Órgão Oficial de Divulgação Científica da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo Acta Paulista de Enfermagem/ Escola Paulista de Enfermagem/ Universidade Federal de São Paulo Endereço: Rua Diogo de Faria, 1087, 6º Andar, cj 601, Vila Clementino, São Paulo, SP, Brasil. CEP 04037-003 Acta Paul Enferm. v.26, fascículo(2), Março/Abril 2013 ISSN 1982-0194 (versão eletrônica) Periodicidade: Bimestral Tel.: +55 11 5082 3287 E-mail: [email protected] Home Page: http://www.unifesp.br/acta/ Facebook: facebook.com/ActaPaulEnferm Twitter: @ActaPaulEnferm Tumblr: actapaulenferm.tumblr.com Google +: https://plus.google.com/111985911028290283301 Conselho Editorial Presidente Lucila Amaral Carneiro Vianna Acta Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Editor Chefe Sonia Maria Oliveira de Barros Acta Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Editor Técnico Edna Terezinha Rother Acta Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Editores Associados Departamento de Administração e Saúde Coletiva Elena Bohomol, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Elisabeth Niglio de Figueiredo, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Departamento de Enfermagem Clínica e Cirúrgica Bartira de Aguiar Roza, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Edvane Birelo Lopes De Domenico, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil João Fernando Marcolan, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Ruth Ester Assayag Batista, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Departamento de Enfermagem Pediátrica Ariane Ferreira Machado Avelar, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Maria Magda Ferreira Gomes Balieiro, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Departamento de Enfermagem na Saúde da Mulher Erika de Sá Vieira Abuchaim, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Rosely Erlach Goldman, Escola Paulista de Enfermagem - Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Comissão Editorial Nacional Alacoque Lorenzini Erdmann, Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, Florianópolis-SC, Brasil Ana Cristina Freitas de Vilhena Abrão, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Cibele Andrucioli de Matos Pimenta, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo-EE/USP, São Paulo-SP, Brasil Circéa Amália Ribeiro, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Conceição Vieira da Silva-Ohara, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Elucir Gir, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, Brasil Emília Campos de Carvalho, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, Brasil Isabel Amélia Costa Mendes, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, Brasil Isabel Cristina Kowal Olm Cunha, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Ivone Evangelista Cabral, Escola de Enfermagem Anna Nery- EEAN/UFRJ, Rio de Janeiro-RJ, Brasil Janine Schirmer, Universidade Federal de São Paulo-USP, São Paulo-SP, Brasil Josete Luzia Leite, Escola de Enfermagem Anna Nery- EEAN/UFRJ, Rio de Janeiro-RJ, Brasil Lorita Marlena Freitag Pagliuca, Universidade Federal do Ceará-UFC, Fortaleza-CE, Brasil I Lúcia Hisako Takase Gonçalves, Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, Florianópolis-SC, Brasil Margareth Ângelo, Universidade de São Paulo-USP, São Paulo-SP, Brasil Margarita Antônia Villar Luís, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, Brasil Maria Antonieta Rubio Tyrrel, Escola de Enfermagem Anna Nery- EEAN/UFRJ, Rio de Janeiro-RJ, Brasil Maria Gaby Rivero Gutiérrez, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Maria Helena Costa Amorim, Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, Vitória-ES, Brasil Maria Helena Lenardt, Universidade Federal do Paraná-UFP, Curitiba-PR, Brasil Maria Helena Palucci Marziale, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, Brasil Maria Júlia Paes da Silva, Universidade de São Paulo-USP, São Paulo-SP, Brasil Maria Márcia Bachion, Universidade Federal de Goiás-UFG, Goiânia-GO, Brasil Maria Miriam Lima da Nóbrega, Universidade Federal da Paraíba-UFPB, João Pessoa-PB, Brasil Mariana Fernandes de Souza, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Mavilde da Luz Gonçalves Pedreira, Universidade Federal de São Paulo-Unifesp, São Paulo-SP, Brasil Paulina Kurcgant, Universidade de São Paulo-USP, São Paulo-SP, Brasil Raquel Rapone Gaidzinski, Universidade de São Paulo-USP, São Paulo-SP, Brasil Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, Brasil Silvia Helena De Bortoli Cassiani, Universidade de São Paulo-USP, Ribeirão Preto-SP, Brasil Telma Ribeiro Garcia, Universidade Federal da Paraíba-UFPB, João Pessoa-PB, Brasil Valéria Lerch Garcia, Universidade Federal do Rio Grande-UFRGS, Rio Grande-RS, Brasil Internacional Barbara Bates, University of Pennsylvania School of Nursing - Philadelphia, Pennsylvania, EUA Donna K. Hathaway, The University of Tennessee Health Science Center College of Nursing; Memphis, Tennessee, EUA Dorothy A. Jones, Boston College, Chestnut Hill, MA, EUA Ester Christine Gallegos-Cabriales, Universidad Autónomo de Nuevo León, Monterrey, México Geraldyne Lyte, University of Manchester, Manchester, United Kingdom, EUA Helen M. Castillo, College of Health and Human Development, California State University, Northbridge, California, EUA Jane Brokel, The University of Iowa, Iowa, EUA Joanne McCloskey Dotcherman, The University of Iowa, Iowa, EUA Kay Avant, University of Texas, Austin, Texas, EUA Luz Angelica Muñoz Gonzales, Universidad Nacional Andrés Bello, Santiago, Chile Margaret Lunney, Staten Island University, Staten Island, New York, EUA María Consuelo Castrillón Agudelo, Universidad de Antioquia, Medellín, Colômbia Maria Müller Staub, Institute of Nursing, ZHAW University, Winterthur, Suiça Martha Curley, Children Hospital Boston, Boston, New York, EUA Patricia Marck, University of Alberta Faculty of Nursing, Edmonton Alberta, Canadá Shigemi Kamitsuru, Shigemi Kamitsuru, Kangolabo, Tokyo, Japão Sue Ann P. Moorhead, The University of Iowa, Iowa, EUA Tracy Heather Herdman, Boston College, Massachusetts, EUA Escritório Editorial Bruno Henrique Sena Ferreira Danilo Douglas Ferreira Maria Aparecida Nascimento Projeto Gráfico Adriano Aguina Acta Paulista de Enfermagem – (Acta Paul Enferm.), tem por missão divulgar o conhecimento científico gerado no rigor da metodologia, da pesquisa e da ética. O objetivo deste Periódico é publicar resultados de pesquisas originais para o avanço das práticas de enfermagem clínica, cirúrgica, gerencial, ensino, pesquisa e informática em saúde. Membro da Associação Brasileira de Editores Científicos II Universidade Federal de São Paulo Reitor da Universidade Federal de São Paulo Soraya Soubhi Smaili Vice-Reitor da Universidade Federal de São Paulo Valeria Petri Diretor da Escola Paulista de Enfermagem Lucila Amaral Carneiro Vianna Vice-Diretor da Escola Paulista de Enfermagem Sonia Maria Oliveira de Barros Departamentos da Escola Paulista de Enfermagem Administração e Saúde Coletiva Isabel Cristina Kowal Olm Cunha Enfermagem Clínica e Cirúrgica Solange Diccini Enfermagem Pediátrica Myriam Aparecida Mandetta Enfermagem na Saúde da Mulher Ana Cristina Freitas Vilhena Abrão Graduação Suzete Maria Fustinoni Extensão Sonia Maria Oliveira de Barros Pós Graduação stricto sensu Isabel Cristina Kowal Olm Cunha Realização Apoio Todo o conteúdo do periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons. No rumo da sustentabilidade e acessibilidade, a Acta Paulista de Enfermagem é publicada exclusivamente na versão digital. III Editorial R efletirmos sobre o que estamos comemorando no “dia da enfermagem” em 2013 é uma questão instigante. A data de 12 de Maio é considerada internacionalmente o “dia do enfermeiro”, pelo Conselho Internacional de Enfermeiros. No Brasil comemoramos a Semana da Enfermagem instituída pelo decreto nº 48.202 de 12 de Maio de 1960, outorgado pelo Presidente da República Juscelino Kubitschek, em função respectivamente da data de nascimento Florence Nightingale em 12 de Maio de 1820 e do falecimento de Anna Nery em 20 de Maio de 1880. Ao longo da história, a enfermagem brasileira, estimulada por várias questões, entre elas: políticas neoliberais, interesses do capital e de classes sociais dominantes, buscou ampliar numericamente os seus quadros de profissionais. A enfermagem, fundamentada em um discurso dominante, apontava que era preciso aumentar a quantidade de profissionais para que pudéssemos melhorar a atuação e a representatividade da enfermagem no Brasil. Calcados nesta ideologia chegamos aos números da atualidade. Em abril de 2013, somamos 403 mil profissionais de enfermagem, inscritos no Estado de São Paulo, sendo que 90 mil são enfermeiras(os), no ano de 2010 somávamos 73 mil enfermeiras(os). No momento o número de Técnicos e Auxiliares de Enfermagem somam no estado 310 mil profissionais. Em três anos no Estado de São Paulo formamos 20 mil enfermeiras(os). O que representam estes números para o incremento de uma prática profissional dequalidade? Este ano o tema da 74º Semana Brasileira de Enfermagem promovida pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), aborda o tema: “Consciência Profissional e a enfermagem no cuidado com a vida”. Buscarmos uma relação de equilíbrio entre o quadro de formação sob a perspectiva quantitativa e qualitativa é a proposta que devemos promover nas “semanas de enfermagem” que virão. Neste processo diminuiremos erros, melhoraremos a consciência profissional e sem dúvida alguma o cuidado com a vida humana, maior inspiração dos profissionais de enfermagem. Mauro Antônio Pires Dias da Silva Presidente do Conselho Regional de Enfermagem - São Paulo IV Sumário Artigos Originais Protótipo de sistema de documentação em enfermagem no puerpério Documentation system prototype for postpartum nursing Regina Célia Sales Santos Veríssimo, Heimar de Fátima Marin����������������������������������������������������������������������������������������������� 108 Carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica Nursing workload in the post-anesthesia care unit Luciana Bjorklund de Lima, Eneida Rejane Rabelo���������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 116 Validação Concorrente de Escores de Enfermagem (NEMS e TISS-28) em terapia intensiva pediátrica Concurrent Validation of Nursing Scores (NEMS and TISS-28) in pediatric intensive care Simone Travi Canabarro, Kelly Dayane Stochero Velozo, Olga Rosária Eidt, Jefferson Pedro Piva, Pedro Celiny Ramos Garcia������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 123 Idade materna e fatores associados a resultados perinatais Maternal age and factors associated with perinatal outcomes Angela Andréia França Gravena, Meliana Gisleine de Paula, Sonia Silva Marcon, Maria Dalva Barros de Carvalho, Sandra Marisa Pelloso��������������������������������������������������������������������������������������������������������� 130 Desafios para a gerência do cuidado em emergência na perspectiva de enfermeiros Challenges for the management of emergency care from the perspective of nurses José Luís Guedes dos Santos, Maria Alice Dias da Silva Lima, Aline Lima Pestana, Estela Regina Garlet, Alacoque Lorenzini Erdmann................................................................................................................136 Construção e validação de um instrumento de classificação de pacientes pediátricos Construction and validation of an instrument for classification of pediatric patients Ariane Polidoro Dini, Edinêis de Brito Guirardello���������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 144 Prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva no Brasil Prevalence of drug interactions in intensive care units in Brazil Rhanna Emanuela Fontenele Lima de Carvalho, Adriano Max Moreira Reis, Leila Márcia Pereira de Faria, Karine Santana de Azevedo Zago, Silvia Helena De Bortoli Cassiani������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 150 Transmissão vertical do HIV em população atendida no serviço de referência Vertical transmission of HIV in the population treated at a reference center Sueli Teresinha Cruz Rodrigues, Maria José Rodrigues Vaz, Sonia Maria Oliveira Barros ������������������������������������������������������� 158 Percepções e expectativas dos enfermeiros sobre sua atuação profissional Perceptions and expectations of nurses concerning their professional activity Augusto Hernán Ferreira Umpiérrez, Miriam Aparecida Barbosa Merighi, Luz Angélica Muñoz�������������������������������������������� 165 Representações sociais de enfermeiros sobre o portador de tuberculose Social representations of nurses about tuberculosis patients Ivaneide Leal Ataíde Rodrigues, Maria Catarina Salvador da Motta, Márcia de Assunção Ferreira������������������������������������������ 172 V Eficácia da educação em saúde no tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial Effectiveness of education in health in the non-medication treatment of arterial hypertension Thatiane Lopes Oliveira, Leonardo de Paula Miranda, Patrícia de Sousa Fernandes, Antônio Prates Caldeira...........................179 Infecção ou colonização por micro-organismos resistentes: identificação de preditores Infection or colonization with resistant microorganisms: identification of predictors Graciana Maria de Moraes, Frederico Molina Cohrs, Ruth Ester Assayag Batista, Renato Satovschi Grinbaum���������������������� 185 Clima de segurança organizacional e a adesão às precauções padrão entre dentistas Organizational safety climate and adherence to standard precautions among dentists Patrícia Helena Vivan Ribeiro, Maria Meimei Brevidelli, Anaclara Ferreira Veiga Tipple, Renata Perfeito Ribeiro, Elucir Gir����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 192 Expectativas da equipe de enfermagem em relação à liderança Expectations of the nursing staff in relation to the leadership Gisela Maria Schebella Souto de Moura, Juciane Aparecida Furlan Inchauspe, Clarice Maria Dall’Agnol, Ana Maria Muller de Magalhães, Louíse Viecili Hoffmeister�������������������������������������������������������������������������������������������������� 198 Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação Quality of life of patients with stroke rehabilitation Edja Solange Souza Rangel, Angélica Gonçalves Silva Belasco, Solange Diccini��������������������������������������������������������������������� 205 VI Artigo Original Protótipo de sistema de documentação em enfermagem no puerpério Prototype of system for nursing documentation in the postpartum period Regina Célia Sales Santos Veríssimo1 Heimar de Fátima Marin2 Descritores Informática em enfermagem; Sistemas computadorizados de registros médicos; Processos de enfermagem; Período pós-parto; Tecnologia da informação Keywords Nursing informatics; Records systems; Computerized, nursing process; Postpartum period; Information technology Submetido 16 de Maio de 2011 Aceito 12 de Abril de 2013 Autor correspondente Regina Célia Sales Santos Veríssimo Av. Lourival Melo Mota, s/n, Tabuleiro dos Martins, Maceió, AL, Brasil. CEP: 57072-900 [email protected] 108 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):108-15. Resumo Objetivo: Desenvolver protótipo de sistema de documentação em enfermagem no puerpério. Métodos: Planejamento de software utilizou modelo baseado em orientação a objetos, que englobou: compreensão e definição do contexto e dos modos de utilização projeto de arquitetura do sistema, identificação dos principais objetos do sistema, desenvolvimento dos modelos do projeto, especificação das interfaces dos objetos. Foram utilizadas as linguagem Structured Query Language (SQL), MySQL e Hypertext Preprocessor (php). Resultados: O protótipo apresenta os requisitos planejados, entre eles: uso da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®) versão 1.0 como código de apoio para execução do processo de enfermagem; apresentação dos eixos da CIPE® versão 1.0 em ordem de uso; geração de relatórios sobre a prática de uso dos processos de enfermagem. Conclusão: O protótipo de sistema de documentação proposto foi desenvolvido com sucesso com possibilidade de registros de enfermagem por meio de linguagem padronizada. Abstract Objective: To develop a documentation system prototype for postpartum nursing. Methods: For the software planning, a model based on object orientation was used, which included: understanding and definition of the context and usage modes of the system design project, identification of the main objects of the system, development of project models, specification of object interfaces. The languages Structured Query Language (SQL), MySQL and Hypertext Preprocessor (php) were used. Results: The prototype shows the planned requirements, among them: use of the International Classification For Nursing Practice (ICNP®) version 1.0 as support code to perform the nursing process; presentation of the axes of ICNP® version 1.0 in order of use; elaboration of reports about the usage practice of nursing processes. Conclusion: The proposed documentation system prototype was successfully developed, allowing professional nursing records to be registered in a standardized language. Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Veríssimo RCSS, Marin HF Introdução A enfermagem tem suas atividades voltadas ao cuidado. Para cuidar de pessoas exige obrigatoriamente que os profissionais de enfermagem utilizem os recursos da comunicação. Dentre as várias formas, a comunicação entre os profissionais pode representar uma ferramenta para o sucesso do cuidado de enfermagem. E neste contexto, os registros de enfermagem se destacam por serem uma importante comunicação documentada. Muitas e valiosas são as informações clínicas que a enfermagem diariamente se depara a cada encontro com o paciente; entretanto, o atual processo de obter e usar estas informações produz uma documentação fragmentada, ao invés de sinérgica e, com isto, o seu potencial de melhorar o cuidado de enfermagem não vem sendo explorado.(1) Os registros representam a forma da enfermagem ser percebida e integrada por ela mesma, pelos demais profissionais de saúde, pelos sistemas de pagamento e auditoria das instituições e pelo sistema de saúde, além de servirem como parâmetro para tomada de decisão clínica e gerenciamento. As tarefas de registrar os dados clínicos são variadas e complexas. À medida que a quantidade de dados e informações na prática clínica aumentam, também aumentam o volume e os níveis de detalhamento da documentação em enfermagem, sem que haja necessariamente, como consequência, uma melhoria na qualidade do conteúdo da informação.(2) O desenvolvimento de sistemas computacionais que facilitem o registro, utilização e análise de informações clínicas favorecem a comunicação da equipe de saúde e contribui na qualidade da assistência de enfermagem. Sistemas de documentação em enfermagem representam um recurso para facilitar o registro de enfermagem de forma mais ágil e precisa, disponibilizando para a própria enfermagem e outros profissionais as informações atualizadas e confiáveis. Utilizar-se dos avanços tecnológicos para planejar as atividades de assistência ao paciente de forma controlada e eficaz torna-se cada vez mais imperativo, além de uma exigência dos enfermeiros. Os enfermeiros querem sistemas de informação que retratem a realidade de sua prática clínica (conhecimento tácito), mas que possam conter elementos do conhecimento formal (explícito), adequando-os a um sistema automatizado que contemple o processo de enfermagem na sua integralidade.(3) O processo de enfermagem serve como uma estrutura sistemática, na qual o enfermeiro busca informações sobre o paciente, responde a indicações clínicas, identifica e responde as questões que afetam a saúde do paciente.(4) Assim, se presta como instrumento de trabalho para o enfermeiro, também no tocante ao gerenciamento de informações que necessitam ser compartilhadas com os demais componentes da equipe de enfermagem e de saúde. O sistema proposto por este protótipo se orientou na prática do processo de enfermagem e suas fases. Para o registro das informações obtidas por meio da aplicação deste, o enfermeiro se utiliza de vocabulários e sistemas de classificações. A enfermagem tem buscado a uniformização da sua linguagem como forma de facilitar a comunicação entre a própria equipe de enfermagem e também demais profissionais de saúde, buscando assim facilitar a análise e comparação dos resultados por ela esperados, além de viabilizar a identificação de sua área de conhecimento. Dentre as terminologias e sistemas de classificação, a CIPE® (Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem) se apresenta como uma opção bastante viável, apresentando vantagens lingüísticas, cognitivas e tecnológicas visíveis. A CIPE® é um sistema de classificação que objetiva a unificação do vocabulário próprio da enfermagem, uma ferramenta de valorização do processo de enfermagem. Em formato impresso e digital para computadores de mão, pode fornecer aos enfermeiros uma linguagem compartilhada para comunicação e análise da prática e dos avanços globais dos resultados do cuidado em enfermagem.(5) A utilização de linguagem padronizada no desenvolvimento de sistemas de cuidado representa para os enfermeiros um importante avanço e necessidade, fortalecendo a construção de recursos que apóiam a prática e fortalecem a área de conhecimento.(6) Neste contexto também se encontra a área de assistência a mulher no período puerperal. EnferActa Paul Enferm. 2013; 26(2):108-15. 109 Protótipo de sistema de documentação em enfermagem no puerpério meiras obstetras demonstram conhecimento sobre o processo de enfermagem, mas apontam fatores que dificultam e que impossibilitam sua utilização, como a falta de tempo, o quantitativo de pacientes internadas e a rotatividade do serviço.(7) Isto impede que enfermeiras capacitadas exerçam com eficiência o cuidar do binômio mãe-filho no período puerperal, conduzindo-os a atividades repetitivas, baseadas em rotinas institucionais e distantes das necessidades individuais das puérperas. Assim se justificou a execução deste estudo que tem o objetivo de desenvolver um protótipo de sistema de documentação em enfermagem no puerpério. Métodos Trata-se de uma pesquisa aplicada de produção tecnológica. Foi utilizado o Modelo sete eixos da CIPE® (7) na sua versão 1.0 para a representação do processo de enfermagem nos seus aspectos estruturais para execução da coleta de dados, de estabelecimento dos diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem. Para o planejamento do software foi utilizado um modelo baseado em orientação a objetos que engloba: a) Compreensão e definição do contexto e dos modos de utilização do sistema; b) Projeto de arquitetura do sistema; c) Identificação dos principais objetos do sistema; d) Desenvolvimento dos modelos do projeto; e) Especificação das interfaces dos objetos.(8) Foi utilizada a linguagem de programação php (hypertext preprocessor) visando gerar o conteúdo de modo dinâmico na web (world wide web). A escolha dessa linguagem foi devido a ser uma linguagem de programação orientada a objetos, apresentar portabilidade (independência de sistema operacional), segurança, possibilitando trabalhar programas via rede com restrição de execução, e ainda, por apresentar facilidades de internacionalização, suportando nativamente caracteres unicode. Para o desenvolvimento do banco de dados do sistema foi utilizada a linguagem SQL (Structured Query Language). Como sistema gerenciador 110 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):108-15. de banco de dados foi utilizado o MySQL (http:// www.mysql.com/) na versão 5.0.51. A escolha se deveu ao fato da linguagem ser livre, de fácil manuseio, suportar qualquer plataforma e ser pouco exigente quanto a recursos de hardware. A plataforma utilizada foi Linux Red Hat AS 5 e PHP 5.3. Para dar suporte ao desenvolvimento do protótipo do sistema optou-se em trabalhar com casos de uso, considerando que sua utilização facilitaria e orientaria a fase de programação e revisão. Os requisitos do sistema consistiram em características que permitissem: (a) o uso da CIPE® como código de apoio cadastrado para a execução do processo de enfermagem; (b) a busca de paciente por meio de dados pessoais; (c) a entrada de pacientes por meio da função “admitir” com o uso de formulário de dados de identificação ou informações complementares; (d) a entrada de dados referentes à primeira fase do processo de enfermagem (coleta de dados) em forma de dados do exame físico, dados da entrevista ou ainda dados complementares; (e) a inserção dos dados da coleta por meio de menus ao invés de escrita; (f ) a entrada de texto de forma livre no módulo de coleta de dados; (g) a finalização automáticas das frases à medida que o usuário digitar, baseando-se nas últimas frases escritas com as mesmas palavras iniciais; (h) o uso de dados como forma de registro impresso, permitindo o acréscimo de funções futuras; (i) a apresentação dos eixos da CIPE® em ordem de uso, facilitando o acesso do usuário; (j) possibilidade (sem obrigatoriedade) de criação automática de texto de evolução do paciente a partir da coleta de dados inseridos anteriormente pelo usuário; (l) a geração de relatórios pelo administrador sobre a prática de uso dos processos de enfermagem, com base em dados estatísticos. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Os casos de uso do sistema possuem relação direta com os requisitos previamente definidos, resultando em ações que estão disponíveis para os usuários (en- Veríssimo RCSS, Marin HF fermeiro usuário e administrador). Dentre as ações disponíveis para o enfermeiro usuário estão: efetuar login, alterar senha, gerar relatórios, sair do sistema. Possui ainda ações referentes a outros três tipos de funções tais como gerenciamento de internações, gerenciamento de paciente e o processo de enfermagem. As ações relativas às funções de gerenciamento de usuários e gerenciamento de leitos estão disponíveis para o usuário administrador (Figura 1). Dentre as funções, também fornece possibilidade de comunicação entre usuários por meio de espaço para avisos que o administrador pode cadastrar para acesso de todos os usuários e difusão de informações importantes sobre algum paciente específico, sobre o próprio sistema ou sobre a instituição, permitindo assim a comunicação entre os usuários. As funções do sistema se apresentam ao usuário na tela principal por meio de um menu superior com oito opções, a saber: pacientes cadastrados, pacientes internados, leitos, usuários, processo de enfermagem, relatórios, alterar senha e sair. Pode-se ter acesso aos processos de enfermagem ordenados de forma decrescente por ordem de internação, desde a internação atual até a primeira. Efetuar login Gerar relatórios Sair do sistema Alterar senha Isto facilita a consulta das ações de enfermagem que foram executadas em outros momentos e as ações que estão sendo executadas na internação atual. Estes registros de processos de enfermagem podem ser feitos diariamente ou quantas vezes forem necessários. Dado que as atividades de enfermagem ocorrem em uma dinâmica baseada nas necessidades estabelecidas e que estas se renovam a cada mudança de estado de saúde, o sistema prevê a necessidade de um número indefinido de processos a serem realizados por dia, por cada paciente. A primeira fase do processo de enfermagem, conhecida como coleta de dados ou histórico de enfermagem, subdivide-se em duas etapas: a anamnese e o exame físico. A anamnese, que geralmente terá freqüência de preenchimento diária, consta dos itens: estado geral, dor, sono, alimentação, eliminação urinária, eliminação intestinal, náuseas, vômitos, mamas, abdome, sutura/incisão cirúrgico, sangramento, amamentação, deambulação e cuidados com o recém-nascido. No exame físico, a tela apresenta um menu com oito seqüências de preenchimento contemplando o exame físico básico de uma puérpera. O usuário não Gerenciamento de pacientes Processo de Enfermagem Cadastrar paciente Cadastrar anamnese Procurar pacientes Cadastrar exame físico Visualizar dados pessoais Cadastrar evolução Listar pacientes internados Cadastrar diagnósticos intervenções Usuário comum (Ex.: Enfermeiro) Gerenciamento de internações Procurar evolução Cadastrar internação Visualizar processos de enfermagem Procurar internações Imprimir evolução Visualizar história inicial Administrador Finalizar internação (alta) Cadastrar história inicial Gerenciar leitos Gerenciamento de usuários Cadastrar leito Cadastrar usuário Procurar leito Procurar usuários Figura 1. Diagrama dos casos de uso do sistema Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):108-15. 111 Protótipo de sistema de documentação em enfermagem no puerpério é obrigado a preencher nenhum dos itens, podendo passar de um item a outro, quando desejar. Os itens do menu são: observações gerais, peso/altura, sinais vitais, cabeça e pescoço, tórax, abdome, períneo e extremidades. Ao final do preenchimento do instrumento, em cada um dos menus escolhidos, existe a opção salvar para o registro no banco de dados das informações fornecidas, referentes ao exame físico. Os itens que se seguem no formulário das opções do menu apresentam-se, em sua grande maioria, alternativas pré-determinadas para evitar ao máximo que o usuário necessite escrever as informações da coleta de dados. Isto impede que erros de registro ocorram, além de dar rapidez ao processo de documentação destes dados. O registro do exame físico, semelhante ao que ocorre na anamnese, é de forma única para cada processo, sendo que os registros podem ocorrer diversas vezes durante o mesmo dia, a depender da necessidade da puérpera. É esperado que ocorra pelo menos uma vez ao dia, apesar de não ser uma ação obrigatória dentro do sistema. Os primeiros formulários são: observações gerais, medidas antropométricas e sinais vitais. Os próximos formulários seguem a seqüência céfalo-caudal do exame físico clássico, entretanto é dada ênfase a avaliação da puérpera no pós-parto imediato e mediato. Os diagnósticos de enfermagem são formulados baseados no modelo sete eixos da CIPE® versão 1.0, sendo necessária a inclusão obrigatória de pelo menos dois eixos: foco e julgamento; os demais são complementares e não obrigatórios. O sistema oferece todas as palavras contidas na CIPE® para composição das frases bastando digitar apenas três letras. O usuário terá diante de si todas as palavras cadastradas na CIPE® naquele eixo, iniciado por aquele arranjo de letras, e então poderá escolher a palavra que desejar. Associado a cada palavra cadastrada aparece o seu código CIPE® referenciado. O sistema apresenta as opções de eixos na ordem que normalmente é utilizada na prática dos enfermeiros. Mesmo que o enfermeiro usuário decida, por exemplo, que o eixo paciente deve vir antes que o eixo foco, a seqüência se mantém e o usuário tem a opção de editar a ordem das pala- 112 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):108-15. vras na frase final, conseqüentemente alterando a ordem dos eixos na frase (Figura 2). Figura 2. Tela de Diagnósticos de Enfermagem em uso Caso o usuário tenha dúvida do significado daquela palavra dentro da classificação, poderá identificar por meio da função/botão DESCRIÇÃO o significado daquela palavra dentro da classificação. O sistema irá exibir a descrição exata que a classificação tem e seu código. Escolhida a palavra dentro do primeiro eixo, o usuário seguirá fazendo estas escolhas para cada eixo restante até formar o diagnóstico de enfermagem desejado (Figura 3). Figura 3. Tela de Diagnósticos de Enfermagem com descrições dos eixos Uma vez composto o diagnóstico de enfermagem, o sistema possibilita a edição de sua composição. É possível inserir artigos, preposições e outros, além de mudanças de gênero para o feminino por se tratar de registro de puérperas. Isto possibilita a melhor adequação e uso da CIPE® por se assemelhar ao que se é falado no cotidiano de enfermagem, sem Veríssimo RCSS, Marin HF alterar a classificação. Após a definição do diagnóstico é possível salvar a frase. Para cada diagnóstico definido, pode-se formular possibilidades de prescrições de enfermagem especificamente para aquele diagnóstico já definido. O planejamento, semelhante ao que ocorre com o diagnóstico de enfermagem, é formulado com o modelo sete eixos. Entretanto, não existe nenhum eixo obrigatório; apenas o eixo julgamento não pode ser utilizado. Normalmente existe a ocorrência do eixo ação e do eixo meio, sendo os demais eixos complementares. Também como o diagnóstico de enfermagem, o sistema oferece todas as palavras previamente os termos para composição, além da função DESCRIÇÃO (Figura 4). Figura 4. Tela de Formulação das Prescrições de Enfermagem Uma vez composta a prescrição de enfermagem o sistema possibilita a edição de sua composição. É possível inserir artigos e preposições, além de mudanças de gênero como ocorre com o diagnóstico de enfermagem. Após a definição da prescrição de enfermagem deve-se então salvar a frase. Isto gera uma lista de prescrições para o diagnóstico anteriormente definido. A qualquer momento antes de salvar a lista de prescrições de enfermagem é possível que o usuário exclua uma prescrição que já havia formulado. Entretanto, uma vez salva aquela prescrição, somente pode ser suspensa com uma nova prescrição, dentro de um novo processo de enfermagem (Figura 5). A evolução de enfermagem, uma importante forma de registro de enfermagem, é efetuada dentro do sistema por meio de dados anteriormente inse- Figura 5. Tela de Prescrições de Enfermagem com lista ridos durante a coleta de dados, seja no exame físico ou anamnese, de forma automática. Ao final de cada lista de intervenções prescritas pode-se gerar a impressão da mesma e passar para execução automática da evolução de enfermagem baseada nos dados colhidos durante o exame físico e a anamnese. O usuário, ao pressionar o ícone GERAR EVOLUÇÃO poderá dispor de um texto automático pré-defenido que seguirá o roteiro, a seqüência e as informações da coleta de dados. Entretanto, semelhante ao que ocorre com os diagnósticos e a prescrição de enfermagem, por meio de uma lista de intervenções, pode-se editar todo o texto da evolução, modificando frases de lugar, melhorando a concordância verbal e nominal, ajustando gênero e número, excluindo ou incluindo informações, entre outros. Isto preserva a autonomia profissional e garante que é o enfermeiro que irá dar a autorização final sobre o texto da evolução. No menu principal, é possível visualizar a função RELATÓRIOS. Nesta função existe a possibilidade de gerar, com os dados colhidos e armazenados, informações importantes para a tomada de decisão clínica e interferir na conduta previamente definida. Inicialmente esta função estará restrita a medida de freqüência de cada uma das variáveis do banco de dados e a correlação entre estas variáveis. Por exemplo: caso seja necessário avaliar a eficácia de um determinado tratamento prescrito pelo enfermeiro para um determinado diagnóstico de enfermagem, é possível avaliar a relação entre as variáveis “intervenção adotada” e “resultado obtido”, tomando como base um determinado diagnóstico de enfermagem, mantendo determinadas variáveis Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):108-15. 113 Protótipo de sistema de documentação em enfermagem no puerpério fixas para garantir que a amostra em que o sistema está trabalhando tem as mesmas características, evitando assim viés de seleção. A partir do uso freqüente do sistema e quando atingido determinada quantidade de processos de enfermagem significativos, por meio dos relatórios e de avaliações estatísticas, pode-se chegar a conclusão da validade de uma determinada conduta. Então, por meio da função RELATÓRIOS será possível investir em pesquisas futuras tendo em vista a tomada de decisão clínica baseada em evidências científicas. Discussão Este protótipo aqui apresentado se põe na perspectiva da melhoria da qualidade da assistência e na melhor atuação do enfermeiro, no que tange a execução do processo de enfermagem. Ficou evidente que alguns aspectos devem ser contemplados no desenvolvimento de um sistema de documentação, entre eles: entender a distinção entre o conteúdo e a forma (ou dado e apresentação); padronizar o conteúdo e o dado clínico, devido à diversidade de métodos usados para a apresentação; estabelecer o conteúdo em conjunção como processo de fluxo de trabalho pelo sistema; coletar e registrar dados; realizar a recuperação e a revisão de dados e informação; lidar com a comunicação entre e durante os plantões e departamentos.(9) A distinção da importância do conteúdo que foi utilizado perfazendo o caminho clássico do processo de enfermagem e a forma pela qual este conteúdo foi apresentado resultou um sistema claro e objetivo. A utilização de linguagem padronizada por meio da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem – CIPE® garante uma padronização do dado clínico. A aplicação criteriosa de classificação de enfermagem resulta em diagnósticos de enfermagem precisos. Assim, enfermeiros podem escolher intervenções de enfermagem mais eficazes que levam a um incremento significativo nos resultados aos pacientes.(10) Além disto, seguiu-se a seqüência que o processo de enfermagem didaticamente é utilizado, facilitando a manutenção da prática utilizada pelos en- 114 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):108-15. fermeiros em seu cotidiano, evitando que o sistema represente uma mudança no processo de trabalho destes profissionais. A presença de função que garanta a comunicação dos enfermeiros sobre o processo de enfermagem de cada puérpera que vem sendo utilizado ou intercorrências, ou ainda alguma particularidade do cuidado ao paciente ou sobre qualquer outra informação institucional, representa um diferencial do sistema, por garantir o destaque de passagem de informações de um plantão para outro, podendo inclusive fazê-la de forma prioritária. Sistema de documentação clínica computadorizado melhora a capacidade de gestão; a prestação de cuidados de saúde e de reembolso; limitando erros de entrada de dados e reduzindo custos.(11) Este sistema, além de garantir o registro dos dados, é capaz de recuperar informações de processos de enfermagem já realizados para servir de parâmetro para outros registros dos processos de enfermagem. Isto permite que o enfermeiro possa avaliar, de forma adequada, a evolução que o paciente está apresentando. Na área da enfermagem existem três grandes áreas relacionadas com os sistemas de informação em saúde que precisam ser atendidas no futuro imediato, para fornecer assistência no gerenciamento da informação para os enfermeiros. São elas: captura de dados na fonte; padrões de dados em enfermagem e sistemas de apoio à decisão.(9) O sistema proposto garante de imediato a utilização de padrões para os dados em enfermagem, já que se propôs a utilizar uma linguagem padronizada. Entretanto, não dispõe de um padrão de captura de dados junto ao leito, nem se caracteriza como um sistema de apoio a decisão. Porém, a escolha de uma linguagem de programação que pode ser utilizada em rede já apresentou, desde o início do processo de prototipação, a possibilidade futura de adequação do sistema a trabalho em dispositivos móveis junto ao paciente. Além disto, o sistema com algum tempo de uso poderá, por meio de seus relatórios, servir como fonte de pesquisa para a avaliação de eficácia de intervenção de enfermagem à puérpera, gerando a possibilidade futura de adequação a um módulo do sistema de apoio a decisão clínica para a assistência de enfermagem no puerpério. Veríssimo RCSS, Marin HF A utilização da CIPE® neste sistema pode promover a criação e utilização de uma infinidade de diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem à puérpera podendo representar futuramente a superação de dificuldades encontradas por enfermeiros obstetras na execução do processo de enfermagem. Entende-se que a classificação utilizada (CIPE® 1.0) mostrou ser uma terminologia que promove a organização, o controle e a visualização lógica do raciocínio clínico no processo de assistir o paciente com recursos informatizados, por permitir ao enfermeiro estabelecer a relação concreta dos diagnósticos e intervenções de enfermagem.(12) Conclusão O protótipo de sistema de documentação em enfermagem no puerpério proposto foi desenvolvido com sucesso, possibilitando registros de enfermagem em linguagem padronizada. Agradecimentos Drª Marin foi parcialmente financiada por NIH D43TW007015, BRIGHT e CNPq 301735/2009. Colaborações Veríssimo RCSS e Marin HF declaram que contribuíram substancialmente na concepção e desenvolvimento da pesquisa, redação, revisão do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Hannah KJ, Ball MJ, Edwards MJA. Introdução à Informática em Enfermagem. 3a ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 2. Marin HF, Rodrigues RJ, Delaney C, Nielsen GH, Yan J, editors. Desarrollo de Sistemas Normalizados de Información de Enfermería. Organización Panamericana de la Salud, Washington (DC); 2001. 160 p. 3. Santos SR, Nóbrega MM. A busca da integração teoria e prática no sistema de informação em enfermagem. Enfoque na teoria fundamentada nos dados. Rev Latinoam Enferm. 2004;12(3):460-8. 4. Marin HF. Azevedo CM. Avaliação da informação registrada em prontuários de pacientes internados em uma enfermaria obstétrica. Acta Paul Enferm. 2003;16(1):7-13. 5. International classification of nursing practice (ICNP). Disponível em: http://www.icn.ch/pillarsprograms/international-classification-fornursing-practice-icnpr/ 6. Reis EA. Marin HF. Necessidades e expectativas dos enfermeiros em relação aos sistemas informatizados [Internet]. [citado 2013 Abr 2]. Disponível em: http://www.sbis.org.br/cbis9/arquivos/273.doc 7. Freitas MC, Queiroz TA, Souza JA. O processo de enfermagem sob a ótica das enfermeiras de uma maternidade. Rev Bras Enferm. 2007;60(2):207-12. 8. Sommerville I. Engenharia de software. 6a ed. São Paulo: Pearson Addison Wesley; 2003. 9. Hannah KJ, Ball MJ, Edwards MJ. Aspectos de Enfermagem nos Sistemas de Informação em Saúde. In: Hannah KJ, Ball MJ, Edwards MJA. Introdução à Informática em Enfermagem. 3a ed. Porto Alegre: Artmed; 2009. p.101-19. 10.Müller-Staub M. Studies about use and application of nursing classifications. Pflege Z. 2009;62(6):354-9. 11. Menke JA, Broner CW, Campbell DY, McKissick MY, Edwards-Beckett JA. Computerized clinical documentation system in the pediatric intensive care unit. BMC Med Inform Decis Making. 2001;1(1):3. 12.Antunes CR, Dal Sasso GT. Processo de enfermagem informatizado ao paciente politraumatizado de terapia intensiva via web [Internet]. [citado 2013 Abr 2]. Disponível em: http://www.sbis.org.br/cbis/ arquivos/1039.pdf. Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):108-15. 115 Artigo Original Carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica Nursing workload in the post-anesthesia care unit Luciana Bjorklund de Lima1 Eneida Rejane Rabelo1 Descritores Recursos humanos de enfermagem; Cuidados de enfermagem; Enfermagem perioperatória; Carga de trabalho; Índice de gravidade de doença Keywords Nursing staff; Nursing care; Perioperative nursing; Workload; Severity of illness index Submetido 17 de Outubro de 2011 Aceito 21 de Fevereiro de 2013 Autor correspondente Eneida Rejane Rabelo Rua São Manoel, 963, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90620-110 [email protected] 116 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):116-22. Resumo Objetivos: Avaliar a carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica e relacionar com o índice de gravidade cirúrgico, tempo de permanência, porte cirúrgico e idade. Métodos: Estudo transversal conduzido em hospital universitário. A carga de trabalho foi avaliada pelo Nursing Activities Score e o índice de gravidade pelo Simplified Acute Physiology Score II aplicados na alta da unidade de recuperação. Resultados: Foram incluídos 160 pacientes, idade média 57±15 anos. A carga de trabalho para 50% dos pacientes foi de 45,6 minutos a cada hora de permanência na unidade. Não houve relação entre carga de trabalho e índice de gravidade. Contudo, houve correlações positivas entre carga de trabalho, tempo de permanência e porte cirúrgico. O índice de gravidade apresentou correlação com a idade. Conclusão: A carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica sofre influência do tempo de permanência e do porte cirúrgico. Abstract Objectives: To assess nursing workload in the post-anesthesia care unit and its potential correlations with a surgical severity index, length of stay, magnitude of surgery, and patient age. Methods: Cross-sectional study conducted at a university hospital. Workload was assessed by the Nursing Activities Score, and severity of illness, by the Simplified Acute Physiology Score II. Both were assessed at the time of discharge from the unit. Results: The study sample comprised 160 patients (mean age, 57 ± 15 years). The median nursing workload was 45.6 minutes per hour, i.e. 50% of patients required 45.6 minutes of nursing care per hour spent in the post-anesthesia care unit. There was no association between workload and severity index. However, there were positive correlations among workload, length of stay, and magnitude of surgery. The severity of illness was correlated with age. Conclusion: Nursing workload in the post-anesthesia care unit is influenced by length of stay and magnitude of surgery. Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflito de interesse a declarar. 1 Lima LB, Rabelo ER Introdução A unidade de recuperação pós-anestésica tem por finalidade a assistência pós-operatória imediata para pacientes que receberam anestesia geral e/ou locorregional. Nesse período, a assistência de enfermagem está voltada para a observação da evolução da consciência do paciente, do retorno de seus reflexos protetores e da estabilidade dos sinais vitais. Ressalta-se que essa é uma unidade dentro do ambiente hospitalar com características e rotinas peculiares, atendendo pacientes, muitas vezes, com perfil de assistência de alta complexidade.