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Herança Social e Socialização
Geralmente as pessoas pensam que é apenas o raciocínio que difere o homem dos animais. Este é, pelo menos, um
conceito incompleto e insatisfatório. O homem tem uma série de capacidades e necessidades que o animal não possui.
Dentre elas, duas são fundamentais e básicas para a existência das sociedades humanas: a capacidade de criar e a
empatia, isto é, a capacidade de colocar-se no lugar do outro, de sentir o que o outro está sentindo, de olhar as coisas e os
acontecimentos do ponto de vista do outro.
Conceito de cultura
A cultura, que abrange tudo o que o homem criou, tanto no campo das idéias como em termos de objetos e tecnologia, é um
processo cumulativo, transmissível e sem solução de continuidade.
Praticamente tudo o que nos cerca é produção humana: a cadeira, o livro, a casa, o eletrodoméstico, a moda, as instituições,
as filosofias, as religiões, etc.
Todo este acervo o homem foi criando em resposta às suas necessidades. E muitas vezes estas respostas podem ser
diferentes, de lugar para lugar, de época para época. Por isso usamos talheres para comer, enquanto os japoneses usam
pauzinhos. Por isso, também era natural o homem usar armadura na Idade Média. Hoje isto seria considerado ridículo.
O conteúdo da cultura
O conteúdo básico de uma cultura são os "folkways", os "mores" e as "instituições". Literalmente os "folkways" são as
maneiras de agir que caracterizam um povo. São formas de conduta que um povo desenvolveu durante toda a sua existência. O
"folkway" surge, a princípio, como um meio de ação adotado em face de dado problema, podendo ter sido encontrado até por
acaso. Se funcionou, porém, isto é, se produziu o resultado satisfatório, foi então aos poucos adotado, na sua maior parte
inconscientemente. Tornou-se, assim, parte da vida social do povo em questão, e depois transmitiu-se às gerações seguintes.
Por exemplo: um dia algum homem sentindo que os pés doíam muito em contato com o solo, inventou cobrir a sola dos pés de
alguma forma que pudesse se movimentar de forma menos desagradável. Começava aí a aparecer o uso dos sapatos, que foram
se aperfeiçoando e generalizando. Hoje, se alguém aparece descalço em público, na maioria das culturas, é olhado com
estranheza.
A distinção entre "folkway" e "more" se faz na maneira pela qual a referida forma de conduta é considerada pelo povo que a tem.
Quando um "folkway" passa a ser visto como absolutamente essencial e irrevogavelmente ligado à persistência e eficiência da
vida grupal, perde sua simplicidade e torna-se um "more". Os "mores" são, pois, os "folkways" que foram destacados como
particularmente importantes na vida de um grupo. Representam as formas "sagradas" de comportamento, isto é, as formas que
são prezadas, consideradas fundamentais e mantidas com tenacidade; são formas de comportamento que o grupo considera
essencial para a sua própria sobrevivência e não admite que sejam quebradas.
A moda, por exemplo, é um "folkway" entre nós; mas, andar vestido é um "more", tanto que se a pessoa se expuser nua em
público, sofrerá penalidades.
Quando uma cultura começa a questionar os "mores", pode-se ter a certeza de que ela está num processo de transformação
e novas regulamentações de comportamento logo estarão surgindo.
Todo costume que se estrutura tomando uma forma definida com regras, atos prescritos, aparelhamento e pessoal
necessário para sua realização, transformou-se em "instituição". A instituição, pois, é um conceito que se estruturou. ..
Assim aconteceu com os acasalamentos, que à medida que foram precedidos de rituais, sacerdotes, etc., transformaram-se
na instituição do "casamento" e da "família". Assim, também aconteceu com o ato dos mais velhos passarem a cultura para os
mais novos: à medida que se complicou e teve que se estruturar, transformou-se na instituição "escola". E assim por diante.
