O mal continua vivo

Propaganda
O mal continua vivo
A tuberculose que apavorou o mundo no século XIX pode se tornar epidemia intratável
em pleno século XXI.
Por Péricles Carvalho
Registro de vítimas da doença na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde todos os anos 1,7
milhão de pessoas morrem vítimas da tuberculose. O Brasil está entre os vinte e dois
países com maior número de casos de tuberculose. Todos os anos, 90 mil pessoas são
infectadas e seis mil morrem. No mundo, os indicativos da OMS apontam que todos os
anos o número de infectados ultrapassa 100 mil.
Em 1882, o pesquisador alemão Robert Koch isolou em laboratório o bacilo da
tuberculose, o Mycobacterium tuberculosis, que ficou conhecido como “bacilo Koch”.
A partir de então, era possível diagnosticar a doença a partir do escarro. A pessoa que
tem tuberculose pode contaminar outras pessoas pela eliminação do bacilo, que pode
ficar horas suspenso no ar em gotículas de saliva.
A diretora de Vigilância e Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia,
Cristina Borges, alerta que problemas respiratórios freqüentes por mais de três semanas,
em especial a tosse com expectoração, são os principais sintomas da doença. A OMS
afirma que 1/3 da população total do planeta está infectada com o bacilo da tuberculose,
e um em cada dez infectados ficarão doentes ao longo da vida.
O tratamento
No século XIX, o tratamento de tuberculose se resumia ao repouso. Depois da
Segunda Guerra Mundial, apenas um antibiótico era utilizado. Atualmente, o tratamento
é feito com uma combinação de medicamentos.
Em geral, o tratamento é feito a partir da administração de três drogas: a
isoniazida, a rifampicina e o pirazinamida. De acordo com a médica especializada em
saúde pública pela Universidade de São Paulo, Isabela Bensenõr, o coquetel é
extremamente eficaz.
Cristina Borges afirma que o tratamento dura em média de seis meses a um
ano, podendo variar. A diretora ressalta que é muito importante que o paciente faça
exames mensais de controle da doença.
No Brasil é possível fazer o diagnóstico e o tratamento em todas as unidades
públicas de saúde. De acordo com o Ministério da Saúde, o tratamento supervisionado,
que tem cobertura de 86% na rede pública, será expandido e novos medicamentos serão
utilizados ainda a partir de 2009.
Abandono
O Ministério da Saúde vai expandir o tratamento supervisionado para que, com
o acompanhamento de pacientes, diminuam as desistências do tratamento. De acordo
com a OMS o abandono é um dos maiores problemas em relação à tuberculose, pois
acarreta a mutação e conseqüente resistência do bacilo, que pode se tornar intratável
com os medicamentos existentes. A OMS também alerta para a possibilidade de uma
epidemia global sem tratamento eficaz.
O documento de encerramento do Terceiro Fórum “Stop TB” (Barrando a
Tuberculose), que aconteceu de 23 a 25 de março de 2009, no Rio de Janeiro, determina
o investimento no diagnóstico e tratamento da tuberculose multiresistente (TB MDR) e
extremamente resistente (TB XDR). O Fórum também expressou a urgência no
desenvolvimento de vacinas que protejam contra todos os tipos de tuberculose.
De acordo com Cristina Borges, o coquetel administrado nas unidades públicas
de saúde perde o valor se o tratamento for abandonado, e acarreta problemas para os
novos contaminados, que acaba por invalidar todo o investimento no tratamento do
paciente.
Um dos vilões nos casos de abandono do tratamento no Brasil é o alcoolismo.
Só em Goiânia 19,4% dos tuberculosos desistem do tratamento por esse motivo. Em
geral, os pacientes com dependência ao álcool são os mais difíceis de tratar, pois as
drogas para combater a tuberculose interagem com o álcool podem trazer efeitos
colaterais. Esses efeitos fazem com que o paciente abandone o tratamento.
Dupla mortal
Segundo os dados da OMS, todos os anos cerca de meio milhão de pessoas
com HIV morrem de tuberculose. Os casos mais do que triplicaram em países com
elevados números de soro positivos. De acordo com o documento do Fórum “Stop TB”,
a integração dos tratamentos de ambas as doenças ainda não foram implantadas
consistentemente.
O documento produzido no Fórum salienta a necessidade do desenvolvimento
de drogas menos tóxicas e mais potentes que sejam seguras para o soro positivo. A
incidência de casos de tuberculose em portadores de HIV são mais freqüentes no
continente africano, que não possui estratégias sólidas no combate a nenhuma das duas
doenças.
Problema do presente
Apesar de a tuberculose ser uma das principais causas de mortes em todo o
mundo, ainda é grande o número de pessoas que se remetem à doença no passado. A
doença que causou sérios problemas no século XIX ficou tachada como doença comum
às classes pobres dos guetos das grandes cidades.
Atualmente, a tuberculose não tem classe social, mas continua sendo um sério
problema de saúde pública. De 1980 a 2003 foram registrados em Goiás 23 mil casos de
tuberculose. Em 2008, a incidência de tuberculose em Goiânia foi de 14 casos por mil
habitantes. No estado, a doença acomete em maior número as pessoas entre 20 e 49
anos de idade.
A doença, que no passado matou Kafka, George Orwell e Chopin, é mais atual
do que se pode imaginar, e necessita com urgência de políticas públicas para efetivar
um trabalho eficaz de educação e tratamento não apenas no Brasil, mas em todo o
mundo.
Tuberculose e literatura
Muitos poetas brasileiros sofreram com tuberculose. Castro Alves, Álvares de Azevedo,
Casimiro de Abreu e Augusto dos Anjos escreveram em versos suas angústias em
relação à doença.
Mas entre todos os poetas, o que mais se destaca é Manuel Bandeira, que conviveu com
a tuberculose desde a juventude até a velhice. O poeta escreveu inúmeros poemas, que
de acordo com o professor de literatura Kélio Júnior revelam seu pessimismo em
relação ao futuro marcado pela angústia da iminência da morte.
“Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos, /
A vida inteira que poderia ter sido e não foi. /
Tosse, tosse, tosse. /
Mandou chamar o médico. /
Diga trinta e três. /
Trinta e três... trinta e três... trinta e três... /
Respire /
O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo /
e o pulmão direito infiltrado. /
Então doutor, não é possível tentar o pneumotórax? /
Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”
(Pneumotórax – Manuel Bandeira, publicado em 1930 no livro Libertinagem)
Download