O ESTUDO DA VARIABILIDADE CERÂMICA DO SÍTIO

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O ESTUDO DA VARIABILIDADE CERÂMICA DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO
TURVO III
Laís Jacqueline Silva1
Neide Barrocá Faccio2
Introdução
O Sítio Arqueológico Turvo III encontra-se em um ponto próximo a
vertente do Rio Turvo, localizado dentro da Bacia Hidrográfica do Turvo/ Grande, nas
coordenadas UTM, de Norte igual a 631.291 metros e de Oeste igual a 7.776.328
metros.
A maior parte do sítio arqueológico localiza-se dentro da área de plantio de
cana-de-açúcar. Sendo assim, uma pequena parte do sítio pode ser analisada na área dos
carreadores.
Por ser área de plantio e sofrer ações antrópicas constantes devido ao uso de
arado e do subsolador, o sito arqueológico em tela encontra-se mal conservado.
Contudo, o trabalho de resgate do material arqueológico após o corte da cana-de-açucar
ajudará na busca por respostas a respeito do tipo de implantação da ocupação indígena
ceramista que ali existiu.
Por volta dos anos 800 AD, a região central do Brasil começou a ser
ocupada de forma intensa, porém, gradativamente. Lá viviam grupos ceramistas que
construíam suas aldeias em círculos e de que, até hoje, não se sabe ao certo a origem. (
OLIVEIRA. E. R, 2005).
Muitos pesquisadores especulam que esse surgimento se deu por causa de,
no mínimo, dois fluxos migratórios diferentes. O primeiro denominado Tradição Aratu,
1
Aluna do 3º ano de Geografia e membro do grupo de pesquisa intitulado Laboratório de Arqueologia
Guarani – LAG. FCT/UNESP Presidente Prudente, e-mail: [email protected].
2
Professora Doutora do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente da FCT/UNESP
Presidente Prudente e líder do grupo de pesquisa intitulado Laboratório de Arqueologia Guarani – LAG.
FCT/UNESP Presidente Prudente, e-mail: [email protected].
vindo do leste e ocupando toda a região centro-sul de Goiás, indo até o Vale do Rio São
Francisco. O segundo fluxo migratório vindo do Mato Grosso, denominado Tradição
Uru.
A Tradição Aratu foi identificada por Valentim Calderón no Relatório
Anual do PRONAPA referente ao ano de 1969/70. Esse relatório diz respeito à Fase
Itanhé da região do Recôncavo Baiano localizado no entorno da Baia de Todos os
Santos/ Bahia até o Rio Mucuri, no sul do Estado da Bahia.
A Tradição Sapucaí foi identificada por Dias Junior, também durante
as pesquisas de 1969/70, últimos anos da atuação do PRONAPA, por meio das Fases
Ibiraci e Jaraguá, ambas na margem mineira do Rio Verde Grande.
A identificação da Tradição Aratu-Sapucaí também foi reconhecida durante
a realização de pesquisas no Estado de Goiás (SCHMITZ, 1978; SCHMITZ et al.,
1982: SCHMITZ & BARBOSA, 1985). Nesse Estado identificou tanto a Tradição
Aratu (Fase Massâmedes), quanto a Tradição Aratu Sapucaí (Fases Itaberaí e Tejuaçu).
A Tradição Aratu começou a tomar forma nos anos de 1968/69, com a
identificação de 24 sítios no Recôncavo Baiano. Lá, segundo Calderón foi possível
caracterizar a cerâmica e os padrões de sepultamento desta fase, além de caracterizá-la
como sendo de um grupo semi-permanente, já coletor, com uma agricultura incipiente,
conforme atesta a documentação cerâmica.
A Tradição Aratu foi a primeira grande ocupação do Planalto Central e
caracterizava-se por ser bastante propensa a influências externas e, em contrapartida,
certa homogeneidade interna (ROBRAHN-GONZALEZ 1996a, WUST, 1990) há
indícios da Tradição Aratu nos estados do Piauí, Maranhão, Bahia, Minas Gerais e São
Paulo.
Os grupos indígenas que confeccionaram a cerâmica da Tradição Aratu
tiveram diversas fases, possivelmente por ocuparem uma grande área e por sofrerem
influências de outras tradições. Há sítios que pertencem a mesma fase, no entanto, com
predomínio de antiplásticos diferentes.
Na sua Fase Mossâmedes, os grupos indígenas se localizavam em áreas
extensas, dentro de micro
regiões, principalmente no Mato Grosso, Goiás, Alta
Araguaia Goiano, dentre outros. Estendiam-se por três grandes bacias hidrográficas:
Araguaia, Parnaíba e Tocantins. Mesmo assim, nenhum sítio encontra-se próximo as
bordas desses rios, mas sim de córregos de águas perenes e eventualmente rios.
