II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial Publicação e comercialização de comédias no Brasil oitocentista: o caso de Luxo e Vaidade de Joaquim Manuel de Macedo (1860) Rodrigo Camargo de Godoi1 Mestrando, Instituto de Estudos da Linguagem IEL-Unicamp Resumo: O objetivo deste trabalho é reconstituir, por intermédio da análise de anúncios de comercialização e textos de crítica teatral publicados entre setembro e dezembro de 1860 no periódico A Marmota, a trajetória da comédia Luxo e Vaidade, de Joaquim Manuel de Macedo, do palco do Teatro Ginásio Dramático às páginas do volume homônimo impresso pela tipografia de Francisco de Paula Brito. A partir de então, além de observarmos as estratégias do editor Paula Brito no que concerne à impressão, divulgação e comercialização de textos teatrais, poderemos analisar, baseando-nos principalmente nas preleções de Roger Chartier sobre a publicação e circulação de peças entre os séculos XVI e XVII, as diferentes performances do texto dramático – escrito antes de tudo para os palcos – no Brasil oitocentista. Palavras-chave: Joaquim Manuel de Macedo; Francisco de Paula Brito; Publicação e circulação; Teatro. A regeneração do Teatro Ginásio A comédia em cinco atos Luxo e Vaidade, de Joaquim Manuel de Macedo, foi encenada pela primeira vez a 23 de setembro de 1860 no teatro Ginásio Dramático pela recém fundada Companhia Dramática Nacional2. Mais que uma simples estréia de uma 1 Rodrigo Camargo de Godoi é mestrando no Departamento de Teoria e História Literária do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/Unicamp. Atualmente investiga, no âmbito das convergências entre literatura e política, as relações de Machado de Assis com o teatro, sobretudo entre os anos 1859 e 1865. Apoio financeiro: CAPES. 2 Após a morte do empresário teatral e fundador do Teatro Ginásio Dramático Joaquim Heliodoro Gomes dos Santos, em agosto de 1860, formou-se uma nova companhia dramática que passou a atuar neste teatro. Essa peça original brasileira, essa comédia apresentava-se como a “regeneração do Ginásio”, uma vez que esse teatro, reduto da “escola realista” no Rio de Janeiro, enfrentara temporadas difíceis entre 1858 e meados de 18603. Assim, dois dias antes da estréia, publicava-se n’A Marmota de Paula Brito o seguinte anúncio, possivelmente escrito pelo próprio editor do periódico: RENERAÇÃO DO Ginásio Dramático As Damas e Atores do Teatro – Ginásio Dramático – reunidos em sociedade, começam domingo 23 do corrente os seus trabalhos. Foi escolhido para dar princípio à tão brilhante carreira, um drama novo do Snr. Dr. Macedo, intitulado LUXO E VAIDADE O dia foi determinado por SS. MM. II.; e só a presença dos Augustos Imperantes; se o nome do autor não bastassem para que o público concorresse a dar uma enchente à companhia, falta de recursos, bastava o título do drama, que só por si se recomenda. Em outro n. não só publicaremos o quadro da companhia, como diremos alguma coisa sobre o drama chamando desde já a atenção do público para esta empresa teatral, não subvencionada (A Marmota, n. 1.197, 21/09/1860, p. 4). Com este anúncio iniciava-se n’A Marmota uma série composta por artigos, textos críticos, cartas e até mesmo versos em homenagem a Macedo e sua composição. E precisamente por meio desta série podemos reconstituir o processo não apenas de recepção crítica, mas também de publicação e comercialização da comédia Luxo e Vaidade pelo editor e livreiro Francisco de Paula Brito. Em certos aspectos esta investigação, que se restringe a um estudo de caso, não se afastaria do pressuposto defendido por Robert companhia, denominada Companhia Dramática Nacional era composta por atores remanescentes do antigo Ginásio e da extinta companhia do ator e empresário Furtado Coelho (SOUZA, 2002, p. 115-116). 