. Assim, o nada é o que torna possível o
transcendente do ser, é o que “implica” em sentido ontológico, e não
lógico- o Ser (MORA p. 493).
A CRÍTICA HEDEGGERIANA A ONTOLOGIA TRADICIONAL:
Foram as leituras de Nietzsche (que também era grande apreciador dos présocráticos, em detrimento a dialética do próprio Sócrates), que influenciaram
Heidegger24 a interpretar este pensamento dos primeiros filósofos como uma
22
Para mais detalhes ver (LOPARIC 2003 p.25): “a destruição (destruktion) da metafísica não significa o
seu desmantelamento, mas sua desconstrução (abbau) a partir de sua origem pré metafísica. Trata-se
de uma tarefa que obedece a leis próprias, distintas das que regem estudos históricos-filosóficos e
filológicos (as traduções “violentas” dos textos gregos oferecidas por Heidegger são a melhor prova
disto.). Da mesma maneira a expressão “o fim da metafísica” não designa a eliminação da vida cultural
do Ocidente, mas tão somente a libertação do ente do poder da representação. ”
23
“Acima da atualidade esta a possibilidade” (HEIDEGGER 1973 p.500 frase com que Heidegger conclui
“Meu Caminho para a fenomenologia”)
24
“Heidegger se ocupou com o estudo do pensamento de Nietzsche por um período que vai do final dos
anos 30 a meados dos anos 50. A publicação de seus estudos constitui um divisor de águas e uma
referência obrigatória para qualquer interpretação da obra de Nietzsche. Segundo Heidegger, Nietzsche
é o filósofo em cujo pensamento a metafísica é conduzida aos limites extremos de sua possibilidade. Ao
mesmo tempo que representa o extremo aprofundamento e radicalização da metafísica – levando à sua
consumação e esgotamento -, Nietzsche seria também um preparador de terreno para sua superação.”
(GIACÓIA 2000 p.74 e 75)
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alternativa ao caminho Platônico/Aristotélico Racional, para neste registro mais
fundamental, situar a emergência de um retorno a metafísica do ser, que busca-se
posteriormente superá-la;
Esta “superação da metafísica”, contudo, não rejeita a metafísica. Enquanto
o homem permanecer animal rationale é ele animal methaphysicum.
Enquanto o homem se compreender como animal racional, pertence a
metafísica, na palavra de Kant, à natureza do homem. Se bem sucedido
talvez fosse possível ao pensamento retornar ao fundamento da metafísica,
provocando uma mudança da essência do homem de cuja metamorfose
poderia resultar uma transformação da metafísica (HEIDEGGER 2005 p. 78,
grifo nosso).
Kant seria o definidor do problema em seus termos mais exatos, porém, ele
nada fez, no sentido de resolver estas antinomias, ou solucionar definitivamente a
questão (muito embora ele tenha “imaginado” que atingiu tal fim). Com Heidegger, a
questão é levada mais além, aos seus limites mais extremos, pois a pergunta pelo
fundamento do Dasein, em seu sentido ontológico, levaria a uma continuação da
busca por uma fonte última, mais originária que a síntese veritativa, apofântica ou
predicativa, seria agora, necessário, uma crítica ao próprio princípio de identidade, e
mesmo ao princípio da razão suficiente, pois:
Se do ponto de vista lógico, o sentido de uma proposição é independente do
seu valor de verdade, do ponto de vista psicológico nem sempre é assim. Só
entendo realmente quando tomo consciência que o entendido pretende ser
verdadeiro e isso acontece por regra geral, quando percebo que se opõe a
uma de minhas crenças (PORTA p.72).
Para Heidegger, as proposições lógicas, não são algo definidor do verdadeiro ou
do falso, em seu valor ultimo de realidade. Esta crítica tem como alvo os positivistas
lógicos, por exemplo Carnap, pois segundo este autor, dizer que “o nada, nadifica-se”
é logicamente falando, o mesmo que dizer, a “chuva chove”, não se trataria , em
ambos os casos de enunciado proposicionais, mas sim de pseudo-enunciados, vazios
de significado, portanto, algo só faz sentido se puder ser verificado e analisado em
termos de verdadeiro ou falso, conforme os preceitos definidos pelo Círculo de Viena.
