UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PRÓTESE DENTÁRIA Cláudia Maria de Oliveira Alves Pereira Esteves LESÕES CERVICAIS NÃO CARIOSAS Governador Valadares 2010 1 CLÁUDIA MARIA DE OLIVEIRA ALVES PEREIRA ESTEVES LESÕES CERVICAIS NÃO CARIOSAS Monografia apresentada à Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Vale do Rio Doce, para obtenção do título de Especialista em Prótese Dentária Orientador: Prof. Ms. Cândido dos Reis Badaró Filho. Governador Valadares 2010 2 CLÁUDIA MARIA DE OLIVEIRA ALVES PEREIRA ESTEVES LESÕES CERVICAIS NÃO CARIOSAS Monografia apresentada à Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Vale do Rio Doce, para obtenção do título de Especialista em Prótese Dentária Governador Valadares, _____ de ________________ de _______ Banca Examinadora: ____________________________________________________ Universidade Vale do Rio Doce ____________________________________________________ Universidade Vale do Rio Doce ____________________________________________________ Universidade Vale do Rio Doce 3 Ao meu DEUS que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós. Ao meu pai, grande exemplo de integridade e amor incondicional. À minha mãe, meu espelho, exemplo de que é possível ser mãe, esposa, profissional, mulher e chegar lá. Ao meu esposo, pelo amor, incentivo e compreensão. Aos meus amores, Valdo e Carol, por entenderem os momentos de ausência e me apoiarem ainda assim. A você irmã querida a certeza de que nunca se vai para sempre enquanto permanece vivo nos corações daqueles que ficam. 4 AGRADECIMENTOS Ao Prof. Ms. Cândido dos Reis Badaró Filho,coordenador e orientador, amigo de todas as horas. Obrigado por estar firme comigo nesta jornada final. Ao Prof. Rômulo Hissa, que nos mostrou o que é ser um verdadeiro mestre. Ao Pr. Elífio, pelo sustento em orações. Aos meus familiares, Miguel, Marcella, Dan, Malu, Alysson e Millena, valeu a força. A Diana, tia Meg e tia Flavinha, valeu a acolhida. A Fabiane e Glorinha vocês foram anjos colocados por DEUS nesta reta final. 5 RESUMO Les€o cervical n€o cariosa (LCNC) • um tipo de les€o que encontramos com bastante freq‚ƒncia na cl„nica odontol…gica. O paciente tem procurado o cirurgi€o dentista na busca para solu†€o do desconforto apresentado, devido ‡ hipersensibilidade dentinˆria associada a essas les‰es ou devido ao comprometimento est•tico. Estas les‰es caracterizam-se pela perda de estrutura dentˆria pr…ximo ‡ jun†€o esmalte-cemento (JEC), devido ‡s cargas oclusais fora do longo eixo do dente. Abfra†€o vem do Latim, “ab” distante” fractio” ruptura. Normalmente este tipo de les€o apresenta-se em forma de cunha na face vestibular dos dentes; especialmente nos pr•-molares, pois estes dentes est€o bastante sujeitos ao estresse da oclus€o pela sua configura†€o anatŒmica e localiza†€o na arcada em geral est€o associadas com facetas de desgastes e hˆbitos parafuncionais, especialmente o bruxismo; podendo ocorrer tamb•m nas margens de coroas totais. O cirurgi€o dentista deve ter um olhar cl„nico mais agu†ado durante a anamnese e exame cl„nico de todo e qualquer paciente, no que se refere a este tipo de les€o cervical n€o cariosa. No exame cl„nico, deve avaliar a oclus€o e desoclus€o do paciente, identificando, tratando e/ou encaminhando para a elimina†€o das anormalidades. Tamb•m o cirurgi€o dentista deve estar embasado para saber realizar o diagn…stico diferencial de abfra†€o das demais les‰es cervicais n€o cariosas (eros€o e abras€o) e, ainda, saber identificar as les‰es multifatoriais, pois a corre†€o apenas restauradora da cavidade formada e/ou elimina†€o da hipersensibilidade dentinˆria associada ‡ les€o de abfra†€o levarˆ ao fracasso de qualquer t•cnica restauradora empregada (resina composta, cimento de ionŒmero de vidro, selantes, entre outros) num curto intervalo de tempo n€o serˆ o tratamento ideal, se os fatores causais n€o foram eliminados, elas ressurgir€o nas margens destas restaura†‰es. Palavras chave: Abfra†€o. Cargas oclusais. Hˆbitos parafuncionais. Les€o cervical. 6 ABSTRACT Noncarious cervical lesions (NCCL) the type of lesion of that we found with plenty frequency dentistry clinical. The patient have been seeking the dentist in the search goes the solution the discomfort presented, due to hypersensibility dentin associated with these to insult or due to the aesthetic compromising. The lesions characterizes goes the next loss of dental structure to the enamel-cement junction (JEC), due to oclusais load strong I of the long axle of the tooth. Abfraction eat of the Latin, where "ab" means away and "fraction" means breaking. Normally the type the insult presented in wedge form; live commonly in the facial surface of teeth; especially in the premolar first that will be of teeth that, therefore of teeth that plows plenty subjects to the stress oclusal goes his/her anatomical configuration and location in the arcade, in general they are strong parafunctional associates with facets of consuming and habits, especially the bruxism; being able to occur under the margins of completes crowns. The dentist should have to look lives attn physician sharpened during anamnesis and clinical examination of and any patient goes them this type of no carious cervical lesion. In the clinical examination, he must evaluate the occlusion and desocclusion of the patient, identifying, treating and/or directing goes the elimination of the abnormalities. Also the dentist must be based to know to make the discern diagnosis of Abfraction of other no carious cervical lesions (erosion and abrasion) and still to know to identify the multifactorial lesions, therefore the only restoring correction of the formed socket and/or elimination of the hypersensitivity dentin associate to the abfraction lesion will take to the failure of any used restoring technique (composed resin, cement of ionomer of glass,selants, among others) in to shorts interval of team, if the factor(es) etiology (ies) will not be eliminated. Words key: Abfração. Loads oclusais. Habits parafuncionais. Cervical lesion. 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 2 REVISÃO DA LITERATURA .............................................................................................. 2.1 CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES ........................................................................................ 2.1.1. LESÕES NÃO CARIOSAS ............................................................................................... 2.1.2. LESÕES CERVICAIS NÃO CARIOSAS......................................................................... 2.2 HISTOMORFOLOFIA E INTER-RELAÇÃO DOS TECIDOS DENTÁRIOS MINERALIZADOS NA REGIÃO CERVICAL ......................................................................... 2.3 A INTER-RELAÇÃO COM A OCLUSÃO.......................................................................... 2.4 ETIOLOGIA DAS LESÕES CERVICAIS NÃO CARIOSAS (LCNC)............................... 2.5 TRATAMENTO.................................................................................................................... 3 DISCUSSÃO ............................................................................................................................ 4 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 8 1 INTRODUÇÃO As les‰es cervicais n€o cariosas (LCNC) s€o caracterizadas pela perda da estrutura dentˆria na por†€o cervical dos dentes podendo trazer aos pacientes problemas est•ticos e, principalmente, desconforto, devido ‡ hipersensibilidade, que comumente desenvolve-se nesta regi€o. A descri†€o inicial da perda de esmalte na regi€o cervical foi feita por ZSIGMONDY, em 1894 - apud REES e JAGGER, 2003. Ele as descreveu como defeitos em cunha afetando a face vestibular dos dentes superiores anteriores. At• os anos 70, nenhuma das explica†‰es apresentadas na literatura esclarecia adequadamente o desenvolvimento dessas les‰es. Posteriormente, diversos estudos relacionaram a esse tipo de les€o como defeito em forma de cunha. O termo ‘’abfra†€o’’ foi ent€o introduzido por GRIPPO, 1991 com o objetivo de distingui-las das les‰es causadas por eros€o e abras€o. Combinaram-se ent€o palavras latinas “ab” distante e “fractio” quebra. Ele definiu ent€o abfra†€o como a “perda patol…gica’’ de tecido duro em decorrƒncia de for†as biomec•nicas que causam uma flex€o dental e conseq‚ente fadiga do esmalte e dentina, em um local distante do ponto da carga oclusal. O cirurgi€o dentista deve estar atento, pois as les‰es cariosas se instalam e se evoluem como resultado de um processo desenvolvido por bact•rias, enquanto as LCNC s€o decorrentes da perda de tecido dentˆrio na regi€o cervical JEC (jun†€o amelo cementˆria), sem envolvimento bacteriano, representando um problema cl„nico de dif„cil solu†€o, pois devido ‡ etiologia controversa e multifatorial, a abfra†€o • um fenŒmeno de dif„cil diagn…stico. Em virtude da import•ncia que estas les‰es representam quando presente nos indiv„duos, este trabalho tem como proposta apresentar uma revis€o literˆria, com o objetivo de facilitar o entendimento aos cirurgi‰es dentistas com rela†€o aos conceitos, etiologias, sintomas, diagn…sticos e possibilidades terapƒuticas, aspectos de grande import•ncia para a prˆtica odontol…gica. 9 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Classificação das Lesões Em 1996, IMFELD, observou que, classicamente, as lesões resultantes da perda de estrutura dentária irreversível, não relacionada com a doença cárie têm sido atribuídas a processos de abrasão, erosão, atrição, abfração, reabsorção e demastigação. Pela avaliação dos desgastes cervicais, classificou estes processos destrutivos em: Lesões não cariosas: reabsorção e demastigação Lesões cervicais não cariosas: abrasão, atrição, erosão e abfração. Na classificação das LCNC, inicialmente, deve-se proceder ao diagnóstico diferencial, para isso os seguintes passos devem ser considerados: Classificação e registro clínico da localização e severidade das lesões. O exame deve ser feito com iluminação adequada e os dentes devem estar limpos e secos. Recomenda-se secar com papel absorvente para evitar desconforto em áreas de dentina exposta. - Documentação: análise de modelos de estudo - Teste de saliva: fluxo salivar no repouso, fluxo estimulado e capacidade tampão. - História médica: detecção de doenças sistêmicas. - História dentária: condições e hábitos oclusais. E em 1988, BEVENIUS et al., acrescentaram: - Ocupação do paciente 2.1.1 Lesões não cariosas A - Reabsorção O termo clínico reabsorção, reabsorção radicular, reabsorção dental, se refere à remoção de tecido duro por ação dos cementoclastos, dentinoclastos e ameloclastos. Pode ser um processo fisiológico quando se refere à dentição decídua, ou um processo patológico quando ocorre em decorrência de um trauma, presença de um cisto ou uma neoplasia. A reabsorção, com objetivo de uma classificação, mais completa, não deve ser omitida como um processo destrutivo não carioso (IMFELD, 1996). 