Rev Bras Neurol. 50(4):83-7, 2014 A neurologia no Brasil: considerações geodemográficas Neurology in Brazil: geodemographic considerations Marleide da Mota Gomes1 RESUMO ABSTRACT Este estudo destaca os recursos em neurologia, neurologistas e equipamentos de diagnóstico por meio de imagem, segundo os estados brasileiros e sua distribuição populacional. Há grandes desigualdades entre as regiões. A informação apresentada pode ser útil para o planejamento em saúde e para os especialistas atuais ou futuros. Os resultados deste estudo sugerem a necessidade de aumento substancial dos serviços de neurologia em alguns locais do Brasil, mas de modo geral o atendimento neurológico parece ter indicadores satisfatórios. Entretanto, o material apresentado é apenas uma primeira abordagem da situação real, sendo necessário obter informações mais completas e precisas, em estudos futuros. This study highlights neurological resources, mainly neurologists and diagnostic imaging equipment, according to the Brazilian states and their population distribution. There is great inequality between regions. The presented information may be useful for health planning and for current or future specialists. The results of this study suggest the need for substantial increase in neurology services in some locations of Brazil, but in general, neurological care seems to have satisfactory indicators. However, the presented material is only a first approach of the real situation, being necessary to acquire more complete and accurate information, in future studies. Palavras-chave: Neurologia, epidemiologia, populacional, estudo descritivo, tomografia computadorizada, ressonância magnética. 1 Keywords: Neurology, epidemiology, population, descriptive study, computed tomography, magnetic resonance. Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC), Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Endereço para correspondência: Marleide da Mota Gomes. Instituto de Neurologia Deolindo Couto, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Venceslau Braz, 95 – 22290-140 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected] Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 4 » out - nov - dez, 2014 83 Gomes MM INTRODUÇÃO As doenças neurológicas constituem uma carga global grande e crescente no sistema de saúde, no entanto, há escassez mundial de informações sobre os recursos para o atendimento das pessoas com essas doenças.1 A fim de diminuir essa lacuna de informação no Brasil, foram avaliados alguns recursos de interesse deste estudo nos 27 estados ou cinco regiões brasileiras. São apresentados aspectos da distribuição: pelos estados, de faculdades de medicina e neurologistas; pelas regiões brasileiras, de equipamentos de diagnóstico de imagem; segundo épocas (1991, 2000, 2010), de populações por faixas etárias/sexo. São também considerados os estabelecimentos de saúde que oferecem atendimento neurológico segundo sua esfera administrativa. MÉTODOS Os dados populacionais usados foram os disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e publicados no Diário Oficial da União (DOU).2 O mapa sobre distribuição etária foi extraído do Atlas escolar do IBGE.3 Os dados sobre as faculdades de medicina foram obtidos do site sobre escolas médicas no Brasil.4 Os dados sobre os neurologistas fo- ram fornecidos pelo Setor de Tecnologia da Informação do Conselho Federal de Medicina (CFM)5 e foram analisados os dados referentes aqueles com inscrição “Primária” em neurologia (neurologistas ou neuropediatras). As taxas de equipamentos de diagnóstico por meio de imagem (tomografia computadorizada [TC] e ressonância magnética [RM]) de outros países foram obtidas da Organização Mundial de Saúde (OMS)6 e os dados brutos sobre essa distribuição por regiões brasileiras foram obtidos da Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS) (2009), IBGE.7 Essa é também a mesma fonte dos dados referentes aos estabelecimentos de saúde. As taxas usadas da distribuição de neurologistas (neurologistas de adultos