desenvolvendo as competências dos operadores de plantas de

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DESENVOLVENDO AS COMPETÊNCIAS DOS OPERADORES DE PLANTAS DE
REFINO – O MODELO DA REPAR
Mario Newton Coelho Reis
UFPR 1
RESUMO: Este artigo apresenta uma síntese do produto de dois anos de pesquisa e
experiências para o desenvolvimento de competências de operadores de Refinaria,
em projeto realizado pela Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR) em parceria
com o Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Ao partir da
necessidade da Refinaria em reformular o seu processo de formação e
desenvolvimento de operadores, abriu-se para nós uma perspectiva importante para
discutir e por em prática princípios pedagógicos baseados na categoria competência
como práxis. Tal categoria traz em si o compromisso de transformar os processos
educativos dos trabalhadores e as relações sociais de produção, superando os
modelos baseados no paradigma taylorista/fordista.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Profissional; Teoria das Competências; Práxis.
INTRODUÇÃO
Para promover uma mudança efetiva em seus processos de formação e
desenvolvimento de operadores, a Refinaria Getúlio Vargas patrocinou um projeto
cujo objetivo foi elaborar e implementar um modelo de competências para formação
e capacitação dos operadores. O grupo de trabalho constituído para realização do
projeto contou com a participação dos operadores, de um profissional de recursos
humanos e de uma parceria com o Setor de Educação da Universidade Federal do
Paraná.
Neste artigo iremos apresentar o modelo elaborado e algumas observações
cujas experiências de implementação nos permitem fazer neste momento. Não
poderemos aqui descrever toda trajetória realizada para execução do projeto, mas
acreditamos ser possível destacar os passos mais importantes para que o leitor
possa
compreender
porque
a
lógica
da
competência
supera
o
modelo
taylorista/fordista na capacitação dos trabalhadores.
AS NOVAS QUESTÕES REFERENTES À EDUCAÇÃO DOS OPERADORES
A indústria de refino, responsável pela produção de derivados de petróleo,
sofreu importantes transformações a partir das mudanças tecnológicas que
2
substituíram a base eletromecânica pela microeletrônica. Essas mudanças
trouxeram novas questões referentes às demandas educativas e de qualificação
para os profissionais deste ramo e uma categoria, em especial, ainda está sofrendo
os impactos destas transformações, que só tendem a intensificar-se: os operadores
de processo. A estes profissionais cabe, de forma segura e confiável, a operação
das plantas industriais. Em suas mãos e mentes estão as principais ações para
monitoramento e controle dos equipamentos, sendo que, para tal, têm que ser
capazes de atuar sobre um número cada vez maior de variáveis de processo.
Com a adoção dos sistemas digitais de controle, passou-se a exigir dos
operadores um novo conjunto de competências, o que, aliado à impossibilidade dos
supervisores em determinar, em todas as situações, o que deve ser feito, leva à
necessidade irrefutável de desenvolver e manter uma equipe competente capaz de
atuar autonomamente tanto na sua dimensão individual quanto coletiva.
Se por um lado a indústria do refino no Brasil, a partir da reestruturação
produtiva, seguiu padrões internacionais de organização e gestão do trabalho, o
mesmo não podemos dizer dos processos de qualificação dos trabalhadores.
Algumas experiências internacionais demonstram que há um longo caminho a ser
trilhado se quisermos alcançar países como França, Canadá e Japão. Porém, já é
possível perceber a busca por maior efetividade nos processos de educação e
qualificação dos trabalhadores. O debate atual, ainda incipiente, já dá sinais de
visualizar o desenvolvimento de competências como um caminho a ser perseguido.
Contudo, sobre a lógica da competência, ainda pairam mais dúvidas do que
certezas, o que torna necessário, antes de tudo, um intenso investimento das
organizações na elucidação dos seus conceitos e fundamentos, pois, caso contrário,
a abordagem tecnocrata, que não consegue romper as limitações do taylorismo,
poderá prevalecer.