10 B- Demastiga€•o O termo demastiga†€o, derivado do verbo latino mandere, mandi, mansum, descreve o desgaste dos dentes durante a mastiga†€o dos alimentos e estes, pela forma†€o do bolo alimentar intervƒm nas superf„cies dentais, desgastando-as, podendo ser patol…gico quando se refere ao consumo exagerado de alimentos muito duros. Embora o termo seja usado na literatura dental, este tipo de desgaste pode tamb•m ser classificado como uma combina†€o de abras€o e atri†€o (IMFELD, 1996). 2.1. 2 Les‚es Cervicais N•o Cariosas De acordo com BADER (1993) a classifica†€o das LCNC era normalmente feita atrav•s do seu fator causal, e ‡s vezes pelas suas caracter„sticas cl„nicas. A perda de tecido dentˆrio, sem a†€o bacteriana, era dividida em abras€o, eros€o, atri†€o e dando ƒnfase ‡s les‰es provenientes da a†€o oclusal inadequada, que causavam tens€o e perda de estrutura dental na regi€o cervical do dente, chamada a partir de 1991 de “abfra†€o”. Dessas quatro categorias, apenas a atri†€o n€o foi considerada por ele como LCNC, pois a perda da estrutura dental se dava nas faces oclusal e incisal dos dentes, sendo provocada durante os movimentos funcionais de mastiga†€o e parafuncionais (bruxismo). A – Atri€•o A atri†€o • a quebra de estrutura resultante do contato dente a dente, atrav•s dos movimentos de fun†€o ou parafun†€o, segundo (SHAFER et AL., 1985). Por sua natureza, se apresenta como facetas de desgastes geralmente bem definidos, planas, com bordas bem circunscritas. Pode ocorrer nas faces oclusais, incisais e tamb•m oclusal anŒmala. Esse fenŒmeno • mais fisiol…gico do que patol…gico, estando associado ao processo de envelhecimento. Quanto mais idosa for a pessoa, mais acentuada serˆ a atri†€o (SHAFER et al, 1985; IMFELD, 1996). BOWELS et al., 1995, conduziram um estudo para verificar o efeito delet•rio que o tabaco pode ter sobre a superf„cie dental. O tabaco aglutinado com a saliva forma uma pasta 11 abrasiva, cuja ação aumenta o desgaste dentário, com potencial para desencadear dessa forma uma lesão clássica de associação de abrasão dentária e atrição. Pacientes que apresentam atrição dentária, também apresentam outras características importantes como: facetas de desgastes, língua fissurada e cicatrizes na mucosa bucal, e que os indivíduos com hábitos de apertamento dentário podem não estar cientes desse hábito. (BISHOP et al., 1997) B – Eros•o A erosão refere-se à perda de estrutura dentária por processo químico de origem não bacteriana. O processo erosivo de origem intrínseca é resultante do contato dos ácidos gástricos que atingem a cavidade oral, provenientes de regurgitação gastro-esofágica e à superfície dos dentes. Dentre as desordens associadas à regurgitação crônica, incluem-se as metabólicas ou endócrinas (hipertireoidismo), psicossomáticas (bulimia e anorexia nervosa), efeitos colaterais de drogas, desordens do trato gastrointestinal, hérnia de hiato, úlceras pépticas, gestações contínuas. Os fatores extrínsecos são: dieta (frutas cítricas e bebidas ácidas) meio ambiente (indústrias químicas, piscinas cloradas), medicamentos (vitamina C, aspirina, ácido clorídrico). (XHONGA e VAN HERLE, 1973; FULLER et al, 1977; ECCLES, 1979). C – Abras•o A palavra abrasão é derivada do latim abradere e descreve a perda de substância por um processo mecânico repetitivo que envolve objetos ou substâncias, podendo ser difusa ou localizada. O fator mais comumente apontado como causa de abrasão das superfícies dentárias é o uso de dentifrícios abrasivos. Nesse processo, o tamanho das partículas abrasivas do creme dental, a pressão exercida e a freqüência da escovação são fatores importantes. Apesar dos dentifrícios modernos não serem suficientemente abrasivos para afetar intensamente o esmalte, ainda assim podem causar acentuado desgaste do cemento e dentina quando a escova de dente é imprudentemente mais utilizada no sentido horizontal que no vertical. A contribuição da abrasão por escovação na etiologia das lesões cervicais varia dependendo da lesão. A estrutura dentária que for afetada por força de tração fica susceptível à fricção, mas apenas onde há acesso da escova. Portanto essa etiologia não explica todas as lesões cervicais 12 abrasivas. Outras formas menos comuns de abras€o pode estar relacionada ao hˆbito ou ‡ ocupa†€o do paciente, como por exemplo, o hˆbito de abrir grampo de cabelo, segurar tachas e alfinetes entre os dentes, podem resultar em um entalhe no bordo incisal dos incisivos. Fumantes podem apresentar uma chanfradura nos dentes. O uso incorreto do fio dental e do palito tamb•m pode levar as les‰es na superf„cie proximal de ra„zes expostas o que tamb•m seria considerada uma forma de abras€o. (MONDELLI et al., 1984; LEE e EAKLE, 1984; LAMBERT e LIDERNMUTH, 1994; KLIEMANN, 2002). D – Abfra€•o A abfra†€o • a quarta classifica†€o e tem sido recentemente apresentada na literatura. “Este termo foi criado por GRIPPO (1991) aonde ”Abfra†€o’’, vem do latim “Abfraction”, em que “ab” significa distante e ”fractio“ significa quebra, ruptura; para distinguir o tipo de les€o cervical dentˆria associada com flex€o de c•spide. Clinicamente, as les‰es de abfra†€o s€o afiadas, angulares, em forma de cunha, encontradas na regi€o cervical dos dentes. 2. 2. Histomorfologia e inter-rela€•o dos tecidos dent„rios mineralizados na regi•o cervical Em 1977, DAVIS e WINTER observaram que a espessura do esmalte da coroa pr…xima a margem gengival variava de 0 a 500 micrometros e que a dentina cervical sob esta prote†€o t€o delicada poderia ser facilmente exposta. Segundo MJ‘R (1996, (apud KLIEMANN, 2002)), a interface na jun†€o esmaltedentina consiste numa superf„cie irregular denteada, importante no entrela†amento e ades€o desses tecidos na regi€o cervical, e tamb•m, para minimizar as possibilidades do desenvolvimento de fratura ao longo da jun†€o dentina-esmalte. A penetra†€o de parte do esmalte na estrutura de dentina, atrav•s de fusos de esmalte, fornece uma ampla superf„cie para a aderƒncia do esmalte ‡ dentina, aumentando a ades€o. A rugosidade presente na ˆrea de interface aumenta a intera†€o entre esmalte e dentina trazendo conseq‚entemente aumento da resistƒncia adesiva na jun†€o dentina-esmalte. 13 Para THORSEN (1917), a junção amelo-cementária é considerada uma região singular de integração dos tecidos dentários mineralizados (esmalte, dentina e cemento) e está localizada em um importante microambiente. Ele observou que o cemento cobre o esmalte em aproximadamente 65% dos casos, 30% apresentam uma relação topo-topo, 4% com abertura, e raramente o esmalte cobre o cemento. O esmalte é a estrutura mais dura e mineralizada do corpo humano (parte inorgânica 92% a 96%, parte orgânica 1% a 2% e 3% a 4% de água). A dentina e a polpa têm origem no mesoderma e funcionalmente, comporta-se como um único órgão, daí a denominação complexo dentina polpa. Quando um dente recebe uma agressão, a primeira reação ocorre ao nível da dentina com obstrução dos seus túbulos dentinários (formação de dentina esclerosada). Persistindo a agressão e com maior intensidade, a reação passa a se processar no interior da polpa. Os odontoblastos se retraem e a pré-dentina se calcifica, formando uma nova camada de pré-dentina à frente da camada de odontoblastos (formação de dentina reacional). KLIEMANN, (2002) relatou que a dentina possui aproximadamente o mesmo módulo de elasticidade do osso alveolar, distinguindo-se como a parte do dente que menos suporta forças, estando sujeita a uma deformação maior, enquanto que o esmalte é rígido e indeformável. No entanto, a resistência elucida o porquê de dentina e esmalte, responderem diferentemente ao estresse de mastigação e parafunção. Portanto o conhecimento da morfologia da junção amelo-cementária propicia o entendimento dos mecanismos envolvidos na etiologia das doenças diretamente relacionadas com os tecidos dentários mineralizados, pulpares e periodontais. REES E JAGGER, 2003 citaram que a dentina tem propriedades visco-elásticas que fornecem a dente suficiente resiliência, para evitar fratura do esmalte durante a função mastigatória, uma vez que este é substancialmente mais frágil. O baixo módulo de elasticidade da dentina (15Gpa) muito menor que o do esmalte (80Gpa), resulta, portanto em uma menor resistência do esmalte à fratura quando comparada à dentina. A dentina é substancialmente mais resistente à tensão que o esmalte, podendo se deformar mais, sem fraturar. Entretanto, a habilidade das estruturas dentárias para suportar a tensão é limitada. As forças de tensão que agem sobre os dentes causam a ruptura das ligações químicas entre os cristais de hidroxiapatita e, à medida que as ligações entre os cristais vão sendo partidas, pequenas moléculas de água podem penetrar nos espaços formados, impedindo uma nova união química entre os cristais (PEGORARO et al., 2004). 14 2.3 A Inter-relação com a oclusão Para HAGBERG (1987), a forma de um dente e suas interações com os adjacentes e antagonistas são os determinantes maiores da função mastigatória, que geram tensões no sistema, onde a função protetora leva a um estado de equilíbrio dos tecidos de sustentação, cuja estimulação adequada resulta na correta absorção e neutralização das tensões. Durante a função os dentes estão sujeitos a forças cíclicas com uma freqüência de aproximadamente 1 Hz com um tempo de contato de 0.2 segundos. Durante as forças normais de mastigação as forças aplicadas aos dentes são pequenas, variando de 10N a 20N. A força aplicada pode ser aumentada voluntariamente, e varia de acordo com o sexo, idade e constituição física. A força máxima alcançada pelos incisivos é de 100N, aumentando gradualmente nos dentes posteriores alcançando em torno de 500N nos molares. Entretanto, pacientes com bruxismo ou outro hábito parafuncional podem aplicar forças de aproximadamente 1000N. Além disso, os bruxômanos contatam dentes entre 30 minutos e 3 horas no período de 24 horas, enquanto os não bruxômanos tem um tempo de contato em torno de 1 minuto. Uma oclusão correta deve estar vinculada a uma correta desoclusão. Só haverá desoclusão se houver oclusão, porque a desoclusão se faz a partir da oclusão. Numa oclusão estável, os dentes posteriores protegem os anteriores e demais elementos vitais do sistema gnático e os dentes anteriores protegem os posteriores e elementos vitais do sistema gnático (por exemplo: a articulação têmporo mandibular). Dessa forma, os dentes posteriores são capazes de deter o fechamento mandibular (oclusão) e os dentes anteriores tem a capacidade proteger os posteriores e as articulações têmporo-mandibulares na desoclusão. A oclusão consolidada pelos dentes posteriores se refere aos movimentos cêntricos (fechamento), enquanto a desoclusão produzida pelos anteriores se refere aos movimentos excêntricos da mandíbula (protrusão e lateralidade). Esta é a chamada Oclusão Mutuamente Protegida-OMP. Na oclusão mutuamente protegida (OMP), o canino participa com seu efeito centralizador durante fechamento para cêntrica e nas excursões laterais excêntricas desempenha seu principal papel, desocluindo e, assim, protegendo os posteriores e as articulações têmporo mandibulares. As relações excêntricas dos caninos é sinônimo de desoclusão. A desoclusão juntamente com