e crianças) por unidades federadas foram calculadas por 100 mil habitantes e as dos recursos diagnósticos por imagem, por um milhão de habitantes com auxílio da planilha Excel. RESULTADOS A distribuição populacional brasileira é muito heterogênea, desde menos de um milhão no estado de Roraima até os muitos milhões no estado de São Paulo (Figura 1A). Outra questão é a do envelhecimento e tendência à inversão da pirâmide populacional (Figura 1B). Na área da educação médica A 45.000.000 40.000.000 35.000.000 N 30.000.000 25.000.000 20.000.000 15.000.000 10.000.000 5.000.000 á A To cre ca nt Ro ins nd ôn Ma ia to Gr Serg os so ipe Di str do S ito u Fe l de ral Ma Pia to uí Gr os Rio s Gr A o an lag de oa do s N Am orte Es azo pír na ito s Sa nt Pa o raí ba Sa nta G n C oiás ata Ma rina ran hã o Pa rá Pe Cea rn am rá bu Rio co Gr Pa an ran de á do Su l Rio Ba de hia J Mi ane na iro sG e Sã rais oP au lo ap rai Ro Am ma 0 B Distribuição etária Homens Mulheres (Anos) Acima de 80 75 a 79 70 a 74 65 a 69 60 a 64 55 a 59 50 a 54 45 a 49 40 a 44 35 a 39 30 a 34 25 a 29 20 a 24 15 a 19 1991 10 a 14 2000 5a9 0a4 2010 8 6 4 2 0 % da população 2 4 6 8 Figura 1. População brasileira. (A) População residente por unidade federada (Dados brutos: IBGE-DOU)2. (B) Distribuição etária da população brasileira: por faixa etária e sexo, nos anos de 1991, 2000 e 2010 (Fonte: IBGE)3. 84 Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 4 » out - nov - dez, 2014 Geodemografia e neurologia chama atenção o impressionante número de faculdades de medicina, mais frequentes nos estados mais populosos, litorâneos e com mais recursos (Figura 2). O estado de São Paulo concentra em números absolutos o maior contingente de neurologistas registrados no CFM, aqui considerado como o indicador da distribuição desses especialistas no país (Figura 3A). No entanto, a supremacia de densidade populacional dos neurologistas é maior em vários outros estados, predominantemente no Distrito Federal (Figura 3B). Os neuropediatras constituem apenas 5,67% do total de neurologistas. Quanto à distribuição de equipamentos para diagnóstico por imagem, nota-se que o país apresenta indicadores similares aos de outros países desenvolvidos, mas as regiões norte e nordeste têm indicadores aquém da média nacional (Figura 4). Ressalta-se também a maior oferta de serviços de neurologia em hospitais privados do que públicos (Tabela 1). 45 40 35 30 25 N 20 15 10 5 Am a Ro pá rai ma Am Acre az on a Se s rg Ma ip to Ala e Rio Gro go Gr sso as an do de S do ul N Ro orte nd ô T nia Di oca str nt ito ins Es Fede pír ito ral S Ma anto ran hã o Pia uí Ma Goi to ás Gr os so Pa rá Ce ará P Pe araí rn ba Sa am nta buc Ca o tar ina Ba hia Rio Gr Par an an de á Rio do de Su l Mi Jan na eir sG o Sã erai oP s au lo 0 Figura 2. Distribuição por unidade federada das faculdades de medicina (Fonte: dados de Nassif)4. A 700 604 600 500 316 324 325 N 400 300 200 245 100 0 2 2 6 8 26 27 29 29 29 30 31 31 32 34 141 69 69 80 112 116 123 Ac r Am e ap Ro á rai Ro ma nd ô To nia ca nti ns P Ma ará ran hã Ala o Rio go as Gr an de Pia do uí No rt Se e r Am gipe a Ma M zon to ato as Gr G os ros so so do Su Pa l raí ba Pe Ce rn ará a Es mbu pír ito co Sa nto Go iás Di str Ba ito hia Sa Fed nta er Ca al tar ina Mi Para Rio nas ná Gr Ge an ra is d Rio e do de Su Ja l n Sã eiro oP au lo 1 B 4,31 4,00 3,50 2,89 3,00 2,50 2,00 1,50 1,00 0,13 0,27 0,32 0,34 0,53 0,74 0,77 0,78 0,80 0,85 0,86 0,87 1,22 1,97 2,06 2,10 1,72 2,21 1,40 Am Ac 0,390,40 0,91 0,96 1,35 1,37 1,57 ap á P Ro ará nd Ma ônia ran h Ro ão ra To ima c Pe ant rn ins am bu co Ba hia Ce Rio Gr Am ará an az de on do as No r Pa te raí Ala ba go as Ma Ma P to to iau Gr Gr í os os so so do S Se ul r Sã gipe Mi o Pa na ul sG o era Rio G is de oiá Es Jan s pír ei r Sa ito S o nta an Ca to tar Rio in Gr Pa a an ran Di de á str do ito Su Fe l de ra BR l AS IL 0,50 re Taxa de neurologistas/100.000 4,50 Figura 3. Neurologistas no Brasil. (A) Médicos neurologistas por unidade federada. (B) Taxas de médicos neurologistas por unidade federada por 100.000 habitantes (Dados brutos: CFM5 e IBGE-DOU2). Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 4 » out - nov - dez, 2014 85 Gomes MM Região TC RM Norte 134 59 Nordeste 428 132 Sudeste 1.742 734 Sul 474 178 Centro-Oeste 241 96 Brasil 3.019 1.199 30 Taxa/um milhão habitantes 25 20 População 17.231.027 56.186.190 85.115.623 29.016.114 15.219.608 202.768.562 15 10 5 TC ort e ord es te Re giã oN Re giã oN ul Re giã oS Re giã oC en tro -O es te es te Re giã oS ud Br as il ile Ch Ca na dá Áu str ia 0 RM Figura 4. Distribuição por países e regiões geográficas brasileiras dos equipamentos de diagnóstico de imagem, taxas por um milhão de habitantes (Fonte: dados brutos IBGE2, WHO6). Tabela 1. Estabelecimentos de saúde Tipos de especialidades oferecidas Estabelecimentos de saúde que oferecem atendimento ambulatorial/hospitalar Total Esfera administrativa Pública Privada Privada/ SUS Cardiologia Clínica médica Psiquiatria Neurologia Neurocirurgia 6.811 19.228 3.693 2.449 404 2.452 11.796 2.403 870 102 4.359 7.432 1.290 1.579 302 1.167 2.776 519 518 110 Demais 40.931 31.443 9.488 126 73.516 49.066 24.450 5.216 Total Fonte: adaptada IBGE . 7 DISCUSSÃO O Brasil é um país populoso, de extenso território e com nítido envelhecimento da população. Consequentemente, ocorre um incremento de muitas doenças crônico-degenerativas, dentre elas, diversas de natureza neurológica que geram ainda mais pressão de atendimento na área. Nota-se também acentuada concentração de idosos em algumas regiões, a ressaltar o estado do Rio Grande do Sul.3 Há heterogeneidade da distribuição do contingente de recursos humanos (neurologistas) e diagnósticos (TC e RM) entre as diversas unidades federadas. A OMS apresenta indicadores úteis sobre essa distribuição para comparação com os nossos dados segundo a mediana de neurologistas por 100 mil habitantes em diferentes grupos de renda de diversos 86 países: baixa (0,03), média-baixa (0,74), média-alta (3,19) e alta (2,96).1 Ressalta-se que os dados deste estudo são subestimados, tendo em vista que dizem respeito apenas aos neurologistas registrados no Conselho Federal de Medicina (CFM), mas não a todos em exercício. No entanto, eles autorizam a considerar que em vários estados brasileiros os indicadores populacionais referentes aos neurologistas não fogem aos dos padrões de países industrializados. Essa distribuição tem provavelmente como determinante importantes fatores econômicos e seus diversos insumos/estímulos à fixação dos neurologistas. No Brasil, há também diversificação do Produto Interno Bruto (PIB), com maior concentração nas regiões sudeste e sul.3 Quanto aos recursos de diagnósticos por imagem, nota-se que o país apresenta bons indicadores, comparativos a países como Áustria, Canadá e Chile, sendo a região sudeste superior a todos esses países. Essa qualificação é progressiva e relativamente recente, pois segundo um estudo do IBGE: “Destacou-se o aumento de 115,4% no total de aparelhos de ressonância magnética do País em relação ao observado na AMS 2005” e “A ressonância magnética, que em 2005 constava como um dos serviços menos oferecidos, apresentou um aumento relativo no período 2005/2009 de mais de 100%. Esse aumento foi mais significativo no setor privado, mas no setor público essa oferta teve um aumento relativo de mais de 48%”7. Muitos cuidados para pacientes com doenças neurológicas são fornecidos por não neurologistas, clínicos gerais, por exemplo, mais ainda onde os neurologistas são escasRevista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 4 » out - nov - dez, 2014 Geodemografia e neurologia sos.1 Consequentemente, na graduação em medicina, o ensino em neurologia é necessário.1 Além disso, a educação médica continuada em neurologia deve estar prontamente disponível para todos os médicos de cuidados primários, principalmente em locais onde os neurologistas são poucos. Igualmente, no papel do neurologista deve ser incluído o de fornecimento de educação médica continuada para os médicos de atenção