O passado verbal na produção escrita em italiano LE

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O PASSADO VERBAL NA PRODUÇÃO ESCRITA EM ITALIANO LE.
Eva Bouquard
Esta comunicação visa apresentar a discussão que estou desenvolvendo atualmente no
Mestrado sobre o tempo passado em italiano. O passado verbal é uma noção extralingüística de
tempo, utilizada na descrição das referências temporais implícitos no verbo. Na produção escrita em
italiano LE, o passado verbal, passado composto (prossimo) e passado simples (remoto) apontam
relações temporais distintas entre si que se fundamentam na distância no tempo em que o evento
aconteceu e também na sua duração, no seu aspecto.
A nossa averiguação parte do seguinte pressuposto de que para tratar de tempo em língua é
preciso ter como ponto de referência básica o uso que o falante faz, ou seja, a sua discursividade.
Costa (1997) afirma que tratar de tempo lingüístico é se aproximar da noção de dêixis, que é a
faculdade que têm as línguas de designar os referentes através da sua localização no tempo e no
espaço, tomando como ponto de referência básica o falante.
Este ponto de referência é também chamado de ponto-dêitico (Costa,1997). Tal conceito é o
ponto temporal em que o falante está situado no momento em que fala, ou seja, o agora. A partir desse
agora se pode situar o fato enunciado como anterior, posterior ou simultâneo a ele (ao agora). Nessa
situação lingüística pode se observado, a rigor, que o falante situa o enunciado e dessa forma atualiza
a categoria lingüística Tempo.
A noção de tempo é plurissignificativa. Por isso, quando se fala em tempo, é necessário,
inicialmente, apontar as diferenças existentes entre três conceitos que perpassam tempo: o
cronológico, o físico e o lingüístico. Essa diferenciação nos é dada por Fiorin (2003) que as estabelece
da seguinte forma:
•
o tempo físico é o tempo marcado que determina a existência/percepção de dias, meses,
manhã, tarde e noite entre outras marcações.
•
o tempo cronológico é o tempo dos acontecimentos, o tempo do calendário.
• o tempo lingüístico é o tempo ligado ao exercício da discurso, pois ele tem seu
centro presente da instância da fala.
Essa classificação é fundamental para o entendimento da relação de temporalidade do passado
verbal, que podemos observar nos vários enunciados. Segundo Fiorin (2003) e Costa (1997), na
análise do sentido do enunciado em um discurso, as relações temporais são organizadas a partir do
momento da enunciação.
Dessa forma, Fiorin (2003) mostra que no enunciado o falante ao tomar a palavra instaura um
agora, ou seja, um momento da enunciação. Nesse caso específico surge em contraposição ao agora,
um então. Esse agora é, pois, o fundamento das oposições temporais da língua.
O entendimento de enunciação e enunciado é fundamental para a nossa pesquisa, tendo em
vista que através desses formularemos a nossa discussão, para tanto recorremos a Maingueneau
(2004:193-4) que define enunciação como o fruto do ato de produção lingüístico e, enunciado como
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esse ato de produção lingüístico. Esse ato é uma seqüência verbal, uma seqüência de signos,
cuja fonte enunciativa é um sujeito que, se servindo de sua própria língua, constrói a transmissão de
um certo sentido a um destinatário.
Tempo e Aspecto, como categorias lingüísticas, são diferentes entre si. Essa diferença nos é
apontada por Verdarguer (2004), nos informando que o Aspecto é uma categoria temporal que tem
por base referencial o tempo físico. Uma outra contribuição, encontramos em Araus (1995:16), que
conceitua o Aspecto como uma categoria gramatical expressando a representação que o falante faz do
processo expresso pelo verbo, ou seja, a representação de sua duração, desenvolvimento ou término.
Portanto, o valor aspectual marca os aspectos como perfectivo, terminativo, durativo, freqüentativo,
progressivo.
