Ana Lúcia dos Santos - Sapientia

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
Ana Lúcia dos Santos
Usos dos Verbos Ser e Estar no Português Brasileiro:
Uma Abordagem Funcional.
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
Ana Lúcia dos Santos
Usos dos Verbos Ser e Estar no Português Brasileiro:
Uma Abordagem Funcional.
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação
apresentada
à
Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de
MESTRE em Língua Portuguesa, sob a
orientação da Professora Doutora Regina
Célia Pagliuchi da Silveira.
SÃO PAULO
2016
Ana Lúcia dos Santos
Usos dos Verbos Ser e Estar no Português Brasileiro:
Uma Abordagem Funcional.
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de
MESTRE em Língua Portuguesa, sob a
orientação da Professora Doutora
Regina Célia Pagliuchi da Silveira.
Aprovado em: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
“Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões [...]”
(Caetano Veloso, “Língua”, 1984.)
1
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar, por me sustentar a cada dia.
Aos familiares e amigos, pelo apoio e carinho em todas as horas.
À professora Dra. Regina Célia Pagliuchi da Silveira, pelo privilégio de tê-la tido
como orientadora nesta pesquisa. Obrigada por dividir comigo seu enorme
conhecimento!
Às professoras Dra. Aparecida Regina Borges Sellan e Dra. Siomara Ferrite
Pacheco,
membros
da banca
enriqueceram este trabalho.
de
qualificação,
pelas sugestões
que
Aos professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que muito
contribuíram para minha formação intelectual e pessoal.
Aos colegas do Núcleo de Pesquisas Português Língua Estrangeira (NUPPLE)
– em especial, ao Paulo e à Ivaneide –, com quem tive a oportunidade de
conviver e aprender cada vez mais.
Aos colegas de classe, que me acompanharam no decorrer do curso.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
pela cessão da bolsa de estudo para esta pesquisa.
A todos os demais que, direta ou indiretamente, contribuíram para que eu
chegasse até aqui.
2
RESUMO
SANTOS, Ana Lúcia dos. Usos dos Verbos Ser e Estar no Português
Brasileiro: Uma Abordagem Funcional. Dissertação de Mestrado. Programa
de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2016.
Esta dissertação está situada na área da gramática de língua portuguesa e
trata da variação de uso dos verbos ser e estar por falantes brasileiros. Tem-se
por pressuposto que as unidades sistêmicas de uma língua adquirem novas
funções quando efetivamente usadas nas relações interpessoais. O problema
tratado decorre das diferentes funções adquiridas por esses verbos que não
são previstas pelas regras gramaticais sistêmicas da língua portuguesa. O
objetivo desta pesquisa é contribuir com os estudos gramaticais do português
brasileiro, e os objetivos específicos são: 1. Descrever o uso dos verbos ser e
estar na dimensão lexical; 2. Verificar os usos dos verbos ser e estar na
dimensão proposicional; 3. Buscar as diferentes funções atualizadas na
dimensão pragmático-discursiva, relativas à ressemantização e à
gramaticalização, no uso dos referidos verbos. Justifica-se a pesquisa
realizada, pois as descrições sistêmicas e as da gramática tradicional relativas
aos verbos ser e estar não dão conta das variações desses verbos no uso
efetivo do português brasileiro. A pesquisa realizada está fundamentada na
vertente moderada do funcionalismo linguístico, segundo Givón (1993), para
quem a estrutura da língua não está desvinculada de sua função. O
procedimento metodológico adotado é qualitativo, e o material de análise foi
coletado tanto no uso escrito, quanto no uso oral de falantes brasileiros. As
análises foram realizadas a partir das três dimensões propostas por Givón
(1993) – lexical, proposicional e pragmático-discursiva. Os resultados obtidos
indicam que, na dimensão lexical, a escolha entre ser ou estar é feita no
conteúdo vocabular e atende ao que é previsto no sistema lexical; na dimensão
proposicional, esses verbos participam de orações, pessoais ou impessoais,
como plenos ou exprimindo, dentro das proposições, as noções de localização
espacial, companhia, tempo, modo, equanimidade, posse ou qualidade; e, na
dimensão pragmático-discursiva, em virtude das intenções comunicativas dos
usuários da língua, esses verbos sofrem gramaticalizações, tornando-se
copulativos ou auxiliares, e ressemantizações, ou seja, adquirem novos
sentidos e funções que diferem dos previstos inicialmente no conteúdo
vocabular. Desse modo, entende-se que é impossível se fazer menção à
dimensão pragmático-discursiva, concernente ao discurso, sem considerar as
dimensões proposicional e lexical. A pesquisa realizada abre novas
perspectivas de investigação dos verbos ser e estar a partir da variedade de
ocorrências desses verbos.
Palavras-chave: Verbo SER. Verbo ESTAR. Gramaticalização. Gramática
sistêmico-funcional. Funcionalismo.
3
ABSTRACT
SANTOS, Ana Lúcia dos. Usos dos Verbos Ser e Estar no Português
Brasileiro: Uma Abordagem Funcional. Dissertação de Mestrado. Programa
de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2016.
This dissertation is situated in portuguese grammar área and discusses the
variation of uses of ser and estar verbs by brazilian speakers. It presupposes
that the systemic units of a language acquire new functions when they are used
in interpersonal relationships. The problem arises from the different functions
acquired by these verbs that are not covered by systemic grammar rules of the
portuguese language. The main goal of this paper is contribute with brazilian
portuguese gramatical studies, and the specific goals are: 1. Describing the use
of ser and estar verbs in the lexical dimension; 2. Verifying the uses of ser and
estar verbs in the propositional dimension; 3. Finding the distinct functions
updated in the pragmatic-discursive dimension, on resemantization and
grammaticalization in the use of these verbs. The background of this research is
that systemic and traditional grammar descriptions are not able to explain the
variations of ser and estar in the brazilian portuguese actual use. This research
is founded on moderate current of linguistic functionalism, according to Givón
(1993), to whom language structure is not separated from its function. The
adopted methodological procedure is qualitative, and the corpus was collected
in both, writing and oral brazilian speakers uses. The analyses were carried out
from the three dimensions proposed by Givón (1993) – lexical, propositional
and pragmatic-discursive. The results indicate that, in the lexical dimension, the
choice between ser or estar made in the vocabular content complies with lexical
system; in the propositional dimension, these verbs partake of personal or
impersonal sentences, as lexical verbs or by giving these sentences the notions
of spatial location, companion, time, mode, equanimity, possession or quality; in
the propositional dimension, duo to communicative purposes of language users,
these verbs are grammaticalizated, becoming copula and auxiliary verbs, and
ressemantizated, i. e., they acquire new meanings and functions that differ from
those from vocabular content. It means that it is impossible to refer to
pragmatic-discursive dimension without considering propositional and lexical
dimensions. This research opens up new prospects of ser and estar studies
given the variety of uses of these verbs.
Keywords: SER verb. ESTAR verb. Grammaticalization. Systemic functional
grammar. Functionalism.
4
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Os sistemas de que é feita a língua, segundo a teoria multissistêmica
funcionalista cognitivista (CASTILHO, 2014).............................
35
Figura 02: Modelo de organização hierárquica vertical dos níveis semântica
lexical, semântica proposicional e pragmática discursiva, com base em Givón
(1993)....................................................................................................................
Figura 03: Trajetória de gramaticalização dos verbos segundo Travaglia (2002a,
p.138 apud TRAVAGLIA, 2003, p. 98)..................................................................
Figura
04:
Configuração
do
sintagma
verbal
(BAGNO,
2012,
p.603)....................................................................................................................
91
124
128
Figura 05: Estrutura locativa simples (Arrais 1984,
p.77)......................................................................................................................... 132
Figura 06: Estrutura locativa – localização absoluta ou relativa (Arrais 1984,
p.78)......................................................................................................................... 134
Figura 07: Estrutura atributiva – objetivo ou experienciador (Arrais 1984, p. 76)
138
Figura 08: Estrutura atributiva – causativo, origem e meta (Arrais 1984, p. 77)
140
Figura 09: Estrutura equativa (Arrais 1984,
p.74).......................................................................................................................... 143
Figura 10: Estrutura possessiva (Arrais 1984, p. 81).............................................
Figura 11: Estrutura possessiva – posse alienável/ inalienável (Arrais 1984,
p. 81).......................................................................................................................
145
146
5
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: Formalismo e funcionalismo segundo Dik (1978/ 1981, p.4
apud CASTILHO, 2014, p. 66)......................................................................... 18
Quadro 02: Parâmetros da transitividade segundo Hopper e Thompson
(1980, apud FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011, p. 47).......................... 63
Quadro 03: Propriedades de individuação (FURTADO DA CUNHA E
SOUZA, 2011, p.49)......................................................................................... 65
Quadro 04: Tipos de Circunstâncias segundo Furtado da Cunha e Souza
(2011, p. 77), com base em Eggins (1995)...................................................... 70
Quadro 05: Passagem da voz ativa à passiva e vice-versa (BECHARA,
2009, p. 287).................................................................................................... 108
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................
10
CAPÍTULO 1 – BASES TEÓRICAS....................................................................................
13
1.1. Antecedentes..............................................................................................................
13
1.2. Formalismo x funcionalismo.....................................................................................
16
1.2.2. Funcionalismo..........................................................................................
17
1.2.1. Formalismo...............................................................................................
1.2.3. Um confronto entre as visões formalista e funcionalista..........................
16
18
1.3. Outras considerações a respeito do funcionalismo: posições
funcionais..........................................................................................................................
20
1.4. A Linguística Funcional e seus temas de estudo...................................................
21
1.5. Diferentes funcionalismos.........................................................................................
1.5.1. O funcionalismo europeu..........................................................................
28
28
1.5.3. O funcionalismo brasileiro.........................................................................
34
1.6. Alguns conceitos basilares do funcionalismo.........................................................
39
1.6.1. Gramaticalização......................................................................................
40
1.6.2. Metáfora...................................................................................................
48
1.6.3. Metonímia................................................................................................
52
1.6.4. Mudança Linguística.................................................................................
53
1.6.5. A relação entre discurso e gramática.......................................................
56
1.6.6. Transitividade............................................................................................
58
1.6.7. Transitividade e plano discursivo..............................................................
71
1.6.8. Iconicidade................................................................................................
73
1.6.9. Marcação e contrastividade......................................................................
76
1.7. Halliday e a Linguística Sistêmico-Funcional..........................................................
78
1.7.1. Oração como troca...................................................................................
81
1.4.1. Linguística Funcional Centrada no Uso: uma nova tendência.................
1.5.2. O funcionalismo norte-americano.............................................................
1.7.2. Oração como representação....................................................................
22
32
1.7.3. Oração como mensagem..........................................................................
82
84
1.8. O funcionalismo proposto por Givón: a gramática nasce do discurso................
87
CAPÍTULO 2 – UMA REVISÃO DOS VERBOS SER E ESTAR: ETIMOLOGIA,
TRATAMENTO GRAMATICAL DADO POR ESTUDIOSOS BRASILEIROS,
GRAMATICALIZAÇÃO E ALGUMAS FUNÇÕES..............................................................
93
2.1. Algumas considerações sobre a etimologia de ser e de estar..............................
93
7
2.2. Revisão do tratamento gramatical dado por autores brasileiros para os verbos ser e
estar...........................................................................................................................
.
2.2.1. Revendo as gramáticas históricas............................................................
95
96
2.2.1.1. Grammatica Histórica da Língua Portugueza (SAID ALI,
1927).........................................................................................................
96
2.2.1.2. Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa (J.J. NUNES,
1945).........................................................................................................
99
2.2.2. Revendo as gramáticas tradicionais..........................................................
101
2.2.2.1. Nova Gramática do Português Contemporâneo (CUNHA e CINTRA,
2007).........................................................................................
101
2.2.2.2. Moderna Gramática Portuguesa (BECHARA, 2009)..................
105
2.2.3. Revendo as gramáticas que abordam o uso efetivo do português
brasileiro...............................................................................................................
109
2.2.3.1. Gramática da Língua Portuguesa – Gramática da palavra .
Gramática da frase . Gramática do texto/ discurso (VILELA e KOCH,
2001).........................................................................................................
109
2.2.3.2. Gramática de usos do português (NEVES, 2011).......................
111
2.2.3.3. Nova Gramática do Português Brasileiro (CASTILHO,
2014).........................................................................................................
115
2.3. Considerações gramaticais sobre o processo de gramaticalização dos
verbos..................................................................................................................................
123
2.4. Considerações gramaticais sobre os verbos de ligação.........................................
125
2.5. Considerações gramaticais sobre os verbos auxiliares.........................................
127
2.6. Algumas funções de ser e de estar...........................................................................
129
2.6.1. Ser e estar como verbos plenos................................................................
129
2.6.2. Ser e estar como verbos funcionais..........................................................
129
2.6.2.1. Ser e estar e as estruturas locativa, modal, atributiva, equativa e
possessiva.............................................................................................................................
131
A) Estrutura locativa...............................................................................
131
B) Estrutura modal.................................................................................
134
C) Estrutura atributiva............................................................................
136
D) Estrutura equativa.............................................................................
142
E) Estrutura possessiva (Arrais, 1984)..................................................
144
2.6.3. Ser e estar como verbos auxiliares...........................................................
147
2.6.3.1. Verbo ser.....................................................................................
147
2.6.3.2. Verbo estar..................................................................................
147
8
CAPÍTULO 3 – RESULTADOS OBTIDOS DAS FUNÇÕES DO VERBO SER NO USO DO
PORTUGUÊS BRASILEIRO..........................................................................................
149
3.1. Dimensão lexical vocabular........................................................................................
149
3.2. Resultados obtidos nas análises................................................................................
152
3.2.1. Verbo ser como verbo pleno......................................................................
152
3.2.2. Verbo ser como verbo funcional................................................................
157
3.2.2.1. Estrutura locativa.........................................................................
158
A) Com sentido comitativo..................................................................
158
B) Com sentido locativo......................................................................
159
3.2.2.2. Estrutura modal...........................................................................
166
3.2.2.3. Estrutura atributiva.......................................................................
169
A) Com sintagma adjetival..................................................................
169
B) Com sintagma preposicional..........................................................
181
C) Com sintagma nominal...................................................................
185
D) Com particípio de valor adjetivo.....................................................
189
3.2.2.4. Estrutura equativa.......................................................................
192
3.2.2.5. Estrutura possessiva...................................................................
198
3.2.4. Outras funções do verbo ser.....................................................................
202
3.2.4.1. Advérbio de afirmação................................................................
202
3.2.4.2. Marcador discursivo....................................................................
204
3.2.4.3. Preenchedor de pausa................................................................
212
CAPÍTULO 4 – RESULTADOS OBTIDOS DAS FUNÇÕES DO VERBO ESTAR NO USO DO
PORTUGUÊS BRASILEIRO.................................................................................
227
4.1. Dimensão lexical vocabular........................................................................................
227
4.2. Resultados obtidos nas análises................................................................................
228
4.2.1. Verbo estar como verbo pleno...................................................................
229
4.2.2. Verbo estar como verbo funcional.............................................................
231
4.2.2.1. Estrutura locativa.........................................................................
232
A) Com sentido comitativo..................................................................
232
B) Com sentido locativo......................................................................
234
9
C) Com sentido temporal....................................................................
240
4.2.2.2. Estrutura modal............................................................................
242
4.2.2.3. Estrutura atributiva.......................................................................
245
A) Com sintagma adjetival..................................................................
245
B) Com sintagma preposicional..........................................................
258
C) Com sintagma nominal..................................................................
261
D) Com particípio de valor adjetivo....................................................
263
4.2.2.4. Estrutura equativa........................................................................
267
4.2.2.5. Estrutura possessiva...................................................................
268
4.2.3. Verbo estar como auxiliar de gerúndio......................................................
272
4.2.4. Outras funções do verbo estar..................................................................
279
4.2.4.1. Advérbio de afirmação.................................................................
279
3.2.4.2. Marcador discursivo.....................................................................
280
4.2.4.3. Operador argumentativo..............................................................
283
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................
297
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................
307
ANEXOS...............................................................................................................................
312
Anexo I - Conjugação dos verbos ser e estar (Cunha e Cintra, p. 413-416)........................
312
Anexo II - Conjugação da voz passiva – ser e estar (Cunha e Cintra, p. 419-421)..............
316
Anexo III - Conjugação dos verbos auxiliares mais comuns (Bechara, 2009, p.
254-256).......................................................................................................................................
319
Anexo IV - Conjugação de um verbo composto na voz passiva: ser amado (Bechara, 2009,
p. 260-261)..................................................................................................................
Anexo V - Constituição da amostra.......................................................................................
320
321
10
INTRODUÇÃO
Esta dissertação está situada na área da gramática da língua
portuguesa e tem por tema as funções que os verbos ser e estar adquirem no
uso efetivo do português brasileiro.
Tem-se por pressuposto que as unidades mórficas de uma língua, ao
serem usadas nas relações interpessoais, adquirem novas funções, a fim de
atender às necessidades comunicativas dos falantes, de forma a produzirem
uma dinâmica que, em cada estado de língua, resulta em gramaticalização.
O problema tratado é a variedade/variação de usos dos verbos ser e
estar no português brasileiro.
Tem-se por objetivo geral contribuir com os estudos gramaticais do
português brasileiro, e, por objetivos específicos:
1. Descrever o uso dos verbos ser e estar na dimensão lexical;
2. Verificar os usos dos verbos ser e estar na dimensão proposicional;
3. Buscar as diferentes funções atualizadas na dimensão pragmático-
discursiva, relativas à ressemantização e à gramaticalização, no uso dos
referidos verbos.
Justifica-se a pesquisa realizada, pois as descrições dos verbos ser e
estar relativas ao sistema da língua portuguesa não dão conta das variações
do uso efetivo desses verbos pelos seus falantes nativos.
Há dificuldades para o ensino do português brasileiro como língua
estrangeira, e, também, como segunda língua, na medida em que o material
existente, com enfoque gramatical, apresenta lacunas quanto à descrição da
variação de usos no português brasileiro. Vários autores, na atualidade, têm se
preocupado com o uso efetivo da língua, dentre eles Vilela e Koch (2001),
Neves (2011) e Castilho (2014).
Neves (1994), ao tratar da gramática funcional, cita Nichols (1984), que
afirma a existência de três grandes vertentes: a conservadora, a extrema e a
moderada. A primeira não propõe uma análise da estrutura, apenas aponta a
inadequação do formalismo/ estruturalismo; a segunda nega a estrutura como
estrutura e defende que as regras estão baseadas internamente na função e
que não há, portanto, restrições sintáticas; a última, por sua vez, além de
também apontar a inadequação do formalismo/ estruturalismo, propõe uma
11
análise da estrutura (Cf. NEVES, 1994, p.116). Esta pesquisa está
fundamentada na vertente moderada, uma vez que tanto Givón (1993) quanto
Halliday (2004) propõem que a estrutura não está desvinculada da função.
Esta dissertação tem como ponto de partida o tratamento dado por
gramáticos brasileiros com enfoque funcionalista a respeito do uso dos verbos
ser e estar.
O procedimento metodológico adotado é qualitativo e os corpora para
análise foram coletados tanto no uso escrito quanto no uso oral, a saber:
Uso escrito:

Corpus Discurso & Gramática (D&G);

Bíblia sagrada, especificamente a edição denominada A Bíblia de

Textos literários: Mr. Slang e o Brasil e Problema Vital, de Monteiro

Sites diversos da internet, por oferecerem grande variedade de
Jerusalém;
Lobato (1957).
ocorrências escritas.
Uso oral:

Corpus Discurso & Gramática (D&G), do Departamento de Linguística e
Filologia da Faculdade de Letras de três universidades: a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal do Rio



Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal Fluminense (UFF);
Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro (NURC-RJ);
programas televisivos;
vídeos de canais da internet.
As análises foram realizadas a partir das três dimensões propostas por
Givón (1993):


dimensão lexical, concernente ao significado dado pelo léxico;
dimensão proposicional, concernente à combinação das palavras do
léxico, expressando um conceito;
12