primária,1 sendo que a educação médica continuada dos próprios neurologistas já está amplamente disponível no Brasil, principalmente pela Academia Brasileira de Neurologia.1 Adicionalmente, por meio de suas organizações profissionais nacionais, os neurologistas podem servir como consultores para os governos.1 Existem, no entanto, grandes diferenças regionais na prevalência de várias doenças neurológicas, consequentemente, um currículo em neurologia deve ser influenciado pelas condições locais.1 Infelizmente, alguns estados brasileiros não têm as bases acadêmicas convencionais para os programas de formação de pós-graduação de neurologia, mas deve-se evitar a duplicação de recursos onerosos e permitir partilha de recursos nesses cursos de localização próxima. A moderna tecnologia de ensino a distância pode facilitar a aprendizagem, a partilha de materiais de ensino e o estabelecimento de laços de investigação.1 Além disso, um grande corpo de evidências mostra que os políticos e os profissionais de saúde podem estar despreparados para lidar com o aumento da prevalência de doenças crônicas neurológicas e outras, bem como da incapacidade decorrente da expectativa de vida e envelhecimento da população como está se vendo no Brasil.8 envelhecimento da população. Enfatiza-se também a necessidade da formação associada do neurologista como consultor dos clínicos gerais/atenção primária especialmente na fase diagnóstica e de p ­ rocedimentos iniciais a pacientes com doenças primariamente neurológicas ou muito complexas. Essa priorização se deve à insuficiência do contingente de especialistas para a consulta direta de toda a população carente de cuidados neurológicos. Essas ilações advêm da literatura compulsada e deste estudo brasileiro pioneiro precursor de outros a serem feitos com maior abrangência dos dados sobre a distribuição dos recursos neurológicos para atendimento da população brasileira. Agradecimentos Agradeço ao Conselho Federal de Medicina, Setor de Tecnologia da Informação, especialmente à Sra. Gleice Bastos, pelo envio dos dados solicitados. REFERÊNCIAS 1. World Health Organization (WHO). Atlas: Country resources for neurological disorders, 2004. [citado em 26/11/2014]. Disponível em: http://www.who.int/mental_health/neurology/Neurology_ atlas_graphics.pdf?ua=1. 2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). RESOLUÇÃO Nº 2, DE 26 DE AGOSTO DE 2014. Diário Oficial da União, Seção 1, Nº 165, quinta-feira, 28 de agosto de 2014, p. 98-115v. [citado em 26/11/2014]. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/ jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=98&data=28/08/2014. 3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atlas escolar. [citado em 26/11/2014]. Disponível em: http://atlasescolar.ibge. gov.br/mapas-atlas/mapas-do-brasil. 4. Nassif ACN. Escolas médicas no Brasil. [citado em 26/11/2014]. Disponível em: <http://escolasmedicas.com.br/estado.php>. CONCLUSÃO Conclui-se que, em relação às concentrações regionais de todos os recursos da neurologia, o maior problema do país é a desigualdade e não o contingente de recursos. Assim, há necessidade de estimular a interiorização da formação e dos serviços especializados neurológicos com subsídios e promoção estatal, além da melhor adequação ao modelo de atendimento de pessoas com doenças crônicas em face do Revista Brasileira de Neurologia » Volume 50 » Nº 4 » out - nov - dez, 2014 5. CFM – Conselho Federal de Medicina. SETIN – Setor deTecnologia da Informação. 6. World Health Organization (WHO). Global Health Observatory Data Repository. [citado em 26/11/2014]. Disponível em: http:// apps.who.int/gho/data/node.main.510. 7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária 2009. [citado em 26/11/2014]. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/condicaodevida/ams/2009/ams2009.pdf>. 8. World Health Organization (WHO). Neurological disorders. Public health challenges. [citado em 26/11/2014]. Disponível em: <http:// www.who.int/mental_health/neurology/neurodiso/en/>. 87