a oclusão são fatores fundamentais de uma oclusão orgânica (ALONSO, et al. 1999). LEE; EAKLE (1984) alegaram que se por algum motivo os caninos são perdidos, forças laterais são transmitidas aos dentes posteriores com possível desenvolvimento de 15 lesões cervicais. Também demonstrou que as lesões de abfração são seis vezes, mais freqüentes em pacientes que apresentam a função em grupo quando comparado à oclusão com guia canino. Acredita-se que a guia de canino previna os contatos dentários dos elementos posteriores durante as excursões laterais. O equilíbrio obtido numa oclusão fisiológica, com o eficiente direcionamento das forças advindas da mastigação, resulta em mínima distorção dos tecidos dentários e neutralização das tensões. Na oclusão desarmônica, forças laterais geram desequilíbrio na dissipação das tensões induzidas pela mastigação e parafunção e são transmitidas aos dentes e ao periodonto, o que pode levar a alterações degenerativas nos tecidos de suporte e à flexão dentária, iniciando o processo de perda dentária na região cervical, assim como demonstrado por CORNACCHIA, em 1999. A oclusão é a relação estática (abrir e fechar) e dinâmica (movimentos laterais e protusivos) entre as superfícies oclusais dos dentes, que devem estar em harmonia com as demais estruturas do sistema estomatognático. Chama-se a atenção para este conceito, procurando fazer entender que todos os órgãos e estruturas que compõe este sistema são importantes e interdependentes e, como tal, devem ser avaliados, diagnosticados e tratados (CARDOSO, 2003). Para PEGORARO et al, (2004), essas lesões cervicais podem ocorrer isoladamente, devido a interferências oclusais ou de uma forma generalizada, devido à atividade parafuncional tipo bruxismo. Os dentes mais afetados por essas lesões cervicais são os prémolares, segundo os primeiros molares e caninos superiores, fato resultante do trabeculado ósseo desta região ser mais delgado do que em outras. A interferência oclusal é uma relação de contato oclusal que interfere de alguma forma com a função ou parafunção, resultando, portanto na evidência de dano ao sistema estomatognático. O trauma oclusal torna o dente extremamente sensível porque há uma somatória de fatores, ocorrendo o rompimento do epitélio juncional, a migração gengival e nova exposição radicular, hiperemia pulpar pela compressão do feixe vásculo-nervoso apical e ainda ruptura dos cristais a nível cervical com perda da estrutura dentária. A presença de sensibilidade sem lesão cervical ocorre com pouca freqüência; às vezes, a lesão é pequena ou intra-sulcular, dificultando a sua visualização e identificação clínica (LEE e EAKLE, 1984). Segundo BURKE et al., em 1995, existem vários fatores que podem confirmar a hipótese do relacionamento entre lesões-cervicais não cariosas e trauma oclusal. São eles: 1- As lesões são observadas em dentes sem que os elementos adjacentes estejam afetados. 2- As lesões progridem em volta das restaurações. 16 3- As lesões são raramente encontradas na face lingual dos dentes inferiores. 4- A incidência das lesões é maior em pacientes que apresentam hábitos parafuncionais (bruxismo) 5- As lesões podem ser subgengivais. A sensibilidade é comum nos pré-molares, pois estes são os dentes que mais participam da desoclusão quando falta a guia canina. Não há duvidas que nas LCNC em que há perda de estrutura dentária ocorra sensibilidade, pois expõem dentina. Até há pouco tempo, essas lesões eram consideradas como decorrentes de abrasão e erosão. Alguns pacientes apresentam bruxismo temporário, associado à tensão emocional, podendo diminuir ou desaparecer a sensibilidade quando o paciente está com menor nível de tensão. A sensibilidade também pode regredir através de um processo de formação de dentina reacional da polpa por obliteração dos túbulos dentinários através dos sais minerais existentes na saliva (IMFELD, 1996). A evolução da LCNC ocorre devido à dificuldade na identificação clínica e à sensibilidade apresentando uma relação direta com a sobrecarga oclusal, em que excesso de força leva a um aumento da pressão intrapulpar que provoca maior velocidade de movimentação dos fluidos dentinários, desencadeando a hipersensibilidade. A hipersensibilidade e a sobrecarga oclusal variam de paciente para paciente e de dente para dente num mesmo paciente. Clinicamente as abfrações parecem ser mais sensíveis em sua porção mais profunda. Alguns autores tem sugerido que a falha no tratamento da hipersensibilidade esta diretamente relacionada com a não-eliminação do seu agente causador, ou seja, o trauma oclusal (KLIEMANN, 2002). 2.4. Etiologia das lesões cervicais não cariosas (LCNC) As lesões cervicais não cariosas são lesões que ocorrem pela perda irreversível dos tecidos mineralizados dos dentes, representados pelo esmalte, dentina e cemento. São lesões encontradas com muita freqüência na clínica diária e apresentam uma variedade de formas, tais como ranhuras rasas, lesões amplas em forma de pires e até grandes defeitos em forma de cunha, com ângulos nítidos ou com margens mal definidas abaixo da junção esmalte-cemento. Podem ocorrer tanto nas faces vestibulares, onde são mais freqüentes, e também nas faces linguais e proximais. A exposição da dentina e o desgaste dela e dos outros tecidos podem 17 levar ‡ hiperestesia dentinˆria, causando um grande desconforto e muitos problemas est•ticos para os pacientes, sendo necessˆrio uma interven†€o atrav•s de t•cnicas de dessensibiliza†€o, procedimentos restauradores ou at• mesmo, a necessidade de procedimentos cir•rgicos. Por falta de terminologia pr…pria, LEE e EAKLE, em 1984, se referiam inicialmente a essas perdas de estruturas como “eros‰es cervicais idiopˆtica”, para distingui-las daquelas eros‰es arredondadas e polidas causadas por meio ˆcido e das abras‰es causadas por a†€o mec•nica da escova†€o. Entretanto, segundo os autores, torna-se dif„cil explicar como esses agentes etiol…gicos podem afetar um dente e n€o afetar seus vizinhos, gerando les‰es isoladas. Observa†‰es dessas les‰es cervicais em forma de cunha podem indicar que o estresse oclusal • o principal fator desencadeante e que outros fatores locais desempenham um papel secundˆrio na dissolu†€o da estrutura dentˆria, criando a les€o. Para apoiar esta hip…tese defendiam que o sistema mastigat…rio em fun†€o impunha trƒs tipos de estresse sobre os dentes: compress€o, tens€o elˆstica e cisalhamento, e que os dois primeiros seriam os mais importantes no processo de forma†€o das les‰es. O estresse compressivo seria resistƒncia contra a compress€o, o estresse elˆstico a resistƒncia contra o alongamento, e o estresse de cisalhamento representaria a resistƒncia contra o giro ou deslocamento. A dentina • substancialmente mais resistente ‡ tra†€o do que o esmalte, podendo se deformar mais sem fraturar. O esmalte se move como uma unidade r„gida, enquanto a dentina se deforma elasticamente se beneficiando disso. Quando a oclus€o • ideal, as for†as mastigat…rias s€o dirigidas para o longo eixo do dente, e se dissipam resultando numa distor†€o m„nima da dentina e esmalte. Quando a oclus€o n€o • ideal, for†as laterais s€o geradas, podem causar flex€o do dente e criando dois tipos de estresse na estrutura dental: de compress€o, que estˆ localizada primeiramente no lado que o dente estˆ flexionado e de tens€o elˆstica que atua no lado oposto ‡ dire†€o da flex€o. Ambos s€o resistentes ‡s for†as compressivas, por•m a habilidade do dente em resistir ‡s for†as tensionais • limitada. Essas for†as agindo no dente podem causar rompimento nos cristais de hidroxiapatita, deixando espa†os onde a ˆgua pode penetrar. A presen†a dela impede o restabelecimento da estrutura e for†as tensionais subseq‚entes de suficiente magnitude tendem a propagar a fenda uma vez iniciada. Desta forma, a estrutura cristalina rompida seria mais suscept„vel ‡ dissolu†€o qu„mica e mec•nica, causada por ˆcidos presentes nos fluidos bucais, ‡ fric†€o de escova†€o, compress€o e atri†€o durante a mastiga†€o e o bruxismo, resultando na forma†€o da les€o. A les€o criada como resultado da tens€o normalmente tem aspecto de cunha com bordas afiadas, por•m fatores locais tendem a modificar a sua forma. A dire†€o das for†as determinam o local da les€o, que 18 pode ser no ou pr…ximo do fulcro e o tamanho da les€o estaria diretamente relacionado com a magnitude e freq‚ƒncia da aplica†€o da for†a de tens€o. Fig. 1 – For†as laterais gerando estresse de tens€o e compress€o na regi€o cervical. Em aumen to, ruptura das liga†‰es entre os prismas de esmalte (LEE e EAKLE, 1984). Fig. 2 – Ruptura das liga†‰es entre os prismas de esmalte. Pequenas mol•culas penetram entre os cristais de hidroxiapatita, impedindo o restabelecimento das liga†‰es qu„micas (LEE e EAKLE, 1984). 19 Em 1991, GRIPPO, a partir da observa†€o cl„nica da forma anatŒmica incomum, tamanho, localiza†€o e incidƒncia de uma ampla variedade de les‰es de esmalte e dentina, resultantes de estresse advindos de for†as biomec•nicas estˆtica e c„clicas, denominou-as abfra†€o. No esmalte, as les‰es podem ser desde pequenas trincas acentuadas com luz transmitida ou estrias horizontais, chamados planos de deslocamentos molecular ou Linhas de LUDER, como possui forma de pires ou semilunar ou ainda, invagina†€o nas pontas das c•spides. Na dentina, as les‰es podem apresentar-se como defeitos angulares profundos na margem gengival e superf„cie vestibular, possui forma circunferencial, localiza†€o subgengival, lingual ou interproximal, simples ou m•ltiplas, alternadas, com •ngulos de 45 graus e, ainda, nas margens das coroas e restaura†‰es. Portanto, o sentido do termo abfra†€o, dado pelo autor, n€o se limita a les‰es em forma de cunha, mas a todas as les‰es advindas de sobrecarga oclusal. Fig. 3 – Dente n€o afetado entre dois dentes apresentando les€o cervical (GRIPPO, 1991). Em 1983, McCoy ressaltou a import•ncia do estresse sobre os dentes. Quando for†as oclusais s€o aplicadas ao dente, o estresse • propagado por toda estrutura. Se o dente • for†ado excentricamente, ocorrerˆ a sua flex€o (tens€o de um lado e compress€o do lado oposto). Dessa forma a les€o abfrativa pode ocorrer, e o progresso dela leva a defeitos profundos na dentina. Se o limite da fadiga • alcan†ado o dente pode inclusive chegar a uma fratura completa. Clinicamente McCoy notou uma variedade de largura, tamanhos e 20 localização de lesões de esmalte e dentina sugerindo deste modo a necessidade de uma nomenclatura e uma classificação específica. GRIPPO, em 1992, voltou ao tema das lesões cervicais não cariosas visando esclarecer a classificação por ele feita no ano anterior, buscando definir critérios, com base em princípios de bioengenharia para a decisão de se restaurar ou não estas lesões. Segundo o autor, além dos efeitos biomecânicos (físico e químico) resultantes da sobrecarga oclusal, que causam deformação e flexão dentária e conseqüente perda de tecido cervical, fenômenos como corrosão sob tensão e piezo eletricidade podem ocorrer durante a dinâmica dos contatos interoclusais e contribuir para a formação das lesões de abfração. Corrosão sob tensão é uma atividade