Os sítios situam-se nas colinas ou chapadas, utilizando para a construção da
aldeia um declive suave em direção ao córrego.
A Tradição Aratu e a Tradição Uru possuíam muitas semelhanças, por
exemplo, além das aldeias circulares, tinham a mesma estratégia de estruturação e
organização da sociedade, que foram largamente disseminadas pela região. Essas
semelhanças fizeram com que, por muito tempo, muitos arqueólogos acreditassem que
as Tradições Aratu e Uru eram igualitárias e sem estratificação aparente.
Este quadro de semelhanças começou a ser modificado quando Niemandaju
(1942), Turner ( 1979 a e 1979 b) publicaram trabalhos que mostravam as diferenças e
complexidades da estrutura hierárquica dessas sociedades. Exemplo disso são as
variações espaciais na distribuição dos vestígios nos sítios arqueológicos evidenciados
como aldeias circulares, que atestam diferenças sociais e políticas ( WUST, 1983 e
1990, WUST e CARVALHO, 1996).
De acordo com Schmitz (1982) a cerâmica dos povos da Tradição Aratu era
simples, produzida na maioria das vezes com antiplástico mineral e formas tanto
esféricas quanto ovóides grandes. Raramente possuíam decorações plásticas ou pintadas
(SCHMITZ et al 1982).
Para Calderón (1969), a cerâmica era simples, sem pintura e com engobo
grafite, apresentava formas globulares e hemisféricas, bordas com inclinação interna ou
externa e lábios arredondados, biselados ou apontados ( CALDERÓN, 1969). Em seu
trabalho no Recôncavo Baiano, Calderón (1969) verificou que muitas vezes a decoração
da cerâmica era principalmente corrugada, além de ter verificado fragmentos modelados
e roletados, no geral com um bom alisamento. O tempero verificado constituía-se de
areia grossa, nos níveis mais profundos e de grafite, nos níveis mais recentes.
A partir do século X e XI são evidenciados nos sítios da Tradição Aratu
materiais produzidos sob a influência de outros grupos. As variações no tamanho e
forma das vasilhas, bem como na forma de implantação dos sítios na paisagem apontam
para a presença de grupos da Tradição Uru em território Aratu. A partir do século XV já
não se vê mais sítio tipicamente pertencente a Tradição Aratu.
Apesar das datações indicarem que estes foram os primeiros grupos a
ocuparem a região do médio Tocantins, esta ocupação teria acontecido no âmbito das
profundas mudanças observadas em sítios no restante do Planalto Central.
No momento das escavações nos sítios, o material foi encontrado na
superfície e em concentrações que indicam o lugar das habitações, sendo que o número
de concentrações é bem variado. Esses sítios caracterizam-se por ser grandes, haver
várias concentrações de material, aparentemente dispostas em formas circulares.
Os vinte e sete sítios arqueológicos classificados como dessa fase
apresentam quatro tipos de antiplástico, sendo duas variações de cariapé, areia média e
areia grossa. Sua técnica de manufatura é o acordelado, com textura geralmente
uniforme, porosa, por vezes, levemente laminada, dentre outras. Tanto a face interna,
quanto a externa são alisadas.
Até o século XI as ocupações da Tradição Uru restringiram-se a região do
rio Araguaia. A partir do século XI, os povos que confeccionaram a cerâmica dessa
tradição iniciaram uma marcha rumo a leste e gradativamente invadiram territórios
outrora ocupados apenas pelos grupos Aratu. Os sítios da Tradição Uru caracterizam-se
pela grande diversidade interna (WUST, 1990), aliada à pouca permeabilidade das
influências externas.
A indústria cerâmica da Tradição Uru caracteriza-se pela presença de tigelas
rasas e pratos com bases planas em pedestal, as vezes apresentando perfurações,
assadores e grandes jarros, as bordas usualmente apresentam-se reforçadas, o cariapé é o
antiplástico utilizado por execelência.
Em pesquisas realizadas por Schmitz (1978) na região de Monte do Carmo,
a leste da cidade de Porto Nacional no Estado de Tocantins, foi constatado um padrão
recorrente da presença de componentes de duas ou três tradições em um mesmo sítio,
indicada tanto pela confecção de artefatos (vasilhas de formas típicas Aratu que
possuem antiplástico característico da tradição Uru, por
exemplo), quanto pela
existência de pequenas concentrações de artefatos cuja manufatura difere do restante do
material identificado no assentamento (peças da tradição Uru em setores de sítios
tipicamente Aratu).
