ALEGORIA DA CAVERNA: CONSIDERAÇÕES SOBRE UM POSSÍVEL DUALISMO GNOSIOLÓGICO IMANENTE1 BORGES, William Saraiva2; ALVES, Marcos Alexandre3 1 Trabalho de Iniciação à Pesquisa e à Docência – CAPES/PIBID/UNIFRA Graduando em Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS 3 Professor (orientador) de Filosofia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS E-mail: [email protected]; [email protected] 2 Palavras-chave: Platão. Alegoria da Caverna. Dualismo Gnosiológico. Educação. A Alegoria da Caverna, elaborada por Platão no livro VII da República, é tradicionalmente interpretada como símbolo do dualismo metafísico proposto por esse autor em sua Teoria das Ideias. Todavia, o referido texto parece destacar muito mais a existência de um dualismo gnosiológico do que de um dualismo metafísico. Dessa maneira, o presente trabalho tem por objetivo mostrar que a analogia da caverna expressa muito mais um dualismo gnosiológico imanente do que de um dualismo metafísico. A tese mais conhecida defende que as figuras do interior e do exterior da caverna expressam um dualismo metafísico: Platão “introduz uma divisão no mundo [...], dois mundos inteiramente diferentes e separados: o mundo sensível [dentro da caverna] e o mundo inteligível [fora da caverna]” (CHAUI, 2010, p. 184). Isto é, o mundo das cópias e o mundo das essências verdadeiras. Dessa constatação metafísica se infere uma teoria do conhecimento, uma vez que, sobre o mundo sensível, só é possível ter uma opinião (doxa), enquanto, sobre o mundo inteligível, se pode fazer ciência (epistéme). Assim, “a cada grau ou forma de conhecimento corresponde um grau ou forma de realidade e de ser” (REALE, 2003, p. 148), quer dizer, doxa é o conhecimento do mundo sensível e epistéme, conhecimento do mundo inteligível. A afirmação de Reale possui a estrutura do Modus Ponnens: se existem dois graus de ser, então existem dois graus de conhecimento. Ora, existem dois níveis do ser. Logo, existem dois níveis de conhecimento. Contudo, esse postulado é demasiado idealista, pois pressupõe a existência de dois mundos separados sem argumentos sólidos que sustentem essa teoria, conjeturando um dualismo metafísico como um salto a melhor explicação, ou seja, que um mundo extrassensível é a maneira mais sensata de compreender e explicar a multiplicidade realidade sensível. Não se pode pressupor dois mundos, demonstrando essa proposição, através de um argumentum ad ignoranciam. Antes, é necessário assumir uma postura mais realista e acreditar que a realidade se dá a conhecer em sua totalidade e que o conhecimento que produzimos racionalmente só é possível em virtude dos dados que são fornecidos à razão pelos sentidos. Por isso, neste trabalho, se quer defender que a Alegoria da Caverna é, antes de tudo, garantia de um conhecimento dual, ou seja, de dois tipos de conhecimento, mas que, disso não se pode concluir um a existência de dois planos distintos na realidade. Propõem-se aqui, portanto, um possível dualismo gnosiológico imanente. O ad intra e o ad extra da caverna simbolizam dois tipos de conhecimento e não dois mundos. Platão afirma que aqueles que estão dentro da caverna vivem acorrentados e tudo o que conseguem perceber são as sombras e que pessoas nessas condições pensam que são verdadeiras as sombras que enxergam (PLATÃO, 2000, p. 210). Portanto, existem dois estados de conhecimento: um que conhece equivocadamente e outro que conhece verdadeiramente. Isso não significa que existam coisas verdadeiras separadas e cópias delas, pois ambos pertencem à mesma ordem imanente da realidade. Que garantias se tem de que a verdade, cuja sombra é percebida pelos prisioneiros, está em outro mundo, num mundo transcendente e não na imanência desta realidade que está aí? O mundo existe e isso é evidente. Mesmo Santo Agostinho, platônico por excelência, não duvida disso (AGOSTINHO, 1995, p. 80). Ora, esse mundo é epifânico, ele se revela, ele se dá a conhecer. Se o sujeito do conhecimento apreende sombras, não é culpa no mundo, não é que ele seja falso ou xerocado, pois ele é o que é, ele é objeto-objetivo, mas a culpa é do sujeito que em virtude de seus condicionamentos e de sua subjetividade, não consegue 1 apreender a verdade que o mundo manifesta. Aqui, numa perspectiva filosófica, pedagógica e educacional, seria oportuno perguntar: quais são os condicionamentos que impedem, na atualidade, o sujeito cognoscente de apropriar-se plenamente da verdade contida no mundo e na realidade que se dá a conhecer? Os fatores de aprisionamento dentro da caverna são os meios de comunicação social, a alienação, o consumismo, sensualismo, o alcoolismo, a drogadição, os valores inconsistentes, a corrupção, a violência, a estratificação social... Ou como Platão afirma no Fédon (2008, p. 202), a filotimia, filosomatia e filokhrematia, apego às honrarias, ao corpo e ao dinheiro. Portanto, se pode concluir que o dualismo gnosiológico não é condição suficiente para a inferência de um possível dualismo metafísico. Assim, ao fim desse encadeamento lógico, se chega à demonstração de que a Alegoria da Caverna é símbolo de um dualismo gnosiológico imante, ou seja, duas formas de conhecer a realidade e o mundo que está aí, uma insuficiente e outra muito mais plena. Tal concepção parece ser extremamente útil e aplicável ao atual contexto, podendo converter-se em oportuna teoria de cunho educacional, pedagógico, político e ético. REFERÊNCIAS AGOSTINHO. O Livre-Arbítrio. Tradução de Nair de Assis Oliveira. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1995. CHAUI, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010. PLATÃO. A República. Tradução de Pietro Nassetti. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2000. PLATÃO. Fédon: sobre a alma. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2008. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. Tradução de Ivo Stornilo. 3. ed. São Paulo: Paulus: 2007. 2