(1) O perfil dos pacientes em unidade de recuperação pós-anestésica indica o grau de vigilância que deve ser implementado visando prevenir ou minimizar a ocorrência de complicações. Em estudo que buscou identificar as complicações prevalentes de uma unidade de recuperação pós-anestésica, relacionando-as com as intervenções de enfermagem realizadas e com a presença dos enfermeiros na unidade, demonstrou-se que dor e hipotermia estavam entre as complicações mais frequentes. Em relação à dor, as intervenções de enfermagem que apresentaram relação foram rotinas (monitorização cardíaca e dos sinais vitais, manutenção da segurança, observação e avaliação do estado físico e emocional), oxigenioterapia, medicação e curativo. Dor, náuseas e vômitos, agitação/ansiedade e sangramento foram complicações relacionadas à detecção imediata quando presente o enfermeiro na unidade. Os resultados desse estudo reforçam a importância da atuação da equipe na prevenção e tratamento das complicações pós-operatórias, bem como as características das atividades de enfermagem realizadas.(1) A ocorrência de complicações pode ser relacionada com variáveis clínicas, com a complexidade da cirurgia ou com o tempo do procedimento,(1-3) aspectos estes que podem levar ao aumento da carga de trabalho da equipe de enfermagem. Estudos confirmam que a carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica aumenta quando estão internados pacientes mais graves e quando é maior o número de eventos adversos associados.(2,3) Apesar do conhecimento quanto às necessidades de assistência pós-operatória aos pacientes, o co- nhecimento quanto ao tempo dispendido nessa assistência permanece pouco explorado na literatura. No contexto nacional, a relação da carga de trabalho da equipe de enfermagem adequada às necessidades da assistência aos pacientes em unidade de recuperação pós-anestésica ainda é incipiente. É nesse cenário que se torna relevante a apropriação desse conhecimento pelos enfermeiros, a fim de planejar a assistência e dimensionar o pessoal de enfermagem e utilizar recursos tecnológicos, buscando prestar uma assistência pós-operatória segura e pró-ativa. Foi nessa perspectiva que este estudo buscou avaliar a carga de trabalho de enfermagem em uma unidade de recuperação pós-anestésica, relacionando-a ao índice de gravidade cirúrgico, variáveis de tempo de permanência, porte cirúrgico e idade. Métodos Estudo transversal desenvolvido na unidade de recuperação pós-anestésica de um hospital público universitário na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no período de julho de 2008 a setembro de 2009. Para o cálculo amostral, considerou-se um nível de significância de 0,05 com poder estatístico de 95% e alfa de 5%. Os parâmetros utilizados para realizar o cálculo do tamanho da amostra foram baseados em estudos que aplicaram o Nursing Activities Score (NAS) em unidade de terapia intensiva,(4-6) cujos resultados subsidiaram o cálculo amostral de 160 pacientes nesta pesquisa. A amostra constituiu-se de pacientes adultos com idade ≥18 anos submetidos a procedimentos anestésico-cirúrgicos eletivos. Excluíram-se os pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos sob regime ambulatorial, sob anestesia local e/ou sedação e tempo de permanência igual ou menor que uma hora de recuperação anestésica. A amostragem aleatória simples foi utilizada por meio da escala cirúrgica. De posse da escala, realizou-se a leitura dos procedimentos cirúrgicos e idades dos pacientes, sendo aplicados os critérios de inclusão e exclusão. Após essa etapa, realizou-se sorteio dos pacientes por meio do número do prontuário ou iniciais do nome, quando na ausência dessa informação. A coActa Paul Enferm. 2013; 26(2):116-22. 117 Carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica leta de dados ocorreu de segunda a sexta-feira, em dias alternados. O instrumento usado para avaliar a carga de trabalho de enfermagem por paciente foi o NAS,(7) traduzido e validado para a língua portuguesa.(6) O instrumento é composto de um conjunto de 23 atividades com pontuação pré-estabelecida, e a pontuação final representa o percentual de tempo despendido em 24 horas na assistência de enfermagem por paciente. A pontuação total do NAS varia de zero a 100% ou mais, em que cada ponto representa 14,4 minutos. Quando a pontuação NAS atinge um valor de 100%, significa ser necessária a dedicação de um profissional por turno para a assistência. (5,7) Para a aplicação desse instrumento na unidade de estudo, desenvolveu-se um tutorial para estabelecer critérios de pontuação das atividades realizadas na unidade de recuperação pós-anestésica.(5,8,9) O Simplified Acute Physiology Score II (SAPS II) foi o instrumento utilizado para avaliar a gravidade cirúrgica; esse índice tem por base variáveis fisiológicas para apontar a probabilidade de morte hospitalar. O SAPS II pontua 34 variáveis fisiológicas sem considerar o diagnóstico primário, sendo amplamente utilizado em pesquisas para mensurar o risco de mortalidade de pacientes em unidade de terapia intensiva.(9) Para caracterizar a amostra, coletaram-se dados referentes à idade, gênero, Classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA), tipo de anestesia, especialidade cirúrgica, porte cirúrgico, tempo de permanência e destino do paciente após a alta da unidade de recuperação pós-anestésica. A aplicação dos dados clínicos e demográficos foi realizada pela pesquisadora e por uma bolsista de enfermagem treinada e qualificada. O instrumento de carga de trabalho de enfermagem e o índice de gravidade foram aplicados apenas pela pesquisadora principal. Inicialmente, foi preenchido o instrumento com informações referentes à identificação e caracterização da amostra. Obteve-se a informação da Classificação ASA por meio da ficha anestésica preenchida pelo anestesiologista. A coleta de dados para o preenchimento do instrumento de carga de trabalho de enfermagem e do índice de 118 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):116-22. gravidade ocorreu na alta do paciente da unidade em estudo. Realizou-se a coleta dos dados pela leitura de exames laboratoriais em prontuário eletrônico, pelos registros gerados na assistência de enfermagem no pós-operatório imediato e pela observação direta do paciente no momento da aplicação dos instrumentos. As análises foram realizadas utilizando o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences® versão 17.0. As variáveis categóricas foram expressas com percentual ou valor absoluto; as contínuas, como média ±, desvio-padrão ou mediana e percentis 25% e 75%. O coeficiente de Pearson foi usado para correlacionar NAS com o índice de gravidade SAPS II, idade, porte cirúrgico e tempo de permanência na unidade de recuperação pós-anestésica. Um P < 0,05 foi considerado significativo. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Foram incluídos 160 pacientes, média de idade de 57±15 anos aproximadamente, 81 (50,6%) do gênero feminino, 79 (49,4%) do gênero masculino; 103 (64,4%) foram classificados como ASA 2. O tipo de anestesia mais realizado foi geral (97 60,6%). A especialidade cirúrgica de maior prevalência foi a urologia, seguida das especialidades de cirurgia geral, aparelho digestivo e torácica. A média da pontuação SAPS II foi de 14,3±7,7, e o porte cirúrgico de maior prevalência foi o porte 2. A mediana do tempo de permanência na URPA foi de 4,83 (3,43 – 6,72) horas, e 99,4% dos pacientes foram encaminhados às unidades de internação. Os dados da tabela 1 ilustram os resultados. A carga de trabalho de enfermagem por paciente na unidade foi realizada por meio do cálculo proporcional, de acordo com o tempo de permanência na unidade de recuperação pós-anestésica. Esta foi de 76,2 (70,47 – 84,6) pontos, representando proporcionalmente uma mediana de 3,68 horas de assistência de enfermagem para atender até 50% da amostra. Não Lima LB, Rabelo ER Tabela 1. Características clínicas e demográficas Características n(%) Gênero Feminino 81(50,6) Masculino 79(49,4) Classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA)† ASA 1 20(12,5) ASA 2 103(64,4) ASA 3 36(22,5) Sem classificação 1(0,6) Tipo de anestesia Anestesia geral 97(60,6) Anestesia regional (bloqueio peridural e/ou bloqueio subaracnóideo) 26(16,3) Anestesia geral e regional (bloqueio peridural e/ou bloqueio subaracnóideo) 37(23,1) Especialidade cirúrgica Urologia 26(16,2) Cirurgia geral 23(14,4) Cirurgia do aparelho digestivo 21(13,1) Cirurgia torácica 16(10) Ortopedia e traumatologia 14(8,8) Otorrinolaringologia 14(8,8) Ginecologia/Obstetrícia 13(8,0) Colo-proctologia 11(6,9) Mastologia 8(5) Cirurgia vascular 7(4,4) Neurocirurgia 4(2,5) Cirurgia plástica 3(1,9) Porte cirúrgico Porte 1 33(20,6) Porte 2 85(53,1) Porte 3 35(21,9) Porte 4 7(4,4) Destino do paciente, após alta da URPA Unidade de internação Unidade de tratamento intensivo 159(99,4) 1(0,6) Legenda: n=160; Idade (anos) 57±15; Média e desvio-padrão; †Não houve pacientes com classificação ASA 4, 5 e 6; ‡Mediana e percentil 25 e 75; Pontuação Simplified Acute Physiology Score II (SAPS II) 14,3±7,7; Índice de gravidade SAPS II‡ 1,7% (0,6% – 3,7%); Tempo de permanência na URPA (em horas)‡ 4,83(3,43 – 6,72) houve relação entre a carga de trabalho por paciente com o índice de gravidade. Os dados da tabela 2 apresentam os resultados da correlação das variáveis – idade, tempo de permanência na unidade de recuperação pós-anestésica e porte cirúrgico – com a carga de trabalho de enfermagem e o índice de gravidade. Observa-se que a carga de trabalho de enfermagem apresentou uma correlação forte com o tempo de permanência, enquanto o índice de gravidade também mostrou correlação forte com a idade. Para o porte cirúrgico, observou-se correlação moderada com a carga de trabalho de enfermagem. Tabela 2. Correlação entre variáveis do estudo e instrumentos selecionados NAS Variáveis Índice de gravidade SAPS II R* p-value R* p-value Idade 0,133 0,094 0,508 <0,001 Tempo de permanência 0,797 <0,001 0,165 0,037 Porte cirúrgico 0,419 <0,001 -0,019 0,814 Legenda: Coeficiente de correlação de Pearson Discussão Este estudo buscou avaliar a carga de trabalho de enfermagem em uma unidade de recuperação pós-anestésica, relacionada ao índice de gravidade, variáveis de tempo de permanência, porte cirúrgico e idade. Nesta pesquisa, o índice de gravidade é menor em comparação com outros estudos. Resultados de um estudo com pacientes em pós­-operatório de cirurgia cardíaca, que avaliou carga de trabalho de enfermagem e gravidade, demonstraram SAPS II de 26±11 pontos, com um índice de gravidade de 10,65%.(5) Em uma unidade de recuperação pós -anestésica de um hospital na Grécia, o índice de gravidade medido pelo SAPS II foi de 29,7%±18,8. (2) Em ambos os estudos, houve relação estatisticamente significativa entre maior gravidade e maior carga de trabalho de enfermagem.(2,5) No presente estudo, não se observou correlação entre a carga de trabalho de enfermagem medida pelo NAS e o índice de gravidade SAPS II. Estes achados estão coerentes com os dados coletados, em Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):116-22. 119 Carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica que os pacientes mantiveram-se predominantemente estáveis clinicamente e foram transferidos para unidades de internação. Infere-se que esses resultados refletem a especificidade da unidade de recuperação pós-anestesica, unidade de transição entre o despertar anestésico e a recuperação dos parâmetros vitais do paciente, visando sua transferência à unidade de internação ou à alta hospitalar. Embora quase 100% da amostra de pacientes tenha sido encaminhada para as unidades de internação, observou-se que o tempo de permanência foi elevado. A necessidade de manejo clínico para eventos adversos do pós-operatório (como náuseas, vômitos, dor) e também de situações como a espera de reavaliação da equipe cirúrgica para a alta da unidade podem ter contribuído para esses resultados. Todas as atividades de manejo dos eventos adversos repercutem na carga de trabalho de enfermagem, uma vez que as intervenções realizadas necessitam ser reavaliadas para sua efetividade.(1,10) No presente estudo, não encontramos relação significativa entre carga de trabalho e idade dos pacientes. Resultados semelhantes também foram demonstrados por outros autores.(11,12) No entanto, os resultados indicaram uma forte correlação entre a idade e o índice de gravidade. Estudo realizado em unidade de terapia intensiva de um hospital filantrópico no Paraná avaliou a gravidade de pacientes por meio do APACHE II. Os resultados indicaram que pacientes com idade acima de 60 anos apresentam maior probabilidade de comorbidades associadas.(13) Um estudo conduzido em unidade de terapia intensiva de um hospital universitário em São Paulo avaliou a carga de trabalho de enfermagem por meio do NAS, associado ao SAPS II, entre pacientes idosos e não idosos. As autoras observaram que a carga de trabalho de enfermagem não se diferenciou entre idosos de diferentes faixas etárias, porém o grupo de pacientes com 80 anos ou mais apresentou maior índice de gravidade (66,7%). Pode-se concluir que esses pacientes apresentaram maior instabilidade clínica, visto que a maioria foi internada na unidade de terapia intensiva por motivos respiratórios.(14) Além disso, ressalta-se que a necessidade de manejo clínico intensivo ou semi-intensivo para restaurar a estabilidade dos pacientes implica maior 120 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):116-22. número de atividades de enfermagem(1) e, consequentemente, maior carga de trabalho despendida. Reforçamos que pacientes de mais idade em período pós-operatório imediato apresentam necessidade de maior vigilância quanto aos sinais vitais, sobretudo em relação aos parâmetros ventilatórios, manejo intensivo para o tratamento da dor e maior dependência para mobilização no leito e suporte emocional. A presente investigação aponta que houve correlação forte entre pacientes que demandaram mais horas de assistência de enfermagem e maior tempo de permanência na unidade. Resultados de um estudo que avaliou a evolução diária da carga de trabalho de enfermagem por meio do NAS em uma unidade de terapia intensiva de um hospital universitário em São Paulo refere que pacientes com maior tempo de permanência demandam maior carga de trabalho.(11) Um estudo nacional avaliou o grau de dependência dos cuidados de enfermagem associado à gravidade dos pacientes em uma unidade de recuperação pós-anestésica de um hospital geral e universitário. Os resultados apresentaram prevalência de pacientes classificados em cuidados intermediários e semi-intensivos. A mediana do tempo de permanência foi de 4,08 (3 – 4,91) horas para pacientes com grau de dependência mínimo, 4,26 (3,19 – 6) horas para intermediário, 5,50 (4,10 – 12,58) horas para semi-intensivo e 16,91 (8,58 – 18,79) horas para intensivo.(15) Os resultados corroboram os achados do presente estudo, pois mesmo transcorrendo o período crítico da primeira hora de recuperação anestésica, os pacientes continuam com necessidades de vigilância e realização de procedimentos.(1) A partir da recuperação dos reflexos e do nível de consciência, os pacientes apresentam necessidade de manejo verbal para estabelecer uma relação terapêutica com o profissional. Esse contato objetiva dar suporte emocional aos pacientes, assim como manejo medicamentoso e não medicamentoso da dor aguda, atendimento das necessidades fisiológicas (alimentação e eliminações) e mobilização em razão das restrições cirúrgicas. A correlação moderada entre o porte cirúrgico e a carga de trabalho de enfermagem no presente estudo indica que os pacientes submetidos a procedimentos anestésicos e cirúrgicos com tempos pro- Lima LB, Rabelo ER longados demandam uma maior carga de trabalho de enfermagem no pós-operatório imediato. A classificação das cirurgias conforme o porte cirúrgico é definida como o período de utilização da sala de operação.(16) O porte cirúrgico 1 está entre zero a 2h; o porte 2, entre 2h01min a 4h; o porte 3, entre 4h01min a 6h; e o porte 4, acima de 6h01min.(16) Um estudo conduzido em um hospital norte-americano avaliou os fatores dependentes para o tempo de permanência em recuperação pós-anestésica analisando os tempos de cirurgia e de anestesia. De 340 pacientes avaliados, 35% apresentaram tempo de cirurgia maior que duas horas. Para o tempo de anestesia, 38% apresentaram tempo maior que três horas. O tempo anestésico apresentou estatística significativa quando correlacionado com o tempo de atraso para transferência do paciente da unidade de recuperação pós-anestésica, repercutindo no aumento do tempo de permanência na unidade e na carga de trabalho de enfermagem.(17) Os tempos cirúrgico e anestésico prolongados favorecem a hipotermia, a dor ou lesões de pele relacionadas ao posicionamento cirúrgico e maior risco para a instabilidade hemodinâmica e ventilatória, associado à maior quantidade de anestésico recebido.(1) Ao identificar essas instabilidades, a equipe de enfermagem mobiliza-se para minimizar as complicações. Uma atividade que requer tempo significativo da equipe é a inspeção da pele em busca de áreas de hiperemia, queimadura e com perda da sensibilidade relacionada a alguma complicação cirúrgica ou anestésica. Associada a essa atividade, toda a monitorização dos parâmetros vitais deve ser rigorosamente vigiada, pois eventos como hipotermia e dor trazem ao organismo alterações fisiológicas importantes, tendo potencial para desencadear hipoventilação e sobrecarga cardíaca.(1,18) Além disso, os registros da realização dessas atividades requer disciplina e responsabilidade, visto que permitem o acompanhamento da evolução pós-operatória do paciente. Os dados referentes à carga de trabalho possibilitam planejar o dimensionamento de pessoal de enfermagem para esse tipo de unidade especializada. A unidade de recuperação pós-anestésica tem características específicas quando comparada a outras unidades. Os processos de trabalho se diferenciam, principalmente quando comparados aos da unidade de terapia intensiva, em razão da alta rotatividade e da necessidade de agilidade nas tomadas de decisões para atendimento das complicações pós-operatórias.(1,18) O presente estudo realizou cálculo proporcional do instrumento de carga de trabalho de acordo com o tempo de permanência na unidade em estudo. Esse cálculo pode apresentar diferenças da média do NAS aplicado no período de 24 horas, mas os achados representam um tempo significativo da enfermagem. Apesar das diferenças entre recuperação anestésica e terapia intensiva, o presente estudo indicou por meio da pontuação do instrumento de carga de trabalho de enfermagem que, a cada hora de permanência na unidade, 50% dos pacientes despendem 45,6 minutos de assistência de enfermagem. Para um período de permanência entre três a seis horas, o paciente despende 2,28 a 4,56 horas respectivamente, sendo essa uma informação significativa para o gerenciamento da assistência de enfermagem na unidade. Esses resultados, somados às demais informações – como grau de dependência dos pacientes, o cálculo do índice de segurança técnica e o tempo produtivo da equipe de enfermagem –, permitem calcular o quantitativo de pessoal de enfermagem para essa área. Os resultados do estudo possibilitaram inferir que a carga de trabalho de enfermagem por paciente em unidade de recuperação pós-anestésica sofre influência do tempo de permanência e do porte cirúrgico. O conhecimento desses fatores pela equipe de enfermagem pode direcionar os recursos humanos e tecnológicos para o atendimento desses pacientes. Conclusão A carga de trabalho de enfermagem na unidade de recuperação pós-anestésica para 50% dos pacientes é de 45,6 minutos a cada hora de permanência na unidade. A carga de trabalho de enfermagem não se relacionou com o índice de gravidade cirúrgico. No Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):116-22. 121 Carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica entanto, houve uma forte correlação entre maior carga de trabalho de enfermagem com o tempo de permanência na unidade de recuperação pós-anestésica, e correlação moderada entre maior carga de trabalho de enfermagem e porte cirúrgico. O índice de gravidade apresentou moderada correlação com a idade. A carga de trabalho de enfermagem em unidade de recuperação pós-anestésica sofre influência do tempo de permanência e do porte cirúrgico. Agradecimentos Ao Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. Colaborações Lima LB e Rabelo ER declaram que contribuíram com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Popov DC, Peniche AC. Nurse interventions and the complications in the post-anesthesia recovery room. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(4):946-54. 2. Kiekkas P, Poulopoulou M, Papahatzi A, Androutsopoulou C, Maliouki M, Prinou A. Workload of postanaesthesia care unit nurses and intensive care overflow. Br J Nurs. 2005;14(8):434-8. 3. Cohen MM, O’Brien-Pallas LL, Copplestone C, Wall R, Porter J, Rose DK. Nursing workload associated with adverse events in the postanesthesia care unit. Anesthesiology. 1999;91(6):1882-90. 4. Conishi RM, Gaidzinski RR. Evaluation of the Nursing Activities Score (NAS) as a nursing workload measurement tool in an adult ICU. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(3):346-54. 5. Dias MC. Aplicação do Nursing Activities Score – N. A. S. – como instrumento de medida de carga de trabalho em enfermagem em 122 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):116-22. UTI cirúrgica cardiológica [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2006 [citado 2013 Feb 20]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7131/ tde-17102006-131800/pt-br.php>. 6. Queijo AF, Padilha KG. Nursing Activities Score (NAS): cross-cultural adaptation and validation to portuguese language. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(Esp):1018-25. 7. Miranda DR, Nap R, de Rijk A, Schaufeli W, Iapichino G; TISS Working Group. Therapeutic Intervention Scoring System. Nursing activities score. Crit Care Med. 2003;31(2):374-82. 8.Nursing Activities Scores: instructions for use. Crit Care Med [Internet] [cited 2009 Dec 28]. Available from: http:// download.lww.com/wolterskluwer_vitalstream_com/PermaLink/ CCM/A/00003246-920030200-00001.pdf 9. Bochembuzio L. Avaliação do instrumento Nursing Activities Score (NAS) em neonatologia [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2007. [citado 2013 Mar 5]. 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Artigo Original Validação Concorrente de Escores de Enfermagem (NEMS e TISS-28) em terapia intensiva pediátrica Concurrent Validation of Nursing Scores (NEMS and TISS-28) in pediatric intensive care Simone Travi Canabarro1 Kelly Dayane Stochero Velozo2 Olga Rosária Eidt2 Jefferson Pedro Piva2 Pedro Celiny Ramos Garcia2 Descritores Unidades de terapia intensiva; Enfermagem; Enfermagem pediátrica; Indicadores; Enfermagem prática Keywords Intensive care units; Nursing; Pediatric nursing; Indicators; Practical nursing Submetido 26 de Dezembro de 2011 Aceito 27 de Março de 2013 Resumo Objetivo: Examinar a validade concorrente do escore Nine Equivalents of Nursing Manpower Use Score (NEMS) em comparação ao Therapeutic Intervention Scoring System-28 (TISS-28) em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). Métodos: Estudo de coorte prospectivo observacional, realizado na UTIP de um hospital universitário brasileiro, no período de dois anos, com uma amostra de 816 pacientes. Foram realizadas 7.702 observações de cada um dos escores. Resultados: A média da pontuação máxima do NEMS foi 26,6±9,2 e do TISS-28 21,3±8,2. Em todas as médias, o TISS-28 foi inferior ao NEMS (p<0,001). Houve uma boa correlação entre eles (r2=0,704 para todas as observações). A concordância entre o TISS-28 e o NEMS foi boa, apresentando apenas 6,2% de diferença entre os escores. Conclusão: Os resultados mostraram boa correlação e concordância entre o TISS-28 e o NEMS, permitindo validar o NEMS nessa população de pacientes pediátricos. Abstract Objective: Examine the concurrent validity of the Nine Equivalents of Nursing Manpower Use Score (NEMS) in comparison to the Therapeutic Intervention Scoring System-28 (TISS-28) in a Pediatric Intensive Care Unit (PICU). Methods: Prospective observational cohort study conducted in a PICU of a Brazilian university hospital over a period of two years with a sample of 816 patients. A total of 7,702 observations were obtained for each of the scores. Results: The average maximum score of the NEMS was 26.6±9.2 and for the TISS-28 it was 21.3±8.2. The TISS-28 was lower than the NEMS (p<0.001) for all the averages. A good correlation was observed between them (r2=0.704) for all observations. Agreement between the TISS-28 and the NEMS was good, presenting only a 6.2% difference between the scores. Conclusion: The results show good correlation and agreement between the TISS-28 and the NEMS, enabling the NEMS validation in this population of pediatric patients. Autor correspondente Simone Travi Canabarro Rua Sarmento Leite, 245, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 90050-170 [email protected] Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):123-9. 123 Validação Concorrente de Escores de Enfermagem (NEMS e TISS-28) em terapia intensiva pediátrica 124 Introdução Métodos As Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são vistas como áreas críticas de cuidado, demandando profissionais altamente especializados, tecnologia de ponta e organização de processos de trabalho, que resultam em crescentes preocupações relacionadas a custos e operacionalização. Portanto, requerem adequada documentação e previsão de parâmetros mensuráveis, que qualifiquem e quantifiquem cuidados da assistência prevista como essencial à criança internada na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). Os enfermeiros podem utilizar ferramentas buscando identificar a gravidade do paciente, as intervenções terapêuticas e a necessidade de cuidados de enfermagem em terapia intensiva. A utilização de escores possibilita avaliar determinadas características apresentadas pelos pacientes, contribuindo na tomada de decisões e para uma prática baseada em evidências. O escore Therapeutic Intervention Scoring System foi originalmente apresentado em 1974 e sofreu algumas modificações ao longo do tempo, e sua versão simplificada é a mais difundida atualmente.(1,2) O Therapeutic Intervention Scoring System–28 (TISS-28), apresentado em 1996, é composto por 28 itens que buscam mensurar a gravidade de doença e a carga de trabalho de enfermagem.(2,3) A partir do TISS28, foi criado o Nine Equivalents of Nursing Use Manpower (NEMS).(2,4) Os processos de trabalho na dinâmica das UTI exigem otimização de tempo e viabilidade de aplicação, e o NEMS é uma ferramenta ágil para aplicação por apresentar somente nove itens como variáveis. (1,5,6) O NEMS também é adequado para a gestão de profissionais de enfermagem que atuam em terapia intensiva e para a avaliação das UTI.(7-9) Estudos de validação do NEMS foram realizados com pacientes clínicos e cirúrgicos em UTI adulto,(4,10) entretanto são raros e pouco usados nas unidades pediátricas.(5) O objetivo principal deste estudo é examinar a validade concorrente do escore NEMS em comparação ao TISS-28 em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. Estudo de coorte prospectivo observacional, realizado na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, de nível III, do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O período de estudo ocorreu entre 1 de outubro de 2006 e 30 de setembro de 2008. A amostra constituiu-se de pacientes com idade entre 28 dias e 18 anos que foram hospitalizados na UTIP. Foram incluídas todas as crianças que permaneceram por mais de oito horas na unidade, considerando-se qualquer nível de gravidade e, em caso de óbito, um período de internação maior ou igual a quatro horas. Pacientes readmitidos na UTIP após alta para outras Unidades foram considerados novos pacientes. O cálculo amostral tomou por base uma população média de 400 pacientes internados na UTIP por ano. No período de dois anos, estimou-se em 800 internações pediátricas na UTIP. Calculou-se o poder da amostra com o nível de significância de 5%, para detectar as principais associações de interesse. Assim, a amostra apresenta poder de 100%, para avaliar a associação entre o ponto de corte de 50% das categorias do NEMS e do TISS-28, com a mortalidade estimada em 6%. A coleta de dados foi realizada a partir dos prontuários dos pacientes internados na UTIP, e o instrumento de coleta foi composto por duas partes: a primeira parte constituiu-se das intervenções terapêuticas do TISS-28(3) e do NEMS(4) adaptadas para o acompanhamento até a alta da Unidade ou óbito, e a segunda parte, referente a dados sócio-demográficos, acrescidos do escore Pediatric Risk of Mortality (PRISM).(11) As intervenções terapêuticas do TISS-28 incluem as sete categorias que correspondem a: atividades básicas, suporte ventilatório, suporte cardiovascular, suporte renal, suporte neurológico, suporte metabólico e intervenções específicas. Cada um desses parâmetros constitui-se de itens, com pontuações que variam de um a oito, perfazendo um total de 28 medidas.(3) O NEMS inclui nove itens: monitorização padrão, medicação intravenosa, ventilação mecânica, suporte ventilatório suplementar, medicação vasoativa única, medicação vasoativa Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):123-9. Canabarro ST, Velozo KDS, Eidt OR, Piva JP, Garcia PCR múltipla, técnicas de hemofiltração e/ou dialíticas, intervenção específica na UTI e intervenções específicas fora da UTI.(4) A coleta foi feita por quatro enfermeiras assistenciais diariamente, durante todo o período de internação da criança, no horário das 12 às 14 horas, utilizando os registros presentes no prontuário do paciente e referentes às últimas 24 horas de internação na Unidade. Realizou-se uma capacitação preliminar da equipe de enfermeiras coletadoras de dados. Após essa etapa, o teste Kappa foi aplicado para verificar a concordância entre os observadores, obtendo-se 0,85, que indica forte concordância. Os dados coletados foram revisados pela enfermeira pesquisadora e registrados em banco de dados, utilizando a planilha do Microsoft Office Excel® para análise posterior no Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS), versão 17.0. Os resultados foram considerados significantes quando p≤0,05. Variáveis contínuas com distribuição normal foram expressas em médias (± desvio padrão) e categóricas, em percentagem. Variáveis contínuas com distribuição não normal foram expressas como medianas e intervalos interquartis (IC95%). Quando indicado, as variáveis categóricas foram comparadas por teste do Qui-Quadrado ou teste exato de Fisher, e utilizou-se o teste t para comparação entre as médias. A mortalidade da população foi revisada com cálculo do Standard Mortality Ratio (SMR), baseado no PRISM, por ser este o indicador de gravidade confiável, validado pelos autores(12) e utilizado na Instituição durante o estudo. O SMR corresponde à razão entre a mortalidade observada e a esperada, e sua variação avaliada de acordo com o desvio padrão, cujos valores entre ±1,96 confirmam a hipótese de que a mortalidade observada é igual à esperada. Para avaliar a sensibilidade (predição correta de morte) e a especificidade (predição correta de sobrevida), utilizou-se a Area Under Curve Receiver Operating Characteristic (AUROC). A correlação dos resultados entre os dois escores, NEMS e TISS-28 (variáveis contínuas), foi testada por correlação linear de Pearson, analisando o grau de associação entre ambos, e a customização foi realizada por análise de regressão logística binária. Para a interpretação dos resultados da correlação linear,(13) considerou-se “r” 0,0–0,3 como fraco; 0,30,6 como moderado e >0,6 como correlação forte. A análise de concordância seguiu com a realização do gráfico de Bland & Altman,(14) para avaliar a variação dos escores. Considerou-se a análise desse gráfico como representativa de boa concordância, quando mais do que 95% da amostra estava contida em seus limites (± 1,96 desvios-padrão em relação à média).(14) O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados No período do estudo, houve 830 novas internações na UTIP; não foram incluídas 13 admissões, todas de recém-nascidos com menos de 28 dias, 12 em pós-operatório de cirurgia cardíaca e um em ventilação mecânica por bronquiolite. Assim, foram elegíveis 817 admissões. Houve a perda dos dados de um paciente (0,12%). Compuseram a amostra 816 internações, que deram origem a 7.702 observações dos escores. A mediana da idade foi de 23,47 (5,7 - 72, 2) meses, a maioria foi do gênero masculino (56,9%) e permaneceu menos de sete dias internada (65,4%). Da amostra, 608 pacientes (74,3%) apresentaram uma ou mais disfunções orgânicas durante a internação. As disfunções mais prevalentes foram a respiratória (45,6%), seguida de disfunção neurológica (19,4%) e cardiológica (17,2%). Quanto à procedência, 56,1% eram oriundos do hospital (centro cirúrgico e enfermaria) e 43,9% procederam da emergência ou de outro hospital. 58% pacientes eram clínicos e 46% necessitavam de ventilação mecânica. Conforme os dados da tabela 1, a pontuação do TISS-28 na internação variou de seis a 52, com média de 19,2 ± 7,4 e mediana de 18. No dia de maior pontuação (TISS-28 máximo), o TISS28 variou de seis a 59, com média de 21,3±8,2 e Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):123-9. 125 Validação Concorrente de Escores de Enfermagem (NEMS e TISS-28) em terapia intensiva pediátrica mediana de 23. Em todas as médias de observações, o TISS-28 foi inferior ao NEMS (p<0,001). O NEMS variou de uma pontuação na admissão de seis a 48, com média de 24,7 ± 8,2 e mediana de 23. O NEMS máximo variou de seis a 51, com média de 26,6 ± 9,2 e mediana de 25. O PRISM teve um bom desempenho, com a mortalidade esperada de 6,9%, e a observada foi de 6,6%. O SMR, razão da mortalidade observada pela predita, foi de 0,96 (IC95%). Tabela 1. Comparação do TISS-28, NEMS e Desfecho dos pacientes internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica Total n=816 PRISM<10 n=700 PRISM>10 n=116 p-value TISS-28 na internação 19,2 ± 7,4 18,5 ± 7,2 23,7 ± 6,9 <0,001* TISS-28 máximo 21,3 ± 8,2 21,1 ± 8,2 22,47 ± 7,9 0,117 NEMS na internação 24,7 ± 8,2 24,5 ± 8,2 26,2 ± 8,2 0,036* NEMS máximo 26,6 ± 9,2 26,4 ± 9,22 28,0 ± 9,1 0,084 Mortalidade Esperada (PRISM) 56,2 6,9 21,2 3,0 35,0 30,2 <0,001* Mortalidade Observada 54,0 6,6 24,0 3,4 30,0 25,9 <0,001* Características Legenda: As variáveis do TISS-28 e NEMS são expressas pelas médias e desvio padrão (média ± DP); As variáveis Mortalidade Esperada e Mortalidade Observada são expressas em número absoluto seguido de percentagem – n(%); O símbolo (*) indica p<0,05; TISS-28 – Therapeutic Intervention Scoring System-28; NEMS – Nine Equivalents of Nursing Manpower use Score; PRISM – Pediatric risk of mortality score; Teste t de Student O NEMS e o TISS-28 mostraram uma boa discriminação de mortalidade, quando realizados na admissão [AUROC de 0,71 (IC95% 0,63 - 0,78) e 0,68 (IC95% 0,60 - 0,75), respectivamente]; e ainda a pontuação máxima [AUROC de 0,80 (IC95% 0,74 - 0,85) e 0,76 (IC95% 0,70 - 0,82), respectivamente. A correlação entre os índices foi boa, tanto na admissão (r2=0,70) quanto na pontuação máxima (r2=0,74) (p<0,01). 126 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):123-9. Os 816 pacientes estudados permaneceram internados de um a 277 dias, com mediana de cinco (três - dez) dias, e contabilizaram, nesse período, 7.702 observações. Incluindo todas as medidas, o TISS-28 variou de dois a 59, com média de 19,3 ± 6,6 e mediana de 19. O NEMS variou de zero a 51, com média de 24,3 ± 8,2 e mediana de 27. Comparando o NEMS com o TISS-28, a diferença entre os escores foi de 5 ± 4,45 (IC95% 4,9 - 5,1). O limite de concordância para dois desvios padrão foi de -3,9 a +13,9 (Figura 1). A diferença entre os escores maiores que dois desvios-padrão (>8,9 DP) foi de 6,2%. Figura 1. Gráfico de Bland & Altman para concordância entre o NEMS e TISS-28 em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, Porto Alegre, RS, Brasil; DP – Desvio Padrão; Dif – diferença; NEMS – Nine Equivalents of Nursing Manpower use Score; TISS-28 – Therapeutic Intervention Scoring System-28 Apesar da diferença entre NEMS e TISS-28, houve uma boa correlação entre eles. A correlação entre os escores analisados foi linear e positiva (r=0,825; r2=0,704, p<0.001). Quando foi realizada a customização, por análise de regressão logística binária, a relação entre os dois sistemas foi NEMS = 4,25 + (1,04 x TISS-28). Ao estratificar a amostra, observou-se que a diferença entre o NEMS e o TISS-28 persiste dentro de um pequeno intervalo de 3,6 pontos (2,4 a seis). Isso não justificaria uma nova customização (Tabela 2). Canabarro ST, Velozo KDS, Eidt OR, Piva JP, Garcia PCR Tabela 2. Principais características da amostra de uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica estratificada conforme o total de medidas realizadas e médias obtidas do NEMS e TISS-28 e sua diferença estatística Total TISS-28 NEMS Diferença n(%) Média ± DP Média ± DP Média ± DP Total 7.702(100) 19,3 ± 6,6 24,3 ± 8,2 5,7 ± 1,6 Lactentes 4.269(55,4) 20,4 ± 6,1 26,2 ± 7,7 5,8 ± 1,6 Crianças 3.433(44,6) 17,8 ± 6,9 21,9 ± 8,1 4,1 ± 1,2 TI < 7 1.987(25,8) 15,5 ± 6,2 19,7 ± 6,9 4,3 ± 0,7 TI > 7 5.715(74,2) 20,6 ± 6,2 25,9 ± 8,0 5,3 ± 1,8 Clinico 5.725(74,3) 19,8 ± 6,4 25,7 ± 7,9 5,9 ± 1,6 Cirúrgico 1.977(25,7) 17,8 ± 7,0 20,3 ± 7,5 2,4 ± 0,5 Origem hospital 3.127(40,6) 18,0 ± 6,6 21,6 ± 7,7 3,6 ± 1,1 Origem externa 4.575(59,4) 20,2 ± 6,5 26,2 ± 8,0 6,0 ± 1,5 Masculino 4.431(57,5) 19,4 ± 6,2 24,6 ± 7,9 5,2 ± 1,6 Feminino 3.271(42,5) 19,1 ± 7,0 23,9 ± 8,5 4,8 ± 1,5 Óbitos 841(10,9) 23,7 ± 5,5 29,6 ± 7,1 5,9 ± 1,5 Vivos 6.861(89,1) 18,7 ± 6,5 23,7 ± 8,0 4,9 ± 1,6 Ventilados 5.585(72,5) 21,3 ± 6,2 27,0 ± 7,8 5,8 ± 1,6 N/ventilados 2.117(27,5) 14,1 ± 4,5 17,2 ± 3,6 3,1 ± 0,9 Legenda: Todas as medidas das médias entre o NEMS e o TISS-28 foram diferentes (p<0,001); NEMS – Nine Equivalents of Nursing Manpower use Score; TISS-28 – Therapeutic intervention Scoring System-28; DP – desvio padrão; TI – tempo de internação em dias; N/ventilados – não ventilados; Teste t de Student Discussão Este é um estudo independente em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, que traz a comparação entre os escores NEMS e TISS-28 em crianças e adolescentes. Com os dados coletados, foi possível realizar a customização para o cálculo do escore TISS-28, a partir do NEMS. Como limitação do estudo, pôde-se considerar o fato de a coleta de dados ter sido realizada em uma única UTIP. Contudo, isso favorece a uniformidade dos dados. Ainda é preciso considerar o fato de os dados desta pesquisa terem sido coletados em uma única vez, entre os turnos da manhã e tarde. Entretanto, em alguns estudos, são coletados nos três turnos, e é escolhido o valor mais alto ou o médio.(10) Também o TISS-28 e o NEMS não consideram o tempo gasto pelo enfermeiro com os cuidados relacionados à família (assistência e orientações). Nesse sentido, outros escores, como o Nursing Activities Score, deveriam ser pesquisados.(15) Neste estudo, a mediana encontrada da idade foi de crianças menores de dois anos, e a maioria foi do gênero masculino. Em outros estudos, encontrou-se porcentagem superior em relação à idade da amostra em terapia intensiva, ou seja, 44,3 meses(12) e 8,5 anos em estudo internacional.(16) Resultados semelhantes quanto à variável gênero foram também verificados em estudo epidemiológico em UTIP.(17) Buscando comparar os diagnósticos por disfunção orgânica que resultaram no motivo da internação na UTIP, constataram-se, na literatura, diferenças com maior proporção de cardiocirculatório (30%), seguido de respiratório (27%) e neurológico (22%).(12) Neste estudo, predominaram as disfunções respiratórias. Considerando a evolução dos pacientes no decorrer da internação na UTIP, tanto o TISS-28 quanto o NEMS dos pacientes que evoluíram para o óbito foram sempre maiores que os escores dos pacientes sobreviventes. Pacientes mais graves demandam maior número de intervenções terapêuticas, o que se relaciona também ao maior trabalho de enfermagem.(18) A constatação do escore mais elevado em pacientes não sobreviventes foi também verificada em outros estudos.(18-21) Quando o PRISM mostrou-se maior que dez, a mortalidade foi de 25,9%, e, no PRISM menor que dez, a mortalidade observada foi de 3,4%. A média do NEMS e TISS-28 nos pacientes com PRISM >10 também foi maior quando relacionada com tempo de internação. Obteve-se uma AUROC de 0,80% para o escore NEMS. Isso significa que um paciente que evolui para o óbito terá medidas de NEMS maiores que um sobrevivente em 80% das vezes, considerando-se a pontuação máxima do escore NEMS medido. Pode-se inferir que o NEMS, como já observado com o TISS28,(22) mostra uma boa capacidade de discriminação de mortalidade na internação e também quando são consideradas as pontuações máximas dos indicadores. Na evolução clínica, portanto, foi observado que 94,4% dos pacientes receberam alta da UTIP Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):123-9. 127 Validação Concorrente de Escores de Enfermagem (NEMS e TISS-28) em terapia intensiva pediátrica e 6,6% foram a óbito, considerando-se que houve uma aproximação aos indicadores de mortalidade mencionados em estudos internacionais em pediatria nas UTIP.(23) Esse dado difere de estudos em pediatria no Brasil, que demonstram taxas de mortalidade maiores em intensivismo pediátrico.(24) Observou-se que o NEMS e TISS-28 confirmam uma boa concordância. Uma série de modificações do TISS-28 tem sido proposta no processo evolutivo desses escores que visam a avaliar a gravidade dos pacientes por meio de intervenções terapêuticas a que são submetidos, além de avaliar a carga de trabalho em UTI.(2,25) Levando em conta que um ponto do TISS-28 equivale a, aproximadamente, 10,6 minutos(2,26) de trabalho de uma enfermeira durante seu turno de trabalho, esses escores são adequados para discutir processos de trabalho, a fim de adequar recursos às necessidades das unidades de assistência intensiva. O NEMS superestimou o valor do TISS-28 em todas as variáveis analisadas. Uma das mais importantes contribuições desta pesquisa foi a constatação de que com a diminuição de, aproximadamente, quatro a cinco pontos do NEMS pode-se encontrar um resultado muito aproximado do escore TISS-28. A equação para customização encontrada [NEMS = 4,25 + (1,04 x TISS-28)] foi muito semelhante à do estudo realizado com adultos.(10) Em pediatria, há poucos trabalhos utilizando escores que estudem as intervenções terapêuticas.(5) Foi possível realizar a customização dos escores NEMS e TISS-28 para uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. No geral, o TISS-28 foi concebido para refletir a carga de trabalho de enfermagem em uma ampla faixa de níveis de atividade. Entretanto, o escore NEMS tem um desempenho mais atrativo, conforme demonstrado neste estudo, e consta de apenas nove intervenções terapêuticas, o que consumirá menos tempo na coleta de dados. A utilização do NEMS em UTIP é uma ferramenta útil ao enfermeiro intensivista pediatra, já que auxilia na mensuração da gravidade e necessidades de cuidados de enfermagem, atendendo à Resolução nº 7/2010 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.(27) 128 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):123-9. Conclusão O presente estudo permitiu validar o NEMS em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica de um Hospital Universitário. Observou-se que quanto mais intervenções terapêuticas maior será a pontuação dos escores e, consequentemente, mais grave será o estado do paciente. Encontrou-se boa correlação entre o TISS-28 e o NEMS nessa população de pacientes pediátricos, e ambos apresentam boa capacidade discriminatória para mortalidade e uma boa associação com o PRISM. Entretanto, o NEMS superestimou o valor do TISS-28 em todas as variáveis analisadas, o que permitiu um cálculo customizado entre o valor dos escores. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; bolsa de produtividade em pesquisa A1 para PCR Garcia; bolsa de produtividade em pesquisa A2 para JP Piva); à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; bolsa de mestrado). Colaborações Canabarro ST e Garcia PCR participaram da concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Velozo KDS contribuiu com a análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Eidt OR participou da concepção do projeto, revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Piva JP colaborou com a análise dos dados, revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Canabarro ST, Velozo KD, Eidt OR, Piva JP, Garcia PC. [Nine Equivalents of Nursing Manpower Use Score (NEMS): a study of its historical process]. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(3):584-90.Portuguese. 2. Vincent JL, Moreno R. Clinical review: scoring systems in the critically ill. Crit Care. 2010;14(2):207. Canabarro ST, Velozo KDS, Eidt OR, Piva JP, Garcia PCR 3. Miranda DR, de Rijk A, Schaufeli W. Simplified Therapeutic Intervention Scoring System: the TISS-28 items--results from a multicenter study. Crit Care Med. 1996;24(1):64-73. 4. Reis Miranda D, Moreno R, Iapichino G. Nine equivalents of nursing manpower use score (NEMS). Intensive Care Med. 1997;23(7):760-5. the neglected outcome. Indian Pediatr. 2008;45(2):99-103. 