dimensão pragmático-discursiva, concernente ao discurso formado
pela reunião das proposições.
Os resultados apresentados para a dimensão lexical tiveram por ponto
de partida o conteúdo vocabular presente no Grande Dicionário Houaiss de
Língua Portuguesa, em sua versão online. O critério de seleção encontrado
nesse dicionário decorre da organização do próprio conteúdo vocabular
proposto para os verbos ser e estar, em que o autor separa por itens os usos
mais frequentes desses verbos em situações reais de comunicação.
Esta dissertação está organizada em quatro capítulos:
O capítulo 1, Bases Teóricas, apresenta o funcionalismo linguístico,
situando-o nos estudos gramaticais da língua, em seu uso efetivo, e
apresentando algumas das abordagens funcionalistas existentes.
O capítulo 2, Uma Revisão dos Verbos Ser e Estar: Etimologia,
Tratamento Gramatical Dado por Estudiosos Brasileiros, Gramaticalização e
Algumas Funções, revê os verbos ser e estar, apresentando sua história, o
tratamento dado a esses verbos e algumas das funções que eles exercem.
O capítulo 3, Resultados Obtidos das Funções do Verbo Ser no Uso do
Português Brasileiro, é composto pelos resultados obtidos nas análises
relativas às variações dos usos do verbo ser no português brasileiro, tanto na
oralidade quanto na escrita.
O capítulo 4, Resultados Obtidos das Funções do Verbo Ser no Uso do
Português Brasileiro, semelhante ao capítulo anterior, contém os resultados
obtidos nas análises relativas às variações dos usos do verbo estar no
português brasileiro, tanto na oralidade quanto na escrita.
13
CAPÍTULO 1 – BASES TEÓRICAS
Este capítulo apresenta a revisão teórica que norteia esta pesquisa.
Inicia-se com uma breve retomada dos estudos linguísticos a partir do início do
século XX e com as diferenças existentes entre formalismo e funcionalismo.
Trata do funcionalismo linguístico, de suas principais escolas, de alguns de
seus princípios basilares e dos postulados de Halliday (2004), Castilho (2014) e
Givón (1993).
1.1 Antecedentes
O início do século XX foi o marco divisor dos estudos linguísticos. A
obra fundadora da Linguística é o Curso de Linguística Geral (1916), publicado
três anos após a morte de Ferdinand de Saussure, professor da Universidade
de Genebra, por dois de seus alunos – Bally e Sechehaye, a partir de suas
anotações de aula. Com a divulgação dos trabalhos de Saussure, a Linguística
passou por um processo de reconhecimento como Ciência até se tonar
autônoma. Antes, estava submissa às exigências de outros estudos, tais como
a Lógica, a Filosofia, a História e outras.
signos
Para Saussure (1969, apud PETTER, 2008), a língua é um sistema de
formado
por
um
conjunto
de
unidades
que
se
relacionam
organizadamente dentro de um todo. Constitui um sistema externo ao falante e
que não pode ser modificado por este pelo simples fato de que ela obedece a
convenções (leis) sociais estabelecidas dentro da comunidade. É, portanto, ao
mesmo tempo, “física, fisiológica e psíquica; pertence ao domínio individual e
social.” (PETTER, 2008, p.14). Desse modo, as línguas são sistemas
autônomos, regidos por leis internas e alheios a forças internas. O caráter
social de tal sistema é dado pelo fato de que ele é socialmente partilhado entre
os usuários de uma língua.
Petter (2008, p.14) afirma que:
Para o mestre Genebrino, “a Linguística tem por único e verdadeiro
objeto a língua considerada em si mesma, e por si mesma”. Os
seguidores dos princípios saussureanos esforçaram-se por explicar a
14
língua por ela própria, examinando as relações que unem os
elementos no discurso e buscando determinar o valor funcional
desses diferentes tipos de relações. A língua é considerada uma
estrutura constituída por uma rede de elementos, em que cada
elemento tem um valor funcional determinado. A teoria de análise
linguística que desenvolveram, herdeira das ideias de Saussure, foi
denominada estruturalismo.” [...]
Como acreditava ser a língua um sistema estático, Saussure priorizava
o estudo sincrônico em detrimento do diacrônico, até porque, para ele, os
falantes não tinham consciência das mudanças diacrônicas. Eles apenas
faziam uso da língua que aprendiam desde a infância, em um determinado
recorte de tempo.
Entretanto, Martelotta (2011) afirma que, para as pesquisas atuais
sobre a mudança linguística, a separação absoluta entre sincronia e diacronia
proposta por Saussure é ingênua por encarar as línguas como completamente
uniformes em um determinado momento de sua evolução. Ademais, para
Martelotta, diante da noção sincrônica “determinado momento”, não é possível
estipular um prazo de duração de um estado de língua.
Esse autor ainda discorda da afirmação de que “para o falante, a
sucessão de fatos não existe”. Para ele, não se pode inferir que os falantes não
percebam as mudanças em sua língua, ao contrário, eles são, sim, sensíveis
às mudanças que ocorrem em sua língua, e isso é perceptível por exemplo,
quando se observar que fazem ou deixam de fazer uso de determinada
expressão por ela ser típica de pessoas mais velhas ou mais jovens. O
chamado “gerundismo” percebido no português brasileiro atual também pode
ser citado como um exemplo disso.
Os linguistas da atualidade, sobretudo os que estudam a gramática
pela perspectiva do uso efetivo da língua, partem da noção de pancronia.
Segundo Martelotta (2011), pancronia diz respeito à convivência das estruturas
sincrônicas e diacrônicas em língua. Desse modo, pode-se afirmar que, em um
estado de pancronia, fragmentos de velhos sistemas e de novos sistemas não
se excluem, mas convivem, e os primeiros não desapareceram completamente,
mostrando seus vestígios nas construções contemporâneas.
Sob essa noção, o sistema da língua deixa de ser estático e passa a ser
visto como dinâmico, uma vez que as unidades sistêmicas, ao entrarem em
15
uso, pragmaticamente, adquirem, pelo uso, novas funções que, ao se
cristalizarem, passam a compor o sistema.
Segundo a visão estruturalista, o sistema é estático; a fala é dinâmica.
Por essa razão, conforme Ilari (2011), os estruturalistas entendiam que a parole
não poderia ser objeto de um estudo realmente científico, o que fez chegar a
uma situação extrema em que toda a atenção foi voltada ao sistema e suas
regras, e o estudo do uso foi posto em segundo plano, como objeto de estudo
da Linguística da fala ou da estilística, como uma “tarefa menos nobre” (Ilari
2011, p.59).
Na década de 70, o Estruturalismo ainda era a orientação mais
importante dos estudos da linguagem no Brasil. Com o tempo, o paradigma
acabou sendo superado pelas novas tendências que surgiram na Linguística.
Entretanto, na década de 1960, essa vertente já começava a dar sinais de
esgotamento no hemisfério norte. Isso porque nela se desconsideravam
aspectos
dos
fenômenos
linguísticos
compreensão, como o papel do sujeito.
que
são
essenciais
para
sua
A grande crítica feita ao estruturalismo por Émile Benveniste (1966,
apud ILARI, 2011) é que o estruturalismo teria negligenciado o papel essencial
que o sujeito desempenha na língua. Benveniste também afirmou que algumas
estruturas centrais em qualquer língua deixam de fazer sentido se a língua for
descrita sem referência à fala e aos diferentes papéis que os falantes assumem
na interlocução.
Uma crítica de Coseriu (1973, apud ILARI, 2011) sobre o estruturalismo
foi em relação à dicotomia sincronia x diacronia. Para Coseriu, era ilusório
delimitar um estado de sincronia, uma vez que, em qualquer língua, a todo
momento, mecanismos gramaticais e recursos lexicais que são frutos de
diferentes momentos da história convivem, e é essa convivência que
caracteriza um estado de língua dado (=pancronia). Coseriu revisou também a
oposição língua e fala. Para ele, entre essas duas instâncias, há uma ainda
mais operacional e mais real que a própria língua: a norma.
Para Pêcheaux (1969, apud ILARI, 2011), ao descartar a fala como
objeto de estudo científico, Saussure teria destruído ao mesmo tempo a
possibilidade de uma linguística textual e a de uma análise científica do sentido
dos textos.
16
Por essas razões, entende-se que o estruturalismo, pela Linguística
Francesa, foi visto como réu, por se restringir à análise do sistema; por dar
significações sem considerar fatores ideológicos e políticos; enfim, por seu
caráter “anti-historicista, anti-idealista e anti-humanista” (ILARI, 2011, p.83).
Assim, o estruturalismo foi perdendo seu prestígio.
Os estudos linguísticos durante o estruturalismo e o gerativismo foram
realizados na dimensão da frase, por estarem voltados para a descrição da
língua, mas fora de seu uso efetivo. Para os estruturalistas, a tarefa do linguista
era descrever as unidades e as regras gramaticais combinatórias dessas
unidades, a fim de se obter a descrição do sistema da língua. Para os
gerativistas, a tarefa do linguista era descrever as regras gramaticais da
competência linguística de um falante ideal e, portanto, abstrato.
As contribuições dadas por essas duas correntes foram importantes
para mostrar que o estudo de uma língua não pode ser feito fora de seu uso
efetivo. De fato, com a atenção voltada para o uso, foi possível verificar que as
regras gramaticais de uma língua são sistêmicas, mas dinamicamente
modificadas pelas diferentes funções que essas unidades vão adquirindo nas
reais situações de interação comunicativa.
Oposto ao estruturalismo está o funcionalismo, nascido na Escola de
Praga, que conseguiu harmonizar os ensinamentos de Saussure com a linha
de reflexão sobre a linguagem do psicólogo Karl Bühler.
1.2. Formalismo x funcionalismo
Na Linguística, há diferentes pontos de vista. As abordagens linguísticas
atuais são divididas em formalismo, que abrange o gerativismo e o
estruturalismo; e funcionalismo.
1.2.1. Formalismo
O formalismo é uma abordagem linguística que compreende a língua
como objeto autônomo, não dependente do uso em situações reais de
17
comunicação. Prioriza o estudo da forma – fonologia, morfologia e sintaxe –,
deixando a análise da função em segundo plano.
Os formalistas interessam-se apenas pelas formas e suas relações
entre si, mas não pela relação dessas formas com os significados ou funções,
ou entre a língua e seu meio, ou contexto de uso. Os formalistas ainda
consideram que as funções externas não influenciam a estrutura interna da
língua. Bloomfield, Trager, Bloch, Harris e Fries são exemplos de formalistas.
1.2.2. Funcionalismo
O funcionalismo é uma abordagem linguística que compreende a
língua como instrumento de interação social que é maleável e moldado pela
interação. Desse modo, a pragmática é um marco globalizador, dentro do qual
devem ser estudadas a semântica e a sintaxe. Prioriza o estudo da função que
a forma linguística desempenha na interação comunicativa, ou seja, também
estuda a forma, porém, analisando-a segundo as motivações funcionais que a
influenciam – semântico, pragmáticas, sociais, cognitivas.
Para os funcionalistas, o contexto de uso motiva as diferentes
construções sintáticas. Isso significa que, para essa corrente teórica, não há
como explicar a estrutura da língua sem levar em conta a comunicação na
situação social.
Esses linguistas consideram as regularidades observadas no uso
interacional da língua, analisando as condições discursivas desse uso,
ultrapassando o âmbito da estrutura gramatical. Eles buscam na situação
comunicativa a motivação para os fatos da língua. Consideram, assim, os
interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo. Para tanto, trabalham
essencialmente com informações, faladas ou escritas, retiradas de situações
reais de comunicação, evitando a utilização de frases criadas, dissociadas do
contexto, como o fazem os formalistas.
18
1.2.3. Um confronto entre as visões formalista e funcionalista
Acerca das distinções entre formalistas e funcionalistas, Leech (1983,
apud FURTADO DA CUNHA e SOUZA, 2011, p. 16-17) entende que:
•
os formalistas tendem a conceber a língua como um fenômeno
mental, um objeto autônomo, cuja estrutura pode ser analisada sem
que seja levado em conta seu uso em situações reais de
comunicação. Os funcionalistas, por outro lado, tendem a considerar
a comunicação, cuja estrutura se adapta a pressões provenientes das
diversas situações comunicativas em que é utilizada;
•
os formalistas tendem a considerar que os universais
linguísticos derivam de uma herança linguística genética que é
comum a toda a espécie humana. Os funcionalistas, por sua vez,
tendem a explicar os universais linguísticos como derivados da
universalidade dos usos a que a língua serve na sociedade humana;
•
os formalistas tendem a explicar a aquisição da linguagem
pelas crianças em termos de uma capacidade humana inata para
aprender uma língua. Em oposição, os funcionalistas tendem a
explicar a aquisição da linguagem em termos do desenvolvimento das
necessidades e habilidades comunicativas da criança na sociedade.
Dik (1978/1981 p. 4 apud CASTILHO, 2014, p. 66) apresenta um quadro
que resume bem as oposições entre o formalismo e o funcionalismo:
PARADIGMA FORMAL
1. A língua é um conjunto de sentenças.
2. A função primária da língua é a expressão
dos pensamentos.
3. O correlato psicológico da língua é a
competência: a capacidade de produzir,
interpretar e julgar sentenças.
4. o estudo da competência tem uma
prioridade lógica e metodológica sobre o
estudo do desempenho.
PARADIGMA FUNCIONAL
1. A língua é um instrumento de interação
social.
2. A função primária da língua é a
comunicação.
3. O correlato psicológico da língua é a
competência comunicativa: a habilidade de
conduzir a interação social por meio da língua.
4. o estudo do sistema linguístico deve ter
lugar no interior do sistema de usos
linguísticos.
5. As sentenças de uma língua devem ser
5. A descrição dos elementos linguísticos de
descritas independentemente do contexto em uso de uma língua deve proporcionar pontos
que ocorreram.
de contato com o contexto em que ocorreram.
6. A aquisição da língua é inata. Os inputs
são restritos e não estruturados. A teoria do
estímulo é pobre.
7. Os universais linguísticos são propriedades
inatas do organismo biológico e psicológico
do homem.
6. A criança descobre o sistema que subjaz à
língua e ao uso linguístico ajudada por inputs
de dados linguísticos extensos e altamente
estruturados, presentes em contextos
naturais.
7. Os universais linguísticos são
especificações inerentes às finalidades da
comunicação, à constituição dos usuários da
língua e aos contextos em que a língua é
usada.
19
8. A sintaxe é autônoma em relação à
semântica. A sintaxe e a semântica são
autônomas com relação à pragmática, e as
prioridades vão da sintaxe à pragmática via
semântica.
8. A pragmática é a moldura dentro da qual a
semântica e a sintaxe devem ser estudadas. A
semântica é dependente da pragmática, e as
prioridades vão da pragmática para a sintaxe
via semântica.
Quadro 01: Formalismo e funcionalismo segundo Dik (1978/ 1981, p.4 apud CASTILHO,
2014, p. 66)
Ambas as abordagens – formalismo e funcionalismo – consideram que
a gramática é composta pela sintaxe, a morfologia e a fonologia, e que, por sua
vez, a gramática, o léxico, o discurso e a semântica constituem os quatro
sistemas linguísticos das línguas naturais.
Outro ponto de convergência entre funcionalismo e formalismo a ser
citado é que o gerativismo, abrigado no formalismo, de certa maneira, faz
menções à semântica em sua subteoria de papéis temáticos. (KATO, 1998,
apud CASTILHO, 2014).
Já a sintaxe funcional não pode ignorar as regularidades da estrutura
da língua, uma vez que nem sempre tais regularidades podem ser explicadas
por determinações de caráter social. A teoria funcionalista não exclui o sistema
-forma- estrutura, mas os integra ao discurso-uso-pragmática, além do
embasamento cognitivo (NEVES, 1997b, p.20).
Apesar das oposições, pode-se afirmar que formalismo e funcionalismo
diferenciam-se apenas na abordagem do fenômeno linguístico e no papel que
cada uma delas confere à gramática, ao léxico, ao discurso e à semântica (Cf.
CASTILHO, 2014, p. 64). Isso significa que há multiplicidade de olhares sobre
os fenômenos da língua. Deve-se considerar que há diversos enfoques ou
pontos de vista diante de um mesmo objeto. É como observar uma árvore: um
botânico, um biólogo, um paisagista ou um madeireiro observarão o mesmo
‘objeto’, porém, vê-lo-ão sob seus pontos de vista, de acordo com o que lhes
interessa: “é o ponto de vista que cria o objeto” (SAUSSURE, 1969, p.15 apud
PIETROFORTE, 2008, p.77).
Por ser esta dissertação embasada na abordagem funcionalista da
língua, apresentar-se-á, a seguir, um conjunto de considerações a respeito
dessa abordagem.
20
1.3. Outras considerações a respeito do funcionalismo: posições
funcionais
O funcionalismo tem como cerne estudar as formas linguísticas sempre
atreladas às funções a que servem em situações reais de comunicação, não
utilizando meros exemplos formulados proposital e artificialmente para uma
análise. Isso porque no âmbito dos estudos funcionalistas, a estrutura reflete e
é motivada pela função, desempenhando funções no discurso (Cf. FURTADO
DA CUNHA E SOUZA, 2011, p. 9-10). Desse modo, as estruturas da
linguagem servem a funções comunicativas e cognitivas.
Mattos e Silva (2008, p.72) afirmam, citando Labov (1987), que é
possível distinguir três posições funcionais, “cada uma delas apresentando o
contexto progressivamente mais abrangente”, a saber:
A primeira será a de A. Martinet, que diz respeito à eficiência
comunicativa das unidades estruturais. A segunda, conforme Labov,
é a de P. Kiparsky, que propõe uma restrição funcional que governa
as condições da mudança linguística, havendo uma tendência para
que a informação mais relevante, quanto à semântica, seja retida na
estrutura superficial. Desse ponto de vista, o conceito de função se
refere a uma relação entre a forma e seu significado referencial;
diferentemente de Martinet, para quem o conceito de função tem a
ver com a oposição entre as unidades do sistema. O terceiro é o de
M. A. K. Halliday que, em artigo de 1967, “Notes on Transitivity and
Theme in English”, se refere à motivação discursiva da estrutura
sentencial, que se vincula à Escola de Praga no que se refere à
oposição entre dado versus novo e tema versus rema. [...]
De acordo com Martelotta e Alonso (2012), o termo funcionalismo pode
se remeter a:
1. “funcionalismos”: holandês, inglês, norte-americano etc., isto é, às
escolas funcionalistas;
2. qualquer abordagem teórica que considere que a função principal da
língua é a comunicação nas situações reais de interação entre os
falantes.
Esta última definição é uma oposição ao chamado formalismo.
21
1.4. A Linguística Funcional e seus temas de estudo
A gramática funcional, para bem cumprir o objetivo a que se propõe,
ultrapassa o limite da sentença, partindo para a análise de textos extensos,
estabelecendo correlações entre os fatos gramaticais e os dados da
comunidade que o gerou.
De acordo com Castilho (2014, p. 68):
O funcionalismo acolhe uma série de teorias auxiliares: (i) a língua
como competência comunicativa; (ii) a língua como um conjunto de
funções socialmente definidas; (iii) a língua como conjunto de atos de
fala; (iv) a língua como variação e mudança; (v) a língua como
discurso.
Desse modo, uma gramática funcional tem a preocupação de estudar a
sintaxe no discurso. Ainda de acordo com Castilho (2014, p.65):
A sintaxe funcional contextualiza a língua na situação interacional a
que as estruturas se correlacionam, prestando mais atenção ao modo
como ela se gramaticaliza, ou seja, o modo como ela representa as
categorias sociais e cognitivas em sua estrutura gramatical.
Dois importantes conceitos em funcionalismo são língua e gramática. O
primeiro é tido como atividade social arraigada no uso corrente e altamente
influenciado por pressões advindas de situações interacionais diversas. O
segundo é definido como uma estrutura dinâmica e flexível, emergente das
situações cotidianas de interação (Cf. FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011,
p. 9).
Diferente da teoria gerativa, que ignora totalmente as condições reais
de uso da língua, assim como a interferência de fatores extralinguísticos na
formação da estrutura linguística, a teoria funcionalista concebe a gramática
como resultado da estruturação de fatores cognitivos e comunicativos da
língua. Para Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013, p.15),
A gramática de uma língua é constituída tanto de padrões regulares
no nível dos sons, das palavras e de unidades maiores, como os
sintagmas e as orações, quanto de formas emergentes, em
decorrência da atuação desses fatores.
22
Assim, a Linguística Funcional reconhece o estatuto fundamental que
as funções da língua têm na descrição das formas linguísticas. Cada entidade
linguística deve ser definida com relação ao papel que ela desempenha nos
processos reais de comunicação, e, por isso, a Linguística Funcional utiliza
dados reais em suas análises.
Existem vários ‘funcionalismos’, dentre eles, os conhecidos como
pertencentes:

à Escola de Genebra (Bally e Frei);

à Escola de Londres (Firth e Halliday);



à Escola de Praga (Mathesius, Trubetzkoy, Jakobson, Firbas e outros);
à Escola [da Costa Oeste] Norte-Americana (Bolinger, Givón, Hopper,
Thompson, Chafe);
à Escola da Holanda (Reichiling e Dik); etc.
1.4.1. Linguística Funcional Centrada no Uso: uma nova tendência
Mais recentemente, surgiu, dentro do funcionalismo, uma nova
tendência: a Linguística Funcional Centrada no Uso. De acordo com
Tomasello (1998, apud FURTADO DA CUNHA, BISPO e SILVA, 2013), essa é
uma tendência de estudos linguísticos que também pode ser denominada
como Linguística Cognitivo-Funcional. Essa corrente é fruto da união das
tradições desenvolvidas pelos estudiosos da Linguística Funcional (Givón,
Hopper, Thompson, Chafe, Bybee, Traugott, Lehmann, Heine e outros) com as
tradições desenvolvidas por estudiosos da Linguística Cognitiva (Lakoff,
Langacker, Fauconnier, Goldberg, Taylor, Croft e outros).
A Linguística Cognitiva, que emerge na mesma época que a Funcional,
considera que o comportamento linguístico é reflexo de capacidades cognitivas
que dizem respeito aos processos de categorização, organização conceptual,
aspectos ligados ao processamento linguístico e, sobretudo, à experiência
humana no contexto de suas atividades individuais, sociointeracionais e
culturais.
23
Nessa perspectiva, as construções linguísticas, tal como outras
habilidades não linguísticas, são concebidas como esquemas cognitivos. O
falante vai adquirindo esse conhecimento à medida que aprende a usar sua
própria língua. A gramática é tida como uma representação cognitiva da
experiência dos indivíduos com a língua, uma vez que aquela é afetada pelo
uso linguístico.
As categorias linguísticas são baseadas na experiência que temos das
construções em que elas ocorrem, da mesma forma que as categorias por
meio das quais classificamos objetos da natureza e da cultura são baseadas na
nossa experiência com o mundo. Acredita-se, assim, que todos os processos
de construções gramaticais são moldados pelo uso da língua.
Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013, p.14) apresentam alguns
pressupostos teórico-metodológicos em comum entre a Linguística Funcional e
a Cognitiva:

Rejeição à autonomia da sintaxe;

Não distinção estrita entre léxico e gramática;



Incorporação da semântica e da pragmática nas análises;
Relação estreita entre a estrutura das línguas e o uso que os falantes
fazem delas em contextos reais de comunicação;
Uso de enunciados reais nas análises linguísticas.
De acordo com Bybee (2010, apud FURTADO DA CUNHA, BISPO E
SILVA, 2013, p.15), a Linguística Funcional Centrada no Uso se propõe a
[...] descrever e explicar os fatos linguísticos com base nas funções
(semântico-cognitivas e discursivo-pragmáticas) que desempenham
nos diversos contextos de uso da língua, integrando sincronia e
diacronia, numa abordagem pancrônica. [...]
De maneira geral, a Linguística Funcional Centrada no Uso estuda
temas relacionados à emergência e também à regularização de padrões
construcionais no nível da proposição, levando em conta fatores fonológicos,
morfológicos e sintáticos, e busca identificar nesses padrões motivações
discursivo-pragmáticas e semântico-cognitivas.
24
De acordo com Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013, p.18), são
temas de estudo de interesse para a Linguística Funcional Centrada no Uso:

Processos de variação e mudança linguísticas, principalmente aqueles

Estrutura argumental e transitividade;

Aspectos funcionais na constituição morfológica de vocábulos e na


relativos à gramaticalização;
Universais e tipologia linguística;
codificação da cláusula.
Elementos organizadores do texto/ discurso no que se refere, por
exemplo,
a
informatividade,
planificação textual.
plano
discursivo,
cadeia
tópica
e
Segundo os mesmos autores (p.18-21), são alguns conceitos-chave
para a Linguística Funcional Centrada no Uso, resumidos a seguir:
a) Cognição – conjunto de operações mentais que promovem a construção
do conhecimento humano a partir do contato do indivíduo com o
ambiente físico e sociocultural em que está inserido.
b) Linguagem – rede complexa de atividades sociocomunicativas e
cognitivas estritamente integrada às demais áreas da psicologia
humana, ou seja, está fundamentada em processos cognitivos,
sociointeracionais e culturais.
c) Discurso – Segundo a definição de Du Bois (2003, apud FURTADO DA
CUNHA, BISPO E SILVA, 2013, p.19), “qualquer ato motivado de
produção e compreensão de enunciados em um contexto de interação
verbal. ” Isso inclui as estratégias sociopragmaticamente orientadas de
sua configuração, em uma determinada situação intercomunicativa.
d) Padrão Discursivo – De acordo com Östman (2005, apud FURTADO DA
CUNHA, BISPO E SILVA, 2013, p.19), diz respeito a um
[...] construto sociocognitivo de comunicação, atualizado em uma
dada configuração textual, que emerge e se ritualiza em contextos
sociocomunicativos específicos nos quais os indivíduos se engajam
cotidianamente.
25
Esse padrão recobre as noções de gênero discursivo e tipo textual. São
exemplos de padrão discursivo: Receitas culinárias, ofícios, conferências
etc.
e) Texto – Locus da manifestação discursiva. É atualizado pela linguagem,
constituindo um todo significativo. Não envolve apenas o modo como se
dá o encadeamento das proposições, mas também as regras que regem
tais proposições para que a estrutura temática e a coerência discursiva
sejam mantidas. (GIVÓN, 1984, apud FURTADO DA CUNHA, BISPO E
SILVA, 2013).
f) Língua – Sistema, ou, estrutura fluida formada, simultaneamente, de
padrões mais ou menos regulares ou estáveis, e de padrões em
permanente emergência, para atender a necessidades comunicativas
e/ou intercomunicativas.
g) Gramática – É definida como (p. 20)
[...] conjunto de esquemas/ processos simbólicos utilizado na
produção e organização de discurso coerente. Desse modo,
configura-se em categorias morfossintáticas rotinizadas1, exibindo
padrões funcionais mais regulares e formas alternativas em processo
de mudança motivada por fatores cognitivo-interacionais.
h) Gramaticalização – Processos de variação e mudança linguística, tanto
no plano do conteúdo (elementos discursivo-pragmáticos/ semânticocognitivos), quanto no plano da forma (elementos morfossintáticos e
fonológicos). Esses processos geram padrões gramaticais que tendem a
se tornar frequentes e a se regularizar.
i) Construção – União de forma e função. Constitui parte do conhecimento
que se tem sobre a língua. De acordo com Furtado da Cunha, Bispo e
Silva (2013, p.21), cada um dos elementos que formam a construção
gramatical
[...] contribui com um componente de significado, os quais [os
elementos] são fundidos de forma: (a) inteiramente inovadora, ou não
especificada, dando origem a construções abertas, como as formadas
por sujeito e predicado; (b) lexicalizada em alguma medida,
produzindo as construções parcialmente especificadas, do tipo
A rotinização refere-se à alta frequência e regularidade com as quais certas estruturas ou
categorias morfossintáticas ocorrem, ocasionando a cristalização destas.
1
26
quanto mais X, mais Y; e (c) totalmente idiomática, gerando as
construções inteiramente especificadas, como vai com Deus!
(FILLMORE, 1985; GOLDBERG, 1995; KAY; FILLMORE, 1999).
Os autores ainda acrescentam que, para a Linguística Funcional
Centrada no Uso, léxico e gramática formam um contínuo que abrange desde
as palavras até as sequências maiores. O que difere as construções lexicais
das sintáticas é o grau de complexidade interna de cada uma delas. Assim, as
fronteiras entre léxico e gramática não são rígidas, mas fluidas.
Um postulado basilar da Linguística Funcional Centrada no Uso é o da
categorização conceptual. Tal categorização é análoga à categorização
linguística. A primeira está relacionada ao conhecimento de mundo do
indivíduo; a segunda, ao conhecimento linguístico.
A categorização conceptual é o processo cognitivo mais básico. Por
meio dela se estabelecem “as unidades da língua, seu significado e sua forma”
(BYBEE, 2010, apud FURTADO DA CUNHA, BISPO E SILVA, 2013, p.15).
Nessa visão, princípios cognitivos e interacionais desempenham um papel
fundamental na mudança linguística, na aquisição e no uso da língua, pois é
essa interação que acaba por moldar a língua. (Cf. FURTADO DA CUNHA,
BISPO E SILVA, 2013, p.15).
As categorias conceptuais são criadas a partir da percepção e da
experiência humanas com o mundo biofísico e sociocultural do indivíduo,
independente da língua que este fale. No campo linguístico, a categorização se
refere
à
semelhança
ou
identidade
entre
palavras
e
sintagmas
e
representações cognitivas armazenadas. Essas categorias são a base do
sistema linguístico. Assim, as estruturas refletem a compreensão acerca dos
domínios abstratos (Cf. FURTADO DA CUNHA, BISPO E SILVA, 2013, p.28).
Cada categoria criada é conceitualizada em termos do representante
prototípico, isto é, o elemento que caracteriza o protótipo. Os demais
elementos são classificados de acordo com as características mais próximas
ou mais distantes do exemplo prototípico. A categorização pode tanto
expressar traços das estruturas conceituais mais gerais, extensivas a todos,
quanto daquelas próprias de cada cultura. Sobre aquela, Furtado da Cunha,
Bispo e Silva (2013, p.29) definem que
27
[...] as coisas percebidas distribuem-se num continuum categorial, em
que alguns elementos localizam-se mais nos polos da escala, com
propriedades conceituais mais ou menos bem definidas, e outros se
situam
em
instâncias
intermediárias,
por
compartilharem
características de uma e outra categoria.
Um exemplo disso pode ser dado com relação à categoria
mamífero: pela nossa experiência, não há dificuldades em classificar
um gato ou um leão como pertencentes a tal categoria, por exibirem
um conjunto de propriedades (morfologia e hábitos) que nos
permitem enquadrá-los nessa classe. Nesse caso, representam,
convencionalmente, protótipos (membros centrais) dessa categoria.
Já em relação a animais como peixe-boi ou morcego, eles não são
facilmente apontados como sendo também participantes da mesma
categoria, visto que, perceptualmente, afastam-se desse modelo,
situando-se num ponto mais periférico, em razão de apresentarem
características que, normalmente, não são associadas aos
mamíferos, tais como possuir nadadeiras e viver na água (no caso do
peixe-boi) ou ter asas e ser voador (no caso do morcego).
De acordo com esses autores, os seres humanos entendem o mundo
não apenas em termos de coisas individuais, mas também em termos de
categorias de coisas. Isso não significa, no entanto, que os conceitos possam
ser tomados como reflexo da realidade externa. A língua, por exemplo, não
serve para rotular as coisas, tampouco é a representação da realidade objetiva,
mas, sim, do modo como essa realidade é percebida e/ou experienciada pelos
humanos.
À concepção que os indivíduos têm do mundo está ligada a existência
dos universais linguísticos. Estes constituem a universalidade dos usos a que a
linguagem serve nas sociedades humanas, ou ainda, são as propriedades
comuns que se manifestam na maioria das línguas naturais. Para Bybee (2010,
apud FURTADO DA CUNHA, BISPO E SILVA, 2013), as condições de uso da
língua são semelhantes de uma cultura para outra, e, desse modo, a
substância e a forma da gramática também serão semelhantes.
Os objetivos e as necessidades comunicativas dos humanos parecem
ser universais. Logo, os universais linguísticos parecem refletir universais
psicológicos e socioculturais. É por isso que existem os universais linguísticos
e que se pode afirmar que existem trajetórias universais de gramaticalização
(Cf. FURTADO DA CUNHA, BISPO E SILVA, 2013, p.16-17).
A Linguística Funcional Centrada no Uso, conforme Furtado da Cunha,
Bispo e Silva (2013), postula que esses universais devem ser procurados na
cognição humana, nos modos como os homens conceitualizam o mundo, e não
28
em categorias ou construções linguísticas particulares. Deve-se, então,
focalizar os processos que criam e mantêm as estruturas linguísticas, e não as
estruturas em si mesmas.
Em vista disso, podem ser identificadas semelhanças entre a
Linguística Funcional Tradicional e a Linguística Funcional Centrada no Uso.
Na realidade, Bybee (2010, apud FURTADO DA CUNHA, BISPO E SILVA,
2013) afirma que a teoria centrada no uso nasceu no funcionalismo norteamericano, sendo, de certa forma, apenas um novo nome para ele.
Entende-se, desse modo, que o funcionalismo não é um campo de
estudos completamente homogêneo, mas abriga diferentes versões. É fato que
todas elas concordam que a análise das formas linguísticas não deve, de modo
algum, ocorrer desvinculada da análise de suas funções. O que distancia as
versões do funcionalismo são os diferentes conceitos e modos de abordagem
aos dados tidos como relevantes a esse campo (Cf. FURTADO DA CUNHA E
SOUZA, 2011, p.10).
1.5. Diferentes funcionalismos
A seguir, serão apresentadas sucintamente algumas características do
funcionalismo europeu, do norte-americano e do brasileiro, este último segundo
os postulados de Ataliba Teixeira de Castilho.
1.5.1. O funcionalismo europeu
Na Escola de Praga realizaram-se as primeiras análises na linha
funcionalista. O Círculo Linguístico de Praga foi fundado em 1926 por
Mathesius, entre as duas grandes Guerras Mundiais. A partir da influência
desse linguista, os estudiosos de Praga desenvolveram uma concepção de
comunicação mais rica do que a de Saussure. Criou-se a perspectiva de
análise conhecida como Perspectiva Funcional da Sentença.
29
Para Mathesius, a comunicação afeta dinamicamente os conhecimentos
e a consciência dos falantes acerca das situações. Dessa forma, o dinamismo
comunicativo se distribui de maneira desigual nos enunciados da comunicação,
comportando uma parte menos dinâmica (tema) e uma parte mais dinâmica
(rema), que são autônomas em relação às funções sintáticas do sujeito e do
predicado. Essas ideias, de acordo com Ilari (2011, p.69) foram retomadas
após a Segunda Guerra Mundial por linguistas como Firbas e Halliday.
Os funcionalistas de Praga “enfatizavam o caráter multifuncional da
linguagem, ressaltando a importância das funções expressiva e conotativa [...]”
(FURTADO DA CUNHA, 2013, p.161). As principais contribuições de seus
estudiosos foram:

Distinção entre as análises fonética e fonológica dos sons;

as noções correlatas de binário e marcado.