Essa mesma discussão pode ser conferida em Sabatini (1994:753), que denomina Aspecto
como sendo a informação que nos é dada sobre as várias características da ação, isto é, sobre a
momentaneidade, duração, destaque ou ligação com o presente. Essas características do Aspecto
podem ser assim entendidas em três modos, quando produzidas no discurso:
1- pelo significado mesmo do verbo;
2- pelo acréscimo de verbos aspectuais;
3- pelo valor de algumas formas verbais para o passado.
No primeiro caso, existem alguns verbos como scoppiare, colpire, sbocciare, nascere, morire,
entrare, uscire, partire, arrivare cujos eventos por eles descritos acontecem em um dado momento,
ou seja, una bomba scoppia in uno stante, isto é não se poder dizer que scoppia por 10 minutos. Já
verbos como dormire, correre, viaggiare, camminare, cantare, leggere, scrivere, studiare descrevem
eventos que foram desenvolvidos em uma certa duração, ou seja, tem um aspecto durativo.
No segundo caso, os verbos aspectuais são aqueles que além de ter um significado próprio,
podem acompanhar outros verbos para precisar aspectos de ação ou evento que se completa. São os
verbos cominciare, inziare, prendere, mettersi, avviarsi, acingersi, stare,continuare, finire, smettere,
cessare, e às vezes andare e venire e expressões como essere sul punto di, essere lì, via via che. A
união destes verbos e outros, às vezes com uso de preposição, pode indicar que a ação ou evento tem
aspecto momentâneo como se pode observar em exemplos como sto per partire, comincio a studiare,
ou durativo como em sto studiando, la febbre va calando. Estes verbos às vezes são chamados de
fraseológicos, mas segundo Sabatini(1994:753) o termo correto é verbos aspectuais, justo porque
precisam o aspecto da ação ou evento.
Assim, com o uso dos verbos aspectuais, o aspecto momentâneo pode ser ingressivo como em
sto per partire, comincio a studiare, prese a dire ou egressivo, como em finisco di studiare, smetto
di cantare. O aspecto durativo, por sua vez, é de tipo progressivo pois indica que um evento está em
curso como se observa na frase sto leggendo un romanzo.
No terceiro caso, o Aspecto refere-se ao valor que possuem as formas verbais do passado
como o imperfeito, o passato prossimo e o passato remoto. Aqui, devido ao interesse de nossa
pesquisa, não trataremos do imperfeito, mas sim do passato prossimo e remoto, devido a suas
particularidades temporais. Tais formas apresentam a possibilidade de aferir dois aspectos ao mesmo
evento, esteja ele longínquo no tempo ou próximo. Tais aspectos podem ter ligação com o presente, e
será expresso pelo passato prossimo; ou separado do presente, sendo expresso pelo passato remoto.
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As categorias Tempo e Aspecto também apresentam diferenças semânticas entre
si, ainda que ambas refiram-se ao tempo. Tais noções semânticas do âmbito do Tempo dizem
respeito à localização do fato enunciado relativamente no momento da enunciação. Isso, em linhas
gerais, são as noções de presente, passado e futuro e, também, suas subdivisões. Já as noções
semânticas do Aspecto são aquelas de duração, instantaneidade, começo, desenvolvimento e fim.
A diferenciação entre essas categorias Costa (1997:29) é dada através de uma escolha
subjetiva do falante, sendo que, nesse casos, o Aspecto é não-obrigatório, trata-se de opção
‘estilística’. O mesmo não se pode dizer na escolha do Tempo, que é obrigatória, embora possa ser,
secundariamente, marcada por um fator que se refere também a um falseamento do passado, e
portanto também uma questão de estilo, como por exemplo o uso do presente histórico.
Observa-se, a rigor, que o Tempo e o Aspecto não situam o falante no tempo, mas são
categorias que ressaltam a relevância atribuída pelo falante ao tempo interno do evento enunciado.
Assim, o Tempo localiza a ação no tempo. Já, o Aspecto indica o tempo intrínseco à ação. O Tempo
subdivide-se em passado, presente e futuro. O Aspecto, por sua vez, pode apresentar um caráter
perfectivo ou imperfectivo.