17. Einloft PR, Garcia PC, Piva JP, Bruno F, Kipper DJ, Fiori RM. [A sixteenyear epidemiological profile of a pediatric intensive care unit, Brazil]. Rev Saúde Publica. 2002;36(6):728-33. Portuguese. 5. Monroy JC, Hurtado Pardos B. [Utilization of the nine equivalents of nursing manpower use score (NEMS) in a pediatric intensive care unit]. Enferm Intensiva. 2002;13(3):107-12. Spanish 18.Balsanelli AP, Zanei SS, Whitaker IY. [Relationships among nursing workload, illness severity, and the survival and length of stay of surgical patients in ICUs]. Acta Paul Enferm. 2006;19(1):16-20. Portuguese. 6. Junger A, Hartmann B, Klasen J, Brenck F, Röhrig R, Hempelmann G. Impact of different sampling strategies on score results of the nine equivalents of nursing manpower use score (NEMS). Methods Inf Med. 2007;46(4):410-5. 19.Elias AC, Tiemi M, Cardoso LT, Grion CM. [Application of the therapeutic intervention scoring system (TISS 28) at an intensive care unit to evaluate the severity of the patient]. Rev Latinoam Enferm. 2006;14(3):324-9. Portuguese. 7. Lucchini A, Chinello V, Lollo V, De Filippis C, Schena M, Elli S, et al. [The implementation of NEMS and NAS systems to assess the nursing staffing levels in a polyvalent intensive care unit]. Assist Inferm Ric. 2008;27(1):18-26. Italian. 20. Garcia PC, Goncalves LA, Ducci AJ, Toffoleto MC, Ribeiro SC, Padilha KG. [Therapeutic interventions in intensive care units: analysis according to therapeutic intervention scoring system-28 (TISS-28)]. Rev Bras Enferm. 2005;58(2):194-9. 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Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2010 [citado 2012 outubro 15]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/anvisa/2010/res0007_24_02_2010.html Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):123-9. 129 Artigo Original Idade materna e fatores associados a resultados perinatais Maternal age and factors associated with perinatal outcomes Angela Andréia França Gravena1 Meliana Gisleine de Paula1 Sonia Silva Marcon1 Maria Dalva Barros de Carvalho1 Sandra Marisa Pelloso1 Descritores Idade materna; Resultado da gravidez; Fatores de risco; Complicações na gravidez; Sistemas de informação Keywords Maternal age; Pregnancy outcome; Risk factors; Pregnancy complications; Information systems Submetido 17 de Janeiro de 2012 Aceito 9 de Abril de 2013 Resumo Objetivo: Analisar e comparar os resultados perinatais de gestantes adolescentes e em idade tardia com mulheres entre 20 a 34 anos, a partir dos dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos. Métodos: Foi realizado um estudo transversal, com coleta de dados retrospectiva de 18009 nascidos vivos a partir de consultas aos dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos. Os registros dos nascidos vivos foram distribuídos em três grupos: grupo I (adolescentes) – 10 a 19 anos; grupo II - 20 a 34 anos e grupo III (idade tardia) – 35 anos ou mais. Resultados: Os resultados mostraram riscos perinatais relacionados à prematuridade (OR 1,35) e Apgar quinto minuto menor que sete (OR 1,44) em mães adolescentes. O baixo peso ao nascer apresentou risco de 1,22 e 1,24 vezes entre as gestantes do grupo I e III. Conclusão: Os resultados apontaram elevados índices de nascimento pré-termo, baixo peso ao nascer e Apgar no quinto minuto menor que sete nas gestações ocorridas em adolescentes e em mulheres com idade igual ou superior aos 35 anos. Abstract Objective: To analyze and compare perinatal outcomes of pregnant adolescent women and pregnant women in later age (between 20 and 34 years old) from data of a Live Born Information System. Methods: A cross-sectional study was carried out with data collected retrospectively of 18,009 live born infants from consults of data of a Live Born Information System. Registers of live born infants were distributed in three groups: group I (adolescents) – 10 to 19 years old; group II – 20 to 34 years old; and group III (later age) – 35 years or older. Results: Findings showed that perinatal risks were related to prematurity (OR 1,35) and five-minute Apgar scores of less than seven (OR 1,44) among infants born to adolescent mothers. Conclusion: Results pointed out high indexes of preterm birth in low-birth-weight infants and five-minute Apgar scores of less than seven in pregnancies that occurred in adolescents and in women 35 years and older. Autor correspondente Angela Andréia França Gravena Rodovia Celso Garcia Cid, Pr 445 Km 380, Londrina, PR, Brasil. CEP 86.057970 [email protected] 130 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):130-5. Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil. Conflitos de Interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 Gravena AAF, Paula MG, Marcon SS, Carvalho MDB, Pelloso SM Introdução Estima-se que um em cada quatro nascimentos no Brasil ocorra entre adolescentes na faixa etária dos 15 aos 19 anos.(1) Referências internacionais apontam que um terço de todas as meninas americanas irá engravidar até os 20 anos.(2) Dados indicam que, além do aumento relativo de gestantes adolescentes também ocorreu em mulheres com idade superior aos 30 anos.(3) Autores sugerem que adolescentes e mulheres com 35 anos ou mais geralmente estão suscetíveis a resultados perinatais adversos e morbidade e mortalidade materna.(4-6) Entre as mulheres de 15 a 19 anos, a chance de ocor­rência de morte por problemas decorrentes da gravidez ou do parto é duas vezes maior do que entre as maiores de 20 anos.(7) A gravidez na adolescência, especialmente na adolescência precoce (menores de 15 anos), requer especial atenção para possíveis consequências prejudiciais à saúde materna e fetal. Estão relacionados à gravidez precoce, os riscos aumentados ao recémnascido de baixo peso ao nascer, deficiências de micronutrientes e restrição do crescimento intra-uterino, levando a alterações na evolução dessa gestação e no crescimento fetal, o que pode resultar também em parto prematuro, ou seja, com menos de 37 semanas de gestação.(4) A prematuridade tem sido estudada como causa de mortalidade infantil. O recém-nascido imaturo apresenta desenvolvimento incompleto de órgãos, como cérebro e pulmões, além de limitação da função renal e imaturidade da função hepática, podendo sofrer sérios comprometimentos ou intercorrências.(8) Nas mulheres com gestação tardia, têm sido observados mais abortamentos espontâneos e induzidos, maior risco para mortalidade perinatal, baixa vitalidade do recém- nascido, baixo peso ao nascer, parto pré-termo e fetos pequenos para idade gestacional.(9) As gestações de mulheres de idade materna avançada têm sido consideradas como de alto risco, em decorrência principalmente da incidência crescente de síndromes hipertensivas, ruptura prematura de membranas, presença de diabetes, além de maior chance do índice de Apgar no quinto minuto ser menor que sete.(10) Desta forma o objetivo deste estudo foi analisar e comparar os resultados perinatais de gestantes adolescentes e em idade tardia com mulheres entre 20 a 34 anos, a partir dos dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos. Métodos Trata-se de um estudo transversal e retrospectivo com 18.009 registros do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) no Município de Maringá, Paraná, região sul do Brasil, entre o período de primeiro de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2009. O critério de exclusão foram os registros classificados como ‘ignorado’ e ‘não informado’, totalizando 58 registros. As informações referentes à idade das gestantes foram agrupadas: grupo I - adolescentes com faixa etária entre dez a 19 anos; grupo II – adultas jovens entre 20 a 34 e grupo III – adultas com 35 anos ou mais (idade tardia). As variáveis maternas analisadas foram: idade materna, estado civil, anos de estudo, número de consultas pré-natal e paridade. Quanto aos resultados perinatais, foram analisados o tipo de parto (vaginal e cesáreo), a idade gestacional, o peso do recém-nascido e o índice de Apgar no quinto minuto.(11,12) As frequências de cada variável nos grupos de adolescentes (grupo I) e de idade avançada (grupo III) foram comparadas com as respectivas frequências no grupo constituído de mulheres com idade entre 20 e 34 anos (grupo II). Para análise dos dados foi aplicado o teste quiquadrado por meio do programa Statistica 7.1. Para determinação da força da associação, calculou-se a Odds Ratio (OR) e o nível de confiança a 95% (IC95%) pelo Epi Info 3.5.1. O nível de significância foi fixado em p<0,05. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):130-5. 131 Idade materna e fatores associados a resultados perinatais Resultados Do total de 18009 registros que constituiu a população em estudo, 2.161 (12,0%) eram nascidos vivos de mães adolescentes, 13.394 (74,4%) de mães adultas jovens e 2.454 (13,6%) de mães em idade tardia. Em relação às características maternas observase que entre as adolescentes e em idade avançada à proporção das que tiveram até sete anos de estudo foi maior quando comparados com aquelas do grupo II (Tabela 1). Em relação aos resultados perinatais, observa-se que a taxa de parto cesáreo aumentou com o decorrer da idade materna, maior proporção de recém-nascido com baixo peso e prematuros foi identificado entre as gestantes adolescentes e em idade avançada. Analisando as características maternas e resultados perinatais adversos através do OR verificase que as adolescentes têm maior probabilidade de serem solteiras. As gestantes de 10 a 19 anos e em idade avançada possuem chances maiores de estudarem até sete anos. No grupo de adolescentes observa-se que estas possuem mais chances de realizarem pré-natal com menos de quatro consultas (Tabela 2). Com relação à prematuridade e baixo índice de Apgar no quinto minuto, as adolescentes também apresentaram risco aumentado. Mulheres com 35 anos ou mais apresentaram probabilidade maior de parto cesáreo em relação às adultas. No que se refere ao baixo peso ao nascer, tanto as gestantes adolescentes quanto as em idade avançada apresentaram mais chance de possuírem filhos recém-nascido baixo peso (Tabela 2). Discussão Tabela 1. Distribuição das características maternas e dos resultados perinatais de acordo com a faixa etária das mães Idade materna 10-19 anos 20-34 anos 35 anos ou mais n(%) n(%) n(%) Até 7 anos 660(30,6) 1539(11,5) 396(16,1) 8 ou mais anos 1497(69,4) 11852(88,5) 2057(83,9) Solteira 1730(80,1) 4964(37,1) 664(27,1) Casada 429(19,9) 8426(62,9) 1790(72,9) Nenhum 1880(87,0) 6927(51,7) 646(26,3) 1a3 281(13,0) 6278(46,9) 1730(70,5) - 189(1,4) 78(3,2) <4 138(6,4) 355(2,6) 50(2,0) 4 -6 572(26,5) 1950(14,6) 325(13,3) ≥7 1449(67,1) 11069(82,8) 2078(84,7) Pré-termo 319(14,7) 1523(11,4) 314(12,8) Termo 1834(84,9) 11848(88,5) 2135(87,0) 7(0,4) 21(0,1) 4(0,2) Cesáreo 1300(60,2) 10800(80,7) 2147(87,5) Vaginal 861(39,8) 2591(19,3) 307(12,5) Baixo peso 266(12,3) 1385(10,3) 306(12,5) Normal 1895(87,7) 12009(89,7) 2148(87,5) 66(3,1) 266(2,0) 54(2,2) 2092(96,9) 13118(98,0) 2399(97,8) Características Anos de estudo (*)** Estado civil(*)*** Número de filhos**** 4 ou mais Consulta prénatal(*)***** Idade gestacional(*)****** Pós-termo Parto(*)******* Peso ao nascer******** Apgar quinto minuto********* Baixo As limitações dos resultados do estudo referem-se ao sistema informatizado público padronizado que apresentou deficiência de informações referente às variáveis: escolaridade, estado civil, número de consultas pré-natal, idade gestacional, tipo de parto 132 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):130-5. Normal Fonte: SINASC, Maringá, PR, 2007-2009 Legenda: (*)Para tais variáveis foram desprezadas informações classificadas como ‘ignorado’ e ‘não informado’, implicando em perdas menores que 10% para cada variável; **n=18001; ***n= 18003; ****n=18009; *****n=17986; ****** n=18005; *******n=18006; ********n=18009; (*)*********n=17995 Gravena AAF, Paula MG, Marcon SS, Carvalho MDB, Pelloso SM Tabela 2. Comparação das razões de chances na população estudada* Características Até 7 anos de estudo 10 - 19 anos f OR IC 95% 660 3,4 3,05-3,78 p-value <0,001 1497 Solteira 1730 6,85 6,11-7,66 <0,001 138 Pré-natal 2021 Pré-termo 319 2,04-3,08 <0,001 Cesárea 1300 1,35 1,18-1,54 <0,001 266 0,36 0,33-0,44 <0,001 IC 95% 1539 1,0 396 1,48 1,31-1,67 <0,001 0,46 0,41-0,50 <0,001 0,76 0,56-1,04 0,080 1,14 1,00-1,31 0,057 1,68 1,47-1,91 <0,001 1,24 1,08-1,41 0,001 4964 2057 1,0 355 1523 10800 1,22 1,06-1,40 0,006 1385 664 1790 1,0 50 2403 1,0 314 2139 1,0 2591 1895 Apgar quinto minuto menor 7 OR 11869 861 Baixo peso ao nascer f 13019 1841 p-value OR 8426 2,5 35 ou mais anos f 11852 429 Menos que 4 consultas 20 - 34 anos 2147 307 1,0 12009 306 2148 66 1,44 1,08-190 0,010 266 1,0 54 1,11 0,82-1,51 0,532 2092 13118 2399 Fonte: SINASC, Maringá, PR, 2007-2009 Legenda: f - frequência; OR - Odds Ratio; IC - intervalo de confiança a 95%; *razão de chances comparando os grupos citados com o de gestantes entre 20 e 34 anos e valor de índice de Apgar no quinto minuto, representado como ignorado ou não informado. Dados sobre complicações da gravidez, como aborto e óbito fetal, fatores também relacionados à idade materna e inadequação da assistência pré-natal não podem ser estudos porque não constam no sistema. Embora existam avanços tecnológicos da medicina para minimizar os resultados perinatais adversos, é importante ressaltar que os dados encontrados neste estudo podem ser utilizados pelos serviços de enfermagem, com o intuito de informar e aconselhar as adolescentes e as mulheres que pretendem postergar a gestação sobre o risco de complicações que envolvem uma gravidez nestes períodos. Sobre o estado civil, as adolescentes deste estudo foram caracterizadas como solteiras. Outras pesquisas mostram em adolescentes pequena proporção de casamentos formais.(13) Dados publicados confirmam a prevalência entre as solteiras vivendo sem companheiro na fase da adolescência.(5,14) Quanto aos anos de estudo, as gestantes adolescentes e em idade avançada apresentaram até sete anos de estudo. A idade materna e o nível inferior de escolaridade estão associadas à natimortalidade e assumem especial relevância por sua interrelação com os outros fatores associados ao óbito fetal. Pes- quisa realizada no Recife, demonstrou um risco de chance de 2,3 de ocorrer mortes fetais em recémnascidos de mulheres com menos de oito anos de estudo.(15) No que diz respeito a gestantes adolescentes, a maternidade precoce é identificada como um fator de afastamento e de dificuldade para continuação dos estudos. Pesquisa demonstra taxas de 25,8% de adolescentes que não completaram o ensino fundamental constituindo em nosso meio um problema social.(3) Com relação ao número de consultas de pré-natal, os achados do presente estudo são concordantes aos estudos semelhantes realizados em outras regiões brasileiras, os quais apontaram associação (OR=2,03) entre as adolescentes com o menor número de consultas pré-natal.(3,8) O esquecimento foi o motivo para falta no acompanhamento no prénatal em estudo que identificou o perfil comportamental das gestantes adolescentes.(13) O número de ingressos tardios e de comparecimentos irregulares ao pré-natal sugere também a necessidade de sensibilização e motivação das gestantes adolescentes pela equipe de saúde. Quanto às taxas de parto cesáreo, especificamente entre as mulheres com mais de 35 anos, observou-se que o risco de parto cesáreo foi 1,68 vezes mais alto Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):130-5. 133 Idade materna e fatores associados a resultados perinatais em relação aquelas entre 20 a 34 anos. Em Taiwan, estudo retrospectivo realizado com 39.763 mulheres evidenciou que o risco de cesárea foi 1,6 e 2,6 vezes maior em mulheres entre 35 a 39 e 40 anos ou mais, respectivamente.(11) Vale ressaltar que a incidência de partos cesáreos em gestantes em idade avançada tem sido reportada em outros estudos.(6,10,12,16,17) Os motivos que podem explicar a maior incidência de cesariana em mulheres de idade materna avançada são vários, tais como doenças, indicações obstétricas e complicações fetais. A deterioração da função miometrial com a idade é outro fator responsável por alguns transtornos do trabalho de parto.(17) Considerando o risco exposto ao recém-nascido, a ocorrência de parto pré-termo no grupo adolescente, representado neste estudo por risco maior de 1,23 vezes, está em concordância com outras publicações.(8,13,18) Pesquisa brasileira demonstrou que a prematuridade foi de 1,46 vezes mais entre as adolescentes.(10) O risco de parto pré-termo na adolescência esta relacionado ao aumento de infecção subclínica e produção de prostaglandinas devido à imaturidade do útero ou o suprimento de sangue do colo do útero.(18) O baixo peso ao nascer mostrou ser um fator de risco presente nos extremos da vida reprodutiva, com prevalência de 12,3% e 12,5% e chances de 1,22 e 1,24 entre adolescentes e mulheres com mais de 35 anos, respectivamente. Em estudo retrospectivo realizado em Liverpool, Escócia, com 9.506 registros de nascimentos, observou-se a frequência de baixo peso ao nascer nas gestantes adolescentes e tardias respectivamente, demonstrando que o baixo peso está presente nos extremos da vida reprodutiva. (19) Em pesquisa realizada com adolescentes as taxas de baixo peso ao nascer foram consistentemente aumentando com a diminuição da idade materna, e foram maiores em recém-nascido de mães com 15 anos ou menos.(18) O baixo peso ao nascer é um dos fatores relacionados ao aumento dos índices de mortalidade perinatal e crescimento abaixo do esperado para as adolescentes e para as mulheres com mais de 35 anos.(20) A incidência de baixo peso em mulheres acima de 30 anos mostrou que a média do peso ao nascer diminuiu e a proporção de baixo peso ao 134 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):130-5. nascer e muito baixo peso aumentou com o avanço da idade materna.(17) O baixo peso ao nascer em mulheres com idade avançada também foi identificado em outros estudos.(17,21) Entre os fatores associados com o baixo peso ao nascer destacam-se a artrite, a hipertensão arterial crônica, a depressão, o câncer e o infarto agudo do miocárdio, que são fatores de risco independentes para a restrição do crescimento fetal.(16) Com relação ao índice de Apgar os recém-nascidos das adolescentes apresentaram chances de risco de 1,44 vezes de possuírem índice de Apgar menor que sete no quinto minuto. Pesquisa observou a associação do muito baixo e o baixo índice de Apgar no quinto minuto em idade materna inferior a 18 anos.(18) Este índice é um bom indicador para resultados perinatais a longo prazo, além de ser considerado importante preditor da avaliação do bem-estar e do prognóstico inicial do recém-nascido. Conclusão Os resultados apontaram elevados índices de nascimento pré-termo, baixo peso ao nascer e boletim de Apgar no quinto minuto menor que sete entre adolescentes e em mulheres com idade igual ou superior aos 35 anos. Colaborações Gravena AAF contribui na análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica do conteúdo. Paula MG participou da concepção do projeto e redação do artigo. Marcon SS; Carvalho MDB e Pelloso SM realizaram a revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada. Referências 1. Verona APA, Dias Júnior CS. Religião e fecundidade entre adolescentes no Brasil. 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Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):130-5. 135 Artigo Original Desafios para a gerência do cuidado em emergência na perspectiva de enfermeiros Challenges for the management of emergency care from the perspective of nurses José Luís Guedes dos Santos1 Maria Alice Dias da Silva Lima2 Aline Lima Pestana1 Estela Regina Garlet2 Alacoque Lorenzini Erdmann1 Keywords Nursing administration research; Nursing service, hospital; Nursing care; Management; Emergency nursing Descritores Pesquisa em administração de enfermagem; Serviço hospitalar de enfermagem; Cuidados de enfermagem; Gerência; Enfermagem em emergência Submetido 03 de Março de 2012 Aceito 21 de Fevereiro de 2013 Corresponding author Nome: José Luís Guedes dos Santos Endereço: Rua Servidão Donato José Alves, 95/4, Córrego Grande, Florianópolis, SC, Brasil. CEP 88037-415 E-mail: [email protected] 136 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):136-43. Resumo Objetivo: Analisar os desafios para a gerência do cuidado em um serviço hospitalar de emergência, com base na perspectiva de enfermeiros. Métodos: Pesquisa qualitativa, do tipo descritiva e exploratória, realizada de junho a setembro/2009, por meio de entrevista semiestruturada com 20 enfermeiros do Serviço de Emergência de um Hospital Universitário da Região Sul do Brasil. Os dados foram analisados mediante análise temática. Resultados: Os principais desafios dos enfermeiros na gerência do cuidado em emergência foram gerenciamento da superlotação, manutenção da qualidade do cuidado e utilização da liderança como instrumento gerencial. As sugestões citadas para superá-los foram reorganização do sistema de saúde para atenção às urgências, alteração no fluxo de atendimento dos pacientes e realização de capacitação sobre o gerenciamento de enfermagem. Conclusão: Tais desafios e estratégias representam um impulso para o desenvolvimento de novas práticas por intermédio de um trabalho colaborativo e articulado com a rede de atenção às urgências. Abstract Objective: To analyze the challenges for the management of care in a hospital emergency department, based on the perspective of nurses. Methods: A qualitative, descriptive and exploratory study, conducted from June to September 2009, through semi-structured interviews with 20 nurses in the Emergency Department of a university hospital in southern region of Brazil. Data were analyzed using thematic analysis. Results: The main challenges of nursing in managing care in emergency units were: management of overcrowding, maintaining quality of care, and utilization of leadership as a management tool. The suggestions mentioned to overcome these were: reorganization of the health system to focus on emergencies, changes in the flow of patient care, and implementation of training on nursing management. Conclusion: Such challenges and strategies represented a boost to the development of new practices through collaborative and coordinated work with the emergency care network. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Conflito de interesses: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Santos JLG, Lima MADS, Pestana AL, Garlet ER, Erdmann AL Introdução A organização do atendimento e a gerência do cuidado prestado aos pacientes nos serviços hospitalares de emergência são questões discutidas em vários países, em função da transição epidemiológica e demográfica da população mundial. A maior expectativa de vida da população e o aumento da morbidade e mortalidade por doenças cerebrovasculares e coronarianas, por exemplo, são fatores que têm contribuído para o aumento dos índices de procura por atendimento nesses serviços e fomentado a discussão em torno da necessidade da adoção de novos modelos de atenção visando à prestação de cuidados mais complexos e prolongados.(1,2) No Brasil, a Política Nacional de Atenção às Urgências, instituída em 2006 e atualizada em 2011, determina que o atendimento aos usuários com quadros agudos deve ser prestado por todas as portas de entrada dos serviços do Sistema Único de Saúde, possibilitando a resolução integral dos problemas ou transferindo essa clientela, responsavelmente, a um serviço de maior complexidade, dentro de um sistema hierarquizado e regulado, organizado em redes regionais de atenção às urgências como elos de uma rede de manutenção da vida em níveis crescentes de complexidade e responsabilidade.(3) No entanto, os serviços hospitalares de emergência continuam sendo o local para onde confluem problemas não resolvidos nem diagnosticados em outros níveis de atenção. Para grande parte da população que não tem acesso regular a um serviço de saúde, as emergências hospitalares representam a principal alternativa de atendimento para às mais diversas situações, pois, no senso comum, esses serviços reúnem um somatório de recursos que os tornam mais resolutivos, quais sejam consultas, remédios, procedimentos de enfermagem, exames laboratoriais e internações.(4,5) Como consequência, observa-se que a utilização caótica, a superlotação dos serviços de emergência e a falta de leitos hospitalares acarretam inúmeras dificuldades de atendimento, tanto aos pacientes como à equipe de saúde.(2,4) Especificamente em relação à atuação dos enfermeiros na gerência do cuidado em um serviço de emergência, destaca-se a ne- cessidade da busca constante pelo desenvolvimento de melhores estratégias que lhes permitam superar os desafios impostos por um ambiente de trabalho marcado pela procura constante por atendimento. Estudos anteriores identificaram que a gerência é uma atividade essencial e predominante no trabalho dos enfermeiros em serviços de emergência. Cabe a esses profissionais a busca de meios para garantir a disponibilidade e a qualidade de recursos materiais e de infraestrutura para a equipe atuar no atendimento a pacientes com necessidades complexas, visualizando não só as necessidades do paciente, mas também conciliando os objetivos organizacionais e os da equipe de enfermagem e estabelecendo interfaces com outros setores do hospital e sistema local de saúde, visando à produção de um cuidado integral, eficaz e seguro.(5-8) Além disso, informalmente, são os enfermeiros que, muitas vezes, negociam no dia a dia a resolução de problemas internos e externos do trabalho em emergência, o que possibilita o bom funcionamento do serviço.(2) Para atingir a esses objetivos, os enfermeiros de unidades de emergência devem aliar controle do tempo à fundamentação teórica, ao discernimento, à iniciativa, à maturidade e à estabilidade emocional e à capacidade de liderança, o que requer o desenvolvimento de habilidades como comunicação, relacionamento interpessoal e tomada de decisão.(7) A liderança é um instrumento gerencial fundamental para o trabalho do enfermeiro, pois é ela quem faz a coordenação do trabalho de enfermagem e a intermediação entre os diferentes profissionais da equipe de saúde, ela pode ser compreendida e desenvolvida, desde que haja interesse e iniciativa.(9) Com base no exposto, pontua-se a importância da realização de um estudo sobre os desafios vivenciados pelos enfermeiros na gerência do cuidado em emergência, bem como as sugestões para enfrentá-los e exercer uma prática profissional alicerçada nos princípios éticos, humanísticos e científicos que balizam o exercício da Enfermagem. Assim, estabeleceram-se como questões de pesquisa: Quais são os desafios dos enfermeiros na gerência do cuidado em um serviço hospitalar de emergência? Que sugestões são apontadas por eles para superar tais desafios? Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):136-43. 137 Desafios para a gerência do cuidado em emergência na perspectiva de enfermeiros Dessa forma, este estudo teve como objetivo analisar os desafios para a gerência do cuidado em um serviço hospitalar de emergência pautado na perspectiva de enfermeiros. Métodos Estudo de abordagem qualitativa, exploratório, descritivo, cujos dados foram coletados no Serviço de Emergência de um Hospital Universitário localizado na Região Sul do Brasil. A coleta de dados ocorreu entre os meses de junho e setembro de 2009, por meio de entrevistas semiestruturadas com 20 dos 32 enfermeiros que atuam no setor. As perguntas norteadoras enfocaram os desafios enfrentados na gerência do cuidado em um serviço hospitalar de emergência e as sugestões para superá-los. Uma amostra intencional foi definida, e envolveu a seleção de sujeitos considerados representativos, conforme seu interesse pela problemática investigada e os objetivos do estudo. Assim, foram incluídos enfermeiros que aceitaram participar da pesquisa e trabalhavam há mais de seis meses no serviço de emergência. Para definição desse período, considerou-se seis meses como um tempo suficiente para adaptação do profissional às rotinas do setor e à equipe de trabalho, podendo, desse modo, contribuir de forma mais efetiva com a investigação. As entrevistas foram gravadas em um dispositivo eletrônico de áudio, perfazendo entre dez e 50 minutos e depois transcritas. O número de entrevistas realizadas foi definido com base no critério de saturação dos dados, ou seja, quando as informações obtidas começaram a se repetir, possibilitando a identificação de convergências e o estabelecimento de um encadeamento entre as evidências. Para a análise dos dados, foi empregada a técnica de análise de conteúdo, do tipo análise temática, que se constitui em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados obtidos, inferência e interpretação.(10) Na fase de pré-análise, por meio de leitura flutuante, organizaram-se e sistematizaram-se as ideias principais do material coletado baseadas nos critérios de exaustividade, 138 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):136-43. representatividade, homogeneidade e pertinência. Feito isso, procedeu-se à exploração do material no intuito de destacar as unidades de registro, transformar os dados brutos em núcleos de compreensão do texto e construir categorias empíricas. Na fase final, procedeu-se ao tratamento dos resultados e interpretação, mediante articulação entre o material empírico estruturado e a literatura, emergindo três categorias temáticas que compuseram o tema Desafios no gerenciamento do cuidado e sugestões para superá-los. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Os resultados são apresentados em três categorias: gerenciamento da superlotação, manutenção da qualidade do cuidado e utilização da liderança, como instrumento gerencial. Gerenciamento da superlotação O gerenciamento da superlotação é um desafio aos enfermeiros, à medida que eles necessitam planejar a realização do cuidado e organizar o trabalho, adequando às condições de atendimento disponíveis à quantidade e gravidade do quadro clínico dos pacientes, visando à realização da melhor assistência possível, diante do cenário marcado pela procura constante por atendimento, conforme evidenciado na seguinte fala: “[...] o gerenciamento da superlotação, do excesso de pacientes com as nossas condições [...], eu gosto de ter a unidade o mais organizada possível dentro da desorganização da emergência, a gente vive e convive com ela, sempre procurando amenizá -la, mas é um setor que daqui a pouco tem 20, 60, 100 pacientes, e tu está vendo as coisas, um paciente por cima do outro e tal [...]”(E1). Entre os motivos que geram a superlotação do serviço de emergência, os enfermeiros destacaram a constante procura por atendimento de pacientes de baixo risco, que sobrecarregam a equipe de enfermagem e podem dificultar o atendimento aos pacientes Santos JLG, Lima MADS, Pestana AL, Garlet ER, Erdmann AL mais graves. Desse modo, alguns enfermeiros mostraram-se críticos em relação ao desconhecimento das pessoas sobre a finalidade do serviço em atender às urgências propriamente ditas e à falta de paciência daqueles que procuram as unidades básicas de saúde para atendimento: “Um dos principais desafios é a superlotação, principalmente devido ao atendimento daqueles pacientes que não são urgência” (E13). “[...] Tenho dificuldade em entender, porque as pessoas não conseguem definir que aqui é uma emergência, e elas têm que evitar vir por causa de dor de garganta, unha encravada, dor abdominal. Essa é uma questão cultural das pessoas de que os postos não funcionam. Só que não é bem assim, são as pessoas que não querem mais se sujeitar e esperar, porque elas vêm aqui e fazem tudo, fazem raio-x, hemograma e não precisam ficar correndo de um lado para o outro [...]”(E15). Para contornar a superlotação, os enfermeiros sugeriram a reorganização do sistema de saúde para atendimento das urgências de menor complexidade nas unidades básicas e centros de saúde. “É toda uma rede que tem que mudar, não é só aqui dentro, não dá para a gente tentar fazer um melhor trabalho enquanto a rede não mudar” (E10). “[...] o sistema de saúde é ruim, se a gente tivesse um bom atendimento no posto, muita gente não viria” (E14). “Tem que melhorar o sistema de saúde como um todo, a atenção básica atender os pacientes menos graves e a gente poder trabalhar mais tranquilo” (E20). Manutenção da qualidade do cuidado Em decorrência da superlotação, surge como desafio a manutenção da qualidade do cuidado prestado aos pacientes no serviço de emergência. Muitos pacientes, após o primeiro atendimento e estabilização de suas condições clínicas, permanecem no serviço de emergência e necessitam de uma atenção que nem sempre a equipe de enfermagem consegue corresponder em função das características do trabalho da unidade, como relata o entrevistado:“O atendimento de emergência a gente consegue prestar muito bem, mas a continuidade disso é que é complicado. O certo seria dar o primeiro atendimento e encaminhar os pacientes, mas eles acabam ficando, e a gente não consegue prestar um atendimento adequado” [...] (E8). A realização dos cuidados relacionados à higiene e ao conforto dos pacientes que permanecem em observação é a principal dificuldade enfrentada pelos enfermeiros e pela equipe de enfermagem, tendo em vista o número excessivo de pacientes e a inadequação do espaço físico do serviço de emergência para esse atendimento. Nesse sentido, a qualidade do cuidado prestado nas salas de observação do serviço de emergência preocupa os enfermeiros: “Não adianta ver se tem material suficiente, se a unidade está organizada, se o número de técnicos na escala está certo e, às vezes, deixar o paciente de lado. Ontem, tinha um paciente em mau estado geral que tinha prescrição de aspiração de vias aéreas. Eu olhei para a parede não tinha frasco, daí, eu busquei um frasco, sonda, luva, todo o material e chamei a técnica e disse para ela: ‘olha a boca desse paciente’, mostrei para ela, era uma crosta. Com a superlotação, esquecese de cuidados que parecem insignificantes, mas, que são fundamentais” (E17). Como sugestões para buscar uma qualidade maior do cuidado prestado no serviço de emergência, os enfermeiros pontuaram a necessidade de alteração no fluxo de atendimento dos pacientes e a ampliação da estrutura física do serviço de emergência. Quanto à alteração no fluxo de atendimento dos pacientes, os enfermeiros destacaram a importância de agilizar as internações e a liberação dos pacientes: “O que poderia ser agilizado é a questão das internações e liberação dos pacientes, e isso é uma coisa que depende muito da área médica [...]” (E12). “[...] eu gostaria que aqui na emergência, o serviço fosse realmente de urgência e emergência, porque 90% dos pacientes que estão na sala de observação tinham que estar nas unidades de internação” (E15). “Diminuir o número de pacientes da unidade, mas isso não depende apenas da enfermagem, depende do fluxo do paciente desde a triagem de agilizar a liberação ou transferência do paciente para a internação” (E19). Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):136-43. 139 Desafios para a gerência do cuidado em emergência na perspectiva de enfermeiros Para agilizar o fluxo de atendimento dos pacientes na unidade, os enfermeiros reconheceram a necessidade de participação e colaboração de todos os profissionais da equipe de saúde, em especial dos médicos. Porém, em um dos depoimentos, chamou à atenção a sugestão de que a internação dos pacientes seja gerenciada por um enfermeiro, tendo em vista que sua experiência e formação gerencial conferem-lhe uma visão mais ampla em relação a essa questão: “[...] seria muito interessante se tivesse uma enfermeira responsável pela internação dos pacientes, gerenciando e não um médico e secretário. As enfermeiras têm uma visão mais global disso, experiência e formação gerencial para fazerem as coisas andarem mais rápido” (E12). No que se refere à ampliação da estrutura física do serviço de emergência, os participantes do estudo apontaram como estratégia dispor de um maior número de macas para acomodar os pacientes. “Na parte física, nosso maior problema é a falta de macas [...]” (E9). “Faltam camas melhores, porque têm macas até com a grade quebrada” (E13). “[...] a questão maca me estressa muito! É um estresse quando o paciente passa mal, fica hipotenso e não temos maca ou quando temos que levantar um paciente para poder deitar outro” (E15). Utilização da liderança como instrumento gerencial Para programar e implementar mudanças, visando à melhoria do cuidado no serviço de emergência, a liderança desponta como um instrumento gerencial importante aos enfermeiros. Exercê-la é um desafio para eles em relação à resistência da equipe da enfermagem e saúde diante da proposição de novas ações: “Um desafio que existe é essa própria questão de ser mais líder, porque muitas pessoas que estão aqui dentro acham que isso não é certo, mas dizem que sempre foi assim, que não adianta fazer. Eu não acredito nisso, porque se eu venho para cá, é para trabalhar” (E8). Para esse depoente, muitos profissionais, especialmente, os que estão há mais tempo na insti- 140 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):136-43. tuição, são relutantes às mudanças, mesmo quando elas podem trazer benefícios ao andamento da unidade e a si próprios como trabalhadores, o que dificulta a atuação do enfermeiro, como líder da equipe de enfermagem. Cientes dos desafios que envolvem a liderança no serviço de emergência, os enfermeiros mencionaram como sugestão a realização de uma capacitação sobre o gerenciamento de enfermagem. “O ideal seria ter um curso sobre gestão de pessoas com alguém especializado, para vir e passar esse conhecimento para nós, para a gente colocar mais em prática” (E3). A realização de uma capacitação enfocando aspectos sobre o gerenciamento de enfermagem é uma estratégia interessante, tendo em vista a importância cada vez maior que adquire a dimensão gerencial no trabalho do enfermeiro nos serviços de saúde e a rapidez com que novos conhecimentos têm sido produzidos nessa área. Discussão Esta pesquisa oferece subsídios para que enfermeiros, profissionais de saúde e gestores dos serviços de emergência reflitam sobre suas práticas e invistam no desenvolvimento/aprimoramento de estratégias para potencializar a qualidade do cuidado em emergência e as condições de trabalho das equipes de saúde. Este estudo apresenta como limitação dos resultados o foco exclusivo dado aos enfermeiros. Como a gerência do cuidado é um processo coletivo, a implementação das sugestões aqui apresentadas requer uma atuação em conjunto da equipe de enfermagem e saúde, o que remete à recomendação de pesquisas com esses profissionais a fim de acrescentar novos olhares e opiniões sobre as possibilidades para solucionar o problema da superlotação e contribuição para a qualidade do atendimento. Nas falas dos enfermeiros, aparece a superlotação como uma característica incorporada ao processo de trabalho no serviço de emergência. Nesse sentido, eles referiram a necessidade de amenizá-la e gerenciá-la, procurando, conforme as condições Santos JLG, Lima MADS, Pestana AL, Garlet ER, Erdmann AL disponíveis prestar um atendimento adequado e humanizado aos pacientes. Isso pode estar relacionado à naturalização da pressão do ambiente de trabalho pelos profissionais de saúde e à falta de controle sobre sua prática, o que torna o exercício profissional, muitas vezes, intuitivo.(2) A superlotação está atrelada à concepção dos usuários que procuram por atendimento nos serviços de emergência sobre o que é uma necessidade urgente. Ao contrário do que esperam os profissionais de saúde, os usuários buscam atendimento ao apresentarem alterações de saúde que consideram importantes. Na verdade, existe um desencontro entre o que pensam os usuários e os profissionais de saúde em relação à finalidade do trabalho no serviço de emergência.(11) A dificuldade da equipe de saúde de aceitação do paciente, que é visto como produto da falência da rede e como inapropriado para o atendimento da emergência, pode ser enfrentada por políticas de humanização, estratégias de sensibilização e de aceitação da emergência, como porta de entrada possível e legítima do atual sistema de saúde. Além disso, é importante discutir com a rede como integrar esse tipo de paciente às outras possíveis portas de entrada e preparar-se para atendê-lo, já que as demandas são geradas por fatores culturais e por deficiência de recursos tecnológicos e sociais.(12) Outro aspecto destacado pelos participantes do estudo foi a descaracterização da missão do serviço de emergência. A unidade, que deveria ter caráter transitório, onde o paciente permaneceria um curto período, passa a funcionar como unidade de internação, pela à indisponibilidade de leito nos outros setores de internação. Desse modo, o atendimento às necessidades básicas humanas, como sono, repouso, alimentação e higiene corporal tornam-se comprometidos pela excessiva demanda de atendimento e pelas condições de infraestrutura inadequadas para realização das atividades assistenciais. Esse resultado é convergente aos achados de estudos anteriores em que as condições estruturais são descritas, como fatores que dificultam a assistência com qualidade em emergência.(7,13,14) A permanência dos pacientes internados após serem sanadas suas necessidades urgentes é um pro- blema comum nos serviços hospitalares de emergência, que decorre, entre outros fatores, da falta de uma cultura institucional com vistas à otimização do serviço no concernente ao gerenciamento de vaga.(13) Como consequência, os profissionais de saúde vem-se confrontados com cargas de trabalho elevadas, com espaços físicos inadequados e recursos materiais e equipamentos insuficientes, o que além de comprometer a qualidade do cuidado prestado, causa-lhes sofrimento, insatisfação e conflitos.(15,16) A reorganização do sistema de saúde para o atendimento das urgências de menor complexidade tecnológica foi a sugestão dos enfermeiros para superar o desafio da superlotação. Essa sugestão é coerente com os princípios que regulamentam o Sistema Único de Saúde e já é realidade em outros contextos. Há 14 anos a região de Ribeirão Preto iniciou um processo de organização do fluxo dos pacientes de emergência que evoluiu para referenciamento intermunicipal e possibilitou a organização e estruturação de uma rede assistencial regional, hierarquizada de atenção às urgências, regulada por meio da implantação da Regulação Médica e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.(17) Inserida nesse cenário, a Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, com o apoio dos serviços clínicos vinculados a departamentos da Universidade de São Paulo e do Centro de Estudos de Emergências, redefiniu sua missão assistencial e educacional, equacionando a superlotação com a redução significativa do número de consultas e da taxa de ocupação na unidade.(17) Tal experiência mostra que por meio da junção de esforços dos profissionais e serviços de saúde e a articulação das esferas de governo, é possível a superação das dicotomias que caracterizam os atendimentos às urgências no Brasil. De forma semelhante, estudos(18,19) norte-americanos destacam que a busca pela qualidade do cuidado nos serviços de emergências deve ser planejada em níveis regionais, por meio de uma agência que coordene a padronização e os encaminhamentos dos atendimentos. No âmbito específico dos serviços, sugere-se a elaboração de protocolos de triagem para agilizar o atendimento e o aumento do número de leitos em Unidades de Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):136-43. 141 Desafios para a gerência do cuidado em emergência na perspectiva de enfermeiros Terapia Intensiva para transferência dos pacientes mais graves. Quanto à atuação do enfermeiro, observa-se que esse profissional não consegue desenvolver um trabalho sequenciado em função da excessiva demanda e pelas solicitações constantes, tanto por parte da equipe de enfermagem, dos pacientes, como dos outros profissionais, o que demonstra, claramente, a insuficiência desse profissional e a falta de planejamento no desempenho de seu papel.(13) Essas características podem justificar o fato dos enfermeiros considerarem um desafio o exercício da liderança no serviço de emergência. A liderança na enfermagem, além de um complexo fenômeno social, é um instrumento fudamental para a gerência do cuidado que exige do enfermeiro empenho na busca por aprimoramento contínuo de suas habilidades e potencialidades. Para um exercício efetivo da liderança, é importante que o enfermeiro seja responsável, comprometido com o trabalho e mantenha uma comunicação eficaz com a equipe de enfermagem.(20) Os desafios que envolvem o gerenciamento do cuidado em emergência são coletivos e precisam ser problematizados e discutidos no contexto institucional e político em que estão inseridos. Para isso, é importante que o enfermeiro vislumbre o cuidado de enfermagem como prática social empreendedora, buscando mobilizar e integrar os diferentes sistemas funcionalmente diferenciados em uma perspectiva de rede, potencializando e multiplicando as competências individuais e os recursos locais visando à criação de um plano integrado e individualizado de cuidados para o desenvolvimento de políticas sociais, capazes de compreender a complexidade dos fatores que envolvem o ser humano em seu contexto real e concreto.(21) Especificamente em relação à sua atuação no serviço de emergência, os enfermeiros sugeriram que uma maior participação no gerenciamento das internações e dos leitos hospitalares poderia contribuir com o gerenciamento da superlotação em emergência. De forma semelhante, no contexto internacional, a contratação de enfermeiros e a ampliação da atuação desses profissionais por meio de práticas avançadas de enfermagem, envolvendo desde a realização de triagem com classificação de risco até o atendimento clínico aos casos de 142 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):136-43. menor complexidade tecnológica, têm contribuído para a diminuição de custos assistenciais, melhoria da qualidade do cuidado e redução do tempo de espera para o atendimento.