3 Inaugurado em 1855, o Teatro Ginásio já enfrentava dificuldades em virtude da acirrada concorrência entre os teatros da corte logo nas temporadas de 1856-57. Nesse período, no entanto, crescem os protestos na imprensa em prol da criação de um “repertório original brasileiro” capaz de suplantar o elevado número de traduções francesas de que se valiam nossos teatros. José de Alencar foi o primeiro a responder a tais anseios, levando aos palcos do Ginásio suas primeiras composições dramáticas alinhadas aos preceitos realistas: Rio de Janeiro, verso e reverso, O demônio familiar e O crédito. Contudo, não obstante o sucesso obtido por Alencar, o Teatro Ginásio enfrentava novas temporadas difíceis, uma vez que o público já demonstrava sinais de apatia perante a estética realista. Deste modo, o teatro via-se forçado a variar seu repertório, encenando gêneros dramáticos menos “nobres”, como as cenas cômicas do ator Vasquez, que fariam grande sucesso no decorrer década de 1860 (SOUZA, 2002, p. 88-116). Darnton (1987, p. 198), segundo o qual os livros, além de bens culturais, são ao mesmo tempo “produtos econômicos”, e ainda que “veículos de idéias”, faz-se necessário “mascateá-los no mercado”. Entretanto, textos teatrais, compostos na imensa maioria dos casos para ganhar os palcos e não os prelos, possuem certas especificidades que os afastam em certa medida dos romances e coletâneas de versos. Neste sentido, três preleções de Roger Chartier publicadas no volume Publishing dramas in early modern Europe, nos oferecem subsídios suficientes para pensarmos o texto teatral não somente no espaço circunscrito do palco, mas em suas múltiplas performances. Assim sendo, Chartier nos mostra, a partir do estudo da publicação e circulação de peças teatrais entre os séculos XVI e XVII, entre outros fatos, como Molière e o dramaturgo elisabetano John Marston, ambos fiéis ao princípio da ação dramática, relutavam, cada um a seu modo, em consentir na publicação de suas composições (CHARTIER, 1999, p. 18; p. 52); como as práticas de memorização e de plágio de textos dramáticos, pouco considerados por historiadores da literatura francesa, eram largamente utilizadas no período (CHARTIER, 1999, p. 32); e, por fim, como as diferentes performances dos textos dramáticos foram decisivas na formação dos significados atribuídos a esses textos (CHARTIER, 1999, p. 36). Roger Chartier, em suma, nos oferece um conjunto de ferramentas para podermos, voltando ao Rio de Janeiro de Luxo e Vaidade, de Joaquim Manuel Macedo e Francisco de Paula Brito, refletir os sentidos e reconstituir o processo de publicação e circulação de comédias no Brasil oitocentista. O autor, a obra e o editor Ultrapassaria os objetivos do presente trabalho uma análise exaustiva das biografias de Macedo e Paula Brito. Basta lembrarmos que Macedo, no momento da publicação de Luxo e Vaidade, em fins de 1860, já era reconhecido como romancista e dramaturgo. Tanto que sua comédia em dois atos O primo da Califórnia, uma imitação distante de L’Oncle da Amerique de Scribe (PRADO, 1997, p. 31), já havia sido encenada com grande sucesso de público e de crítica na inauguração do Teatro Ginásio Dramático, em 15 de abril de 1855 (FARIA, 1993, p. 77-79). No entanto, Macedo professava um notório ecletismo como dramaturgo que, por um lado, impossibilitava uma classificação coerente do conjunto de suas obras para o teatro, tanto por parte de críticos contemporâneos às produções como por parte de estudiosos do teatro brasileiro4. Por outro lado, porém, tal ecletismo o aproximava dos anseios do grande público, transformando-o, de acordo com Machado de Assis (2008, p. 429), em “um dos nossos autores mais fecundos e mais aplaudidos”. Neste sentido, João Roberto Faria (1993, p. 204) nos esclarece que entre as quinze peças escritas por Macedo podemos encontrar “comédias farsescas curtas e longas, dramas românticos, uma burleta, uma drama sacro, e pelo menos um drama e uma comédia escritos sob inspiração do