a análise dos fonemas em traços distintivos; e
Com relação aos postulados de Saussure, os estudiosos de Praga
faziam oposição à dicotomia sincronia x diacronia e também à ideia de
homogeneidade do sistema linguístico. Dentro dessa tradição, acreditava-se
que a organização sintática da oração é motivada pelo contexto discursivo em
que esta ocorre.
Dentre os que se destacaram na Escola de Praga, está Roman
Jakobson. Para esse linguista, a linguagem tem diferentes funções, associadas
a comportamentos enraizados na vida social que transcendem a mera
transmissão de informações. Em 1931, ele publicou seus Princípios de
Fonologia Histórica, em que ainda apresentava uma visão funcionalistaestruturalista.
Já em seu artigo intitulado Linguística e Poética, publicado em 1970,
Jakobson vai além do estruturalismo ao considerar a língua em uso, e não
apenas sua estrutura, e a interação dos participantes de um ato de fala. Ele
reelaborou a teoria das funções da linguagem proposta por Buhler, a partir da
teoria da comunicação, que considera os participantes da interação. (Cf.
MATTOS E SILVA, 2008, p.71). A seguir estão as funções propostas por
Jakobson no referido artigo e seus respectivos fatores:
30
I – Função referencial  remete ao contexto;
II – Função emotiva ou expressiva  centra-se no remetente;
III – Função conativa  remete ao destinatário;
IV – Função fática  remete ao canal, que é a forma de contato entre os
interlocutores;
V – Função metalinguística  remete ao próprio código;
VI – Função poética  remete à mensagem, ultrapassando, porém, os limites
da poesia.
De acordo com Martelotta (2013), Jakobson propõe o seguinte esquema
para a linguagem:
Segundo Martelotta (2013), para Jakobson, a fim de que haja sucesso
na compreensão da linguagem, não bastam apenas um remetente e um
destinatário. Uma mensagem eficaz requer:
a) Um contexto apreensível pelo destinatário
A noção de contexto inclui todas as informações referentes às condições
de produção da mensagem: o emissor, o destinatário, o tipo de relação
existente entre eles, o local e a situação em que a mensagem é proferida.
Martelotta (2013, p.32) afirma que
[...] a noção de “contexto” remete ao próprio conteúdo referencial da
mensagem, ou seja, às informações que fazem referência à realidade
biossocial que circunda nossa vida e que estão em evidência na
mensagem transmitida, nesse sentido, podemos dizer que as
informações, na prática, nunca se limitam ao conteúdo da mensagem
em si. Ou seja, a interpretação adequada de uma frase pode, por
exemplo, depender de informações transmitidas em frases proferidas
anteriormente (contexto linguístico) ou de dados referentes ao local,
31
ao momento da comunicação ou mesmo ao tipo de relação entre os
interlocutores (situação extralinguística).
b) Um código que seja conhecido por remetente e destinatário
“Código” diz respeito ao conjunto de sinais ou signos convencionados
que servem para promover a comunicação entre as pessoas. As línguas
faladas, bem como suas correspondentes escritas, a língua de sinais, os
painéis de sinalização de trânsito, o código Morse e outros são exemplos de
tipos de código.
c) Um contato ou canal físico e uma conexão psicológica entre remetente e
destinatário que permita a troca de informações
O canal nada mais é que o meio pelo qual a mensagem é transmitida.
Na comunicação verbal presencial, o canal transmissor é o ar, que faz com que
as ondas sonoras se propaguem. Já no caso da comunicação a distância,
pode-se considerar, por exemplo, o telefone.
De acordo com Mattos e Silva (2008), o ponto em comum entre o
funcionalismo de Jakobson e os funcionalismos atuais – alemão, norte-
americano, francês, inglês, brasileiro – é, sem dúvida, o objeto teórico: A língua
em uso nos diversos contextos sociais e sociointeracionais.
A Escola de Praga, com seus linguistas, realizou uma produção muito
rica que influenciou duradoura e profundamente a Linguística.
Dentre as outras escolas do funcionalismo europeu, pode-se citar
também:
Escola de Londres: Movimentada pelas ideias de Michael K. Halliday. Sua
teoria funcional surge na década de 70. Essa Escola traz o conceito amplo de
função, que inclui as funções de enunciados e textos e também as funções de
unidades dentro de uma estrutura. Para Halliday, “a natureza da linguagem,
enquanto sistema semiótico, e seu desenvolvimento em cada indivíduo, devem
32
ser
estudados
no
contexto
dos
papéis
sociais
desempenham.” (FURTADO DA CUNHA, 2013, p.162).
que
os
indivíduos
Escola da Holanda: Representada por Simon C. Dik. Apresenta em sua teoria
um modelo de sintaxe funcional em que as funções de uma sentença são
analisadas em três níveis: função semântica, função sintática e função
pragmática. Segundo Furtado da Cunha (2013) para Dik, o principal interesse
da Linguística funcionalista está nos processos relacionados ao êxito dos
falantes ao se comunicarem por meio de expressões linguísticas.
1.5.2. O funcionalismo norte-americano
Essa designação é dada aos estudos funcionalistas desenvolvidos por
linguistas da Costa Oeste dos Estados Unidos (Bolinger, Givón, Hopper,
Thompson, Chafe e outros.). De acordo com Furtado da Cunha e Souza (2011,
p.21), tal corrente funcionalista segue o seguinte postulado: “a língua é uma
estrutura maleável, sujeita às pressões de uso e constituída de um código
parcialmente arbitrário” (grifo das autoras). Por isso, acredita-se que, para se
compreender o fenômeno sintático, é preciso estudar a língua em uso, pois a
forma é explicada pelas funções mais frequentes que ela exerce na interação.
De acordo com Furtado da Cunha e Souza (2011), o funcionalismo
norte-americano tem como propósito investigar a língua baseada no uso,
considerando o contexto linguístico e a situação extralinguística. A ideia central
dessa Escola é a de que a língua é usada principalmente para a satisfação das
necessidades comunicativas.
Bolinger (1977, apud FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011) foi um
dos precursores dessa Escola. Ele observou que fatores pragmáticos
operavam
em
determinados
fenômenos
linguísticos
estudados
pelos
estruturalistas e gerativistas. Estudou também sobre a pragmática da
ordenação das palavras na cláusula.
A partir da década de 1970, a Linguística Norte-Americana ganha
posição, passando a identificar as pesquisas que têm como cerne analisar a
língua
considerando
tanto
o
contexto
linguístico
quanto
a
situação
33
extralinguística. Por essa abordagem, estuda-se o discurso juntamente com a
gramática, a fim de que se possa entender como a língua se configura, pois,
entre esses dois elementos, há uma relação de simbiose: o discurso molda a
gramática, da mesma forma que a gramática molda o discurso (Cf. FURTADO
DA CUNHA, BISPO E SILVA (2013, p. 14).
Por volta de 1975, houve o boom dos estudos funcionalistas na
literatura norte-americana. Em 1979, Talmy Givón publicou From Discurse to
Syntax, um texto totalmente antigerativista. Seus trabalhos posteriores
caracterizam-se pela busca de parâmetros motivados comunicativa ou
cognitivamente para a explicação de fatores gramaticais.
Para a Linguística Funcional Norte-Americana, a sintaxe nada mais é
do que a regularização de estratégias discursivas que ocorrem com muita
frequência. Dessa forma, segundo Furtado da Cunha e Souza, 2011, p.23),
[...] a gramática tem sua origem no discurso, aqui tomado como um
conjunto de estratégias criativas empregadas pelo falante para
organizar funcionalmente seu texto para um determinado ouvinte em
uma determinada situação de comunicação.
Por essa razão, as mudanças ocorridas e que ainda ocorrerão são
motivadas pelas pressões de uso. Justamente pelo fato de as regras
gramaticais serem modificadas pelo uso é que é necessário observar a língua
como é falada.
Essa Escola propõe, desse modo, que a gramática das línguas naturais
é moldada a partir das regularidades encontradas no uso da língua, isto é, a
codificação morfossintática é, em sua maioria, resultado do uso da língua. Sob
a ótica dessa escola, Furtado da Cunha e Souza (2011) explicam que o
conjunto de convenções designados gramática nada mais é do que o resultado
de motivações de natureza vária, dentre as quais se sobressaem as pressões
de uso.
A gramática de qualquer língua apresenta padrões morfossintáticos
estáveis, que são sistematizados pelo uso, ao lado de mecanismos de
codificação emergentes. Isso significa que fatores de natureza comunicativa e
também cognitiva são os motivadores do surgimento dessas novas estruturas.
34
Desse modo, “a língua está em um processo contínuo de variação e mudança
para atender a necessidades cognitivas e/ou interacionais de seus usuários”
(FURTADO DA CUNHA e SOUZA, 2011, p.22). Por isso, no funcionalismo
norte-americano, considera-se a variação linguística como um estágio da
trajetória de regularização gramatical das formas linguísticas.
Até hoje, a perspectiva funcionalista de linha norte-americana vem
refinando seus princípios teóricos e atualizando os pressupostos com que
investiga os fenômenos. Desde a emergência do funcionalismo até a
atualidade, houve acréscimos e reformulações na base de seus conceitos.
1.5.3. O funcionalismo brasileiro
Muito embora o formalismo e o funcionalismo tenham se fixado
fortemente na Linguística Brasileira, os estudos funcionalistas são mais
recentes.
No Brasil, o funcionalismo emergiu a partir da década de 80. Ilari foi um
dos pioneiros nos estudos funcionalistas no país, com a publicação de
Perspectiva Funcional da Frase Portuguesa (1987). Seguindo os pressupostos
da Escola de Praga, trabalhou o dinamismo comunicativo em termos de tema e
rema.
Outro notável nome nos estudos funcionalistas no Brasil é o de Ataliba
T. de Castilho. Segundo Mattos e Silva (2008, p.73), Castilho poderia ser
considerado o “pai do funcionalismo no Brasil”. Em sua gramática (2014) ele
propõe um estudo funcionalista da língua, em que esta última é constituinte de
um conjunto de processos mentais, estruturantes, diferente do que faz a
gramática tradicional. Defende uma teoria multissistêmica da língua, isto é,
uma teoria modular segundo a qual há simultaneamente em todo enunciado
linguístico quatro formas de estruturação: lexical, sintática, semântica e
discursiva, cada uma delas ativada, desativada ou reativada pelo falante ao
mesmo tempo em que as outras no discurso.
O autor aplica em seus estudos a ciência do caos, ou ciência dos
sistemas complexos, cujos elementos são dinâmicos e se comportam de
maneira parcialmente imprevisível ou altamente irregular. Apresentam um tipo
35
de ordem sem periodicidade, com fluxo contínuo de mudança. Para ele, as
línguas são, então, um conjunto de atividades mentais, pré-verbais,
organizáveis em um multissistema operacional.
Castilho tem uma visão da língua que está mais próxima da abordagem
cognitivista, segundo a qual a língua se fundamenta em um aparato cognitivo.
Para representar os sistemas em sua teoria multissistêmica funcionalistacognitivista, Castilho (2014, p.69) propõe o seguinte esquema:
Figura 01: Os sistemas de que é feita a língua, segundo a teoria multissistêmica
funcionalista cognitivista (CASTILHO, 2014)
Os
sistemas
independência
uns
expostos
em
relação
na
figura
aos
são
outros.
conceituados
Isso
significa
em
que
sua
são
interdependentes e um não governa o outro, embora haja interfaces entre eles.
Castilho (2014, p. 69-81) apresenta os postulados de sua teoria
multissistêmica funcionalista-cognitivista, que seguem de maneira sucinta:
a) A língua se fundamenta num aparato cognitivo
As categorias de pessoa, coisa, espaço, tempo, movimento, visão,
qualidade, quantidade, entre outras, são representadas nas estruturas das
línguas naturais. Ainda que essa representação mude de língua para língua, e
até mesmo dentro de uma mesma língua, ao longo de seu percurso histórico,
36
as categorias linguísticas permanecem, posto que são atributos inerentes à
raça humana.
Muito embora essa teoria traga em seu nome o cognitivismo,
diferencia-se deste em alguns aspectos. De acordo com Silva (1997, p. 61
apud CASTILHO, 2014, p.69), o cognitivismo não concebe:
[...] (i) “a existência de um nível estrutural ou sistêmico de significação
linguística [...] distinto do nível em que o conhecimento do mundo
está associado às formas linguísticas”; (ii) a arbitrariedade do signo;
(iii) a afirmação de que as categorias linguísticas são discretas e
homogêneas; (iv) “a ideia de que a linguagem é gerada por regras
lógicas e por traços semânticos ‘objetivos’ ”; a autonomia e nãomotivação semântica e conceptual da sintaxe.
b) A língua é uma competência comunicativa
Para Castilho (2014), “competência comunicativa” não diz respeito à
teoria da comunicação veiculada na década de 60, mas está muito mais ligada
à própria etimologia do termo: comunicare = comungar. A competência
comunicativa é entendida como a habilidade de se veicular conteúdos
informativos, expressar sentimentos pessoais e instruções a serem seguidas.
Assim, são atribuídas três funções à língua: i) opera constantemente sobre
categorias cognitivas e semânticas, criando significados; ii) é processamento
da informação e é capaz de se referir à situação de fala e ao próprio texto que
está sendo criado; iii) é considerada como a articulação discursiva mais
fundamental, manifestando-se na interação social por meio da conversação.
Conforme Castilho (2014), tal entendimento da língua está exposto na
teoria da articulação tema-rema, desenvolvida por linguistas da Escola de
Praga. Nessa teoria, a sentença é composta por duas partes: o rema, que é a
parte altamente informativa e codificada habitualmente como o verbo e seus
argumentos (predicado); e o tema, que é a parte com baixa informatividade,
codificada habitualmente como sujeito. Os linguistas de Praga entendiam tema
e rema como categorias, dado que eles tomavam a entonação como ponto de
partida na constituição da gramática (Cf. CASTILHO, 2014, p.72).
37
c) As estruturas linguísticas não são objetos autônomos
Essa é uma característica que vai contra ao que é postulado pela
perspectiva formalista de análise da língua. Isso porque o postulado da teoria
multissistêmica funcionalista-cognitivista consiste na afirmação de que as
estruturas da língua:

São flexíveis, permeáveis às pressões de uso e combinam padrões

não são de todo arbitrárias;

morfossintáticos estabilizados com estruturas emergentes;
são dinâmicas e podem sofrer reelaborações constantes, por meio do
processo de gramaticalização.
d) As estruturas linguísticas são multissistêmicas
Nesta percepção de língua, esta é tomada, ao mesmo tempo, como um
conjunto de processos e como um conjunto de produtos. Assim, de acordo com
Castilho (2014, p.77):
(1)
Do ângulo dos processos, as línguas serão definíveis como um
conjunto de atividades mentais, pré-verbais, organizáveis em um
multissistema operacional.
Os processos que organizam as línguas entendidas em seu
dinamismo operam (i) simultaneamente, não sequencialmente; (ii)
dinamicamente (não são entidades estáticas); (iii) multilinearmente
(não são entidades unilineares).
A língua enquanto processo pode ser razoavelmente articulada em
quatro domínios: (1) lexicalização, (2) discursivização, (3)
semantização e (4) gramaticalização.
[...]
(2)
Do ângulo dos produtos, as línguas serão apresentadas como
um conjunto de categorias igualmente organizadas num
multissistema.
A língua-enquanto-produto é um conjunto de categorias agrupadas
em quatro sistemas: (1) léxico, (2) discurso, (3) semântica e (4)
gramática.
O autor afirma, com relação aos sistemas referentes à “língua-
enquanto-produto”, que um não depende do outro, nem há hierarquia ou
determinação entre eles. Também não se concebe que existam sistemas
centrais ou periféricos: Todos têm igual relevância. Desse modo, qualquer
38
expressão
linguística
traz,
ao
mesmo
discursivas, semânticas e gramaticais.
tempo,
características
lexicais,
e) A língua é pancrônica
Nesta abordagem, o conceito básico de pancronia substitui a dicotomia
Saussureana diacronia x sincronia, e está diretamente ligado ao uso que se faz
das línguas. “E como os usos se entroncam em práticas sociais,
antropológicas, eles arrastam o passado para o presente.” (CASTILHO, 2014,
p.77-78)
f)
Um dispositivo sociocognitivo ordena os sistemas linguísticos
Castilho (2014) vem chamando de dispositivo sociocognitivo a
articulação dos processos e produtos linguísticos captados pelos sistemas do
léxico, do discurso, da semântica e da gramática esse dispositivo, segundo ele,
é explicitável pelos princípios de ativação, desativação e reativação de
propriedades. Isto significa que, conforme esse dispositivo, o falante ativa,
desativa e reativa propriedades semânticas, lexicais, gramaticais e discursivas
quando cria enunciados. Sobre tais princípios, Castilho afirma que são
cognitivos pelo fato de se fundamentarem em categorias e subcategorias
cognitivas (Ex: Categoria PESSOA – subcategorias dêiticas ou mostrativas
etc.; categoria ESPAÇO – subcategorias espaço referencial/ espaço mental,
posição no espaço, horizontalidade/ verticalidade/ transversalidade, distância/
proximidade etc.; categoria TEMPO – subcategorias posição no tempo
[passado/ presente/ futuro], distância/ proximidade no tempo [remoto/ próximo]
etc.), que não são exclusivas ou negativas, mas problemáticas e integrativas; e
também são sociais, visto que são baseados na análise continuada das
situações que ocorrem na conversação, sendo esta a atividade linguística
básica.

Sobre os princípios citados, Castilho (2014) apresenta o que segue:
Princípio da ativação – É a projeção pragmática. O falante tenta prever
os movimentos verbais do interlocutor, a fim de antever se já pode entrar
39
no curso da fala, colaborando, assim, para a manutenção do turno
conversacional.
Ativam-se
as
propriedades
lexicais,
semânticas,
discursivas e gramaticais (i – princípio da correção; ii – inserção de


tópico novo).
Princípio da reativação – é a correção, que diz respeito tanto à
autocorreção quanto à heterocorreção (mudança de rumo).
Princípio da desativação – é a elipse. Consiste basicamente no
abandono de propriedades que estavam sendo ativadas. Abandona-se
uma estratégia em curso e, consequentemente, ativa-se outra. Castilho
propõe que a desativação se fundamenta na estratégia conversacional
da despreferência, “que consiste em verbalizar o que não é esperado,
violando-se o princípio da projeção pragmática. Isso ocorre quando
respondemos a uma pergunta com outra pergunta, quando recusamos
um convite etc.” (MARCUSCHI, 1983/ 2009, apud CASTILHO, 2014, p.
80).
Castilho
simultaneamente,
sequencialmente.
(2014)
por
justifica
que
acumulação
de
esses
três
impulsos,
princípios
mas
não
operam
operam
Considerando o que foi exposto acerca dos ‘funcionalismos’, pode-se
dizer que entre o europeu, o norte-americano e o brasileiro existem diversas
semelhanças. Todas essas teorias funcionalistas, além daquelas que não
foram abordadas, tratam a linguagem como um instrumento de comunicação
que não pode ser compreendido sem considerar os fenômenos associados ao
seu uso em contextos concretos de comunicação (Cf. MARTELOTTA E
ALONSO, 2012, p.95).
1.6. Alguns conceitos basilares do funcionalismo
Em comum, todos os ‘funcionalismos’ têm, além da preocupação em
dar conta dos usos linguísticos, a adoção do discurso e da semântica como
componentes centrais de uma língua. Assim, o discurso e a semântica são o
ponto de partida e a gramática, o de chegada (Cf. CASTILHO, 2014, p. 68).
40
Além disso, têm princípios e categorias que consideram de muita importância
dentro dessa abordagem teórica. A seguir, estão alguns deles.
1.6.1. Gramaticalização
De uma maneira simples, pode-se afirmar que a gramaticalização é um
processo unidirecional por meio do qual itens lexicais e construções sintáticas,
em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais, e mesmo
quando gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais,
e que pode se realizar em todas as línguas conhecidas. (Cf. FURTADO DA
CUNHA, 2013, p. 173).
Os
itens
lexicais
identificam
“categorias
prototípicas,
cujas
propriedades fazem referência a dados do universo bio-psíquico-social,
designando
entidades,
ações,
processos,
estados
e
qualidades”
(GONÇALVES, LIMA-HERNANDES e CASSEB-GALVÃO, 2007, p. 17) e os
gramaticais, Segundo Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão(2007, p.
17),
[...] categorias prototípicas, cujas propriedades cuidam de organizar,
no discurso, os elementos de conteúdo, por ligarem palavras, orações
e partes do texto, marcando estratégias interativas na codificação de
noções como tempo, aspecto, modo, modalidade etc.
Por meio do processo de gramaticalização, as unidades linguísticas
sofrem alterações de propriedades sintáticas, semânticas e discursivo-
pragmáticas e têm seu estatuto categorial alterado. O surgimento de novas
funções para formas já existentes e vice-versa está fortemente ligado à noção
de gramática emergente. Pelo fato de a língua ser uma atividade no tempo real,
não
há
gramática
gramaticalização
como
produto
acabado,
mas,
sim,
constante
Bagno (2012), como ele próprio afirma, define “de modo muito
grosseiro”, em sua gramática pedagógica, ‘gramaticalização’ como “a produção
de novos recursos gramaticais a partir de (re)processamentos cognitivos, por
parte dos falantes, impostos aos recursos gramaticais já existentes”. Segundo
esse autor (p.170),
41
[...] a gramática da língua se forma a partir dos usos que os falantes
fazem dos recursos verbais que estão à sua disposição no sistema.
Se esses recursos se revelam insuficientes, os falantes, em
sociedade, criam novos recursos, quase sempre através de
reestruturações, ressignificações, reinterpretações e reanálises dos
recursos já existentes. [...]
Quanto mais frequente é a ocorrência da forma linguística, maior a
probabilidade de ela se gramaticalizar.
Para Martelotta, Votre e Cezario (1996), a gramaticalização “leva itens
lexicais e construções sintáticas a assumir funções referentes à organização
interna do discurso ou a estratégias comunicativas”(p.45). Desse modo, o
elemento que passa por esse processo pode se tornar mais gramatical,
assumindo posições mais fixas na cláusula e apresentando-se mais previsível
em relação ao seu uso.
A partir da concepção que têm sobre gramaticalização, esses autores
relacionam esse processo a sete tipos de mudança linguística (p.47-48):
a)
A trajetória de elemento linguístico do léxico à gramática, que
compreende, por exemplo, a passagem de verbo pleno a verbo
auxiliar, como ocorre com o verbo de movimento ir (de perto para
longe do falante), que passa a designar futuro como auxiliar.
b)
A trajetória de vocábulo a morfema, que ocorre, por exemplo,
com a passagem de amar + hei > amareie tranquila + mente >
tranquilamente.
c)
A trajetória de elemento linguístico da condição de menos
gramatical (ou menos regular) para mais gramatical (ou mais regular),
como acontece, por exemplo, com seja > seje e menos > menas,
por influência forte da analogia.
d)
A trajetória de elemento linguístico de mais referencial a menos
referencial, caracterizada pela perda de significação de referentes
extralinguísticos e aquisição de significados baseados em dados
pragmáticos, relativos à organização interna dos argumentos no
texto, como ocorre com o operador argumentativo logo, que
inicialmente apresentava valor de advérbio espacial (do latim locu-),
passando, posteriormente, a assumir função argumentativa como
conjunção conclusiva.2
e)
A trajetória que leva uma construção sintática a se especializar
em expressar função gramatical, como, por exemplo, a construçãoverbo sujeito, que funciona como introdutora de informação nova e de
sujeito não-tópico.
f)
A trajetória dos processos de repetição do discurso, no âmbito
da criação e da intenção, em direção à gramática, através de sua
regularização e sistematização.
g)
A trajetória que leva construções negativas relativamente livres
a se tornarem mais fixas em função de estratégias discursivas
determinadas.
2
A partir do item d), os autores não apresentam mais exemplos.
42
Ainda
de
acordo
com
gramaticalização envolve os níveis:
o
que
acreditam
esses
autores,
a

Cognitivo – tendência no uso de elementos do mundo concreto para o

Pragmático – intenção genérica do falante de usar um elemento


abstrato;
conhecido pelo ouvinte a fim de que ele compreenda melhor o sentido
novo expressado/ facilitar a compreensão do ouvinte.
Semântico – conhecimento por parte dos interlocutores dos significados
originais das palavras envolvidas. Se isso não ocorrer, é possível que o
sentido novo não seja apreendido pelo ouvinte.
Sintático – aspectos que propiciam a gramaticalização e que são
responsáveis pelo fato de a mudança tomar efetivamente um caminho e
não outro.
Além disso, de acordo com Votre (1996), o movimento de
gramaticalização é contínuo e irreversível. Pode até ser retardado ou
acelerado, mas nunca reprimido ou dirigido.
Há algumas controvérsias no que tange ao termo gramaticalização.
Segundo Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão (2007), esse é o termo
mais usado, e está mais relacionado à perspectiva diacrônica de estudo,
dividindo espaço com o termo gramaticização (Hopper, 1991; Givón, 1975;
Matisoff, 1991), que está mais aproximado à perspectiva sincrônica.
Ainda segundo esses autores, há termos utilizados inadequadamente
como sinônimos de gramaticalização, como reanálise, sintaticização, bleaching
semântico, enfraquecimento semântico, fading semântico, condensação, entre
outros, que, na verdade, identificam apenas suas características semânticas
e/ou sintáticas (Cf. Heine et al., 1991a, apud GONÇALVES, LIMAHERNANDES e CASSEB-GALVÃO, 2007).
Dentre os vários sentidos para os quais o termo ‘gramaticalização’ tem
sido utilizado, Martelotta, Votre e Cezario (1996) adotam o que diz respeito a
um processo unidirecional em que tanto itens lexicais quanto construções
sintáticas passam a assumir, em certos contextos, funções gramaticais, e, isso
ocorrido, ainda continuam a desenvolver novas funções gramaticais.
43
Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991, apud PINTO, ALONSO E
CEZARIO, 2013) afirmam que a noção de se explicar as mudanças sintáticas a
partir do processo de abstratização de um item lexical mais concreto remonta
ao século XVIII. Alguns linguistas consideram Horne Tooke o pioneiro nos
estudos de gramaticalização, com sua publicação, em 1786, de um trabalho no
qual explicava que o mistério das palavras pode ser desvendado por meio do
estudo etimológico (Cf. PINTO, ALONSO E CEZARIO, 2013, p.42).
A concepção de estudos de gramaticalização tal como se conhece hoje
tem como figura central o francês Antoine Meillet. A ele é atribuído o primeiro
uso do termo gramaticalização, no artigo L’évolution des formes grammaticales,
de 1912, referindo-se à “passagem de uma palavra autônoma à função de
elemento gramatical” (MEILLET, 1912, p. 131 apud GONÇALVES, LIMAHERNANDES e CASSEB-GALVÃO, 2007, p.19-20). Reconhece-se, no
entanto, que trabalhos nesse sentido foram identificados em momentos
anteriores.
Nos primeiros estudos de Meillet (1912, apud GONÇALVES, LIMA-
HERNANDES
e
CASSEB-GALVÃO,
2007),
pôde-se
depreender,
primeiramente, a ideia de gramaticalização como uma ferramenta da
Linguística Histórica, que buscava explicar as origens e as mudanças típicas
envolvendo morfemas gramaticais. Entretanto, de acordo com Gonçalves,
Lima-Hernandes e Casseb-Galvão (2007), pela identificação e exemplificação
de tipos de palavras fornecidas por ele próprio, pode-se cogitar a possibilidade
de se conceber a gramaticalização como um processo sincrônico. Nesse artigo,
Meillet distinguia três classes de palavras:

Principais (nomes, adjetivos, verbos e complementos circunstanciais);

gramaticais (preposições, conjunções e auxiliares).