(6) Assim, os desafios apresentados pelos enfermeiros que gerenciam o cuidado em emergência reforçam a necessidade do profissional ser criativo, crítico e reflexivo para sugerir ações voltadas, tanto à organização e estruturação da unidade como do sistema de saúde para o atendimento às urgências. É indiscutível a necessidade de avanços na organização do sistema de saúde de tal modo que a atenção às urgências possa ser realizada em outras portas de entrada. Porém, o sistema só irá melhorar a partir do momento em que cada serviço e trabalhador de saúde reconhecer e assumir sua parcela de corresponsabilização na busca das mudanças apontadas e de um atendimento mais resolutivo às necessidades de saúde da população. Também são necessários estudos que focalizem a participação e integração dos serviços hospitalares de emergência na rede de atenção às urgências, explorando as interfaces estabelecidas com os componentes pré-hospitalares fixos e móveis de atendimento às urgências e identificando aos aspectos que requerem aprimoramento e discussão. Conclusão Constatou-se que os principais desafios com os quais os enfermeiros defrontam-se na gerência do cuidado em um serviço hospitalar de emergência são o gerenciamento da superlotação, a manutenção da qualidade do cuidado e a utilização da liderança como instrumento gerencial. Como sugestões para superá-los, os enfermeiros sinalizam a necessidade de reorganização do sistema de saúde para a atenção às urgências, alteração no fluxo de atendimento dos pacientes, ampliação da estrutura física da unidade e realização de uma capacitação sobre gerenciamento de enfermagem. Agradecimentos À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de mestrado, ao Santos JLG, Lima MADS, Pestana AL, Garlet ER, Erdmann AL Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; processo nº 478895/20089) pela bolsa de produtividade em pesquisa. demands in the management of nurses in an emergency unit. Rev Bras Enferm. 2011;64(2):348-54. Portuguese. 8. Johnson KD, Winkelman C. The effect of emergency department crowding on patient outcomes: a literature review. Adv Emerg Nurs J. 2011;33(1):39-54. Colaborações Santos JLG; Lima MADS; Pestana AL; Garlet ER e Erdmann AL declaram que contribuíram com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. 9. Almeida ML, Segui ML, Maftum MA, Labronici LM, Peres AM. [Management tools used by nurses in decision-making within the hospital context] Texto & Contexto Enferm. 2011;20(Spec No):131-7. Portuguese. Referências 13.Furtado BM, Araújo Júnior JL. Perception of nurses on working conditions in the emergency area of a hospital. Acta Paul Enferm. 2010;23(2):169-74. 1. Knapman M, Bonner A. Overcrowding in medium-volume emergency departments: effects of aged patients in emergency departments on wait times for non-emergent triage-level patients. Int J Nurs Pract. 2010;16(3):310–7. 2. Nugus P, Forero R. Understanding interdepartmental and organizational work in the emergency department: an ethnographic approach. 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Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):136-43. 143 Artigo Original Construção e validação de um instrumento de classificação de pacientes pediátricos Construction and validation of an instrument for classification of pediatric patients Ariane Polidoro Dini1 Edinêis de Brito Guirardello1 Descritores Cuidado da criança/classificação; Avaliação em saúde; Enfermagem pediátrica; Estudos de validação; Carga de trabalho Keywords Child care/classification; Health evaluation; Pediatric nursing; Validation studies; Workload Submetido 25 de Março de 2012 Aceito 21 de Fevereiro de 2013 Autor correspondente Ariane Polidoro Dini Rua Vital Brasil, 251, Zeferino Vaz, Campinas, SP, Brasil. CEP: 13083-888 [email protected] 144 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):144-9. Resumo Objetivo: Construir, validar o conteúdo e verificar a confiabilidade interavaliadores de um instrumento para a classificação de pacientes pediátricos. Métodos: Estudo misto com referencial quantitativo, sendo o delineamento descritivo exploratório para a validação do conteúdo do instrumento realizado pela Técnica Delphi seguido por desenho correlacional para avaliar a confiabilidade interavaliadores. Resultados: Após quatro fases da Técnica Delphi, o instrumento ficou constituído por 11 indicadores de demanda de cuidado e cada um por quatro situações graduadas refletindo o aumento da necessidade de enfermagem. Obteve-se nível de confiabilidade ótimo para cinco indicadores; bom para cinco e apenas um indicador com fraco nível de confiabilidade. Conclusão: Foi construído e validado o conteúdo do instrumento para classificar pacientes pediátricos em cinco categorias de cuidados com confiabilidade satisfatória. Abstract Objective: To construct a tool for classification of pediatric patients, validate its content, and assess the interrater reliability. Methods: This is a quantitative study in which a mixed method was used. Validity of its content was assessed through a descriptive exploratory design using the Delphi technique. Inter-rater reliability was then assessed with a correlational design. Results: After four stages of use of the Delphi technique, the instrument was composed of 11 care demand indicators. Each of them comprised one-to-four situations of graded complexity, that reflected increasing intensity of nursing need. The reliability levels as optimal, good, and weak were obtained for five, five, and one indicators, respectively. Conclusion: The content of the instrument was constructed and validated with satisfactory reliability to classify pediatric patients into five healthcare categories. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 Dini AP, Guirardello EB Introdução Métodos A hospitalização em pediatria é tida como uma oportunidade para que a criança e seus responsáveis vivenciem a recuperação da enfermidade, bem como ampliem seus conhecimentos de promoção à saúde para manutenção de seu desenvolvimento e prevenção de novas internações.(1) Na gestão de unidades de internações pediátricas os desafios para assegurar os padrões de segurança e qualidade assistencial exigem que a caracterização do perfil da clientela seja considerada, pois apenas o conhecimento da porcentagem de ocupação dos leitos não é suficiente para decisões gerenciais.(2-4) Desde a década de 1970, com a finalidade de caracterizar o perfil assistencial, foram difundidos os Sistemas de Classificação de Pacientes (SCP) como método para estimar, quantificar e avaliar a demanda de cuidados de enfermagem por grupos de pacientes, categorizando-os, de acordo com a necessidade de cuidados requeridos, em um período de tempo específico.(3) Além disso, no final da década de 1980, os dados obtidos da aplicação de SCP têm sido indicados para fundamentar o planejamento de custos no que se refere à necessidade de recursos humanos e materiais.(4) Atualmente, a utilização de SCP contribui para facilitar a comunicação entre enfermeiros assistenciais e gerentes, promover a capacitação dos profissionais por competências para assistir as diferentes categorias de cuidado, fundamentar o dimensionamento de pessoal, o remanejamento e a alocação diária de profissionais.(5-8) A necessidade de instrumentos e conceitos de categorias específicos para pacientes pediátricos foi apontada em 2011, em um estudo que validou a conceituação de cinco categorias de cuidados para a pediatria.(9) No entanto, o mesmo estudo não indicou nenhum instrumento que viabilizasse a classificação de pacientes nas categorias conceituadas.(9) Dessa forma, este estudo teve como objetivo construir, validar o conteúdo e verificar a confiabilidade interavaliadores de um instrumento para a classificação de pacientes pediátricos em cinco categorias de cuidados. Trata-se de um estudo misto com referencial quantitativo ocorrido em duas fases sequenciais [QUAN→quan]. Na primeira fase foi utilizado delineamento descritivo exploratório para a construção e a validação do conteúdo do instrumento e na segunda fase foi utilizado o desenho correlacional para avaliar a confiabilidade interavaliadores do instrumento. Para construir um instrumento objetivo, no estilo avaliação de fatores, foram considerados referenciais conceituais consagrados sobre SCP.(3,4) A cada indicador foram atribuídas quatro situações graduadas de um a quatro pontos de forma crescente quanto às necessidades de cuidados. A validação do conteúdo do instrumento foi realizada por um grupo de juízes com o uso da técnica Delphi.(10) Os critérios de inclusão para compor o grupo de juízes foram: possuir a graduação em enfermagem, tempo de experiência na assistência em pediatria, na gerência ou na docência igual ou superior a cinco anos e realização de pesquisas na construção de instrumentos de classificação de pacientes. Nessas condições, participaram 19 enfermeiras, cujo tempo de formação variou entre cinco e 23 anos; seis atuavam na assistência, cinco em atividades gerenciais e oito na docência. Quanto à qualificação profissional, quatro enfermeiras possuíam apenas o curso de graduação, seis especialização lato-sensu e nove haviam cursado pós-graduação stricto-sensu (três delas com mestrado e seis com doutorado). A técnica Delphi foi viabilizada por correio eletrônico com a apresentação do estudo e a solicitação de julgamento do conteúdo do instrumento quanto à clareza e à pertinência na redação de cada indicador e pontuações. Esta técnica permite etapas consecutivas para a obtenção de, no mínimo, 70% de concordância com o conteúdo do instrumento. Níveis de consenso inferiores exigiram modificações de conteúdo e nova etapa de análise até a obtenção do nível de concordância estabelecido.(10) Após obter a versão final do instrumento, foi avaliada a confiabilidade interavaliadores.(11) A amostra foi composta por pacientes internados em uma unidade pediátrica de um hospital de ensino no interior do Estado de São Paulo. A Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):144-9. 145 Construção e validação de um instrumento de classificação de pacientes pediátricos coleta de dados ocorreu em um único dia, sendo que os pacientes foram avaliados com a aplicação do instrumento de forma simultânea por duas enfermeiras pós-graduandas, com experiência em pediatria, após a assinatura do Termo de Consentimento pelos familiares. Os dados foram analisados com o uso do coeficiente de Kappa, sendo considerado como ótima confiabilidade (K ≥ 0,75), boa confiabilidade (0,41 ≤ k ≤ 0,74) e fraca confiabilidade para valores abaixo de 0,40.(11) O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados A construção inicial do instrumento foi composta por dez indicadores de cuidado e foram necessárias quatro etapas da técnica Delphi, para validar o conteúdo de todos os indicadores e respectivas pontuações (Tabela 1). Após as quatro etapas da técnica Delphi, o instrumento obteve sua configuração final (Tabela 2). Na avaliação da confiabilidade interavaliador, o instrumento foi aplicado em 42 pacientes pediátricos por duas enfermeiras ao mesmo tempo (Tabela 3). Tabela 1. Porcentagem de concordância dos juízes com o conteúdo do instrumento Delphi 1 Indicador* I-1 I-2 I-3 I-4 I-5 I-6 I-7 I-8 I-9 I-10 I-11 I-12 Delphi 2 Delphi 3 Delphi 4 Conceito Pontos Conceito Pontos Pontos Pontos Pertinência 77 46 92 62 57 71 Clareza 62 54 92 69 71 71 Pertinência 100 92 92 92 - - Clareza 46 85 92 92 - - Pertinência 100 92 100 100 - - Clareza 54 62 100 100 - - Pertinência 92 77 100 85 - - Clareza 85 69 100 100 - - Pertinência 92 77 100 100 - - Clareza 54 69 100 100 - - Pertinência 92 23 92 54 79 Clareza 46 46 100 85 86 - Pertinência 92 46 100 69 71 - Clareza 69 69 100 69 86 - Pertinência 100 54 92 46 93 - Clareza 62 54 92 85 86 - Pertinência 85 77 100 54 57 86 Clareza 62 43 100 69 93 79 Pertinência - - 100 92 - - Clareza - - 92 85 - - Pertinência - - 100 77 - - Clareza - - 92 85 - - Pertinência 77 46 - - - - Clareza 62 38 - - - - Legenda: n=19; *I-1: Atividade, I-2 Intervalo aferição controles, I-3 Oxigenação, I-4 Terapêutica medicamentosa, I-5 Integridade cutâneo mucosa, I-6 Alimentação e hidratação, I-7 Eliminações, I-8 Higiene corporal, I-9 Mobilidade e deambulação, I-10 Participação do acompanhante, I-11 Rede apoio e suporte, I-12 Educação ao familiar 146 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):144-9. Dini AP, Guirardello EB Tabela 2. Instrumento de classificação de pacientes pediátricos - ICPP Atividade: possibilidade de manutenção de atividades compatíveis com a idade de desenvolvimento, exercitando as habilidades pertinentes a cada idade e interagindo com acompanhante, equipe ou com outras crianças para sorrir, brincar, conversar, etc. 1 Desenvolvimento de atividades compatíveis com a faixa etária 2 Sonolento 3 Hipoativo ou Hiperativo ou Déficit no desenvolvimento 4 Inconsciente ou sedado ou coma vigil Intervalo de Aferição de Controles: necessidade de observação e controle de dados como sinais vitais, pressão venosa central, glicemia capilar, balanço hídrico. 1 6/6 horas 2 4/4 horas 3 2/2 horas 4 Intervalo menor de 2 horas Oxigenação: capacidade da criança ou do adolescente de manter a permeabilidade de vias aéreas, ventilação e oxigenação normais. 1 Respiração espontânea, sem necessidade de oxigenoterapia ou de desobstrução de vias aéreas 2 Respiração espontânea com necessidade de desobstrução de vias aéreas por instilação de soro 3 Respiração espontânea com necessidade de desobstrução de vias aéreas por aspiração de secreções e/ou necessidade de oxigenoterapia 4 Ventilação Mecânica (Não Invasiva ou Invasiva) Terapêutica medicamentosa: necessidade da criança ou do adolescente receber medicações. 1 Não necessita de medicamentos 2 Necessidades de medicamentos por via tópica, inalatória, ocular e/ou oral 3 Necessidades de medicamentos por sondas ou via parenteral (subcutânea, intramuscular ou intravenoso) 4 Uso de fármacos vasoativos e/ou hemoderivados e/ou quimioterápicos Integridade cutâneo mucosa: necessidade de manutenção ou restauração da integridade cutâneo-mucosa. 1 Pele íntegra sem alteração da cor em toda a área corpórea 2 Necessidade de curativo superficial, de pequeno porte 3 Presença de hiperemia (pontos de pressão ou períneo) ou sinais flogísticos em qualquer local da superfície corpórea que necessite de curativo de médio porte 4 Presença de lesão com deiscência ou secreção com necessidade de curativo de grande porte Alimentação e Hidratação: capacidade da criança ou do adolescente de ingerir alimentos sozinho, com auxílio, por sondas ou via parenteral. 1 Via oral de forma independente ou seio materno exclusivo 2 Via oral com auxílio e paciente colaborativo 3 Sondas (gástrica, enteral ou gastrostomia) 4 Nutrição parenteral ou via oral com paciente apresentando dificuldade de deglutição ou risco para aspiração Eliminações: capacidade da criança ou do adolescente de apresentar eliminações urinária e intestinal sozinha, e/ou necessidade de uso de sondas. 1 Vaso sanitário sem auxílio 2 Vaso sanitário com auxílio 3 Fraldas (necessidade de um profissional para a troca) ou sonda vesical de demora 4 Sonda vesical de alívio ou estomas ou uso de comadre ou urinol ou fraldas (necessidade de dois profissionais para a troca) Higiene Corporal: capacidade da criança ou do adolescente de realizar, necessitar de auxílio ou depender totalmente para a higiene corporal. 1 Banho de aspersão sem auxílio 2 Banho de aspersão com auxílio 3 Banho de imersão ou banho em cadeira 4 Banho no leito ou na incubadora ou necessidade de mais de um profissional da enfermagem para a realização de qualquer banho Continua... Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):144-9. 147 Construção e validação de um instrumento de classificação de pacientes pediátricos Tabela 2. Continuação Mobilidade e Deambulação: capacidade da criança ou do adolescente de mobilizar voluntariamente o corpo ou seguimentos corporais 1 Deambulação sem auxílio 2 Repouso no leito mobiliza-se sem auxílio 3 Repouso no leito mobiliza-se com auxílio ou deambula com auxílio 4 Restrito no leito, totalmente dependente para mudança de decúbito Participação do Acompanhante: desempenho do acompanhante para realizar cuidados e atender necessidades da criança ou adolescente 1 Acompanhante reconhece as necessidades físicas e emocionais do paciente pediátrico e consegue atendê-las 2 Acompanhante buscando informações para atender necessidades físicas e emocionais do paciente pediátrico 3 Acompanhante tem dificuldade em reconhecer algumas necessidades físicas e emocionais do paciente pediátrico e é resistente à busca de auxílio e a mudanças 4 Acompanhante parece não estar atento, nem se interessar quanto às necessidades físicas e emocionais do paciente pediátrico e/ou desacompanhado Rede de Apoio e Suporte: apoio com o qual a criança pode contar durante sua permanência no hospital. 1 Presença de uma pessoa de confiança acompanhando-o durante todo o tempo 2 Presença de uma pessoa de confiança acompanhando-o por mais de 12 horas ao dia 3 Presença de uma pessoa de confiança acompanhando-o durante menos de 12 horas ao dia 4 Desacompanhado Legenda: Escala para classificação de pacientes: 11 - 17 pontos: Cuidados mínimos; 18 - 23 pontos: Cuidados intermediários; 24 - 30 pontos: Cuidados de alta dependência; 31 - 37 pontos: Cuidados semi-intensivos 38 - 44 pontos: Cuidados intensivos Tabela 3. Valores de Kappa para todos os indicadores do instrumento de classificação de pacientes pediátricos Níveis de confiabilidade Indicadores Fraca k≤0,40 Atividade Intervalo aferição controles Boa 0,41 ≤ k ≥ 0,74 Ótima ≥0,75 0,38 0,41 Terapêutica medicamentosa 0,84 Oxigenação 0,86 Integridade cutâneo mucosa 0,60 Mobilidade e deambulação 0,66 Higiene corporal 0,67 Alimentação e hidratação 0,60 Eliminações 0,84 Participação acompanhante 0,82 Rede de apoio e suporte 0,81 Legenda: n=42 Discussão Os resultados do estudo têm como limitação o tipo de confiabilidade utilizado, e a não verificação da consistência interna do instrumento, bem como a avaliação de sua validade de construto. Este estudo permitiu construir, validar o conteúdo e avaliar a confiabilidade interavaliadores 148 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):144-9. do ICPP nas cinco categorias de cuidado conceituadas na literatura como cuidados mínimos, intermediários, alta dependência, semi-intensivo e intensivos.(9) A consideração de cinco categorias de cuidados foi similar ao instrumento de Fugulin para pacientes adultos da clínica cirúrgica e diferiu dos instrumentos de Perroca para pacientes adultos Dini AP, Guirardello EB que não considera a categoria de alta dependência e do instrumento de Bochembuzio para pacientes neonatais que contempla apenas três categorias de cuidado.(12-14) A possibilidade de classificar pacientes pediátricos na categoria de alta dependência foi considerada importante por permitir identificar as necessidades de cuidado inerentes da fase de desenvolvimento que, independente da estabilidade clínica, há dependência nas necessidades básicas.(9) A utilização da técnica Delphi para a validação do conteúdo foi vantajosa por ter possibilitado seu julgamento por profissionais de diferentes localidades geográficas, posições hierárquicas, saberes, visões e perspectivas profissionais.(10) As modificações mais importantes no conteúdo do instrumento ocorreram na primeira etapa da técnica Delphi, quando foi substituído o indicador “Educação ao familiar” por “Participação do acompanhante” e “Rede de Apoio e suporte”. Na segunda etapa todos os indicadores obtiveram o consenso estabelecido e a pontuação de seis indicadores requereram alterações. Na terceira etapa as pontuações de quatro indicadores foram validadas e na quarta etapa as pontuações dos dois últimos indicadores atingiram o nível de concordância estabelecido. Destaca-se que foram validados dois indicadores relacionados ao familiar, pois a presença desses no ambiente hospitalar tem determinado modificações na assistência e desafiado à equipe em uma nova perspectiva de qualidade assistencial que contempla a provisão de cuidados, o envolvimento dos acompanhantes nas ações diárias e a promoção da continuidade do tratamento no domicílio.(1,2) Na avaliação da confiabilidade interavalidadores, o ICPP apresentou níveis de confiabilidade ótimos para cinco indicadores; bons para cinco e apenas um indicador com fraco nível de confiabilidade.(11) em cinco categorias de cuidados com confiabilidade satisfatória. Colaborações Dini AP e Guirardello EB declaram que contribuíram com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Mello DF, Lima RA.[Technical attainment, practical success and practical knowledge: hermeneutical bases for child nursing care]. Rev Latinoam Enferm. 2009;17(4):580-5. Portuguese. 2. Melleiro MM, Tronchin DM. [Perception of companions-users and nurses about the quality of care in pediatric units]. Acta Paul Enferm. 2010;23(5):646-51. Portuguese. 3. Giovannetti P. Understanding patient classification systems. J Nurs Adm. 1979;9(2):4-9. 4. De Groot HA. Patient classification system evaluation. Part 1: Essential system elements. J Nurs Adm. 1989;19(6):30-5. 5. Fugulin FM, Gaidzinski RR, Kurcgant P. Patient classification system: identification of the patient care profile at hospitalization units of the UH-USP. 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Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):144-9. 149 Artigo Original Prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva no Brasil Prevalence of drug interactions in intensive care units in Brazil Rhanna Emanuela Fontenele Lima de Carvalho1 Adriano Max Moreira Reis2 Leila Márcia Pereira de Faria1 Karine Santana de Azevedo Zago3 Silvia Helena De Bortoli Cassiani1 Descritores Enfermagem; Enfermagem prática; Cuidados de enfermagem; Interações de medicamentos; Unidades de terapia intensiva Keywords Nursing; Nursing practice; Nursing care; Drug interactions; Intensive care units Submetido 28 de Março de 2012 Aceito 21 de Fevereiro de 2013 Autor Correspondente Adriano Max Moreira Reis Avenida Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 31270-901 [email protected] 150 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):150-7. Resumo Objetivo: Determinar a prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva e analisar a significância clínica das interações identificadas. Métodos: Estudo multicêntrico, transversal e retrospectivo desenvolvido com 1124 pacientes em sete unidades de terapia intensiva (UTI) de hospitais de ensino no Brasil. As informações sobre os medicamentos administrados com 24 horas e 120 horas de internação foram obtidas nas prescrições. Resultados: Em 24 horas 70,6% dos pacientes apresentaram pelo menos uma interação medicamentosa. O número de interações medicamentosas detectadas em 24 horas foi 2299 e em 120 horas foi 2619. Midazolam, fentanil, fenitoína e omeprazol foram os fármacos com maior frequência de interações medicamentosas. Conclusão: Nesta amostra, interações medicamentosas moderadas e graves foram mais prevalentes. Diante desses resultados, todas as ações dos profissionais de saúde que prestam assistência ao paciente devem ser integradas visando identificar e prevenir possíveis eventos a medicamentos. Abstract Objective: To determine the prevalence of drug interactions in intensive care units and to analyze the clinical significance of interactions identified. Methods: A multicenter, retrospective and cross sectional study conducted with 1124 patients in the seven intensive care units of teaching hospitals in Brazil. Information on drugs administered at 24 hours and 120 hours of hospitalization was obtained from the prescriptions. Results: Within 24 hours, 70.6% of patients had at least one drug interaction; the number at 24h was 2299, at 120 h it was 2619. Midazolam, fentanyl, phenytoin and omeprazole were the drugs with higher frequency of drug interactions. Conclusion: In this sample, moderate and severe drug interactions were more prevalent. In light of these findings, all actions of health professionals who provide care to these patients must be integrated in order to identify and prevent possible drug events. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. 3 Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia , MG, Brasil. Conflito de Interesse: os autores declaram não haver potenciais conflitos de interesse. 1 2 Carvalho REFL, Reis AMM, Faria LMP, Zago KSA, Cassiani SHB Introdução Os pacientes de unidades de terapia intensiva (UTI) apresentam maior risco de desenvolver interações medicamentosas (IM) que os pacientes de outras unidades. Além do risco atribuído aos múltiplos medicamentos, há o risco resultante da gravidade da doença e da falência de órgãos. Estudos mostraram uma correlação positiva entre múltiplos medicamentos diferentes e IM. Interações medicamentosas contribuem para a incidência de reações adversas em UTI e frequentemente constitui uma complicação não reconhecida da farmacoterapia. As IM podem ser benéficas ou nocivas, dependendo de vários fatores ligados ao medicamento, ao paciente ou às condições de utilização dos medicamentos.(1) Interações benéficas, ou desejáveis, têm por objetivo tratar doenças concomitantes, reduzir efeitos adversos, incrementar a eficiência ou permitir a redução da dose. Por outro lado, as interações nocivas são as que determinam redução do efeito ou resultados contrários aos esperados, aumento na incidência ou no perfil de reações adversas e no custo da terapêutica, sem incremento no benefício terapêutico.(2) A prevalência de potenciais interações medicamentosas em unidade de terapia detectada em estudos observacionais variou de 44,3 a 86%.(3-4) Na literatura pesquisada, a prevalência de interações fármaco-nutrição enteral não foi identificada. Os pacientes de UTI apresentam além do risco atribuído aos múltiplos medicamentos, muitas vezes administrados simultaneamente, um risco devido à gravidade das doenças e à falência de órgãos. Mudanças no volume de distribuição dos medicamentos e de outros fatores farmacocinéticos que também contribuem para reduzir a segurança dos medicamentos nesses pacientes. A atividade do citocromo P450 e o efeito da glicoproteína P são determinantes de importantes processos farmacocinéticos de um número significativo de fármacos e estão envolvidas nos mecanismos de interações clinicamente importantes em UTI. Além do risco das interações fármaco-fármaco, os pacientes de unidades de terapia intensiva apresentam maior predisposição as interações fármaco-nutriente. Devido ao quadro clínico grave, estes pacientes recebem alimentação por meio de sondas nasoentéricas, nasogástricas ou ostomias. No entanto, estes dispositivos não são utilizados somente para administração de medicamentos, muitas vezes são empregados também para administração de medicamentos. A consequência dessa prática é o risco de eventos adversos como: obstrução da sonda, incompatibilidades físico-químicas e potenciais interações fármaco-nutriente.(5) O conhecimento dos profissionais de saúde, principalmente prescritores, sobre IM pode auxiliar na predição das mesmas e minimizar o impacto negativo por meio da monitorização adequada, quando a combinação for inevitável. Essa atitude da equipe de saúde contribui para a otimização e segurança da farmacoterapia em pacientes críticos. Diante do exposto, os objetivos deste estudo foram determinar a prevalência de IM em unidades de terapia intensiva de sete hospitais no Brasil e analisar a significância clínica das interações identificadas. Métodos Estudo multicêntrico, transversal e retrospectivo desenvolvido em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de sete hospitais de ensino no Brasil. Os hospitais estão localizados nas regiões centro oeste, nordeste e sudeste do país, todos pertencem à Rede Sentinela de hospitais da Agência Nacional de vigilância Sanitária - ANVISA. Foram incluídos na investigação prontuários de pacientes internados em 2007 nas UTI dos hospitais estudados. As informações demográficas e os diagnósticos principais foram extraídos dos prontuários dos pacientes. Informações relacionadas aos medicamentos e a nutrição enteral administrada em dois momentos foram coletadas das prescrições médicas. A seleção da amostra foi aleatória e participaram do estudo os pacientes que preenchiam os seguintes critérios: idade maior que 18 anos; tempo de permanência na UTI por um período igual ou superior a 120 horas. Os pacientes menores que 18 anos e com tempo de internação menor que cinco dias foram excluídos do estudo. Elaborou-se um instrumento para realizar a coleta de dados. As seguintes informações dos paActa Paul Enferm. 2013; 26(2):150-7. 151 Prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva no Brasil cientes foram coletadas empregando o referido instrumento: idade, gênero, tempo de internação e diagnósticos principais (segundo a Classificação Internacional de Doenças - CID10) e informações sobre medicamentos administrados com 24 horas e 120 horas de internação. Esses momentos foram escolhidos devido à quantidade de medicamentos prescritos no primeiro dia de hospitalização do paciente na UTI, e por ser a primeira semana de hospitalização o período de maior ajuste terapêutico.(3) Potenciais IM correspondem às interações que teoricamente podem ocorrer durante a farmacoterapia do paciente, e podem manifestar-se clinicamente ou não. Na presente investigação será empregada a terminologia interação medicamentosa para referir-se a ao conjunto que engloba interação fármacofármaco e fármaco-nutrição enteral. Para a identificação de potenciais interações fármaco-fármaco e fármaco-nutrição enteral empregouse o software Drug Reax®, desenvolvido por Thomson MicromedexTM, Greenwood Village, Co, USA.(6) O software apresenta adequada sensibilidade para detecção de interações medicamentosas em âmbito hospitalar.(7) O software Drug Reax fornece informações sobre as consequências clínicas ou reações adversas a medicamentos resultantes da interação e caracteriza o mecanismo de ação. Classifica as interações em relação à gravidade em cinco categorias (contra indicado, grave, moderada, leve e desconhecida), tempo de início (imediato e tardio) e ao nível de evidência científica (excelente, boa, regular, pobre, improvável e desconhecida) O mecanismo de ação das interações foi classificado em farmacocinético, farmacodinâmico ou misto. Para as interações farmacocinéticas foi identificado o processo envolvido (absorção, distribuição, metabolismo ou excreção). Os dados foram armazenados no banco de dados Access Office 2007 da Microsoft. Para a análise estatística foi utilizado o software Statistica versão 8.0. A análise descritiva foi realizada utilizando distribuição de frequência para as variáveis categóricas e medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio-padrão) para as variáveis quantitativas. O desenvolvimento do estudo seguiu os padrões nacionais e internacionais de pesquisa envolvendo humanos. 152 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):150-7. Resultados No estudo foram incluídos 1124 prontuários; sendo 630 (56%) de pacientes do sexo masculino. A média de idade dos pacientes foi de 52,5 anos (± 19,0), com um mínimo de 18 e máximo de 96,8 anos. O tempo médio de internação foi 19,4 dias (± 23,0). Os diagnósticos mais frequentes tanto em 120 horas como em 24 horas foram: doenças do aparelho circulatório, doenças do aparelho respiratório e lesões envenenamento e algumas outras consequências de causas externas. O número de medicamentos prescritos por paciente em 24 horas e 120 horas foi equivalente respectivamente 13,6(± 45) e 13,2(± 4,8). A prevalência de potenciais IM com 24 horas e 120 horas de internação é apresentada na tabela 1. Nas primeiras 24 horas, 70,6% dos pacientes apresentaram pelo menos uma IM. O número total de interações medicamentosas foram 2299, com 350 tipos de interações fármaco-fármaco e três tipos de interações fármaco-nutrição enteral. A prevalência de interações em 120 horas foi 72,5%. O número de potenciais IM detectadas em 120 horas foi maior, sendo 2619, com 419 tipos de interações fármacofármaco e quatro tipos de interações fármaco-nutriTabela 1. Prevalência de potenciais interações medicamentosas em sete unidades de terapia intensiva Variável n 24 horas de internação Número de pacientes com interações medicamentosas (%) 793(70,6) Total de interações medicamentosas 2299 Tipos de interações medicamentosas 353 Interações fármaco-fármaco 350 Interações fármaco-nutrição parenteral 3 Número de interações medicamentosas por paciente - média (Mín, Max) 2,92(1-18) 120 horas de internação Número de pacientes com interações medicamentosas (%) 815(72,5) Total de interações medicamentosas 2619 Tipos de interações medicamentosas 423 Interações fármaco-fármaco 419 Interações fármaco-nutrição parenteral Número de interações medicamentosas por paciente - média (Min, Max) 4 3,3(1,18) Carvalho REFL, Reis AMM, Faria LMP, Zago KSA, Cassiani SHB ção enteral. O número médio de IM por paciente elevou de 2,9(24 horas) para 3,3 horas (120 horas). Nutrição enteral foi utilizada por 320 (28,5%) pacientes com 24 horas de internação e por 504 (44,8%) com 120 horas. A prevalência de interação fármaco-nutrição enteral entre esses pacientes foi de 20 (6,3%) e 39 (7,7%) respectivamente. Na tabela 2 são apresentadas as características das potenciais interações em relação à gravidade, tempo de início, mecanismo de ação e o nível de evidência científica. As potenciais interações graves foi respectivamente 36,5% (24 horas) e 35,2% (120 horas). O nível de evidência para aproximadamente 60% das interações foram boas. Verificou-se um equilíbrio em Tabela 2. Classificação das interações medicamentosas potenciais identificadas em sete unidades de terapia intensiva. Prescrição Classificação 24 horas 120 horas n(%) n(%) 2(0,1) 5(0,2) Grave 840(36,5) 922(35,2) Moderada 1151(50,1) 1347(51,4) Leve 306(13,3) 345(13,2) Excelente 242(10,5) 342(13,1) Boa 1468(63,9) 1548(59,1) Regular 589(25,6) 727(27,8) -(-) 2(0,1) Gravidade Contraindicada Nível de evidência Não informado Mecanismo de ação Farmacocinético relação ao mecanismo de ação das potenciais interações em 24 horas com 982 (42,7%) do tipo farmacocinético, 946 (41,1%) do tipo farmacodinâmico. Já em 120 horas observou-se uma discreta predominância de potenciais interações com mecanismo de ação farmacodinâmico com uma frequência de 1104 (42,2%). As potenciais interações de mecanismo farmacocinético foram 1037 (39,6%). Analisando a distribuição dos processos farmacocinéticos das potenciais interações fármaco-fármaco, identificouse que o processo metabolismo foi responsável por 88,5% das potenciais interações em 24 horas e por 83,1% das em 120 horas. O número dos processos foi diferente porque uma interação farmacocinética pode ser determinada por mais de um processo. As interações graves mais frequentes em 24 e 120horas e com frequência absoluta maior que 10 estão listadas na tabela 3. Tabela 3. Interações medicamentosas graves mais frequentes em sete unidades de terapia intensiva Prescrição Interação fármaco-fármaco 24 horas 120 horas n(%) n(%) 324(38,6) 215(23,3) Captopril+Cloreto de Potássio 54(6,4) 97(10,5) Ácido Acetilsalicílico+ Heparina 47(5,6) 80(8,7) Clopidogrel + Enoxaparina 21(2,5) 15(1,6) Amiodarona + Fentanil 18(2,1) 28(3,0) Fentanil + Nimodipina 19(2,3) 14(1,5) Clopidogrel + Omeprazol 16(1,9) 18(2,0) Fentanil + Fluconazol 16(1,9) 20(2,2) Haloperidol + Tramadol 16(1,9) 19(2,1) Fentanil + Fenobarbital 15(1,8) -(-) Fentanil + Nifedipina 14(1,7) 18(2,0) Clopidogrel + Heparina 14(1,7) 17(1,8) Fentanil + Midazolam 982(42,7) 1037(39,6) Farmacodinâmico 946(41,1) 1104(42,2) 29(1,3) 42(1,6) 342(14,9) 436(16,6) Absorção 65(6,4) 94(8,7) Ciprofloxacina + Insulina 14(1,7) 22(2,4) Distribuição 3(0,3) 5(0,5) Midazolam + Fenobarbital 13(1,5) -(-) Midazolam + Morfina 11(1,3) -(-) Captopril + Espironolactona -(-) 17(1,8) Clonidina+ Propranolol -(-) 13(1,4) 12(1,3) 12(1,3) Misto Desconhecido Processo farmacocinético Metabolismo Excreção 895(88,5) 900(83,1) 49(4,8) 84(7,7) Tempo de início Imediato 585(49,7) 841(32,1) Insulina + Levofloxacina Tardio 1142(25,4) 1292(49,3) Outros 216(25,8) 317(34,4) Desconhecido 572(24,9) 486(18,6) Total 840(100,0) 922(100,0) Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):150-7. 153 Prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva no Brasil As potenciais interações de gravidade moderada foram midazolam + omeprazol e fentanil+ fenitoína foram as mais prevalentes nessa categoria, nas 24 horas, enquanto que nas 120 horas foram midaz lam +omeprazol e omeprazol+fenitoína. Discussão A identificação de interações usando software e abordagem retrospectiva detecta potenciais interações, o que não significa que os possíveis eventos adversos manifestaram clinicamente em todos os pacientes com as interações fármaco-fármaco e fármaco-nutrição enteral identificadas. O software é uma ferramenta importante para verificar potenciais IM, mas geralmente produz nível de sinal elevado que pode indicar uma alta prevalência de interações potenciais.(8) Sendo assim é importante considerar além da prevalência global, a magnitude da interação no contexto clínico assistencial da terapia intensiva, em termos de gravidade e eventos adversos associados. A frequência de potenciais interações detectadas em 24 horas e 120 horas de internação dos pacientes foi da ordem de 70% (Tabela 1). A prevalência na amostra investigada foi inferior ao verificado em outros estudos nacionais, cujas prevalências foram superiores a 85%.(4,9) No delineamento desse estudo, que avaliou prescrições de medicamentos em dois momentos de internação, as variações na complexidade assistencial das UTI investigadas, assim como diferenças no nível de sensibilidade e especificidade das metodologias empregadas na identificação das potenciais interações podem explicar a discrepância encontrada e minimizar o valor das comparações entre diferentes estudos. O número médio de medicamentos prescritos por paciente é um dos determinantes dessa porcentagem de interações. Outro diferencial do presente estudo, que também justifica a menor prevalência, é o emprego de um critério seletivo para as potenciais interações com ácido acetilsalicílico. Foram excluídas as potenciais interações que segundo o software Drug Reax, ocorrem com doses superiores a 300mg. Esse critério foi empregado porque, no estudo piloto, verificou-se que essas doses não são frequentes nas UTI 154 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):150-7. investigadas. O ácido acetilsalicílico, geralmente, é empregado em doses de 100mg com finalidade terapêutica de anti-agregante plaquetário. O impacto da prevalência de IM no contexto assistencial, ganha maior significância quando acompanhado de informações que permitem identificar a sua significância clínica. A significância clínica é determinada pela gravidade, nível de evidência e consequências clínicas.(6) As potenciais interações detectadas, nos 2 momentos estudados, foram predominantemente graves e moderadas (Tabela 2). A interação mais frequente, tanto em 24 horas como em 120 horas, foi midazolam+ fentanil. Essa interação farmacodinâmica é um exemplo de interação empregada com finalidade terapêutica. A eficácia da associação de midazolam + fentanil na sedação de pacientes em ventilação mecânica foi comparada com o emprego de midazolam em um ensaio clínico randomizado cego. Os pesquisadores verificaram que a administração conjunta em infusão contínua fornece sedação mais adequada e com maior facilidade de titulação da dose que com midazolam isolado, sem diferença na taxa de eventos adversos.(10) Entretanto, é importante destacar que, no grupo midazolam+ fentanil, foram detectados eventos adversos como: hipotensão e hipoventilação, o que justifica a classificação dessa interação como grave. Para aliar o alcance dos objetivos terapêuticos à segurança do paciente é importante a estratégia de monitorização da sedação, com emprego de escalas adequadas como a de Ramsay e a elaboração de protocolos de sedação. A atuação do enfermeiro é importante nessa monitorização dos pacientes para assegurar uma sedação segura e efetiva.(10) As potenciais interações farmacodinâmicas: midazolam + morfina, fentanil+morfina e fentanil +fenobarbital apresentaram prevalência significativa no estudo e demonstraram características de produzir eventos adversos clinicamente importantes sobre o sistema respiratório e cardiovascular. Outras potenciais interações graves, devido o risco de hipotensão, são fentanil+nimodipina e fentanil + nifedipina. Com 120 horas de internação é maior a frequência da interação fluconazol + fentanil. Esse antimicrobiano é inibidor do CYP4503A4 aumenta os níveis sanguíneos do fentanil e os riscos Carvalho REFL, Reis AMM, Faria LMP, Zago KSA, Cassiani SHB de hipersedação e seus efeitos adversos. Neste caso, também a presença de protocolos de sedação, é uma estratégia adequada para identificação e monitorização dos efeitos da interação. A associação midazolam + omeprazol foi a interação farmacocinética mais prevalente no estudo. De gravidade moderada, o mecanismo dessa interação é a redução do metabolismo do midazolam pelo omeprazol, um inibidor do citocromo P4503A4. A evidência científica é razoável, pois os estudos que demonstraram essa interação foram in vitro. Entretanto, considerando o contexto da terapia intensiva, é importante monitorar o nível de sedação e ajustar, se necessário, a dose dos medicamentos nos pacientes em uso concomitante dos mesmos.(6) A fenitoína é um fármaco de índice terapêutico estreito e potente indutor enzimático, características farmacológicas, que predispõem a potenciais interações medicamentosas, com consequências clínicas importantes. A determinação dos níveis plasmáticos é um instrumento adequado para monitorar a evolução da interação e realizar o manejo com o ajuste da dose.(2) A diversidade de potenciais interações com fenitoína, em conjunto com suas características farmacoterápicas, são aspectos que sugerem que enfermeiros e demais membros da equipe de saúde considerem a probabilidade de potenciais interações com esse fármaco em pacientes com múltipla farmacoterapia. As interações com omeprazol ou nifedipina ou amiodarona são exemplos onde a fenitoína é o fármaco objeto da interação. A consequência é o aumento do nível plasmático da fenitoína, cujas manifestações clínicas são ataxia, nistagmo, hiperreflexia e tremor.(6) Por outro lado, a fenitoína pode ser agente precipitante da interação, reduzindo os níveis plasmáticos do outro fármaco que participe da interação. A redução do nível plasmático ocorre devido à atividade indutora da fenitoína e contribui para diminuição da efetividade do fármaco que sofre o efeito da indução enzimática, o que pode levar a uma falha terapêutica.(6) Uma interação grave frequente nos dois momentos da internação foi captopril +cloreto de potássio, que pode resultar em hipercalemia com consequências clínicas graves, principalmente em portadores de insuficiência cardíaca, idosos e pacientes com insuficiência renal. Hipercalemia também pode sur- gir em decorrência de outras potenciais interações detectadas neste estudo como: espironolactona+captoptril e espironolactona + cloreto de potássio.(6) Potenciais interações de significância clinica ocorrem com a amiodarona em função de sua atividade inibidora do CYP4503A4 e da glicoproteína P. A amiodarona é utilizada no tratamento de arritmias supraventriculares, como a fibrilação atrial, que se constitui a arritmia mais frequente em terapia intensiva.(2,6) Essa indicação terapêutica explica o amplo emprego desse fármaco em UTI e a frequência de interações potenciais com amiodarona detectadas neste estudo. Diante do risco de potenciais interações, é importante a identificação e monitorização das mesmas para alcançar os resultados esperados e garantir a segurança da terapêutica. Nesse sentido, o tratamento conjunto de amiodarona + fentanil requer uma monitorização devido o risco de cardiotoxicidade e aumento dos efeitos tóxicos do fentanil decorrentes da interação farmacocinética. O uso concomitante com nifedipina e outros fármacos que aumentam o bloqueio átrio ventricular pode intensificar a bradicardia e os sinais de bloqueio cardíaco. O uso de amiodarona +sinvastatina aumenta o risco de miopatia ou rabidomiólise, devida a elevada concentração plasmática da sinvastatina em função da inibição do seu metabolismo pela amiodarona. A inibição da glicoproteína P, pela amiodarona implica em redução do clearance da digoxina, aumentando o nível plasmático e as chances de intoxicação digitálica. A redução da dose e a monitorização plasmática periódica da digoxina é essencial para minimizar os efeitos dessa interação. Neste estudo, essas potenciais interações foram mais frequentes com amiodarona.(6) É crescente a preocupação com fármacos que possuem a propriedade de prolongar o intervalo QT, devido o risco de cardiotoxicidade com torsade de points e parada cardíaca.(11) Esses eventos adversos podem ser determinados por potenciais interações farmacocinéticas que inibem o metabolismo de fármacos com essa propriedade ou por sinergismo farmacodinâmico. As potenciais interações: metronidazol+amidorana, fluconazol+sulfametoxazol/ trimetroprim, fluconazol+haloperidol, risperidona+haloperidol e amiodarona+haloperidol detectadas nessa investigação podem produzir os eventos adversos citados. Sendo assim, a equipe de saúde Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):150-7. 