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Seminário 50 Anos do Departamento de Comunicações e Artes
25/08/2016 – Auditório Paulo Emílio Salles Gomes / São Paulo - SP
Ter sido convidado para fazer a fala de abertura num evento como este, que
celebra os 50 anos da Escola e do Departamento de Comunicações e Artes,
é motivo de honra. Acompanhando esse sentimento prazeroso, uma
questão se impôs para mim, pedindo para ser compreendida: qual o
contexto que explica a minha presença aqui e agora? Como interpretar
o fato de um gestor de uma instituição sociocultural, cuja trajetória não
inclui estudos, pesquisa ou docência nessa Escola, ser convidado para abrir
os trabalhos num seminário de tanta importância?
Esse exercício de reflexão foi produtivo, pois ajudou a organizar
pensamentos e dar consistência a uma sensação que, para mim, sempre foi
potente: o Sesc, instituição que aqui represento, e a Escola de
Comunicações e Artes têm bastante em comum.
A primeira evidência quanto a isso se relaciona ao lugar que as duas
entidades habitam. O Sesc e a Escola de Comunicações e Artes
compartilham um mesmo universo de ação, no qual se encontram a
educação, a cultura e a comunicação.
Esse universo constitui um tema que foi, de certa forma, negligenciado por
governantes brasileiros e pelos historiadores oficiais, para os quais o que
interessava eram, sobretudo, as esferas da política e da economia.
Nas últimas décadas, o interesse pela cultura cresceu visivelmente .
Isso se deve principalmente a uma visão insuficiente, já que enxerga na
cultura apenas o potencial econômico das atividades culturais. Deve-se
observar que esse interesse ainda não levou a compreensão ampla da
cultura como vetor de processos civilizatórios.
O Sesc está alinhado com uma compreensão expandida do valor da
cultura, entendendo-a como catalizador de processos civilizatórios, cuja
importância transcende em muito as consequências econômicas que o
campo cultural pode acarretar.
Paralelamente, o reconhecimento da educação como caminho para o
desenvolvimento de um povo consolidou-se, muito embora três questões
devam ser apontadas:
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1) Há um descompasso entre a quantidade de discursos defendendo
políticas de apoio à educação, e a precariedade efetiva da
educação atualmente oferecida no país;
2) O campo educativo não se resume à educação formal. Des sa forma,
reconhecer a importância da educação significa contemplar
também processos educativos não-formais;
3) É fundamental desconstruir a ideia de que a educação deva ter como
objetivo principal a preparação exclusiva para o mercado de
trabalho. A educação prepara para a vida como um todo, e o
mundo do trabalho é apenas uma de suas dimensões.
Na medida em que cultura e educação entram na pauta, o entendimento
sobre comunicação ganha nova significação. A comunicação passa a ser
pensada em sua dimensão cultural e em sua vocação educativa –
assim, o interesse público da comunicação torna-se ainda mais evidente.
Sesc e Escola de Comunicações e Artes perceberam há décadas as
delicadas
relações
que
existem
entre
cultura,
educação
e
comunicação, intervindo nesses campos com a responsabilidade que se
espera de agentes preocupados com a coisa pública.
Tal responsabilidade entra em jogo precisamente por conta da relevância
dessas áreas – cultura, educação e comunicação – que, em grande medida,
se confundem com a própria condição de existência da humanidade.
Quando pensamos na convergência entre Sesc e ECA, cabe situá -la num
olhar estendido. É importante lembrar que as interconexões entre as duas
instituições remetem, primeiramente, a uma aproximação mais ampla
com a Universidade de São Paulo. Sesc e USP trabalham juntos, de
forma sistemática, ao menos desde a década de 1960.
A primeira forma que tal aproximação assumiu foi a presença crescente
de professores da USP nos espaços do Sesc, proferindo palestras,
participando de debates, escrevendo ensaios e tomando parte em processos
de formação dos quadros do Sesc.
Daí em diante, os formatos se diversificaram: saberes oriundos da
Universidade de São Paulo estiveram presentes na atuação do Sesc em
áreas como atividade física, saúde, turismo, educação, lazer, arquitetura,
entre tantos outros.
Atualmente, os caminhos entre Sesc e USP convergem de maneiras plurais:
estagiários das mais variadas faculdades colaboram e aprendem no
cotidiano dos nossos centros culturais e d esportivos (unidades);
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aproximações com os diversos entes que compõem a USP viabilizaram
atividades em conjunto com o Sesc; pesquisadores ligados à universidade
colaboram, com seus estudos e diagnósticos, no embasamento de nossas
ações.
A convergência entre Sesc e USP tornou-se tão eloquente que implicou a
assinatura recente de um Termo de Cooperação Técnica de caráter
amplo que, esperamos, simplificará a continuidade das relações entre as
duas instituições.