acessórias; e
Na perspectiva diacrônica, as palavras acessórias e as palavras
gramaticais podem se desenvolver de palavras principais. Já na sincrônica, as
palavras acessórias e/ou gramaticais e sua forma-fonte principal podem
conviver num mesmo recorte de tempo. De acordo com Meillet (1912, apud
44
GONÇALVES, LIMA-HERNANDES e CASSEB-GALVÃO, 2007), há entre
essas três classes de palavras uma transição gradual.
Além do termo ‘gramaticalização’, Meillet introduziu uma visão moderna
desse fenômeno. Segundo Meillet, novas formas podem surgir por meio de
inovação analógica que não interfere no sistema geral das línguas, ou pela
própria gramaticalização, que modifica todo o sistema, promovendo o
surgimento de novas categorias. Formulou também a hipótese de que há um
contínuo do concreto para o abstrato, já que alguns usos gramaticais derivaram
de usos lexicais que, por causa de sua exaustiva repetição, perderam força.
(Cf. PINTO, ALONSO E CEZARIO, 2013, p.42).
Muito embora se possa afirmar que seus estudos tiveram início bem
antes do século XX, a gramaticalização difundiu-se como paradigma apenas no
final da década de 1980. Até 1970, usava-se a gramaticalização apenas para
observação da mudança e reconstituição da história de uma língua ou um
grupo de línguas. A partir de 1970, com a publicação dos estudos
funcionalistas norte-americanos, houve uma grande mudança nesse sentido, e
a gramaticalização passa, então, a ser vista como uma possível explicação
para a sintaxe sincrônica. É de Givón a conhecida frase no âmbito funcionalista
de que “a sintaxe de hoje é o discurso pragmático de ontem” (Cf. PINTO,
ALONSO E CEZARIO, 2013, p.42-43).
Já nos anos de 1980, a gramaticalização passou a ser modelo teórico,
pretendendo “fundamentar a análise sincrônica na diacronia e relacionar a
sintaxe a fatores semântico-pragmáticos, além de se ocupar da formação e
renovação da gramática das línguas.
De acordo com Pinto, Alonso e Cezario (2013), até a metade dos anos
1990 discutia-se se a unidirecionalidade no processo de gramaticalização
poderia ser utilizada para justificar mudanças nos níveis semântico,
morfossintático e gramatical. No fim dessa década, a discussão era se, de fato,
a unidirecionalidade teria um papel relevante no processo. Alguns autores
chegaram a questionar a unidirecionalidade, criando teorias como a
degramaticalização (mudança da gramática para o léxico, e não ao contrário).
Entretanto,
pode-se
afirmar
que
os
casos
desfavoráveis
à
unidirecionalidade são quase insignificantes em face do imenso número de
casos de unidirecionalidade amplamente atestados com vários exemplos em
45
diferentes línguas. Inclusive, segundo Pinto, Alonso e Cezario (2013), a partir
de um estudo realizado por Lehmann, em 1988, acerca dos tipos de ligação
entre as cláusulas, as concepções de gramaticalização e unidirecionalidade
começaram a se expandir para o nível oracional.
Na atualidade, há um crescente número de trabalhos voltados para a
Gramática das Construções. A gramaticalização de construções é um processo
que envolve uma unidade maior que o léxico, ou seja, não apenas uma
palavra, mas toda a estrutura em determinado contexto. A partir do estudo da
gramaticalização das construções, Hopper e Traugott (2003, apud PINTO,
ALONSO E CEZARIO 2013, p.50) redefinem o termo ‘gramaticalização’ como
“a mudança por meio da qual itens lexicais e construções, em certos contextos,
passam a exercer funções gramaticais e, uma vez gramaticalizadas, continuam
a desenvolver novas funções mais gramaticais.”
As principais escolas dos estudos em gramaticalização são a alemã,
representada por Lehmann, Heine, Claudi, Hünnemeyer; e a norte-americana,
nascida na Costa Oeste dos Estados Unidos, representada por Givón, Hopper,
Traugott, Bybee, Pagliuca e outros.
Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão (2007) apresentam
resumidamente as visões de alguns estudiosos no tocante à gramaticalização.
Segundo esses autores, Lehmann (1995 [1982]) concebe a gramaticalização
como um processo de morfologização, que pode levar à mudança de estatuto,
não só do lexical, para o gramatical, mas também do menos para o mais
gramatical.
Heine (1991a) assume a mesma linha. Traugott e Heine (1991)
postulam que termo gramaticalização se refere a um processo linguístico tanto
diacrônico quanto sincrônico de organização categorial e de codificação.
Anteriormente, remetia-se a processos unicamente diacrônicos. E há
estudiosos que privilegiam somente a sincronia. Isso depende da perspectiva
adotada. Hopper e Traugott (1993) propõem o seguinte cline de mudança: Item
de conteúdo  palavra gramatical  clítico  afixo flexional.
Ainda de acordo com Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão
(2007), no que diz respeito à direção da mudança, alguns autores investigam o
processo de gramaticalização do discurso para a sintaxe. Givón (1979), por
exemplo, apresenta o seguinte esquema de mudança: Discurso  sintaxe 
46
morfologia  morfofonêmica  zero. Ele prefere o uso do termo sintetização
em vez de gramaticalização, já que o discurso, sendo um modo não-planejado
de comunicação informal, passa também a favorecer a emergência de novos
modelos gramaticais.
Extrapolando os módulos do léxico e da morfologia,
Givón introduz o discurso como parâmetro maior para o entendimento da
estrutura da língua, em geral, e o desenvolvimento de estruturas e categorias
gramaticais.
Embora de “escolas diferentes”, todos esses estudiosos citados por
Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão (2007):

Diferenciam itens lexicais, signos linguísticos plenos, classes abertas de
palavras, lexemas concretos, palavras principais; de itens gramaticais,
que são signos linguísticos “vazios”, classes fechadas de palavras,

lexemas abstratos, palavras acessórias.
Consideram que os itens gramaticais tendem a se originar dos lexicais.
E os itens gramaticais podem vir a se tornar ainda mais gramaticais, e
mais restritos/fixos. (Cf. GONÇALVES, LIMA-HERNANDES e CASSEBGALVÃO, 2007, p.19-20).
Quando se fala em gramaticalização, deve-se considerar que há uma
diversidade de abordagens, termos e tendências. Por isso, segundo
Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão (2007), a gramaticalização
ainda não está constituída como paradigma explanatório definitivo. Conforme
esses autores, ela pode ser vista como:

Paradigma: quando focaliza a maneira como formas gramaticais e

processo: quando se detém na análise e identificação de itens que se

construções surgem e como são usadas; ou
tornam mais gramaticais.
Pode ainda ser considerada como:
Diacrônica: quando o estudo é voltado para a explicação de como as
formas gramaticais surgem e se desenvolvem na língua ao longo do
tempo;
47

sincrônica: quando o estudo é voltado para a identificação de graus de
gramaticalidade que uma forma linguística desenvolve a partir dos
deslizamentos funcionais a ela conferidos pelos padrões fluidos de uso
da língua (enfoque discursivo-pragmático) em um recorte de tempo.
Combinando-se as perspectivas diacrônica e sincrônica, tem-se o
estudo pancrônico da língua.
Para Martelotta (2011, p. 108-112), existem algumas motivações para a
gramaticalização. Dentre as motivações comunicativas, estão:
a) A necessidade de expressar domínios abstratos da cognição em termos de
domínios concretos, com o intuito de facilitar o entendimento do ouvinte
acerca da percepção que o falante tem das coisas do mundo. Conforme
Martelotta (2011, p. 109):
As informações mais abstratas provêm de uma realidade não perceptível
pelos sentidos, sendo, portanto, mais difíceis, não apenas de serem
conceptualizadas pelo indivíduo, como também de serem transmitidas
para os interlocutores.
b) a negociação do sentido por falante e ouvinte no ato da comunicação;
c) a tendência dos ouvintes para selecionar estruturas ótimas;
d) a tendência dos falantes para usar expressões novas e extravagantes,
buscando-se a expressividade, fugindo-se do que é óbvio ou corriqueiro.
e) a iconicidade, a marcação e a frequência.
Não há total consenso quanto aos mecanismos de mudança referentes
ao processo de gramaticalização, e os estudiosos apontam alguns. Dentre
esses, dois mecanismos muito importantes são a metáfora e a metonímia.
O primeiro refere-se à abstratização crescente e unidirecional, em que
conceitos que estão próximos da experiência humana são utilizados para
expressar algo mais abstrato, e, por isso, mais difícil de ser definido. Já o
segundo diz respeito aos processos de mudança por contiguidade, gerados no
contexto sintático.
48
1.6.2 Metáfora
Para
Bagno
(2012),
dos
processos
cognitivos
envolvidos
na
gramaticalização, a metáfora, que, do grego, segundo ele, quer dizer
“transporte para outro lugar”, é o mais importante. A metáfora é um processo
mental que consiste na transferência de uma palavra de um domínio semântico
para outro, partindo de um sentido concreto para outros cada vez mais
abstratos. Essa transferência em gramaticalização, segundo o mesmo autor,
acontece “primordialmente pela transferência de elementos do léxico para
a gramática, da coisa para a não-coisa, do universo empírico para o
universo do discurso, do sensível para o cognoscível” (p.172 [grifo do
autor]).
A metáfora, segundo Martelotta, Votre e Cezario, (1996, p.50) permite ao
homem compreender o mundo das ideias em função do mundo concreto. Os
conceitos aprendidos pelo homem resultam de seu contato com o mundo
concreto.
Segundo Votre (1996), a linguagem usual é essencialmente metafórica:
Quase nunca se criam novas formas, mas, sim, novos significados para formas
já existentes, de forma contínua, e isso ocorre em todas as classes lexicais.
Para esse autor, o processo metafórico é um “forte candidato a princípio
universal de mudança linguística” (1996, p.35).
As metáforas são encontradas abundantemente na língua falada e na
língua escrita, utilizadas por todas as pessoas, e não apenas pelos poetas,
como se poderia pensar. Ocorre que algumas metáforas estão de tal forma
cristalizadas na língua que se tornam corriqueiras e passam despercebidas.
Bagno (2012) propõe que a metáfora é encontrada no discurso em três níveis
de profundidade:

Na superfície do texto, por meio de comparações, usos figurados, jogos

no léxico, uma vez que os usos atuais das palavras são quase sempre
de palavras etc.;
derivações de seus étimos. Um exemplo de metáfora relativa ao étimo é
o verbo estar, objeto de análise desta dissertação. Esse verbo tem sua
origem no latim, stare, que significa “ficar de pé”;
49

na gramática, considerando-se que muitos dos elementos gramaticais
encontrados atualmente na língua tiveram sua carga semântica
enfraquecida e sofreram erosão fonética, ou mesmo abandonara a
função que exerciam outrora, por perderem sua significação, assumindo
nova(a) função(ões).
Bagno (2014, p,174) afirma que o processo cognitivo de metaforização
segue sempre um mesmo linear, isto é, um mesmo caminho: “do real para o
virtual, do mundo que podemos apreender com nossos sentidos para o
mundo apenas inteligível” (grifo do autor). Tal linear se manifesta das
seguintes formas:
a) Do concreto para o abstrato: É o caso dos verbos ser e estar, por exemplo,
que, originalmente, tinham um sentido estritamente concreto, mas que
assumiram sentido abstrato ao longo do tempo, sendo usados apenas com
esse sentido abstrato atualmente. Conforme Bagno (2012, p. 174-175):
[...]
(d) ESTAR  em latim, stare era ‘estar de pé’. Daí, por extensão de
sentido, algo que pode se mover, que não é permanente. Da
diferença entre ‘estar sentado’ e ‘estar de pé’ é que provem a
distinção que fazemos entre ser e estar quando dizemos que uma
pessoa é doente ou que está doente.
[...]
(l) SER  em latim, o verbo sedere, origem do nosso ser, significava
‘estar sentado’. Daí provém sede, ‘o assento’, que também está na
origem de sé, ‘a cadeira do bispo’, sedentário, ‘aquele que está
sempre sentado’ etc. [...]
b) Do espaço para o tempo: é o caso de palavras que indicavam situação física
concreta e que passaram a designar situação imaginária, abstrata ou tempo,
passando para dentro do discurso, como logo, que funciona como advérbio e
conjunção; onde, pronome que vem sendo utilizado para indicar tempo; a
própria palavra espaço; e o verbo ir, que, de acordo com Bagno (2012), é um
dos melhores exemplos de gramaticalização, uma vez que, originalmente,
expressa ‘deslocamento espacial’, e que tornou-se, em inúmeras línguas, uma
partícula gramatical muito usada, com os mais diversos valores, dentre eles o
de tempo, relação que, segundo o autor, é encontrada em praticamente todas
as línguas do mundo.
50
c) Do mundo empírico para o mundo do discurso: É o caso de palavras que, a
princípio referem-se a elementos do mundo real, e que passam a ser usadas
como organizadores do fluxo discursivo. É o caso de aí, onde, nisso e outros. A
esse fenômeno, especificamente, dá-se o nome de discursivização.
d) Do léxico para a gramática: É o caso das palavras autônomas que se tornam
elementos gramaticais. Bagno (2012) afirma que, para muitos linguistas, estes
são casos de gramaticalização por excelência, são clássicos desse fenômeno.
Essas palavras têm seu conteúdo semântico enfraquecido e, por perderem sua
autonomia, transformam-se em elementos gramaticais, de modo a se tornarem
morfemas presos e se transformarem em regra obrigatória. Além disso, tais
palavras também são passíveis de sofrer erosão fonética, ou seja, podem
perder material sonoro em razão de seu uso intenso. Um dos exemplos
apresentados por Bagno (2012, p. 180-181) acerca desse fenômeno é:

O verbo estar é um dos mais empregados na língua, junto com
ser e ter. Além de seu sentido pleno, também é amplamente
usado como auxiliar, ou seja, como partícula gramatical, e
como marcador conversacional (tag question no final de
enunciados: “me espera um minutinho aí, tá?”). Assim, na fala
espontânea, seu infinitivo se reduz a tá, erosão fonética que
também atinge sua conjugação nos tempos usados com maior
frequência: eu tô, cê tá, eu tive, eu tava. Com isso, ele se torna
monossilábico no infinitivo, uma característica dos verbos mais
usados na língua (e em todas as línguas do mundo): ser, ter,
dar, ver, vir, ir. [...]
Dentre os diversos exemplos de palavras lexicais que passam a ser
gramaticais, pode-se citar os artigos, que não existiam no latim, mas que
surgiram em todas as línguas românicas. Eles são o resultado da
gramaticalização dos demonstrativos latinos:
LATIM
illu
illos
illa
illas
ESPANHOL
el
los
la
las
PORTUGUÊS
o
os
a
as
De acordo com Bagno (2012), os artigos existentes em determinadas
línguas são sempre provenientes de demonstrativos.
51
Outro caso clássico de gramaticalização é o do pronome você, que,
para chegar ao que é, passou por enfraquecimento semântico, extensão
pragmática, erosão fonética e fixação morfossintática. De vossa mercê chegou
ao que se conhece hoje, passando por estágios como vossemecê, vosmecê,
vassuncê, vancê e outros. O autor salienta que, no português brasileiro, esse
pronome já apresenta cliticização. Isso porque ele se reduziu a cê, quando
exerce a função de sujeito, ocorrendo exclusivamente em próclise ao verbo: cê
foi, cê sabe, cê gosta?. Em algumas regiões, outra variante usada como cê é
ocê.
Há forte influência da metáfora também no uso de palavras ou
expressões que fazem referência ao corpo humano e suas partes, já que o
corpo é “o primeiro e principal meio de contato físico com o mundo exterior. ”
(BAGNO, 2012, p.185), o que vai ao encontro do afirmado por Votre (1996),
segundo o qual o corpo humano é fonte natural de todo processo metafórico. O
uso de tais expressões gera, assim, itens gramaticais. É o caso da palavra
frente, do latim fronte-, que forma em frente a, de frente a, enfrentar etc. nessa
categoria também estão as catacreses, algumas medidas (palmo, polegada,
pés, braça etc.) e outros que trazem palavras e expressões desse tipo com
sentido metafórico.
Segundo Heine et alii (1991, apud MARTELOTTA, VOTRE e
CEZARIO, 1996, p.50; BAGNO, 2012, p. 185), o processo metafórico é
unidirecional. A sequência de metaforização das partes do corpo, de acordo
com Heine é:
PESSOA  OBJETO  ESPAÇO  TEMPO  PROCESSO  QUALIDADE
(EX: boca – boca-de-lobo – boca do rio – boca da noite – meia-boca.)
Nessa escala, qualquer um dos elementos pode ser utilizado para
conceptualizar qualquer outro à sua direita.
A esse respeito, Martelotta, Votre e Cezario (1996, p. 51) afirmam o
seguinte:
O fato que se manifesta de modo universal nas línguas humanas de
que, por exemplo, partes do corpo se gramaticalizam em objetos e
noções espaciais, em noções temporais, e não vice-versa, demonstra
que a gramaticalização tende a se processar num crescente de
abstraticidade.
52
Existem outros tipos de metaforização além daquele que parte do
corpo do indivíduo. Votre (1996, p. 34) lista o que lhe parecem ser os vínculos
mais comuns entre o significado original e o novo significado, dele derivado:
Semelhanças de cor, formato, função, matéria, som ou a combinação de
diferentes aspectos.
1.6.3. Metonímia
Em mudança linguística, metonímia designa “a mudança que sofre uma
determinada forma em função do contexto linguístico (e pragmático) em que
está sendo utilizada” (MARTELOTTA, VOTRE e CEZARIO, 1996, p. 56). A
mudança é contígua porque não ocorre apenas na forma em si, mas em toda a
expressão da qual essa forma faz parte.
Ligada à metonímia está a reanálise, que é a reorganização da
estrutura do enunciado e uma reinterpretação dos elementos que o compõem.
No que diz respeito à gramaticalização de verbos, Bagno (2012, p. 187) afirma
que a reanálise sintática ocorre quando o encadeamento dos constituintes no
eixo sintagmático é interpretado pelo falante de uma nova forma. O verbo ir,
por exemplo, passou por esse processo. Em [Vou] [trabalhar], o deslocamento
espacial passou, por reanálise, a indicar futuro, pois, de certa forma, todo
deslocamento espacial é, ao mesmo tempo, temporal. Portanto, pode-se
afirmar que a reanálise ocorre basicamente quando um elemento passa a
assumir novo valor em razão de pressões de contexto.
EX: Ir = movimento em direção ao falante
Ir = marca de futuro
[Eu] [vou] [à/ao ...] = movimento espacial
[Eu] [vou] [falar] [com ...] = movimento espacial + objeto
[Eu] [vou começar] [...] [amanhã] = deixa de expressar movimento e passa a
expressar futuro.
53
Sendo a função primordial das línguas a possibilidade da interação
entre seus falantes por meio da produção de sentidos, é correto afirmar que os
recursos linguísticos estão relacionados ao campo da semântica. Isso porque
falar é dar sentido ao mundo real, ao mundo virtual e ao mundo do discurso.
Pode-se, pela fala, simbolizar experiências vividas ou imaginadas, organizar a
interação
sociocomunicativa
para
compartilhar
significados
construídos
conjuntamente. É no discurso do falante que os recursos linguísticos ganham
vida e produzem sentidos (Cf. BAGNO, 2012, p. 170).
1.6.4. Mudança Linguística
A mudança linguística está intimamente ligada ao funcionamento das
línguas e está relacionada às estratégias comunicativas que os usuários fazem
dela. Se os homens evoluem e mudam as concepções que têm acerca do
mundo em que vivem, a língua, que foi criada por eles com fins comunicativos,
também muda. A mudança na forma de se falar sobre esse mundo implicará a
motivação de mudanças estruturais. Assim, as línguas se adaptam aos novos
tempos (Cf. MARTELOTTA, 2011, p.27).
De acordo com Martelotta (2011), a razão pela qual as línguas mudam
ainda não pode ser afirmada consensualmente, mas o que se pode afirmar é
que as línguas mudam porque seus usuários mudam, assim como o mundo
muda, e que a mudança – surgimento de novas formas e possível
desaparecimento das mais antigas – e a variação – formas de expressão
alternativas – são processos naturais nas línguas. No processo de mudança
linguística, as formas variantes podem coexistir por séculos ou estarem em um
processo de mutação. Neste caso, a forma mais velha vai sumindo
gradativamente, dando lugar à nova. E, de acordo com Bagno (2012), o contato
de uma língua A com uma língua B causa, inevitavelmente, a mudança
linguística. Tal contato acelera o ritmo das mudanças que, em outra situação,
ocorreriam de forma mais lenta.
A mudança linguística ocorre em vários níveis de utilização da língua,
tendo implicações de ordem fonético-fonológica e morfossintática. Sobre esses
níveis, Martelotta (2011, p. 19-20) postula que
54
[...] propostas mais atuais têm demonstrado que as mudanças
ocorridas com os elementos linguísticos envolvem não apenas uma
interferência entre diferentes níveis estruturais da língua, como
também uma relação com os contextos discursivo-pragmáticos e que
os elementos envolvidos tendem a ser utilizados. Ou seja, essas
novas propostas não analisam os fenômenos linguísticos à luz de um
nível específico: fenômenos morfossintáticos associados aos
elementos linguísticos implicam normalmente questões fonéticas e,
formando um quadro mais geral, esses fenômenos tendem a ser
motivados pelos contextos comunicativos em que os falantes
produzem seu enunciado.
O autor utiliza os seguintes termos para se referir aos aspectos
associados a esses contextos comunicativos:

Propriedades semânticas – dizem respeito aos significados exprimidos

propriedades pragmáticas – dizem respeito aos aspectos interativos do
pelos elementos no contexto de uso;
uso dos elementos linguísticos, que refletem o posicionamento dos
falantes ao produzir seu enunciado e sua preocupação com a recepção

desse enunciado pelo ouvinte;
propriedades discursivas – dizem respeito aos aspectos textuais que
interferem no uso dos elementos linguísticos (o fato de a informação já ter
sido ou não mencionada anteriormente no enunciado produzido pelo
falante, por exemplo).
Portanto, a utilização de uma expressão linguística implica a ativação
das propriedades semânticas, pragmáticas, discursivas, fonético-fonológicas e
morfossintáticas.
Por meio das pesquisas funcionalistas tem se verificado que as
mudanças linguísticas não ocorrem linearmente através do tempo. Algumas
delas não podem ser vistas como sucessões no tempo porque se reproduzem
incessantemente
atemporais.
ao
longo
dele,
refletindo
tendências
aparentemente
Martelotta (2011, p.15) expõe que:
Apesar do enorme esforço dos linguistas para buscar a
sistematização dos aspectos gramaticais subjacentes à utilização das
línguas em um conjunto de regras estáveis aplicáveis ao processo de
formação de frases em diferentes contextos, as línguas naturais
55
teimam em se mostrar indiferentes a abordagens essencialmente
estáticas. De fato, as línguas parecem ser altamente sensíveis a
diferenças comportamentais dos indivíduos que as falam,
apresentando, de um lado, formas variáveis de natureza individual,
social, regional, entre outras, que convivem em um mesmo momento
do tempo, e, de outro lado, mudanças que se manifestam com sua
evolução histórica.
Uma Linguística centrada no uso e na mudança apregoa que existe a
estreita relação entre a estrutura linguística e o uso que os falantes fazem dela
em contextos reais de comunicação. Conforme Martelotta (2011), as regras
gramaticais não têm natureza exclusivamente sintática, remetendo-se também
ao ambiente cultural e à situação de interação. Elas refletem a criatividade
humana, mas são restritas pelo funcionamento natural da mente.
Para a Linguística que acompanha essa perspectiva, a mudança
linguística não se dá de modo aleatório, apresentando uma regularidade
sensível, e tem uma fortíssima propensão à unidirecionalidade. Contudo, os
tipos de mudança devem ser compreendidos como tendências possíveis, não
como processos absolutos (Cf. MARTELOTTA, 2011, p.73-74).
Conforme Bagno (2012), a mudança linguística já foi (e, de certa forma,
ainda é) muito associada à ruína e à corrupção da língua. Entretanto, a
pesquisa científica vem conseguindo mostrar que tal mudança é um processo
social e cognitivo, o que significa afirmar que dela participam fatores
socioculturais relativos às dinâmicas de interação dos indivíduos e das
populações de uma dada comunidade; e fatores sociocognitivos, relativos ao
funcionamento do nosso cérebro quando processamos a língua que ‘falamos’,
o que afeta também os demais indivíduos com quem há interação.
A mudança decorre de uma atividade coletiva, uma vez que, sozinha,
uma pessoa não conseguiria mudar qualquer elemento de uma língua. De
acordo com Bagno (2012, p.124), “mudanças só se implementam porque
encontram repercussão cognitiva no cérebro dos falantes da língua e aceitação
na comunidade.” Desse modo, uma vez que a língua só existe por meio dos
falantes, na forma de discurso, não há como estudá-la sem levar em conta
esses falantes e suas interações comunicativas.
Segundo Bagno (2012), a pressão da mudança – que se processa na
sociedade, impulsionada pelos falantes em suas interações – tem a capacidade
de transformar uma forma linguística inovadora em um uso tão corriqueiro que,
56
mesmo com a reação de uma minoria (os puristas da língua), acaba por se
impor ao conjunto da sociedade. Sobre isso, o autor (2012, p. 27) defende que:
Contra a mudança linguística não há nada que se possa fazer: ela é
inevitável e é da própria natureza de tudo o que existe na sociedade,
no mundo e no universo. [...] não há da que se possa fazer contra a
mudança linguística porque ela é impulsionada pelos próprios
falantes. [...]
1.6.5. A relação entre discurso e gramática
As concepções de discurso e gramática, ao longo da trajetória do
funcionalismo vem passando por ajustes, reformulações e releituras. Tudo isso
é fruto do desenvolvimento e refinamento das pesquisas que tentam mostrar a
ligação entre discurso e gramática na investigação dos usos linguísticos.
Em 1979, Givón publica On Understanding Grammar, obra considerada
um clássico no âmbito dos estudos funcionalistas. Nela, trata-se a origem
discursiva das estratégias gramaticais. De acordo com Oliveira e Votre (2009,
p.98), nessa época, discurso referia-se às “estratégias criativas dos usuários na
organização de sua produção linguística, aos modos individuais com que cada
membro da comunidade elabora suas formas de expressão verbal”; e
gramática, ao “conjunto de regularidades linguísticas, como o modo ritualizado
ou comunitário do uso. ”
Ao discurso compete a liberdade e a autonomia de expressão; à
gramática, a sistematização e regularização. Desse modo, discurso está para a
pragmática assim como gramática está para a sintaxe. Considera-se entre os
funcionalistas da linha norte-americana a precedência e originalidade da
oralidade face à escrita no desenvolvimento da linguagem humana, já que as
estratégias utilizadas na modalidade falada é fonte para o modo sintático: Do
discurso nasce a gramática (Cf. OLIVEIRA E VOTRE, 2009, p. 98-99).
Conforme Oliveira e Votre (2009), nos estudos atuais, ganha relevância
a hipótese de que há entre o discurso e a gramática instâncias intermediárias,
motivadoras das convenções gramaticais na constituição do discurso, em
termos de seleção, organização e frequência que deve ser pesquisada.
Segundo Martelotta (2011), ao uso corrente da língua subjaz uma
gramática, um conjunto de regras gramaticais, regulares e relativamente
57
estáveis, compartilhadas pelos membros de uma comunidade. Entretanto, não
basta que o falante tenha conhecimento de mecanismos de natureza sintática.
É necessário também dominar processos associados à organização textual e
aos fenômenos interacionais.
Na interação, os usuários manipulam os termos e expressões
disponíveis em sua língua com o intuito de veicular estratégias comunicativas
que marquem sua posição subjetiva em relação ao conteúdo que querem
transmitir ou sua preocupação com a recepção desse conteúdo por seus
interlocutores, considerando-se as condições contextuais em que se dá a
comunicação. Por essa razão, pode-se afirmar que a linguagem tem natureza
adaptativa (Cf. MARTELOTTA 2011, p.24).
Para Martelotta (2011, p.62),
[...] cada evento de uso tem um aspecto individual e único, sugerindo
que não podemos decidir sobre como utilizar as estruturas que o
sistema nos fornece sem adaptá-las a esse contexto singular. Assim,
concebemos as regras como não absolutas, mas como
contextualmente dependentes, refletindo a atuação de um organismo
biológico em um ambiente cultural.
Acerca da relação entre gramática e interação, Bagno (2012, p. 20)
afirma que:
É do uso que se depreende a gramática, é do discurso que se chega
nas regularidades (sempre instáveis e provisórias da língua [...] na
prática social mais ampla discurso e sistema (ou uso e gramática)
interagem sem cessar, são indissociáveis, tanto quanto o oxigênio e o
hidrogênio da água: são os usos frequentes e regulares de
determinada forma linguística que acabam por transformá-la em regra
gramatical, assim como são as regras gramaticais as condicionadoras
dos usos linguísticos. Dado que só existe língua se existirem falantes
dessa língua, ou seja, só existe língua em uso, a prática da
linguagem como atividade constitutiva da própria natureza
humana (natureza cognitiva e sociocultural) é que ditará os rumos da
gramática da língua, num processo cíclico e permanente, que só se
interrompe quando e se deixarem de existir falantes da língua. [grifos
do autor]
Nessa mesma linha, Hopper (1987, apud GONÇALVES, LIMA-
HERNANDES e CASSEB-GALVÃO, 2007, p.15) considera a gramática das
línguas como “constituída de partes cujo estatuto vai sendo constantemente
58
negociado na fala, não podendo em princípio ser separado das estratégias de
construção do discurso.”
Segundo Tomasello (2003, apud PINTO, ALONSO E CEZARIO, 2013,
p.51-52),
[...] a gramática de uma língua é construída social e historicamente e,
portanto, moldada e modificada por meio dos processos cognitivos e
do uso frequente. As sequências de uso são interpretadas como
padrões e, ao longo do tempo, alguns itens específicos vão sendo
usados como outros para expressar novas funções comunicativas,
modificando pragmaticamente os padrões e cristalizando-os em
construções.
Logo, entende-se que a frequência de uso das formas vai tornando-as
automáticas e previsíveis.
As pressões de uso geram, simultaneamente, regularidades e
irregularidades na língua. Isso porque, ao mesmo tempo em que as línguas
apresentam áreas que estão em fluxo e que geram novas variações,
provenientes da criatividade do discurso, a comunicação pressiona a língua a
uma maior regularidade e iconicidade. Essa competição, de acordo com
Martelotta, Votre e Cezario (1996), faz com que as gramáticas das línguas
nunca sejam estáticas. Cabe ressaltar que o que se chama de “discurso” em
funcionalismo, segundo Neves (1997b), inclui gestos, expressões faciais,
manifestações emocionais, curvas de entonação e outros.
1.6.6. Transitividade
Furtado da Cunha e Souza (2011) apresentam a transitividade de
acordo com o funcionalismo, considerando as óticas da Linguística Funcional
Norte-Americana e a Linguística Sistêmico-Funcional, postulada por Halliday.
De acordo com as autoras (2011, p. 9):
O termo transitividade, do latim transitivus (que vai além, que se
transmite) refere-se, no âmbito dos estudos gramaticais, ao grau de
completude sintático-semântica de itens lexicais empregados na
codificação linguística de eventos, de acordo com diversas
possibilidades de transferência de uma atividade de um agente para
um paciente. Trata-se de um fenômeno gramatical complexo que
59
envolve diferentes aspectos morfossintáticos
pragmáticos e suas inter-relações.
e
semântico-
Segundo Furtado da Cunha e Souza, as gramáticas tradicionais e
também as descritivas tratam os conceitos de regência verbal, valência verbal
e transitividade como sinônimos. Entretanto, no campo dos estudos
funcionalistas, esses três conceitos são distintos e podem ser definidos da
seguinte forma:



Regência verbal – relação de dependência entre o verbo (regente) e o
complemento (regido). Trata-se de um fenômeno formal que apenas
informa se o verbo pede ou não um objeto.
Valência verbal – número de argumentos que determinado verbo seleciona,
a função que esse verbo exerce e seus papéis semânticos.
Transitividade – transferência de uma atividade de um agente para um
paciente.
Elas afirmam também que não há nos compêndios gramaticais
tradicionais
uma
seção
destinada
especificamente
ao
tratamento
da
transitividade verbal. Estes tratam a transitividade como uma propriedade do
verbo: são transitivos aqueles que permitem a transição do processo a outros
elementos que lhes completam o sentido; são intransitivos aqueles que, por
terem sentido completo, retêm a ação em si, não a transmitindo a outros
elementos. Desse modo, as autoras (2011, p. 32) propõem que:
[...] um verbo transitivo é aquele que descreve uma relação entre dois
participantes de tal modo que um dos participantes age sobre o outro.
Um verbo intransitivo é aquele que descreve uma propriedade, um
estado, ou uma situação que envolve apenas um participante. Na
visão tradicional, portanto, os três elementos da transitividade
(sujeito, ação, objeto) coocorrem.
Embora haja, por parte das gramáticas tradicionais, a distinção formal
rígida entre verbos transitivos e intransitivos, alguns gramáticos afirmam que a
linha entre esses verbos pode ser tênue. As autoras citam Bechara (2005,
p.415), que afirma que “um mesmo verbo pode ser usado transitiva e
intransitivamente, principalmente quando o processo verbal tem aplicação
60
muito vaga”. Os exemplos dados por Bechara e apresentados pelas autoras
são:


“Eles comeram maçãs (transitivo)”.
“Eles não comeram (intransitivo)”.
Furtado da Cunha e Souza citam também Cunha e Cintra (1985, p.
134), segundo os quais “a análise da transitividade deve ser feita de acordo
com o texto e não isoladamente”, já que um mesmo verbo pode ser transitivo
ou intransitivo a depender de seu emprego.
Além do que já foi citado, outro fator que contribui para tornar a
classificação da transitividade menos categórica é o objeto direto poder
desempenhar diferentes papéis semânticos. Alguns verbos transitivos, por
exemplo, não denotam os pacientes ou os recipientes dos atos.
Dessa forma, depreende-se que a transitividade não é uma
propriedade inerente ao verbo, mas isso depende do contexto de uso, pois nem
sempre um sintagma nominal analisado como objeto direto, por exemplo,
funciona como paciente da ação verbal, além de que um mesmo verbo pode
funcionar
como
transitivo
ou
intransitivo.
Portanto,
na
avaliação
da
transitividade interagem tanto elementos de natureza sintática, quanto
semântica e pragmática (Cf. FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011, p. 33).
Sob o ponto de vista da Linguística Funcional Norte-Americana, a
transitividade é entendida como uma propriedade contínua, escalar (ou
gradiente) da oração como um todo, e não como uma propriedade estrita ao
verbo. Trabalha-se uma “gramática da oração”, em que se podem observar as
relações entre o verbo e seu(s) argumento(s). Uma ação transitiva, por
exemplo, seleciona pelo menos dois argumentos: o agente e o paciente
(objeto direto). Sintaticamente, todas as orações – e verbos – que têm um
objeto direto são transitivas, e as que não têm são intransitivas. Todavia, “a
manifestação discursiva de um verbo potencialmente transitivo depende de
fatores pragmáticos, como a perspectiva a partir da qual o falante interpreta e
comunica o evento narrado” (FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011, p.38).
61
Isso significa que um mesmo evento pode ser apresentado de maneiras
diferentes, a depender do ponto de vista, como nos exemplos a seguir:
•
•
Ele rasgou o seu livro.
O seu livro foi rasgado por ele.
Para Givón (2001, apud FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011), a
transitividade é um fenômeno complexo que envolve os componentes sintático
e semântico, sendo o evento transitivo prototípico definido pelas propriedades
semânticas do agente, paciente e verbo na oração-evento:
 agentividade: ter um agente intencional, ativo;
 afetamento: ter um paciente concreto, afetado;
 perfectividade: envolver um evento concluído, pontual.
Esse autor enfatiza que por esses traços serem, em princípio, uma
questão de grau, os verbos transitivos podem ser subclassificados de acordo
com a mudança física registrada no estado do paciente. Assim, consideram-se
os seguintes itens:

Objeto criado  Ela fez uma blusa.

Mudança física de objeto  Ela cozinhou o frango.






Objeto totalmente destruído  Ela quebrou o copo.
Mudança de lugar do paciente  Ela abriu a cortina.
Mudança superficial  Ela lavou as panelas sujas.
Mudança interna  Ela aqueceu a comida.
Mudança com instrumento implicado  Ela pincelou a madeira.
Mudança com modo implicado  Ela trincou a vidraça.
Segundo Furtado da Cunha e Souza (2011), alguns verbos que
pertenceriam a esse grupo desviam-se do protótipo de verbos transitivos. O
desvio da transitividade prototípica está associado à semântica lexical dos
verbos. No que diz respeito a esses casos, Givón (1984, apud FURTADO DA
CUNHA E SOUZA, 2011, p.42) esclarece dois pontos:
62
•
Transitividade é uma questão de grau, em parte porque a
percepção da mudança no objeto é uma questão de grau, e em parte
porque depende de mais de uma propriedade;
•
Quando um verbo desviante é codificado sintaticamente como
um verbo transitivo prototípico, o usuário da língua interpreta suas
propriedades como sendo semelhantes, análogas ao protótipo. Esse
fenômeno é conhecido como extensão metafórica [...]
A seguir, um exemplo de desvio que envolve o objeto:
“Ela adentrou a casa”  “Ir para dentro da casa”.
Neste caso, de acordo com Givón, ao codificar o evento como um
objeto direto, o falante estaria salientando a mudança no objeto, que não é
apenas um simples ponto de referência locativo. Assim, não se considera
apenas que o sujeito se moveu para dentro da casa, mas que a casa passou
da condição de ‘vazia’ para ‘ocupada’. Nesses processos de desvio, verifica-se
a importância do objeto no ponto de vista, pois ele sofre alterações
significativas, que não podem ser ignoradas. Alguns desvios envolvem o sujeito
do verbo transitivo que exprime mudança interna cognitiva (ver, ouvir, saber,
entender, querer, sentir etc.). Semanticamente, tais verbos aproximam-se mais
de estados que de ações. Nesses casos, o objeto é interpretado como afetado
pela ação verbal.
Outro exemplo apresentado pelas autoras de desvio da transitividade
prototípica é a do verbo namorar em português, classificado como transitivo
direto (= Quem namora, namora alguém). Entretanto, como agente e paciente,
neste caso têm igual importância, ou seja, o agente não poderia ser superior ao
paciente, o falante utiliza como estratégia a preposição ‘com’. Assim, os
sujeitos ‘namoram juntos’ e têm igual relevância. Há uma “destransitivização”
do verbo, e os dois agentes passam a ser sujeitos coordenados. Isso é
diferente de ‘namorar’ no sentido de desejar um objeto, por exemplo: Ela
namora os sapatos da vitrine. Ressalta-se a importância da consideração da
intenção do falante e do contexto no entendimento da construção sintática.
Acerca do exposto, Furtado da Cunha e Souza (2011, p. 45) explicam
que quando há a presença de dois agentes e nenhum paciente, há dois modos
de resolução do ‘problema’:
63
(i) Rebaixa-se um dos agentes para o status de paciente e alinha-se a
oração ao modelo canônico;
(ii) "Destransitiviza-se" o verbo, construindo uma oração com dois agentes
coordenados.
Portanto, pode-se afirmar com Furtado da Cunha e Souza que a
transitividade prototípica está centrada na semântica lexical do verbo e reflete o
afetamento total do objeto. Quando o significado de um verbo não implica
mudança de estado ou localização do objeto, tal verbo se distancia do padrão
prototípico e, por conseguinte, exibe menor grau de transitividade. Faz-se
importante salientar que o grau de afetamento do objeto também depende de
outros elementos presentes na oração, além da semântica, como a completude
da ação verbal e a definitude ou individuação do objeto.
Ainda sobre a transitividade sob a ótica da Linguística Funcional Norte-
Americana, Furtado da Cunha e Souza apresentam a proposta de Hopper e
Thompson (1980, apud FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011), que é a
transitividade da oração. Esses dois autores concebem a transitividade como
contínua, escalar, não categórica. Consideram também que não há a
necessidade da ocorrência na oração de sujeito, verbo e objeto para que ela
seja transitiva. Esses autores propõem dez parâmetros sintático-semânticos
independentes
que
demonstram
os
traços
de
transitividade.
Mesmo
independentes, tais parâmetros funcionam juntos e articulados na língua, isto é,
nenhum deles sozinho é suficiente para se determinar a transitividade de uma
oração. A seguir, apresenta-se um quadro que demonstra esses parâmetros:
PARÂMETROS
1. Participantes
2. Cinese
TRANSITIVIDADE ALTA
Dois ou mais
Ação
TRANSITIVIDADE BAIXA
Um
Não ação
3. Aspecto do verbo
Perfectivo
Não perfectivo
5. Intencionalidade do Sujeito
Intencional
Não intencional
7. Modalidade da oração
Modo realis
9. Afetamento do objeto
Afetado
4. Pontualidade do verbo
6. Polaridade da oração
8. Agentividade do sujeito
10. Individuação do objeto
Pontual
Afirmativa
Agentivo
Individuado
Não pontual
Negativa
Modo irrealis
Não agentivo
Não afetado
Não individuado
Quadro 02: Parâmetros da transitividade segundo Hopper e Thompson (1980, apud
FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011, p. 47).
64
Com base nessa classificação, Furtado da Cunha e Souza (2011)
tecem a seguinte explicação:
a) Participantes: Só pode haver transferência se dois participantes estiverem
envolvidos.
b) Cinese: Ao contrário das ações, os estados não podem ser transferidos de
um participante para o outro (Eu abracei Pedro = a ação pode ser transferida.
MAS em Eu admiro Pedro, NÃO.)
c) Aspecto: A ação perfectiva (terminada) é mais eficazmente transferida para
um participante do que uma ação que não tenha término (  Eu comi o
sanduíche = terminada; Eu estou comendo o sanduíche = transferência
parcial).
d) Pontualidade: "ações realizadas sem nenhuma fase de transição óbvia entre
o início e o fim têm um efeito mais marcado sobre seus pacientes do que ações
que são inerentemente contínuas” (p. 48) ( Chutar = pontual; carregar =
denota uma ação contínua).
e) Intencionalidade: O efeito sobre o paciente é mais aparente quando a ação
do agente é apresentada como proposital ( Escrevi seu nome = intencional;
Esqueci seu nome = não intencional).
f) Polaridade: Ao contrário das ações que aconteceram (oração afirmativa), as
ações que não aconteceram (oração negativa) não podem ser transferidas ( 
O menino não comeu o sanduíche = a ação não foi transferida.).
g) Modalidade:
Eventos realis- ações que, de fato, ocorreram (  Lucas comprou um carro
novo = ação ocorrida).
Eventos irrealis - ações que não ocorreram, eventos hipotéticos ou que
aconteceram em um mundo não real, contingente, incerto. ( Lucas comprará
um carro novo). Os irrealis são menos eficazes do que os realis.
h) Agentividade: Participantes com agentividade alta podem efetuar a
transferência de uma ação de um modo que participantes com baixa
65
agentividade não podem (  O homem me assustou. [alta] - O filme me
assustou. [baixa]).
i) Afetamento: Diz respeito ao grau em que uma ação é transferida para um
paciente e quão completamente esse paciente é afetado. (  Eu bebi o leite
todo. - Eu bebi um pouco de leite).
j) Individuação: Uma ação pode ser mais eficazmente transferida para um
paciente que é individuado do que para um que não é (Eu me choquei com
Pedro = ambos são afetados pelo efeito da ação. MAS: Pedro chocou-se com a
mesa = a mesa não sofre com a ação; Pedro, sim.). A seguir, um quadro
resumido das propriedades de individuação:
INDIVIDUADO
Próprio
NÃO INDIVIDUADO
Comum
Humano, animado
Inanimado
Singular
Plural
Referencial, definido
Não referencial
Concreto
Contável
Abstrato
Incontável
Quadro 03: Propriedades de individuação (FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011, p.49)
Observa-se em Hopper e Thompson a noção de que toda a oração é
classificada ou não como transitiva, e não apenas o verbo. Os traços descritos
são tomados em conjunto e permitem classificar as orações como mais ou
menos transitivas.
Com base nos exemplos apresentados por Hopper e Thompson (1980,
apud FURTADO DA CUNHA e SOUZA, 2011), seguem alguns exemplos dos
graus de transitividade de uma oração:
*João nocauteou José = A oração transitiva canônica, Segundo Hopper e
Thompson, apresenta grau 10, pois traz marcados os dez traços positivos,
sendo a primeira, a mais alta na escala da transitividade. De acordo com
Furtado da Cunha e Souza (2011, p. 51), "O grau de transitividade de uma
oração reflete o grau de saliência cognitiva da ação transferida de um agente
para um paciente."
66
*Maria partiu = A oração que ocupa o segundo lugar na escala é a classificada
pela gramática tradicional como intransitiva. Ela é classificada como grau 7
porque apresenta sete traços: cinese, aspecto perfectivo, verbo pontual, sujeito
intencional, polaridade afirmativa, modalidade realis, sujeito agente.
*Maria aprecia cerveja = Esta oração é classificada como grau 5: não tem
ação, perfectividade, pontualidade, afetamento e individualização do objeto.
*Não havia estrelas no céu = Esta oração é classificada como grau 2, pois
apresenta apenas os traços de modalidade (realis) e perfectividade.
Entre os modelos de Givón e Hopper e de Thompson é possível
estabelecer semelhanças: a descrição sintática e semântica da transitividade; a
noção de gradiência e escala da transitividade nas orações; a noção de
transitividade X desvio; e a consideração de aspectos comunicativos e
cognitivos na manifestação da transitividade. O que difere essas abordagens,
uma da outra, é que a de Givón se concentra nas propriedades do agente, do
paciente e do verbo, preocupando-se com a classificação dos verbos de acordo
com o grau de mudança física registrada no estado do paciente.
Sob o ponto de vista da Linguística Sistêmico-Funcional, a
transitividade é estudada em relação às suas funções sociais e é relacionada à
Metafunção Ideacional. Nessa abordagem, a transitividade é a base da
organização semântica da experiência e serve para expressar uma gama
particular de significados ideacionais ou cognitivos. De acordo com Furtado da
Cunha e Souza (2011, p. 67):
[...]
A experiência humana é geralmente entendida como um fluxo de
eventos ou acontecimentos; atos ligados a agir, dizer, sentir, ser e ter,
sendo a transitividade a responsável pela materialização dessas
atividades através dos tipos de processos (verbos), cada um deles
modelando uma fatia da realidade. [...]
67
No sistema de transitividade identificam-se as ações e atividades
humanas que estão sendo expressas no discurso e que realidade está sendo
retratada. Essa identificação acontece por meio dos principais papéis da
transitividade:
processos
(verbos),
participantes
(substantivos)
e
circunstâncias (advérbios). Esses papéis permitem analisar quem faz o quê,
a quem e em que circunstância.
O sistema da transitividade, conforme a Linguística Sistêmico-
Funcional, concebe a existência de seis tipos de verbos, também chamados
processos: materiais, mentais, relacionais, verbais, comportamentais e
existenciais.
Associam-se a
cada
um
deles
participantes
específicos
determinados pela semântica dos tipos de processos e circunstâncias. Assim:

Processos - Codificam ações, eventos, estabelecem relações, exprimem

Participantes - São os participantes, representados pelos sintagmas

ideias e sentimentos, constroem o dizer e o existir.
nominais (muitos deles), envolvidos com os processos, de forma
obrigatória ou não.
Circunstâncias -
São as informações adicionais atribuídas aos
diferentes processos, realizando-se por meio de advérbios ou sintagmas
adverbiais (e alguns sintagmas nominais). (Cf. FURTADO DA CUNHA E
SOUZA, 2011, p. 68)
Conforme Halliday e Mathiessen (2004, apud FURTADO DA CUNHA E
SOUZA, 2011), no processo de transitividade são considerados como
principais os processos materiais, mentais e relacionais. Os secundários são os
comportamentais, os verbais e os existenciais. Entretanto, mesmo sendo os
processos prototípicos, suas fronteiras não são rigidamente delimitadas.
Visto que o mundo das experiências é altamente indeterminado, essa
indeterminação acaba por se refletir no modo como a gramática constrói seu
sistema de tipos de processos. Chama-se isso de princípio da indeterminação
semântica. Pode-se por exemplo, construir uma mesma experiência no domínio
da emoção, como um processo mental (=minha cabeça dói.), ou no domínio da
classificação (=minha cabeça está dolorida.), com base nos exemplos
apresentados pelas autoras.
68
Considerando, então, os postulados da Linguística Sistêmico-Funcional
sobre a transitividade, sobretudo segundo Halliday e Mathiessen (2004), as
autoras apresentam os processos e participantes e as circunstâncias
envolvidos nesse sistema.
Quanto aos processos e participantes, tem-se o que segue:
a) Processos materiais - são os processos do fazer; constituem ações de
mudanças externas, físicas e perceptíveis. Para Halliday e Matthiessen (2004,
apud FURTADO DA CUNHA e SOUZA, 2011, p.73), os processos materiais
dividem-se em dois tipos principais:


Criativos: criar, pintar, construir, compor, abrir etc.;
transformativos: colorir, destruir, quebrar, cortar, dissolver etc.
Fazem parte dos processos mentais:




ator = quem faz a ação; é inerente, sendo a oração transitiva ou não.
meta = participante a quem o processo é direcionado, sendo
diretamente afetado pela ação do processo material.
extensão = participante que complementa a ação, especificando-a, mas
que não é afetado pela ação verbal, e, em alguns casos, refere-se a um
prolongamento do processo quanto esse é lexicalmente vazio.
beneficiário = participante beneficiado, de alguma forma, pela ação
verbal.
De acordo com Furtado da Cunha e Souza (2011), para a Linguística
Sistêmico-Funcional, meta, extensão e beneficiário, bem como escopo,
recipiente e cliente, são participantes opcionais. Assim:

Orações médias ou intransitivas = têm apenas um participante (  O

Orações efetivas ou transitivas = têm dois ou mais participantes (  O
(1)governo
deve agir com firmeza.).
(1)presidente
visitou (2)aquele país.).
Nas orações transitivas, as experiências são codificadas por alguém
faz algo a alguém, e nas intransitivas, por alguém faz algo.
69
b) Processos mentais - lidam com a apreciação humana do mundo. Diz
respeito a crenças, valores, desejos, que podem ser detectados ao se analisar
determinado texto. Para Halliday (1985, apud FURTADO DA CUNHA e
SOUZA, 2011), são os processos do sentir: percepção e cognição. Orações
com processos mentais respondem à pergunta o que você pensa/ sabe/ sente
sobre x? Tais verbos não tratam de ações, mas de reações mentais, de
pensamentos, sentimentos e percepções. Os participantes deste processo são
o experienciador, que é consciente e experimenta um sentir; e o fenômeno, que
é o fato percebido, sentido ou compreendido.
c) Processos relacionais - estabelecem uma conexão entre entidades,
identificando-as ou classificando-as. Tal conexão pode denotar intensidade,
quando atribuída a uma entidade; circunstância, quando se atribui uma
circunstância de tempo e lugar a uma entidade; e possessividade, quando
existe relação de posse. Esses processos podem ser atributivos ou
identificadores (aos quais se ligam os elementos característica e valor).
d) Processos verbais - referem-se aos verbos que expressam o dizer, o
comunicar, o apontar. Os participantes são: dizente, receptor (opcional) e
verbiagem. Neste tipo de processo, são utilizados verbos como contar, falar,
dizer, perguntar etc.
e) Processos existenciais - representam algo que existe ou acontece e se
constroem com apenas um participante, o existente.
f) Processos comportamentais - constroem os comportamentos humanos,
incluindo as atividades psicológicas, fisiológicas e verbais. São, em parte, ação
e, em parte, sentir, situando-se, assim, entre os processos materiais e os
mentais. Têm um participante obrigatório, o comportante, e um que estende o
processo, o behaviour, que é opcional.
Quanto às circunstâncias, diz-se delas que acompanham processos e
participantes e que se referem a coerções e condições àqueles relacionados,
como localização, modo, assunto, causa etc. Essas circunstâncias são
70
realizadas por advérbios ou sintagmas adverbiais, e, de acordo com Furtado da
Cunha e Souza (2011, p. 76-77), “ocorrem livremente em todos os tipos de
processo, geralmente com a mesma significação que lhe é inerente, onde quer
que se realizem”. É perfeitamente possível que em um determinado contexto
de uso um tipo de circunstância revele outros sentidos, além de sua
significação básica.
A seguir, repetir-se-á o quadro apresentado pelas autoras, que traz a
tipologia das circunstâncias, com base em Eggins (1995, apud FURTADO DA
CUNHA E SOUZA, 2011, p.77):
TIPO DE
CIRCUNSTÂNCIA
DE EXTENSÃO
Espacial
Temporal
SIGNIFICAÇÃO
Constroem desdobramentos do
processo
em
espaço
(a
distância no espaço no qual o
processo ocorre) e tempo (a
duração no tempo durante a
realização do processo).
DE CAUSA
Constrói a razão pela qual o
DE LOCALIZAÇÃO
Constroem
Tempo
Localização
DE ASSUNTO
processo se atualiza.
a
localização
espacial e temporal na qual o
processo se realiza.
Relaciona-se
EXEMPLOS
Nadou 4 quilômetros.
Caminhou por sete horas.
Não fui ao trabalho por causa da
chuva.
Pedro acordou às sete horas.
Mauro caminha na praia.
aos
processos
verbais e é um equivalente
circunstancial da verbiagem.
Discutiam sobre política.
DE MODO
Constrói a maneira pela qual o
Almoçamos tranquilamente.
DE PAPEL
Constrói a significação de ser ou
Vim aqui como amigo.
DE ACOMPANHAMENTO
É
Amélia foi ao cinema com o
processo é atualizado.
tornar-se circunstancialmente.
uma
forma
participantes
do
de
juntar
processo
e
representa os significados de
adição,
expressos
pelas
namorado.
João saiu sem o filho.
preposições “com” ou “e”, ou de
uma subtração, expresso pela
preposição “sem”.
Quadro 04: Tipos de Circunstâncias segundo Furtado da Cunha e Souza (2011, p. 77),
com base em Eggins (1995).
71
Dessa maneira, a análise da transitividade considera a seleção do
processo, a seleção dos participantes e a seleção das circunstâncias.
Entende-se que, de acordo com Furtado da Cunha e Souza (2011, p.19),
a Linguística Funcional Norte-Americana define a transitividade como “uma
propriedade contínua, escalar (ou gradiente), da oração como um todo. É na
oração que se podem observar as relações entre o verbo e seu(s)
argumento(s) – a gramática da oração”. Por sua vez, a Linguística Sistêmico-
Funcional compreende a transitividade como a gramática da oração, como uma
unidade estrutural que serve para expressar uma gama particular de
significados ideacionais ou cognitivos. É a base da organização semântica da
experiência e denota não somente a familiar oposição entre verbos transitivos e
intransitivos,
mas
um
conjunto
de
tipos
oracionais
com
diferentes
transitividades. As duas vertentes concordam que a transitividade não está
manifestada apenas no verbo, mas em toda a oração, e emerge das relações
estabelecidas entre os diversos elementos que a compõem.
1.6.7. Transitividade e plano discursivo
A noção de plano discursivo caracteriza a organização estrutural do
texto, compreendendo as dimensões de figura e fundo. Segundo Furtado da
Cunha (2013, p. 172),
Hopper e Thompson associam a transitividade a uma função
pragmática: o modo como o falante organiza seu texto é determinado,
em parte, pela sua percepção das necessidades de seu interlocutor.
Nesse sentido, o texto apresenta diferentes planos discursivos, que
distinguem as informações centrais das periféricas. O grau de
transitividade de uma oração, ou o lugar que ela ocupa na escala de
transitividade de Hopper e Thompson, reflete sua função discursiva
característica, de modo que orações com alta transitividade
assinalam porções centrais do texto, correspondentes à figura,
enquanto orações com baixa transitividade marcam as porções
periféricas, correspondentes ao fundo. [...]
A figura diz respeito à sequência de ações perfectivas que
caracterizam a narrativa. Remete a entidades mais salientes, que aparecem
em primeiro plano e que, portanto, são percebidas com mais nitidez e
facilidade. Para dar suporte às orações de figura, são encontradas algumas
72
informações colocadas no texto. Essas informações constituem o fundo, e, com
frequência são expressas por verbos estáticos, como ser e estar na forma de
presente do indicativo ou de pretérito imperfeito (Cf. FURTADO DA CUNHA,
2013, p. 172-173). O fundo remete às entidades que, por não estarem em
destaque, são menos aparentes e perceptíveis.
Para se entender como se dá a dinâmica figura-fundo, pode-se fazer
uma comparação com uma música executada por dois violões, por exemplo:
enquanto um faz a base harmônica, que é mais estável, o outro realiza os
arranjos, os floreados sobre a base. O primeiro funcionaria como fundo,
“segurando” os volteios; o segundo, como figura, mais saliente e que chama a
atenção do público, criando a melodia.
A fim de exemplificar como funcionam figura e fundo, Furtado da
Cunha (2013, p.172) apresenta o seguinte fragmento:
meu pai estava andando... ele morava no outro lado da Penha... e::
ele estava passando por... por baixo da pa... da passagem
subterrânea do trem... aí dois caras... um escuro alto... forte e um
branco também alto... forte... esbarraram nele... e ele anda com
aquelas capangas... aí:: a capanga caiu no chão... abriu... os
documentos... dinheiro ficou tudo espalhado no chão... e eu/ ele
abaixou pra... catar os documentos... quando ele abaixou... os caras
falaram que era um assalto... aí pegaram o dinheiro... a conta de luz...
tudo que tinha... juntaram... colocaram na capanga e levaram a
capanga embora... e aí meu pai foi pra casa... falou que tinha sido
assaltado... aí eles resolveram ir na polícia... né? pra dar queixa... e
depois teve todo trabalho de... pedir segunda via de documento... de
conta de luz... de conta de água... e ficou sem dinheiro... era o dia de
pagamento...
Nesse trecho, segundo a autora, os eventos em itálico expressam a
sequência das ações que caracterizam a narrativa, portanto, figura. As
informações que contextualizam as ações da figura, normalmente expressando
onde, quando como elas ocorrem e sua finalidade constituem o fundo. Neste
caso, são fundo (p.173):
a)
“meu pai estava andando”
b)
“ele morava no outro lado da Penha”
c)
“ele estava passando por... por baixo da pa... da passagem
subterrânea do trem”
d)
“ele anda com aquelas capangas”
e)
“era um assalto”
f)
“era o dia de pagamento”
73
Desse
modo,
figura
expressa
noções
de
tempo,
aspecto
e
dinamicidade das ações, enquanto fundo contextualiza a narrativa, com a
descrição e a avaliação do narrador.
Hopper (1979, apud FURTADO DA CUNHA, BISPO e SILVA, 2013), no
estudo das narrativas, distingue que os eventos dinâmicos, sobre os quais
recaem o foco narrativo e que são responsáveis pela progressão textual, são a
figura, ao passo que as situações caracterizadas por observações e
comentários do narrador constituem o fundo.
Conforme Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013), ao se referir a figura
e fundo, pode-se retomar os conceitos de marcado e não marcado. O elemento
marcado,
por
ser
menos
frequente,
relaciona-se
a
figura,
pois
é
perceptualmente mais relevante. Em oposição, aquilo que é textualmente mais
relevante e, por isso, menos marcado, representa o fundo.
Segundo Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013, p.31), Martelotta
(1998) aplica os conceitos de figura e fundo em outros tipos de estruturas
textuais. Ele mostra ainda que, se há um trecho narrativo dentro de um
contexto maior não narrativo, tal trecho assume o papel de fundo, pois é
secundário em relação ao foco. Entretanto, esse trecho também pode ser figura
em relação a outra não narrativa de nível mais inferior.
1.6.8. Iconicidade
No funcionalismo, Iconicidade trata-se da correlação natural e motivada
entre forma e função, ou, entre o código linguístico e seu significado
(respectivamente, expressão e conteúdo). Para os funcionalistas, a estrutura
da língua, de algum modo, reflete a estrutura da experiência. Assim, a estrutura
linguística pode revelar o funcionamento da mente, bem como as propriedades
de conceitualização humana do mundo. Pode-se afirmar, assim, que o padrão
mantém uma relação aproximada com o sentido que designa (Cf. FURTADO
DA CUNHA, 2013, p.167; FURTADO DA CUNHA, BISPO E SILVA, 2013,
p.22).
74
Em alguns casos, a relação entre forma e função existe, mas não e
nítida, mostrando-se aparentemente arbitrária. São exemplos disso estruturas
que, analisadas sincronicamente, revelam certo grau de opacidade semântica
em comparação com os papéis que desempenham. É o caso de marcadores
conversacionais, como falou?, bem, daí e outros.
Para Furtado da Cunha (2013), constata-se a arbitrariedade da relação
entre forma e significado quando uma forma linguística perde total ou
parcialmente seu significado, assim como a motivação para sua criação. O uso
de uma forma pode ser completamente distinto de seu significado original. Isso
acontece porque a iconicidade do código linguístico está sujeita a pressões
diacrônicas corrosivas tanto na forma quanto na função.
De acordo com a autora, o código (forma) sofre constante erosão pelo
atrito fonológico, tendo sua forma diminuída. Já a mensagem é constantemente
alterada pela elaboração criativa por meio de processos metafóricos e
metonímicos. Esses dois tipos de pressão geram ambiguidade, tanto no código
quanto na mensagem. Naquele, as pressões fazem com que possa haver uma
única forma para várias funções; nesta, as pressões fazem com que possa
haver a correlação entre várias formas e uma única função. (Cf. FURTADO DA
CUNHA, 2013, p. 168).
Há três subprincípios básicos de iconicidade apontados por Givón
(1984, apud Furtado da Cunha, Bispo e Silva 2013): Quantidade, Proximidade
e Ordenação Linear.
De acordo com o subprincípio da Quantidade, quanto maior a
quantidade de informação, maior será a forma para sua codificação. Clark e
Clark (1977, apud FURTADO DA CUNHA, BISPO E SILVA 2013, p.23)
afirmam que “A complexidade do pensamento tende a refletir-se na
complexidade de expressão”. Desse modo, quanto mais simples o conceito,
igualmente simples será a estrutura formada para refleti-lo. Por outro lado,
quanto mais complexo o conceito, mais complexa será a estrutura que o
refletirá.
No âmbito da comunicação, quanto mais nova for a informação para o
interlocutor, maior será a extensão do enunciado que a veicula. É por isso que,
geralmente, a informação recém introduzida no texto é formalmente maior,
enquanto que a informação dada (velha) é substituída por lexias menores,
75
formas pronominais ou anáfora zero. Um exemplo apresentado por Furtado da
Cunha (2013, p.168) é o das palavras primitivas, que são menores que as
palavras derivadas: Belo – beleza – embelezar – embelezamento.
Pelo subprincípio da Proximidade, conceitos mais integrados no plano
da cognição também terão maior grau de aderência morfossintática. Isso
significa que o que está conceitualmente próximo também o estará na estrutura
linguística. O exemplo trazido por Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013)
acerca disso é o dos afixos, que, na estrutura gramatical, ficam mais próximos
dos radicais, justamente pela estreita ligação semântica que mantêm com eles,
do que as desinências de gênero e número, que são noções mais secundárias
e eventuais.
O subprincípio da Ordenação Linear resume-se basicamente no
seguinte, de acordo com Furtado da Cunha (2013, p. 169):