ZARIFIAN descreve as razões das dificuldades encontradas para implantação
da lógica da competência no grupo Usinor-Salicilor: “A primeira é que a visão
socialmente aceita de ‘trabalho’ (do que se pode entender por ‘trabalho’) não é
realmente mudada. Continua sob a influência do modelo taylorista. Ao mesmo
tempo, embora exista uma preocupação evidente em reconhecer a competência
particular do assalariado e desprendê-la da simples capacidade de ocupar um posto,
não se vê surgir um novo referencial”.(ZARIFIAN, 2001, p. 28).
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A segunda razão, exposta por ZARIFIAN, consiste na participação restrita dos
trabalhadores na definição dos elementos mais importantes da organização do
trabalho. Estes são mantidos em total ignorância sobre o processo de análise para
construção das competências e na identificação das necessidades de formação,
bem como na definição do sistema de remuneração. Ele ainda afirma que tanto as
gerências quantos os líderes sindicais subestimam a amplitude das mudanças
sociais que o modelo de competências, levado às últimas conseqüências, exige.
O TRABALHO DOS OPERADORES
Nas refinarias da Petrobras o número de operadores corresponde,
aproximadamente, entre 40 e 50% de seu pessoal próprio. Estes profissionais são
responsáveis por operar as plantas de processo, os sistemas de utilidades e os
sistemas de transferência e estocagem dentro de rigorosos padrões de segurança e
confiabilidade.
Para assumir tal responsabilidade os operadores da Petrobras passam por
um longo período de capacitação e amadurecimento profissional. Nos dias atuais,
um operador competente deverá ter passado por um processo de aprendizagem
intensiva, com duração de 3 a 5 anos.
Para cobrir as exigências de um processo de produção contínua, o trabalho
do operador é realizado em turnos ininterruptos de revezamento, sendo na maioria
das refinarias da Petrobras em turnos de oito horas. Para tal, são construídas
escalas onde a partir de ciclos definidos são alternados períodos de trabalho e de
folga. Sua característica peculiar, conforme descreve FERREIRA (1994), é ser
perigoso, complexo, contínuo e coletivo.
A atuação dos operadores dá-se em dois processos chave: nas operações de
campo e no monitoramento e controle das unidades no console.
Nas operações de campo cabe ao operador realizar rotinas e manobras
visando manter as operações sob controle, proporcionando assim a máxima
eficiência e segurança operacional. Durante as suas rotinas o operador realiza a
monitoração e operação de equipamentos e sistemas, amostragens de insumos e
produtos e análises para controle.
Nos últimos dez anos as inovações na tecnologia da informação provocaram
inúmeras mudanças para as operações das plantas de processo. A reestruturação
produtiva vem se consolidando, através da automação de operações que, no
4
passado, eram feitas manualmente e, principalmente, através da transformação dos
sistemas de controle e monitoramento. As inovações tecnológicas realizadas
substituíram os sistemas de base eletromecânica por sistemas de base
microeletrônica, o que exige do operador capacidade para lidar com sistemas digitais
complexos. Atualmente, as modernas plantas de processo são monitoradas através
de Centros Integrados de Controle, onde os operadores controlam as plantas
através de sistemas de informática chamados consoles que utilizam a tecnologia
denominada SDCD (sistema digital de controle distribuído).
No monitoramento das plantas através dos consoles é requerido do operador
um nível máximo de articulação de conhecimentos e competências, pois o seu
trabalho exige relacionar um grande número de variáveis de processo, visando
antecipar problemas e buscar o nível ótimo de eficiência. Nesta posição os
operadores competentes não se limitam a consultar informações, eles são capazes
de construir a informação, o que os leva até a identificar problemas em
equipamentos e instrumentos, atuando como verdadeira retaguarda para os
sistemas de controle.