Mas no tocante a ontologia do ser, esta tradição, comete um equívoco, pois:
Elas (as ciências) pensam que com a representação do ente se esgota toda
circunscrição do investigável e problemático; de que fora do ente não existe
nada mais. Esta opinião das ciências é assumida provisoriamente pela
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pergunta pela essência da metafísica, e aparentemente partilhada com elas.
Entretanto, cada um que sabe refletir já deve saber que uma pergunta pela
essência da metafísica só pode somente pode ter em mira o que caracteriza
a meta-fisica: isto é a ultrapassagem, o ser do ente. Ao contrário, na
perspectiva da representação cientifica, que somente conhece o ente,
aquilo que de nenhum modo é ente ( a saber o ser) apenas se pode oferecer
o nada. Por isto a preleção pergunta por este nada (HEIDEGGER ,1969, p.54).
Esta ultrapassagem (que é o revelar do Ser do ente) deveria, portanto se
diferenciar do caráter produtivo (“conduzir para diante de”) da ciência, e funcionar
como um referencial para o pensamento fundamental e mais radical sobre o Ser;
“Chamemos de pensamento fundamental aquele cujos pensamentos não apenas
calculam, mas são determinados pelo outro do ente. Em vez de calcular com o ente
sobre o ente, este pensamento se dissipa no ser pela verdade do ser” (HEIDEGGER
,1969, p.54). A verdade última não mais existe, portanto só no resta calcular o que
ganhamos ou perdemos, durante a jornada da vida. Agora, a única alternativa que nos
resta é buscar uma saída em nós mesmos, assim a liberdade de nosso destino há de
estar em nosso poder, dentro de nossa infinita imaginação. Pois como vimos, ela não
reside mais fora de nós, e não paira nem mesmo em algum Éter desconhecido. Se
tivermos força de caráter suficiente para iluminá-la e encará-la sem temor, toda chama
entregue a nós por Prometeu25, iluminará nosso tempo. O homem poderá então, se
tornar aquilo que se é. E banhado pela sabedoria das primeiras grandes civilizações,
no berço do pensamento ocidental, decifrara novamente o grande enigma imposto a
Édipo pela esfinge26.
E ao compreendermos o misterioso enigma de nossa própria finitude, do
nosso ser para a morte, e da origem de todos os grandes conceitos cunhados pelos
pensadores gregos com isto, talvez esta angústia de viver sem fundamentos presente
ao nosso ser aí, seja dissipada de suas idiossincrasias lógicas, para que finalmente
25
(NIETZSCHE 2005 p.203), no aforisma 300 lemos: “Foi preciso que Prometeu imaginasse antes haver
roubado a luz e pagasse por isso – para finalmente descobrir que havia criado a luz ao ansiar por ela, e
que não apenas o ser humano, mas também a divindade fora obra de suas mãos e argila de suas mão?
Tudo apenas imagens do formado de imagens: - assim como a ilusão, o furto, o Cáucaso, o abutre e toda
trágica Prometéia dos homens do conhecimento?”
26
«Qual é o ser que no começo da vida anda com quatro pés, a meio da vida anda com dois pés e pelo
fim da vida anda com três pés?? O HOMEM.»