físico-química que ocorre durante a mastigação e representa a combinação dos efeitos de sobrecarga, o qual ocorre em uma determinada área onde há a concentração de tensões na presença de substâncias corrosivas, como, por exemplo, alimentos e bebidas cítricas, refrigerantes carbonatados, vinho ou placa bacteriana acidogênica. Esse fenômeno pode ocorrer quando a mastigação de alimentos é acompanhada de bebidas carbonatadas ou vinho. O autor observa que esse fenômeno tem sido considerado em odontologia apenas como um simples efeito corrosivo, subestimando a ação das cargas oclusais desenvolvidas durante a mastigação. O efeito piezo elétrico tem sido mensurado, tanto in vitro quanto in vivo, quando os dentes são submetidos a cargas oclusais. Dependendo das propriedades elétricas do dente e da saliva, cargas elétricas são geradas devido ao intercâmbio iônico existente entre a estrutura dentária cristalina sob pressão e a saliva. Esse efeito químico pode ser denominado corrosão e contribuir para a etiopatogenia de lesões cervicais não cariosas. A maior concentração de tensões na JEC (junção esmalte cementaria) durante a mastigação, causando flexão e a presença de soluções ácidas exacerba a perda de substância dentária e explica a freqüência das lesões na região cervical dos dentes. Outro aspecto considerado pelo autor foi a existência de relação inversa entre a mobilidade dental e a ocorrência de lesões cervicais, onde a mobilidade dental supostamente absorveria parte do estresse transmitido ao dente. Dessa forma, as lesões só se desenvolveriam em dente com bom suporte periodontal, uma vez que a mobilidade não permitiria a flexão dental. Por fim, o autor considerou que o entendimento dos princípios de engenharia é fundamental para os dentistas discutirem com os seus pacientes as várias atividades que ocorrem na dinâmica da oclusão e que podem afetar o dente, indicando adequado tratamento. A oclusão deve ser cuidadosamente examinada, tanto no diagnóstico quanto no tratamento de lesões cervicais não cariosas, uma vez que seu dinamismo pode afetar a longevidade das restaurações. 21 Em 1992, OKESON, observou que interferências produziam, geralmente, nas superfícies oclusais, facetas de desgaste, enquanto as interferências cêntricas atingiam os dentes anteriores de forma traumática, podendo ocasionar a formação de diastemas. Quando o indivíduo não se adaptava às interferências, inúmeros danos podiam ocorrer como a deflexão do dente, conduzindo à formação de uma lesão cervical denominada abfração. Em 1995, OWENS et al, consideravam que as lesões de abfração eram tipicamente lesões angulares em forma de cunha, mas que também abfrações oclusais poderiam ser observadas como invaginações circulares, podendo ocorrer isoladas e às vezes, associadas com abrasão por escovação e erosão por ácidos endógenos ou exógenos. Segundo estes autores, abfração era uma conseqüência da fadiga dentária, com forças promovendo a sua flexão e deformação, concentradas principalmente na região cervical dos dentes. O tratamento proposto consiste na aplicação de restauração em resina composta ou ionômero de vidro e/ou extinção dos fatores predisponentes. Se a estética não representasse uma preocupação primária do paciente e o dente não estivesse estruturalmente comprometido, muitas dessas lesões poderiam ser acompanhadas orientando ao paciente da presença do bruxismo e existência de maloclusões. GRIPPO E SIMRING, afirmaram em1995, que o estresse dinâmico que ocorre na boca durante as atividades interoclusais, como a mastigação e o bruxismo, influenciam significativamente na quebra da estrutura dentária. Quando os dentes recebem cargas em direção oclusal, o efeito do estresse se concentra na região cervical. Por outro lado, quando a direção da força muda de um lado para o outro, como no bruxismo, os dentes flexionam para ambos os lados e o padrão de estresse modifica-se continuamente, na mesma área, de tração para compressão. Dessa forma, a compressão e a tração que ocorrem de forma cíclica podem levar ao limite de fadiga e conseqüente rompimento da estrutura dentária. Algumas evidências têm suportado essa teoria, contra a teoria puramente química, como fator etiológico das lesões cervicais não cariosas (NCCL). Entre elas está o aparecimento das lesões semelhantes em dentes artificiais de próteses totais e em restaurações de materiais quimicamente inertes, como o ouro. Embora desempenhe um papel fundamental na iniciação do processo, o estresse oclusal não pode ser considerado como inteiramente responsável pela formação das NCCL. Os autores acreditam que muitos fatores combinados levam ao aparecimento dessas lesões. Um estudo exploratório das lesões cervicais não cariosas foi realizado por BADER et al., em 1996, para examinar os efeitos dos vários fatores de risco nessas lesões. Participaram do estudo 264 pacientes, que foram expostos às variáveis relacionadas à abrasão, erosão e flexão dentária, as três principais causas para lesões cervicais, sendo 137 com lesão e 127 22 controle. Os dados coletados através de exame clínico, questionário individual e para variáveis como tipo de oclusão, padrão de escovação, facetas de desgaste e análise salivar foram analisados. Foram feitas três observações sobre os fatores relacionados à oclusão: classificação da função oclusal direita e esquerda (guia canina ou função em grupo), identificação dos contatos funcionais, não funcionais e protusivos, utilizando papel carbono. Os resultados indicaram que as lesões cervicais não cariosas possuem etiologia multifatorial. Entretanto, uma associação entre os dados não pode ser estabelecida, uma vez que podem existir vários tipos de lesões, cada uma associada a diferentes etiologias, assim como fatores associados com o início da lesão podem ser diferentes dos responsáveis pela sua progressão. Assim, os mecanismos envolvidos na etiologia das lesões cervicais não cariosas (NCCL) podem atuar independentemente ou, possivelmente, em diferentes pontos no início e na progressão das lesões. IMFELD, em 1996, considerou que o diagnóstico diferencial entre os fatores mecânicos e químicos nem sempre é fácil de ser obtido, devido à interação dos mesmos na perda não cariosa de estrutura dental, evidenciando caráter multifatorial dessas lesões, do mesmo modo evidenciado por GRIPPO, SMIRING (1995), LEE, EAKLE (1996), desse modo há a necessidade de maiores esclarecimentos, para que abordagens mais efetivas para prevenção e tratamento sejam empreendidas. Diferentes formas dos processos de destruição crônica dos dentes, que não a cárie, são descritas na literatura e podem ser vistos como fisiológico e/ou patológicos, mas não são descritas com uma clara definição quanto a usar apropriadamente cada termo. A perda não cariosa dos tecidos duros do dente também chamada de desgaste cervical quase nunca é causada por um único fator. Essas observações foram feitas num trabalho de avaliação buscando definir e classificar os desgastes cervicais. O autor descreveu que as lesões de abfração observadas em um único dente ou em dentes não adjacentes reforçavam a hipótese de que forças oclusais excêntricas aplicadas na região oclusal levavam o dente flexionar ao invés de resultar unicamente em uma lesão de abrasão. Em 1996, LEE e EAKLE, publicaram uma revisão de literatura para avaliar os avanços nos conceitos que envolvem as LCNC desde que lançaram as bases da teoria de que tais lesões seriam o resultado de flexões repetidas dos dentes causada por estresse oclusal. Ao longo de dez anos, dados suficientes suportaram o termo lesão cervical estresse-induzida para descrever esta classe de lesões. Através dos anos as hipóteses propostas incluíram a abrasão por escovação, erosão ácida, fragilidade intrínseca da estrutura do esmalte cervical, traumatismos, oclusais e bruxismos. Por outro lado, o trauma oclusal por si só não prova explicação adequada para o fenômeno, uma vez que havia amplas evidências que muitos 23 dentes exibiam sinais de oclus€o traumˆtica sem o desenvolvimento de les‰es cervicais. No entanto este conceito tinha uma boa aceita†€o, pois podia explicar a morfologia e a localiza†€o das les‰es confirmando a hip…tese de que as for†as de tens€o seriam a primeira etiologia dessas les‰es. Ainda segundo estes autores, as cargas oclusais durante a mastiga†€o podiam ser dividida em duas fases. A primeira consistia na “fragmenta†€o” do alimento, durante a qual o bolo alimentar entre os dentes atuava distribuindo as for†as por toda a superf„cie oclusal, ajudando a minimizar a concentra†€o dos efeitos delet•rios. Durante a segunda fase, os dentes come†ariam a entrar em contato, resultando em pontos virtuais de aplica†€o de for†as. Este tipo de contato dente a dente era o mais prop„cio para resultar em estresse oclusal de magnitude patol…gica, o que ficava evidenciado na correla†€o entre o contorno das facetas de desgaste e a forma das les‰es, e ainda, pela prevalƒncia de LCNC em pacientes com bruxismo. Apesar das for†as de estresse oclusal serem a etiologia principal das les‰es cervicais, n€o estˆ bem esclarecido que todas as les‰es cervicais s€o causadas pelo estresse ou que este • o •nico fator envolvido. Les‰es por abras‰es e les‰es estresse-induzida, apresentam morfologia similar. A abras€o pode ser um fator primˆrio e sob outras condi†‰es pode ser tamb•m um significante fator secundˆrio na progress€o das les‰es facilitando a destrui†€o da estrutura dental. A habilidade em se distinguir entre abras€o e les‰es por estresse pode ter import•ncia relevante no sucesso das restaura†‰es. Em 1996, GARONE, relatou que as les‰es por abfra†€o, eram observadas, principalmente, na face vestibular dos dentes, por•m caso uma for†a lateral, gerada por uma desarmonia oclusal, tivesse o sentido l„nguo-vestibular em um determinado dente, a regi€o cervical da face vestibular sofreria compress€o enquanto a regi€o cervical da face lingual ficaria submetida ‡ uma tra†€o, levando a forma†€o de les‰es cervicais nesta ˆrea. Deste modo, seria provˆvel o aparecimento dessas les‰es tanto na face vestibular quanto na face lingual dos dentes indistintivamente. Foi realizado um estudo, com o objetivo de auxiliar o cirurgi€o dentista na identifica†€o e remo†€o dos agentes etiol…gicos envolvidos no aparecimento das LCNC, visando recuperar a integridade funcional do elemento dentˆrio por meio de procedimentos reabilitadores e prevenir o desenvolvimento de novas les‰es ou recidivas. A forma mais simples e eficiente de evitar a ocorrƒncia de abfra†€o seria manter ou devolver uma eficiente desoclus€o em caninos. REES e JACOBSEN, em 1998, examinaram um pr•-molar inferior usando um modelo de elemento finito que tinha o objetivo de comparar experimentalmente um dente sob um sistema de cargas. Uma carga de 100N foi aplicada e o estresse na regi€o cervical foi pesquisado em dois planos horizontais, o primeiro ao n„vel de JEC e o segundo, 1,1mm acima 24 do primeiro. Ele mostrou que uma carga oclusal vertical aplicada na fossa central produziu um estresse na regi€o cervical menor que 20 Mpa. Entretanto, cargas obl„quas aplicadas pr…ximo ao topo da c•spide produziram estresse acima de 70 Mpa, que s€o pr…ximas ao conhecido limite de fratura para o esmalte. Este estudo mostrou que o aumento na profundidade de cavidade, mais que o aumento na largura, contribu„ram para incrementar o estresse na regi€o cervical induzindo ao desenvolvimento de les€o cervical, e ainda que, a presen†a de uma restaura†€o oclusal de amˆlgama podem acrescentar tens€o na regi€o cervical do dente, elevando a tens€o a um n„vel onde o desarranjo do esmalte se tornava poss„vel. Segundo o autor, • necessˆrio que mais estudos sejam desenvolvidos para que se confirmem clinicamente a existƒncia da conex€o entre a presen†a de restaura†‰es oclusais profundas de amˆlgama e les‰es de abfra†€o. Fig. 4 – Estrutura em malha do elemento finito de um segundo pr•-molar inferior. A seta indica a posi†€o de aplica†€o de uma for†a de l00N (REES, 1998) Em 1999, DISCACCIATI & NEVES, conclu„ram que apesar das les‰es em forma de cunha estarem a muito tempo associadas a desgaste causado por procedimentos de higiene oral (escova†€o vigorosa), estudos realizados nas duas •ltimas d•cadas levantaram a hip…tese de que as mesmas estavam associadas a cargas oclusais excessivas. Acreditavam eles que realmente, ficava dif„cil explicar como poderia a escova†€o causar uma les€o em um dente e n€o no seu adjacente, alinhando a conclus€o com a teoria de LEE E EAKLE, (1984), que lhes pareceu ser a mais realista, dentro das observa†‰es cl„nicas que foram feitas. 