Desse modo, a escolha do Tempo utilizado na enunciação é objetivamente determinada pelo
presente, passado ou futuro. A escolha do Aspecto, portanto, tem um caráter mais subjetivo, ou seja,
é o sujeito falante que decide se quer considerar o evento como um todo ou se prefere atribuir mais
ênfase à fase inicial, intermediária ou final do mesmo.
A categoria lingüística de Tempo, (Costa, 1997) marca, na língua, a posição que os fatos
referidos ocupam no tempo através de morfemas e perífrases, tomando como ponto de partida o
ponto-dêitico da enunciação. Isto pode ser demonstrado a partir do seguinte exemplo: Nel duecento
molte persone morirono de peste. O momento de referência deste enunciado é o século XIII e o verbo
morire alterado morfologicamente passa a morírono, indicando que o fato ocorreu em momento
pretérito
(Sensini,1997:254) nos informa também que por intermédio do verbo e através da variação
da sua desinência pode-se colocar no tempo o evento que expressa, indicando a relação temporal que
acontece entre o evento em questão e a pessoa que o enuncia. Desse modo, qualquer acontecimento
pode ser apresentado por quem o enuncia como contemporâneo, anterior ou posterior, como se pode
observar em exemplos tais como io studi-o, io ho studiato, io stud-ai.
Na língua italiana, observa-se que o sistema temporal de conjugação situa a relação de agora,
antes ou depois presentes na enunciação. Esta relação passa a tornar-se o ponto dêitico ao qual se
referem temporalmente os verbos do período no presente, passado e futuro verbais. Isto pode ser
demonstrado a partir do seguinte exemplo:: Fulano disse que foi ao cinema (num tempo antes deste
em que estou falando)[1]
É interessante notar que essa marcação temporal dos verbos que, atualmente, acontecem na
língua italiana não ocorria no Indo-europeu[2], já que a estruturação dos seus verbos se fazia pelo
aspecto verbal, isto é, pela duração do processo referido pelo verbo, sendo utilizados morfemas modotemporais. Por conseguinte, o tempo não se indicava, tendo por marco referencial o falante, mas a
duração do evento realizado, o aspecto: tinha-se um marco no momento em que se inicia a ação do
verbo e outro, no fim. Por conta disso, existiam dois aspectos no indo-europeu.
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1- um do perfectum ou perfectivo, de um processo plenamente completado, estático,
correspondente ao radical do perfeito e,
2- um do imperfectum ou aspecto imperfectivo, cujo tema, no radical do presente, se
caracterizava pelo aspecto dinâmico e progressivo, de ações em curso, não ‘‘perfeitas’’ ainda.
Essa mesma questão pode ser verificada de modo diferente no Grego clássico, vale dizer que
antes de se conjugar qualquer verbo no indicativo se assinalava o aspecto do processo verbal que cada
tempo indicava, simultaneamente com a noção temporal. Um exemplo disso é que o perfeito era o
tempo da ação inteiramente acabada e que perdurava seus efeitos. Nele o processo verbal é muitas
vezes considerado como um estado resultante de um processo terminado anteriormente, ou seja de
aspecto resultativo do perfeito. A idéia de acabamento do processo é reforçada pelo redobro. O
perfeito equivalia, com freqüência, a um presente, especialmente em verbos intransitivos e passivos,
como se observa no seguinte no enunciado “Estamos educando a criança”
Outro exemplo é que o aoristo traduzia a ação verbal sem considerar nem a sua duração, nem
o grau de acabamento do processo. Indicava a ação como atemporal. Na língua clássica, essa foi, por
excelência, o tempo da narração histórica no indicativo. O aoristo indicava um momento qualquer no
processo verbal, seja no início, meio ou no fim de uma ação: “Educamos a criança naquele momento,
isto é , começamos ou acabamos de educá-la (Horta, 1991:153)”.
O aoristo também indicava um evento ocorrido no passado, totalmente concluído, mas sem
nenhuma relação com o momento da enunciação. O perfeito, por outro lado, indicava um evento
ocorrido no passado, totalmente concluído, mas que mantinha uma sua atualidade e relevância no
momento da enunciação.