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possamos desdenhar da razão ultima27, em favor de uma vida mais autentica e mais
relacionada à “verdade” ( enquanto Alethéia28) do Ser. Ou seja:
“A essência da verdade se desvelou como liberdade. Esta é o deixar-ser eksistente que desvela o ente. Todo comportamento aberto se movimenta no
deixar-ser do ente e se relaciona com este ou aquele ente particular. A
liberdade já colocou previamente o comportamento em harmonia com o
ente em sua totalidade...”(HEIDEGGER 1996. p. 130, grifo nosso)
Como foi exposto, em Nietzsche podemos ver esboçada esta tentativa, não de
estabelecer novos pontos cardeais, para a Metafísica, mas de absolutamente destruílos, para que posteriormente, algo de novo pudesse surgir.Aqui esse ponto é bem
ilustrado:
“Segundo Heidegger , Nietzsche é o filósofo em cujo pensamento a
metafísica é conduzida aos limites extremos de sua possibilidade. Ao mesmo
tempo que representa o extremo aprofundamento – levando a sua
consumação esgotamento – Nietzsche seria também um preparador do
terreno para a sua superação.” (GIACÓIA2000 p.75, grifo nosso)
A superação/destruição/ultrapassagem (ou, conforme vimos na nota 12 a
desconstrução, possui o intento de atingir
o ser do ente, fora do registro da
representação) deveria portanto funcionar como solo fundamental (grund) ou
referencial, para o pensamento mais radical sobre o Ser. Ultrapassar é estar
posicionado além da questão, (não meta, o que nos direcionaria ao depois). Isto
significa não estar nem diante (antes), nem adiante(depois), nem ao lado, a esquerda
ou a direita, nem acima ou abaixo, nem ao norte, nem ao sul, nem mesmo dentro,
posto que já a transpassamos... e ao superarmos a metafísica ela deixa de ser uma
questão válida para as futuras investigações. Mas aqui, gostaríamos de questionar:
27
Ver LOPARIC 2004 – “Ética e Finitude” (para mais detalhes sobre a crise teológica do fundamento ver
cap I A crise do infinitismo e cap. II O principio do fundamento) na p.25 lemos que :“A ratio suficiens, o
fundamento próprio e unicamente suficiente a summa ratio “a mais alta garantia para ubíqua
calculabilidade, para o calculo do universo é Deus.”Heidegger lembra a nota de Leibniz de 1677 que diz:
Cum Deus calculati fit mundus, “enquanto Deus calcula, o mundo é criado”. Deus é comparável a
máquina de calcular, algo parecido a máquina universal de Turing, que só pensa computando e que
resolve dessa maneira todos os problemas do mundo. Mesmo depois da morte de Deus, atestada por
Nietzsche na época de hoje “...o mundo permanece calculado, pondo até mesmo os homens nos seus
cálculos uma vez que tudo é contado segundo o principio da razão suficiente.”
28
“O que se realiza para a fenomenologia dos atos conscientes, como o auto mostrar-se dos fenômenos,
é mais originariamente pensado por Aristóteles como alethéia, como desvelamento do que se presenta ,
seu desocultamento, seu mostrar-se. O que as investigações fenomenológicas re-descobriram como
atitude básica do pensamento se apresenta como o traço nodal do pensamento grego e talvez mesmo
da filosofia enquanto tal” (HEIDEGGER 1976 p.498)
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Superar para onde? Para um diferente plano? Para uma Vontade de potência? Uma
subjetividade primordial? Uma nova tábua de categorias? Ou uma intuição original? O
próprio Heidegger se coloca esta questão, na obra, “Nietzsche, Metafísica e Niilismo”,e
por superação ele define:
“Superar”- trazer para trás de si e sob si mesmo. Ou trazer apenas para trás
de si, a fim e que algo seja afastado; ou trazer sob si mesmo, a fim de que o
superado – transformado através da superação – se amolde ao mesmo
tempo ao outro que o supra. A superação precisa, antes de tudo
compreender-se e dar um passo em direção ao que lhe é essencial”
(HEIDEGGER 2000 p. 157, grifo nosso)
CONCLUSÃO:
Mesmo depois de realizada a revolução copernicana de Kant29 (que relativizou
a posição do sujeito do conhecimento tornando-o a condição de possibilidade da
experiência a priori ante o Mundo), esta é ainda insuficiente para cumprir este
propósito. E, neste sentido, Heidegger é herdeiro do prisma Nietzschiano, onde a
vontade de poder age em sua instância artística do existir, como o elemento de
transformação do Mundo em seu sentido poético fundamental, pois:
“Para Nietzsche a morte de Deus é expressão simbólica do desaparecimento
deste horizonte metafísico, baseado na oposição entre aparência e
realidade, verdade e falsidade, bem e mal. Isso significa que não podemos
mais sustentar uma crença num conhecimento objetivo, que ultrapasse a
particularidade de nossos afetos.” (GIACÓIA 2000 p. 24, grifo nosso)
Portanto, não seria absurdo colocar a ausência de algo, como o subsídio para o
pensar, assim, a presença do Ser, pode se ligar de modo não contraditório a sua
essência ausente, o Nada, que é pré condição de sua existência como Totalidade
(Mundo). O Tempo, é o “pano de fundo”, que revela o Ser em sua nudez. É somente no
Tempo, que o Ser se mostra. Mas o que é este mostrar-se? Que simultaneamente ao
seu revelar, também se retrai, se vela, e se oculta? Esta ambigüidade é sua morada, a
ambigüidade da palavra, que é morada deste Ser, que ao se apresentar, se esconde
como signo de algo que lhe é além.