Processo de sistematização social e introjeção dos valores
O processo de sistematização social e da internalização dos valores se dá, pois, da seguinte forma: temos pensamentos,
desejos, sentimentos, atitudes e os expressamos através de comportamentos sociais que, com o tempo, se habitualizam, se
tipificam e depois se institucionalizam. Ao serem institucionalizados, estes comportamentos se objetivam e passarão a ser
internalizados através do processo de socialização.
Falei há pouco que a cultura é um processo cumulativo e que cada novo membro da sociedade recebe-a como herança. Já
imaginaram se cada geração tivesse que inventar tudo de novo?
Entretanto, este processo só se dá graças à capacidade do homem de inventar e decifrar símbolos, podendo criar sistemas
lingüísticos e através deles passar adiante tudo que aprendeu.
Conceito de socialização
Quando, então, um novo ser chega ao mundo, vai encontrar uma sociedade estruturada com regras, valores, filosofias,
idioma, religiões, etc. E este novo ser deverá, em poucos anos, internalizar tudo o que o homem levou séculos para construir. A
este processo chamamos de "socialização". Ela é feita por todo o grupo social, pela família, pela escola, pela religião, pelos
companheiros, pela "mídia", etc.
A sociedade e sua cultura não são, pois, apenas algo que existe fora de nós. Elas fazem parte do nosso ser mais íntimo,
pois durante o processo de socialização nós as internalizamos de forma tal que fica difícil separar o biológico do psicológico e do
social.
Aliás, nós só nos tornamos "humanos" porque vivemos em sociedade e internalizamos todos os seus padrões, atitudes e,
inclusive, as respostas às emoções.
Os casos relatados de "crianças-feras" ou "crianças-lobos" (abandonadas na selva e criadas por animais) mostram claramente
que se somos o que somos é porque temos contato com outros seres humanos. Estas crianças que foram encontradas na selva
eram criaturas capazes de andar e correr sobre mãos e pés, trepar em árvores, viver de alimentos silvestres, mostrar as presas,
lutar e procriar, mas jamais puderam apresentar idéias e atitudes de conduta humana, comportamento político ou sociológico,
porque à sua natureza faltavam as qualidades essencialmente humanas.
Destas crianças, as mais novas com muita dificuldade conseguiram uma certa adaptação, mas as mais velhas, não
conseguindo se adaptar ao meio humano, acabaram morrendo.
Conceito de natureza humana
A chamada "natureza humana" é, pois, fruto da socialização. Ela é uma potencialidade que só o homem possui, mas que se
desenvolve apenas com a interação entre indivíduos, interação esta que começa nos chamados grupos primários onde o relacionamento é mais íntimo e caloroso. E quanto mais caloroso e amplo é este relacionamento, mais a pessoa se torna
cooperativa, amorosa e empática.
Não nascemos, pois, seres sociais, como dizia Aristóteles. Porque "ser social" implica a inclinação para a cooperação, o que,
na verdade, não acontece conosco.
Tanto, que a criança pequena é egocêntrica, isto é, ela é a referência para tudo. À medida que vai se socializando é que
desenvolve a capacidade de interagir, de amar, de cooperar, de dar de si, de desempenhar um papel no grupo, de compreender
a si própria como membro de uma comunidade.
Assim, ela se torna um "ser social" .
O que une os homens, a princípio, é a necessidade de sobrevivência. Nós precisamos uns dos outros em uma série de
níveis. Há um momento, porém, que buscamos o grupo não mais e apenas pela necessidade básica de sobrevivência física, mas
porque passamos a ter necessidade de contato, de carinho, de solidariedade, etc.
O homem seria, pois, um ser "gregário", que com a socialização se torna "social".
Porém existem pessoas que pelos mais diversos motivos jamais desenvolvem a sociabilidade. Elas param na primeira
infância quando tudo e todos giram em torno de sua satisfação. Estas criaturas são chamadas de sociopatas, sendo a forma mais
grave a psicopatia, quando o indivíduo, incapaz de colocar-se no lugar do outro e pensando apenas em sua satisfação pessoal,
pode se deixar levar por comportamentos atrozes, sem sentir culpa ou remorso.