teatro realista francês”5. Luxo e Vaidade, por sua vez, se inscreve neste último grupo. Deste modo, o enredo de Luxo e Vaidade pode ser resumido da seguinte forma: Maurício era um funcionário público que se precipitava a falência, visto que gastava muito além de seus rendimentos para manter sua família, composta pela esposa Hortênsia e pela filha Leonina, na alta sociedade do Rio de Janeiro. Em um baile no Clube Fluminense Leonina conhece Henrique, rapaz em seguida repudiado pela moça, tão logo ela descobre que ele não passava de um simples pintor. Porém, logo somos informados que na verdade Henrique era primo-irmão de Leonina, filho do marceneiro Felisberto, por sua vez, irmão de Mauricio, que por vergonha de seu oficio, era mantido afastado do convívio daquela família. Eis que entra em cena o roceiro Anastácio, irmão de Felisberto e Mauricio, que em suas falas extensas, características do raisonneur realista, fustigava o irmão, a cunhada e a sobrinha, por viverem, impelidos pela vaidade, em um luxo que não podiam sustentar. Saltando por peripécias dramáticas que incluem a tentativa da rapto de Leonina pelos antagonistas Fabiana e Frederico, temos que, ao final da peça, é precisamente o marceneiro Felisberto que salva seu irmão Mauricio com suas suadas economias. 4 Neste sentido, José de Alencar afirmava em 1857 que o autor “nunca se dedicou seriamente a comédia”, tendo escrito “em alguns momentos de folga duas ou três obras que foram representadas com muito aplauso” (Apud FARIA, 2001, p. 470). Já Machado de Assis em um longo texto de 1866, afirmava que o autor “não professava nenhuma escola exclusivamente” (ASSIS, 2008, p. 430). 5 Silvia Cristina Martins de Souza (2002, p. 269), aprofundando a questão afirma que: “Esta ambigüidade, por sua vez, pode ser entendida levando-se em consideração dois pontos. Primeiramente, os conflitos vivenciados por Macedo, perceptíveis por esse descompasso entre o professado e o praticado, eram decorrência do seu duplo papel: o de crítico literário, que o inseria num grupo engajado na criação de um teatro nacional, e o de autor, em busca de encenação de suas peças e do reconhecimento por parte do público. Em segundo lugar, isto que seus críticos entendiam como contradição era resultado de ambigüidades próprias a esses mesmos críticos, que se confundiam nas análises dos gêneros por meio de modelos culturais duais, isto é, o que definiam como alta e baixa cultura e boa e má literatura”. Por ocasião da publicação dessa peça, o editor Paula Brito6, após a bancarrota da Tipografia Dois de Dezembro, em 1857, já se encontrava instalado no número 64 da Praça da Constituição, recebendo a subvenção mensal de 200$000, oferecida pelo imperador Pedro II que o ajudava a custear a produção d’A Marmota, periódico que vinha sendo impresso ininterruptamente desde 18497. Podemos supor que as relações de Paula Brito e Joaquim Manuel de Macedo se estreitaram por intermédio da Sociedade Petalógica, agremiação composta por literatos e até mesmo notoriedades políticas, fundada pelo editor, que congregou praticamente todo o movimento romântico brasileiro. Baseando-nos no levantamento das obras editadas por Paula Brito, realizado por Eunice Ribeiro Gondim (1965), podemos encontrar as seguintes obras de Macedo: Tabela 1 – Obras de Joaquim Manuel de Macedo editadas por Paula Brito Obra Gênero Cobé Drama em 5 atos Considerações sobre a nostalgia Tese Discurso por ocasião de tomar grau em medicina Rosa Romance Vicentina Romance Carteira do meu tio* Romance O Forasteiro* Romance O Primo da Califórnia* Comédia em 2 atos O Fantasma Branco Ópera em 3 atos Luxo e Vaidade Comédia em 5 atos Ano 1844 1844 1849 1853 1855 1855 1855 1856 1860 * Publicado também n’A Marmota. Fonte: (GONDIM, 1965, p. 98). Isto posto, passemos a história da circulação e comercialização da comédia Luxo e Vaidade. 