155 Prevalência de interações medicamentosas em unidades de terapia intensiva no Brasil deve conhecer os fármacos que prolongam o intervalo QT, assim como os outros fatores de risco que contribuem para esse fenômeno, visando adotar estratégias adequadas de manejo e monitorização dos efeitos das potenciais interações. Recentemente, estudos observacionais identificaram resultados negativos com pacientes em uso da interação clopidrogrel +omeprazol, após alta da internação por síndrome coronariana aguda. Os principais resultados negativos avaliados foram morte e reinternação por infarto do miocárdio ou angina instável. Um estudo de coorte retrospectivo demonstrou associação entre o risco de resultados adversos e o uso concomitante de omeprazol e clopidrogrel em pacientes após hospitalização por síndrome coronariana aguda.(12) Resultados equivalentes foram encontrados em estudo canadense com pacientes internados por infarto agudo do miocárdio.(13) Esses estudos comprovaram hipóteses geradas em estudos experimentais que demonstraram que o omeprazol atua no citocromo P4502C19 inibindo a bioativação do pro-fármaco clopidogrel em sua forma ativa, reduzindo seu efeito antiagregante plaquetário. No contexto da terapia intensiva é importante investigar tanto as potenciais interações fármaco-fármaco como as potenciais interações fármaco-nutrição enteral. Na amostra pesquisada a incidência foi baixa, mas vale ressaltar que as potenciais interações fármaco-nutrição enteral têm impacto clínico, podendo interferir nos resultados do plano farmacoterapêutico, desenvolvido para o paciente. Na literatura pesquisada não foi localizada nenhum estudo de avaliação desse tipo de interação em pacientes de terapia intensiva. Entre os softwares de análise de interação, a detecção de potenciais interações fármaco-nutrição enteral é uma particularidade do Drug Reax. As potenciais interações fármaco-nutrição enteral identificadas no estudo envolveram quatro fármacos: a hidralazina e três com índice terapêutico estreito (fenitoína, levotiroxina e varfarina), o que sinaliza a importância clínica dessas potenciais interações. As investigações a respeito das potenciais interações fármaco-nutrição enteral são incipientes, e em número reduzido.(14,15) Os mecanismos das potenciais interações fármaco-nutriente envolvem reações físico-químicas dos 156 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):150-7. fármacos com componentes da dieta que acarretam em redução da biodisponibilidade. Outro fator que também contribui para reduzir a concentração plasmática dos fármacos é a adsorção nas paredes da sonda enteral.(15) Uma estratégia para reduzir os efeitos das potenciais interações fármaco-nutrição enteral identificadas é o planejamento do horário de administração do medicamento considerando a frequência e o tipo de administração da nutrição enteral. Esse aspecto é mais facilmente manejado quando o medicamento é administrado em dose única e a nutrição administrada em bolus ou intermitente. Certa complexidade surge com esquemas múltiplos de administração de medicamentos e com a dieta em infusão contínua, pois demanda interrupção da dieta para administrar o medicamento e posterior ajuste da taxa de administração da dieta para garantir o aporte calórico prescrito.(15) Normalmente é recomendado interromper a dieta uma a duas horas antes e depois da administração dos medicamentos.(14,15) É papel do enfermeiro, em conjunto com o medico, farmacêutico e nutricionista esquematizar os horários e os cuidados da administração desses medicamentos evitando a interação fármaco-nutriente. As potenciais interações envolvendo absorção foram limitadas neste estudo, com maior frequência em 120 horas, quando o paciente já apresentava estabilidade clínica e menor necessidade do uso da via parenteral. As potenciais interações identificadas no estudo que envolvessem reações que reduzem a absorção foram: levotiroxina+sevelamer, cetoconazol+ranitidina, atazanavir+omeprazol e carbonato de cálcio+captopril. Esse estudo, de caráter multicêntrico, contribuiu de forma significativa para a pratica de enfermagem em cuidado crítico apresentando o perfil de IM em UTI do Brasil, construindo uma ferramenta importante para o planejamento de ações e para melhoria da segurança do paciente em terapia intensiva. Para ampliar a segurança dos pacientes é essencial implementar estratégias que auxiliem a equipe de saúde a identificar as potenciais interações e implementar medidas de prevenção e monitorização de pacientes em riscos de desenvolver IM, antes das mesmas se manifestarem. Carvalho REFL, Reis AMM, Faria LMP, Zago KSA, Cassiani SHB O enfermeiro como responsável pelo aprazamento dos horários dos medicamentos e da dieta é um profissional essencial para prevenção das potenciais interações fármaco-nutrição enteral e das potenciais interações que envolvem o processo de absorção, contribuindo para a efetividade da farmacoterapia dos pacientes. Entretanto, o planejamento do horário tem impacto pequeno na prevenção das potenciais interações farmacocinéticas, que envolvem o processo metabolismo, assim como para as farmacodinâmicas. Para essas categorias as principais medidas de prevenção estão relacionadas com estratégias como: evitar o uso concomitante, ajustar a dose do fármaco objeto e monitorização clínica para detecção precoce dos efeitos adversos. A atuação do enfermeiro pode contribuir para a segurança do paciente e prevenir interações medicamentosas indesejáveis. No entanto, o impacto das ações serão mais efetivos se desenvolvidas numa perspectiva interdisciplinar. Conclusão Nessa amostra, as IM graves e moderadas foram mais prevalentes, em virtude do perfil dos pacientes e da complexidade da farmacoterapia, exigindo ações integradas da equipe de saúde para sua identificação e prevenção. O conhecimento do mecanismo farmacológico e dos principais fatores de risco para interações fármacofármaco e fármaco-nutrição enteral contribui para estabelecer programas adequados para evitá-las, permite otimizar a terapêutica medicamentosa e consequentemente aumentar a segurança e efetividade do tratamento. Agradecimentos A Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo – FAPESP (nº2006/05882-8) – São Paulo, SP, Brasil pelo financiamento da pesquisa. Colaborações Carvalho REFL; Reis AMM; Faria LMP; Zago KSA e Cassiani SHB contribuíram na concepção do estudo, análise e interpretação, revisão da literatura, delineamento da pesquisa, interpretação dos dados, coleta dos dados, entrada, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final do artigo. Referências 1. Cullen DJ, Sweitzer BJ, Bates DW, Burdick E, Edmondson A, Leape LL. Preventable adverse drug events in hospitalized patients: a comparative study of intensive care and general care units. Crit Care Med. 1997;25(8):1289-97. 2. Spriet I, Meersseman W, de Hoon J, von Winckelmann S, Wilmer A, Willems L. Mini-series: II. Clinical aspects. Clinically relevant CYP450-mediated drug interactions in the ICU. Intensive Care Med. 2009; 35(4):603-12. 3. Lima RE, De Bortoli, Cassiani SH. Potential drug interactions in intensive care patients at a teaching hospital. Rev Latinoam Enferm. 2009;17(2):222-7. 4. 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Simões, Tabuleiro dos Martins, Maceió, AL, Brasil. CEP: 57072-970 [email protected] 158 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):158-64. Resumo Objetivo: Identificar a taxa de transmissão vertical do HIV e avaliar os fatores envolvidos em partes materna e fetal. Métodos: Estudo transversal realizado no Serviço de Atendimento Especializado. Foram investigados 102 prontuários de mulheres com HIV que deram à luz a recém-nascidos vivos. Resultados: A prevalência de 6,6% de transmissão vertical. Entre as crianças infectadas: 40,0% de mães sem pré-natal e 75% sem a profilaxia com anti-retrovirais durante o pré-natal, 50,0% sem profilaxia com AZT com oral e amamentado. Entre as crianças não infectadas: 91,5% iniciaram a profilaxia com AZT oral ao nascimento e 84,1% das mães receberam ARV. Conclusão: A ocorrência de transmissão vertical do HIV no serviço de referência correspondeu a 6,6%, o que indica uma alta prevalência. Abstract Objective: To identify the rate of vertical transmission of HIV and assess the factors involved in maternal and fetal share. Methods: Cross-sectional study conducted in the Specialized Care Service. We investigated 102 clinical records of HIV positive women who had given birth to live newborns. The primary variable was the occurrence of vertical transmission of HIV and the secondary variables were the factors associated with vertical transmission of HIV. Results: Prevalence of 6.6% of vertical transmission. Among the infected children: 40.0% of mothers with out prenatal care and 75% without prophylaxis with antiretroviral drugs during the prenatal, 50.0% without AZT prophylaxis with oral and breast-fed. Among the uninfected children: 91.5% were started on prophylaxis with oral AZT at birth and 84.1% of mothers received ARV delivery. Conclusion: The occurrence of vertical transmission of HIV in the reference service corresponded to 6.6%, indicating a high prevalence. Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. Hospital Universitário, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 3 Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Conflitos de interesse: Barros SMO é atualmente o Editor Chefe da Acta Paulista de Enfermagem. Este artigo foi submetido e avaliado antes de assumir esta função. 1 2 Rodrigues STC, Vaz MJR, Barros SMO Introdução A pandemia do vírus da imunodeficiência humana (HIV) representa uma das crises mais graves de saúde em todo o mundo, existem 34 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo, incluindo mais de 15,4 milhões de mulheres. No Brasil, em 2009, houve 38.538 casos notificados da doença com uma taxa de incidência de 20,1 casos por 100.000 habitantes. A forma predominante de transmissão entre pessoas com mais de 13 anos de idade é sexual, e esta subcategoria principal da exposição é crescente.(1,2) A epidemia de HIV / Aids no Brasil está associada com a tendência de feminização da pobreza, as taxas de incidência nos últimos anos têm afetado principalmente as mulheres com baixa escolaridade. Tendências nacionais mostram que nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do Brasil, a feminização da epidemia está se estabilizando, mas no norte e nordeste a tendência mostra prevalência alta. As mulheres no Brasil, entre 15 e 49 anos, é 0,6%, e entre as mulheres grávidas é de 0,41%. (3,4) O crescimento de casos de Aids entre as mulheres tem, como consequência, o aumento da transmissão vertical da infecção pelo HIV. Quase todos os casos de Aids em menores de 13 anos de idade têm a transmissão vertical do HIV como fonte de infecção.(8) A taxa de transmissão vertical do HIV, sem qualquer intervenção, situa-se em torno de 25,5%, e é possível reduzir para níveis entre zero e 2%, por meio de intervenções preventivas. No entanto, somente uma aplicação ampla destas intervenções irão resultar em uma redução significativa na incidência de casos de Aids em crianças.(5-9) Este estudo surgiu a partir da observação de rápidas e significativas transformações epidemiológicas que esta pandemia tem sofrido ao longo dos anos, e como profissional na equipe interagindo com o SAE, e o envolvimento direto com os cuidados de enfermagem para mulheres grávidas com HIV no Centro de Referência na cidade, desde 2004. A evolução da epidemia de Aids no Brasil, tem afetado principalmente as mulheres e trouxe o controle da transmissão vertical do HIV como um novo desafio a ser enfrentado, e por isso tornou-se um objetivo relevante identificar a taxa de transmissão vertical de HIV no centro de referência na cidade de Maceió, Alagoas, e avaliar os fatores associados ao risco materno e fetal. Métodos Este foi um estudo transversal, realizado no Serviço de Assistência Especializada na cidade de Maceió, estado de Alagoas, região nordeste do Brasil. Foram investigados prontuários de mulheres com HIV que tinham dado à luz a recém-nascidos vivos. Foram incluídos mulheres diagnosticadas com HIV ou Aids, com sorologia positiva confirmada antes da gravidez, durante o pré-natal ou na maternidade. Todas as crianças nascidas dessas mulheres foram incluídas no estudo, com diagnóstico positivo ou negativo de transmissão do HIV, durante o período de Janeiro de 2002 a Dezembro de 2006. A variável primária foi a ocorrência de transmissão vertical do HIV e as variáveis secundárias foram os fatores associados à transmissão vertical do HIV. Os termos dos fatores associados à transmissão vertical para esta pesquisa segue o modelo a partir da Ficha de Investigação e Notificação de gestantes HIV positivas e crianças expostas. A determinação do tamanho da amostra considerou o número de visitas feitas durante o período de estudo. O tamanho da amostra foi de 102 registros (mãe-filho) e destes, foram avaliados 76 prontuários que preencheram os critérios de inclusão do estudo. As variáveis qualitativas foram apresentadas como frequências absolutas (n) e frequências relativas (%). As variáveis quantitativas da média e desvio padrão da média, foram calculados junto com mínimos e máximos, para identificar variação. Para análise de testes de comparação de variáveis qualitativas utilizou-se o teste exato de Fisher, e considerou-se o nível de significância a 5%. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas éticas nacionais e internacionais de pesquisa envolvendo seres humanos. Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):158-64. 159 Transmissão vertical do HIV em população atendida no serviço de referência Tabela 2. Variáveis qualitativas na assistência pré-natal Resultados As características sociodemográficas das 76 mulheres estudadas estão apresentados na tabela 1. Podese observar que a maioria era jovem, em idade fértil, e que os baixos níveis de educação foram significativos nesta população. Tabela 1. Variáveis qualitativas em crianças infectadas e não infectadas Variáveis qualitativas Não infectadas Infectadas n(%) n(%) Idade materna (em anos completos) Entre 15 e 19 anos 14(20,0) 0(0) Entre 20 e 39 anos 54(77,1) 4(100,0) Entre 40 e 50 anos 2(2,9) 0(0) Anos de estudo (educação) Nenhum 15(29,4) 1(33,3) Entre 1 e 3 anos 7(13,7) 1(33,3) Entre 4 e 7 anos 24(47,1) 0(0) Entre 8 e 11 anos 5(9,8) 1(33,3) Zona rural de Alagoas 2(2,9) 0(0) Área urbano/rural de Alagoas 16(22,9) 1(33,3) Maceió 52(74,3) 2(66,7) Sorologia desconhecida 11(23,9) 0(0) Múltiplos parceiros 4(8,7) 1(25,0) Parceiro não infectado 6(13,0) 0(0) Parceiro infectado 25(54,3) 3(75,0) Município de residência Parceiro sexual Houve uma associação estatisticamente significativa em relação à transmissão vertical, para estas variáveis: a cidade em que foi realizado ou não o pré-natal, e o uso de antirretrovirais no pré-natal (Tabela 2). Cuidados recomendados em Maceió para a mãe no momento do parto, que são fatores de proteção para a transmissão vertical e que resultou na maior percentagem de crianças não infectadas (Tabela 3). Há uma exceção notável dos nascimentos em áreas rurais, o que teve o maior percentual de crianças que não receberam profilaxia antirretroviral (ARV) no prazo de 24 horas de vida entre o grupo de crianças infectadas, e uma tendência para a maior percentagem de 160 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):158-64. Não infectada Infectada n(%) n(%) Zona rural de Alagoas 8(11,4) 0(0) Maceió 57(81,4) 2(50,0) 5(7,1) 2(50,0) Variáveis qualitativas Cidade em que o pré-natal foi concluído Não fez prénatal Realização de pré-natal Não 5(7,0) 2(40,0) Sim 66(93,0) 3(60,0) 17(25,4) 1(25,0) Trimestre 1º trimestre gestacional da 1ª. 2º trimestre consulta pré-natal 3º trimestre Não fez prénatal Caso confirmado de Aids no prénatal de gestação Uso de ARV para tratamento da Aids na gestação Trimestre da gravidez no qual usou TARV para profilaxia da transmissão vertical 20(29,9) 1(25,0) 25(37,3) 0(0) 5(7,5) 2(50,0) Sim 15(23,1) 0(0) Não 50(76,9) 4(100,0) Sim 14(21,5) 0(0) Não 51(78,5) 4(100,0) 1º trimestre 9(14,3) 0(0) 2º trimestre 21(33,3) 1(25,0) 3º trimestre 21(33,3) 0(0) Não fez profilaxia 12(19,0) 3(75,0) p-value 0,031 0,51 0,248 0,366 0,395 0,058 Tabela 3. Variáveis qualitativas durante o parto e após o nascimento Variáveis qualitativas Município de realização do parto Tempo da rotura das membranas (em horas) Uso de ARV no parto Início de ARV profilático na criança Aleitamento materno Interior de Alagoas Pernambuco Não infectada Infectada p-value n(%) n(%) 2(2,8) 2(50,0) 0,014 1(1,4) 0(0) 68(95,8) 2(50,0) 1(1,6) 0(0) Menor que 4 horas (Incluindo parto cesáreo) 59(96,7) 1(100,0) Parto domiciliar 1(1,6) 0(0) Maceió Maior que 4 horas Sim 58(84,1) 1(25,0) Não 11(15,9) 3(75,0) Não realizado 5(8,5) 3(75,0) Realizado nas primeiras 24 horas 54(91,5) 1(25,0) Sim 6(8,8) 2(50,0) Não 62(91,2) 2(50,0) 0,982 0,021 0,005 0,058 Rodrigues STC, Vaz MJR, Barros SMO Tabela 4. Variáveis qualitativas do tratamento ambulatorial da criança Não infectada Infectada Variáveis qualitativas n(%) n(%) Realização do primeiro exame de quantificação de Carga Viral da criança, no acompanhamento ambulatorial Sim 63(90,0) 5(100,0) Não 7(10,0) 0(0) Realização do segundo exame de quantificação de Carga Viral da criança, no acompanhamento ambulatorial Sim 44(80,0) 5(100,0) Não 11(20,0) 0(0) Realização do terceiro exame de quantificação de Carga Viral da criança no acompanhamento ambulatorial Sim 1(14,3) 5(100,0) Não 6(85,7) 0(0) crianças que foram amamentadas entre o grupo de crianças infectadas (0,05 <p <0,10). Discussão Os limites dos resultados do estudo referem-se ao delineamento transversal que realiza medições em um único momento, sem período de seguimento. Foi escolhido para a pesquisa porque permite descrever as variáveis e seus padrões de distribuição. Como contribuição prática os resultados apontaram para a necessidade de implementar a prevenção primária da transmissão vertical no serviço de referência em Maceió. Diante da transmissão vertical do HIV, permanecem ações fundamentais, que incluem educação e uso de preservativos durante a relação sexual. Estas, juntamente com a profilaxia da transmissão vertical não são capazes de eliminar a infecção pelo HIV na população pediátrica, mas são potencialmente viáveis dentro do sistema público de saúde. As características da população estudada, tendo em conta os dados sociodemográficos e do tipo de exposição materna ao HIV, implica um impacto sobre a transmissão do vírus. O aumento do número de casos de infecção por HIV associados com a categoria de exposição heterossexual tem sido acompanhado por um aumento da proporção de mulheres infectadas: aquelas em idade fértil.(9-14) Os dados deste estudo correspondem aos achados da literatura (Tabela 1), mostrando um menor nível de escolaridade entre as mulheres. No Brasil, a maioria dos casos de Aids em mulheres ocorrem naquelas com baixa escolaridade e têm ocupações menos qualificadas.(4,14-17) As condições de pobreza e de exclusão social afetam diretamente a vida destas mulheres e seus descendentes. A falta de poder de negociação nas relações sexuais caracteriza um fator agravante para a infecção pelo HIV.(17-19) A tabela 2 mostra que 9,8% das gestantes não realizou o pré-natal; das 82,3% que fizeram prénatal, 23,5% iniciaram consultas no primeiro trimestre da gravidez. No entanto, 28,4% iniciaram o pré-natal durante o segundo trimestre, e 30,4% durante o terceiro trimestre, mostrando que a maioria perdeu oportunidades tanto para o diagnóstico precoce como para o início da profilaxia antirretroviral.(15,16,20,21) A prevalência da queda da carga viral é um resultado de intervenções no período pré-natal, resultando na redução da transmissão vertical.(4,5,9,10,16-21) Diferentes autores, no Brasil e em outras regiões do mundo, demonstram que o período de maior risco de transmissão do vírus é concentrado no terceiro trimestre da gravidez, e, principalmente, no momento do nascimento. Sabe-se que, quanto menor for a carga viral da mãe, há uma menor possibilidade de transmissão vertical.(4,7,8,10,16,20-23) A utilização de terapia antirretroviral nos segundo e terceiro trimestres da gravidez (29,4% e 26,5%, respectivamente), mostrou uma baixa adesão à profilaxia. Agravam-se os números (18,6%) dessas mulheres grávidas que não fizeram profilaxia. A tabela 3 mostra que 96,7% das mulheres tiveram a criança em menos de quatro horas após a rotura de suas membranas amnióticas, inclusive por cesariana. Este resultado demonstra a proteção em relação aos elementos anexiais, uma vez que estes estão entre aqueles que potencialmente aumentam a transmissão do HIV.(16,17, 23) Neste estudo, 79,4% das mulheres grávidas (Tabela 3) receberam AZT por via intravenosa durante o parto, que respondeu por 93,1% dos nascimentos que daquelas mulheres que ocorreram em Maceió, e não no interior do Estado. Há uma proporção de transmissão vertical, que pode ocorrer durante o período intra-parto e uma Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):158-64. 161 Transmissão vertical do HIV em população atendida no serviço de referência menor taxa de infecção quando ocorre o nascimento por cesariana. A cesariana em mulheres infectadas com HIV pode ter um efeito clinicamente importante de proteção para reduzir a transmissão, antes do início do trabalho de parto, quando as membranas estão intactas.(18-23) O acesso aos cuidados de saúde é diferente em cada região do país para mulheres grávidas infectadas pelo HIV e aos seus filhos expostos. Assim, fatos isolados podem alterar o tempo que o diagnóstico da infecção pelo HIV em mulheres e na criança é feito.(23) Em Maceió, no serviço de referência, a cesariana eletiva foi adotada devido ao acesso que essas mulheres têm no momento do parto. Embora a maioria dos nascimentos ocorreu em Maceió, um grande número dessas mulheres veio do interior do estado. Os recém-nascidos de mulheres infectadas pelo HIV devem receber a solução oral de zidovudina (AZT) nas primeiras duas horas de vida, mesmo que as mães tenham recebido medicamentos antirretrovirais durante a gravidez e/ou parto. A tabela 3 mostra que das crianças expostas que não receberam nenhum tratamento antirretroviral, três foram infectadas com o vírus. (19-24) O aleitamento materno natural é um risco adicional de transmissão vertical e é sistematicamente contra indicado no Brasil. Uma das intervenções mais eficazes para evitar o retorno à amamentação é começar a orientação para alimentação com fórmula durante o período pré-natal, complementando assim, o conjunto de intervenções conhecidas para reduzir a transmissão vertical do HIV.(11,23) Apesar da orientação, para evitar a amamentação e o fornecimento de formula láctea infantil, do número total de crianças estudadas, duas das que foram amamentados apresentaram-se infectadas pelo HIV (Tabela 3). Os resultados mostram que há uma tendência para uma maior percentagem de crianças amamentadas entre o grupo de crianças infectadas (0.05 <p <0.10). Os fatores socioculturais e econômicos, podem ser responsáveis pela decisão de amamentar, o que é conhecido por aumentar o risco de transmissão viral. Em um estudo realizado por Succi em 2007, (23,24) crianças acompanhadas no Nordeste foram 162 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):158-64. proporcionalmente mais propensas a ser amamentadas. A cobrança social coloca as mães em situações embaraçosas e elas criam desculpas socialmente aceitáveis para justificar a não amamentação. Os profissionais de saúde devem apoiar as mulheres com HIV a “desconstruir” o desejo de aleitamento materno, fornecendo informações sobre a forma de estabelecer, manter e fortalecer o vínculo com seu filho.(4,5,23,24) A rotina de acompanhamento clínico e laboratorial da criança exposta ao HIV deve ser mensal para os primeiros seis meses, e depois de um mínimo de dois em dois meses, com início no sexto mês de vida.(21-24) A tabela 4 mostra que 90% dos prontuários constavam a realização do primeiro exame da carga viral, no acompanhamento ambulatorial, 80% tinham o segundo exame, e apenas 14,3% tinham o terceiro exame. Estes dados mostram que o SAE tem cumprido o seu papel no acompanhamento destas crianças expostas, e o fechamento dos casos. No entanto, a realidade social de Maceió, não permite a monitorização ideal recomendada para ocorrer, devido à perda de seguimento ou interrupção do serviço e a falta de retorno à clínica. Das 76 crianças expostas por transmissão vertical do HIV, cinco foram infectados. Estas cinco crianças acompanhadas não tiveram as oportunidades disponíveis para elas para o tratamento profilático da transmissão vertical do HIV. Estes resultados confirmam a urgência de aumentar a disponibilidade do teste de HIV para mulheres grávidas, e acesso ao pré-natal na cidade de Maceió, com a supervisão das ações. Foi considerado a prevalência da infecção pelo HIV por transmissão vertical, neste serviço de referência na cidade de Maceió elevada (6,6%), sendo que a taxa nacional divulgada foi de 1%.(23,24) Demonstrando os resultados parciais obtidos na pesquisa e em conformidade com as recomendações para a prática, a partir de 2007 houve uma oportunidade no SAE de oferecer a um grupo de apoio a mulheres na preparação para o parto, sob a orientação do autor deste trabalho. As gestantes foram encorajadas e apoiadas a participar semanalmente no grupo, proporcionando um momento privile- Rodrigues STC, Vaz MJR, Barros SMO giado para o esclarecimento de questões exclusivas para elas, e seu parceiro ou companheiro. As reuniões nos permitiu falar de intimidade com segurança, por promover o fortalecimento do caminho até o parto. Esta estratégia contribuiu para a qualidade da assistência no Centro de Referência e instituiu medidas oportunas para a prevenção da transmissão vertical do HIV. Conclusão O estudo confirmou a ocorrência de transmissão vertical do HIV no serviço de referência e que correspondia a 6,6%, o que indica uma alta prevalência. Estas crianças infectadas não tiveram a oportunidade de profilaxia, o que confirma a urgência de aumentar a oferta do teste de HIV para mulheres grávidas e supervisão das ações. Colaborações Rodrigues STC contribuiu na concepção, revisão da literatura, coleta de dados, análise e interpretação, elaboração do manuscrito e aprovação final do manuscrito submetido. Vaz MJR contribuiu para a concepção do estudo, análise e interpretação dos dados, revisão crítica do manuscrito, do conteúdo intelectual e aprovação final. Barros SMO contribuiu com o projeto de pesquisa, interpretação de dados, revisão crítica do manuscrito, do conteúdo intelectual e aprovação final. Referências 1. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. AIDS epidemic: UNAIDS/ WHO. [update: December, 2010]. Available from: URL: www.unaids.org. 2. Guidozzi F, Black V. The obstetric face and challenge of HIV/Aids. Clin Obstet Gynecol. 2009;52(2):270-84. 3. Brasil. Ministry of Health. Health Secretariat of Surveillance. Health National Program of STD and AIDS. [Integrated plan for coping with the feminization of the AIDS epidemic and other STDs ]. Brasília (DF): Ministry of Health]; 2007. 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[Being pregnant seropositive and having acquired the human immunodeficiency Virus (HIV): a theoretical interpretation under the Symbolic Interactionism]. Acta Paul Enferm. 2010;23(2):206-11. Artigo Original Percepções e expectativas dos enfermeiros sobre sua atuação profissional Perceptions and expectations of nurses concerning their professional activity Augusto Hernán Ferreira Umpiérrez1 Miriam Aparecida Barbosa Merighi2 Luz Angélica Muñoz3 Descritores Cuidados de enfermagem; Gestão em saúde; Pesquisa qualitativa; Legislação de enfermagem; Carga de trabalho Keywords Nursing care; Health management; Qualitative research; Legislation, nursing; Workload Submetido 22 de Abril de 2012 Aceito 27 de Março de 2013 Autor correspondente Augusto Hernán Ferreira Umpiérrez Avenida 8 de Octubre 2738, Montevideo, Uruguay. [email protected] Resumo Objetivo: Conhecer como os enfermeiros percebem sua atuação profissional e quais suas expectativas sobre o desenvolvimento das gestões do cuidado integral. Métodos: Pesquisa qualitativa com abordagem da fenomenologia social de Alfred Schütz. Os sujeitos foram nove enfermeiras que trabalhavam em hospitais públicos e privados de Montevideo, Uruguai. Resultados: Os enfermeiros vivenciam a distância entre a teoria e a prática, a sobrecarga administrativa, a insegurança para assumir a gestão de cuidado e a busca de conhecimento formal e informal; mostram desejos de definições específicas, autonomia e identidade profissional, valorização da profissão. Conclusão: Os enfermeiros percebem a sua atuação profissional como distante entre a teoria e a prática, sobrecarga administrativa, insegurança para assumir a gestão do atendimento e a busca do conhecimento formal e informal, com expectativas e desejos de recuperação e de definições de funções específicas, autonomia e identidade profissional. Abstract Objective: To learn how nurses perceive their professional activity and what are their expectations concerning the development of comprehensive care management. Methods: Qualitative research with Alfred Schütz’s social phenomenology approach. The participants were nine female nurses who worked at public and private hospitals in Montevideo, Uruguay. Results: The nurses experience the gap between theory and practice, administrative overload, insecurity to take over care management and pursuit of formal and informal knowledge; they show desires and specific definitions, autonomy and professional identity, and professional valuation. Conclusion: The nurses perceive their professional activity as having a gap between theory and practice, administrative overload, insecurity to take over care management and pursuit of formal and informal knowledge, with expectations and desires of recovery and definitions of specific duties, autonomy and professional identity Facultad de Enfermería y Tecnologías de la Salud, Universidad Católica del Uruguay, Montevideo, Uruguay. Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 3 Facultad de Enfermería, Universidad Andrés Bello, Santiago de Chile. Conflitos de interesse: não há conflito de interesse a declarar. 1 2 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):165-71. 165 Percepções e expectativas dos enfermeiros sobre sua atuação profissional Introdução A gestão de cuidado é um componente essencial do papel que é abordado em distintas regulamentações do exercício profissional.(1) Trata-se de um processo de mobilização do recurso humano no ambiente de trabalho. Assim, o papel do enfermeiro gestor será conduzir e apoiar os que prestam cuidados, promovendo a sua visibilidade,(2,3) além de sustentar como premissa o trabalho realizado por uma equipe de enfermagem e contar com independência no exercício profissional, expresso por um respaldo legal que lhe permita assumir com propriedade as decisões e ações de enfermagem.(4) No entanto, há evidências de que o enfermeiro em sua prática vivencia frustrações e insatisfações em relação à suas atividades. Um estudo realizado no Brasil mostra que os enfermeiros têm certo conhecimento sobre administração e gestão, porém, não conseguem colocá-lo em prática. Além disso o estudo destaca que os enfermeiros sentem conflitos entre o que é idealizado sobre seu papel e o que é realmente desempenhado.(5) É preciso mudar essa realidade com profissionais críticos que promovam e defendam a saúde, profissionais comprometidos com a profissão, à medida que incorporam os conhecimentos da academia em sua prática.(6) A educação continuada é fundamental no desenvolvimento das habilidades para incorporar esses aspectos no cotidiano da prática profissional. Os resultados de um estudo sobre a capacitação dos enfermeiros brasileiros concluiu que, em geral, não existem políticas institucionais formalizadas a respeito da capacitação profissional.(7) É importante refletir sobre o contexto de saúde para o exercício das práticas do cuidado nos processos gerenciais em um espaço onde ocorra a relação do enfermeiro com o usuário, como outros profissionais e a organização, o que constitui e imprime determinadas características no processo de trabalho de enfermagem e que afeta uma de suas áreas fundamentais: a gestão de cuidado.(8) Pautado nesta realidade, este estudo levanta as seguintes questões: como o enfermeiro concebe as atividades inerentes ao seu papel profissional no de- 166 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):165-71. senvolvimento da prática diária? Como desenvolve o cuidado de enfermagem relacionado à prática clínica? Quais expectativas tem em relação a seu papel na gestão de cuidado, com base em legislação que defina sua atuação profissional e estabeleça as obrigações próprias da profissão? Torna-se relevante destacar o estudo das percepções, desejos e expectativas dos enfermeiros, para o alcance dos objetivos emancipatórios da profissão. Os resultados do desvelamento da atuação desses profissionais certamente contribuirão para melhor compreensão do tema e na tomada de decisões estratégicas, que possam mudar a situação dos enfermeiros e seu melhor posicionamento profissional. O objetivo desta pesquisa é conhecer, como os enfermeiros percebem a sua atuação profissional e quais são suas expectativas no desenvolvimento da gestão de cuidados de enfermagem. Métodos Trata-se de um estudo qualitativo, com base na premissa de que o conhecimento dos indivíduos é possível com a descrição da experiência humana, como ela é vivida e como é definida por seus atores.(9) Optou-se pelo método fenomenológico.(10) A abordagem escolhida foi a fenomenologia social de Alfred Schütz, que fornece uma abordagem sistemática para melhor compreender os aspectos sociais da ação humana. Esta abordagem oferece uma maneira de articular conceitos de intencionalidade, intersubjetividade, ações humanas, relações sociais, expectativas e outros que possam ser alcançados, como neste estudo, uma melhor compreensão do mundo social dos profissionais de enfermagem.(11) A compreensão do fenômeno, vivido no dia a dia, é uma análise do comportamento social em relação aos motivos dos enfermeiros. Esse referencial tem como cerne a teoria da ação social entendida como precursora das mudanças ocorridas no mundo cotidiano. A ação acontece baseada em motivos existenciais relacionados ao passado e ao presente vivido (motivos por que) e às projeções que se constituem na possibilidade da ação propriamente dita, ato antecipado, imaginado, Umpiérrez AHF, Merighi MAB, Muñoz LA significado subjetivo da ação (motivos para). Tem a tipificação como matriz conceitual comum que traduz a ação de um determinado grupo social.(12) Um dos conceitos chaves desse referencial é a intersubjetividade, que se trata de uma pré condição da vida social. Este mundo não existe na esfera subjetiva, mas em uma intersubjetividade, na qual as experiências são interpretadas de forma recíproca. Nesse sentido, a relação assume lugar face a face, uma vez que há sempre alguém que está disponível para a experiência direta do outro quando compartilha o mesmo espaço. Outro conceito do referencial da fenomenologia social diz respeito ao que é chamado atitude natural, como o homem experimenta o mundo intersubjetivo, incorporado no mundo do senso comum. Esta atitude é influenciada pela base de conhecimento e pela situação biográfica de cada sujeito, como as experiências anteriores são armazenadas, e estas determinam os elementos relevantes da ação. O estudo foi realizado na cidade de Montevidéu, Uruguai, e participaram nove enfermeiros que atuavam tanto em hospitais públicos como privados. A coleta de dados foi realizada entre setembro e novembro de 2009; depois de consultar os profissionais sobre sua disponibilidade em participar do estudo. Os depoimentos foram obtidos por meio de entrevistas abertas, gravadas, com garantia de sua privacidade, anonimato e confidencialidade das informações fornecidas. Dada a natureza do estudo, o número de participantes não foi anteriormente definido, sendo a coleta dos dados encerrada quando os dados mostraram sinais de desvelamento do fenômeno, as inquietações dos pesquisadores foram respondidas e os objetivos alcançados.(13) As entrevistas foram guiadas pelas seguintes questões norteadoras: Como você desenvolve suas atividades, em sua prática diária, relacionadas à gestão do cuidado ao paciente? Quais são as suas expectativas em relação ao seu papel como gestor de cuidado, se o país é definido papel profissional? Os depoimentos foram transcritos na integra, assegurando, assim, a integridade do processo e a redução fenomenológica que pretende alcançar a essência das formas que compõem a experiência psíquica do outro.(14) A análise das entrevistas seguiu os passos indicados pelos métodos de análise de dados qualitativos(15) e pelos pesquisadores da fenomenologia social:(16) leitura cuidadosa de cada entrevista para captar a essência de cada experiência vivida pelos enfermeiros; agrupamento de aspectos significativos presentes nos depoimentos para compor as categorias e sua análise buscando a compreensão dos motivos para e dos motivos por que da ação dos enfermeiros e discussão dos resultados à luz da fenomenologia social de Alfred Schütz e outras referências relacionadas ao tema. As categorias concretas foram compostas por descrições que mostraram, de forma expressiva, a vivência dos profissionais em relação à sua atuação profissional, denominadas como: teoria e prática, sobrecarga administrativa, busca de conhecimento, insegurança, definições específicas, autonomia e identidade profissional, valorização da profissão. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Conforme o referencial adotado, os motivos por que dos indivíduos foram representados pelas categorias construídas por meio das falas dos enfermeiros. A teoria e a prática: [...] Eu tento desenvolver a melhor gestão possível. Não faz muito tempo que aprendi e lembro-me como era ressaltado na Faculdade que, sem fundamentação teórica e sem metodologia esta profissão não iria crescer. Acontece que muitas vezes é difícil [...] D1; [...] está em todos os livros, é tema de todas as aulas, mas depois você começa a trabalhar e entra na rotina e acaba atuando sem reflexão; [...] Eu vejo diariamente em meu trabalho, tanto assistencial, como na docência, como é interessante ter as duas perspectivas. No assistencial trato de colocar em prática tudo que ensino, porém as vezes é complicado [...] D7. Outra categoria construída relacionou-se com a sobrecarga administrativa: [...] há muitas tarefas administrativas, mas não administrativas no sentido de administrar os cuidados, gerenciar o atendiActa Paul Enferm. 2013; 26(2):165-71. 167 Percepções e expectativas dos enfermeiros sobre sua atuação profissional mento ao paciente, são questões que dizem respeito à coordenação de estudos, acompanhar visita com os médicos, fazer as receitas que deixam pendentes, não é fácil [...] D1; [...] às vezes, você até perde a prática dos cuidados, porque o que mais se faz e, portanto, que se tem prática, refere-se às questões administrativas... cada vez mais[...] D3; [...] por uma questão de necessidades temos optado por delegar nossas atividades, o que em grande parte percebo que temos perdido prestígio, pois somos vistos como meras administradores [...] D4. Ainda em relação à experiência dos enfermeiros surgiu a categoria busca pelo conhecimento: [...] quando você inicia suas atividades em um setor, aprende muitas coisas com os colegas que te orienta a desenvolver todo o serviço [...] D4; [...] você aprende com colegas jovens, recém-formados, que atuam muito bem na gestão do serviço porque estão com tudo fresquinho [...] D6; [...] temos que nos atualizar continuamente, buscar cursos de aprimoramento, aprender, sempre, e fazer uma boa gestão e atividades relacionadas ao cuidado [...] isto é uma necessidade de nosso país [...] Eu aprendi com outras colegas, é importante, ver e aprender com os outros [...] D8. A última categoria, relacionada aos motivos por que foi a insegurança: [...] eu atuo na educação dos enfermeiros. Às vezes, eu acho que eles realmente estão prontos para assumir algumas coisas. Às vezes, eu vejo os caras jovens, e eu acho o mesmo [...] D7; [...] a questão é cumprir as obrigações assumidas [...] D9. Os motivos para, conforme o referencial adotado foram incluídos nas categorias apresentadas a seguir: As definições específicas surgem baseadas na análise dos trechos das falas: [...] Creio que se tivesse uma lei para nós, seria muito bom que se definissem funções para sabermos que temos um respaldo que até agora nunca aconteceu [...] D1; [...] isso seria muito bom, para definir o que fazemos e o que não fazemos, ou seja, que a nossa profissão tem um sentido [...] D2; [...] Espero que se defina ainda mais nossa área de ação, como eu disse, e que essas obrigações sejam acompanhadas por recompensa financeira proporcional [...] D7. 168 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):165-71. Outra categoria que diz respeito às expectativas dos enfermeiros referiu-se à autonomia e a identidade profissional, [...] Eu tenho esperanças de que nosso papel seja claramente definido e o que nós, enfermeiros, e ninguém mais faça o que é nosso, ou seja, cobrar nossa identidade profissional [...] D2; [...] Eu diria que é necessário definir e deixar claro algumas questões para legislar sobre o assunto suponho que se tiver leis, haverá um respaldo que nos dará mais autonomia e definirá nossa área de ação, é o meu desejo. [...] D7; [...] Eu espero que nós tenhamos mais autonomia, reconhecimento, especialmente, no social [...] D8. Por último, emergiu a categoria valorização da profissão: [...] Desejo que nos valorizem, dizem que o enfermeiro é necessário, porém nos substituem por um auxiliar, sem quaisquer problemas [...] D5; [...] tem mais coisas que eu esperaria: nossa valorização, reconhecimento e reconhecer-nos a nós mesmos, porque às vezes tanto se fala de identidade e nós não temos claro o significado isso [...] D6. Discussão Os resultados do presente estudo, embora tragam vivências ricas de significados, apresentam como limitação o fato de ter sido realizado com profissionais enfermeiros pertencentes a um mesmo grupo social em uma situação específica. Assim, considerando-se as particularidades aqui enunciadas, sugere-se a investigações sobre a temática abordada a fim de que revele outros aspectos não identificados. É preciso enfatizar que oferece contribuições interessantes para a compreensão do reconhecimento do trabalho dos enfermeiros. As categorias relacionadas aos motivos por que, teoria e prática, sobrecarga administrativa, busca de conhecimento e insegurança mostram um sentimento comum do grupo de enfermeiros, constituindo parte de sua tipificação. O papel do enfermeiro como gestor de cuidado é uma das características da profissão.(3) Os resultados de um estudo relacionado ao papel destes profissionais mostram as dificuldades em desenvolver as funções inerentes à profissão gerando, portanto, Umpiérrez AHF, Merighi MAB, Muñoz LA frustração e insatisfação, sobretudo porque não conseguem desenvolver na prática os conhecimentos sobre gestão.(5) O modo como executam suas atividades tem a ver com seu acervo de conhecimento e suas experiências vividas. Não conseguem utilizar-se da teoria aprendida em sua formação na rotina de trabalho e, com isto, têm dificuldade para implementar o que aprenderam. Por esta razão, faz-se necessário o planejamento conjunto da prática profissional com alunos, professores e enfermeiros dos serviços de saúde. Será esta uma forma de coordenar as práticas educativas e profissionais.(17) Percebe-se que os enfermeiros buscam o conhecimento por experiências que fazem parte de seu acervo de conhecimentos. Mostram a riqueza do aprendizado com outros, com aqueles que continuamente ensinam e proporcionam oportunidades para aumentar a bagagem de conhecimento, fato que se constitui na constitui na troca de subjetividade (intersubjetividade), conceito relevante na abordagem da fenomenologia social.(18) A partir dos depoimentos dos enfermeiros, fica claro que existe uma necessidade de aprender mais, investir na educação continuada, pois, alguns, sentem-se desinformados e desatualizados. Em razão disso, buscam conhecimento e aprendizagem de diversas formas, para atender às demandas e exigências relacionadas à gestão do cuidado aos pacientes. A necessidade de formação e busca constante do conhecimento, encontrada na presente investigação, também aparece nas conclusões de outro estudo que ressaltam que os enfermeiros necessitam de intervenções de formação adequadas para assumir o processo de gestão e o processo de cuidado de enfermagem com ferramentas eficazes.(19) Dessa forma entende-se que o curso de pósgraduação certamente poderá colaborar com o desenvolvimento do poder profissional, que será atribuído e, entre outras questões, poderá incrementar habilidades da prática, com o poder do conhecimento especializado e de relação terapêutica. Isto permitirá reorientar o exercício de enfermagem, considerando o desenvolvimento da autonomia e a tomada de decisões relativas à sua área de domínio. Os motivos para, como mencionados anteriormente: definições específicas, autonomia e identidade profissional e valorização da profissão, revelam projetos e expectativas para desenvolver integralmente a gestão de cuidados em seus serviços, com condições que definem claramente seu papel profissional em nível nacional. Os enfermeiros manifestaram também expectativas sobre a definição de papéis específicos, aumentando a esperança em relação à definição de sua função profissional. Desejam autonomia e identidade profissional e tomada de decisão sobre questões específicas de sua área de competência. Suas expectativas referem-se, ainda, à aspiração de serem identificados e reconhecidos pelo que realmente são com valorização da profissão. Estes aspectos constituem a tipificação desse grupo em relação a seus projetos. Cabe destacar que todas as pessoas que compartilham de uma realidade social, sentem necessidades pessoais e sociais como pertencentes a um grupo social. A definição clara de seu papel é a determinação necessária para todas as pessoas. O mundo vida de cada pessoa é composto em grande parte dessas considerações. Conforme Schütz, os indivíduos precisam ter a definição do papel que desempenham em sua prática diária, determinando seu lugar na sociedade e certa posição, que faz parte de suas expectativas.