As modalidades do aspecto verbal no Grego clássico, portanto, eram o presente ( educamos ou
estamos educando a criança), o futuro( vamos educar ou educaremos a criança), futuro perfeito ou
anterior( a criança estará educada), mais-que-perfeito( a criança fora educada) e, o aoristo (educamos
a criança naquele momento, isto é , começamos ou acabamos de educá-la (Horta, 1991:153).
Cabe dizer que nos deteremos apenas, no tocante às modalidades, ao perfeito e ao aoristo, que
são importantíssimas para a discussão que apresentaremos mais adiante sobre o passato prossimo e
passato remoto.
Na sua origem, o perfectum do indicativo apresentava as formas verbais de perfeito e futuro 2,
enquanto que o infectum apresentava as formas de presente, imperfeito, futuro 1.
Essas formas temporais de indicativo se caracterizavam por oposição aspectual entre o
infectum e o perfectum. Desse modo, o tempo do perfectum indicava ação terminada e o infectum
ação não acabada, em desenvolvimento sem consideração de tempo.
Tal distinção aspectual entre o infectum e o perfectum se viu nebulosa, sobretudo, porque
existiu uma preocupação em se expressar as relações de tempo, fato que provocou muitas inovações
na língua.
No latim, o tempo perfeito passou a designar o resultado atual de um ato que se desenvolveu
no passado imediato, mas perdura no “presente na memória”. Esse tempo, também, adquiriu um valor
secundário pretérito, sendo chamado de pretérito indefinido, expressando um fato acontecido em um
momento dado, mas, que tem uma determinada constatação.
A comprovação desse uso particular do perfeito no latim teve por objetivo indicar o aspecto de
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tempo adquirido. O pretérito deixou de ter valor de perfeito, e, portanto, deixou de ser um
tempo simples, sendo-lhe atribuído o verbo haver (avere), formando com o particípio passivo em
acusativo uma forma perifrástica. Assim, nasceu um novo perfeito composto que foi herdado por
todas as línguas românicas (VÄÄNÄNEN,1988:.229).
Um dos modos de entender a expressão da idéia de tempo como presente, passado e futuro ,
resulta do tempo do infectum do latim clássico e do latim tardio. Nesse último desenvolver-se-ão
matizes temporais muito numerosas por conta de valores aspectuais (perfectivos e incoativos) e
modais (necessidade, vontade, desejo, finalidade). Contudo a categoria de Aspecto sendo cada vez
menos importante e a categoria de Tempo cada vez mais, fez com que as formas que perfectivas
perdessem o valor de aspecto, mantendo-se com valor de tempo. Daí criou-se novas formas em
função do aspecto, ou seja, formas destinadas a refazer a oposição infectum /perfectum, sendo que as
formas simples eram imperfectivas e as compostas perfectivas[3] (ainda que por pouco tempo).
No latim, o tempo do perfectum vai se originar da fusão das modalidades do aspecto do grego
clássico como o aoristo e o perfeito, visto que não existia na língua latina a forma verbal do aoristo.
Assim, o infectum, no latim, passou a expressar a idéia do processo em vias de realização nos
tempos derivados do presente. Já o perfectum, de aspecto estático, passou a expressar a idéia de
processo completo e perfeito.
Na língua italiana, o perfectum teve uma ambivalência funcional, originando dois tempos de
passado verbal o passato prossimo e o passato remoto. O primeiro trata-se de um passado composto
(prossimo), passou a indicar uma anterioridade em relação ao momento presente da fala; o segundo,
um passado simples (remoto), que, por outro lado, indica uma concomitância em relação a um
momento de referência pretérito. Assim, segundo Fiorin(2003:169) é usado o passado simples no
exemplo Due anni fa andammo in Scozia, porque o acontecimento fomos à Escócia é concomitante ao
marco temporal há dois anos, ou seja o momento de referência pretérito. Por outro lado, usa-se o
passado composto no enunciado Dio ha creato il mondo porque o acontecimento de criar o mundo
ocorre num momento anterior ao momento da fala.