6 Em relação às edições literárias de Paula Brito, Hallewell é categórico ao afirmar que “a literatura brasileira não existia”, sendo o editor de fato “o primeiro a encorajá-la”. De acordo com o autor “Paula Brito não apenas editava; ele foi também o primeiro editor a publicar trabalhos de literatos brasileiros contemporâneos como empreendimento de risco, em vez de fazê-lo como uma estrita transação comercial por conta do autor. Pela primeira vez, um poeta ou um romancista nacional poderia almejar ser publicado em livro e ser pago por isso” (HALLEWELL, 1985, p. 88) 7 A Marmota circulou com pequenas variações no título de 1849 a 1861, ano da morte de Paula Brito, retornando com novo formato por um breve período em 1864 (HALLEWELL, 1985, p. 88). Publicação e comercialização de Luxo e Vaidade Como prometido no anúncio de estréia da peça de Macedo, Paula Brito retomou o tema em um texto crítico intitulado “O Luxo e Vaidade”, publicado nas primeiras páginas d’A Marmota de 2 de outubro. Nesse texto o editor relatava suas impressões sobre a segunda representação da peça, realizada a 28 de setembro: A peça, que muito agradou, e que é de esperar que muito agrade ainda e por muito tempo, por ser um quadro de Virtude, moral e bons costumes apesar de ser pintado com muito vivas cores, por ter o Snr. Macedo, talvez de propósito, escolhido para formá-lo um lápis não muito fino, um pincel não muito delicado é uma peça para o povo, e o povo gosta de vê-la e ouvi-la, e entusiasticamente a aprecia, porque a compreende sem esforço (A Marmota, n. 1.200, 02/10/1860, p. 1, grifos do autor). Para Paula Brito não obstante Luxo e Vaidade caracterizar-se como “um quadro de Virtude, moral e bons costumes”, a comédia falava diretamente e com facilidade às platéias, atestando, desse modo, a popularidade de Joaquim Manuel de Macedo junto ao público fluminense. No entanto, logo observamos o consciencioso crítico teatral cedendo o espaço de sua crítica ao editor, por sua vez, também interessado em divulgar outras publicações do mesmo autor produzidas em sua tipografia e possivelmente ainda disponíveis ao público leitor em sua loja, localizada, como sabemos, no número 64 da Praça da Constituição. Assim, na primeira oportunidade, Paula Brito comparava Luxo e Vaidade ao romance Vicentina, por ele publicado em 1853 (ver Tabela 1): O Snr. Dr. Macedo serviu-se para o Luxo e Vaidade de alguns personagens da sua tão popular e tão bem conceituada Vicentina: a Fabiana ai está com todos os seus vícios de corruptora e de intrigante, já por interesse, já por vingança; ai esta a filha, ai está o Dr. Benedito; o Américo, o Frederico e a própria Louca da Ermida na pessoa de Anastácio (A Marmota, n. 1.200, 02/10/1860, p. 1). Um pouco mais adiante eis que também surge uma alusão ao romance Carteira do meu tio, publicado primeiramente em folhetim n’A Marmota e depois em volume em 1855 (ver Tabela 1): Conheceis a Carteira de meu tio? Agrada-vos o que ai se diz? Pois ide ver o Luxo e Vaidade, que achareis nele as mesmas verdades, o mesmo sentimento de patriotismo, o mesmo interesse pelo bem público, o mesmo amor da Pátria [...] (A Marmota, n. 1.200, 02/10/1860, p. 1). Parecia haver, portanto, uma estratégia de divulgação sendo sutilmente elaborada por Paula Brito naquele momento, ou seja, após ir ao Ginásio assistir ao grande sucesso de Macedo o leitor era instigado pelo crítico-editor a ler, e por que não adquirir, os romances Vicentina e Carteira de meu tio. A crítica de Paula Brito prestava-se, deste modo, a duas funções bem precisas: por um lado, almejava transformar seu leitor em espectador da comédia de Macedo em cartaz no Teatro Ginásio Dramático; e, por outro, novamente transformar o leitor de sua crítica em leitor de dois dos romances do mesmo Macedo publicados por sua tipografia. Por conseguinte, podemos supor que, ao buscar garantir a próxima “enchente” no Teatro Ginásio, Paula Brito estaria ao mesmo tempo