29
Kant deriva toda sua Crítica da Razão Pura, do livro “Principia Matemática” de Newton, como uma
validação do principio de indução, para que possamos compreender como são possíveis na ciência
física/matemática os juízos sintéticos a priori. Definindo assim as categorias e também os limites a que
estão circunscritos tais juízos provenientes da pura razão e averiguando se estes ainda seriam validos
para a metafísica.
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O filósofo Heráclito de Éfeso , com suas metáforas, nos diz, que não podemos
nos banhar duas vezes em um mesmo rio, pois ao retornarmos para um segundo
mergulho nestas profundezas, suas águas que ali se encontravam no primeiro banho,
já teriam fluido para outros lugares, e este seria portanto outro, e nós, do mesmo
modo, já não seriamos os mesmos, mas algo diverso do que éramos da primeira vez
que ali imergimos. Nietzsche se utiliza de Heráclito, de modo bastante forte, para se
referir ao caráter de constante metamorfose presente em seu pensamento e na
heterogeneidade do mundo em constante devir. Em Heidegger, não se passa algo
muito distante disto, poderíamos abusar um pouco mais desta metáfora e dizer
(obviamente, com a imprecisão das generalizações) que o rio de Heráclito, 30 é algo
próximo, do conceito de Tempo em Heidegger, onde o Ser se encontra imerso,
flutuando em sua correnteza eterna, e de modo circular, retornando indefinidamente
ao seu ponto de partida, que nomearemos, o Vazio (Ou ou Ente em sua Totalidade).
Assim, só podemos concluir algo, trilhando o caminho da singularização/solidão31, para
que possamos atingir o centro da questão. Assim, por meio da angústia e do tédio, o
homem pode se posicionar num patamar filosófico privilegiado. Que tem por
qualidade positiva, “elevar” o homem a um estágio revelador do pensamento. Estágio,
que pode revelar o Ser (Dasein), como o lançado no Mundo em sua nudez. Pois
estamos lançados nesta Totalidade, somos seres finitos, e temos como fardo, a
obrigação de nos tornarmos algo (“Eu sou aquilo que faço de minhas possibilidades”),
isto leva a solidão, à angústia profunda, e é precisamente ao sermos tocados por esta
atmosfera essencial que se nos revela o Ser.
Esta tonalidade afetiva fundamental constitui nossa singularização no Mundo.
Descobrimos então, que o Ser compete ao Filosofar (“o que distingue a filosofia é o
pensar”), e que o ente é o objeto da ciência, sendo parte da decadência do pensar, o
vórtice para onde a tékhne pode nos arrastar, nos levando ao esquecimento do Ser.
Pois a decadência é sinal da evasão da metafísica que mediante sua ambigüidade,
30O
filósofo Heráclito de Éfeso , nos diz, em seu fragmento 49a: “Nos mesmos rios entramos e não
entramos, somos e não somos.” (PRÉ SOCRÁTICOS 2005 col. Pensadores p.92)
31
A angústia ou tédio profundo, são as tonalidades afetivas fundamentais (ver HEIDEGGER 2006,
primeira parte cap. 5)
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impele o ser do homem, a estar na verdade e na não verdade ao mesmo tempo, ou
seja, ao niilismo;
“[...]suposto que a essência do niilismo consiste no esquecimento do Ser” ;
“Mas assim não atentamos àquilo que significa o esquecimento enquanto
velamento do Ser. Se atentamos a isto, experimentamos a desconcertante
necessidade: em vez de querer superar o niilismo devemos primeiro
penetrar sua essência.” (HEIDEGGER ,1969, p. 58 -9, grifo nosso).
Mas talvez esta questão não possua seu cerne, sendo sua essência um puro
vazio, abismo, destino incontornável do homem rumo ao seu fim inevitável. Só nos
resta então, finalizar este artigo com a conclusão do escultor Florentino, Leonardo Da
Vinci que diz; “O nada não tem centro, e seus limites são o nada” (Apud HEIDEGGER,
1969, p. 55).
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