Relação entre ordem sequencial e topicalidade – conexão entre o tipo de
informação veiculada por um elemento da cláusula e a ordenação que
ele assume. Por exemplo, informações velhas ou já mencionadas
tendem ser colocadas no início da cláusula, e as novas, no final. Segue
um exemplo trazido pela autora:
Tenho vários amigos, mas o meu preferido é Carlos. Carlos está sempre comigo nas

horas de diversão.
Ordenação linear – a ordenação das orações no discurso tende a
espelhar a sequência temporal em que os eventos descritos ocorrem.
Sintaticamente, colocam-se a oração na mesma sequência em que ela
ocorreu na realidade.
Segundo Furtado da Cunha (2013), os três subprincípios citados
pertencem à noção mais branda do princípio de Iconicidade.
Votre (1996, p.36) hipotetiza que tudo o que é transparente e icônico
tenderá a ser, um dia, opaco e aparentemente arbitrário. Isso significa que nos
estágios finais da trajetória de mudança, os mecanismos de processamento
serão mais automáticos e menos transparentes para cada item da língua.
Nessa fase, os itens passam por um processo provisoriamente rotulado como
discursivização. Perdem restrições de ocorrência, aparecendo em outros
76
contextos que não os originários e passando a significar coisas mais genéricas,
menos específicas e mais vagas (ex: né).
1.6.9. Marcação e contrastividade
De acordo com Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013), ambas,
marcação e contrastividade, estão calcadas na cognição.
Quanto à marcação, Furtado da Cunha (2013) afirma que os termos
marcado e não marcado foram introduzidos pela Escola de Praga e que eles
definem o contraste entre dois elementos de uma dada categoria linguística.
Um elemento, em face de outro ao qual se opõe, é considerado marcado
quando exibe uma propriedade ausente no outro, que é considerado não
marcado.
Givón (2010, apud FURTADO DA CUNHA, BISPO e SILVA, 2013,
p.24-25) define três critérios para se distinguir uma categoria marcada de uma
não marcada:
(i)
complexidade cognitiva: a categoria marcada tende a ser
cognitivamente mais complexa – em termos de esforço mental,
demanda de atenção ou tempo de processamento – do que a não
marcada;
(ii)
complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais
complexa ou maior do que sua correspondente não marcada;
(iii)
distribuição de frequência: a categoria marcada tende a ser
menos frequente nos textos e, assim, cognitivamente mais
perceptível do que a categoria correspondente não marcada.
Para Givón (1995, apud Furtado da Cunha, Bispo e Silva, 2013), pode
acontecer de uma mesma estrutura ser marcada em um contexto, mas não ser
marcada em outro. Isso porque a marcação também depende do contexto, de
fatores comunicativos, socioculturais, comunicativos ou biológicos. Os autores
explicam que orações com alto grau de transitividade, por exemplo, são mais
frequentes (= não marcadas) em narrativas do que em textos argumentativos
(= marcadas, justamente pelo fato de serem menos frequentes). A marcação
estende-se também à distinção entre o discurso formal – mais marcado – e a
conversação espontânea – menos marcada.
77
Furtado da Cunha (2013, p. 170) lista algumas características das
formas não marcadas:

Maior frequência de ocorrência nas línguas em geral e em uma língua

contexto de ocorrência mais amplo;

aquisição mais precoce pelas crianças.

particular;
forma mais simples ou menor;
No nível do léxico, pode-se afirmar que o singular é uma forma não
marcada, e o plural, ao contrário, é uma forma marcada, por exemplo.
No nível da sentença, pode-se afirmar que as formas mais usadas são
menos marcadas e que as menos usadas, por conseguinte, são mais
marcadas. Estas são mais expressivas, o que significa que, quando querem ser
mais expressivos, os falantes geralmente usam formas mais marcadas.
A marcação ou não marcação também varia de contexto para contexto.
Um exemplo disso é a forma verbal vende-se, que é marcada na oralidade,
mas não na escrita. Isso porque é mais frequente na escrita (portanto, menos
marcada ou saliente) e bem menos frequente na oralidade (por conseguinte,
mais marcada ou saliente).
No que concerne à contrastividade, que está estritamente ligada à
marcação, Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013, p. 26) esclarecem que esse
princípio
diz respeito à opção do falante em selecionar um item dentre um
conjunto de itens possíveis, conferindo-lhe realce e distinguindo-o de
todos os demais, com o fim de despertar a atenção do interlocutor.
Para marcar linguisticamente essa seleção, o falante recorre a certos
mecanismos de relevo, tais como o traço prosódico, a ruptura com a
forma convencional de ordenação sintática, entre outros. Isso
representa, em certa medida, quebra de expectativa. [...]
A contrastividade está relacionada, por exemplo, a troca da ordenação
sintática habitual utilizada pelo falante, a fim de focalizar um elemento,
destacando-o sobre os demais.
78
1.7. Halliday e a Linguística Sistêmico-Funcional
A Linguística Sistêmico-Funcional é uma corrente do funcionalismo
conhecida por propagar uma teoria da língua enquanto escolha. Ao buscar
analisar a língua como forma de interação entre os falantes, opõe-se aos
estudos formais de cunho mentalista. Seu representante mais notável é o
inglês Michael Alexander Kirkwood HALLIDAY. É sistêmica porque diz respeito
às redes de sistemas existentes na linguagem (a transitividade e o modo, por
exemplo); e é funcional porque diz respeito às funções da linguagem, que são
usadas para a produção de significados.
Esse modelo funcionalista, a princípio, desenvolveu-se a partir dos
estudos do antropólogo Malinowiski e do linguista Firth. Atualmente, vem sendo
desenvolvido por Halliday e seus seguidores. Os estudos da Linguística
Sistêmico-Funcional têm sido utilizados não somente nas descrições funcionais
da língua, mas também em diversas áreas do conhecimento humano, como o
trabalho com letramento visual, o desenvolvimento de programas de
alfabetização para estudantes de escolas primárias e secundárias na Austrália
e o desenvolvimento de programas de treinamento de empresas, por exemplo,
além de contribuir com a Análise Crítica do Discurso e a Linguística
Computacional, por exemplo (Cf. FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011, p.
24).
Tal ramo funcionalista da Linguística descreve e compreende a
linguagem, em seu uso, como um sistema de comunicação humana. É um dos
sistemas de significado que compõem a cultura humana. Portanto, não a
concebe, de forma alguma, como um conjunto de regras desvinculadas do
contexto de uso. Em tal sistema, a língua é organizada basicamente em torno
de duas possibilidades:


A cadeia ou sintagma Referente ao sistema;
a escolha ou paradigma Referente ao uso.
As unidades sintagmáticas dizem respeito apenas às realizações
linguísticas, aos dignificados básicos, rasos, ao passo que as relações
paradigmáticas dizem respeito ao nível profundo e abstrato da linguagem,
79
expressando algo que vai além do significado básico. Por essa razão, pode-se
afirmar que uma gramática sistêmica é, acima de tudo, paradigmática (Cf.
FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011, p.24).
Ao se considerar o sistema, consideram-se também as escolhas a
serem feitas no eixo do paradigma, com a noção de que cada escolha produz
um significado. No entanto, nem sempre tais escolhas são conscientes. Ainda
assim, elas são influenciadas em certos aspectos pelo contexto no qual são
usadas (Cf. Butt et al., 2001, p.2 apud FURTADO DA CUNHA e SOUZA, 2011,
p. 25).
Para Halliday, os elementos linguísticos não significam isoladamente.
Os significados são alcançados a partir das escolhas que os falantes fazem em
detrimento de outras. Por exemplo, um indivíduo pode escolher a forma de
dizer que rasgou um livro que fora tomado emprestado de alguém, de acordo
com o efeito que se quer causar sobre o dono do livro:
(I) Eu rasguei seu livro.
(II) Seu livro rasgou.
(III) Seu livro foi rasgado.
(IV) Rasgaram seu livro.
Analisando-se de maneira rasa, todas as opções dadas significam a
mesma coisa. Entretanto, paradigmaticamente, têm nuances de significado
diferentes, desde a assunção da culpa [eu rasguei seu livro] até a eximição
[rasgaram seu livro/ seu livro rasgou/ seu livro foi rasgado]. Cada escolha pode
produzir um significado diferente.
A Linguística Sistêmico-Funcional dirige sua atenção para quatro
pontos centrais e constitutivos da linguagem, conforme Furtado da Cunha e
Souza (2011, p. 30):
(1) O uso da língua é sempre funcional; (2) as funções são para fazer
sentidos; (3) os sentidos são influenciados pelo contexto social e
cultural do qual participam; e (4) o processo de uso da linguagem é
um processo semiótico, um processo de produzir significado pelas
escolhas linguísticas realizadas (Cf. EGGINS, 1995).
Os estudos da Linguística Sistêmico-Funcional relacionam linguagem,
situação e cultura sistematicamente, e partem de produtos autênticos da
80
interação social, que, nesse âmbito, são chamados texto. Dentro deste,
ocorrem dois tipos de contexto, o de cultura e os de situação, como segue:
 Contexto de cultura– Reunião de todos os significados que possam fazer
sentido dentro de dada cultura.
 Contextos de situação– Contextos específicos, imediatos. Ocorrem
dentro do contexto de cultura. Estão presentes nestes contextos as
características linguísticas dos textos, que dão ‘vida’ às palavras e aos
padrões gramaticais usados por falantes e escritores, consciente ou
inconscientemente, para construir os diferentes gêneros, e pelos
ouvintes e leitores para identificar e classificar tais gêneros. Constituem
o contexto de situação:

Campo – Natureza da prática social, o que está acontecendo.

Relação – Natureza do envolvimento entre os participantes,

Diz respeito ao que é dito ou escrito sobre algo;
que pode ser formal ou informal, mais afetiva ou menos
afetiva;
Modo – Meio/canal de veiculação do texto.
Sob o ponto de vista da Linguística Sistêmico-Funcional, a oração é a
unidade básica para análise. Halliday (2004, p.50) define a oração (ou cláusula)
como “a mola-mestra da energia gramatical; é a unidade em que os
significados de diferentes tipos – experienciais, interpessoais e textuais – são
integrados em um único sintagma”.
Diante disso, em sua teoria, Halliday (2004) propõe três linhas de
significação que estão incorporadas na estrutura da oração: Sujeito, ator e
tema. De acordo com o autor, cada um dos itens a seguir expressa um tipo de
organização semântica:

O sujeito funciona na estrutura da oração como uma troca. Uma oração
é uma transação entre falante e ouvinte; o sujeito é a garantia da troca.
É o elemento que o falante torna responsável pela validade daquilo que

ele está dizendo.
O ator funciona na estrutura da cláusula como representação. Uma
oração é uma representação de algum processo da experiência humana
81
em curso. O ator é o participante ativo nesse processo e o elemento que

o falante retrata como aquele que realiza a ação.
O tema funciona na estrutura da oração como uma mensagem, uma
quantidade de informação. É o ponto de partida dessa mensagem e o
elemento o que o falante seleciona como base daquilo que vai dizer.
Esses três elementos ocorrem ao mesmo tempo na oração e
concernem, respectivamente, a uma troca, a uma representação e a uma
mensagem. A seguir serão apresentadas as considerações de Halliday sobre a
oração como troca, como representação e como mensagem.
1.7.1. Oração como troca
A troca é a natureza do diálogo seu cerne é dar e receber. O falante,
em seu discurso, está dando algo ao ouvinte ou pedindo dele alguma coisa.
Halliday (2004, p. 107) afirma que “dar” significa “convidar para receber”, e que
pedir significa “convidar para dar”. Dessa forma, no momento da troca
interativa, o falante não está simplesmente dando algo, ele está requerendo
alguma coisa do ouvinte. Essa é a troca: na interação, dar implica receber e
pedir implica dar em resposta.
Nessa troca, podem ser negociados bens e serviços (não-verbal) ou
informação (verbal) (Cf. HALLIDAY, 2004, p.107). A negociação de bens e
serviços não depende exclusivamente da linguagem; informação, sim, pois não
há como obtê-la senão por meio da troca. Uma criança primeiro aprende a
utilizar a linguagem para bens e serviços. Somente depois é que ela internaliza
o princípio de linguagem como instrumento de troca comunicativa.
Quando tomados juntos, esses dois elementos definem as quatro
principais funções da fala: declaração, pergunta, oferta e comando. Cada uma
dessas funções é combinada com sua respectiva resposta:

Oferta: aceitar uma oferta;

Declaração: reconhecer uma declaração;

Comando: realizar um comando;
82

p.108).
Pergunta: responder a uma pergunta.
Apenas esta última é essencialmente verbal. (Cf. HALLIDAY, 2004,
De acordo com Halliday (2004, p.110), quando a linguagem é utilizada
para troca de informação, a oração toma a forma de proposição, ou seja, tornase algo que pode ser afirmado ou negado, duvidado, contrariado, aceito em
partes ou no qual se pode insistir. No entanto, nem todas as trocas podem ser
tratadas como proposições. As de troca de bens e serviços, ao contrário das
declarações, não podem ser afirmadas ou negadas. Para ofertas e ordens, a
língua não tem recursos especiais. Nesse caso, a linguagem funciona como
meio pelo qual se pode alcançar algo que não é essencialmente linguístico.
1.7.2. Oração como representação
Os parâmetros de contexto de situação – campo, relação e modo –
afetam as escolhas linguísticas dos falantes, refletindo as três funções
postuladas por Halliday e que constituem os propósitos principais da linguagem
(Cf. FURTADO DA CUNHA E SOUZA, 2011, p.26). São três metafunções,
presentes em qualquer uso da linguagem simultaneamente: a Metafunção
Ideacional; a Metafunção Interpessoal e a Metafunção Textual.
Na Metafunção Ideacional, os recursos gramaticais da língua, por meio
do sistema da transitividade, são utilizados para interpretar e construir os
significados da experiência de mundo do indivíduo, tanto do mundo interno
quanto do externo. Essa Metafunção está relacionada às representações de
mundo e à experiência humana. Ao tratarem dessa Metafunção, Furtado da
Cunha e Souza (2011, p. 27) trazem o seguinte exemplo:
[...] No exemplo “Diogo é paulistano, tem 40 anos e mora em Veneza
[...] Ele mudou-se para a Itália em 1987 e foi lá que escreveu seus
quatro romances [...] Seu estilo afiado data dos tempos de
estudante...” (Veja, n. 24, p. 9, jun. 2003), podemos perceber essa
Metafunção ao observarmos que os verbos e termos a eles
associados (processos e participantes, para a LSF [Linguística
Sistêmico-Funcional]) combinam-se para formar o perfil de alguém,
83
para a construção específica de uma imagem, a qual é desejada pelo
autor. (grifos das autoras)
No exemplo, verifica-se a visão que um indivíduo tem acerca de outro e
a preocupação daquele em transmitir tal visão para os leitores dessa revista.
Na Metafunção Interpessoal, os recursos gramaticais da língua, por
meio do sistema do modo, são utilizados para exprimir os papéis sociais, em
geral, e os papéis de fala, em particular, isto é, para alterar, estabelecer e
manter relações interpessoais. O falante expressa ao outro seus mundos
interior e exterior. Desse modo, esta metafunção está relacionada à troca
interacional entre falante e destinatário, à manutenção dos papéis sociais e à
construção e manutenção das relações interpessoais e da ordem social em que
elas ocorrem. Para este caso, Furtado da Cunha e Souza (2011, p. 27)
apresentam o seguinte exemplo:
[...] No exemplo: “Não queremos muito, não. Queremos ser amadas”
(Uma, n. 33, p. 3, jun. 2003), percebemos essa metafunção através
da primeira pessoa do plural, modo indicativo, que une editora da
revista e leitora em um só desejo. E também no exemplo “Afinal,
existe coisa mais fantástica do que segurar na mão do gato, olhar nos
olhos dele e dizer eu te amo?” (Todateen, n. 93, p. 4, ago. 2003) em
que a forma interrogativa dialoga, direta e explicitamente, com a
leitora.
No primeiro dos exemplos dados no excerto, verifica-se uma relação de
identidade entre editora da revista e leitora, uma vez que ambas desejam a
mesma coisa. No segundo, há o diálogo direto entre editora da revista e leitora.
Na Metafunção Textual, os recursos gramaticais da língua, por meio do
sistema do tema, são utilizados para organizar e apresentar textualmente os
significados interpessoais e ideacionais. As informações presentes podem,
assim, ser trocadas entre falante e ouvinte. Dessa forma, a metafunção textual
concerne à criação de uma mensagem, que apresenta os significados
ideacionais e interpessoais como informações, de modo que estas podem ser
trocadas por falante e ouvinte em um dado contexto. Tal troca permite ao
falante utilizar estratégias para orientar o ouvinte em sua interpretação da
mensagem. No tocante a essa Metafunção, Furtado da Cunha e Souza (2011,
p. 27-28) mostram o exemplo a seguir:
84
[...] O exemplo “Tudo o que você precisa saber para deixar os
gatinhos loucos por seus lábios e pedindo bis. Por falar em gatos, a
revista está cheia deles” (Todateen, n. 90, p. 4, maio 2003), ilustra a
metafunção textual através do uso de mecanismos de coesão textual,
como a retomada do termo “gatinhos” pelo SN “gatos”; o qual, por sua
vez, reaparece pronominalmente na oração que encerra o trecho.
Neste exemplo, verifica-se junção e a transformação das metafunções
ideacional (= a representação do que sejam rapazes bonitos, chamados de
gatinhos) e interpessoal (= o diálogo entre editora da revista e leitora) em
metafunção textual por meio de recursos de coesão textual.
A partir das metafunções, torna-se possível entender como as pessoas
usam a linguagem umas com as outras em suas atividades sociais diárias.
De acordo com Furtado da Cunha e Souza (2011, p. 28), todas as
línguas, nos moldes da Linguística Sistêmico-Funcional, são organizadas em
torno dos significados ideacional e interpessoal, considerados principais. Isso
porque essas duas metafunções, associadas à textual, estão relacionadas aos
dois propósitos mais gerais que fundamentam o uso da linguagem,
respectivamente: o entender o ambiente e o influir sobre os outros.
1.7.3. Oração como mensagem
Uma mensagem transmitida carrega em si tema e informatividade. O
tema é responsável por prover uma estrutura temática à oração, dando a ela o
caráter de mensagem. Essa estrutura se combina com o restante da oração de
modo que as duas partes, em conjunto, formam uma mensagem. A
informatividade
diz
respeito
ao
conhecimento
que
os
interlocutores
compartilham, ou supõem que compartilham, na interação verbal, e isso inclui
informações novas e velhas. Assim sendo, o tema está relacionado às noções
de Tema e Rema, e a informatividade, por sua vez, às de Dado e Novo.
a) Tema e Rema
De acordo com Halliday (2004), a terminologia Tema e Rema é oriunda
da Escola de Praga. Segundo o autor, alguns linguistas utilizam, em lugar de
Tema e Rema, a nomenclatura Tópico e Comentário, respectivamente. Para
85
ele,
a
nomenclatura
Tópico-Comentário,
na
verdade,
tem
diferentes
conotações, uma vez que “Tópico” refere-se a um tipo particular de Tema, o
“Tema-Tópico”, e à noção de “Dado”, que é funcionalmente distinta de “Tema”.
O Tema orienta e localiza a cláusula dentro de seu contexto, provendo a
cena para o desenvolvimento da oração, posicionando-a em relação ao texto.
O restante da mensagem, que é a parte na qual o Tema é desenvolvido, é
chamado de Rema. Normalmente, o Tema é indicado por sua posição na
oração. Conhece-se seu status temático porque, segundo Halliday (2004), ele
sempre é posto em primeiro lugar.
Em sua fala ou escrita, o usuário escolhe o elemento temático da
cláusula. Embora o tipo mais comum de Tema seja um participante realizado
por um grupo nominal, ele pode pertencer a outra classe de grupo ou frase. Às
vezes, não vem explicitamente marcado na cláusula, e, no caso da fala, o
ouvinte pode inferi-lo pela entonação. Isso ocorre frequentemente quando o
Tema é um grupo adverbial ou frase proposicional, ou, ainda, um grupo
nominal que não está funcionando como sujeito (Cf. HALLIDAY, 2004, p.66). O
Tema pode ser marcado ou não marcado.
b)
Dado e Novo
Segundo Halliday (2004, p.89), Informação é a tensão entre o que já é
conhecido ou previsível e o que é novo ou imprevisível. No sentido linguístico,
é justamente a interação entre o Dado (não-novo) e o Novo que gera
informação. E é esse movimento que provê fluidez ao texto, fazendo com que
este progrida sem perder o ponto de partida.
A informatividade é a base do fluxo de informação. Tanto do ponto de
vista cognitivo quanto do pragmático, um indivíduo, na comunicação, pretende
informar algo a seu interlocutor, seja acerca de seu mundo interior ou exterior,
esperando provocar alguma alteração no conhecimento e/ou nas ações do
interlocutor. Desse modo, conforme Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013,
p.26),
[...] o locutor não apenas procura dosar o conteúdo informacional em
função do que se supõe que seu parceiro já conhece ou não, mas
86
também se esforça em monitorar/ orientar o ponto de vista deste,
visando a atingir determinado(s) objetivo(s).
Assim, concorda-se com Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013)
quando afirmam que a informatividade também está relacionada ao
monitoramento da dosagem de informação, da organização sequencial e da
forma expressiva como o conteúdo semântico é perspectivado, a fim de passar
ao interlocutor a informação julgada necessária, bem como orientar sua
atenção para um fim desejado.
Cada unidade de informação é formada por um elemento dado
acompanhado de um novo. Entretanto, um discurso só se inicia com um novo
elemento. No decorrer do discurso, tal elemento, uma vez conhecido, torna-se
velho, pois fora dado inicialmente. O Dado, por sua natureza, é fórico: Referese a algum elemento, verbal ou não-verbal, presente no contexto. De acordo
com Halliday (2004, p. 89), o elemento novo é marcado pela proeminência, e
vem normalmente precedido pelo dado. Isso posto, tem-se que:


Dado (velho) – é relativo à informação que já ocorreu no texto ou que
está disponível na situação de fala, como, por exemplo, os próprios
participantes (falante e ouvinte).
Novo – é relativo à informação que é introduzida pela primeira vez no
discurso. Sobre essa informação, há duas considerações:
 Se já estiver na mente do ouvinte, por ser um referente único,
num dado contexto, é chamada Disponível;
 se for identificada por meio de inferência, a partir de outras
informações dadas, é chamada de Inferível (Cf. FURTADO DA
CUNHA, 2013, p. 166).
As noções de Dado e Novo, Inferível e Disponível correspondem à
avaliação que o locutor faz do estado de ativação dos elementos referenciais
na memória do interlocutor (Cf. FURTADO DA CUNHA, BISPO E SILVA, 2013,
p.27).
Diante disso, pode-se afirmar que a noção de Tema se aproxima da
noção de Dado, enquanto que a de Rema aproxima-se da de Novo. Contudo,
Halliday (2004, p.93) esclarece que Tema e Dado não são a mesma coisa,
87
assim como Rema e Novo não o são. O Tema é o que o locutor opta por tomar
como ponto de partida. O Dado é o que o ouvinte já conhece ou que está
acessível a ele. Assim, Tema e Rema são orientados pelo locutor, Dado e
Novo, pelo ouvinte (Cf. Halliday, 2004, p.93).
1.8. O funcionalismo proposto por Givón: a gramática nasce do discurso
Talmy GIVÓN é um dos expoentes do chamado funcionalismo norte-
americano (ou “da Costa Oeste americana”) e conhecido por estudar a relação
entre gramática e discurso. É dele a noção de que “a sintaxe de hoje é o
discurso pragmático de ontem” (Cf. PINTO, ALONSO E CEZARIO, 2013, p.4243).
Em 1979, Givón publica On Understanding Grammar, obra considerada
um clássico no âmbito dos estudos funcionalistas. Nela, é abordada a origem
discursiva das estratégias gramaticais. No mesmo ano, Talmy Givón publicou
From Discurse to Syntax, um texto totalmente antigerativista. Seus trabalhos
posteriores caracterizam-se pela busca de parâmetros motivados comunicativa
ou cognitivamente para a explicação de fatores gramaticais.
Ainda nessa época, Givón foi reponsável por extrapolar os módulos do
léxico e da morfologia, introduzindo o discurso como parâmetro maior para o
entendimento da estrutura da língua, em geral, e o desenvolvimento de
estruturas e categorias gramaticais. Por essa razão, Givón (1979), segundo o
que afirma Gonçalves (2007) prefere o uso do termo sintetização em vez de
gramaticalização, já que o discurso, sendo um modo não-planejado de
comunicação informal, passa também a favorecer a emergência de novos
modelos gramaticais. Sob essa visão, Givón propõe o seguinte ciclo funcional:
DISCURSO  SINTAXE  MORFOLOGIA  MORFOFONÊMICA  ZERO
Para o funcionalismo de base givoniana, discurso e gramática estão
intimamente relacionados. Esses dois conceitos são definidos da seguinte
forma, conforme Martelotta, Votre e Cezario (1996, p.48-56):
88

Discurso – Segundo os autores, consolidado a partir das análises
Sankoff e Brown (1976) no estudo sobre as origens da sintaxe no
discurso, passou a se referir ao uso potencial da língua (grifo nosso),
isto é, às diferentes estratégias criadas pelo falante para organizar
funcionalmente seu texto para um determinado ouvinte em determinada

situação de comunicação.
Gramática – Representa o conjunto de regularidades decorrentes de
pressões cognitivas e, principalmente, de pressões de uso que
propiciam à gramática um aspecto mais regular (grifo nosso), uma
vez que ela é também consequência do modo como os humanos
interpretam o mundo e relacionam e organizam mentalmente as
informações decorrentes dessa interpretação.
No início de sua trajetória, Givón, por seu posicionamento a respeito
das ideias do estruturalismo e do gerativismo, foi considerado extremado.
Porém, ao longo de suas obras mais recentes, o autor apresentou uma
proposta mais moderada (Cf. NEVES, 1997a, p. 57). Um exemplo dessa
mudança de postura é que embora rejeite a abordagem gramatical realizada
por Chomsky, Givón (1993), ao introduzir de sua obra, reconhece a importância
do gerativista em seu “despertar precoce à realidade mental inegável da
gramática” (p.21) e que na linguagem, a forma tem grande importância.
Na
introdução
de
sua
obra,
Givón
(1993)
a
define
como
“descaradamente funcionalista”. Por defender que a gramática deve servir aos
propósitos comunicativos, isto é, que mais valem a retórica e a comunicação
que a estrutura pela estrutura, ele se coloca contra a postura de linguistas que
defendem que a estrutura formal da língua é um mecanismo arbitrário e
autônomo cuja função principal é governar a construção de sentenças bem
formadas, estudando a gramática pela gramática.
Givón não nega a existência da gramática e de suas regras, e afirma,
inclusive, que estas são importantes e devem ser explicadas, porém, esclarece
que não se deve encarar uma gramática apenas pela gramática. Ela não é
arbitrária, existe por alguma razão, e é o caminho para uma expressão concisa
e
coerente.
Uma
boa
expressão
pressupõe
uma
boa
forma.
Comunicativamente, a regra é opaca. Mas, analisando-se os efeitos históricos,
89
verificam-se mudanças. Alguns itens perdem sua função original, mas ganham
outras, ou seja, passam por reanálise. Quanto mais recente for essa reanálise,
mais naturalmente a forma estrutural refletirá sua função original.
A gramática deve fazer sentido. Assim, Givón afirma que forma e
significado devem ser estudados juntos, pois a gramática produz sentidos, e as
formas da língua são expressão da cognição, isto é, do pensamento. Para ele,
(1993, p.23 da introdução), “A linguagem humana é um instrumento intencional
para codificar e transmitir informações, cuja estrutura, assim como em outros
instrumentos, não é divorciada de sua função.”
De acordo com Givón (1993), uma gramática segundo o funcionalismo
não é um conjunto de regras rígidas que devem ser seguidas para se
produzirem sentenças gramaticais. Ao contrário, a gramática é um conjunto de
estratégias que alguém emprega a fim de produzir comunicação coerente. Isso
não significa que haja uma negação da existência das regras gramaticais, mas
que essas regras, tomadas como um todo, não são arbitrárias. A produção de
sentenças gramaticais regidas por regras é o meio pelo qual se produz
comunicação coerente. Para ele, a gramática é um organismo biológico em que
várias estruturas exercem funções distintas e específicas e que nunca poderá
ser descrito exaustivamente, tamanha sua complexidade.
Usando essa comparação, Givón explica que, em Biologia, o estudo da
estrutura não faz sentido algum se não for simultâneo ao estudo da função.
Segundo Givón, as regras gramaticais não são tão rígidas quanto
parecem, ao contrário, são mais flexíveis. São aprendidas ao longo da vida por
meio da interação comunicativa e dependem do contexto. O autor ainda afirma
que as estratégias gramaticais variam. Isso significa que não existe uma “lei
gramatical” universal. Há um número limitado de estratégias gramaticais que as
línguas humanas usam verdadeiramente para codificar as mesmas funções
comunicativas (Cf. GIVÓN, 1993, p.3).
Para o autor, nas línguas naturais não existe uma única comunidade de
fala com uma única gramática, mas uma complexa e multiestratificada
comunidade de fala, com uma imensa variedade de gramáticas. Essas
gramáticas,
na
verdade,
sobrepõem-se
e
estão
historicamente
inter-
relacionadas. Geralmente, as dimensões em que essas gramáticas variam são
história, idade, modalidade, educação, formalidade, classe social, etnia, região
90
geográfica, habilidade nativa, individualidade. Essas dimensões não são
totalmente independentes umas das outras. (Cf. GIVÓN, 1993, p.7).
Além de servir para representar/codificar as experiências mentais e para
a comunicação com os outros, a linguagem humana serve a várias outras
funções. Algumas dessas outras funções metacomunicativas são, de acordo
com Givón (1993, p.21):
a) Funções de coesão sociocultural - A linguagem é frequentemente o ponto
de intersecção para manter a coesão sociocultural de um grupo e serve
para sinalizar a identificação dos indivíduos com o grupo.
b) Funções afetivas interpessoais - A linguagem desempenha o papel principal
na mediação da interação entre membros de um grupo, sinalizando afeto,
cooperação, obrigação, domínio ou competição.
c) Funções estéticas - A linguagem é um importante ponto de encontro para
sinalizar valores estéticos na oratória, na ficção, na poesia, na música e no
teatro.
Segundo Givón, a gramática, de uma maneira ou outra, faz parte
dessas funções secundariamente.
O autor postula que a função central da linguagem é ser um
instrumento para codificar e comunicar informação. Nesse sentido, envolve três
domínios funcionais:

Palavra  significado - As palavras codificam os conceitos de entidades,
tendo, pois, significado. As entidades codificadas podem ser tanto aquelas
que fazem parte da experiência externa (real) quanto interna (mental).
Servem também como parte de nosso universo cultural socialmente
negociado, dentro do qual se constroem entidades internas e externas, bem

como costumes, instituições, interpretações, modelos de conduta etc.
Orações/sentenças  informação - Cláusulas/sentenças codificam as
proposições. Uma proposição é a combinação de conceitos à informação,
que diz respeito a relações, qualidades, estados ou eventos dos quais as
entidades fazem parte. E esses elementos são uma propriedade que
transcende as barreiras de proposições isoladas.
91

Discurso  coerência - Por fim, no discurso, as proposições individuais são
combinadas formando um discurso / comunicação coerente ou um texto
coerente. Dessa forma, o discurso é predominantemente multiproposicional
e essa coerência é uma propriedade que transcende as barreiras das
proposições isoladas. (Cf. GIVÓN, 1993, p.21-22).
Os conceitos são codificados na língua na forma de palavras, um
procedimento de codificação que é alcançado principalmente por meio dos
sons, que são a parte mais arbitrária do código linguístico humano. A gramática
(ou sintaxe) é o instrumento por meio do qual outros dois domínios funcionais
são codificados:
(a) A informação proposicional na cláusula; e
(b) a coerência discursiva da cláusula colocada em seu contexto discursivo.
Diante do exposto, tem-se uma semântica lexical, relacionada ao
significado dado aos conceitos de entidades por meio do léxico; uma semântica
proposicional, na qual as palavras do léxico, combinadas, formam proposições
que expressam informações sobre relações, estados, qualidades ou eventos; e
uma pragmática discursiva, na qual as proposições juntas formam um discurso
coerente que vai muito além de proposições isoladas. É por essa razão que o
discurso é multiproposicional.
A figura a seguir, que deve ser analisada
verticalmente, mostra a organização hierárquica dos níveis semântica lexical,
semântica proposicional e pragmática discursiva:
Figura 02: modelo de organização hierárquica vertical dos níveis semântica lexical,
semântica proposicional e pragmática discursiva, com base em Givón (1993).
92
De acordo com Felicíssimo (2015, p.72-73):
Essa organização hierárquica obedece a uma leitura vertical,
possibilitando a caracterização do significado das palavras sem
referência à proposição e sem referência ao discurso. As proposições
carregam informações do léxico mas não carregam funções
discursivas. As funções discursivas carregam as funções
proposicionais de forma a encaixar as proposições no discurso. Em
síntese, o contexto discursivo das proposições carrega função
discursiva e estas são impossíveis de serem caracterizadas sem
menção à informação da semântica proposicional e lexical.
Depreende-se, desse modo, que é possível fazer uma leitura vertical
de baixo para cima, a partir do léxico, sem referência à semântica proposicional
e à pragmática discursiva. Entretanto, é impossível se fazer uma leitura vertical
de cima para baixo, isto é, partir do discurso, sem considerar a semântica
proposicional e a semântica lexical.
A perspectiva vertical dos níveis propostos por Givón (1993), para a
análise das funções adquiridas no uso do português brasileiro, será utilizada na
análise da mostra coletada nesta pesquisa, em busca da inter-relação entre os
níveis propostos.
Como se pôde verificar por meio da revisão teórica feita, o
funcionalismo apresenta divergência de abordagens, e os modelos de
gramáticas sistêmico-funcionais apresentam variações: enquanto Halliday
(2004) se preocupa com as metafunções (ideacional, interpessoal e textual),
Givón (1993) privilegia a superposição dos níveis (lexical, proposicional e
pragmático-discursivo). Já Castilho (2014) apresenta o modelo multissistêmico,
privilegiando o dispositivo sociocognitivo para o tratamento do uso guiado pela
cultura.
93
CAPÍTULO 2 – UMA REVISÃO DOS VERBOS SER E ESTAR:
ETIMOLOGIA,
ESTUDIOSOS
TRATAMENTO
BRASILEIROS,
ALGUMAS FUNÇÕES
GRAMATICAL
DADO
GRAMATICALIZAÇÃO
POR
E
Este capítulo traz algumas considerações sobre a etimologia dos
verbos ser e estar, importante para se compreender as estruturas formadas
com esses verbos existentes atualmente. Em seguida, apresenta uma revisão
do tratamento dado por autores brasileiros aos verbos ser e estarem suas
gramáticas; para tanto, foram escolhidas gramáticas de três abordagens
distintas: a histórica, a tradicional e a que se pode tratar por funcional, já que se
preocupa em abordar, dentre outros, as funções que esses verbos assumem
em situações de uso efetivo da língua. Logo depois, aborda o processo de
gramaticalização dos verbos, que, no caso de ser e estar, fez com que
surgissem para esses verbos as funções de copulativos (ou de ligação) e de
auxiliares. Por fim, trata de algumas das funções gramaticais dos verbos ser e
estar no português.
2.1. Algumas considerações sobre a etimologia de ser e de estar
Para melhor entendimento acerca das funções exercidas pelos verbos
ser e estar, faz-se necessário tomar conhecimento da história dos verbos ser e
estar, que ajudará a compreender o porquê da escolha de um ou outro deles
em certas construções.
Segundo Bagno (2012), o uso diferenciado e intenso desses verbos é
uma exclusividade das línguas do grupo espanhol e portugalego. Para o autor,
ao contrário do que ocorre aos falantes de línguas como o inglês, o francês, o
alemão etc., é essencial aos falantes do português brasileiro fazer a distinção
entre ser feliz e estar feliz, por exemplo, e cita a declaração dada pelo
intelectual Eduardo Portella, em 1979, ao assumir o Ministério da Educação:
“Eu não sou ministro, estou ministro. ”
94
Conforme Bagno (2012), até mesmo entre o português e o espanhol,
muito embora sejam línguas com características semelhantes, há algumas
diferenças no que tange ao uso dos verbos ser e estar. A esse respeito, o autor
afirma que (p. 610):
Quando comparamos ser e estar nessas línguas, já topamos com
diferenças: enquanto dizemos que uma mesa é feita de madeira, os
falantes de espanhol dizem que ela está hecha de madera. O título da
famosa canção Soy loco por ti, América, escrita em 1968 pelos
brasileiros Capinam e Gilberto Gil, causa estranheza aos
hispanofalantes, pois o mais natural em sua língua seria Estoy loco
por ti, América. [...]
Em língua portuguesa, os verbos ser e estar são usados em estruturas
locativas e atributivas. Entretanto, outras línguas derivadas do latim
mantiveram apenas o uso do verbo ser como locativo. As noções de
estaticidade e dinamismo expressas por ser e estar, respectivamente, têm
profunda relação com a etimologia desses verbos.
De acordo com Bagno (2012), tanto ser quanto estar têm uma pré-
etimologia, isto é, seus radicais são provenientes do indo-europeu, que deu
origem a grande parte das línguas europeias e que, portanto, é anterior ao
latim.
A raiz indo-europeia -sed exprime a ideia de ‘sentar-se’, e dela provém
o verbo latino sedere, que deu origem a ser. Já a raiz indo-europeia -sta
exprime a ideia de ‘estar de pé’, e dela veio o verbo latino stare, que, por sua
vez, deu origem a estar.
Diferentemente do verbo ser, o verbo estar deriva apenas de um
radical latino, stare. Bagno (2012) chama a atenção para uma derivação desse
verbo que ele considera uma das mais interessantes: a terminação -stão,
utilizada nos nomes de muitos países e regiões, como Paquistão, Afeganistão,
Cazaquistão, Uzbequistão e outros. Derivada do persa stan, que significa
‘lugar’, essa terminação, quando ligada a nomes de povos, significa ‘lugar onde
está povo X’. Assim, Afeganistão, por exemplo, é o ‘lugar onde está o povo
afegão’.
De acordo com Mattos e Silva (1991), a oposição semântica que hoje
se estabelece entre ser e estar, que exprimem, respectivamente, ‘permanência’
e ‘transitoriedade’, não estava estabelecida no período arcaico do português.
95
A autora afirma que o verbo ‘estar’ com a acepção de ‘estar de pé’ está
documentado no português pelo menos até fins do século XVI. Já o verbo ‘ser’
com a acepção de ‘estar sentado’, ainda tem uso pelo menos até fins do século
XIV. Conforme Mattos e Silva (1991, p.64),
[...] o traço [ + transitório] é próprio, desde sua origem, a estar,
enquanto em ser confluem o [ + transitório] de sedère e o [ + mais
permanente] de esse. Não é sem razão histórica, portanto, que
definida a oposição no português foi estar o verbo escolhido para
expressar a transitoriedade, ou seja, a propriedade de individual
temporalmente limitado.” [...]
A partir da etimologia de ser e de estar é possível compreender o uso
desses verbos, e, por essa razão, faz-se importante seu estudo semântico e
etimológico. Entretanto, as gramáticas históricas e tradicionais não se
aprofundam ou não abordam a etimologia desses verbos, como se verificará no
item a seguir. Essas gramáticas se restringem, portanto, além do aspecto
morfossintático desses verbos, a atribuir a ser a noção de permanência e a
estar, a de transitoriedade.
2.2. Revisão do tratamento gramatical dado por autores brasileiros para
os verbos ser e estar
A fim de se realizar a revisão do tratamento gramatical dado aos
verbos ser e estar por autores brasileiros, foram selecionadas algumas
publicações, a saber:

A gramática de Said Ali (1927) e a de J. J. Nunes (1945), que fazem

As gramáticas de Cunha e Cintra (2007) e Bechara (2009), que são de

As gramáticas de Vilela e Koch (2001), Neves (2011) e Castilho (2014),
uma abordagem histórica da gramática;
cunho tradicional;
que consideram a gramática em uso e que, portanto, podem ser
consideradas funcionalistas;
96