A exigência por articular um conjunto de conhecimentos e competências se
intensifica, tanto no campo quanto no console, quando a atuação do operador deixa
de ser manter a condição normal e passa a ser atuar em situações de anormalidade,
ou mesmo em emergências. Nestas situações, além de todo conhecimento técnico
necessário, é exigido do operador um grande controle emocional e a capacidade de
tomar decisões rápidas, já que, em questão de minutos pode-se colocar em risco a
sua segurança, a segurança dos seus colegas e, até mesmo a proteção do meio
ambiente e das comunidades circunvizinhas.
Para lidar com estas exigências é preciso que o operador possua uma
compreensão clara da sua responsabilidade. A segurança das pessoas, das
instalações e a preservação do meio ambiente devem prevalecer sobre a produção.
Isto requer profissionais que busquem a sua autonomia profissional, através do
aperfeiçoamento contínuo, não só para lidar com questões técnicas, mas também,
entendendo o contexto e riscos da indústria de petróleo, ser capaz de lidar com
questões éticas.
Cabe ressaltar, que o trabalho do operador como descrito neste artigo é o
visto com o olhar do pesquisador. O trabalho do operador, da forma que o vemos,
traz em si as condições e exigências da atualidade, o que significa dizer que as
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condições materiais atuais foram determinantes na construção do nosso
entendimento. Ele nem sempre foi visto desta forma, e, certamente, não será o
mesmo para todo o sempre. Mas, que fique aqui o alerta para os que fazem apologia
à tecnologia e esquecem que se o Ser Humano é o elo mais fraco, é também, e ao
mesmo tempo, o elo mais forte, caso esteja preparado para sê-lo.
DO PAINEL ANALÓGICO AO SDCD
O controle das unidades pelo painel analógico obrigava aos operadores
memorizar todos os equipamentos e instalações da planta. Era preciso ter a imagem
mental detalhada da localização dos equipamentos e instrumentos no fluxo do
processo. Esta exigência era devido a situações como, por exemplo, uma pequena
mudança na visualização da localização de um instrumento levar a uma
interpretação errada da decisão a ser tomada. Naquele modelo, o conhecimento
tácito era preponderante, já que o aprendizado se dava por longa experiência e
memorização. Este saber desenvolvido pela experiência e experimentação foi se
consolidando ao longo da história de forma a elidir os seus limites. No painel
analógico os tabus sobreviviam por muito mais tempo, já que o número de
informações disponíveis era muito menor. Era comum o operador manter no bolso
um caderno com dicas e “macetes”.
No painel analógico era necessário um número maior de operadores para
contornar uma emergência e isto se dava antes de tudo pela limitação física. Os
painéis possuíam instrumentos dispersos pelos seus mais de seis metros de
comprimento e os operadores que possuíam habilidade para intervir em vários
instrumentos de uma vez eram apelidados de “polvo”, pois seus braços e mãos se
movimentavam como verdadeiros tentáculos. Em uma determinada unidade a
parada dos equipamentos exigia três operadores no painel para atuação simultânea
em todos os instrumentos.
O SDCD, por sua interface mais amigável e por reunir um conjunto maior de
informações, possibilita uma interação maior dos operadores com o processo
produtivo. Torna-se possível visualizar exatamente onde se dá a intervenção, sem
exigir o nível de memorização do painel analógico, e os recursos para análise do
processo são multiplicados. Com isso, o grau de intervenção aumenta e os tabus
começam a cair, principalmente a cada nova geração de operadores. Mas se para
os operadores abrem-se novas possibilidades para sua qualificação, para os
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engenheiros, responsáveis pelo acompanhamento e otimização das plantas,
também passa a ser possível conhecer e controlar mais e melhor o trabalho dos
operadores. É possível interpretar esta atuação, torná-la um modelo matemático e
transferir para os sistemas digitais esse conhecimento. Com isso, inicia-se uma
tendência de redução da intervenção dos operadores que, caso levado ao extremo,
reduz a qualificação do operador, principalmente na ausência de um processo
estruturado e sistemático de capacitação.