25 A controvérsia na etiologia da LCNC levou PINTADO et al., em 2000 a desenvolver um trabalho de investigação durante 14 anos com o objetivo de avaliar a correlação entre o desgaste oclusal e a perda da estrutura dentária na região cervical. Os resultados mostraram existir uma forte correlação entre a força oclusal e perda cervical no mesmo dente, e esta correlação se mostrou altamente significativa e ainda que, a perda de volume cervical foi diretamente proporcional ao tempo em que estes dentes estiveram submetidos a forças oclusais e movimentos excursivos laterais. Entretanto, os autores enfatizaram que, embora os resultados do estudo tenham sustentado a função oclusal como causa da LCNC, os detalhes (inclusive a extensão, distribuição e morfologia) foram específicas para o estudo por eles desenvolvido. A relação entre o volume cervical perdido, volume de perda oclusal e interrelacionamento de forças oclusais e excursões laterais coincidiu com as observações clínicas e com mecanismos divulgados por outros autores concluíram sugerindo que novas e adicionais pesquisas fossem feitas, para esses conceitos poderem ser aceitos como fato. Os dados obtidos com o estudo suportaram a premissa de que a abfração é mais freqüentemente de origem multifatorial e não devido a um simples mecanismo. A investigação desenvolvida não permitiu incluí-las em uma única categoria porque ficava difícil e talvez impossível separar clinicamente uma lesão de abfração de uma lesão de abrasão. Embora a presença das lesões em forma de cunha não correspondesse com a dimensão das facetas oclusais de desgaste, muitos relataram historia de bruxismo e suas dentições freqüentemente continham prematuridades em oclusão cêntrica, interferências nos movimentos excursivos ou ambos. Concluíram indicando a necessidade de correção da oclusão, removendo as interferências antes de qualquer procedimento restaurador o que levaria a uma falha da restauração como um resultado da flexão dental. LEE et al., em 2002, usando o método do elemento finito como objetivo de investigar a distribuição do estresse normal (tensão e compressão) a que são submetidas os dentes, desenvolveram um estudo comparando as alterações no estresse sob a ação de forças aplicadas em diferentes locais e direção. Os resultados demonstraram que a presença de forças de tração na região cervical de pré-molares levou ao desgaste cervical, confirmando a teoria que sustentava que, seriam necessárias forças de alavanca para o desenvolvimento da abfração. REES em 2002 examinou o efeito que a variação de posição das forças oclusais aplicadas sobre um segundo pré-molar, poderia ter no contorno da região cervical, usando um modelo bidimensional para a técnica do elemento finito. 500N de força foram aplicadas verticalmente em cada ponta de cúspide e em várias posições ao longo da inclinação das 26 vertentes internas. A conclusão deste estudo mostrou que variando a posição da força oclusal marcantes variações no estresse foram encontradas no esmalte cervical. Foram aplicadas às vertentes de cúspides imitando as forças produzidas durante movimentos excursivos laterais da mandíbula, produziam maior estresse e magnitude suficiente para iniciar a fratura do esmalte. O autor considerou este um interessante achado, já que as lesões são mais comumente encontradas nos pacientes que apresentam bruxismo, onde estes movimentos estão muito presentes. Apesar desse resultado, o autor acredita também ser possível que os efeitos da desmineralização por ácidos possam debilitar o esmalte potencializando assim os efeitos das forças oclusais. As tensões de estresse aumentaram na área do dente onde o esmalte é estruturalmente inferior comparado com resto do dente. Em decorrência disso, pode asseverar que, a complexa interação de área do dente onde o esmalte e a desmineralização por ácido, pode desencadear o desenvolvimento de lesões cervicais não cariosas. Segundo YOUNG E KHAN, em 2002, a desmineralização por ácidos pode causar erosão oclusal e ativação e outras LCNC associadas, em locais relativamente desprotegidos pela saliva. A hipótese era que os locais mais afetados poderiam ser os menos protegidos pela saliva, e não os locais onde a atrição oclusal estava associada com lesão cervical atribuída à abfração. O significado dos resultados desta erosão dental causada pela deficiência da proteção salivar, segundo o autor é mais significante, na reabilitação oral de pacientes com dentes desgastados, do que o histórico de bruxismo. Na presença de patologia oclusal, lesões cervicais estavam presentes em 27.71% dos casos na região vestibular e em apenas 2.61% nas faces linguais. O local mais comum foi a face vestibular dos incisivos superiores com 36% dos locais apresentando lesão cervical. O local menos comum foi face lingual dos molares inferiores, com apenas 1.7%. Segundo PAIVA et al, 2003 a abfração é resultante de problemas de oclusão traumática, proveniente de forças oclusais anormais, de apertamento dental e provavelmente de casos de bruxismos. Esses autores desenvolveram um trabalho de cunho marcadamente clínico onde foram selecionados três casos clínicos de pacientes portadores de lesões cervicais, representando respectivamente lesões classificadas como abfração, abrasão e/ou erosão. O objetivo era se avaliar a efetividade da utilização do laser de ER: YAG no preparo cavitário dessas lesões. Os autores concluíram ser grande a dificuldade encontrada para se classificar o tipo de lesão e ainda que a abfração, encontrada principalmente em jovens, sofreu mudanças morfológicas com o passar o tempo, tendo inclusive sofrido abrasão e/ou erosão com mais facilidade. Portanto, foram fortes as indicações de que as lesões tipo abfração eram as mais importantes, sendo mais fácil classificá-las em pacientes jovens e que as lesões como 27 abras€o eram uma conseq‚ƒncia inevitˆvel da abfra†€o. Conclu„ram ainda que a anˆlise oclusal de pacientes portadores de les‰es cervicais, principalmente tipo abfra†€o, era de fundamental import•ncia e que seria indispensˆvel ‡ elimina†€o de traumatismo oclusal antes do procedimento restaurador de les‰es tipo abfra†€o. REES E JAGGER, em 2003 com o objetivo de revisar a evidƒncia necessˆria para sustentar o v„nculo entre for†as oclusais e perda de estrutura dentˆria cervical, fizeram um levantamento literˆrio cuidadoso, buscando relacionar esta perda com outros agentes etiol…gicos. O estudo reviu a evidƒncia dispon„vel para suportar o v„nculo entre for†as oclusais e a perda de cervical de dente e relacionar esta perda estrutural com outros agentes etiol…gicos como os ˆcidos erosivos. A conclus€o dos autores foi que a perda de tecidos duros na regi€o cervical era um fenŒmeno complexo e multifatorial e que foram apresentadas evidƒncias de que as for†as oclusais podem contribuir para o desenvolvimento das les‰es cervicais. At• ent€o, a maioria das evidƒncias baseava-se em estudos laboratoriais que sugeriam que o estresse na regi€o cervical podia romper os cristais de esmalte. Estes estudos mostravam que for†as oclusais aplicadas fora do longo eixo do dente geravam tens€o e compress€o na regi€o cervical e que esse efeito podia ser exacerbado pela presen†a de restaura†‰es. Este dado refor†ava os resultados de muitos estudos cl„nicos que mostravam que as les‰es de abfra†€o eram comuns em bruxistas. A habilidade em reproduzir estas les‰es em laborat…rios levou os autores ‡ conclus€o de que as les‰es s€o uma realidade e n€o um mito te…rico e que de qualquer forma at• aquele presente momento seria incerto afirmar onde a fratura cervical se iniciaria. Seria poss„vel que a eros€o pudesse remover a dentina subjacente ao esmalte fraturado na regi€o cervical, sendo, entretanto mais provˆvel o enfraquecimento do esmalte devido aos efeitos de flex€o das c•spides. Em 2003, LITONJUA et al, usaram dados sobre os estudos jˆ publicados sobre abfra†€o e fizeram uma revis€o dos estudos que descrevem a abfra†€o e chegaram ‡ conclus€o de que este • um conceito controverso. Os autores analisaram a teoria que primariamente a explicou, evidƒncias experimentais, apresenta†€o de casos, investiga†‰es cl„nicas e estudos restaurativos. Os autores conclu„ram que a teoria da abfra†€o esta baseada em um n•mero limitado de estudos de engenharia, baseado na anˆlise do elemento finito (FEA) e nos m•todos fotoelˆsticos. Estas t•cnicas demonstraram a concentra†€o de estresse na ˆrea cervical atrav•s da aplica†€o de uma for†a principalmente estˆtica. Citaram ainda eles que “alguns cl„nicos e autores propuseram que o estresse de eros€o e compress€o desempenham o papel primˆrio na causa da fratura de esmalte e dentina, principalmente criando les‰es cervicais em cunha - enquanto abras€o e eros€o desempenham um papel 28 secundˆrio”. Estes estudos preliminares analisaram o dente isolado, ou apenas a coroa e uma parte da raiz. Investiga†‰es mais recentes consideraram o papel do ligamento periodontal e do osso alveolar e enfatizaram o efeito que tƒm na distribui†€o das for†as de estresse. Estes estudos expuseram algumas limita†‰es dos estudos anteriores e acrescentaram dados que podem alterar as bases fundamentais da abfra†€o. Alguns estudos cl„nicos associaram oclus€o com LCNC ou com falha das restaura†‰es cervicais, por•m, deve ser enfatizado que as LCNC podem ocorrer como parte de um evento multifatorial cujo mecanismo n€o estˆ elucidado completamente. Existe uma pequena evidƒncia direta suportando a oclus€o como o primeiro fator de causa das LCNC, mas hˆ mais evidƒncias mostrando o contrˆrio. Os dados que suportam a hip…tese de aparecimento da abfra†€o s€o tƒnues e dados mais definidos ser€o necessˆrios para suportar a abfra†€o como uma