tentando assegurar a “enchente” de assinaturas que viabilizaria a impressão da comédia Luxo e Vaidade que por esse tempo já devia estar sendo preparada em sua oficina. Deste modo, no número seguinte d’A Marmota, de 5 de outubro, era a vez de Paula Brito publicar um longo poema composto por 20 quadras de sua própria autoria, baseado na terceira cena do primeiro ato de Luxo e Vaidade, intitulado Os amores de Leonina: Eu vi um moço no Club A quem consagrei amor, Que em nada parecia Com um artista Pintor Como fidalga educada Neste Rio de Janeiro Nem me era dado encarar A filha de um Marceneiro! Só do Luxo e da Vaidade Engolfada no esplendor Nunca pensei, nem sonhando, Ter um amante Pintor! [...] (A Marmota, n. 1.201, 05/10/1860, p. 4.) Já a 9 de outubro, nosso editor-poeta atacava mais uma vez como crítico teatral, informando seu leitor sobre o espantoso sucesso que Luxo e Vaidade continuava obtendo no Teatro Ginásio: O Luxo e Vaidade drama em cinco atos do Snr. Dr. Macedo, que teve oito representações seguidas no Ginásio Dramático, coisa não muito vulgar entre nós, e ainda mais extraordinária na quadra em que nos achamos, continua a estar na berra (A Marmota, n. 1.202, 09/10/1860, p. 1.). Neste texto, após lançar mão dos “melhores Lexicógrafos”, tentando definir precisamente o significado dos termos “Luxo” e “Vaidade” e afirmar que Macedo “era mesmo das arábias”, Paula Brito finalizava sua análise mais uma vez “desejoso de que todo mundo [fosse] ver o Luxo e Vaidade no Ginásio Dramático”. Todavia, a próxima crítica teatral suscitada pela comédia de Macedo, relativa à décima representação, era assinada por Moreira de Azevedo: Assistimos terça-feira à 10ª representação do drama Luxo e Vaidade do Sr. Dr. Macedo. Luxo e Vaidade é um drama bem escrito e cheio de moral, é uma cópia exata do que se passa entre nós, e os tipos desse drama existem realmente na nossa sociedade. O drama Luxo e Vaidade apresenta uma lição proveitosa para aqueles, que querem mais do que são, e que, levados pela vaidade e pelo luxo, vem a cair, ou na miséria, ou no suicídio. Esse drama tem o cunho da época (A Marmota, n. 1.204, 16/10/1860, p. 1). O texto mais comedido de Moreira de Azevedo procurava mostrar como Macedo, em sua comédia repleta de moralidade e beleza, “estudou as cenas da sociedade e as copiou”, e como assim procedendo acabou por tornar “o teatro o farol moral da sociedade”. Mensagem semelhante traziam os versos anônimos publicados em homenagem a Luxo e Vaidade a 23 de outubro: Buscar das coisas da vida Andar no fluxo e refluxo, Sempre das modas da Corte Metido no fausto, é – Luxo Querer exceção da regra Ser da pobre humanidade Pessoa a quem tudo fede E nada cheira, é – Vaidade Como figura de doce Em enfeitado cartucho Basofiar em riquezas, Além de – Vaidade, é – Luxo [...] Mas quem quiser desta história Saber a fundo a verdade, Indo ao teatro – Ginásio Dramático – Acha-a no – Luxo e Vaidade. Do nosso Doutor Macedo É mais uma novidade: Deve ser visto mil vezes O drama – Luxo e Vaidade – (A Marmota, n. 1.206, 23/10/1860, p. 4). No número seguinte d’A Marmota publicava-se uma carta de Júlio Correa de Carvalho, que se apresentava como ex-aluno de história e amigo de Macedo8. Em sua missiva, Correia de Carvalho afirmava que Luxo e Vaidade, além de uma bela composição, caracterizava-se como “o retrato mais enérgico [...] desta sociedade que se desmantela mergulhada na podridão de costumes que caracterizaram os últimos anos da majestosa Roma”, e que Macedo, por intermédio desta composição, levava às chagas sociais o “ferro em brasa do preceito de Horácio – ridendo castigat mores” (A Marmota, n. 1.207, 26/10/1860, p. 2). Entretanto, neste mesmo número d’A Marmota, após esta série de artigos, críticas e versos, encontramos a primeira nota anunciando a publicação da peça de Joaquim Manuel de Macedo: LUXO E VAIDADE DRAMA EM 5 ATOS DO SNR. DR. J. MANUEL DE MACEDO Seguindo de um apêndice contendo tudo o que a respeito se tiver escrito até o dia da publicação. Um belo volume para os senhores assinantes..........2$000 Fechada a subscrição.............................................3$000 (A Marmota, n. 1.207, 26/10/1860, p. 4). 