Em um estudo conduzido pelo Abnormal Situation Management Consortium
(ASMC), um consórcio americano coordenado pelo engenheiro Ian Nimmo da
empresa Honeywell, pode-se constatar que o aumento de eficiência operacional com
utilização do controle avançado, sistema com elevado nível de automatismo na
operação de plantas industriais, se desenvolveu em detrimento da qualificação dos
trabalhadores. Como segundo exemplo é possível citar a resposta de um operador
de refinaria ao ser entrevistado sobre a utilização do controle avançado: “o controle
avançado emburrece o operador”.
Não é provável que a resposta deveu-se ao operador ser contrário ou
resistente aos automatismos, mas sim, ao fato de que a grande oportunidade de se
tornar competente na operação da planta, lidar com os eventos, lhe foi restringida.
É possível reiterar aqui o que já parece ser senso comum junto aos
engenheiros e operadores: políticas de adoção de elevado uso de automatismos
devem, necessariamente, ser acompanhadas de sofisticadas tecnologias para
capacitação dos operadores, especialmente com a utilização de simuladores
de processo.
Outra conseqüência da adoção dos sistemas digitais de controle é o aumento
da complexidade do trabalho. Se no painel analógico existem limitações físicas para
a atuação de um único homem, esta cai por terra com o uso do SDCD. Onde vários
homens atuavam simultaneamente, apenas um homem e sua parceira, a máquina
digital, deve dar conta de resolver as mais diversas situações. O problema é que a
sua parceira tem preferência pelas situações de rotina, de relativa estabilidade, para
as quais foi programada. Quando isto não é possível ela deixa por conta do
operador, que é muito mais flexível para lidar com situações de instabilidade. Mas,
tamanha flexibilidade também tem seus limites e isso é claramente percebido diante
de uma simultaneidade de eventos. Ao buscar resolver um evento crítico em uma
determinada região da planta e dependendo da complexidade desta situação, fica
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quase impossível ao operador atentar para um novo evento desencadeado em outra
região enquanto não conseguir solucionar o primeiro. Para nós, caso esta
competência exista, deve ser extremamente rara, pois ainda não houve relato dos
operadores sobre ela. O que, evidentemente, serve de alerta aos projetistas dos
sistemas, de forma que estes considerem as limitações humanas na criação de seus
projetos.
O MODELO DE COMPETÊNCIAS
No atual ambiente empresarial torna-se necessário, a cada dia com mais
intensidade, competência para competir. As demandas atuais que se estabeleceram
a partir dos novos processos produtivos exigem uma classe de trabalhadores, não
só, capazes de saber fazer, mas também, de saber pensar e saber ser.
Mas de que competência estamos falando? Segundo INVERNIZZI (2000), a
teoria da competência possui interesses muito próximos daqueles almejados pela
pedagogia taylorista/fordista, porém, se diferencia desta pelo peso que imputa ao
“saber ser”, cuja supremacia, como forma de viabilizar a adaptação dos
trabalhadores à produção flexível, os mantém numa condição de distanciamento do
saber existente na produção. Por esse e outros motivos, a autora refuta o enfoque
da competência e mantém-se fiel aos enfoques analíticos da qualificação. KUENZER
(2003) compartilha da preocupação de Invernizzi, mas avança ao propor a
competência como práxis. Para autora, a categoria competência ao ser tomada
como práxis, supera a abordagem ora centrada na tarefa, ora no trabalhador, ambas
insuficientes para compreensão de todas as relações sociais envolvidas no processo
produtivo. Ao substituir o conhecimento na tarefa pelo conhecimento no processo,
articulando teoria e prática, parte e totalidade, a categoria competência pode
contribuir para constituição de um cidadão/produtor, restituindo a compreensão das
complexas relações existentes no processo de produção, rompendo assim com as
limitações do modelo taylorista/fordista.
“A nova base microeletrônica muda, portanto, o eixo da relação entre homem
e conhecimento, que agora passa a se dar também com os processos, e não
mais só com os produtos. Desta forma, a substituição da rigidez pela
flexibilidade significa que, pelo domínio dos processos, as possibilidades de
uso das tecnologias não mais se limitam pela ciência materializada no
produto, mas dependem do conhecimento presente no produtor ou usuário.”