A gramática da língua italiana de Marcello Sensini(1997) mostra algumas características e
formas de uso desses dois tempos verbais. Em geral, sabe-se que o passato prossimo indica um fato
acontecido em um passado muito recente ou muito longínquo, mas cujos efeitos perduram ainda no
presente. Sensini (1997:264) esclarece que o passato prossimo é usado também como tempo relativo,
em relação a um tempo passado: “Appena mi ha visto, è scappato via”.
Na relação de uso entre passato prossimo e remoto, a ligação ou separação do acontecimento
está em relação ao presente, que é dado pela época do evento, conforme o valor dado pelo falante. Por
exemplo: Io sono nato a Roma (SABATINI, 1994:754). A utilização do tempo composto no exemplo
acima se refere ao fato de que sou eu a falar do meu nascimento, assim sendo o evento está ligado
com o meu ser ainda em vida, porque há um sujeito em primeira pessoa que fala de si, e por isso usa o
passato prossimo e não o remoto ( Io nacqui).
Assim, o passato prossimo não indica maior proximidade de um evento no tempo real, mas a
ligação de um evento com o presente segundo a valorização de quem fala. O passato remoto não
indica maior distancia de um evento no tempo real, mas separação de um evento pelo presente
segundo a valorização de quem fala.
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Sabatini (1995: 755) salienta ainda que se deve usar o passato prossimo quando numa frase há
uma expressão de tempo que inclua o momento em que se pronuncia a frase, isto é, uma expressão
como questa mattina, questa settimana, questo mese e similares. Nestes casos, é de fundamental
importância o fato de serem o momento da enunciação e o evento descrito apresentados dentro do
mesmo período de tempo, ou seja, qualquer distância do tempo real. É dessa forma que o evento se
liga ao presente.
O uso do tempo passado composto pode ainda ser, contudo, modificado por outros fatores.
Um deles alude ao evento referido/acontecido próximo ao tempo, cuja distância é relativamente curta
como dia ou meses, nesses casos é raro o usa do passado de separação/distanciamento, que é
característico do passato remoto, como no exemplo que segue: L’estate scorsa abbiamo passato le
vacanze in Sardegna.
Os eventos que se distanciam no tempo, como aqueles que se colocam em outras épocas
históricas, sendo portanto uma ação concluída, apresentam um estrutura em que se sentem tal
isolamento do presente a partir do uso desse passado de separação, como no seguinte exemplo:
Firenze fu fondata da coloni romani. (SABATINI, 1994:755). Essa frase nos informa que a cidade foi
fundada muitos séculos antes pelos romanos, mas a Firenze que conhecida é aquela que se
desenvolveu, a posteriori, no período medieval, e não na época dos séculos precedentes.
Essa utilização nocional do passato remoto encontra resistências de uso em muitas zonas da
península italiana. Tais fatos são encontrados no italiano regional do Norte e do extremo sul. Em toda
a Itália setentrional usa-se em todas as circunstâncias o passato prossimo. Na Sicilia e na Calábria
meridional e em qualquer parte de Salento (Campânia) usa-se em todas as circunstancias o passato
remoto (SABATINI, 1995, p.755), em que se deve utilizar um tempo passado de ação concluída.
A pesquisa sobre utilização em maior ou menor freqüência do passato remoto, feita Gerhard
(1968:312), evidencia que desde o século XIV o passato remoto caiu em desuso em algumas zonas do
norte da Itália, Lombardia e Veneto, sendo que, no século XVIII, começou-se a observar o mesmo em
Piemonte. Já no território a sul do rio Po e em Parma, o passato remoto conservou-se, porém o
filólogo alemão afirma que este tempo passado está completamente ‘morto’ em Modena e Bolonha.
Em Marcas e Abruzzos vem caindo em desuso.