8 De acordo com Sacramento Blake (1898, p. 183), além “um dos brasileiros que mais enriqueceram as letras pátrias”, Joaquim Manuel de Macedo “era doutor em medicina pela faculdade do Rio de Janeiro; professor de corografia e história do Brasil do colégio de Pedro II; membro do conselho diretor da instrução pública da corte; sócio fundador, primeiro vice-presidente e orador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; sócio da sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e de outras; comendador da ordem da Rosa e da de Cristo”. Figura 1 – Anúncio de publicação de Luxo e Vaidade. Notemos como Luxo e Vaidade ainda se encontrava em processo de edição, visto que o anúncio é claro ao informar-nos que o volume apresentará um “apêndice, contendo tudo o que a respeito se tiver escrito até o dia da publicação”, ou seja, a publicação ainda não estava finalizada. Deste modo, o intuito de Paula Brito neste anúncio era obter assinaturas para o volume. Tanto que os leitores que se subscrevessem antecipadamente receberiam um substancial desconto de cerca de 30%, pagando apenas 2$000 pelo exemplar – após o período de subscrição Luxo e Vaidade passaria a custar 3$000. Para termos uma idéia desses valores, lembremo-nos que no ano anterior Paula Brito comercializava o primeiro volume de sua Biblioteca das Senhoras, contendo cinco narrativas, por 1$500 (A Marmota, n. 1.085, 26/08/1859, p. 4)9 e As primaveras de Casimiro de Abreu, em “uma brochura de mais de 300 páginas, em papel da Holanda, nítida edição, ao gosto moderno”, por 4$000 (A Marmota, n. 1.091, 16/09/1859, p. 4). Entre as obras de Macedo, no início de 1860, o “lindíssimo romance em 3 volumes” Vicentina saia a 4$000 e a Carteira do meu tio, em dois volumes, a 2$000. Já no âmbito dos textos teatrais a comédia O primo da Califórnia, também de Macedo, e a comédia em dois atos Dr Gramma eram ambas comercializadas a 1$000 cada volume (A Marmota, n. 1.125, 13/01/1860, p. 4). Notemos também que no caso desta última comédia temos um 9 O primeiro volume da Biblioteca das Senhoras compunha-se pelas narrativas: Uma expiação ou a dedicação paternal, Duas mães para uma filha, As fatias do Príncipe de Brededin, Uma indiscrição e O tear da avó. Algumas dessas narrativas, traduzidas por Bráulio Cordeiro, foram publicadas n’A Marmota antes da composição do volume: Uma indiscrição de 01/03/1859 a 11803/1859; Duas mães para uma filha de 22/03/1859 a 08/04/1859; As empadinhas do príncipe de Brodedin, não “fatias” como publicado no anúncio, de 19/04/1859 a 10/05/1859. considerável aumento no preço, uma vez que, em abril de 1859, Dr. Gramma era anunciada por apenas 500 réis (A Marmota, n. 1.051, 29/04/1859, p. 4)10. Mas retomando a trajetória da publicação de Luxo e Vaidade, na primeira Marmota do mês de novembro, Paula Brito voltava a publicar um anúncio alertando seus leitores sobre a subscrição do volume contendo a peça de Macedo: Querendo nós que o drama do Snr. Dr. Macedo seja tão bem recebido e popularizado como livro, como tem sido como peça teatral, empregamos para isso os meios convenientes, mandando a cada uma dos nossos dignos subscritores uma lista impressa para que aquelas pessoas, que nos quiserem obsequiar, com a vantagem de possuir o drama pelo preço da assinatura (2$000), escrevam nelas seus nomes, e mandem-nas à nossa tipografia, praça da Constituição n. 64, ou as dêem aos distribuidores para nos serem entregues. Os nomes de todas as Senhoras e Senhores, que se inscreverem como assinantes do Luxo e Vaidade serão impressos em uma lista, que será publicada no fim do drama, que formará um belo volume. Feita a