(KUENZER, 2003, p. 20).
8
Para o desenvolvimento do modelo de competências da Repar, foi tomado
como referência a competência como práxis e as exigências específicas das
indústrias reestruturadas, onde são requeridas cada vez mais intensamente
competências necessárias para enfrentar um ambiente onde o automatismo se
encarrega daquilo que é rotineiro, estático e prescritível; onde a necessidade do
trabalho humano volta-se para o imprevisto e para o novo; ou como descreve
Zarifian ao tentar demonstrar a importância, para o novo trabalhador, de ser capaz
de lidar com “eventos”: “trabalhar é, fundamentalmente, estar em expectação atenta
a esses eventos, é ”pressenti-los” e enfrentá-los, quando ocorrem. Enfrentá-los com
sucesso, dominando o evento, permitindo que a produção seja retomada de acordo
com critérios previstos.” (ZARIFIAN, 2001, p.41).
Os avanços obtidos com o Modelo não se limitaram apenas ao processo de
desenvolvimento de competências técnicas. Ao longo dos dois primeiros anos do
projeto foi possível avançar também na construção de uma nova base para as
relações sociais de produção. O envolvimento e a participação dos operadores
constituíram fator chave, cujo benefício tem sido declarado recorrentemente nas
entrevistas. O que pode ser exemplificado por uma das declarações de um operador
da Repar:“O processo me avaliou; eu estava preocupado, comecei a me tranqüilizar
quando me convenci que vinha interagir com colegas que também estavam
trabalhando e acreditando neste processo.”
2
Tomar a competência como práxis significa não só compreender de outra
forma a relação entre a teoria e a prática, mas também, avançar nas relações sociais
de produção em direção a autonomia do trabalhador.
O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS DOS OPERADORES DA REPAR
O modelo de competências dos operadores da REPAR visa prover o
desenvolvimento de trabalhadores capazes de lidar com situações imprevistas,
situações estas que, quando não enfrentadas com efetividade, podem causar danos
às pessoas, ao ambiente e a organização. Ao adotar-se a capacidade de lidar com
situações complexas e imprevistas como competência chave, é possível constatar,
por nossas observações na REPAR e por diversos estudos realizados na indústria
de petróleo, que enfrentar tais situações é uma competência muito mais coletiva do
que individual. Eventos complexos requerem “uma intensa mobilização de uma rede
de atores.” (Op. Cit., p. 43).
9
A lógica da competência também requer uma nova lógica para o crescimento
profissional; o critério da senioridade e das relações pessoais, tão valorizados pelas
organizações brasileiras (BARBOSA, 2001), deve ser substituído pelo confronto com
situações complexas, pela capacidade de análise das causas destas situações e
formulação de medidas preventivas a novas ocorrências e pela compreensão da
conseqüência de suas ações para a totalidade do processo.
Com esta preocupação, ao longo do processo de discussão e incorporando
as contribuições dos operadores nas entrevistas, construiu-se o conceito de
competência que viria a fundamentar o desenvolvimento da metodologia para
avaliação, desenvolvimento e reconhecimento a ser implantada na REPAR:
“A capacidade de agir, em situações previstas e não previstas, com rapidez e
eficiência, articulando conhecimentos tácitos e científicos a experiências de
vida e laborais vivenciadas ao longo das histórias de vida. O conceito de
competência vincula-se à idéia de solucionar problemas, mobilizando
conhecimentos de forma transdisciplinar a comportamentos e habilidades
psicofísicas, e transferindo-os para novas situações; supõe, portanto, a
capacidade de atuar mobilizando conhecimentos.” (KUENZER, 2002, p. 8).