(20) A necessidade sentida por esses profissionais é compartilhada e inclui-se na intersubjetividade. A definição de seu papel gera expectativas sobre sua realidade e experiência cotidiana.(5) A temática relacionada ao papel dos enfermeiros é muito abordada e estudada em vários cenários. Há ênfase na idéia de que com base na definição de sua função, pode-se construir a identidade profissional e colocar em prática as funções específicas do enfermeiro. A enfermagem tem muitas dificuldades para explicar a definição de sua função, o que influencia os conceitos de autonomia da profissão.(21) Certamente, a geração de conhecimento no país, colaborará para que emerjam aspectos centrais do papel profissional, revelando o impacto social e de saúde que a enfermagem pode alcançar. O desejo relacionado à identidade e à autonomia profissional é observado em diferentes estudos.(22,23) Essa falta Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):165-71. 169 Percepções e expectativas dos enfermeiros sobre sua atuação profissional de identidade é uma característica relevante do tipo vivido do grupo estudado, sendo suas tipificações elementos relevantes do mundo social.(24) No entanto, entende-se que os objetivos emancipatórios da profissão podem relacionar-se com a essência do cuidado e interação enfermeiro-paciente, enfermeiro-família, enfermeiro-comunidade. Para este resgate faz-se necessária a compreensão e interiorização da intersubjetividade que ocorre na relação entre quem cuida quem recebe e participa do cuidado. Nesta reciprocidade de intenções, além das competências técnico-científicas, o cuidador deve estabelecer um processo de crescimento e aprendizagem para ambos, ao expressar sua sensibilidade, respeito pelos valores e empatia. Nesse cenário, o cuidado deixa de ser uma mera intervenção, pois torna-se uma relação de ajuda, de forma profissional, holística, humana, deixando espaço para a criatividade no mundo das relações sociais. Esta linha de ação é essencial para que a profissão obtenha o poder do cuidado. De acordo com alguns autores, o desenvolvimento do papel profissional, identificado em grande parte por uma gestão cuidadosa, está intimamente relacionado com os conceitos de autonomia e identidade profissional.(23,25) Estes estudos mostram que, semelhante às percepções das enfermeiros da presente investigação, estas expectativas estão em constante desenvolvimento e, há algum tempo, vem ocorrendo debates sobre a independência do exercício da profissão. A questão torna-se relevante para a definição dos papéis, responsabilidades e autonomia do enfermeiro. Indagar a experiência vivida põe estes profissionais, desenvolve diariamente seu papel e conhecer seu universo de motivações, aspirações e atitudes, com base em uma nova perspectiva de caráter mais experiencial, certamente, contribuirá para melhor compreensão das necessidades e expectativas desse grupo social no que se refere à sua atuação profissional. A aproximação de sua vivência profissional poderá ser fundamental para possibilitar a consonância entre o cuidado oferecido e as necessidades do paciente. Com base na abordagem utilizada neste estudo, seu desenvolvimento permitiu visualizar a necessi- 170 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):165-71. dade de transformação da profissão, estabelecendo propostas que podem ser encaminhados por meio de três elementos chave, inter-relacionados entre si: o empoderamento da gestão de cuidados, melhorando o perfil dos egressos, articulando a docência à assistência; o investimento em pesquisas científicas baseadas em outros aspectos dos cuidados e visibilidade profissional, com promoção e criação de programas de mestrado e doutorado; e o desenvolvimento de um processo de emancipação da profissão com valorização de seu papel profissional. A geração de conhecimento por meio de pesquisa, articulando a academia com o exercício profissional, com inovação e internacionalização, é uma forma de mostrar as contribuições da profissão na área da saúde, promovendo o desenvolvimento de políticas, regulamentações e comportamento social, ao compreender que o futuro dos cuidados de saúde das pessoas depende do potencial do trabalho de enfermagem, sendo visto como uma força viva e especializada, um suporte ao sistema. Conclusão Os enfermeiros percebem a sua atuação profissional como distante entre a teoria e a prática, sobrecarga administrativa, insegurança para assumir a gestão do atendimento e a busca do conhecimento formal e informal, com expectativas e desejos de recuperação e de definições de funções específicas, autonomia e identidade profissional. Colaborações Umpiérrez AHF; Merighi MAB e Muñoz LA declaram que contribuíram com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Milos H P, Bórquez PB, Larraín SA. [The concept of “management of care” in Chilean law: interpretation and scope]. Cienc Enferm. 2010;16(1):17-29. Spanish. 2. del Pino Casado R, Martínez Riera JR. [Strategies to improve Umpiérrez AHF, Merighi MAB, Muñoz LA visibility and accessibility of nursing cares in primary health care]. 2007;5(2):311-37. Spanish. 14.Martins J, Bicudo MA. A pesquisa cualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 5ª ed. San Pablo: Centauro; 2005. 3. Zarate Grajales R. [Management of nursing care]. Index Enferm. 2004;13(44-45):42-6. Spanish 15.Arias Valencia MM, Giraldo Mora CV. [Scientific rigor in qualitative research]. Invest Educ Enferm. 2011;29(3):500-14. Spanish. 4. 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Resumo Objetivo: Descrever as representações sociais de enfermeiros sobre o doente com tuberculose. Métodos: Pesquisa qualitativa com referencial na Teoria das Representações Sociais. Para produção dos dados utilizou-se a técnica de entrevista individual, com 52 enfermeiros, utilizando um roteiro com questões fechadas sobre o perfil pessoal e profissional e outro com 27 questões abertas que exploraram saberes e fazeres em seu cotidiano com os doentes. Para análise utilizou-se a de conteúdo temática. Resultados: Os enfermeiros constroem representações sociais baseadas no estereótipo do doente, os associam à ideia de receptáculos da doença, além de associar a vulnerabilidade ao adoecimento à condição social. Conclusão: As representações sociais sobre o doente com tuberculose se organizam a partir do medo amparado em características físicas, psicológicas e sociais que ajudam os enfermeiros a delinear a figuratipo do doente como perigoso. Abstract Objective: To describe the social representations of nurses about tuberculosis patients. Methods: A qualitative research was undertaken, based on Social Representations Theory. To produce the data, the individual interview technique was applied, involving 52 nurses, using a script with closed questions about the personal and professional profile and another script with 27 open questions that explored knowledge and action in their daily work with the patients. For analysis, thematic content analysis was applied. Results: The nurses build social representations based on the stereotyped patients, associate them with the idea of receptacles of the disease, besides linking vulnerability with illness and social conditions. Conclusion: Social representations about tuberculosis patients are organized based on fear, resting on physical, psychological and social characteristics that help the nurses to outline fhe type-figure of the patient as dangerous. Escola de Enfermagem Magalhães Barata, Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil. Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Conflito de interesses: não há conflito de interesses a declarar. 1 2 Rodrigues ILA, Motta MCS, Ferreira MA Introdução A tuberculose chega ao século XXI como uma das maiores causas de morbimortalidade no mundo. Sua importância epidemiológica se traduz em dados veiculados pela Organização Mundial de Saúde mostrando que existem dois bilhões de infectados pelo Micobacteriumtuberculosisna população mundial, propiciando a ocorrência de oito milhões de casos novos/ano e a morte de aproximadamente dois milhõesde pessoas.(1) No panorama mundial, o Brasil está entre os 22 países que detêm a maior carga da doença, ocupando o 19º lugar, com números expressivos no que concerne à incidência da patologia. Em 2011 foram notificados no país 69.000 casos novos o que corresponde a um coeficiente de incidência de 36.0/100.000 habitantes.(2) Na região norte do Brasil, o estado do Pará, com população de 7.581.051 habitantes distribuídos em 144 municípios, a capital Belém, destaca-se por notificar aproximadamente 40% dos casos do estado. Em 2011 foram 1.497 novos casos com coeficiente de incidência de 100.0/100.00 habitantes.(2) A tuberculose é, historicamente, considerada metafórica e, desde seu surgimento na história humana, suscita o imaginário daqueles que com ela tenham contato, sejam doentes, familiares ou profissionais de saúde.(3) As várias décadas em que a convivência com a doença e o doente não traziam explicações lógicas para o acometimento, permitiram que o imaginário social fosse constantemente alimentado por informações que circulavam, tanto no universo científico como no senso comum, suscitando explicações fantasiosas e/ou estigmatizantes, que tinham consequências no social e no biológico, muitas vezes necessariamente nessa ordem, pois mediante o desconhecimento científico das causas e aausência de tratamento eficaz, restava aos doentes recorrer a tratamentos paliativos, inócuos ou nocivoscom o consequente êxito letal. Mediante o estigma vigentea essesdoentes, a morte física era precedida da morte social.(4) Os avanços na área da pneumologia permitem, hoje, o diagnóstico precoce, tratamento imediato e cura da doença, sendo diagnóstico e tratamento disponíveis na rede pública e os doentes assistidos por equipe multiprofissional.(5) Em que pese esse cenário modernamente favorável, permanece como uma doença temida e, aqueles acometidos por ela, vitimas de preconceito social.(3) Nas equipes multiprofissionais geralmente é o enfermeiro quem acompanha o doente por todo o seu tratamento. Foi assim desde o início do controle da tuberculose no Brasil, onde os enfermeiros ocuparam papel de destaque.(6,7) Na busca da compreensão de como esses profissionais lidam no cotidiano dos serviços de saúde com os doentes acometidos, esta pesquisa tem como objetivo: descrever as representações sociais de enfermeiros que atuam na atenção básica sobre o doente com tuberculose. Métodos Estudo descritivo, qualitativo, fundamentado na Teoria das Representações Sociais em sua vertente processual. Essa Teoria ocupa-se de objetos que apresentam relevância social, buscando desvendar significações e sentidos que grupos sociais lhes atribuem, no afã de explicá-los e agir frente a eles. Como teorias do senso comum que ligam pensamento e ação, o estudo das representações sociais permite acessar os significados que os sujeitos atribuem a um objeto. Entendidas como um saber prático, contribuem para entender a tomada de posição dos sujeitos no mundo contemporâneo.(8) No processo de sua elaboração,estão imbricadas as experiências pessoais, que são únicas e particulares de cada sujeito, mas estão também as experiências sociais, que são as que ele compartilha com seu grupo de pertença, tanto na vivência como nos discursos sociais circulantes. Os cenários do estudo foram 23 Unidades Básicas de Saúde localizadas na cidade de Belém, estado do Pará, região norte do Brasil, onde o controle da tuberculose está implantado há mais de cinco anos e concentram mais da metade dos casos do município. Por isso, tais unidades foram escolhidas, pois propiciam maior convivência entre enfermeiros e doentes, e fundam a experiência a ser evidenciada, tanto para os que atuam diretamente no atenActa Paul Enferm. 2013; 26(2):172-8. 173 Representações sociais de enfermeiros sobre o portador de tuberculose dimento, como para os demais que, embora não os atendam diretamente, estão nesses serviços, em permanente convivência com eles, sendo importante também compreender suas representações e seu comportamento frente aos doentes. Participaram 52 enfermeiros, 26 que atendem doentes com tuberculose e 26 que atuam em outras áreas nas Unidades. Esse quantitativo foi definido a partir do número de enfermeiros que atuavam no atendimento aos doentes, no momento do levantamento de informações, aproximadamente 38 profissionais. Como o quantitativo de enfermeiros nos outros setores era superior, buscou-se a equivalência numérica para os dois grupos. Excluíram-se os que tivessem menos de um ano na Unidade, estivessem afastados do serviço por qualquer motivo ou que não aceitassem participar do estudo. Aplicou-se atécnica de entrevista individualpor meio de um roteiro com questões fechadas sobre os dados do perfil pessoal e profissional e outro com 27 questões abertas, cujas perguntas exploraram os saberes e fazeres dos enfermeiros em seu cotidiano com os doentes, seus sentimentos, afetos, motivações, ações e os porquês de suas respostas. As entrevistas foram transcritas na íntegra, classificadas a partir das questões e sujeitos respondentes, aplicando-se a técnica de análise temática de conteúdo. Os depoimentos foram analisados tomando por base as unidades de registros correspondentes a cada questão e delas se extraíram as palavras e frases-tema que formaram as categorias temáticaspela sua ocorrência e co-ocorrência. Estas se organizarama partir das características do doente com tuberculose, em face às imagens delineadas pelos enfermeiros em seus depoimentos. O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Sobre os enfermeiros participantes da pesquisa, 50 são mulheres e dois homens, predomina a faixa etária acima de 45 anos (46.1%). Graduados há mais 174 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):172-8. de 20 anos (61,5%), 88,5% especialistas, 73% tem situação empregatícia estável e 77% possui mais de um vínculo. Metade deles tem renda mensal que varia entre seis a dezsalários mínimos nacionais. Entre os que atendem os doentes, 100% tiveram treinamento específico, 38,4% trabalha na Unidade entre seise dez anos e, em igual tempo estão no setor de tuberculose. Entre os que não atendem os doentes, 69% trabalham na Unidade de um a cinco anos e 80.7 % receberam treinamento. No que concerne às representações sociais, constatou-se que ainda está muito presente o estereótipo do doente com características físicas, psicológicas e sociais. A concepção de temor descrita pelos enfermeiros, embora pareça ultrapassada, se mantém fortemente na atualidade. E, em que pese toda a evolução da ciência para o diagnóstico e tratamento da patologia, esse temor relativo ao doente permanece um espectro a rondar a sociedade. O doente com tuberculose: um estereótipo A descrição dos doentes centrada nas características físicas, seja o emagrecimento ou outra característica, foi majoritária. Identifica-se, à luz dos dados, que ela se dá por meio de estereótipos que foram construídos e predominam no imaginário social. A doença se objetiva na figura clássica do “tísico”: magro, pálido, encurvado e fraco. Essa estereotipia, além de decodificar o doente, estaria também servindo de base para a concepção de que a sua aparência física pressupõe a gravidade da doença, pois para os enfermeiros, guiados pela racionalidade científica, o estereotipo do “tísico” só estaria presente nos casos em que ele estivesse em um estágio avançado da patologia. O estereótipo assume assim, para alguns depoentes, um caráter condicional à essa gravidade. Destaca-se também que, ao comunicarem suas representações, os enfermeiros descrevem a situação clínica dos doentes de forma superlativa, empregando palavras como “muito” e “super”, que enfatizam as características do doente. Em se tratando da tuberculose, não basta dizer que a doença está avançada ou o doente está abatido, há que ser no superlativo, “muito avançado”, “super abatido”. Rodrigues ILA, Motta MCS, Ferreira MA Características psicológicas O estado psicológico, pela sua própria condição de figurar na esfera dos sentimentos, é captado objetivamente, a partir de sinais que o denotam. Assim, a tristeza dos doentes se objetiva nos “ombros caídos”, em certa postura de encolhimento que, metaforicamente, significa o peso social da doença queele carrega sobre os ombros, bem como o sucesso do tratamento se objetiva nas mudanças perceptíveis em seu estado quando ocorrem alterações importantes no comportamento e aparência física dos doentes. Características sociais Neste aspecto predominam as características que denotam a vulnerabilidade pessoal e social, do ponto de vista socioeconômico, sendo que aí se insere também a questão da baixa escolaridade e as que remetem ao preconceito. No que concerne à questão da vulnerabilidade, embora o saber científico os habilite a afirmarem que o adoecimento está na dependência do contato com o agente etiológico, eles associam essa vulnerabilidade aos grupos sociais que, historicamente, foram os acometidos pela doença, ou seja, os desassistidos do ponto de vista socioeconômico e social. Dessa forma, demonstram seu estranhamento ao encontrarem entre esses doentes, pessoas que, no seu entendimento, não fariam parte desse grupo por ocuparem um lugar social diferenciado, tanto do ponto de vista socioeconômico como de formação escolar. Assim, embora pareçam demonstrar certa naturalização de que o adoecimento possa atingir qualquer pessoa, logo aparece o estranhamento que denota que o estereótipo do doente desassistido socialmente ainda está enraizado fortemente nessas representações sociais. Construindo a figura tipo: O doente perigoso Ao pensar a figura do doente os enfermeiros os classificam pelo que entendem que ele o seja e o fazem mediante expressões que assumem para eles, quase que uma condição de imanência. Entendem que o doente com tuberculose não é um doente qualquer, eles se diferenciam e assumem importân- cia por ser, ou para eles aparentar ser, um receptáculo de micro-organismos configurando-se em uma fonte de contaminação e transmissibilidade. Ao tentar nominá-lo o fazem valendo-se de expressões como: um perigo, transmissor, fonte de contaminação, comunicando, assim, suas representações. Discussão Esta pesquisa tem abrangência importante em termos de número de cenários e sujeitos no que tange ao município de Belém, no entanto considera-se que esta também seja sua limitação. Outro fator limitante é o de não se poder fazer análise de gênero, haja vista o número restrito de enfermeiros homens. Apesar disso, com seus resultados, em face da amostragem apresentada, o objetivo foi alcançado uma vez que se vislumbrou que as representações expressas pelos enfermeiros sobre os doentes com tuberculose parecem ter sofrido poucos redimensionamentos ao longo do tempo. Se no pretérito o doente precisava demonstrar determinação para o enfrentamento do preconceito social e de ser cativo de tratamentos paliativos, hoje ele é conclamado a ter essa mesma característica para enfrentar preconceitos semelhantes e os rigores da moderna quimioterapia. A aplicação da Teoria das Representações Sociais como referencial teórico-metodológico nesta pesquisa mostrou-se pertinente, permitindo desvelar as representações sociais sobre os doentes, levando a compreender como os enfermeiros agem, mediante os sentidos que constroem sobre eles. A compreensão de pensar e agir permite entender porque muitas vezes eles optam por não atender esses doentes. Sem essa possibilidade findam por prestar uma assistência esvaziada de cuidado e carente de qualidade, posto que se amparam em medos e preconceitos vinculados aos doentes e sua enfermidade. Ao desvelar esses aspectos, este estudo contribui para a qualidade do cuidado oferecido às pessoas doentes com tuberculose. Isso é relevante se considerarmos que a forma como são atendidos nos serviços de saúde pode ser o diferencial para sua adesão ou não a tratamentos de longa duração como o da tuberculose. Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):172-8. 175 Representações sociais de enfermeiros sobre o portador de tuberculose No contexto da descrição que os enfermeiros fazemdo doente por estereótipos há que se levar em conta que asdefinições de saúde e doença na sociedadevariam de acordo com características individuais, familiares, culturais e sociais. Nas comunidades ocidentais, as definições de saúdeincluem aspectos físicos, psicológicos e comportamentais. Dessa forma, definir alguém como doente envolve diferentes esferas de percepções; na esfera individual, a pessoa se reconhece doente; na esfera coletiva éreconhecida como tal pela sociedade e podem articular-se os dois tipos de percepção. No elenco de experiências físicas ou subjetivas que estão implicadas nesse processo de decodificação de si mesmo ou do outro, estão as mudanças percebidas nas funções orgânicas, que se objetivam no funcionamento de membros, nos estados emocionais e na aparência corporal.(9) Portanto, a tuberculose, ao provocar mudanças no aspecto físico dos doentes, que os marcavam sobremaneira à época em que a moléstia não tinha cura, suscita que os enfermeiros a objetivem nesse estereótipo construído socialmente e que, aparentemente, ainda conserva reminiscências. Assim, ele passa a ser reconhecido como doente para a sociedade. Ao associarem a debilidade física ao agravamento da doença percebe-se que os enfermeiros lançam mão de saberes reificados onde essaideia encontra amparo, pois a tuberculose é doença de evolução clínica lenta e que, se não diagnosticada precocemente, leva ao agravamento do estado físico do doente com a consequente alteração de sua imagem corporal, à medida que avança sem nenhuma intervenção médica. O emprego de superlativos para descrever a situação clínica do doente reforça a ideia de que a tuberculose não é qualquer doença, não é apenas mais uma no elenco de doenças infecciosas com as quais os enfermeirospodemlidar no seu cotidiano profissional ou pessoal, pois, mesmo tendo o conhecimento de que os agravos infecciosos debilitam a pessoa doente, ao se reportarem ao sujeito que abriga a tuberculose, eles o fazem de uma forma carregada de simbologia que, para ser explicada, carece de superlativos e gradientes de quantidade. Na esfera psicológica, associar ao doente determinadas características ou lhes atribuir sentimentos não tem um caráter de ineditismo. Essa tem sido 176 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):172-8. uma prática frequente ao longo da história da doença no terreno social e perdurou por muito tempo na trajetória dos doentes, servindo para camuflar uma junção de estigmas que eram alimentados por eles, seus familiares e pelos agrupamentos médicos responsáveis por lhes prestar cuidados. Nesse contexto, os doentes viam-se enquadrados, sem ousar refutar, em um modelo psicológico/comportamental que lhes seria próprio.(10) No âmbito das características sociais, observa-se que a associação da doença ao nível social do sujeito marcaumaaparente transição para a naturalização do perfil do doente, pois se vislumbra uma mudança descrita pelos enfermeiros, em uma “quase” igualdade de condições e a coexistência de “dois tipos de doentes”. Mas, ainda assim, a condição socioeconômica parece ser o diferencial. A sociedade, frente ao diferente e assustador, nesse caso as doenças de caráter epidêmico e incuráveis, procura explicações e culpados, bem como justificativas e vítimas. Desse modo vai construindo socialmente grupos que caibam em seu modelo explicativo/justificativo para acusar ou proteger. Essas projeções aos grupos podem advir de memórias coletivas, de teoriascientíficas, ou mesmo dosfalatórios que circulam no meio social.(11) Esteaspecto é identificado quando se observa que os enfermeiros, ao fazerem essas projeções da tuberculose em determinados grupos, o fazem mediante sua convivência com as ideias circulantes sobre a doença no senso comum e no meio científico.(12,13) Para eles, que sustentam suas representações tendo como base o estereótipo, sendo a doença uma prerrogativa dos desassistidos socialmente e dos fisicamente frágeis, os que não apresentam essa condição estariam menos vulneráveis à ela. Portanto, a proteção conferida pela pertença grupaldos doentes é forte e está claramente explicitada em seus depoimentos. Sendo a tuberculose uma doença que sempre ganhou contornos de fenômeno de relevância social, as representações sociais organizadas sobre ela foram, ao longo do tempo, sendo resignificadas e reorganizadas sempre acompanhando as mudanças na sociedade. Nesse contexto, ao organizar o pensamento tomando por base o doente como alguém que, ao albergar o bacilo, configura-se em um peri- Rodrigues ILA, Motta MCS, Ferreira MA go social, os enfermeiros remetem-se às representações sociais antigas quando o “tísico” trazia consigo a marca da morte.(4) Ao final do século XIX, por conta de ressignificações da doença no social, os doentes deixaram de servistos como vítimas para assumir o lugar de perigosos em virtude de sua capacidade de disseminar a doença. Esse temor aparentemente ultrapassado, relacionado às doenças que suscitaram/suscitam muito mistério, permanece mesmo em presença de novas perspectivas. Esse pensamento é valido no caso da tuberculose, posto que todo mistério sobre suas causas está desvendado e o tratamento eficaz é disponível. Mas o que parece descrito neste estudo é que nem toda ciência que exista sobre a doença será capaz de dissipar os temores que ela suscita no senso comum.(10,14) Ao organizar os elementos que compõem a representação sobre o doente, majoritariamente, os discursos remetem ao estereótipo do tísico que foi construído socialmente para eles. Ao deslocar a figura do doente para o eixo das vulnerabilidades de grupos sociais, os enfermeiros reconhecem que parte desse espaço é daquele grupo que legitimamente o ocupa: os desassistidos socialmente.(14) Nessa compreensão, manifestam sua estranheza ao identificar que outro espaço, nesse eixo das vulnerabilidades, está ocupado por sujeitos que, por seu diferencial do ponto de vista socioeconômico e de formação escolar, ali não deveriam estar. Escapa à sua compreensão essa possibilidade quando relacionam a sua vivência nas Unidades, as informações que circulam no meio pessoal e profissional e as estatísticas oficiais sobre a patologia, que mostram a predominância de adoecimento no grupo dos socialmente vulneráveis. Esse elemento, portanto, é uma nova peça a integrar o quebra-cabeça que ajuda a organizar asrepresentações sociais sobre o doente para esses enfermeiros. Faz parte desse repertório a ideia de que eleé uma fonte de contaminação, o que retroalimenta os estereótipos que por sua vez reconstroem a figura-tipo do doente como perigoso reforçando a atitude assumida por eles de temê-lo. Essa atitude pode orientar comportamentos e práticas no âmbito do cuidado de enfermagem. Entendendo-se que o cuidado, em sua essência, pressupõe a ideia de proximidade ao outro, é válido refletir em que condições e com que consequências ele se dá se os enfermeiros estão inseguros e temerosos em relação a ele. Quando se mobilizam esses afetos, a relação doente-enfermeiro tende a fragilizar-se e não ser bem sucedida, o que pode resultar em não adesão ao tratamento por parte do doente, posto que o profissional também não aderiu a ele. Conclusão Quanto às representações sociais sobre o doente com tuberculose, constata-se que estas se organizam a partir do medo amparado em características físicas, psicológicas e sociais que ajudam os enfermeiros a delinearem a figura-tipo do doente como perigoso. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq): bolsa de produtividade em pesquisa nível 1D para Ferreira MA; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível superior (CAPES) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): parte do financiamento de Doutorado Interinstitucional; à Universidade do Estado do Pará (UEPA): bolsa de Doutorado para Rodrigues ILA e parte do financiamento de Doutorado Interinstitucional. Colaborações Rodrigues ILA; Motta MCS e Ferreira MA participaram da concepção do projeto, análise e interpretação dos dados, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. 1.World Health Organization. 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Lafaiete RS, Silva CB, Oliveira MG, Motta MCS, Villa TCS. [Investigation about access to treatment of tuberculosis in Itaboraí/RJ]. Esc Anna Nery Rev Enferm 2011;15(1):47-53. Portuguese. 13.Souza KM, Sá LD, Palha PF, Nogueira JA, Villa TC, Figueiredo DA. Tuberculosis treatment drop out and relations of bonding to the family health team. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(4):904-10. 14.Souza SS, Silva DM, Meirelles BH. [Social representations of tuberculosis]. Acta Paul Enferm. 2010; 23(1):23-8. Artigo Original Eficácia da educação em saúde no tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial Effectiveness of education in health in the nonmedication treatment of arterial hypertension Thatiane Lopes Oliveira1 Leonardo de Paula Miranda1 Patrícia de Sousa Fernandes1 Antônio Prates Caldeira1 Descritores Atenção primária à saúde; Educação em saúde; Eficácia; Hipertensão; Promoção da saúde Keywords Primary health care; Health education; Efficacy; Hypertension; Health promotion Submetido 5 de Junho de 2012 Aceito 1 de Abril de 2013 Autor correspondente Thatiane Lopes Oliveira Av. Rui Braga, s/n, Vila Mauricéia, Montes Claros, MG, Brasil. CEP: 39401-089 [email protected] Resumo Objetivo: Verificar a eficácia da educação em saúde na adesão ao tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial. Métodos: Foram analisados hábitos referentes à alimentação, à atividade física e ao uso de tabaco e álcool, bem como avaliação de medidas antropométricas e níveis pressóricos, antes e após a realização de grupos de educação em saúde em 216 hipertensos. Resultados: Houve mudança estatisticamente significante no consumo de legumes, na adesão à prática de atividade, na redução do índice de massa corpórea e da circunferência abdominal e no controle da pressão arterial, após os grupos de educação em saúde. Conclusão: A educação em saúde proposta foi eficaz no incentivo à adesão ao tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial, evidenciando a relevância da adoção dessas estratégias educacionais pelos profissionais de saúde. Abstract Objective: To verify the efficacy of health education on the adherence to non-pharmacological treatment in arterial hypertension. Methods: Habits related to nutrition, physical activity and use of tobacco and alcohol were analyzed, as well as assessment of anthropometric and blood pressure levels, before and after the performance of group health education in 216 hypertensive patients. Results: There was a statistically significant change in the consumption of legumes, in the adherence to physical activity, in the reduction of body mass index and abdominal circumference, and in the control of arterial pressure, after the health education groups. Conclusion: The proposed health education was effective in incentivizing the adherence to non-pharmacological treatment in arterial hypertension, evidenced by the relevance of the adoption of these educational strategies for health professionals. Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Carlos, MG, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):179-84. 179 Eficácia da educação em saúde no tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial Introdução A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é um grave problema de saúde pública, sendo considerado um dos principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares e responsável por altas taxas de morbidade.(1) O seu controle depende de medidas farmacológicas e não farmacológicas. As medidas não farmacológicas são indicadas indiscriminadamente aos hipertensos.(1) Entre essas medidas estão a redução do consumo de álcool, o controle da obesidade, a dieta equilibrada, a prática regular de atividade física e a cessação do tabaco.(1,2) A adesão a esses hábitos de vida favorece a redução dos níveis pressóricos e contribui para a prevenção de complicações.(1) No entanto, estima-se que somente um terço das pessoas acompanhadas em serviços de saúde tem sua pressão arterial mantida em níveis desejáveis e essa insuficiente adesão ao tratamento é apontada como um dos importantes determinantes dessa enfermidade.(3) As equipes da saúde da família possuem, em tese, os melhores requisitos para promoverem a adesão ao tratamento de patologias como a hipertensão, pois estimulam o bom relacionamento usuário/profissional e favorecem a corresponsabilização do tratamento. As ações educativas promovidas pelos profissionais estimulam o desenvolvimento da autonomia do indivíduo e possibilitam as discussões e orientações quanto à adoção de novos hábitos de vida.(4) O objetivo deste estudo foi verificar a eficácia de uma proposta de educação em saúde na adesão ao tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial em pacientes cadastrados em equipes de saúde da família. Métodos Estudo de intervenção, aleatório, não controlado, do tipo coorte prospectivo. A população foi composta por 261 hipertensos cadastrados nas unidades de saúde da família da área urbana do município de Januária, estado de Minas Gerais, região sudeste do Brasil, que possuíam idade superior a 18 anos. Foram excluídos do trabalho aqueles hipertensos que 180 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):179-84. se recusaram a participar das atividades educativas. As variáveis de desfecho utilizadas foram a atividade física, a dieta, o tabagismo, o alcoolismo e os dados sociodemográficos. O tamanho da amostra foi estimado para detectar uma diferença de pelo menos 30% no controle da hipertensão arterial após as atividades educativas, em relação a uma proporção estimada de 50% de pessoas com pressão arterial sob controle antes do início dos trabalhos. Assumiu-se um nível de confiança de 95% e um poder amostral de 80%. Para fins de coleta de dados, foram realizadas visitas domiciliares antes das atividades de educação em saúde. A primeira visita foi executada com o fito de aplicação do questionário individual tipo adulto preconizado pelo Instituto Nacional de Câncer – INCA,(5) a fim de levantar informações sobre as variáveis de desfecho. Após as visitas domiciliares, foi realizada a intervenção educacional. As atividades foram realizadas, por meio de exposição dialogada, material escrito específico, compartilhamento de experiência e avaliação, todas executadas em encontros regulares com duração de 60 minutos e com participação de 12 a 15 pessoas. O conteúdo programático foi: dieta (Dietary Approaches to Stop Hypertension – DASH,(6) atividade física (Questionário Internacional de Atividade Física - IPAQ),(7) circunferência abdominal (normal: até 88 cm – mulheres; 102 cm - homens),(8) índice de massa corpórea (normal < 25, sobrepeso ≥ 25 e < 30, obeso ≥ 30),(9) redução do consumo de álcool e tabaco. O nível aferido da pressão arterial foi classificado em ótimo/normal/limítrofe, hipertensão estágio um e dois e hipertensão estágio três/hipertensão arterial sistólica isolada.(1) As variáveis peso e pressão arterial foram avaliadas de forma padronizada antes e após cada atividade educativa. Três meses após a última atividade de educação em saúde, foi realizada visita domiciliar para a coleta dos dados, a fim de avaliar possíveis modificações ocorridas durante o processo da pesquisa. Para a análise descritiva, foram elencadas as variáveis sociodemográficas e clínicas. Na análise das variáveis categóricas, utilizou-se o teste Qui-quadrado de McNemar, com a finalidade Oliveira TL, Miranda LP, Fernandes PS, Caldeira AP de avaliar os dados pareados antes e após o processo de educação em saúde. A análise dos dados foi feita utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences - SPSS® 15.0 for Windows®. O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados As características dos participantes do estudo são observadas na tabela 1. Tabela 1. Características da população pesquisada. Variáveis n(%) Gênero Feminino Masculino 171(79,2) 45(20,8) Faixa etária (em anos completos) Abaixo de 40 5(2,3) 40 a 49 19(8,8) 50 a 59 48(22,2) 60 a 69 72(33,3) 70 a 79 61(28,2) 80 anos 11(5,1) Estado civil Solteiro 19(8,8) Casado 138(63,9) a intervenção educacional. Não foram registradas mudanças significativas em relação ao consumo de frutas e verduras (Tabela 2). Em relação à prática de atividade física, observou-se uma melhora estatisticamente significante (Tabela 2). Na cessação do álcool e do tabagismo, não foram observadas mudanças positivas. Quanto aos dados antropométricos, registrou-se uma redução estatisticamente significante tanto em relação à circunferência abdominal quanto em relação ao IMC (Tabela 2). Tabela 2. Hábitos de vida Antes Depois n(%) n(%) Adequado 0(0) 03(1,4) Inadequado 216(100) 213(98,6) Variáveis Consumo de frutas NA** Consumo de verduras NA** Adequado 1(0,5) 0(0) Inadequado 215(99,5) 216(100) Adequado 186(86,1) 208(96,3) Inadequado 30(13,9) 08(3,7) Consumo de legumes 0,000 Prática de atividade física 0,030 Muito ativo/ativo 105(48,6) 102(47,2) Irregularmente ativo A/B 67(31,0) 87(40,3) Sedentário 44(20,4) 27(2,5) Sim 32(14,8) 34(15,5) 184(85,2) 182(84,3) Uso de bebidas alcoólicas 0,815 Divorciado/desquitado 06(2,8) Não Viúvo 53(24,5) Tabagismo Sim 16(7,4) 17(7,9) Amarelo 08(3,7) Não 200(92,6) 199(92,1) Branco 13(6,02) Dentro dos limites 69(31,9) 84(38,9) Acima dos limites 147(68,1) 132(61,1) Etnia/Cor da pele Pardo 149(68,98) Negro 46(21,30) 1,000 Circunferência abdominal 0,000 Índice da massa corpórea Escolaridade Analfabeto 68(31,5) Ensino Fundamental I 108(50,0) Ensino Fundamental II 30(13,9) Ensino Médio 10(4,6) Houve mudança estatisticamente significante no consumo de legumes, aferida pelas proporções de uso adequado desse tipo de alimento antes e após p-value* 0,018 Normal 64(29,6) 67(31,0) Sobrepeso 94(43,5) 100(46,3) Obeso 58(26,9) 49(22,7) Pressão arterial 0,004 Ótimo, normal e limítrofe 99(44,9) 144(76,6) HAS estágio 1 e estágio 2 73(33,8) 45(20,8) HAS estágio 3 e sistólica isolada 44(20,4) 27(12,5) Legenda: (*) – Teste de Qui-quadrado de McNemar; (**) NA – não se aplica Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):179-84. 181 Eficácia da educação em saúde no tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial Foi possível observar também, uma melhora nos níveis pressóricos. As médias de PA encontradas no início do estudo foram: PAS = 141,67 ± 23, 94 mm/Hg e PAD = 81,94 ± 12,13 mm/Hg. Ao final do estudo, os valores observados foram respectivamente de 131,32 ± 21,63 mm/Hg e 81,76 ±12,08 mm/Hg. Discussão Os grupos educativos se caracterizaram como uma ferramenta positiva no incentivo à adequação de alguns comportamentos e promoveram melhoria dos níveis pressóricos. Entretanto, os resultados do estudo devem ser considerados à luz de algumas limitações. São exemplos de limitações o curto período de acompanhamento e o fato de o mesmo não ter sido controlado. Seria importante uma reavaliação dos resultados com o passar do tempo, no intuito de certificar se as mudanças foram efetivamente inseridas na rotina do paciente. É precípuo ressaltar que o estudo, por não ter sido controlado, não permitiu inferências mais evidentes. A educação em saúde concebida a partir de um objetivo inicial, com planejamento adequado e metodologia sistematizada enseja a obtenção de bons resultados. Os resultados deste estudo evidenciam a importância dessa estratégia e a possibilidade dos profissionais de saúde a utilizarem de forma eficaz na promoção da saúde. A predominância do sexo feminino já foi observada em outros estudos, assim como a prevalência da faixa etária de 60 a 79 anos.(10-12) A baixa escolaridade observada pode prejudicar a mudança de comportamento ao dificultar o entendimento das orientações dadas, e, por isso, merece atenção especial dos profissionais.(13) O Dietary Approaches to Stop Hypertension já teve seus benefícios verificados por outros autores. (14) Entre os hábitos dietéticos discutidos, o consumo de legumes teve uma mudança estatisticamente significante. Outros estudos obtiveram aumento significativo na ingestão de frutas e verduras, após realização de atividades educativas.(15) A modificação do hábito alimentar não é uma tarefa simples, 182 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):179-84. pois se trata de um costume presente desde a infância, relacionado à origem étnica e à condição socioeconômica dos indivíduos.(16) Em relação à prática de atividade física, houve uma melhora estatisticamente significante no nível de atividades praticadas, vários indivíduos que eram sedentários começaram a praticar exercícios físicos. A prevalência da atividade física e o impacto da educação em saúde sobre o sedentarismo são variáveis, segundo a literatura.(17,18) A realização de exercício físico talvez seja o comportamento mais fácil de aderir, já que até mesmo atividades praticadas durante os momentos de lazer estão associadas ao controle da pressão, porém verifica-se que essa prática não é uma realidade vivenciada por grande parte de hipertensos.(19,20) Não foram observadas alterações no consumo de álcool e tabaco. Resultados diferentes foram encontrados em Al Qassim, onde se observou uma redução de 7% do tabagismo entre participantes de um programa de educação em saúde.(17) Outro estudo no México observou associação entre esses hábitos e o controle da pressão arterial, reforçando assim os benefícios de uma conduta adequada.(21) Mudanças de hábitos em relação ao uso de fumo e álcool são resultados difíceis de serem alcançados a curto prazo, por isso, é essencial a continuidade de grupos que reforcem a importância desses comportamentos. Pesquisas confirmam que quanto maior o excesso de peso, maiores são os níveis pressóricos.(22,23) Neste estudo foi possível observar uma redução estatisticamente significante nos valores do IMC. Nos valores da circunferência abdominal, também foi obtida redução estatisticamente significante. Estudo de orientação educacional, realizado com pacientes hipertensos, mostrou redução na circunferência abdominal, no índice de massa corpórea e, consequentemente, nos níveis pressóricos.(24) A manutenção dessas medidas e do peso corporal não é uma tarefa fácil; destarte, é necessária a conservação de hábitos saudáveis, como a adoção de uma dieta adequada e a prática regular de atividade física.(25) Em consonância com as mudanças de alguns hábitos de vida, foi observada uma redução estatisticamente significante nos valores das pressões arte- Oliveira TL, Miranda LP, Fernandes PS, Caldeira AP riais, ratificando que o estilo de vida dos pacientes portadores de hipertensão arterial está relacionado com o controle de tal condição. Novos estudos sobre o tema são desejáveis, no sentido de identificar as melhores medidas de intervenção, a fim de que se alcance um maior comprometimento dos pacientes e se obtenham resultados mais eficazes nas ações de promoção da saúde. Conclusão Medication Adherence Among Older Adults (CoSMO). Med Clin North Am. 2009; 93(3):753-69. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 2488, de 21 de Outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) [Internet]. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF); 2011 Out 24 [citado 2012 Jan 12]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/ prt2488_21_10_2011.html 5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. [Household survey on risk behaviors and morbidity of noncommunicable diseases and injuries]. 2003 [cited 2010 Abr 4]. Available from: http://www.inca.gov.br/ inquerito/docs/faseII_tipoadulto.pdf. Portuguese. A educação em saúde proposta foi eficaz no incentivo à adesão ao tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial, evidenciando a relevância da adoção dessas estratégias educacionais pelos profissionais de saúde. 6. United States. Department of health and Human Services. Your guide to lowering your blood pressure with DASH. DASH eating plan. Lower your blood pressure [Internet] [cited 2010 Apr 4]. (NIH Publication, n. 064082). Available from: http://www.nhlbi.nih.gov/health/public/heart/ hbp/dash/new_dash.pdf Agradecimentos À Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. À Secretaria Municipal de Saúde do município de Januária. 8. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica. Arq Bras Cardiol. 2005; 84 Supl 1:1-28. Colaborações Oliveira TL participou da concepção do projeto, análise, interpretação, redação do artigo, revisão crítica do conteúdo e aprovação final da versão a ser publicada. Miranda LP colaborou com a concepção do projeto, análise e interpretação, redação do artigo e aprovação final. Fernandes PS participou da análise, interpretação e redação do artigo. Caldeira AP participou da concepção do projeto, análise, interpretação, redação do artigo, revisão crítica do conteúdo e aprovação final. 7. Martins LC, Guedes NG, Teixeira IX, Lopes MV, Araujo TL. Nível de atividade física em portadores de hipertensão arterial. Rev Latinoam Enferm. 2009;17(4). Portuguese. 9. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Diretrizes brasileiras de obesidade [Internet]. 3ª.ed. Itapevi (SP): AC Farmacêutica; 2009 [citado 2011 Out 5]. Disponível em: http://www.abeso.org.br/pdf/diretrizes_brasileiras_ obesidade_2009_2010_1.pdf 10. Lima HP, Santos ZM, Nascimento JC, Caetano JA. Hypertensive user’s adherence to treatment and the interface with knowledge about the disease. Rev RENE. 2010;11(2):170-8. Portuguese. 11.Mano GM, Pierin AM. Evaluation from the hypertensive patients followed in the Family Health Program at Health School Center. Acta Paul Enferm. 2005; 18(3):269-75. Portuguese. 