Aquelas pessoas que chamamos de "humanas", cheias de bondade, compreensão, complacência, acolhimento são as que
atingiram um grau mais elevado de sociabilidade.
Personalidade e cultura
A cultura, pois, não somente nos envolve, mas nos penetra modelando a nossa identidade, a nossa personalidade, a nossa
maneira de agir, 'pensar e sentir. As estruturas da sociedade tornam-se assim as estruturas de nosso próprio ser.
A personalidade do indivíduo vai emergir, portanto, não só do contexto social, mas de um contexto social especifico. Por isso as
personalidades das pessoas, de uma determinada cultura, têm vários elementos comuns que as caracterizam e as diferenciam
dos componentes de uma cultura diversa. Costumamos dizer, por exemplo: "O brasileiro é alegre", "o árabe é agressivo", "o judeu
é argentário", etc. Neste caso é preciso muito cuidado com os estereótipos (c1ichês, pensamentos fixos pré-concebidos), pois se
as pessoas de uma mesma cultura têm vários aspectos semelhantes, têm também muitos elementos diferenciadores que fazem
com que todos nós sejamos singulares. Generalizar, portanto, é algo perigoso, preconceituoso e muitas vezes discriminatório.
Neste processo de socialização é bom ressaltar também que a natureza individual de cada um leva-o à resistência
uniformizadora dos agentes socializadores, e desta dialética é que vai surgir, de fato, o "indivíduo", ainda que membro de uma
determinada cultura (Lembramos que o processo dialético é o choque dos contrários, fazendo surgir um terceiro elemento). f
A aquisição destas qualidades que descrevi acima são fundamentais para a aquisição de "autoconsciência" e "autocontrole",
sem os quais seria impossível a formação dos grupos sociais.
A fim de que se dê a socialização é necessário, enfim, que existam certos fatores caracteristicamente humanos:
. a comunicação simbólica, que nos permite compartilhar das atitudes e dos sentimentos do grupo, como tomar
conhecimento de suas expectativas;
. a capacidade de manipular, pois ao lidar com o objeto desenvolvemos o mecanismo de "separação" do objeto;
. sistema nervoso central complexo, que nos permite raciocinar, prever, julgar, planejar, criar;
. situação social, porque, como já mostrei anteriormente, só dentro dela vamos desenvolver as características humanas.
Já chamei a atenção do leitor para o fato de que a socialização é feita pela pressão dos agentes socializadores sobre os novos
membros. Para conseguirem a conformidade dos indivíduos aos valores e padrões da cultura, estes agentes usam do que chamamos de "controle social".
Em seu processo de socialização a criança deverá desenvolver a capacidade de depender de si mesma para controlar-se e
até para castigar-se por transgressões (autopunição: sentimento de culpa, remorso ou até mesmo uma doença psicossomática).
Os vários estímulos, instigações e controles de comportamento, que inicialmente são realizados pelos pais, deverão interiorizarse de forma que o indivíduo atue como alguém que cuida de si próprio. Essa interiorização das regras sociais implica a
identificação, que inclui a imitação do comportamento, dos maneirismos e dos valores de outra pessoa.
A identificação começa com uma dependência pré-estabe1ecida e tem como conseqüência:
. o desenvolvimento da consciência moral, que inclui a aquisição de padrões morais próprios da cultura;
. a resistência à tentação para sua transgressão;
. a perturbação emocional e o sentimento de culpa quando a transgressão é praticada (na linguagem freudiana, formação do
superego);
. a aquisição dos papéis e dos padrões de comportamento adequados ao sexo;
. comportar-se como adulto, fazer trabalho de adulto, conseguir objetivos adultos.
Evidentemente, em todo esse processo de formação da consciência moral está presente o papel da aprendizagem através
do condicionamento (uso do reforço: recompensa ou castigo).
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