A Escola de Comunicações e Artes teve papel fundamental nessa
convergência, já que lida, desde seu surgimento, com aquilo que é
transversal e fundamento do saber humano: a cultura.
Mas o que designamos, hoje, pela expressão “cultura”?
Ao longo do século XX, notadamente após a Segunda Guerra Mundial,
políticas públicas de cultura foram desenvolvidas a partir de interpretações
distintas sobre o que seria considerado cultura, e acerca de sua importância
para os seres humanos. Atualmente, já não se aceita a ideia de que a
cultura se resuma às linguagens artísticas: cultura representa o conjunto
dos modos de ser, viver e se expressar de homens e mulheres.
Tal noção alargada de cultura implica a revisão de sua importância para a
vida das pessoas. A cultura entendida unicamente como sinônimo de arte
sugeria uma divisão em alta e baixa cultura, o que parece hoje
insustentável.
A cultura em sentido ampliado nos dá uma nova chave: ela surge em seu
potencial educativo, na direção de um projeto de caráter civilizatório.
Assim, a proposta de educação despertada por tal visão de cultura nos
lembra as elaborações de Mario de Andrade e Paulo Freire, já que se trata
de uma educação para a emancipação. Nada mais distante de um tipo de
educação chamada por Paulo Freire de “educação bancária”, pensada como
mera transmissão unidirecional de informações, e como preparação
instrumental para o mercado de trabalho.
O Sesc exercita a educação para a emancipação em seu cotidiano. O acesso
a manifestações artístico-culturais as mais diversas é uma das faces
mais visíveis desse tipo de educação, na medida em que tal acesso é
proporcionado com os devidos cuidados de mediação e contextualização.
Os públicos são também estimulados a desempenhar outros papeis: oficinas
e cursos propõem práticas que desmistificam a criação no campo da cultura,
aproximando cidadãos e bens culturais.
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Em todas as áreas de atuação do Sesc, impera a mesma ideia de educação,
que chamamos educação permanente. Isso porque ela se dirige a diversas
faixas etárias, e pode ocorrer em tempos e lugares variados. Esse esforço
educativo manifesta-se em encontros sobre sustentabilidade ou sobre
alimentação, em práticas de atividade física, em passeios de turismo social,
em áreas de convivência e em inúmeras outras circunstâncias.
Falamos, desse modo, de um sentido ampli ado de cultura e de um
significado também ampliado de educação. Em torno dessas ideias, Sesc e
Escola de Comunicações e Artes dialogam. Assim, não devemos nos
espantar ao nos depararmos com uma grande quantidade de
profissionais do Sesc, nos mais variados setores e funções, que
passaram aqui pela ECA, tendo cursado algumas das carreiras que essa
faculdade oferece.
Isso é visível no campo das artes: os setores responsáveis pela
programação artística do Sesc contam com muitos quadros oriundos da ECA.
Mas tal fenômeno pode ser observado em outras áreas, com destaque para
a Gestão Cultural, para o Turismo, para as Bibliotecas, para os programas
socioeducativos e para a área de Comunicação do Sesc.
Efemérides como a que indica os 50 anos da Escola e do Departam ento de
Comunicações e Artes têm a nobre função de reunir as pessoas e estimular
interpretações de longo alcance. Curiosamente, a instituição que represento
experimentará, em poucos dias, algo parecido: em 13 de setembro próximo
comemoramos 70 anos de existência do Sesc.
Penso que é importante comentar rapidamente as mutações ocorridas
nesses 70 anos, já que elas nos ajudam a compreender melhor o sentido
do que fazemos hoje em dia.
Quando o Sesc surge, em 1946, o Brasil vivia um processo de
redemocratização após o Estado Novo, além do início de sua industrialização
de base. As cidades cresciam rapidamente devido ao êxodo rural, e o poder
público não conseguia dar conta das demandas básicas dos cidadãos. Num
contexto como este, é natural que o Sesc tenha en fatizado uma proposta
assistencial que seria, mais tarde, descontinuada.
Ao longo da década de 1960, desenvolveu-se uma nova compreensão do
trabalho social que cabia ao Sesc realizar. O resultado dessa mutação se fez
sentir principalmente em duas vertentes:
1) Unidades móveis de orientação social espalharam-se pelo interior
do estado, estimulando a vida comunitária por meio de
proposições ligadas ao campo da cultura, do esporte e do lazer;
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2) Em 1967, o Sesc cria um equipamento sociocultural paradigmático, já
que reunia pela primeira vez três facetas fundamentais de sua
ação dali para frente: o espaço do esporte, o espaço da arte e da
cultura e o espaço da convivência. Trata-se do Sesc Consolação,
que se tornou modelo para o aparecimento de outros centros
polivalentes, na capital, interior e litoral paulista.