Esse fato, se bem observado o italiano contemporâneo, em particular, o italiano de registro
médio-alto, presentes em jornais e revistas, por exemplo, evidencia que o passato remoto está cada
vez mais sendo substituído pelo passato prossimo também para indicar eventos acontecidos em um
passado distante, como no seguinte exemplo: “Dieci anni fa abbiamo fatto un lungo viaggio in
Spagna e ci siamo divertiti moltissimo.” (SENSINI, 1997: 264)
Essa constatação, no entanto, não interfere na diferença entre os dois tempos e tal distinção
não se fundamenta na sua distancia no tempo do evento, mas sobre a sua duração. Uma outra questão
que é bastante pertinente para o nosso estudo refere-se a freqüência maior do passato remoto na
narrativo e do passato prossimo no discurso. Isso pode ser observado em vários tipos de textos.
Na caracterização do discurso narrativo, Benveniste(1974-6) divide o discurso em histoire e
discourse e os distingue de textos narrativos. Os textos narrativos podem ser constituídos de discurso
histoire e discurse discourse.
O discurso histoire consiste no relato de acontecimento regulares, com protagonistas, ações e
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transcurso de tempo. Alem disso, ainda que o relato trate de seres que nunca tiveram
existência real, os fatos se situam geralmente no passado. Elimina o autobiografismo, apresenta-se só
na 3ª pessoa, ainda que quem fale seja sempre um -eu no texto nada fala. Os pronomes -eu e -tu que
indicam presença dos participantes na comunicação não deixam marca alguma na língua. Seus
tempos verbais são o passado simples (passé simples- aoristo) e o imperfeito.
O discurso discourse é um texto em que aparece o modelo completo de comunicação através
da presença do falante de um destinatário. Quando no relato aparece o discurso discourse , introduzse a voz pessoal do falante e com ela um grupo novo de formas verbais, passado perfeito
composto.
A questão de que na produção escrita encontramos uma maior freqüência do passado
simples, Benveniste (1976:261-2), mostra que o plano da enunciação histórica é composto pelos
tempos do aoristo, ou seja, conforme falamos anteriormente, passado simples e passado definido, o
imperfeito e o mais-que-perfeito. Trata-se de um plano reservado à língua escrita, caracteriza a
narrativa dos acontecimentos passados. Um outro plano é o da enunciação discursiva, que pode ser
oral ou escrito, comporta todas as formas pessoais do verbo e todos os tempos, com exceção do
aoristo.
Benveniste (1976:272) conceitua como perfeito à classe de formas compostas, sendo
aquelas construídas com essere e avere (ter e ser), cuja função desses auxiliares verbais é a de
construir uma noção de conclusão da ação verbal em relação ao momento.
O tempo perfeito (BENVENISTE,1976: 268), passato prossimo, estabelece um laço
entre o acontecimento passado e o presente, no qual a sua evocação se dá. É o tempo daquele que
relata os fatos como testemunha, como participante; é, pois, também o tempo que faz repercutir o
acontecimento referido ligado ao presente. O perfeito pertence ao sistema lingüístico do discurso,
pois a marca temporal do perfeito é o momento do discurso, enquanto a marca do aoristo é o
momento do acontecimento.
Dessa forma, em um livro italiano de história, a narração de fatos recentes ou não, é
feita com o uso do passato simples, passato remoto. Isso porque no livro de história, como em um
romance narrado em terceira pessoa.
Além disso, visto que o emprego do passato prossimo reflete a atribuição de atualidade
psicológica/relevância atual aos eventos narrados, uma pessoa ao narrar eventos históricos utilizará o
passato prossimo (perfeito para Benveniste), devido à exigência de vincular ao momento da
enunciação à esfera subjetiva do vivido, sendo, portanto, para ele um tempo do discurso.
Contudo, considerando-se que a narração em primeira pessoa privilegiará a escolha do
tempo verbal e esta refletirá na relação de distanciamento/ruptura ou aproximação/apropriação, que
se instaura entre o narrador e os eventos, pode-se concluir que a utilização, quer do passato prossimo,
quer do passato remoto, quer de ambos dependerá do envolvimento afetivo do narrador em relação
aos eventos descritos na sua produção escrita.
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