12.Nobre F, Ribeiro AB, Mion Júnior D. Control of arterial pressure in patients undergoing anti-hypertensive treatment in Brazil - Controlar Brazil. Arq Bras Cardiol. 2010;94(5):623-30. 13.Cotta RM, Batista KC, Reis RS, Souza GA, Dias G, Castro FA, et al. Social-sanitary and lifestyle profile of hypertense and/or diabetics, users of the Family Health Program in the city of Teixeiras, Minas Gerais state. Ciênc Saúde Coletiva. 2009; 14(4):1251-60. Portuguese. Referências 14.Appel LJ, Brands MW, Daniels SR, Karanja N, Elmer PJ, Sacks FM. Dietary approaches to prevent and treat hypertension. Hypertension. 2006;47:296-308. 1.Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Nefrologia. [VI Brazilian Guidelines on Hypertension]. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(1 Suppl):1-51. Portuguese. 15.Svetkey LP, Pollak KI, Yancy WS Jr, Dolor RJ, Batch BC, Samsa G, et al. Hypertension improvement project: randomized trial of quality improvement for physicians and lifestyle modification for patients. Hypertension. 2009; 54(6):1226–33. 2. Santos ZM, Lima HP. Educational health technology in arterial hypertension prevention in workers: lifestyle change analysis. Texto & Contexto Enferm. 2008; 17 (1): 90-7. Portuguese. 16.Gimeno SG, Mondini L, Moraes SA, Freitas IC. Dietary patterns and correlates in adults living in Ribeirão Preto, São Paulo State, Brazil: the OBEDIARP Project. Cad Saúde Pública. 2011; 27(3):533-45. Portuguese. 3. Krousel-Wood MA, Muntner P, Islam T, Morisky DE, Webber LS. Barriers to and determinants of medication adherence in hypertension management: perspective of the Cohort Study of 17. Sharaf F. Impact of health education on compliance among patients of chronic diseases in Al Qassim, Saudi Arabia. Int J Health Sci (Qassim). 2010;4(2):139–48. Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):179-84. 183 Eficácia da educação em saúde no tratamento não medicamentoso da hipertensão arterial 18. Siqueira FV, Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, et al. Physical activity in young adults and the elderly in areas covered by primary health care units in municipalities in the South and Northeast of Brazil. Cad Saúde Pública. 2008;24(1):39-54. Portuguese. 19. Pitanga FJ, Lessa I. Relationship between leisure-time physical activity and blood pressure in adults. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(4): 480-4. Portuguese. 20. Serafim TS, Jesus ES, Pierin AM. Influence of knowledge on healthy lifestyle in the control of hypertensive. Acta Paul Enferm 2010; 23(5):658-64. 21. Reza CG, Nogueira MS. The life style of the hypertensive patient of a program of aerobic exercise: study in the Toluca City, Mexico. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(2):265-70. Portuguese. 22.Hasselmann MH, Faerstein E, Werneck GL, Chor D, Lopes CS. 184 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):179-84. Association between abdominal circumference and hypertension among women: the Pró-Saúde Study. Cad Saúde Pública. 2008; 24(5):1187-1191. Portuguese. 23. Wenzel D, Souza JM, Souza SB. Prevalence of arterial hypertension in young military personnel and associated factors. Rev Saúde Pública. 2009;43(5):789-95. 24.Staten LK, Cutshaw CA, Davidson C, Reinschmidt K, Stewart R, Roe DJ. Effectiveness of the pasos adelante chronic disease prevention and control program in a US-Mexico border community, 2005-2008. Prev Chronic Dis. 2012; 9:1-9. 25.Martín CR, Sánchez CC, Ortiz LG, Rodríguez JI, Sánchez YC, Marcos MA. Efficacy of an educational intervention group on changes in lifestyles in hypertensive patients in primary care: a randomized clinical trial. Rev Esp Salud Pública. 2009; 83: 441-52. Spanish. Artigo Original Infecção ou colonização por micro-organismos resistentes: identificação de preditores Infection or colonization with resistant microorganisms: identification of predictors Graciana Maria de Moraes1 Frederico Molina Cohrs2 Ruth Ester Assayag Batista2 Renato Satovschi Grinbaum1 Descritores Avaliação em enfermagem; Pesquisa em enfermagem; Infecção/ enfermagem; Fatores de risco; Previsões Keywords Nursing assessment; Nursing research; Infection/nursing; Risk factors; Forecasting Submetido 10 de Junho de 2012 Aceito 27 de Março de 2013 Autor correspondente Graciana Maria de Moraes Rua Napoleão de Barros, 754, Vila Clementino, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04024-002 [email protected] Resumo Objetivo: Identificar os fatores preditores de infecção ou colonização por micro-organismos resistentes. Métodos: Foi realizado estudo quantitativo de coorte prospectivo. Foram realizadas a análise descritiva, para conhecimento da população do estudo, e a análise discriminante, para identificação dos fatores preditores. Resultados: Foram incluídos 85 pacientes com infecções por micro-organismos resistentes: Pseudomonas aeruginosas resistente aos carbapenêmicos (24,7%), Acinetobacter resistente aos carbapenêmicos (21,2%), Staphylococcus aureus resistente à meticilina (25,9%), Enterococcus spp. resistente à vancomicina (17,6%) e Klebsiella pneumoniae resistente aos carbapenêmicos (10,6%). A análise discriminante identificou transferências de outros hospitais e internação na Unidade de Terapia Intensiva como fatores preditores para ocorrência de infecção pelos grupos S. aureus resistente à meticilina, Acinetobacter resistente aos carbapenêmicos e K. pneumoniae resistente aos carbapenêmicos. Nenhuma das variáveis estudadas foi discriminante para Enterococcus spp. resistente à vancomicina e P. aeruginosas resistente aos carbapenêmico. Conclusão: Os fatores preditores encontrados foram: internação na UTI e a transferências de outros hospitais. Abstract Objective: Identifying predictors of infection or colonization with resistant microorganisms. Methods: A quantitative study of prospective cohort was carried out. A descriptive analysis was performed in order to know the population of the study and a discriminant analysis was performed to identify the predictors. Results: In this study were included 85 patients with infections caused by resistant microorganisms: carbapenem-resistant Pseudomonas aeruginosas (24.7%); carbapenem-resistant Acinetobacter (21.2%); methicillin-resistant Staphylococcus aureus (25.9%), vancomycin-resistant Enterococcus spp (17.6%) and carbapenem-resistant Klebsiella pneumonia (10.6%). The discriminant analysis identified transfers from other hospitals and hospitalization in intensive care unit as predictors for the occurrence of infections by the following groups: S. aureus resistant to methicillin, Acinetobacter resistant to carbapenems and K. pneumoniae resistant to carbapenems. None of the studied variables was discriminant for vancomycin-resistant Enterococcus spp. and carbapenem-resistant P. aeruginosas. Conclusion: The predictors found were: ICU hospitalization and transfers from other hospitals. Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, São Paulo, SP, Brasil. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Conflitos de interesse: Batista REA é editora associada da Acta Paulista de Enfermagem e não participou do processo de avaliação do manuscrito. 1 2 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):185-91. 185 Infecção ou colonização por micro-organismos resistentes: identificação de preditores Introdução As infecções relacionadas à assistência a saúde causadas por micro-organismos resistentes a múltiplos antimicrobianos (MDRO, sigla do inglês multidrug-resistant organisms) são cada vez mais prevalentes nos hospitais. A gravidade e a extensão das doenças causadas por esses patógenos variam de acordo com a população afetada e a instituição em que são encontrados.(1) De acordo com a estimativa do European Center for Disease Prevention and Control (ECDC), as infecções por MDRO atingem 1 em cada 20 pacientes hospitalizados.(2) O aumento da morbidade e da mortalidade decorrente dessas infecções está diretamente relacionado ao difícil tratamento, em razão da pouca disponibilidade de drogas eficazes.(3) A colonização ou infecção por micro-organismos resistentes de pacientes hospitalizados tem merecido crescente atenção dos serviços de controle de infecção hospitalar.(4,5) O impacto dessa complicação infecciosa no ambiente hospitalar se traduz por prolongamento da hospitalização, reinternações, sequelas, incapacidade para o trabalho, aumento de custo e óbito. Não há estimativas exatas do impacto mundial dessas infecções.(6) As infecções relacionadas à assistência a saúde constituem importante problema em todo o mundo, representando uma grande ameaça para a segurança do paciente.(7) O Centers for Disease and Control and Prevention (CDC) recomenda a implantação de precaução de contato para essa população. Porém, vários estudos demostram a baixa adesão a tal estratégia.(8-10) Além disso, há o risco de que o diagnóstico de colonização ou infecção do paciente seja feito tardiamente, o que aumenta a possibilidade de transmissão entre os pacientes. A virulência e a transmissibilidade de alguns micro-organismos têm tornado evidente a inabilidade de erradicar esses agentes, assim com a necessidade de procurar novos métodos de controle.(11) Estudos mostram que é útil a realização de culturas de vigilância epidemiológica para conhecer a real dimensão do problema da resistência nas unidades de saúde.(12) 186 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):185-91. As culturas de vigilância devem ser realizadas para diagnosticar pacientes colonizados ou infectados, que são reservatórios para disseminação desses micro-organismos. O objetivo dessa coleta é identificar precocemente os pacientes colonizados ou infectados por MDRO e implantar imediatamente estratégias para o controle da infecção, diminuindo a transmissão cruzada e o risco de desenvolvimento de infecções subsequentes. (11) No entanto, essa prática apenas é mais enfaticamente recomendada em situação de surto, em endemias sem controle com medidas protocolares ou em populações de risco, pois essas culturas de vigilância consomem recursos materiais e humanos e têm alto custo.(2) Além disso, o influxo dos pacientes colonizados por MDRO não sofre alteração e existe uma demora na obtenção do resultado da cultura, favorecendo a disseminação desses agentes. Especialistas recomendam a implantação da precaução de contato com o critério de fatores preditores(2,13) como estratégia para a contenção da disseminação dos MDRO. O objetivo deste estudo foi identificar os fatores preditores de infecção ou colonização por micro-organismos resistentes. Métodos O desenho selecionado para o estudo foi coorte, realizado em um hospital público terciário e de ensino, que conta com 979 leitos para tratamento clínico e cirúrgico, situado no município de São Paulo (SP). O Grupo Executivo de Controle de Infecção Hospitalar (GECIH) desenvolve o programa de controle de infecção hospitalar com base na metodologia National Nosocomial Infection Surveillance System (NNIS).(14) A coleta de dados foi realizada entre de agosto de 2007 e janeiro de 2008, por meio de busca ativa, após a identificação do micro-organismo resistente pelo laboratório de microbiologia do próprio hospital, segundo os métodos convencionais de isolamento e identificação bacteriana. O pesquisador era notificado do resultado positivo da cultura e, então, realizava o seguimento do paciente em ficha própria, Moraes GM, Cohrs FM, Batista REA, Grinbaum RS até a alta ou o óbito do mesmo. Quando o paciente apresentava mais de um micro-organismo resistente, era considerado somente o primeiro identificado. Os dados demográficos coletados foram os citados na literatura como fatores de risco para aquisição de MDRO: idade, gênero, procedência, doença de base, data da admissão hospitalar, tempo de permanência hospitalar, uso de antimicrobianos, procedimentos invasivos, procedimentos cirúrgicos nos últimos 30 dias, data da infecção relacionada à assistência à saúde e seu local, doenças associadas, internação prévia, internação na unidade de terapia intensiva, contato com portadores de micro-organismos multirresistentes e evolução clínica.(2,5) Foram definidos como MDROs: Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA); Enterococcus spp. resistente à vancomicina (VRE); Pseudomonas aeruginosa resistente aos carbapenêmicos (PCR); Acinetobacter resistente aos carbapenêmicos (ARC); Klebsiella pneumoniae resistente aos carbapenêmicos (KRC). Após a coleta, os dados foram processados utilizando o programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 17.0. Inicialmente, foi realizada a análise descritiva para conhecimento da população do estudo. Posteriormente, foi realizada a análise discriminante, para identificação dos fatores preditores. O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados No período estudado, todos pacientes com MDRO foram incluídos (n=85). A média de idade dos pacientes com micro-organismos foi de 68,7 anos, com desvio padrão de 16,4 (Tabela 1). Os grupos MRSA, ARC e KRC apresentaram variáveis igualmente preditoras, a saber: internação na unidade de terapia intensiva e transferência de outro hospital (Tabela 2). Os dados mostram que, na relação entre as variáveis preditoras e o grupo ARC, ocorreu uma classificação em 94,4% dos casos, enquanto que, para o grupo MRSA, foi de 54,5% e para o grupo KRC de 44,4%. Ressaltase, também, que nenhum dos elementos de estudo para predição esteve relacionado com PRC e VRE. A tabela 2 mostra a existência de duas funções discriminantes, sendo que a função 2 é a que melhor discrimina a “transferência de outro hospital” como fator preditivo, enquanto a função 1 melhor discrimina a “internação na UTI”. Dados da tabela 3 mostram que a melhor classificação ocorre para o grupo ARC, com 94,4% de acerto, seguido pelo grupo MRSA, com 54,5%, e pelo grupo KRC, com 44,4%, para as variáveis “transferência de outro hospital” e “internação na UTI”, identificadas como preditivas. Discussão Este estudo teve como limitação o número de pacientes incluídos e sua realização em centro único de assistência à saúde, o que compromete a generalização dos dados. Os resultados deste estudo em relação aos micro-organismos resistentes identificados são semelhantes aos da literatura quando comparados à população de pacientes internados em UTI em outras instituições. Os micro-organismos resistentes prevalentes encontrados foram: P. aeruginosa, Acinetobacter baumanni, S. aureus, K. pneumoniae e Enterobacter cloace.(15) Os micro-organismos resistentes, frequentemente causadores de infecção nosocomial, têm a prevalência modificada de acordo com o local do estudo com taxas entre 58 e 71% de PRC e de 43 e 59% de MRSA.(11,15) Neste estudo, contudo, a prevalência destes agentes foi inferior: 24,7% para PRC e 25,9% para MRSA. Uso prévio de antimicrobiano, internação prévia e lesão renal aguda são identificados por vários estudos como fatores de risco para colonização por VRE.(16,17) Em relação à PRC, alguns estudos mostraram, como fatores preditores de colonização, a presença de câncer, o uso prévio de antimicrobiano e cirurgia há quatro semanas.(18,19) Neste estudo, nenhuma dessas variáveis foi discriminante para VRE e PRC, provavelmente pelo tamanho da amostra ou por interferência de fatores extrínsecos. Essa última Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):185-91. 187 Infecção ou colonização por micro-organismos resistentes: identificação de preditores Tabela 1. Características dos pacientes colonizados ou infectados por micro-organismos resistentes Variáveis MRSA n(%) VRE n(%) PRC n(%) ARC n(%) KRC n(%) 11(50,0) 11(73,3) 9(42,8) 10(55,6) 5(55,6) Transferência de outro hospital 2(9,1) - 1 (4,8) 1(5,6) 4(44,4) Internação prévia nos últimos 30 dias 9(40,9) 10(66,7) 8(38,1) 9(50,0) 3(33,3) Internação na UTI 10(45,4) 9 (60,0) 15(71,4) 18(100,0) 8(88,9) Uso de sonda vesical de demora 12(54,5) 12(80,0) 15(71,4) 18(100,0) 9(100,0) Uso de cateter venoso central 12(54,5) 12(80,0) 15(71,4) 18(100,0) 9(100,0) Uso de ventilação mecânica 11(50,0) 10(66,7) 13(61,9) 18(100,0) 9(100,0) Cirurgia nos últimos 30 dias 3(13,6) 2(13,3) 5(23,8) 3(16,7) 1(11,1) Cateter 1(4,5) 1(6,7) 1(4,8) 4(22,2) 1(11,1) Sangue 14(63,6) 13(86,7) 9(42,9) 7(38,9) 7(77,8) Secreções 6(27,1) - 7(33,3) 6(33,4) 1(11,1) Tendão 1(4,5) - 1(4,8) - - - 1(6,7) 3 (14,3) 1 (5,6) - 12(54,5) 5(33,3) 4(19,1) 4 (22,2) 2 (22,2) Neoplasia 1 (4,5) 1(6,7) 1(4,8) 2 (11,1) 1(11,1) Insuficiência renal crônica 3(13,6) 4(26,7) 4(19,1) 5 (27,8) 2(22,2) Insuficiência renal aguda 4(18,2) 4(26,7) 3(14,3) 4 (22,2) 1(11,1) Doença neurológica 4(18,2) 5(33,3) 1(4,8) 1(5,5) 1(11,1) Corticoterapia 5(22,7) 1(6,7) 2(9,52) 5(27,8) 1(11,1) Trato urinário 3(16,7) 3(18,8) 8(27,6) 1(5,0) 3(33,3) Ferida 1(5,6) 2(12,5) 8(27,6) 6(30,0) - - - 1(3,4) - - Corrente sanguínea 4(22,2) 1 (6,3) 3(10,3) - - Pneumonia 7(38,9) 10(62,5) 9(31,0) 12(60,0) 6(66,7) Pele ou tecidos moles 1(5,6) - - 1(5,0) - Foco abdominal 1(5,6) - - - - Meningite 1(5,6) - - - - Alta 10(45,4) 3(20,0) 10(47,6) 5(27,8) 1(11,1) Óbito 12(54,5) 12(80,0) 11(52,4) 13(72,2) 8(88,9) 22 (25,9) 15 (17,6) 21 (24,7) 18 (21,2) 9 (10,6) Genêro Masculino Procedência Procedimentos invasivos Material Urina Doenças Diabete mellitus Tipo de infecção Peritonite Evolução Total Legenda: MRSA – Staphylococcus aureus resistente à meticilina; VRE – Enterococcus spp. resistente à vancomicina; PCR –Pseudomonas aeruginosa resistente aos carbapenêmicos; ARC – Acinetobacter resistente aos carbapenêmicos; KRC – Klebsiella pneumoniae resistente aos carbapenêmicos; UTI – unidade de terapia intensiva 188 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):185-91. Moraes GM, Cohrs FM, Batista REA, Grinbaum RS Tabela 2. Coeficientes de função discriminante canônica dos micro-organismos resistentes Função Fatores preditores 1 2 Transferido de outro hospital 2,119 3,015 Internação em UTI 1,818 -1,538 (Constant) -1,482 0,802 Legenda: Foi utilizada a análise discriminante para identificação dos fatores preditores. UTI – unidade de terapia intensiva Tabela 3. Resultados da classificação dos micro-organismos resistentes Grupo MRSA n(%) VRE n(%) PRC n(%) ARC n(%) KKRC n(%) Total MRSA 12(54,5) 0(0,0) 0(0,0) 8(36,4) 2(9,1) 22(100,0) VRE 6(40,0) 0(0,0) 0(0,0) 9(60,0) 0(0,0) 15(100,0) PRC 6(28,6) 0(0,0) 0(0,0) 14(66,7) 1(4,8) 21(100,0) ARC 0(0,0) 0(0,0) 0(0,0) 17(94,4) 1(5,6) 18(100,0) KRC 0(0,0) 0(0,0) 0(0,0) 5(55,6) 4(44,4) 9(100,0) Legenda: Foi utilizada a análise discriminante para classificar os microorganismos resistentes. MRSA – Staphylococcus aureus resistente à meticilina; VRE – Enterococcus spp. resistente à vancomicina; PCR – Pseudomonas aeruginosa resistente aos carbapenêmicos; ARC – Acinetobacter resistente aos carbapenêmicos; KRC – Klebsiella pneumoniae resistente aos carbapenêmicos hipótese não foi estudada, mas pode ter ocorrido transmissão de agentes microbianos entre pacientes. Estudos mostram o uso prévio de antimicrobiano e a internação prévia como fatores de risco para a colonização por MRSA; para KRC, indicam a presença de câncer, a internação em UTI e o uso de antimicrobiano; para ARC, presença de câncer, índice APACHE II elevado, internação na UTI e exposição a antimicrobianos.(17,20-22) Neste estudo, por meio dos coeficientes de função discriminante canônica dos micro-organismos resistentes, foram identificados a transferência de outro hospital e a internação na UTI como fatores preditivos para cultura positiva para MRSA, ARC e KRC. Mesmo o uso de antimicrobianos, independentemente da classe estudada, não levou à ocorrência de um micro-organismo particular, sugerindo que a seleção promovida pelo uso de antimicrobianos de amplo espectro é homogênea, independente do mecanismo de resistência. Múltiplos fatores predisponentes têm sido associados à emergência e à disseminação de micro-organismos resistentes, como idade avançada, tempo de permanência hospitalar, gravidade da doença de base, alimentação enteral, transferências entre hospitais e unidades, cirurgias, exposição a procedimentos invasivos e utilização de antibióticos.(23) Os resultados da internação na UTI como preditor de cultura positiva para MDRO é compatível em outros estudos. As UTIs são locais onde ocorrem muitos procedimentos invasivos e que concentram os pacientes clínicos e cirúrgicos mais graves internados nos hospitais, com taxas de infecção mais elevadas, o que leva a um amplo uso de antimicrobianos, fatores contribuintes para o aumento das infecções nosocomiais e da resistência bacteriana. Por isso, essas unidades são a principal fonte de surtos de micro-organismos resistentes. Esses pacientes apresentam risco aumentado para infecções de corrente sanguínea, pneumonia e infecção do trato urinário, tendo como agentes etiológicos diferentes micro-organismos.(24,25) Dessa maneira, as UTIs constituem o epicentro das infecções por MDRO, podendo haver disseminação para todo o hospital. Porém, outro desafio é a contenção da disseminação no ambiente extra-hospitalar, ou seja, na comunidade, nas instituições de longa permanência ou em outros locais para os quais os pacientes são transferidos após a alta.(5) Neste estudo, foi encontrada a transferência de outro hospital como preditor para colonização ou infecção por MDROs, fator este previamente apontado em outros estudos. Pacientes transferidos de outros hospitais ou que tenham permanecido mais de 24 horas em outro hospital para realização de exames ou procedimentos podem estar colonizados ou infectados por micro-organismos resistentes e, ao serem introduzidos na instituição, podem apresentar infecção clínica pelo agente ou transmiti-lo horizontalmente. As práticas de controle de infecções surgiram ao longo dos anos, para evitar a disseminação das infecções por micro-organismos epidemilogicamente importantes. Grande parte das pesquisas da Society of Healthcare Epidemiology of America (SHEA) tem sido destaque nas diretrizes de infecção. Orientações práticas incluem precauções de contato para pacientes portadores de MDRO, precauções de barreiras estéreis durante a implantação Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):185-91. 189 Infecção ou colonização por micro-organismos resistentes: identificação de preditores de cateter venoso central, higienização das mãos com soluções alcoólicas, vigilância e de rotina para MRSA e VRE em áreas em que pacientes de alto risco são internados.(26) Dessa forma, pacientes transferidos de outros hospitais devem ser mantidos em precauções de contato, para que sejam realizadas culturas dos dispositivos invasivos, lesões e swab retal. Os pacientes colonizados e infectados devem permanecer em precaução até a alta. Para pacientes que tiveram contato com pacientes colonizados ou infectados, também se recomenda a realização de culturas de dispositivos invasivos, lesões e swab retal. Os pacientes da UTI colonizados ou infectados devem permanecer em precauções de contato até a alta e, quando transferidos para unidade de internação, devem permanecer isolados até o final do tratamento, nos casos de infecção ou colonização.(1) A implantação precoce da precaução de contato é de extrema importância para a contenção da disseminação dos micro-organismos resistentes nos ambientes de assistência à saúde. O alto custo das culturas, aliado à demora na obtenção dos resultados, faz com que a identificação de variáveis preditoras, como a deste estudo, seja considerada uma valiosa ferramenta.(1) Conclusão As variáveis preditoras para a colonização ou infecção por MRSA, ARC e KRC encontradas neste estudo foram a transferência de outro hospital e a internação na UTI. Nenhuma das variáveis estudadas foi discriminante para a colonização ou infecção por VRE e PCR. Colaborações Moraes GM participou da concepção e projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Cohrs FM colaborou com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados. Batista REA colaborou na redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser 190 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):185-91. publicada. Grinbaum RS participou da concepção e projeto, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Referências 1. Siegel JD, Rhienehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. Management of multidrugresistant organisms in healthcare settings, 2006 [Internet]. [cited 2010 Jan 18]. 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Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):185-91. 191 Artigo Original Clima de segurança organizacional e a adesão às precauções padrão entre dentistas Organizational safety climate and adherence to standard precautions among dentists Patrícia Helena Vivan Ribeiro1 Maria Meimei Brevidelli2 Anaclara Ferreira Veiga Tipple3 Renata Perfeito Ribeiro1 Elucir Gir4 Descritores Cultura organizacional; Precauções universais; Enfermagem do trabalho; Enfermagem em saúde pública; Enfermagem de atenção primária Keywords Organizational culture; Universal precautions; Occupational health nursing; Public health nursing; Primary care nursing Submetido 13 de Junho de 2012 Aceito 21 de Fevereiro de 2013 Autor correspondente Patrícia Helena Vivan Ribeiro Rua Pernambuco, 540, Londrina, PR, Brasil. CEP: 86020-030 [email protected] 192 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):192-7. Resumo Objetivo: Verificar a percepção do dentista a respeito do clima de segurança no trabalho em relação à adesão às precauções padrão. Métodos: Trata-se de um estudo quantitativo, transversal realizado através da aplicação da escala de Clima de Segurança a uma população de 224 dentistas que atuavam em unidades de Atenção Básica de Saúde de seis municípios do Paraná. Resultados: O escore total de 3,43 (DP=0,88) revela a baixa percepção dos dentistas a respeito do incentivo e apoio organizacional para adoção das PP. Conclusão: Clima de segurança insatisfatório, onde a percepção do dentista sobre a segurança de seu ambiente de trabalho é deficiente, evidenciando ações gerenciais de apoio à segurança fragilizadas, falta de um programa de treinamento em saúde ocupacional e deficiência do feedback para favorecer a adoção de práticas seguras. Abstract Objective: Check the perception of dentists about safety climate at work in relation to adherence to standard precautions. Methods: It is a quantitative, cross-sectional study conducted through the application of the Safety Climate Scale to a population of 224 dentists who worked in units of primary health care in six municipalities of Paraná. Results: The total score of 3.43 (SD = 0.88) reveals that dentists have a poor perception of the incentives and organizational support for adopting standard precautions. Conclusion: Unsatisfactory safety climate, where the perception of dentists about safety in their work environment is deficient, demonstrating fragile management actions of support to safety, lack of a training program in occupational health and deficient feedback to favor the adoption of safe practices. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil. Universidade Paulista, São Paulo, SP, Brasil. 3 Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. 4 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflito de interesse a declarar. 1 2 Ribeiro PHV, Brevidelli MM, Tipple AFV, Ribeiro RP, Gir E Introdução Clima de segurança refere-se à percepção partilhada entre trabalhadores e gestores acerca da segurança do seu ambiente de trabalho, por meio de tomada de decisão gerencial, normas e práticas de segurança, políticas organizacionais que juntos, comunicam o comprometimento organizacional para a segurança, fornecendo um contexto real da esfera em que as atividades laborais são realizadas.(1,2,3) Esta percepção está associada a comportamentos de melhor adesão à segurança no trabalho. As organizações onde o clima de segurança apresentase com um escore alto têm menor número de notificações de lesões inerentes ao processo de trabalho, não só porque o trabalho foi desenvolvido de forma eficaz e programas de segurança são ativos, mas porque a existência destes programas baliza aos trabalhadores o compromisso da gestão com a segurança.(4) Uma das medidas de segurança recomendada aos trabalhadores da área da saúde é a adoção das Precauções Padrão (PP) sendo medidas utilizadas para minimizar o risco de acidentes com materiais biológicos inerentes à prática destes profissionais(5) entre eles os dentistas, pois verifica-se que algumas peculiaridades desta profissão favorecem as exposições, como o pequeno campo de visualização em que atuam, os procedimentos invasivos que realizam, utilização de instrumentos pontiagudos e cortantes, de alta rotação e ultrassônicos, que favorecem a formação de aerossóis e respingos, a grande proximidade física com o paciente e ainda os acidentes devidos à movimentação do paciente em momentos inesperados.(6) A baixa aderência às PP tem como causas, não somente os fatores individuais, como se pensava, mas também fatores relacionados ao trabalho e fatores organizacionais que abrangem o clima de segurança no trabalho.(4,7) Uma avaliação tanto do processo quanto dos fatores que podem influenciar na adesão dos dentistas às práticas seguras de trabalho se faz necessária, já que mesmo diante de diretrizes relacionadas à proteção dos trabalhadores, estudos evidenciam que a adesão às PP não é satisfatória. (7) Verificando-se um número relevante de acidentes com material biológico entre dentistas e que os fatores organizacionais podem estar contribuindo para esta situação, (4,5,7,8) este estudo teve como objetivo verificar a percepção do dentista a respeito do clima de segurança no trabalho em relação a adesão às precauções padrão. Métodos Trata-se de um estudo descritivo, transversal, com abordagem quantitativa, realizado em seis municípios do Paraná. A população constituiu-se do total de dentistas que atuavam nas unidades de Atenção Básica à Saúde (UBS) dos municípios eleitos para a coleta dos dados desta pesquisa, totalizando 283 dentistas. Os critérios de elegibilidade foram: estar ativo na função de dentista e prestar assistência direta ao paciente. Foram excluídos os que se encontravam em licença, férias ou que ocupavam cargos administrativos, de chefia ou diretoria. Sendo assim os sujeitos do estudo totalizaram 224 dentistas. Os dados foram coletados no período de julho a dezembro de 2008, através de entrevista individual no local de trabalho. Para analisar o clima de segurança organizacional em relação à adesão às PP entre estes trabalhadores utilizou-se a escala Clima de Segurança, traduzida e validada para o Brasil e adaptada para a população de dentistas, sendo esta uma escala de 17 itens com escore de cada item variando de um a cinco.(7,9) Segundo esta escala, as respostas são graduadas expressando opiniões entre dois extremos: concordo totalmente, concordo, indeciso, discordo e discordo totalmente. Os escores na escala Clima de Segurança foram classificados como alto para valores superiores a 4,5; intermediário para valores entre 3,5 a 4,49, e baixo para valores abaixo de 3,5.(7) A construção do banco de dados foi realizada por meio de dupla digitação em planilhas do aplicativo Excel® for Windows® 2007. Os dados foram exportados para análise para o Programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 15.0. Os Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):192-7. 193 Clima de segurança organizacional e a adesão às precauções padrão entre dentistas resultados foram apresentados por meio de estatística descritiva a partir da realização dos cálculos de média e desvio padrão. O desenvolvimento do estudo seguiu as normas éticas brasileiras e internacionais para pesquisas envolvendo seres humanos. Resultados Dentre os 224 dentistas que atenderam aos critérios de inclusão e participaram do estudo, 143 (63,8) eram do sexo feminino, com faixa etária entre 30 e 49 anos. Em relação ao local de formação, houve maior porcentagem de profissionais formados na Universidade Estadual de Londrina (56,3%) e quanto à atuação profissional, a maioria tinha entre 11 e 20 anos (51,4%) de profissão, trabalhando na instituição há menos de dez anos (50,4%), com média de 40 horas de trabalho semanal. Em relação aos itens avaliados nesta pesquisa, observam-se os escores médios e desvios-padrão de cada item da escala de clima de segurança. O escore total de 3,43 (DP=0,88) revela a baixa percepção dos dentistas a respeito do incentivo e apoio organizacional para adoção das PP, o que pode ser observado na tabela 1. Observando-se cada um dos itens separadamente, identificou-se que nenhum apresentou escore elevado. Em nove itens foram obtidos escores intermediários (entre 3,5 e 4,49) e em oito, escores baixos com pontuação abaixo de 3,5. Dentre os escores baixos apresentam-se os itens: 2 onde foi avaliado se a prevenção da exposição ocupacional ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) constitui prioridade da gerência (3,2 DP=1,1), 3 relacionado a oferta de treinamento específico sobre infecções transmitidas por via sanguínea (2,7 DP=1,1), 4 onde verifica-se se na UBS são feitas improvisações quando se trata de proteger os funcionários de doenças infecciosas (3,3 DP=1,1), 8 que verifica se na UBS as práticas inseguras de trabalho são corrigidas pelos supervisores (3,2 DP=1,1), 10 que verifica se na UBS a alta gerência se envolve pessoalmente nas atividades de segurança (3,2 DP=1,1), 11 relacionado à existência de Comitê de Segurança (2,3 DP=1,1), 12 sobre o profissional se sentir a vontade para notificar violações 194 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):192-7. das normas de segurança (3,2 DP=1,1) e o 15 onde questiona-se a correção das práticas inseguras pelos colegas na UBS (3,4 DP=1,0). Dentre os escores intermediários, apresentam-se os itens: 1 que verifica se na UBS funcionários, supervisores e gerentes agem em conjunto para garantir condições mais seguras de trabalho (3,8 DP=0,9), 5 sobre a disponibilidade de todos os equipamentos de proteção individual (3,9 DP=3,9), 6 que avalia se na UBS todas as medidas possíveis são tomadas para reduzir tarefas e procedimentos perigosos (3,5 DP=1,0), 7 referente ao profissional ter tido a oportunidade de ser treinado adequadamente no uso de equipamentos de proteção individual para proteção à exposição ao HIV (3,6 DP=1,3), 9 sobre a disponibilidade e acessibilidade de recipientes para descarte seguro (4,3 DP=0,7), 13 onde refere-se à preocupação do supervisor em relação a segurança no trabalho (3,7 DP=0,9), 14 que refere-se ao incentivo por parte das chefias para que os trabalhadores participem de palestras sobre biossegurança (3,6 DP=1,0), 16 onde refere-se a disponibilidade de equipamentos e materiais necessários para a proteção à exposição ao HIV (3,8,DP=1,0) e o 17 onde avalia se os trabalhadores são treinados a estarem alerta e a reconhecerem riscos potenciais à saúde no trabalho (3,5 DP=1,0). Discussão É preciso considerar que esse estudo foi desenvolvido no âmbito da Atenção Básica, sendo importante ressaltar que os dados obtidos limitam-se a avaliação do clima de segurança em relação à adoção das PP pelos dentistas e não teve como objetivo analisar a percepção do clima de segurança dos profissionais com cargos de chefia e tampouco se obteve dados referentes às ações realizadas nos serviços e às medidas preventivas quanto a exposição ocupacional. Os dados evidenciados nesta investigação remetem preocupação, apontando uma carência de estrutura de apoio, suporte e incentivo por parte da gestão das UBS estudadas, onde a questão organizacional pode influenciar de maneira negativa a adesão dos dentistas às PP já que o clima de segu- Ribeiro PHV, Brevidelli MM, Tipple AFV, Ribeiro RP, Gir E Tabela 1. Escores médios e respectivos desvios padrão dos itens que compõem a medida do clima de segurança, segundo os cirurgiões-dentistas Escore médio Desviopadrão 1. Nesta Unidade Básica de Saúde (UBS), funcionários, supervisores e gerentes agem em conjunto para garantir condições mais seguras de trabalho. 3,8 0,9 2. A prevenção da exposição ocupacional ao HIV é prioridade da gerência nesta UBS. 3,2 1,1 3. Esta UBS oferece treinamento específico sobre infecções transmitidas por via sanguínea. 2,7 1,1 4. Nesta UBS, não são feitas improvisações quando se trata de proteger os funcionários de doenças infecciosas. 3,3 1,1 5. Todos os equipamentos e materiais necessários para evitar meu contato com o HIV estão disponíveis e facilmente visíveis. 3,9 1,0 Itens da Escala Clima de Segurança 6. Nesta UBS, todas as medidas possíveis são tomadas para reduzir tarefas e procedimentos perigosos. 3,5 1,0 7. Eu tive a oportunidade de ser treinado adequadamente no uso de equipamentos de proteção individual para me proteger da exposição ao HIV. 3, 6 1, 3 8. Nesta UBS, práticas inseguras de trabalho são corrigidas pelos supervisores. 3, 2 1,1 9. Os recipientes para descarte de objetos perfuro cortantes estão disponíveis e facilmente acessíveis na minha unidade de trabalho. 4,3 0,7 10. Nesta UBS, a alta gerência se envolve pessoalmente nas atividades de segurança. 3,2 1,1 11. Nesta UBS, existe um comitê de segurança. 2,3 1,0 12. Sinto-me à vontade para notificar violações das normas de segurança nesta UBS. 3,2 1,1 13. Meu supervisor preocupa-se com minha segurança no trabalho. 3, 7 0,9 14. Na minha unidade, os chefes incentivam os funcionários a assistir a palestras sobre biossegurança. 3,6 1,0 15. Nesta UBS, práticas inseguras são corrigidas pelos colegas. 3,4 1,0 16. Minha unidade de trabalho possui todos os equipamentos e materiais necessários para eu me proteger da exposição ao HIV. 3,8 1,0 17. Os funcionários são ensinados a estar alerta e a reconhecer riscos potenciais à saúde no trabalho. 3,5 1,0 Legenda: n=224 rança organizacional impacta as práticas de gestão na segurança do trabalhador, mostrando que a percepção do profissional pode ser ou não valorosa na organização.(1,2) Verificou-se que algumas ações relevantes na prevenção de acidentes ocupacionais como o envolvimento da gerência, treinamento dos trabalhadores, existência de um comitê de segurança, vigilância, entre outras ações são extremamente importantes para o cuidado à saúde do trabalhador, sendo que neste estudo a percepção dos dentistas em relação a estas situações não foi satisfatória. A literatura nos mostra que o reconhecimento da importância do processo de aprendizagem e suas implicações no contexto do ambiente de trabalho refletem a forma com que o trabalhador exerce suas atividades. O treinamento como mecanismo de aprendizagem contribui para que os profissionais desempenhem suas atividades com segurança, dinamismo e de forma individualizada, acreditando que o mesmo contribui de maneira positiva para a organização e para as pessoas.(10) Um dos fatores determinantes que visam criar e manter positivo ou favorável o clima de segurança dentro das organizações são as políticas e programas de segurança.(11) O emprego desta ferramenta é importante porque representa ações evidentes que visam gerir e reforçar a segurança no local de trabalho. O Centers for Diseases Control and Prevention (CDC) inclui nas suas recomendações a questão da responsabilidade administrativa em relação à segurança ocupacional nas instituições, desde a obrigatoriedade da existência de um comitê de segurança com programa de educação e treinamento, imunização, prevenção de exposições, até a disponibilidade de recursos e feedback sobre o desempenho na adoção de medidas de segurança.(12) Sabe-se da influência dos fatores organizacionais em relação à adoção às PP, pois ações consolidadas através dos comitês de segurança podem agir de maneira a favorecer a adoção dessas medidas pelos trabalhadores.(13) Para tanto, estes comitês representados por seus gestores devem se fazer perceptíveis mudando as práticas dos trabalhadores de maneira Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):192-7. 195 Clima de segurança organizacional e a adesão às precauções padrão entre dentistas efetiva. A atuação do gestor neste processo é um fator muito importante para o profissional, pois pode diminuir ações inadequadas e aumentar a segurança do trabalhador.(14) É importante que se mantenha um clima agradável de trabalho, com abertura a diálogos, troca de experiências através de treinamentos e a participação dos gestores. Um ambiente com punições presentes pode afastar o trabalhador da presença da chefia, causando mal estar e aumentando os riscos no trabalho.(15) Assim, diante do papel da instituição no que diz respeito ao clima de segurança, é necessário que os administradores voltem seus olhares para esta questão, instituindo programas de segurança, incluindo melhoria nas relações empregado-empregador, prevenção de acidentes de trabalho com consequente diminuição de custos com indenização, queda no absenteísmo e melhoria da qualidade de vida no trabalho.(2,3,7,16) Nas instituições com um forte clima de segurança, os trabalhadores sofrem menos acidentes não somente em virtude dos programas de segurança implantados, mas também porque a própria existência desses programas demonstra para os funcionários o compromisso da administração para com a segurança deles.(4,11,16) Se houver evidência de que a organização tem preocupação em relação à aderência às práticas de trabalho seguro, então os trabalhadores serão mais propensos a aderi-las.(16) O clima de segurança nas organizações pode afetar fortemente o comportamento de segurança do trabalhador.(14) Quando o clima de segurança apresenta-se deficiente, o processo de trabalho pode se apresentar de forma vulnerável, colocando em risco a saúde dos trabalhadores. Profissionais com alta percepção sobre a segurança nas instituições, têm a adoção de práticas de trabalho seguro significativamente influenciadas, podendo variar entre o uso de barreira, dispositivos de proteção, uso correto e consistente de dispositivos de segurança de agulha, adesão às recomendações de vacinação o que consequentemente diminui as taxas de acidentes de trabalho.(4) 196 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):192-7. É necessário que se passe a analisar essas dimensões de maneira mais ampliada e integrada, pois é comum profissionais sem conhecimento sobre os reais riscos da transmissão ocupacional desvalorizando a adoção das medidas de segurança.(4,7) O investimento em Programas de Gestão de Controle de Infecção mais abrangentes que englobem estratégias preventivas em relação aos fatores organizacionais, bem como protocolos que deem apoio e suporte nas questões referentes à biossegurança se faz necessário, considerando que o clima de segurança pode ser definido, como a medida temporal do estado da cultura de segurança da instituição e pode ser medido pelas percepções individuais sobre as atitudes da organização quanto à cultura de segurança.(14) Neste cenário os enfermeiros têm um papel relevante, já que a maioria das UBS é gerenciada por este profissional que deve voltar suas ações para a questão do clima de segurança no trabalho, abarcando dessa forma a sua função de gestor do serviço juntamente com os profissionais da odontologia. Conclusão Neste estudo, foi diagnosticado um clima de segurança insatisfatório, onde a percepção do trabalhador sobre a segurança de seu ambiente de trabalho é deficiente, evidenciando ações gerenciais de apoio à segurança fragilizadas, falta de um programa de treinamento em saúde ocupacional e deficiência do feedback para favorecer a adoção de práticas seguras, evidenciando a necessidade de ações organizacionais através da gestão do comitê de segurança organizacional. Colaborações Ribeiro PHV e Gir E declaram que contribuíram com a concepção e planejamento do projeto, revisão crítica relevante do conteúdo interpretação e discussão dos dados e aprovação final da versão a ser publicada. Brevidelli MM; Tipple AFV e Ribeiro RP participaram da revisão crítica do conteúdo, interpretação e discussão dos dados do manuscrito. Ribeiro PHV, Brevidelli MM, Tipple AFV, Ribeiro RP, Gir E Referências 1. Zavareze TE, Cruz RM. Measure instruments of safety climate at work: A literature review. 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Os depoimentos transcritos foram analisados de acordo com o referencial da análise de conteúdo. Resultados: Da análise emergiram quatro categorias de expectativas: comportamento do futuro chefe, trabalho com a equipe de enfermagem, trabalho com outras equipes e ambiente de trabalho. Os resultados evidenciaram que a equipe de enfermagem preocupa-se com as habilidades e características do futuro chefe frente às atribuições nos serviços de saúde. Conclusão: As equipes de enfermagem esperam que os futuros chefes de enfermagem tenham habilidades para liderar uma equipe e proporcionar um ambiente favorável ao trabalho. Abstract Objectives: To identify the expectations of the nursing staff in relation to the leadership of a future manager. Methods: This was an exploratory, descriptive research study, conducted in a university hospital. Data were collected by means of semi-structured interviews with 62 professionals in the field of nursing. The transcribed interviews were analyzed according to the reference of content analysis. Results: Four categories of expectations emerged from the analysis: the behavior of the future manager, working with the nursing staff, working with other teams, and the work environment. The results showed that the nursing staff is concerned with the abilities and characteristics of the future manager facing the assignments in health services. Conclusion: The nursing staff expected that the future nursing managers would have the abilities for leading a team and providing a favorable work environment. Autor correspondente Gisela Maria Schebella Souto de Moura Rua São Manoel, 963, Bairro Bom Fim, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90620-110 [email protected] 198 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):198-204. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 Moura GMSS, Inchauspe JAF, Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Hoffmeister LV Introdução O cenário do trabalho passou por grandes transformações em virtude dos avanços da robotização e da tecnologia da informação, inclusive no âmbito do serviço de saúde, que foi submetido a profundas modificações principalmente no que diz respeito à qualificação de métodos diagnósticos e terapêuticos. No entanto, a dinâmica das relações chefe-subordinado, líder-liderado e do processo de trabalho grupal permanece como tema da atualidade, constituindo o foco de estudos que abordam assuntos como: conflito, produtividade, dinâmica grupal, liderança, entre outros. A enfermagem constitui-se de um grupo bastante numeroso de profissionais cujas ações desenvolvem-se no âmbito coletivo, sendo realizadas por equipes de trabalho que necessitam encadear harmonicamente seus esforços ao longo das 24 horas do dia e durante os sete dias da semana, assegurando a continuidade do cuidado de enfermagem aos pacientes internados nos hospitais. Estas características são determinantes para a existência de modelos de organização do trabalho alicerçados na liderança e na atividade profissional dos grupos. Na organização tradicional dos grupos de trabalho, surge a figura do sujeito que dirige, coordena, supervisiona, controla, ensina e acompanha aqueles que compõem sua equipe. No âmbito da enfermagem, a Lei do Exercício Profissional determina que esta atividade seja desempenhada, privativamente, pelo enfermeiro.(1) Dessa forma, ao enfermeiro compete o importante papel de chefe da equipe de enfermagem nas situações do cotidiano na unidade, fazendo deste profissional um membro essencial do grupo, na busca em atender às necessidades do serviço.(2) Inúmeras são as adversidades que esta atividade impõe durante o percurso de trabalho no cargo de chefia e na liderança da equipe, seja nas conquistas, ou mesmo nas dificuldades enfrentadas durante este processo, proporcionando aos enfermeiros novas oportunidades para buscar competência e responsabilidade clínica, expandidas como meio de avançar em suas carreiras. Nesta perspectiva, os cargos de chefia trazem responsabi- lidade aos enfermeiros, mas também possibilitam o seu reconhecimento. Assim, o desenvolvimento da habilidade de liderar passa a ser fundamental para o enfermeiro, no intuito de aperfeiçoar a sua atuação profissional. O papel de líder requer uma visão ampla e sistêmica das situações, devendo o enfermeiro se preparar, inovar e buscar novas formas para o exercício da liderança, já que o modo como tal profissional conduz a equipe influencia diretamente em um sistema de cuidado comprometido, ou não, com as necessidades das pessoas.(3) O trabalho em enfermagem é desenvolvido em equipe, assim, espera-se que o enfermeiro perceba a importância do processo de liderança como um aprendizado contínuo e dinâmico, e seja capaz de guiar as pessoas para que trabalhem entusiasmadas, a fim de atingirem os objetivos em comum.(4) Desta forma, o enfermeiro líder pode ser o motivador de estratégias que envolvam toda a equipe para a realização das ações de enfermagem. A literatura acerca da liderança aponta, ao longo dos anos, que o enfermeiro que ocupa tal posição deve apresentar determinadas características, como: ter habilidade no relacionamento interpessoal, possuir capacidade de tomar decisões, ser flexível, criativo e inovador, bem como apoiar e facilitar o desenvolvimento do processo de trabalho.(5) Além destes atributos, é ressaltado que o líder precisa entender suficientemente as situações peculiares para, assim, optar corretamente pelas estratégias mais adequadas em cada contexto(6). No desafio cotidiano do exercício da liderança, a comunicação franca, aberta, direta e transparente da chefia de enfermagem surge como elemento indispensável à condução do trabalho em equipe, possibilitando a identificação desta necessidade, seja nos momentos formais ou informais do trabalho, para reduzir as lacunas no processo. A liderança, quando alicerçada em conhecimentos e em habilidades técnicas, administrativas e relacionais, fortalece as competências da equipe e gera segurança no desempenho das atividades.(7,8) O estudo que se apresenta neste artigo analisa as expectativas em relação à liderança do futuro chefe, na perspectiva do subordinado e num contexto Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):198-204. 199 Expectativas da equipe de enfermagem em relação à liderança em que este subordinado participa de um processo consultivo para indicação de chefias. O estudo foi realizado no ambiente de um hospital universitário público que, há muitos anos, adota um processo participativo de escolha das chefias para a área de enfermagem. Este processo é realizado a cada quatro anos. Os ocupantes dos cargos de chefia de serviço e de unidade são escolhidos por processo consultivo, cujos nomes compõem uma lista tríplice para, posteriormente, serem nomeados por ato formal da presidência. Destaca-se que a enfermagem é a única área, na estrutura do hospital, a realizar o processo desta forma. As demais áreas da instituição seguem o modelo tradicional de indicação realizada pela chefia superior imediata. O foco do estudo é o processo de escolha de chefias de unidade, sendo este artigo direcionado a discutir o objetivo específico de identificar as expectativas da equipe de enfermagem em relação à liderança do futuro chefe. Métodos Estudo exploratório com abordagem qualitativa, realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, integrante da rede de hospitais do Ministério da Educação. No momento da coleta dos dados, este hospital contava com 749 leitos e 4.416 funcionários, sendo 1.841 da enfermagem e, destes, 441 enfermeiros. Participaram da pesquisa 62 profissionais da área de enfermagem, incluindo enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, contemplando os 34 setores com chefias de enfermagem no hospital. O tipo de amostragem foi probabilística aleatória simples através de um sorteio entre os profissionais de enfermagem na ativa, assegurando-se a representatividade de um técnico, ou auxiliar de enfermagem, e um enfermeiro de cada setor da instituição. O critério de inclusão adotado foi o de que o profissional selecionado tivesse votado no último processo consultivo de escolha de chefias de unidade. Em virtude da recorrência das falas e, consequentemente, dos temas abordados, a coleta encerrou-se na entrevista de número 62. 200 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):198-204. Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio, na qual o participante expressou sua opinião acerca das questões incluídas no roteiro proposto. Os dados foram coletados entre junho e setembro de 2009. Após a transcrição literal das informações, procedeu-se à leitura e análise dos depoimentos em busca dos núcleos de sentido para a conformação da análise categorial temática.(9) Deste processo, resultaram as categorias que permitiram desvelar as expectativas com relação ao futuro chefe e ao seu desempenho como líder da equipe. Zelando pelo anonimato das informações, na apresentação dos resultados, as falas dos sujeitos foram codificadas em números, seguindo o ordenamento das entrevistas. O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Os participantes do estudo foram 30 enfermeiros (48,4%) e 32 auxiliares ou técnicos de enfermagem (51,6%). A maioria dos participantes eram mulheres (83,9%), sendo 45 participantes com idade entre 31 e 50 anos (72,5%). Em relação ao tempo de trabalho, apenas nove entrevistados (14,5%) possuíam menos de seis anos de trabalho; os outros 53 sujeitos (85,5%) tinham tempo de trabalho superior a seis anos e participaram de, no mínimo, dois processos de escolha de chefias na instituição. Expectativas em relação à liderança do futuro chefe A análise de conteúdo das entrevistas permitiu identificar a presença de quatro eixos temáticos que originaram as categorias de expectativas: comportamento do futuro chefe, trabalho com a equipe de enfermagem, trabalho com outras equipes, e ambiente de trabalho. A categoria nominada comportamento do chefe aborda aspectos relativos à percepção da equipe quanto ao modo de ser do enfermeiro. Compõese de falas que expressam a importância do chefe manter-se imparcial e justo ao lidar com as questões Moura GMSS, Inchauspe JAF, Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Hoffmeister LV que interferem na dinâmica do grupo, e de buscar o autodesenvolvimento para, assim, contribuir com novos conhecimentos à equipe. “[...] que ela seja séria, competente, transparente, tranquila. Que ela tenha maturidade para poder falar sobre as coisas boas e ruins.” (E36) “Imparcialidade, justiça e valorização dos funcionários que realmente trabalham.” (E41) “Que ela continue sempre assim [...] ela protege a todos, ela tenta ser justa com todos, ela divide as horas extras, ela divide as folgas.” (E44) A segunda categoria, denominada trabalho com a equipe de enfermagem, reúne os depoimentos que mencionam que o futuro chefe deve ser alguém que permita a comunicação franca e aberta, que tenha a capacidade de reconhecer e atender às necessidades da equipe sabendo apoiar nos momentos necessários, e que busque a harmonia no ambiente de trabalho, trabalhando em prol da união e integração do grupo. “[...] que a chefia sempre mantenha o canal aberto com o grupo, que eles entendam e que realmente estimule, eles procurem também essa compreensão.” (E01) “Espero que seja um chefe empenhado em aprender bastante, construir junto com o grupo, podendo ter um poder de resolutividade com nossas demandas de equipe de enfermagem [...], participativo, que queira escutar bastante, que tenha um feedback com o funcionário.” (E09) “[...] é de ter uma gestão participativa, onde cada um possa realmente exercer o seu papel dentro do contexto. É ter um relacionamento, um ambiente harmonioso de trabalho.” (E13) “Valorização dos profissionais da unidade. Uma questão de saber trabalhar com as pessoas, de saber coordenar.” (E14) Expectativas no trabalho com outras equipes é a categoria emergente, na qual se inserem aspectos referentes à capacidade de tomada de decisão e ao reconhecimento do chefe como representante do grupo perante as demais categorias profissionais. “[...] pessoa forte, importante nas decisões, principalmente quando envolve outros gestores, da equipe médica principalmente.” (E34) “A gente sempre espera o melhor [...] a chefe é a representação de todos, tanto os enfermeiros quanto os técnicos de enfermagem, é...que nos defenda em qualquer circunstância, eu acho que...é trabalhar bem, com a chefe, com os enfermeiros, com os técnicos, com a equipe médica.” (E51) E a quarta categoria, expectativas da atuação do chefe com relação ao ambiente de trabalho, agrupa excertos das entrevistas relacionados ao setor, neste hospital chamado de “unidade”, onde a equipe trabalha, tais como: melhorias a serem implementadas na unidade; a possibilidade de mudanças; a necessidade de se fazer as coisas funcionarem; a implementação de propostas de campanha; e o zelo pela qualidade do atendimento de enfermagem aos pacientes. “[...] poder manter uma qualidade ótima de trabalho, de assistência de enfermagem.” (E13) “Então, a gente tem uma boa expectativa porque ela se prontificou a mudar as coisas que ela achava que não estava certa.” (E25) “Que ela cumpra o que ela expôs nos itens que ela escolheu que é do mandato dela.” (E26) “[...] que ela queira melhorar o processo de trabalho que hoje acontece aqui, de forma a tornar um trabalho de mais qualidade [...] uma pessoa engajada com essas questões, motivada a fazer essas melhorias.” (E53) Discussão A discussão acerca das expectativas em relação ao futuro chefe revela ponderações genuínas do contexto onde o processo está implantado. No entanto, deve-se considerar como limitação deste estudo o desenho exploratório e descritivo que, embora permitindo conhecer mais profundamente o fenômeno, não possibilita estabelecer comparações e generalizações. Por outro lado, embora o estudo tenha se desenvolvido em um único hospital universitário, a discussão pode contribuir para a compreensão de situações similares vivenciadas em outros serviços inseridos em cenários acadêmicos. Os depoimentos da equipe de enfermagem expressam, na prática, a preocupação em eleger um chefe de unidade que possa atender às necessidades Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):198-204. 201 Expectativas da equipe de enfermagem em relação à liderança da equipe e do setor de trabalho. Além disso, também identificaram-se aspectos relativos à percepção da equipe quanto ao modo de ser do enfermeiro e às características peculiares que este deve possuir a fim de contribuir com novos conhecimentos à equipe. O predomínio de mulheres nos cargos pesquisados decorre dos aspectos sócio-históricos da profissão. Neste sentido, é ressaltada a presença feminina como fator positivo, pois as mulheres são consideradas compreensivas, envolvem-se em práticas de liderança participativa e tendem a encorajar mais sua equipe do que os líderes homens.(10) Em se tratando de experiência profissional neste hospital, a maior parte dos entrevistados possuía vários anos de vínculo, e entendeu-se que estes já tinham experiências anteriores, provindas de outros processos seletivos de escolha de chefia. Ao mencionarem as expectativas referentes ao comportamento do chefe, os entrevistados referem que as chefias de enfermagem precisam dispor de conhecimentos para orientar e instrumentalizar sua equipe na área de atuação. Este fato aponta para a importância do conhecimento sustentando as práticas profissionais; portanto, a busca por uma assistência de qualidade ao paciente está integrada ao aperfeiçoamento da equipe de trabalho.(11) Investir na qualificação do grupo, a fim de obter resultados que vão ao encontro das necessidades dos usuários dos serviços de saúde, é uma necessidade constante.(12) Os entrevistados expõem que esperam que o chefe de enfermagem seja capaz de intermediar as questões que envolvem o grupo de trabalho, atuando de forma competente, desenvolvendo habilidades de saber fazer, e sendo justo em suas tomadas de decisões. Nesta perspectiva, as chefias precisam ser flexíveis e capazes de adaptarem suas ações conforme as peculiaridades de cada contexto, agindo de forma coerente com a situação vivenciada e as características dos integrantes da equipe.(13) O profissional enfermeiro precisa dispor de certas habilidades para atuar na gerência do serviço, tendo em vista que a chefia é considerada uma referência para os membros da equipe de trabalho, para os demais profissionais de outras áreas, bem como para os usuários.(14) 202 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):198-204. Os resultados apontam que os sujeitos da pesquisa esperam que a chefia consiga integrar a equipe de enfermagem na realização das atividades, favorecendo um ambiente saudável para o trabalho, com estabelecimento de elos de confiança e redução dos conflitos. Desta forma, é importante que o enfermeiro, diante de uma situação conflituosa, demonstre uma conduta coerente, seja atuante, flexível e adote estratégias para administrar tais acontecimentos.(15) Estas recomendações vêm ao encontro de que “[...] a dimensão interpessoal e a competência humana do enfermeiro líder é fator de motivação e suporte para o trabalho em equipe”.(8) Os entrevistados, de modo geral, esperam que a atuação da chefia ocorra de forma conjunta com a equipe, isto é, no desenvolvimento das atividades, na construção de rotinas ou, ainda, na resolução de impasses junto ao grupo. Estas ideias apontam para um modelo participativo de gestão, ou seja, a organização do trabalho deve ser feita de tal forma que todos os profissionais de enfermagem sejam envolvidos na maioria das tomadas de decisão, da mesma forma e simultaneamente.(16) Cabe destacar que a promoção de uma boa assistência de enfermagem é favorecida quando os integrantes desta equipe sentem-se satisfeitos no seu ambiente de trabalho, oportunizando que seu desempenho, ao cuidar dos pacientes, expresse a plena utilização de suas habilidades e potencialidades.(17) A categoria atinente ao trabalho com outras equipes refere-se ao modo como a equipe de enfermagem espera que o chefe seja diante de outras equipes multiprofissionais. Nesta categoria, os depoimentos destacaram a relação com a equipe médica, uma relação um tanto dicotômica e, por vezes, conflituosa, mas compreendida como algo que ainda está sendo construído e em processo de evolução para estreitar o vínculo das ações das duas profissões. Na interface do trabalho com diferentes profissões, a comunicação entre as equipes surge como elemento que favorece a aproximação dos diversos campos de conhecimento na relação profissional, permite a troca de conhecimentos e a compreensão de cada profissional acerca de seu papel no cuidado com o cliente.(18) O trabalho integrado dos profissionais das três áreas consideradas pilares essenciais Moura GMSS, Inchauspe JAF, Dall’Agnol CM, Magalhães AMM, Hoffmeister LV da instituição (Administração, Enfermagem e Medicina) representa o ponto de equilíbrio dos serviços de saúde e contribui para a qualidade na assistência.(19) A equipe de enfermagem espera que a chefia atente para aspectos do ambiente de trabalho, o que constitui a quarta categoria do estudo. As expectativas centram-se na possibilidade de mudanças e melhorias no setor de trabalho, sejam estas com relação à estrutura, aos recursos humanos ou, ainda, com relação à qualidade dos serviços prestados aos clientes. Neste aspecto, os depoimentos revelam a preocupação em prestar um atendimento de qualidade aos usuários. Para tanto, o enfermeiro, ao gerenciar as atividades da sua equipe de trabalho, tem de estar atento às questões voltadas para as prioridades do serviço e dispor de estratégias que possam vir a ajudar na tomada de decisões, possibilitando, assim, melhorias nos serviços de saúde. O relacionamento humano é instrumento essencial para a enfermagem, e é viabilizado por meio da comunicação adequada, de forma que o enfermeiro possa gerenciar as ações e necessidades das equipes de enfermagem. Estudos destacam que a habilidade de comunicação é fator de destaque em um líder. (5,20) A articulação entre liderança e comunicação permite ao enfermeiro atuar ativamente sobre os problemas e promover as mudanças tão almejadas dentro do setor de trabalho. Para tanto, a maior utilização das relações orientadas de liderança, definidas como dar feedback, e o apoio a alterações necessárias na estrutura do serviço facilitam a realização do trabalho pelas demais pessoas envolvidas no processo, proporcionando a satisfação da equipe e qualidade no atendimento.(21) A resolutividade e a qualidade do atendimento em saúde têm sido reconhecidas como resultantes das ações das equipes que as desenvolvem.(22) Assim, o enfermeiro, ao gerenciar os recursos humanos, necessita estar atento às estratégias a serem utilizadas com a equipe para favorecer o alcance dos objetivos dos serviços. Conclusão As expectativas identificadas foram: o chefe de enfermagem deve ser capaz de trabalhar com a equipe de enfermagem, sendo sensível às necessidades do grupo, estabelecendo canais abertos de comunicação e desenvolvendo processos participativos de gestão, ancorados na constatação dos problemas enfrentados no serviço e nas necessidades elencadas pela equipe. A atitude de imparcialidade e justiça, assim como a capacidade para a tomada de decisões contribuem para o ambiente de trabalho e para equipe. Agradecimentos Este estudo recebeu apoio do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação (GPPG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Colaborações Moura GMSS, Inchauspe JAF, Dall’Agnol CM, Magalhães AMM e Hoffmeister LV foram responsáveis pelo desenvolvimento do quadro teórico e contribuíram criticamente para a elaboração intelectual do artigo. Hoffmeister LV realizou a etapa de coleta e organização das informações. Moura GMSS e Inchauspe JAF foram responsáveis pela elaboração e encaminhamento do manuscrito. Moura GMSS supervisionou o desenvolvimento do artigo. Referências 1. Kletemberg DF, Siqueira MT, Mantovani MF, Padilha MI, Amante LN, Anders JC. [The nursing process and the law of professional exercise]. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):26-32. Portuguese. 2. 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Artigo Original Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação Quality of life of patients with stroke rehabilitation Edja Solange Souza Rangel1 Angélica Gonçalves Silva Belasco2 Solange Diccini2 Descritores Qualidade de vida; Acidente vascular cerebral; Enfermagem; Pesquisa em enfermagem; Enfermagem em saúde pública Keywords Quality of life; Stroke; Nursing; Nursing research; Public health nursing Submetido 5 de Agosto de 2012 Aceito 21 de Fevereiro de 2013 Resumo Objetivos: Avaliar e correlacionar a qualidade de vida e depressão de pacientes após acidente vascular cerebral em reabilitação. Métodos: Estudo transversal realizado em dois serviços de reabilitação, com pacientes de acidente vascular cerebral. As informações coletadas foram sociodemográficas, o Medical Outcome Study 36 - item short-form health survey, o Stroke Specific Quality of Life Scale, o Índice de Barthel e o Inventário de Depressão de Beck. Resultados: A amostra foi constituída de 139 pacientes, idade média 59,4 anos e 59% eram homens. Houve comprometimento dos escores da qualidade de vida geral e específica. Segundo o Índice de Barthel 49,6% dos pacientes apresentavam dependência moderada a severa e 49,7% tinham sintomas depressivos, conforme Inventário de Depressão de Beck, não havendo correlação positiva entre estes dados e qualidade de vida geral e específica. Conclusão: A qualidade de vida geral e específica dos pacientes com acidente vascular cerebral, em reabilitação, apresentou domínios comprometidos. Abstract Objectives: To evaluate and correlate quality of life and depression of patients in rehabilitation after stoke. Methods: A transversal study conducted in two rehabilitation services with patients after stroke. Information collected included sociodemographic data, the Medical Outcome Study Short-form 36 - item Health Survey, the Stroke Specific Quality of Life Scale, the Barthel Index and the Beck Depression Inventory. Results: The sample consisted of 139 patients, with a mean age of 59.4 years; 59% were male. The general and specific quality of life scores were compromised. According to the Barthel Index, 49.6% of the patients presented moderate to severe dependency, and 49.7% had depressive symptoms according to the Beck Depression Index; there was no positive correlation between these data and general and specific quality of life. Conclusion: General and specific quality of life of patients in rehabilitation, after stroke, presented compromised domains. Autor correspondente Edja Solange Souza Rangel Rua Doutor Jorge de Lima 113, Trapiche da Barra, Maceió, AL, Brasil. CEP: 57010-300 [email protected] Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió , AL, Brasil. Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar. 1 2 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12. 205 Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação Introdução O acidente vascular cerebral é frequente em adultos e é a segunda causa de morte no mundo e a primeira causa de incapacidade funcional para as atividades de vida diária. Conforme a Organização Mundial de Saúde, 15 milhões de pessoas apresentam acidente vascular cerebral por ano, destas cinco milhões morrem em decorrência do evento e grande parte dos sobreviventes apresenta sequelas físicas e/ou mentais. Alterações discretas são manifestadas por 37% dos pacientes após o acidente vascular cerebral, 16% apresentam moderada incapacidade e 32% demonstram alteração intensa ou grave da capacidade funcional e alguns dependem de cadeira de rodas ou ficam restritos ao leito. As sequelas geram impacto econômico, social e familiar, sendo que 15% dos pacientes não apresentam prejuízo da capacidade funcional.(1,2,3) Os pacientes com sequelas físicas e/ou mentais necessitam de reabilitação dinâmica, contínua, progressiva e educativa para atingirem a restauração funcional, reintegração familiar, comunitária e social, além da manutenção do nível de recuperação e da qualidade de vida.(4) O acidente vascular cerebral é um evento súbito e acomete o indivíduo e a família que, em geral, não têm preparo para lidar com as sequelas, responsáveis por grande parte das aposentadorias por invalidez.(5,6) Estudo de qualidade de vida realizado em pacientes que tiveram acidente vascular cerebral mostrou maior comprometimento imediatamente após o acidente vascular cerebral e durante a reabilitação apontou melhora de alguns domínios. Os domínios da qualidade de vida mais afetados nos pacientes desses estudos foram: função física, papel emocional, papel social, vitalidade, saúde mental e estado geral de saúde. O domínio menos comprometido em outro estudo foi a dor.(7,8) Métodos Estudo transversal realizado em dois serviços de reabilitação do município de Maceió, estado de Alagoas, região nordeste do Brasil, no Serviço de 206 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12. Medicina Física do Posto Municipal e da Associação de Deficientes Físicos. Os critérios de inclusão foram pacientes com 18 anos ou mais, com tempo de acidente vascular cerebral superior a três meses e em programa de reabilitação. Os critérios de exclusão foram pacientes com afasia, surdez ou diminuição significativa da audição e portadores de distúrbios cognitivos que impedissem a compreensão dos questionários. O cálculo do tamanho da amostra considerou erro amostral de 0,08% e dados do sistema único de saúde local forneceram números de internações em hospitais públicos e privados de pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico e hemorrágico agudo, em 2007. A partir de 1.231 internações no período, o cálculo do tamanho da amostra definiu 139 pacientes para este estudo. Os instrumentos de pesquisa contemplaram dados sociodemográficos, econômicos e clínicos dos pacientes; questionário Medical Outcome Study 36-item short-form health survey SF-36,(9) questionário Stroke Specific Quality of Life Scale -SSQOL,(10) Índice de Barthel (11) e Inventário de Depressão de Beck.(12) O questionário genérico de qualidade de vida Medical Outcome Study 36-item short-form health survey SF-36 (SF-36) foi traduzido e validado no Brasil e é composto por oito dimensões. O escore das dimensões variam entre zero (pior estado) e 100 (melhor estado).(9) O instrumento específico de qualidade de vida para pacientes com acidente vascular cerebral - Stroke Specific Quality of Life Scale – SSQOL (SSQOL) foi traduzido e validado no Brasil e compreende 49 itens, subdivididos em 12 dimensões. O escore mínimo é de 49 pontos e o máximo de 245 pontos. Quanto maior a pontuação obtida melhor a qualidade de vida. Estudo realizado na Alemanha, sobre esse instrumento definiu como baixa qualidade de vida os escores inferiores a 60% (<147 pontos) e no presente estudo foi utilizado o mesmo critério.(13) O Índice de Barthel compreende dez itens, e avalia a independência funcional, em pacientes com doença cerebrovascular ou com outras condições neurológicas. O escore varia de zero a 100 e foi considerada dependência severa para realiza- Rangel ESS, Belasco AGS, Diccini S ção de atividades de vida diária, escores inferiores a 45; dependência grave entre 45 e 59; dependência moderada entre 60 e 80 e dependência leve entre 81 e 100.(11) O Inventário de Depressão de Beck foi validado e traduzido no Brasil é composto por 21 ítens que apontam sinais e sintomas disfóricos ou de depressão. Cada questão tem como opção de resposta quatro alternativas que descrevem traços capazes de caracterizar os sinais e sintomas citados. As respostas variam entre zero (ausência de sintomas) a três (sintomas mais acentuados). Para a classificação neste estudo foram considerados os valores de até 15 pontos como sem sinais de depressão; entre 16 e 20 pontos como presença de sintomas disfóricos e mais de 20 pontos, como presença de sintomas depressivos evidentes.(12,14) Os sujeitos de pesquisa foram randomizados e os dados foram coletados nos serviços de saúde mencionados. As análises descritivas das variáveis qualitativas foram apresentadas em frequências absolutas e relativas e para as variáveis quantitativas foram utilizadas as medidas de posição (média, desvio-padrão, mediana e variação). O teste t- Student foi utilizado para comparação dos domínios do SSQOl para duas categorias de respostas, considerando um nível de significância de 5%. O teste de ANOVA foi utilizado para comparação do SSQOL com mais de três categorias de respostas. Nos casos de diferenças foram feitos ajustes a partir do teste de Brown Forsythe e do teste de Bonferroni e foi considerado o nível de significância de 0,05. O coeficiente de correlação de Pearson foi empregado para verificar correlação entre SSQOL, variáveis quantitativas, SSQOL com SF-36, Índice de Barthel e o Inventário de Depressão de Beck. Os critérios para classificação dos coeficientes de correlação foram: grau moderado (0,5 a < 0,7) e alto (>0,7). A análise de regressão foi feita entre escores do SSQOL e as variáveis sociodemográficas e escores do SF-36, Índice de Barthel e o Inventário de Depressão de Beck. Para as variáveis que apresen- taram correlação ao menos moderada utilizaram o teste de Stepwise. O aplicativo utilizado foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 15.0, e o nível de significância para os testes foi de 5% (p≤0,05). O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Resultados Do total de 181 pacientes avaliados, foram incluídos 139 e excluídos 42 pacientes, sendo dois por óbito, um por desistência e 39 por limitações na fala, audição e/ou função cognitiva que comprometeriam a comunicação no momento da coleta de dados. Dentre os participantes, 59% eram homens, idade média de 59,4 anos, 59% casados, 59% com ensino fundamental e 67,6% recebiam salário mínimo (Tabela 1). As dimensões do SF-36 mais comprometidas foram: capacidade funcional, aspectos físicos, estado geral de saúde, aspectos sociais e emocionais. Nas dimensões do SSQOL os domínios mais comprometidos foram: mobilidade, trabalho, função do membro superior, comportamento, relação familiar, relação social e energia. Grande parte dos pacientes (49,6%) apresentava dependência moderada ou severa para as atividades de vida diária e 49,7% pacientes demonstravam presença de sintomas disfóricos ou depressivos (Tabela 2). Inúmeras correlações de grau moderado e alto foram encontradas entre as dimensões dos questionários aplicados aos pacientes com acidente vascular cerebral, em reabilitação, o que demonstrou comprometimento em diversos aspectos de suas vidas e declínio da qualidade de vida (Tabela 3). O grau de dependência do cuidador, o número de acidentes vascular cerebral, o nível de escolaridade, gênero feminino e maior número de pessoas dependentes da renda foram as variáveis que interferiram negativamente na qualidade de vida específica (Tabela 4). Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12. 207 Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação Tabela 1. Características de pacientes com acidente vascular cerebral Características Gênero Masculino Feminino Idade (anos) Escolaridade Analfabeto Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior Renda Sem renda Um salário mínimo Mais de um salário mínimo Pessoas dependentes da renda Estado civil Casado Solteiro Divorciado Viúvo Tipo de moradia Abrigo Apartamento Casa Abrigo ou Barraco Tempo de AVC (meses) Tempo de reabilitação (meses) Tempo de início da reabilitação após AVC (meses) Classificação do AVC Isquêmico Hemorrágico Número de AVC Tipo de Sequela Motora Motora e fala Paciente com cuidador Sim Não Grau de dependência Não dependente Parcialmente dependente Totalmente dependente Tipo de vínculo do cuidador Esposa Esposo Filho(a) Outros Sem cuidador n(%) 82(59,0) 57(41,0) 59,4±11,0 38(27,4) 82(59,0) 12(8,6) 7(5,0) 16(11,5) 94(67,6) 29(20,9) 3(1-14) 82(59,0) 14(10,1) 16(11,5) 27(19,4) 3(2,2) 7(5,0) 127(91,4) 2(1,4) 21(3-316) 12(4-12) 3(1-36) 116(83,5) 23(16,5) 1(1-4) 74(53,2) 65(46,8) 135(97,1) 4(2,9) 8(5,8) 93(66,9) 38(27,3) 58(41,7) 22(15,8) 13(9,4) 42(30,4) 4(2,9) Legenda: Valores Expressos em Número (%) ou Média (± Desvio Padrão) ou Mediana (Variação); AVC - Acidente Vascular Cerebral 208 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12. Tabela 2. Escores do SF-36, SSQOL, Índice de Barthel e do Inventário de Depressão de Beck de pacientes com AVC, em reabilitação Dimensão Média (±DP) SF-36 Capacidade funcional 11,4±20,0 Aspectos físicos 2,9±12,8 Dor 72,4±26,8 Estado geral de saúde 44,6±16,1 Vitalidade 58,0±28,4 Aspectos sociais 39,7±32,8 Aspectos econômicos 2,6±12,1 Saúde Mental 59,6±25,6 SSQOL Cuidados pessoais 15,9±5,6 Visão 12,4±3,2 Linguagem 18,9±5,5 Mobilidade 17,7±7,0 Trabalho 5,7±2,8 Função do membro superior 13,1±6,3 Modo de pensar 9,2±4,1 Comportamento 7,2 ± 3,8 Ânimo 17,0±6,3 Relação familiar 6,5±3,4 Relação social 7,7±4,2 Energia 8,1±4,6 SSQOL total 139,7±38,4 Índice de Barthel Dependência severa 19(13,7) Dependência grave 16(11,5) Dependência moderada 34(24,4) Dependência leve 70(50,4) Inventário de Depressão de Beck Sem sintomas depressivos 70(50,3) Sintomas disfóricos 40(28,8) Sintomas depressivos evidentes 29(20,9) Legenda: Valores Expressos em Média ± Desvio padrão;. SF-36 - Medical Outcome Study 36 - Item Short-Form Health Survey; SSQOL - Stroke Specific Quality of Life Scale Rangel ESS, Belasco AGS, Diccini S Tabela 3. Correlação linear entre dimensões do SSQOl e SF-36, , Índice de Barthel e do Inventário de Depressão de Beck dos pacientes com acidente vascular cerebral, em reabilitação SF36 SSQOL CF AF D EGS V AS AE SM IB IDB Cuidados Pessoais 0,55 0,26 0,15 0,25 0,33 0,61 0,28 0,16 0,77 -0,31 Visão 0,14 0,14 0,15 0,13 0,20 0,22 0,11 0,27 0,11 -0,26 Linguagem 0,24 0,19 0,17 0,22 0,37 0,31 0,13 0,28 0,17 -0,27 Mobilidade 0,65 0,35 0,27 0,37 0,39 0,60 0,29 0,23 0,79 -0,37 Trabalho 0,64 0,40 0,14 0,28 0,39 0,52 0,43 0,25 0,57 -0,36 Função do MS 0,55 0,27 0,20 0,35 0,35 0,49 0,26 0,19 0,60 -0,34 Modo de pensar 0,22 0,27 0,24 0,34 0,47 0,35 0,22 0,43 0,18 -0,47 Comportamento 0,05 0,20 0,20 0,16 0,34 0,19 0,10 0,55 0,01 -0,43 Ânimo 0,29 0,26 0,26 0,34 0,56 0,40 0,19 0,54 0,23 -0,68 Relação Familiar 0,43 0,29 0,30 0,42 0,47 0,56 0,23 0,43 0,42 -0,59 Relação Social 0,42 0,37 0,22 0,33 0,40 0,51 0,32 0,34 0,36 -0,50 Energia 0,28 0,28 0,30 0,36 0,59 0,29 0,17 0,52 0,23 -0,54 SSQOL total 0,58 0,41 0,33 0,45 0,61 0,65 0,34 0,51 0,60 -0,64 Legenda: SSQOL - Stroke Specific Quality of Life Scale; SF-36 - Medical Outcome Study 36-Item Short-Form Health Survey; IB - Índice de Barthel; IDB - Inventário de Depressão de Beck; CF - Capacidade Funcional; AF - Aspectos Físicos; D – Dor; EGS - Estado Geral de Saúde; V – Vitalidade; AS - Aspectos Sociais; AE - Aspectos Emocionais; SM - Saúde Mental; MS - Membro Superior Tabela 4. Análise de regressão linear entre o escore total do SSQOL e variáveis significantes dos pacientes com acidente vascular cerebral, em reabilitação Coeficiente p-value Constante 245,0 < 0,001 Grau de dependência do cuidador -34,8 < 0,001 Número de acidente vascular cerebral -10,8 < 0,001 Ensino Fundamental 19,6 < 0,001 Ensino Médio 23,2 < 0,025 Gênero feminino -11,0 < 0,051 Pessoas que dependem da renda -2,8 < 0,053 Legenda: r = 0,362 2 Discussão A inexistência de pesquisas sobre o tema na região nordeste do país limitou as comparações com os achados deste estudo. O estado de Alagoas apresenta indicadores de saúde ruins e é marcado pela desigualdade social, além de possuir altos índices de incapacidade funcional, principalmente entre idosos. A avaliação da qualidade de vida de pessoas portadoras das mais diversas patologias, tem sido frequente em estudos na área da saúde, uma vez que, a luta e as conquistas pelo aumento da sobrevida ainda não foram capazes de solucionar, de forma satisfatória, a manutenção da qualidade da mesma. Um dos eventos que pode comprometer de forma substancial a vida das pessoas e a satisfação de viver é a ocorrência do acidente vascular cerebral, por apresentar potencial limitante tanto nos aspectos físicos quanto nos emocionais. A ocorrência de acidente vascular cerebral tem mostrado predomínio em pessoas do sexo masculino, como ocorreu também neste estudo, entretanto, as mulheres quando acometidas apresentam qualidade de vida pior, possivelmente devido ao comprometimento funcional que limitam as atividades domésticas.(8,15,16) Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12. 209 Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação Este tipo de patologia acomete, em sua maioria, indivíduos negros com idade média superior a 65 anos. No atual estudo a incidência foi maior em pessoas pardas e com idade média inferior à referida na literatura, 59,4 anos, o que pode refletir as características da população do local do estudo e o acometimento de pessoas mais jovens.(17) Baixa escolaridade tem sido relacionada à elevada incidência de acidente vascular cerebral principalmente quando combinada aos fatores socioeconômicos e culturais e dificuldade de acesso à informação, além de dificultar a conscientização dos cuidados com a saúde, aderência ao tratamento e manutenção de estilo de vida, enquanto, escolaridade mais elevada aponta para o aumento da sobrevida, melhor controle de fatores de risco das doenças cardiovasculares e maior capacidade de retornar ao trabalho. Neste estudo 86,4% dos pacientes não ultrapassaram o ensino fundamental e 79,1% tinham renda de até um salário mínimo, corroborando as associações feitas anteriormente.(3,5,18,19) A incidência da doença isquêmica, em questão, varia entre 62,2% e 85,0%, compatível com os achados deste estudo (83,5%), enquanto a taxa de sobrevida relaciona-se com a idade, serviço de saúde utilizado, tipo e recorrência do acidente vascular cerebral, incapacidade resultante e doenças associadas.(18) Há necessidade de envolvimento familiar no processo do adoecimento, o que pode justificar a elevada prevalência de pacientes que possuíam cuidador, neste estudo, 97%.(16) A realização de atividades de reabilitação é fundamental para o sucesso do tratamento após o acidente vascular cerebral. No presente estudo a maior parte dos pacientes realizava duas a três terapias de reabilitação, duas vezes por semana. O tipo de reabilitação mais utilizado foi a fisioterapia (86,3%). Outro estudo identificou porcentagem maior de pacientes que realizava fisioterapia, com frequência semanal de até cinco vezes e bons resultados.(20) A qualidade de vida analisada através de algumas dimensões ou domínios que fazem parte do contexto do ser humano, geralmente é afetada e tende a ficar comprometida na vigência de doenças crônicas, agudas e das sequelas instaladas. Neste es- 210 Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12. tudo os domínios mais prejudicados, segundo o SF36, foram: capacidade funcional, aspectos físicos, estado geral de saúde, aspectos sociais e aspectos emocionais. Estudos realizados, com o mesmo tipo de pacientes e questionário, revelaram que todos os escores eram inferiores a 50, antes do início das atividades de reabilitação e melhoraram logo após as mesmas. O comprometimento das dimensões gera consequências negativas para a evolução do estado de saúde dos pacientes.(3,8,15,21) No estudo, os domínios específicos mais prejudicados, que são aqueles que podem ser desencadeados na vigência da doença ou de suas consequências, segundo SSQOL, foram: mobilidade, trabalho, função do membro superior, comportamento, relação familiar e social e energia. Outros autores também encontraram escores abaixo de 40 nos domínios: energia e trabalho, função do membro superior e relação social e escores abaixo de 60 em energia, mobilidade, relação social, função do membro superior e trabalho, e comportamento, mostrando que as consequências relacionadas diretamente ao acidente vascular cerebral são inúmeras e causam impacto de proporções significativas.(8,10, 20,22) O estado funcional é apontado como um dos domínios determinantes da qualidade de vida dos pacientes, por isso a utilização de estratégias para melhorar a função física é um diferencial útil capaz de incrementar positivamente a vida após o acidente vascular cerebral. Entretanto, as estratégias mencionadas dependem diretamente de suporte social e a sua falta pode explicar, em parte, a baixa qualidade de vida dos pacientes analisados.(20) O escore do domínio relação familiar mostrouse baixo, podendo refletir aspectos da doença que geram sobrecarga para os cuidadores e a insatisfação do paciente em relação à atenção recebida da família. Outro estudo mostrou que o bom suporte social e a assistência familiar de qualidade mantiveram e, em alguns casos, até melhoraram a qualidade de vida.(20,23) A presença de sequelas, após o acidente vascular cerebral, gera dependência por parte dos pacientes para a realização das atividades de vida diária. Nesta pesquisa, 49,6% dos pacientes apre- Rangel ESS, Belasco AGS, Diccini S sentavam dependência entre moderada e severa, compatível com os achados da literatura que variam entre 31% e 62%.(20) Transtornos psiquiátricos são apontados como fatores determinantes das incapacidades dos pacientes após o acidente vascular cerebral e a depressão é o mais prevalente e associa-se ao pior prognóstico, por comprometer de forma significativa a reabilitação motora e cognitiva.(24) Distúrbios funcionais e cognitivos, história anterior de depressão, acidente vascular cerebral prévio e suas características neuroanatômicas, precária rede de suporte social e quadros graves de incapacidade são fatores de riscos associados à ocorrência de depressão. Alguns autores apontaram como consequências da depressão a hospitalização prolongada, maior comprometimento funcional e cognitivo, limitação para realizar atividades diárias, redução de sobrevida e falta de resposta funcional durante a reabilitação.(25,26) No presente estudo, 49,7% dos pacientes apresentaram sintomas disfóricos ou depressivos evidentes. Em outros estudos a porcentagem de pacientes com sintomas depressivos foi de 40% após o evento, 23% no terceiro mês e 18% no sexto mês, e durante a reabilitação a incidência de depressão foi de 16,6%. Quando há presença de depressão e dependência do cuidador para a realização das atividades diárias ocorre significante diminuição de todos os domínios do SF-36.(5,27,28) Os pacientes deste estudo que dependiam dos cuidadores para as atividades de vida diária apresentaram pior qualidade de vida nos domínios específicos do SSQOL. A correlação linear entre o escore total do SSQOL e o SF-36, Índice de Barthel e Inventário de Depressão de Beck evidenciou grau de correlação entre moderado e forte. Outro estudo encontrou valores de correlação do SSQOL de 0,85, 0,79 e 0,68, respectivamente.(17) Este estudo evidenciou forte associação, entre o índice de Barthel e dois domínios do SSQOL: cuidados pessoais (0,77) e mobilidade (0,79). A análise de regressão múltipla entre o escore total do SSQOL e as variáveis, grau de dependência do cuidador, número de acidentes vasculares cerebrais, ensino fundamental/médio, gênero feminino e nú- mero de pessoas que dependem da renda apontou um r2= 0,362. Já o r2 entre Inventário de Depressão de Beck e as variáveis sociodemográficas, econômicas, clínicas e o SSQOL total foi 0,729. O grau de dependência do cuidador para realização das atividades de vida diária, o número de acidentes vasculares cerebrais e a presença de sinais de depressão foram as variáveis responsáveis em grande parte pela alteração da qualidade de vida específica. A presença do cuidador é considerada essencial no tratamento de pacientes que tiveram acidente vascular cerebral, entretanto, sua intervenção precisa ser positiva para poder influenciar na recuperação e reabilitação de pacientes, por meio de incentivos, não subestimando ou superestimando a capacidade dos mesmos.(29) Variáveis como déficit de função física, presença de depressão ou de seus sintomas, sexo feminino e idade avançada podem influenciar negativamente a qualidade de vida. Mulheres que tiveram acidente vascular cerebral têm baixa qualidade de vida, especialmente, no domínio saúde mental, independente da idade, severidade e etiologia, além da presença de outras comorbidades.(15,30) Conclusão A qualidade de vida geral e específica dos pacientes com acidente vascular cerebral, em reabilitação, está diminuída e correlacionam-se com limitações para a realização das atividades de vida diária. A presença de sintomas disfóricos ou depressivos, maior grau de dependência do cuidador, maior número de acidentes vascular cerebral, menor nível de escolaridade, gênero feminino e maior número de pessoas dependentes da renda interferiram negativamente na qualidade de vida específica. Colaborações Rangel ESS; Belasco AGS e Diccini S declaram que contribuíram com a concepção e projeto, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada. Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12. 211 Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação Referências 1. Giles MF, Rothwel PM. Measuring the prevalence of stroke. Neuroepidemiology. 2008;30(4):205-6. 2. World Health Organization. The atlas of heart disease and stroke [Internet]. Geneva: WHO; 2008 [cited 2009 Oct 19]. Avialable from: www.who.int/cardiovascular_disease\en/cvd_15_burden_stroke.pdf 3. Cruz KC, Diogo MJ. Evaluation of functional capacity in elders with encephalic vascular accident. Acta Paul Enferm. 2009;22(5):666-72. 4. Scalzo PL, De Souza ES, Moreira AGO, Vieira DAF. Qualidade de vida em pacientes com Acidente Vascular Cerebral: clínica de fisioterapia Puc Minas. Betim. Rev Neuroci. 2010;18(2):139-44. 5. 2:139-144p. Kong KH, Yang SY. Health-related quality of life among chronic stroke survivors attending a rehabilitation clinic. Singapore Med J. 2006;47(3):213-8. 6. Grenthe Olsson B, Sunnerhagen KS. 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