Sistematizada a concepção, o Comitê identificou a necessidade de
estabelecer os princípios que subsidiariam a proposição dos programas educativos
para desenvolver as competências demandadas, de forma a superar os limites dos
treinamentos de ordem taylorista/fordista, fundados na divisão entre teoria e prática
e na memorização de formas de fazer, cujo anacronismo foi criticado pelos
operadores entrevistados, em face do crescente investimento em tecnologias de
base
microeletrônica
que
exigem
integração
entre
conhecimento
teórico,
comportamentos e formas de fazer.
Esta necessidade motivou a elaboração do documento “Princípios para o
desenvolvimento do projeto político-pedagógico da REPAR”, que passou a orientar
todas as atividades de formação inicial e continuada dos operadores desenvolvidas
a partir de 2002.
O documento toma como pressuposto que a construção de projetos
educativos que respondam às novas demandas do mundo do trabalho, a partir da
concepção de competência que foi adotada, exige a efetiva articulação entre
educação científica e educação profissional no que diz respeito à aquisição de
conteúdos e ao desenvolvimento de competências nas dimensões científicotecnológica geral e específica, comportamental e gerencial.
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Para tanto, torna-se necessário desenvolver projetos educativos que
integrem:

conhecimento tácito e conhecimento científico – tecnológico;

conhecimentos teóricos e práticas de trabalho;

conhecimentos e habilidades teóricos, comportamentais e de gestão;

conteúdo e metodologia.
Há que considerar, ainda, neste desenvolvimento, o processo produtivo e as
características dos trabalhadores, como pontos de partida, de modo a:

tomar o trabalho como foco;

tomar o trabalho reestruturado como eixo, com seus novos materiais,
novos processos, formas específicas de linguagem e de organização e
gestão do trabalho ;

as trajetórias laborais, de escolaridade e de educação profissional
como ponto de partida;

a integração transdisciplinar e o desenvolvimento da capacidade de
transferir a aprendizagem como metas a atingir com os procedimentos
metodológicos.
Orientado por esta concepção, o Comitê desenvolveu, testou e reformulou a
metodologia que atualmente encontra-se em fase de implementação. A base do
nosso Modelo está consolidada no que chamamos de Mapa Referencial de
Competências. O Mapa é composto de dez competências, cinco de campo e cinco
de console e, ainda, por duas competências que denominamos transversais. Estas
últimas têm a finalidade de estabelecer as dimensões que não podem ser
esquecidas, tanto nos processos de avaliação quanto nos processos de
desenvolvimento das dez competências. A figura abaixo apresenta a síntese do
Mapa Referencial de Competências.
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São competências transversais: o domínio dos fundamentos teóricos do
processo, necessário para elevar a competência dos operadores para além do saber
tácito, juntamente com o domínio dos conhecimentos e técnicas relativos à
segurança, meio ambiente e saúde (SMS), de extrema relevância para a indústria do
refino. São essas as competências que permitirão ao operador realizar ações
conscientes em todas as suas dimensões. O que é uma meta do Modelo.
O que importa para nós é a efetiva mudança no processo de formação e
desenvolvimento do operador, articulando os conhecimentos à capacidade de operar
sistemas com confiabilidade e segurança, atuar em situações de emergência
previstas e atuar em situações não previstas, no campo e no console. O que
significa muito mais do que a simples capacidade para ocupar um posto, pois implica
em ser realmente capaz de assumir responsabilidades, tornando-se um profissional
cada vez mais respeitado e valorizado.
Já é possível afirmar que este Modelo pode, além de impactar os processos
educativos, também influenciar os demais processos de gestão de pessoas, em
particular as formas de reconhecimento e remuneração e estabelece, ainda, um
mercado interno de competências que pode ser mais racionalmente aproveitado,
além de racionalizar e conferir transparência à relação entre os operadores e a
gerência.
Enfim, o modelo desenvolvido na REPAR traz a possibilidade concreta de
melhoria do desempenho dos operadores e dos processos de gestão de RH.
12
Notas:
1
2
Mestrando em Educação pela UFPR; Email: [email protected]
Declaração de um operador de utilidades, após a avaliação diagnóstica do sistema elétrico.
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