publicação, os exemplares serão vendidos a 3$000 cada um (A Marmota, n. 1.209, 02/11/1860, p. 1). Como podemos observar, todos os assinantes d’A Marmota receberiam uma lista para garantirem antecipadamente e por menor preço, a composição de Macedo, que tanto êxito estava obtendo no Teatro Ginásio. Além do mais, cada subscritor ou subscritora, teria seu nome impresso ao final do livro. Portanto, poucas semanas adiante se fazia necessário recolher as listas com as assinaturas para, finalmente, dar aos prelos da Tipografia de Paula Brito a peça de Joaquim Manuel de Macedo. Era precisamente este o intuito do “Pedido” publicado a 20 de novembro: O editor da Marmota pede aos seus dignos e constantes Subscritores, a quem remeteu listas para assinaturas do drama do Snr. Dr. Macedo – LUXO E VAIDADE – o obsequio de lhas devolverem até terça-feira 20 do corrente, por isso que os nomes das pessoas, que tal honra lha quiserem fazer (e ao autor, conseqüentemente), serão publicadas no fim do volume, bem como tudo o que respeito se tiver escrito e houver chegado ao seu conhecimento. 10 Para além do mercado editorial, onde de fato poderíamos encontrar variações consideráveis nos preços dos livros, tendo em vista a importância de determinada obra, bem como a qualidade no material gráfico empregado na edição, lembremos que, em 1860, pagava-se no Rio de Janeiro 280 réis por uma libra de carne de vaca e 400 réis pela mesma quantidade de carne de porco. Já com 3$300 podia-se adquirir na mesma cidade, entre 1858-59, uma arroba de arroz e com 4$980 um alqueire de feijão. Estes valores, referentes aos gêneros alimentícios na Corte, são apresentados e analisados por Artur José Renda Vitorino (2002, p. 81). Mas, para além do setor de alimentos, Silvia Cristina Martins de Souza (2002, p. 63) nos mostra que uma entrada de teatro, nos lugares mais baratos, poderia custar 1$000 em 1855. A edição é de 1.000 exemplares, havendo já tomados mais de 500 volumes por assinaturas de 1 a 100. Para subscrever...........2$000 Vendido......................3$000 (A Marmota, n. 1.224, 20/11/1860, p. 1). Nesse “Pedido” somos informados que 500 exemplares já haviam sido devidamente subscritos, o que possivelmente resultaria em certo lucro tanto para o editor como para o autor, também citado no fragmento. Entretanto, como que para relembrar o leitor d’A Marmota das qualidades de Luxo e Vaidade, e do bom negócio que este faria ao adquirir o volume – contendo além da peça, todos os escritos que sobre ela haviam sido publicados e mais seu nome, caso ainda o subscreve –, seguia-se outro artigo sobre a peça, assinado desta vez por Rodrigues Proença: O Luxo e Vaidade é um poema de belezas, onde a pena do distinto romancista não se esquece por muitas vezes das cores que soube dar à Carteira de meu Tio, nem de lances jamais inferiores aos das cenas brilhantes do Cego e Cobé, a moralidade ressalta em todas as falas; os costumes são bem descritos, salvo, uma ou outra pequena fala, que só o descuido daria lugar, mas que não avulta, porque soçobra diante dos primores que sobressaem, como o perfume do cálix da flor que se entreabre à madrugada (A Marmota, n. 1.214, 20/11/1860, p. 1). Figura 2 – Primeira página d’A Marmota de 26 de novembro de 1860. Restava-nos ainda para compor o quadro da publicação e comercialização da comédia de Joaquim Manuel de Macedo o testemunho de um leitor, ou nesse caso de um subscritor do volume. No entanto, eis que nos deparamos com certo Luiz Pedro de Alcântara Copioba, que em uma carta datada de 20 de novembro, demonstrava-se interessadíssimo em assinar uma das listas de Paula de Brito: Honra ao sublime Macedo, Honesto e distinto autor, Que aos seus patrícios tem dado Obras de apreço e valor. Pela leitura das folhas diárias e periódicas, que se publicam nesta corte, tenho conhecido o transcendente movimento do drama do Ilmo. Snr. Dr. Joaquim Manuel de Macedo, que tem por título – Luxo e Vaidade – e não me tendo sido possível assistir a um só das suas consecutivas representações, apressei-me a assinar para essa composição; ansioso aguardo o dia de sua publicação para apreciar mais essa obra do autor, que já tanto tem enriquecido a literatura Brasileira, e nos transportes do mais intenso entusiasmo, saúdo ao distinto escritor a quem já tanto devem as belas letras. Luiz Pedro de Alcântara Copioba. Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1860 (A Marmota, n. 1.216, 27/11/1860, p. 1). O dia da publicação não demoraria muito a chegar e o ansioso Luiz Pedro, que não assistiu a nenhuma das récitas no Teatro Ginásio, poderia, finalmente, adquirir seu exemplar de Luxo e Vaidade. Assim sendo, na quarta e última página d’A Marmota de 4 de dezembro, local privilegiado para a publicação de diferentes anúncios no periódico, podiase ler: PUBLICOU-SE A COMÉDIA DO SNR. DR. MACEDO LUXO E VAIDADE Distribui-se ao Snrs. Subscritores e vende-se na loja desta oficina, praça da Constituição n. 64. Preço 3$000. Não chegando para o extraordinário número de assinantes a primeira edição, achase no prelo a segunda, que será publicada no corrente mês, com APÊNDICE contendo tudo quanto a respeito da comédia publicaram as folhas da Corte. Para a 2ª edição assina-se ainda a 2$000 rs., no escritório desta tipografia (A Marmota, n. 1.218, 04/12/1860, p. 4, grifos do autor). Figura 3 – Anúncio de venda da comédia Luxo e Vaidade O senhor Luiz Pedro, bem como os demais subscritores do volume já poderiam dirigir-se a loja de Paula Brito, na Praça da Constituição, e retirar o seu exemplar. Já quem não havia subscrito a primeira edição poderia adquirir o exemplar de 3$000. No entanto, caso não compartilhasse da ansiedade de nosso amigo poderia ainda subscrever a segunda edição e esperar o novo volume, desta vez com seu nome impresso no apêndice. Encerrava-se, portanto, a trajetória de Luxo e Vaidade de grande sucesso do Teatro Ginásio Dramático11 à estante de leitores como Luiz Pedro de Alcântara Copioba. Porém, caso não for especular em demasia, poderíamos até desconfiar que por trás desse suposto subscritor estivesse o próprio Paula Brito, mais uma vez aliciando, por meio do efeito mimético, característico da propaganda, novos leitores para os livros impressos em sua tipografia. Referências bibliografias: Fontes primárias: A Marmota 11 De acordo com João Roberto Faria (1993, p. 210) Luxo e Vaidade, aclamada pelo público, “foi um dos maiores sucessos do Ginásio: vinte representações seguidas de 23 de setembro a 25 de outubro de 1860. Nos meses seguintes, mais sete, e pelo menos outras seis em janeiro e fevereiro de 1861”. Obras literárias: MACEDO, Joaquim Manuel de. Luxo e Vaidade. In: ______. Teatro Completo. V. 1. Rio de Janeiro: Serviço Nacional do Teatro, 1979. Obras gerais: ASSIS, Machado de. Machado de Assis do teatro. Textos críticos e escritos diversos. Organização, estabelecimento do texto, introdução e notas por João Roberto Faria. São Paulo: Perspectiva, 2008. BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898. CHARTIER, Roger. Publishing dramas in early modern Europe. Londres: The British Library, 1999. DARNTON, Robert. Boemia literária e revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo: Cia das Letras, 1987. FARIA, João Roberto. Idéias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. (Coleção textos; 15). ______. O teatro realista no Brasil: 1855-1865. São Paulo: Perspectiva; Edusp, 1993. (Coleção Estudos; 136). GONDIM, Eunice Ribeiro. Vida e obra de Paula Brito. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana: 1965. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. Tradução de Maria da Penha Villalobos e Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: T. A. Queiróz; Edusp, 1985. PRADO, Décio de Almeida. 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