entidade cl„nica distinta ou como fator primˆrio no aparecimento da LCNC. Desde que se estabeleceu uma etiologia multifatorial no desenvolvimento das LCNC o papel da abfra†€o como um fenŒmeno exclusivo • incerto. Isto •, a observa†€o do estresse oclusal pode estar associada com as LCNC, mas n€o prova necessariamente que o estresse oclusal • o primeiro fator desenvolvido no aparecimento destas les‰es. Pesquisas adicionais ser€o necessˆrias para avaliar mais claramente o mecanismo atrav•s do qual as LCNC s€o iniciadas e propagadas, bem como o potencial papel da abfra†€o das LCNC e nas restaura†‰es. O ideal • que se fa†a mais investiga†‰es incluindo estudos com terapia oclusal mostrando que a elimina†€o de fatores oclusais previne a forma†€o ou o progresso das les‰es cervicais ou perdas de material restaurador. LITONJUA et al, em 2004, com o objetivo de investigar o papel das for†as axiais e n€o axiais no desenvolvimento das les‰es cervicais, fizeram um estudo randomizado utilizando pares de pr•-molares extra„dos por raz‰es ortodŒnticas. Um aparelho simulando escova†€o dental foi utilizado primeiramente, e numa segunda fase for†as axiais e n€o axiais foram aplicadas aos dentes. A meta era avaliar se a carga cont„nua afeta a abras€o dental, apesar de n€o ter reproduzido completamente as condi†‰es fisiol…gicas de como os pacientes apertam seus dentes quando procedem a escova†€o. Os pares de pr•-molares foram preparados e analisados usando microsc…pico …ptico eletrŒnico de varredura, e foi determinada a perda de material sofrida em cada dente. O microsc…pio …ptico revelou que as les‰es cervicais eram geralmente semelhantes, com ambos os dentes, de cada par, exibindo o mesmo tipo de les€o. Os dados sugeriram que a aplica†€o de for†as em ambas as fases n€o alterou a forma das les‰es cervicais. No entanto, les‰es em ambos os experimentos, demonstraram ˆrea sulcadas, suportando o papel da abras€o de escova†€o naquelas les‰es. Com a alta magnifica†ao, os dentes revelaram que o esmalte estava liso por causa de abras€o. 29 Entretanto, estes achados foram contrários aos esperados baseando na teoria da abfração. Não foi observado esmalte micro fraturado, e a hipotética teoria aventada por LEE e EAKLE em 1984 onde prismas do esmalte eram quebrados devido às forças tensionais, não pode ser confirmada. Os autores supõem que tal fato se deva ao efeito de forças de compressão que podem deformar e encurtar o dente, diminuindo o diâmetro dental. Esta pressão poderia aumentar a densidade do dente e deixá-lo dessa forma menos susceptível à abrasão. Os resultados da segunda fase do estudo indicaram que a aplicação de forças não axiais não afetaram o tamanho das lesões cervicais. Os autores, entretanto, deixaram claro que, embora a falta do ligamento periodontal (que pode ser um forte fator de dissipação de forças), não tenha sido tratada neste estudo, também a teoria da abfração não contou com o papel do periodonto na sua afirmação. Ainda nesse estudo foi realizada uma contínua escovação relativamente longa, com apenas um tipo de cabeça de escova, foi aplicada aos dentes para induzir a abrasão. Porém, não se valorizou o papel de proteção da saliva na desmineralização do dente, alterações do pH, presença de ácidos gástricos no ambiente bucal que poderiam potencialmente alterar os resultados. Os efeitos da ação da saliva e dos ácidos foram excluídos para se eliminar a possibilidade de confundir com erosão, como também a abrasividade dos dentifrícios já que estudos longitudinais anteriores clínicos e laboratoriais mostram que a abrasividade per si não é um fator majoritário na progressão da lesão cervical. Concluindo, este estudo encontrou que forças axiais desencadearam significativamente menos desgaste dental e que forças não-axiais podem não alterar significativamente o tamanho e a largura das lesões cervicais. Coletivamente, os achados deste estudo mostram que a aplicação das forças atribuídas à abfração podem não necessariamente ter um papel preponderante na progressão do desgaste cervical. Em um estudo realizado por REES e HAMMADEH 2004, sugeriram que a lesão de abfração é causada pela sobrecarga de forças, porém, um mecanismo alternativo, envolvendo o enfraquecimento do esmalte cervical ao longo da junção amelo-dentinária (JAD), pode dar uma explicação mais realista. A observação clínica do enfraquecimento da JAD é possível, em conseqüência de uma recessão gengival, sendo um achado relativamente comum especialmente numa população mais idosa. Uma vez que a dentina cervical esteja exposta, a JAD pode igualmente está enfraquecida pela ação de agentes erosivos, tais como acido cítrico da dieta, ou pela presença de cárie cervical. É interessante observar que a recessão gengival também afeta pré-molares e incisivos muito comumente e que são os mesmos dentes comumentes afetados pela abfração. Este estudo proporciona algumas evidências que sugerem que havendo uma pequena porção de esmalte enfraquecido na região cervical pode resultar 30 em perda de esmalte e uma vez que isto tenha ocorrido, o processo vai sendo realimentado. Em conclusão, o estudo encontrou que o enfraquecimento da JAD pode causar significante incremento no perfil do estresse cervical, podendo causar o início da fratura do esmalte e eventualmente levando à perda de tecido. Em 2004, PERES et al., desenvolveram um estudo com objetivo de identificar e avaliar LCNC presentes em pacientes assintomáticos em relação aos seguintes aspectos: qualidade de lesões existente na dentição dos pacientes, presença das lesões relacionadas com a idade, gênero, hábitos bucais, mastigação unilateral, tratamento ortodôntico, tensão emocional, facetas de desgaste e contatos oclusais. Foi constatado que as lesões aumentam com a idade, sendo ela o diferencial na presença das lesões cervicais, já que os pacientes com maior número de lesões pertenciam à faixa etária mais elevada que os pacientes que não apresentaram lesão. Em relação à presença de hábito bucal mastigação unilateral e tratamento ortodôntico não foram diferenciais na presença ou não das lesões. As forças que se desenvolvem durante as movimentações dentárias provavelmente, por serem lentas, não possuem capacidade de impacto suficiente para causar estresse ao nível cervical dos dentes. Os autores afirmaram ainda que pela complexidade na interação de diversos agentes etiológicos no processo de formação e desenvolvimento das lesões deveriam ser abandonadas terminologias que caracterizassem o agente etiológico, como erosão, abrasão ou atrição, bem como serem evitadas novas terminologias, como abfração, adotando-se uma terminologia que caracterize o processo sem especificar sua causa. Desde então, a terminologia LCNC tem sido cada vez mais usada na literatura mundial. Complementaram os autores afirmando que as LCNC devem sim ser avaliadas e tratadas na prática odontológica cotidiana. Desde a publicação dos primeiros textos para odontologia por JOHN HUNTER, um anatomista e fisiologista inglês, em 1778, (apud GRIPPO et al, 2004) a definição e classificação dos termos atrição, abrasão e erosão é um pouco confusa. Além disso, a introdução do termo abfração, designa a lesão não cariosa estresse - induzida, e corrosão para designar degradação química, não resolveu o dilema totalmente, persistindo o uso de termos, definições mutuamente contraditórios. Tomando em consideração esta situação GRIPPO et al., em 2004, se propuseram a atualizar e revisar a nomenclatura, definições e classificação destas lesões. O objetivo seria a padronização, clareza e utilidade clínica para a prática dental. Os autores propuseram que as lesões de superfície dental, seriam a partir deste estudo, classificadas como atrição, abrasão, corrosão, e abfração. Segundo eles, o termo erosão, deveria ser apagado da nomenclatura dental e suplantado pelo termo corrosão para identificar a dissolução química do dente. 31 Para isso apresentaram um esquema do mecanismo de formação das lesões e superfície: basicamente 3 mecanismos físicos e químicos, suas interações e suas manifestações. São eles: Mecanismos das lesões de superfície dental: Individual - Fricção (resultando em desgaste dental): atrição ou abrasão - Corrosão (resultando em degradação química) -Estresse (resultando em microfratura e abfração) Combinado -Atrição-abfração -Abrasão-abfração -Corrosão-abfração -Estresse de corrosão estático -Estresse de corrosão cíclico (fadiga) -Atrição-corrosão -Abrasão-corrosão -Biocorrosão (cárie)-abfração Multifatorial -Combinação de fricção, corrosão e estresse O termo abfração foi revista e a entidade classificada não como um fenômeno isolado, mas como parte de um evento multifatorial. Os autores evidenciaram, a partir desses enfoques, que embora alguns mecanismos possam agir individualmente, mecanismos combinados poderiam ocorrer freqüentemente durante a dinâmica da atividade interoclusal. Combinações sinérgicas de mecanismos poderiam ocorrer simultaneamente, consecutivamente ou alternativamente, deste modo explicando a perda de tecido duro dental. São elas: Atrição-abfração: ação conjunta de estresse e fricção quando os dentes estão em íntimo contato, como no bruxismo ou no apertamento repetitivo. Abrasão-abfração: é a perda de substância dental causada pela fricção de uma substância numa área de concentração de estresse. O papel crítico da abrasão por uma escovação exacerbada e sobrecarga oclusal em uma zona anatomicamente vulnerável pode ser a razão 32 pela qual tais lesões estão limitadas quase que exclusivamente à área cervical vestibular dos dentes. Corrosão-abfração: é a perda de substância dental devido à ação sinérgica de corrosão química em áreas de concentração de estresse. Este mecanismo físico-químico pode ocorrer como resultado de forças cíclicas e levar ao estresse de corrosão estático (corrosão mais apertamento) ou estresse de corrosão cíclico (fadiga) (corrosão mais mastigação). Atrição-corrosão: perda devido à ação de substâncias corrosivas em áreas onde ocorreram facetas de desgaste. Este processo pode levar à perda da dimensão vertical, especialmente em pacientes com distúrbio gastro-esofágico ou regurgitação gástrica. Abrasão- corrosão: é a atividade sinérgica de corrosão e fricção de uma substância. Pode ocorrer pelo efeito friccional da escova dental numa superfície já desmineralizada por um agente corrosivo. Dentes fora de oclusão podem ser afetados por este mecanismo e desenvolverem lesões cervicais, já que estão freqüentemente extruídos, deste modo expondo uma dentina mais vulnerável. Similarmente, recessão gengival pode expor o cemento e dentina a este processo odontolítico. Biocorrosão (cárie)-abfração: é a perda patológica de estrutura dental micro mecânica fisicoquimicamente fraturada devido à concentração de estresse, associada com o processo de cárie. Uma localização comum desta atividade sinérgica é a área cervical, onde pode se manifestar como uma cárie radicular. A combinação do estresse estático de corrosão e estresse cíclico (fadiga) de corrosão pode causar rápida progressão odontolítica destes tipos de lesões cariosas. Os autores postularam que estes dois mecanismos