A partir de então, a trajetória do Sesc apresentou determinados marcos
históricos, como o surgimento, em 1975, do Sesc Interlagos, primeira
unidade campestre, e a inauguração do Sesc Pompeia, em 1982,
experimento exitoso de requalificação de uma antiga fábrica de tambores
em espaço de lazer e convivência.
Atualmente, o Sesc tem 33 centros polivalentes nos quais são desenvolvidos
programas em campos variados, direcionados a pessoas de diversas faixas
etárias, com atenção especial para as que têm menos possibilidade de
acesso à oferta cultural, esportiva e socioeducativa. Além disso, temos
unidades especializadas em odontologia, cinema, publicações (livros, CDs e
DVDs), um canal de TV na internet e um centro d e pesquisa e formação em
gestão cultural.
A propósito, nossa unidade especializada em gestão cultural, o Centro de
Pesquisa e Formação (CPF), mostra grande convergência com o papel da
ECA, já que propõe uma ação educativa sistematizada, em torno dos
grandes temas da cultura, qualificando pessoas que trabalham na
organização da cultura em seus diversos níveis.
Nossa perspectiva de futuro é pautada pela ideia de expansão. Tal
expansão tem duas dimensões:
1) Expansão física, por meio da inauguração de novos equipamentos
de cultura, esporte e lazer no estado de São Paulo. O caso mais
recente é o Sesc Registro, que já se encontra em operação no Vale
do Ribeira, uma das regiões mais carentes do estado. Brevemente,
teremos a inauguração do Sesc 24 de maio e do Sesc Birigui,
capilarizando ainda mais nossas ações;
2) Expansão programática, em constante diálogo com o que se passa
na sociedade. A breve descrição histórica que eu apresentei
evidenciou as conexões entre a ação do Sesc e as questões sociais
mais importantes em cada contexto, refletindo em seus programas
os valores mais destacados de cada momento histórico. Nesse
sentido, vale sublinhar a importância contemporânea dos valores
da diversidade, considerada patrimônio cultural da humanidade,
e da sustentabilidade, condição básica para a nossa existência.
Esse olhar retrospectivo acerca dos 70 anos do Sesc evidencia algo que
também vale para a Escola de Comunicações e Artes. Ambas são instituições
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criadas pelos seres humanos para lidar, por meio de seus trabalhos, com a
complexidade dos desejos e necessidades de indivíduos e coletividades. A
área cultural é, possivelmente, aquela que permite as abordagens mais
complexas e transversais, uma vez que a cultura coincide com a própria
capacidade humana de dar sentido às coisas.
Quando se trabalha com cultura, os cuidados também devem ser
redobrados, na medida em que se trata de um campo permanentemente
alterado pelo devir histórico. Aspectos que pareciam inquestionáveis há
algumas décadas são desconstruídos a partir de n ovos pontos de vista,
conferindo especial volatilidade àquilo que chamamos cultura.
A fim de dar consistência à disposição do Sesc de realizar mais e melhor,
nos aproximamos de intelectuais de variadas inclinações teóricas, dentre os
quais uma parcela importante é oriunda dessa escola. Permito-me,
entretanto, lembrar de um pensador que, para nós, tornou -se uma
referência nas últimas décadas e contribuiu para que compreendêssemos
melhor o que fazemos e por onde caminhamos.
Refiro-me ao pensador francês Edgar Morin, que nos brindou diversas
vezes com sua presença, qualificando processos internos de formação, bem
como seminários e encontros com grande procura por parte de nossos
públicos. O interesse de Morin pela educação e sua leitura de mundo a
partir da ideia da complexidade surgem para nós como contribuições
conceituais que ajudam a fundamentar o que fazemos, em cada um de
nossos centros socioeducativos.
Trata-se de pensar a existência humana para além da separação em
disciplinas e especializações; trata-se, consequentemente, de sugerir
percursos
transversais
que
possam
interligar
aquilo
que
foi
compartimentalizado em caixas e escaninhos. Aproximar em nosso cotidiano
a arte e o esporte, a alimentação e o turismo, as questões de diversidade e
de saúde – tudo isso é possível pois optamos por habitar o campo
expandido da cultura.
A opção pela leitura complexa do mundo nos aproxima da Escola de
Comunicações e Artes. Os 50 anos que são agora celebrados registram
um trânsito intenso de ideias, projetos e realiz ações da ECA que tiveram
como pressuposto – creio eu – o diálogo com um mundo marcado pela
riqueza e imprevisibilidade. Assim como o Sesc, a ECA pode abordar as
coisas desse mundo pois habita o generoso e complexo terreno da cultura.
50 anos da Escola de Comunicações e Artes; 70 anos do Sesc. São duas
marcas que não devem ser negligenciadas, sobretudo num país que ainda
deve o devido reconhecimento à educação e à cultura. São também
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indicativos de que, mesmo em condições delicadas, trabalhos consistentes
permanecem.
Muito obrigado.
Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do Sesc São Paulo
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