Para Wust (1983,1990) em algum momento da história houve um contato
entre os grupos Aratu e Uru. Essa situação que remete a fenômenos
de interação
cultural de forma ampla, como a manutenção de redes internas e/ou externas de troca
de bens, pessoas e/ou idéias ou mesmo a fusão gradativa de grupos culturais portadores
de indústrias cerâmicas diversas. Todavia, seja qual for sua natureza, este fenômeno
revela uma complexa dinâmica cultural, social e política presente nestas sociedades
pretéritas (WUST 1983, 1990).
Na região centro-norte do Brasil Central, especificamente no alto curso dos
Rios Araguaia e Tocantins, como já mencionado, foi identificada uma gradativa fusão
entre a cultura material das tradições Aratu e Uru, a partir do século X e até o século
XV, sendo que o predomínio tecnológico foi da Tradição Uru (ROBRAHNGONZÁLEZ 1996a, 1996b; WUST 1999).
A bibliografia indica que a
ocorrência de interação entre os grupos
ceramistas Aratu (ocupantes das áreas a leste do Araguaia) e o Uru (os “intrusos” vindos
do oeste) foi tão intensa que criou-se células de fusão entre os mesmos. Acredita-se que
os resultados encontrados nos sítios que exibem elementos de ambos os grupos ocorra
devido a fusão de ambos os grupos, porém,
com um gradativo predomínio das
características dos grupos vindos do oeste. Tal configuração se deu muito em virtude
dos aspectos internos que cada uma destas sociedades exibia. Enquanto os grupos Uru
passavam por um processo de franca expansão territorial, motivada talvez pelo aumento
populacional ocorrido em sua área, os grupos Aratu encontravam-se em situação mais
cômoda, e mesmo de retração interna (ROBRAHN- GONZÁLEZ 1996a, 1996b; WUST
1983, 1990 entre outros).
No Sítio Arqueológico Turvo III é possível também, que a Tradição
Tupiguarani tenha em algum momento construído seu assentamento no local ou tenha
existido uma interação cultural dessa Tradição com a Tradição Aratu ou Uru. Por meio
das pesquisas poderemos identificar qual Tradição ocupou determinada área em tempos
pretéritos e se houve ou não contato.
Objetivo
Esta pesquisa tem por objetivo estudar a variabilidade do material cerâmico
presente na área do Sítio Arqueológico Turvo III, na sua relação com a morfologia do
assentamento e dos elementos que compõem a paisagem.
Metodologia
Os procedimentos metodológicos adotados seguirão os pressupostos teórico
metodológicos recentemente definidos para o estudo das ocupações ceramistas do Oeste
Paulista (FACCIO, 1992). Contudo, a área em que o sítio se encontra apresenta-se
bastante modificada pela ação antrópica. Mesmo com essa realidade, as análises do
material cerâmico contemplarão as discussões tecnológicas e análises de cadeia
operatória, observando os aspectos do material e a importância de sua relação com a
produção, distribuição, uso, reciclagem, descarte de artefatos cerâmicos em diferentes
contextos históricos (Skibo 1999: p. 4 apud Silva- Andréa 2008).
Resultados preliminares
A pesquisa ainda esta em andamento, portanto não é possível relatar os
resultados preliminares.
Bibliografia
FACCIO, N. B. O Estudo do Sítio Alvim e Sua Interação Com a Geografia. Anais
do III Encontro de Geógrafos da América Latina, I. S. B. N. 968-853-121-0. Toluca,
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Letras e Ciências Humanas/ USP, São Paulo/ Goiânia, 1983.
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Doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/ USP, São Paulo/
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WÜST, I.; CARVALHO, H.B. Novas perspectivas para o estudos dos ceramistas précoloniais do Centro-Oeste brasileiro: a análise espacial do sítio Guará 1 (GO-NI-100),
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NIEMANDAJU, C. The Serente, Los Angeles: The Southwest Museum, 1942. 106 p.
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SKIBO, J.M. (1999). Pottery and People. In J. M. Skibo, & G. M. Feinman (Eds.)
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Utah Press.
TURNER, T. S. Kinship, household, and community structure among the Kayapó. In:
MAYBURY-LEWIS, D. (Ed.). Dialectical societies – the Gê and Bororo of Central
Brazil. Cambridge: London: Harvard University Press, 1979a. p. 179-217.
____________ The Gê and Bororo societies as dialectical systems: a general model. In:
MAYBURY-LEWIS, D. (Ed.). Dialectical societies – the Gê and Bororo of Central
Brazil. Cambridge: London: Harvard University Press, 1979b. p. 147-178.
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