poderiam ser freqüentemente considerados como co-fatores na etiologia e progressão das cáries particularmente nas cáries de raiz. 33 Fig. 9 - Biocorros€o (cˆrie)-abfra†€o. Marcas indicam pontos de aplica†€o de for†as excƒntricas, as quais induziram concentra†€o de estresse na regi€o cervical (abfra†€o) e podem ter exacerbado a cˆrie (biocorros€o) (GRIPPO et al., 2004). Os autores conclu„ram apresentando um esquema dos mecanismos, com o prop…sito de ser um guia efetivo para avalia†€o das muitas situa†‰es cl„nicas encontradas. Segundo eles, o entendimento destes mecanismos, suas intera†‰es e suas manifesta†‰es dentais ir€o habilitar o cirurgi€o-dentista para diagnosticar a etiologia complexa desta enigmˆtica les€o de uma maneira diferente. Fig. 10 – Esquema do mecanismo de forma†€o das les‰es. (GRIPPO et al., 2004) 34 Fig. 11 – Esquema expandido do mecanismo de forma†€o das les‰es. (GRIPPO et al., 2004). Um estudo conduzido por PEGORARO et al., em 2005, objetivou avaliar a prevalƒncia das les‰es cervicais em adultos, e suas associa†‰es com os aspectos oclusais. Foram examinados e selecionadas 70 pessoas (35 homens e 35 mulheres) com idades entre 25 e 45 anos que apresentassem os seguintes aspectos: ausƒncia de tratamento ortodŒntico pr•vio, n€o portadores de pr…teses, presen†a de todos os dentes em ambas as arcadas (exceto terceiros molares) e ausƒncia de mobilidade dental. A presen†a e tipo de LCNC, a presen†a de facetas de desgaste, o contacto dos dentes em mˆxima intercuspida†€o e os movimentos de protus€o e lateralidade foram investigados por detalhado exame cl„nico unilateral, consumo de drogas por longos per„odos e sa•de geral n€o foram preponderantes na presen†a de les€o cervical n€o cariosa. O estudo concluiu que existe uma significante rela†€o entre a prevalƒncia de les‰es e a presen†a de facetas de desgaste oclusal. 35 12. A 13. A 12. B 13. B Fig.12. A - LCNC no 1 e 2 pr•-molares e no 1 molar superior. Fig. 12. B - Vista dos contatos em posi†€o de Mˆxima Intercuspida†€o e movimentos laterais. Fig.13. A - Vistas V e O de um modelo. Em correspondƒncia dirigida aos autores do trabalho anterior, PALMER, em 2006, avaliou o estudo como consistente e que o mesmo ofereceu respostas ‡ maior parte das perguntas sobre abfra†€o. O autor baseou-se na avalia†€o de milhares de pacientes por 35 anos de prˆtica na cl„nica privada e em pesquisas publicadas. Conforme demonstrou este autor baseado em dados cient„ficos, as abfra†‰es s€o causadas por for†as traumˆticas laterais que resultam em facetas de desgaste. Por•m, todas as for†as traumˆticas laterais n€o s€o causadas por for†as oclusais. A l„ngua tamb•m pode gerar estas for†as executando movimentos laterais. Os bebƒs nascem com um padr€o de movimenta†€o naturalmente correto e adequado ‡ amamenta†€o. O uso de mamadeira, de chupeta, o enrijecimento da l„ngua e excessivos hˆbitos nocivos interferem com o padr€o de movimenta†€o lateral e podem causar um padr€o anormal chamado de “punhalada-da-l„ngua”. O autor afirmou ainda que, abfra†‰es nos dentes que n€o tenham facetas de desgaste assim o s€o devido ‡s for†as traumˆticas laterais geradas pela press€o lingual ou porque o sistema n€o preenche os requisitos chave de oclus€o. Dentes que tenham facetas de desgaste, mas n€o 36 tenham abfra†€o simplesmente responderam diferentemente ‡quela for†a. A resposta depende do ambiente bucal incluindo a sa•de individual e do periodonto de sustenta†€o. Outras poss„veis respostas ao esfor†o lateral traumˆtico incluiriam sensibilidade dentinˆria, mobilidade dental, perda …ssea, fratura de restaura†‰es, altera†€o de posicionamento dos dentes, contatos abertos e recess€o gengival. Concluindo, afirmou que for†as traumˆticas laterais da oclus€o ou for†as traumˆticas laterais da “punhalada-da-l„ngua” s€o a causa das abfra†‰es. A hip…tese segundo o autor era simples e poss„vel de ser testada clinicamente. Abfra†‰es n€o s€o geralmente encontradas em pessoas calmas, indiv„duos n€o-estressados com a oclus€o natural e ideal (n€o restaurada sem interven†€o da ortodontia). As abfra†‰es s€o freq‚entemente encontradas, nos casos onde c•spides mal alinhadas sofrem a a†‰es de for†as e guiam a for†a de excurs€o, inclinando para lingual a c•spide vestibular, em dentes com severas marcas de desgastes oclusal ou com um plano inclinado. Podem tamb•m ser encontradas em pacientes com mordida aberta anterior que • normalmente resultado de uma a†€o motora anormal da l„ngua. Se for†as laterais danosas n€o s€o …bvias durante os movimentos excursivos ent€o seria necessˆrio avaliar a posi†€o e os movimentos da l„ngua. Com base nestas observa†‰es conclui afirmando que, para se admitir estes achados e esclarecer as implica†‰es desta pesquisa, mais pesquisas ainda se far€o necessˆrias. Em 2006, BARTLET e SHAH, fizeram uma revis€o cr„tica da literatura visando avaliar se a abfra†€o existe realmente como fenŒmeno isolado. Fundamentando-se em conceitos tais como “o desgaste dental • uma conseq‚ƒncia universal do envelhecimento” e, “as patologias que causam desgaste dental s€o de dif„cil diagn…stico e geralmente resultado de abras€o, atri†€o e eros€o”, conclu„ram que • dif„cil selecionar etiologias espec„ficas e fazer suposi†‰es baseadas em teorias que n€o assumem a co-existƒncia delas. Dessa forma, les‰es cervicais, seriam provavelmente criadas pela combina†€o de eros€o, abras€o e atri†€o. Hˆ uma forte suposi†€o que eros€o e abras€o s€o importantes no desenvolvimento das les‰es em forma de cunha junto ‡s margens dos dentes, mas, reiteraram haver ainda, insuficiente evidƒncia que confirme que a abfra†€o realmente exista. Mais pesquisas, particularmente cl„nicas, se far€o necessˆrias para estabelecer a validez da abfra†€o existindo como uma entidade. Conclu„ram eles que as evidƒncias mais fortes sugerem que o resultado do desgaste cervical • a combina†€o de eros€o, abras€o e atri†€o. A proposta do estudo e TELLES et al., em 2006, foi verificar a existƒncia de LCNC em pacientes jovens (alunos da Faculdade de Odontologia de Bauru) e estabelecer uma poss„vel rela†€o com a presen†a de desgastes, atrav•s da avalia†€o de 1131 dentes. Destes, 37 129 tinham LCNC e 29 dos 40 estudantes tinham pelo menos um dente com lesão. Após 3 anos, ao final da análise, 57 novas lesões foram identificadas e 86.8% de todos os dentes que apresentavam lesões mostravam facetas de desgaste. A identificação de novas lesões associadas com a presença de facetas de desgaste identificadas durante o primeiro exame 3 anos antes, foi estatisticamente significante. Os autores concluíram que o padrão das facetas de desgaste encontrado estava associado ao aumento da incidência de LCNC. O significado clínico deste estudo sugeriu que os fatores oclusais, especialmente a presença de facetas de desgaste deverão ser considerados no gerenciamento das LCNC. Ainda em 2006, BERNHARDT et al., usando dados obtidos numa análise de 2707 pacientes entre 20 e 59 anos de idade, fizeram um estudo objetivando determinar os indicadores de riscos para a etiologia das abfrações. Os primeiros pré-molares foram o de maior risco para a etiologia das abfrações, seguido dos segundos pré-molares. Dentes superiores e inferiores tiveram comportamento similar em termos de desenvolvimento da lesão, com exceção dos caninos inferiores que tiveram um risco muito mais baixo do que os caninos superiores. Os resultados da análise indicaram que abfrações estão associadas com fatores oclusais, como facetas de desgaste, presença de restaurações Inlay, alteração de posicionamento dentário e freqüência de escovação. Concluíram eles que abfrações já podem ser detectadas em adultos jovens (o risco aumenta com a idade), e reforçam ainda a evidência da etiologia multifatorial para seu desenvolvimento. Um trabalho de avaliação das dificuldades em se distinguir o desgaste dental fisiológico do desgaste patológico foi desenvolvido em 2007, por BADEL et al., reiterando a etiologia multifatorial e enfatizando os efeitos sinérgicos dos diferentes mecanismos de desgaste que tem sua ação danosa intensificada com o passar do tempo. Os autores concluíram que as mudanças nos hábitos dietéticos como o consumo menor de alimentos saudáveis, consumo de bebidas carbonatadas, aliadas às condições psicossociais da vida moderna, podem produzir desordens somáticas tais como tensão, ansiedade e que esta interação desencadeia o desenvolvimento de lesões não cariosas. Sinais do desgaste patológico deviam ser investigados em crianças e adolescentes submetidos à forte pressão psicológica, para uma prevenção mais eficiente, já que se evitariam os lentos e irreversíveis efeitos na morfologia e função dos dentes. 38 2.5 Tratamento da Abfração Em relação à conduta a ser seguida frente a quadros que envolvam lesões de abfração, observa-se uma tendência a partir do surgimento da teoria da flexão dental, ao desenvolvimento de novos materiais restauradores, principalmente no que se refere à evolução dos adesivos dentinários. No passado, tais lesões eram freqüentemente desconsideradas. Normalmente argumentava-se que seu tratamento não era definitivo, ocorrendo normalmente recidivas ou deslocamento das restaurações. Além do mais, preparações cavitárias convencionais, descritas em muitos livros de dentística operatória, envolveriam um grande desgaste de estrutura dental (LEINFELDER, 1994). Quanto ao tratamento, existe hoje um consenso entre os autores, afirmando que deve ser instituído levando-se em consideração o fator causal, uma vez que, caso seja feita apenas a restauração do defeito, a lesão pode reaparecer em um nível mais apical ou mesmo a restauração se deslocar. Um diagnóstico diferencial deve ser feito, levando-se em consideração todos os fatores causais que podem estar atuando naquele determinado momento. O tratamento deve ser baseado nesse diagnóstico, eliminando-se o(s) fator (es) causal (is) e restaurando-se o defeito provocado. A intervenção restauradora no dente lesionado cervicalmente deve ser precedida da correção oclusal traumática através da eliminação das interferências oclusais, tanto nos movimentos de lateralidade e protrusão, como nos movimentos funcionais (principalmente ciclos mastigatórios). O equilíbrio oclusal pode ser obtido por meio de desgaste seletivo, ortodontia e procedimentos restauradores, devendo em alguns casos, ser precedido pelo uso de placas interoclusais (DISCACCIATI & NEVES, 1999). A falha das restaurações de classe V é uma ocorrência clínica atribuída freqüentemente a um inadequado controle de umidade. Porém as forças oclusais também podem exercer algum efeito. Assim sendo, REES e JACOBSEN em 1998, fizeram um estudo para avaliar os efeitos que os movimentos das cúspides submetidas à ação de forças oclusais, tinham em um primeiro pré-molar inferior que apresentava uma restauração de classe V. Usando o método de elemento finito utilizaram um primeiro pré-molar inferior com uma restauração de classe V vestibular feita com resina e uma restauração classe I com resina ou amálgama. A presença de uma restauração oclusal aumentou os movimentos das cúspides, que por sua vez aumentou a força ao redor da cavidade de classe V. Este efeito foi mais pronunciado com o aumento da cavidade em profundidade quando comparado com largura, e quando o amálgama era o material restaurador presente. 39 No tratamento das LCNC são importantes a anamnese e exame clínico detalhado, a localização e grau de perda de estrutura dentária e sua etiologia, que na maioria das vezes é de caráter multifatorial. As medidas terapêuticas e restauradoras poderão incluir ações diversas como: mudanças de hábitos dietéticos, correção de hábitos nocivos, orientação de higiene oral, uso de terapias dessensibilizantes, ajuste oclusal, aplicação de agentes adesivos dentinários, recobrimento radicular por meio de cirurgia periodontal e procedimentos restauradores que incluem inúmeros materiais e diversas técnicas restauradoras. (BARATA et al., 2000). Estudos de PIOTROWSKI et al., em 2001, concluíram, indicando a necessidade de correção da oclusão, removendo as interferências antes de qualquer procedimento restaurador o que levaria à falha da restauração como um resultado da flexão dental. É importante o diagnóstico precoce das LCNC para que se possa instituir medidas preventivas, através da orientação correta dos hábitos profiláticos bucais, orientação da dieta e identificação de anormalidades oclusais. Para a prevenção e tratamento das lesões deve-se também controlar os hábitos parafuncionais do paciente e o equilíbrio das forças de tração e compressão sobre os dentes através de uma criteriosa análise oclusal (KLIEMANN, 2002). Segundo observaram ICHIM et al., em 2007, a abfração é muito comum clinicamente e requer tratamento restaurador em muitos pacientes. Não obstante, a relativa pequena longevidade clínica dos materiais restauradores usados, tem sido motivo de preocupação para os dentistas. A contínua perda de tecidos duros e a baixa retenção dos materiais motivaram uma exploração dos mecanismos de falha dos biomateriais utilizados por estes autores em 2007. Os autores utilizaram um modelo de elemento finito de um pré-molar onde uma fratura cervical foi criada e preenchida com cimento ionômero de vidro. Posteriormente submeteram este dente a aplicação de diferentes medidas de força. O padrão e a localização das fraturas foram avaliados e monitorados. O objetivo do trabalho foi o de apresentar um novo caminho no prognóstico das falhas das restaurações tendo como foco principal o prognóstico das restaurações das lesões de abfração. O propósito final não foi o de definir o melhor material, mas o de identificar a técnica utilizada como uma das mais confiáveis na pesquisa dos materiais já que fornecem uma metodologia confiável para o estudo dos biomateriais. O insucesso dos materiais dentários é importante de ser reconhecido para se determinar a sua limitação de uso na prática clínica. O início da fratura das restaurações, combinado com a fragilidade dos materiais junto à interface na região cervical, com a ação de forças cíclicas e a erosão química, que são condições que prevalecem na cavidade oral, completa circunstâncias necessárias para o entendimento da falha das restaurações cervicais e sua curta durabilidade. 40 3 DISCUSSÃO Discutir sobre o que predisp‰e, causa, acelera ou retarda a evolu†€o das les‰es cervicais n€o cariosas certamente remete a especula†‰es a um terreno complexo e ainda pass„vel de investiga†‰es. Diferentes hip…teses tƒm sido sugeridas para explicar o desenvolvimento das les‰es cervicais, cujo interesse surgiu em decorrƒncia da perda de tecido dentˆrio na regi€o cervical e por causar problemas funcionais e/ou est•ticos. LEE E EAKLE, 1984 sentiram necessidade de distinguir eros‰es e abras‰es causadas por a†€o da escova†€o, pois hˆ algum tempo as les‰es em forma de cunha vinham sendo associadas a desgastes causados por procedimentos de higiene oral (escova†€o vigorosa). Por•m, estudos realizados nas •ltimas d•cadas levantaram a hip…tese das mesmas estarem primariamente associadas a cargas oclusais excessivas. Estes autores acreditavam que realmente • dif„cil explicar como poderia a escova†€o causar uma les€o em um dente e n€o em seu adjacente. Outros fatores etiol…gicos vinham sendo reconhecidos como pass„veis de desencadeˆ-las, sem, entretanto terem seus pap•is esclarecidos e sem que a literatura normatizasse De acordo com XONGA e VAN HERLE (1973), FULLER & FOHNSON (1977). ECCLES (1979), esses mecanismos que tamb•m poderiam causar desgaste dentˆrio, como abras€o, a eros€o, passaram a se investigados e passaram a tamb•m ser valorizados na etiologia das les‰es cervicais. A teoria de LEE E EAKLE em 1984 parece ser mais realista, pois dentro das observa†‰es cl„nicas onde esses autores afirmaram como etiologia principal o estresse pela mastiga†€o e maloclus€o, e n€o o estresse estˆtico como proposto inicialmente se tornaram par•metro para muito pesquisadores que se sucederam atrav•s da teoria do estresse – indu†€o ou teoria da flex€o dental, que foi ent€o proposta. Ao introduzir o termo abfra†€o, atrav•s da observa†€o cl„nica da forma anatŒmica incomum, tamanho, localiza†€o e incidƒncia de uma ampla variedade de les‰es em esmalte e dentina, em 1991, GRIPPO, deve ser considerado ao fazermos a revis€o da literatura um autor importante, pois foi atrav•s deste conceito por ele estabelecido, • que foram sendo acrescentados dados importantes que muito contribuiu para esclarecer, elucidar uma etiologia para uma les€o que despertava tanto interesse Com o trabalho de IMFELD, em 1996, baseando-se nos desgastes cervicais, podemos nortear e padronizar a nomenclatura que desde ent€o se tornou reconhecida uma vez que antes deste estudo, persistia uma defini†€o e classifica†€o confusa dos defeitos na regi€o cervical, no entanto, este autor considerou que o diagn…stico diferencial nem sempre • fˆcil de 41 ser obtido, devido ao caráter multifatorial, conclusão alinhada por estudos também evidenciado por GRIPPO, SIMRING (1995), LEE, EAKLE (1996). GRIPPO, em 1991, referiu-se a todas as lesões cervicais como decorrentes apenas da sobrecarga oclusal, introduzindo o termo abfração para designá-las, porém, GRIPPO et al, em 2004, admitiram a sinergia de mecanismos envolvidos na etiologia, consolidando o consenso que vinha se delineando em torno da etiologia multifatorial. Estudos de OKESON, (1992), GRIPPO e SIMRING (1995), OWENS E GALLIEN, (1995), DISCACCIATI e NEVES (1999), admitiam o relevante papel das forças e compressão e tração, que se definiu como teoria da flexão dental, por trabalhos como os de LEE e EAKLE (1996), apesar de reforçarem a tese da lesão estresse-induzido incorporaram a ela a participação da abrasão por escovação. Da erosão ácida e da fragilidade intrínseca do esmalte se estabelecendo dessa forma a etiologia multifatorial da abfração, entretanto sem identificar precisamente o papel da cada agente. Em 2002, YOUNG e KHAN, questionaram o papel das forças oclusais e defenderam a desmineralização por ácidos em locais não protegidos pela saliva como a primeira etiologia. Em 2002, REES, defendeu a desmineralização por ácidos como o fator de progressão das lesões cervicais e não como fator etiológico de instalação do processo, porém, ele admitia que forças excêntricas produzidas durante os movimentos excursivos laterais da mandíbula, produziam estresse em magnitude suficiente para iniciar a fratura do esmalte. A etiologia multifatorial, enfatizando problemas de oclusão traumática, forças anormais de apertamento e bruxismo defendida por PAIVA em 2003, coincide com os dados publicados por, REES e JAGGER (2003), reforçando a etiologia então mais aceita para as lesões cervicais, apesar dos questionamentos quanto à participação da abrasão por escovação e quanto à seqüência de entrada dos mecanismos, (LITONJUA et al, 2003), este autor considerou este conceito de abfração como controverso, pois através de estudos expôs limitações nos estudos anteriores e acrescentaram dados que alteraram bases fundamentais da abfração. Por outro lado, persistia ainda a sugestão de que o grau de mineralização dental seria o fator preponderante, superando em importância a ação de forças oclusais (LINTOJUA et al, 2004) e também que, o enfraquecimento da junção amelo dentinária, deixaria a região susceptível à ação erosiva por ácidos dando condições à instalação de uma lesão cervical (REES e HAMMADEH, 2004). Entretanto, autores como GRIPPO et al (2004), PERES et al (2004), REES e HAMMADEH (2004), BARTLETT e SHAH (2006), BERNHARDT (2006) e BADEL et al (2007) vêm, desde então, suportando a hipótese multifatorial, enfatizando a complexidade na 42 interação de diversos agentes etiológicos no processo de formação e desenvolvimento das lesões. Passou-se assim a valorizar as combinações sinérgicas de mecanismos que podem levar à perda de tecido dental, questionando a abfração como um fenômeno isolado, inserindo-a apenas como uma LCNC. A expressão LCNC, dessa forma, é sugerida em detrimento dos termos que se referem ao agente etiológico. 43 4 CONCLUSÃO Concluímos que: o cirurgião dentista deve estar atento para saber reconhecer a origem da lesão cervical, entender o seu processo evolutivo e assim poder realizar um planejamento mais preciso importante para uma atuação correta de prevenção e tratamento. Entre tantos argumentos de etiologia na literatura são fatos: Abfrações podem ser vistas em pacientes que escovam muito ou pouco. Abfrações têm formas variáveis embora sejam os dentes escovados horizontalmente. Abfrações frequentemente apresentam limite apical subgengival. Abfrações podem existir entre dois dentes intactos e até em regiões de difícil acesso com, escova dental. Abfrações ocorrem mais na presença de facetas de desgaste. Abfrações podem ser vistas em diferentes faixas etárias, apesar de mais prevalentes com a idade. Abfrações despertam interesse pelos danos e pela sensibilidade que podem acarretar. Abfrações são motivos de queixas pelos pacientes, pelo dano estético. Abfrações são multifatoriais e nem sempre de fácil resolução. Abfrações estão fortemente ligadas a fatores oclusais. Abfrações ocorre na presença de periodonto saudável. Abfrações devem ser avaliadas e tratadas na prática odontológica cotidiana. Mais estudos devem ser realizados. 44 REFERÊNCIAS ALONSO, A.A; ALBERTINI, J.S.; BECHELLI, A.H. Oclusión Y Diagnóstico em Reabilitacion Oral. Buenos Aires: M•dica Panamericana, 1999. 637 p. BERNHARDT, O. et al. Epidemiological evaluation of the multifactorial aetiology of abfractions. J. of Oral Rehab, V. 33, p. 17-25, 2006. BADEL, T. et al. Clinical and tribological view on tooth wear. Acta Stomatologica Croatica; 41(4): p. 355-365, 2007. BADER, et al. How dentists classified and treated non-carious cervical lesions. J. Amer. Dent. Assoc., v. 124, n.5, p. 46-54, may. 1993. BADER, J. D. et al. Case-control study of non-carious cervical lesions. Community Dentistry and Oral Epidemiology, v.24, n.4, p. 286-91, aug. 1996. BARTLETT, D. W., SHAH, P. A Critical Review of Non-Carious Cervical (Wear) Lesions and the Role of abfraction, Erosion, and Abrasion. J. Dent. Res. 85(4); p. 306-12, 2006. BARATA, T. J. E.; FERNANDES, M. I. L. P., FERNANDES, J.M.A.F. 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