Estudos sobre gramaticalização, verbos de ligação, verbos auxiliares e
sobre a história de ser e estar.
2.2.1. Revendo as gramáticas históricas
As gramáticas históricas de língua portuguesa foram redigidas por
autores que se situam na fase histórica da gramática brasileira:
2.2.1.1. Grammatica Histórica da Língua Portugueza (SAID ALI, 1927)
Em sua gramática, Said Ali aborda a gramática dando importância às
transformações morfofonéticas pelas quais passaram as estruturas da língua
ao longo do tempo, do latim ao português (por exemplo, o desaparecimento de
certos sufixos verbais). Descreve formas, tempos conjugações e desinências
verbais.
Ao tratar dos verbos, Said Ali, nesta gramática, focaliza “especies,
formas e significação” (sic). De acordo com o autor (p. 138),
Verbo é a creação linguistica destinada a expressar a noção
predicativa. Denota a acção ou estado nas linguas do grupo aryano
possue sufixos proprios, com que se distingue a pessoa do discurso e
o respectivo numero (singular ou plural; em alguns idiomas também o
dual), o tempo (actual, vindouro ou preterito) e o modo de acção (real,
possivel, etc.). (sic)
O autor (p.140) utiliza o verbo ser como exemplo para explicar as
mudanças nas desinências -tes e -te, da segunda pessoa do plural:
As desinencias –tes, -te da 2.ª do plural continuaram a usar-se
abrandada a dental, sob a forma –des, -de ainda na linguagem do
seculo XIV, estendendo-se este uso a sondes, creação analogica por
influencia de som (port. mod. sou), somos. Desta epoca em diante
sondes simplifica-se primeiro em sodes, depois em sois, a dental do
sufixo desaparece por toda a parte, excepto no futuro do conjuntivo e
infinitivo flexionado (nos quaes se manteve, apesar da vacilação
havida ainda entre seiscentistas), nas formas vades (pres. do conj. de
ir), sede (imperativo de ser), e no presente do indicativo e imperativo
dos verbos monosyllabicos (e compostos) da 2.ª e 3.ª conjugação ver,
crer, ler, ir[...] (sic)
97
Ele utiliza esse mesmo verbo para exemplificar a morfologia dos verbos
no presente do indicativo (p.145-146):
Desaparecida a desinência -t, e simplificada a forma latina est em é,
todos os verbos necessariamente tiveram de terminar em vogal na 3.ª
do singular. Todavia em val, quer, faz, jaz, traz, diz, luz e compostos
de -duz (produz, conduz) não conseguiu a final -e sustentar-se como
nos demais verbos de 2.ªe 3.ª conjugação. [...]
Ainda com relação à morfologia dos verbos nesse tempo, Said Ali (p.
148) elucida que:
Dos verbos romanicos cader(e), seder(e), creder(e) e leger(e)
resultaram caer, crer, seer e leer em portuguez antigo, annullando-se
a pronuncia de d e g[...]. Na 1.ª do singular evitou-se o ditongo que
proviria do accrescimo directo de -o aos radicaes acabados em vogal,
inserindo o fonema i (iota) caio, creio, seio e leio.[...]Seer sucumbiu
pela forte concorrencia que lhe fez a locução estar sentado, e só
atravez de algum velho anexim consegue apparecer no scenario da
moderna linguagem literária. (sic)
No excerto acima aparece também o verbo estar na locução estar
sentado. Sobre este verbo, no que tange à sua morfologia e conjugação, tem-
se que: “Dar e estar formam respectivamente dou, dás, dá, damos, dais (port.
ant. dades), dão; estou, estás, está, estamos, estais (port. ant. estades), estão.
Sobre-estar conjuga-se como estar[...] (sic)” (p. 149).
Novamente o autor (p.149) utiliza o verbo ser para demonstrar
mudanças morfológicas ocorridas do latim para o português:
De es, est, estis do verbo latino esse ficaram em portuguez és, é,
desaparecendo a 2.ª do plural. Sum alterou-se em som, sõo e port.
mod. sou; sumus em somos, sunt em som, são. Para a 2.ª do plural
creou-se, por analogia, sondes, sodes, sois. (sic)
O autor segue explicando a conjugação dos verbos, de acordo com sua
terminação.
Acerca do verbo ser no (pretérito) imperfeito do indicativo, Said Ali
esclarece que: “O complexo verbo ser tem o imperfeito era, eras, era, etc.
filiado ao radical es- (verbo esse), cujo estudo compete à grammatica da lingua
latina” (sic) (p.153). E continua, desta vez citando também o verbo estar
(p.154):
98
Os verbos teer (port. mod. ter) e seer (extinto, de sedere) produziram
teve (desnasalisação de tēui) e seve (de se(d)ui); estar deu esteve de
ste(t)ui por steti. Para a 1.ª do singular ocorre em port. ant. seve e
sive, tive, estive; as demais pessoas eram teveste, teve, tevemos,
etc.,esteveste, estevemos, etc. hoje diz-se e escreve-se com i:
estiveste, tiveste, estivemos, tiveram, etc.) (sic)
No tocante ao verbo ser no modo imperativo, o autor afirma o seguinte:
“O verbo ser, port. ant. seer (lat. esse) faz todavia sê (port. ant. sei), sede,
formas identicas às do extinto seer (lat. sedere).” (sic) (p.157)
Considerando, agora, o modo conjuntivo (tratado atualmente como
subjuntivo), o autor faz considerações acerca do verbo estar (p.160):
De estar, estou, usou-se em port. ant. e entre os quinhentistas a
formação regular: êste, estês, estês, estê, estemos, esteis, estêm
(estêem). Por influencia de seja alterou-se depois estê em esteja, que
suplantou de todo a antiga forma. (sic)
Ao abordar a conjugação mixta ou symbiotica de alguns verbos
defectivos, Said Ali afirma que o verbo ser é um dos exemplos típicos. Isso
porque, segundo ele, esse tipo de verbo completa sua conjugação com o
auxílio de restos de antigos verbos na língua que não tinham forma infinitiva.
Dessa forma (p. 174):
O lat. esse, constituido pelas raizes es e bhu (fui, fuisti etc.), e
portanto já symbiotico antes de constituidos os idiomas romanicos,
forma em port. o pres. do conj. tomando ao verbo seer (lat. sedere) as
formas seja, sejas, seja, etc. (sic)
Ao que se conhece atualmente como verbos de ligação ou copulativos
Said Ali chama de verbos relacionais e nocionais, conforme a noção que
exprimem. Para ele (p. 174-175):
Ao verbo accrescenta-se muitas vezes uma adjectivo ou substantivo
que indica o estado ou condição do sujeito durante a acção verbal
[...]. Em construcções deste genero singularisam-se alguns verbos,
como ficar, parecer, tornar-se, ser, estar, ou, ainda, andar, vir e ir
usados em lugar de estar, por não se atribuir a taes verbos a
significação concreta que a principio tiveram ou ainda tem em outras
construcções [...]. O sentido existencial de ser, cujos vestigios ainda
se conservam em frases como era uma vez um rei[...] e em outros
dizeres, obliterou-se completamente, e de longa data, nas
combinações com adjectivo ou substantivo. Mais evidente é o
esquecimento da noção concreta do verbo estar, o qual necessita de
arrinar-se à locução em pé para que se lhe perceba a accepção
propria do latim stare, e é usado, alem disso, em estar sentado, estar
99
deitado sem que se repare na catachrese de semelhantes
construcções.
Compete ao verbo expressar o predicado, termo essencial a toda
proposição; e se esta prerogativa desapparece ou se diminue em
ficar, parecer, tornar-se, ser, estar, etc. acompanhados de outro
termo predicativo, compensa-se a perda, por assumir est’outro
vocabulo, a principio usado como anexo, funções proprias do verbo.
[...]
Ser e estar continuam a ser usados junto a adjectivo ou substantivo
não somente pela tradição da linguagem, mas ainda em razão de
seus elementos flexionaes. Um adjectivo, posto como predicado
immediatamente depois do sujeito, nenhum esclarecimento daria
acerca das relações de tempo e modo (sic) [...] (grifo nosso).
Os verbos ser e estar funcionam também como típicos verbos
auxiliares. De acordo com Said Ali: “Nas conjugações compostas em que o
verbo principal se usa sob a forma de particípio passado, servem de auxiliares
ter, haver, ser e, por vezes, outros verbos (sic) [...].” (p.181).
O autor encerra a seção dos verbos tratando das vozes verbais.
O tratamento histórico dado por Said Ali aos verbos não é o mesmo
proposto pela perspectiva da gramática sistêmico-funcional, já que esse autor
está preocupado em explicar e descrever apenas o nível lexical em suas
mudanças históricas, sem dar atenção à pancronia e à dinâmica do sistema.
2.2.1.2. Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa (J.J. NUNES, 1945)
Ao tratar dos verbos, J. J. Nunes enfatiza as alterações sofridas por
eles em sua passagem do latim para o português. Trata tão somente de
aspectos morfológicos dos verbos, como flexões, conjugações e alterações
fonéticas. Considera o verbo desvinculado do uso: não há preocupação com a
semântica e a sintaxe, apenas o léxico em si é analisado.
O verbo ser é tratado por J. J. Nunes como pertencente à classe dos
verbos que o autor chama de presentes anômalos (p. 294-295):
Ser. Decerto em virtude da sinonímia de significação, que na língua
vulgar existiu entre os verbos esse e sedere, resultou que o primeiro
tomou o segundo, que tinha conjugação completa, formas que não
possuía ou perdera no território galécio-português, como foram: o
gerúndio, infinitivo e portanto o futuro e condicional, o conjuntivo e
imperativo. Ainda no presente do indicativo deram-se certas
modificações: a primeira pessoa, depois de ter conservado durante
bastante tempo a forma regular som, trocou-a pela actual sou,
100
resultante da influência sobre aquela de igual pessoa de outro verbo,
também de sentido idêntico, estar a terceira perdeu regularmente o t
final [...] e depois o s, que a tornava anómala e a confundia com a 2.ª;
esta do plural foi refeita, ainda no latim vulgar, sobre a primeira do
mesmo número, passando de estis a * sutis. (sic)
O autor apresenta uma lista de conjugações de verbos que, segundo
ele, tinham, no latim, formas diferentes das encontradas à época em que o
compêndio foi publicado. Dentre esses verbos estão estar, de primeira
conjugação, e ser, de segunda (p. 320):
estar
[...]
ser
Ind. pret. estive, estiveste, etc. (*estede, *estedeste,
estede, *estedemos, *estedestes, estederom e estivi
ou estive e esteve, esteveste, esteve e estevo, etc.
Da 1.a forma deve ter havido os derivados: estedera,
*estedesse, *esteder, da 2.aestivera, etc., estevesse,
etc., estever, etc.).
Conj. pres. esteja, etc. (estê ou stê, estés, esté,
estemos, estedes, estêm).
Ind. pres. sou, és, é, etc. (sõo, som, são, soo, sou,
es, é (também este), somos, sedes, som e sejo,
sees, see, seemos e semos, seedes e sedes,
seem).
Imp. era, eras, era, etc. (era, eras, era, etc. e seía,
seías, seía, etc., depois siia, siias, etc. e sai, sias,
sia, etc.).
Perf. fui, foste, foi, etc. (foi ou fui, fustí, fuste, fuisti,
foste, foi ou fui, fomos, etc. e sevi ou sive, seveste,
seve, sevemos, sevestes, severom. De aí, a par de
fôra, fôsse, fôr, também severa, etc., sevesse, etc.,
sever, etc.).
Fut. serei, serás, será, etc. (seerei, seerás, etc. e
assim o condicional.).
Imp. sê, sêde (see ou sei e sê, sede, sede).
Conj. pres. seja, sejas, etc.
Como se pôde verificar, o autor restringe-se à forma e às conjugações,
não abordando funções sintáticas ou semânticas desses dois verbos. Assim,
pode-se afirmar que esse autor não descreve as dimensões pragmática e
discursiva, mas apenas a dimensão lexical dos verbos.
101
2.2.2. Revendo as gramáticas tradicionais
As gramáticas tradicionais são construídas para criar uma instância de
controle da variação linguística, tendo, portanto, o objetivo político de preservar
um padrão gramatical para a nação.
2.2.2.1. Nova Gramática do Português Contemporâneo (CUNHA e CINTRA,
2007)
Cunha e Cintra fazem uma abordagem tipicamente tradicional da
gramática. Quanto aos verbos, são tratados a partir de: Flexões, formas
rizotônicas e arrizotônicas, classificação quanto à flexão (em regular, irregular e
abundante), as conjugações, a sintaxe dos modos e dos tempos, a
concordância e a regência verbais, e a sintaxe do verbo haver.
Diferente do que ocorreria em uma gramática histórica, os autores
descrevem as funções sintáticas dos verbos:
[...]
2. Quanto à FUNÇÃO, o verbo pode ser PRINCIPAL ou AUXILIAR.
PRINCIPAL é o verbo de significação plena, nuclear de uma oração.
Assim (p. 401):
Estudei português.
Haverá uma solução para o caso.
Comprei um livro.
AUXILIAR é aquele que, desprovido total ou parcialmente da acepção
própria, se junta a formas nominais de um verbo principal,
constituindo com elas locuções que apresentam matizes significativos
especiais. Assim:
Tenho estudado português.
Há de haver uma solução para o caso.
Um livro foi comprado por mim.
Os auxiliares comuns são ter, haver, ser e estar[...]
Os autores apresentam a estrutura do verbo (vogal temática, sufixo
modo-temporal e desinência número pessoal) e a estrutura dos tempos simples
e derivados.
102
Tratando do emprego dos verbos auxiliares, Cunha e Cintra incluem os
verbos ser e estar. Segundo esses autores (p. 409-410):
2. Os AUXILIARES de uso mais frequente são ter, haver, ser e estar.
[...]
Ser emprega-se com o PARTICÍPIO do verbo principal, para
formar os tempos da voz passiva de ação:
Exercícios foram feitos por mim.
Livros serão comprados por nós
Estar emprega-se:
a) com o PARTICÍPIO do verbo principal, para formar tempos da voz
passiva de estado:
Estou arrependido do que fiz.
Estamos impressionados com o fato.
b) com o GERÚNDIO, ou com o INFINITIVO do verbo principal
antecedido da preposição a, para indicar uma ação durativa,
continuada:
Estava ouvindo música.
Estava a ouvir música.
c) Com o INFINITIVO do verbo principal antecedido da preposição
para, para exprimir a iminência de um acontecimento, ou o intuito de
realizar a ação expressa pelo verbo principal:
O avião está para chegar.
Há dias estou para visita-lo.
d) com o INFINITIVO do verbo principal antecedido da preposição
por, para indicar que uma ação que já deveria ter sido realizada ainda
não o foi:
O trabalho está por terminar. [...] (grifos dos autores)
Feita a descrição desses verbos, os autores apresentam sua
conjugação, juntamente com ter e haver (p.413-416 [ANEXO I, p. 311-314])
O verbo ser aparece novamente na conjugação da voz passiva (p.419-
421 [ANEXO II, p. 315-317]). Entretanto, quando se faz referência à
conjugação dos verbos irregulares, ser e estar não são citados.
Os autores seguem descrevendo os tempos e modos do verbo, sem
fazer referência direta a ser e estar. Adiante, eles abordam nesta seção a
concordância verbal, incluindo nela a Concordância do verbo ser (p. 519-523):
1. Em alguns casos o verbo ser concorda com o predicativo.
Assim:
103
1.º) Nas orações começadas
substantivos que? e quem?:
pelos
pronomes
interrogativos
–Que são seis meses?
(Machado de Assis, OC, I, 1041.)
Quem teriam sido os primeiros deuses?
(A. Sérgio, E, IV, 245.)
Quis saber quem eram meus pais e o que faziam.
(Machado de Assis, OC, II, 567.)
2.º) Quando o sujeito do verbo ser é um dos pronomes isto, isso,
aquilo, tudo ou o (= aquilo) e o predicativo vem expresso por um
substantivo no plural:
Tudo isto eram sintomas graves.
(Machado de Assis, OC, II, 280.)
–Isto não são conversas para ti, pequena.
(F. Namora, TJ, 196.)
O que há de novo nelas são as cores.
(M. Bandeira, AA, 51.)
Tudo na vida são verdades de relação.
(U. Tavares Rodrigues, JE, 309.)
Tal concordância explica-se pela tendência que tem o nosso
espírito de preferir destacar como sujeito o que representamos por
palavra nocional, pois esta alude a realidades mais evidentes.
Mas, neste caso, também não é raro aparecer o verbo no
singular, em concordância com o pronome demonstrativo ou com o
indefinido:
Tudo é flores no presente.
(Gonçalves Dias, PCP, 230.)
Se calhar, tudo é símbolos.
(F. Pessoa, OP, 352.)
Tudo era os estudos, brincadeiras.
(Luandino Vieira, VE, 49.)
Nestes exemplos, os três escritores, com o singular (isto é,
colocando o verbo em concordância com o pronome indefinido),
procuram realçar um conjunto, e não os elementos que o compõem, a
fim de sugerir-nos as diferentes realidades transformadas numa só
coisa.
Atente-se no efeito estilístico provocado pelo contraste de
concordância neste passo de Camilo Castelo Branco:
Há neles muita lágrima, e o que não é lágrima são
algemas.
3.º) Quando o sujeito é uma expressão de sentido coletivo, como o
resto, o mais:
O resto são atributos sem importância.
(M. Torga, V, 214.)
104
O mais são casas esparsas.
(C. Drummond de Andrade, CA, 73.)
4.º) Nas orações impessoais:
São duas horas da noite.
(A. Botto, AO, 141.)
Eram quase oito horas.
(A. F. Schimidt, GB, 133.)
[...]
2. se o sujeito for nome de pessoa ou pronome pessoal, o verbo
normalmente concorda com ele, qualquer que seja o número do
predicativo:
Ovídio é muitos poetas ao mesmo tempo, e todos excelentes.
(A. F. de Castilho, AO, 25.)
Todo eu era olhos e coração.
(Machado de Assis, OC, I, 742.)
Não é rara, porém, a concordância com o predicativo plural
quando este representa partes do corpo da pessoa nomeada no
sujeito:
Santinha eram dois olhos míopes, quatro incisivos
claros à flor da boca.
(M. Bandeira, PP, I, 403.)
3. Quando o sujeito é constituído de uma expressão numérica que se
considera em sua totalidade, o verbo ser fica no singular:
Oito anos sempre é alguma coisa.
(C. Drummond de Andrade, CA, 146.)
–Dez contos?! Não será demais?
(Almada Negreiros, NG, 80.)
4. nas frases em que ocorre a locução invariável é que, o verbo
concorda com o substantivo ou pronome que a precede, pois são eles
efetivamente o seu sujeito:
Tu é que deves escolher o sítio.
(Alves Redol, BC, 343.)
Eu é que estou escutando o assobio no escuro.
(C. Lispector, AV, 94.)
Observações:
1.ª) A locução de realce é que é invariável e vem sempre
colocada entre o sujeito da oração e o verbo a que ele se refere.
Assim:
José é que trabalhou, mas os irmãos é que se aproveitaram do seu esforço.
É uma construção fixa, e não deve ser confundida com
outra semelhante, mas móvel, em que o verbo ser antecede o sujeito
105
e passa, naturalmente, a concordar com ele e a harmonizar-se com o
tempo dos outros verbos.
Compare-se, por exemplo, ao anterior o seguinte período:
José é que trabalhou, mas foram os irmãos que se aproveitaram do seu
esforço.
Ou este:
Foi José que trabalhou, mas os irmãos é que se aproveitaram do seu
esforço.
2.ª) Também não deve ser confundido com a expressão
de realce é que o encontro da forma verbal é com a conjunção
integrante que em contextos do tipo:
Bom é que não haja mais discussões.
O certo é que ele não voltará.
equivalentes a:
É bom que não haja mais discussões.
Que ele não voltará é o certo. [...] (grifos dos autores)
Os autores finalizam esta seção com a regência verbal e a sintaxe do
verbo haver.
Em síntese, pode-se afirmar que Cunha e Cintra apresentam um
tratamento morfossintático dos verbos ser e estar, delimitados à variedade
padrão escrita do português brasileiro.
2.2.2.2 Moderna Gramática Portuguesa (BECHARA, 2009)
Trata-se de uma gramática que aborda os itens gramaticais da língua
sob uma perspectiva descritiva e normativa.
De maneira genérica, Bechara define verbo como “a unidade de
significado categorial que se caracteriza por ser um molde pelo qual organiza o
falar seu significado lexical” (p.209). Isso significa que o que caracteriza,
categorialmente, o verbo é a sua combinação com morfemas de tempo, modo
pessoa e número. Acerca disso, o autor (p.209) esclarece que:
[...] trabalhar e trabalho são palavras que têm o mesmo significado
lexical, mas diferentes moldes, diferentes significados categoriais,
embora se deva ter presente que este não é o simples produto da
combinação do significado lexical com o significado instrumental. Por
isso, como ensina Coseriu, um lexema não é verbo porque se
106
combina, por exemplo, com um morfema de tempo e pessoa, mas, ao
contrário, combina-se com esses morfemas para ser verbo, e porque
está pensado com significação verbal [...].
Para o autor, o sistema de categorias verbais ajuda a estabelecer
oposições funcionais numa língua. Por exemplo, quando se usam as formas
ando, andas e anda, estabelecem-se oposições da mesma espécie que se
remetem ao conceito de pessoa do verbo.
Bechara trata os verbos de ligação como verbos relacionais e faz a
distinção entre estes e os verbos nocionais, também conhecidos como plenos,
porém,
não se aprofunda muito no assunto,
seguindo
para outras
características morfossintáticas inerentes à classe dos verbos. O autor afirma
que tal distinção tem sido questionada por “notáveis linguistas modernos.
Segundo ele (p.209):
Esta distinção é válida sob certo aspecto semântico, mas não no que
se refere à sintaxe; o núcleo da oração é sempre o verbo, ainda que
se trate de um verbo de significado léxico muito amplo e vago
(costuma-se dizer “vazio”, o que justifica a denominação tradicional
de “cópula” – marca gramatical de identidade – e a classificação
“relacional” de Said Ali). O verbo ser e o reduzido grupo de verbos
que integram a constituição do chamado predicado nominal em nada
diferem dos outros verbos: todos possuem “os morfemas de pessoa e
número que com o sujeito gramatical dão fundamento à oração” [AL.
1, 1994, 302]. Diz com muita justeza Benveniste que uma oração de
verbo ser “é uma oração verbal, paralela a todas as orações verbais”
[EBv. 1, 169]. (p.209 [grifo nosso])
Bechara considera que, embora de sentido “vazio”, os verbos
relacionais não são apenas elementos de ligação, sem valor algum, mas
elementos que, sintaticamente, são importantes na oração.
O autor afirma que um estudo coerente dos verbos exige o
estabelecimento de categorias verbais, que são tipos ou funções das formas
lexicais mediante as quais se estabelecem oposições funcionais em dada
língua. Segundo Bechara: “No verbo português, há categorias que sempre
estão ligadas: não se separa a ‘pessoa’ do ‘número’ nem o ‘tempo’ do ‘modo’;
isto ocorre em grande parte, senão totalmente, com o “tempo” e o “aspecto”
(p.210).
Acerca da relação entre os atos de fala e as funções verbais, Bechara
cita Jakobson, que elaborou um sistema geral das categorias verbais. Com
base nele, Bechara apresenta a distinção de tal relação (p. 210-211):
107
a) o ato de fala em si mesmo (F)
b) o conteúdo do ato de fala, isto é, o comunicado (C)
c) o acontecimento, isto é, tanto o ato de fala quanto o comunicado
(A)
d) os participantes neste acontecimento (P)
Desta relação se extraem quatro conceitos fundamentais:
a)
b)
c)
d)
um acontecimento comunicado (AC)
o próprio acontecimento do falar (AF)
os participantes no acontecimento comunicado (PC)
os participantes no acontecimento da fala (PF)
Isso considerado, Bechara, com base em Jakobson, explica as
categorias verbais de gênero, número, pessoa, estado, aspecto, tempo ou nível
temporal, voz ou diátese, modo, taxis e evidência.
O autor traz as conjugações verbais, diferenciando verbos regulares,
irregulares e anômalos, e os defectivos e abundantes. Os verbos ser e estar
são considerados anômalos:
Anômalo é o verbo irregular que apresenta, na sua conjugação,
radicais primários diferentes: ser (reúne o concurso de dois radicais,
os verbos latinos sedēre e ĕsse) e ir (reúne o concurso de três
radicais, os verbos latinos ire, vadēre e ĕsse).
Outros autores consideram anômalo o verbo cujo radical sofre
alterações que o não podem enquadrar em classificação alguma: dar,
estar, ter, haver, ser, poder, ir, vir, ver, caber, dizer, saber, pôr, etc.
(p.226 [grifo nosso])
Ser e estar são apresentados também entre os verbos auxiliares da
língua portuguesa:
[...]
2- ser, estar, ficar se combinam com o particípio (variável em gênero
e número) do verbo principal para constituir a voz passiva (de ação,
de estado e mudança de estado): é amado, está prejudicada, ficaram
rodeados. (p. 231)
O autor explica que os auxiliares acurativos são verbos que se
combinam com o infinitivo ou gerúndio do verbo principal determinando mais
rigorosamente os aspectos do momento da ação verbal. Desse modo, o verbo
estar pode, neste caso, indicar iminência de ação: estar por vir/ está para
começar.
Bechara segue com os elementos estruturais do verbo (desinências e
sufixos), os tempos (primitivos e derivados), a sílaba tônica, a alternância
vocálica, verbos com pronúncia e flexão peculiares, exceções e grafia.
108
Ao tratar dos erros frequentes na conjugação de alguns verbos, o autor
dá, entre os exemplos, o verbo estar e seus derivados: “Sobrestar é derivado
de estar e por ele se conjuga; porém, costuma-se ver modelado pelo verbo ter,
como se fosse sobrester.” [...] (p.249)
A seguir, Bechara apresenta, quanto à conjugação, o paradigma dos
verbos regulares; a conjugação dos verbos auxiliares mais comuns; a
conjugação do verbo pôr; a conjugação de um verbo composto na voz passiva:
ser amado; a conjugação de um verbo pronominal: apiedar-se; a conjugação
de um verbo com pronome oblíquo átono; e a conjugação dos verbos
irregulares. Os verbos ser e estar aparecem na conjugação dos verbos
auxiliares mais comuns (p.254-256 [ANEXO III, p. 318]), na conjugação de um
verbo composto na voz passiva: ser amado (p.260-262 [ANEXO IV, p.319]). Ao
tratar da conjugação dos verbos irregulares, o autor indica que as conjugações
de ser e estar devem ser conferidas na conjugação dos verbos auxiliares mais
comuns.
O autor prossegue tratando do emprego de tempos e modos, bem
como das formas nominais, e, por fim, a passagem da voz ativa à passiva e
vice-versa, da qual participa o verbo ser:
Exemplo 1:
Ativa
Eu li o livro
Exemplo 2 (com pronome oblíquo):
Ativa
Nós o ajudamos ontem
Exemplo 3 (com sujeito indeterminado):
Ativa
Enganar-me-ão
Exemplo 4 (com tempo composto):
Ativa
Eles têm cometido erros
Passiva
O livro foi lido por mim
Passiva
Ele, ontem, foi ajudado por
nós
Passiva
Eu serei enganado
Passiva
Erros têm sido cometidos por eles
Exemplo 5 (com sujeito indeterminado de verbo que aparecerá na passiva
pronominal):
Ativa
Passiva
109
Vendem casas
Vendem esta casa
Vendem-se casas
Vende-se esta casa
Quadro 05: Passagem da voz ativa à passiva e vice-versa (BECHARA, 2009, p. 287)
Em suma, embora Bechara situe os atos de fala e diferencie os verbos
relacionais dos nocionais, esse autor privilegia o tratamento do verbo sob o
prisma morfológico e morfossintático, sem considerar as dimensões lexical,
proposicional e pragmático-discursiva, propostas por Givón (1993).
2.2.3. Revendo as gramáticas que abordam o uso efetivo do português
brasileiro
As gramáticas do português preocupadas com o uso apresentam
tratamentos diferenciados, considerando a semântica lexical e a gramatical, e
suas relações com o discurso, ou ainda, considerando multissistemicamente o
lexical, o gramatical, o discursivo e o semântico, e como eles se interrelacionam por um dispositivo sociocognitivo.
2.2.3.1. Gramática da Língua Portuguesa – Gramática da palavra . Gramática
da frase . Gramática do texto/ discurso (VILELA e KOCH, 2001)
Nesta gramática, ao tratar dos verbos, os autores preocupam-se em
abordar a semântica lexical e a morfossintaxe daqueles. Vilela e Koch (p.64)
definem genericamente o verbo como “a categoria gramatical que configura os
processos da realidade objetiva no seu enquadramento temporal”, sendo que
tal configuração se dá pela combinação do lexema verbal com os morfemas
gramaticais ou com os verbos auxiliares “com que se atribui ao verbo, nas
formas finitas, uma ordenação categorial em pessoa, número, tempo, voz ou
gênero” (p.65).
São abordados aspecto, regência, valência verbal (número de
argumentos que um dado verbo pode selecionar) e também conjugação,
110
flexão, regência e voz. Segundo os autores, os verbos dividem-se, quanto ao
seu significado genérico, em:

Verbos de ação ou atividade, que contam com um agente que realiza

verbos de processo, que exprimem uma mudança nas entidades

essa ação e que implicam um fazer;
(acontece, passa-se com); e
verbos de estado, que exprimem a duração de um ser ou a permanência
de um estado.
Vilela e Koch afirmam que os verbos ser e estar, que são copulativos,
são frequentemente considerados como verbos de estado (p.67):
Os verbos copulativos e afins são frequentemente colocados entre os
verbos de estado, que, como é evidente, têm valores diferenciados.
Assim, ser, como indicativo de “estado” indica ‘estado natural’, estar e
achar-se indicam ‘estado adquirido’, viver, continuar, ‘estado
permanente’, ficar, virar (ele virou comunista), tornar-se, converter-se,
‘mudança de estado’, parecer, ‘dúvida de estado’, etc.
Por considerarem a semântica do verbo, os autores apresentam a
distinção entre o verbo lexical e o gramatical, respectivamente, verbo pleno e
auxiliar. Os autores esclarecem que (p. 72):
O verbo pleno é o verbo cujo conteúdo se dirige diretamente para a
configuração da processualidade existente no mundo extralingüístico
e que gramaticalmente pode funcionar como predicado da frase sem
qualquer apoio ou suporte. O verbo auxiliar é o verbo em que o peso
gramatical é preponderante, ou porque o verbo se deslexicalizou e
reforçou o seu peso gramatical (gramaticalizando-se) e necessita de
um verbo pleno para poder funcionar como predicado ou porque o
núcleo predicativo é constituído por um nome (ter consideração por),
por um adjetivo (ser inteligente). Neste caso, trata-se de verbos cuja
função é só a de serem “auxiliares”, ou de verbos que podem
funcionar como verbos plenos e como verbos auxiliares [...].
De acordo com os autores, o verbo ser pode ser tanto auxiliar quanto
pleno. Ser e estar podem ser copulativos (ou de ligação), verbalizando os
predicados nominais; e também podem ser verbos auxiliares de aspecto. Os
verbos auxiliares têm a capacidade de se associarem ao gerúndio ou ao
infinitivo para exprimir “imperfectividade”. Quanto aos copulativos, Vilela e Koch
esclarecem que (p. 74):
111
[...]
- ser: é o verbo “perfectivo” desta série. A perfectividade está
implicada no seu significado;
- estar: coloca o evento numa fração de tempo, recorta a
temporalidade, atribuindo-lhe um período de vigência, visualizando o
“estado”. Isto quanto ao seu significado. Mas com infinitivo ou
gerúndio ganha outros valores: estou para partir (iminência), estou
partindo (cursividade), estou a partir cacos (cursividade, num dado
momento; [...]
Os autores apresentam em tabela a conjugação dos verbos que eles
julgam como mais frequentes. Essa conjugação está dividida em

Verbos auxiliares: Ter, ser e haver;

Verbos regulares: conjugação passiva, conjugação pronominal e


Verbos regulares: Lavar, vender, partir – conjugação ativa;
conjugação reflexa; e
Verbos irregulares (dentre os quais, o verbo estar). (grifo nosso)
Desse modo, tem-se na gramática de Vilela e Koch uma abordagem
morfo-sintático-semântica do verbo, considerando também o uso que os
falantes fazem dos verbos ser e estar.
2.2.3.2 Gramática de usos do português (NEVES, 2011)
Neves (p. 25) trata os verbos como predicados das orações. Esses
predicados
[...] designam as propriedades ou as relações que estão na base das
predicações que se formam quando eles se constroem com os seus
argumentos (os participantes da relação predicativa) e com os
demais elementos do enunciado. (grifos da autora)
A autora esclarece que uma oração é formada por um predicado,
representado pela categoria verbo, ou pela categoria adjetivo, sendo, neste
caso,
construído
com
um
verbo
de
ligação.
Neves
apresenta
três
subclassificações que constituem predicados, dentre elas a semântica, que,
como o nome sugere, pode basear-se nas unidades semânticas presentes no
verbo. Dentro da subclassificação semântica, existem três classes de
predicados verbais: ações ou atividades, processos e estados. A autora não se
112
reporta diretamente ao termo “verbos de ligação”, mas entende-se que eles
pertencem à classe dos estados. Os verbos que exprimem estados são verbos
não-dinâmicos que vêm acompanhados por um sujeito (sintagma nominal) que
é suporte do estado.
A seguir estão as três subclassificações que, de acordo com a autora,
constituem predicados: a) semântica; b) com integração de componentes; e c)
segundo a transitividade.
a) Subclassificação semântica
De acordo com a autora, essa subclassificação “pode basear-se nas
unidades semânticas presentes no verbo” (p. 25). Desse modo, há três
classes principais de predicados verbais:
a.1) Ações ou atividades – São verbos dinâmicos que são acompanhados
por um participante agente ou causativo, expressando o que alguém fazou
o que algo provoca. A presença de outro participante, afetado ou não pela
ação ou atividade do verbo, não é obrigatória: cumprimentar, saudar etc.
a.2) Processos – São verbos dinâmicos que envolvem uma relação entre
um nome e um estado, sendo que esse nome é afetado pela ação do verbo,
ou seja, é um paciente: brotar, aparecer e crescer (com sentido de brotar)
etc.
a.3) Estados – São verbos não dinâmicos que vêm acompanhados por um
sujeito (sintagma nominal) que é suporte do estado: permanecer, existir, ser
e estar.
Neves esclarece que, além dessas três classes, há verbos que
ocorrem em orações que não apresentam nenhum sintagma nominal,
implicando apenas um predicado, sem agente ou paciente. São os verbos ser e
estar quando indicam um processo ou um estado em um ambiente (p.26):
É já tarde: seu marido deve estar esperando. (A)
ESTÁ calor. (AF)
É domingo; dia, portanto, em que a gente pode fazer observações
talvez não muito úteis. (B)
113
b) Subclassificação com integração de componentes
Esta classificação diz respeito à integração de outros componentes,
além do dinamismo, à classificação das predicações. Assim, abrange
componentes como o aspecto e o controle, que é o componente pragmático.
Faz-se necessário entender que “Nessa consideração, a classificação se refere
às predicações, ou seja, à codificação linguística dos estados de coisas” (p.27),
o que significa que a referência é feita não simplesmente aos predicados, mas
às predicações como um todo. De acordo com Neves, dos parâmetros para
uma tipologia semântica dos estados de coisas, os mais importantes são
dinamismo e controle, sendo que, para as predicações dinâmicas, é importante
também o parâmetro da perfectividade, que também pode ser chamado de
acabamento ou telicidade. Desse modo, as predicações podem ser: a)
dinâmicas com controle; b) dinâmicas sem controle; c) não dinâmicas com
controle; d) não dinâmicas sem controle. Controle diz respeito ao fato de a
ação ser voluntária (= com controle) ou não (= sem controle), e isso é
verificável considerando-se apenas o verbo, mas também seus complementos.
Tem-se, portanto, o seguinte:
b.1) Predicações dinâmicas com controle: são ações, e podem ser télicas,
quando acabadas; ou não télicas, quando inacabadas;
b.2) Predicações dinâmicas sem controle: são processos, que também podem
ser télicos, quando acabadas; ou não télicos;
b.3) Predicações não dinâmicas com controle: Quando são voluntárias. A
autora utiliza um exemplo com o verbo estar (p.27):
Outro dia você ESTAVA comigo quando o carro parou na esquina.
(BH)
O Rei ESTÁ em pé ao lado do trono. (BN) (grifos da autora)
b.4) Predicações não dinâmicas sem controle: Quando são involuntárias. Os
exemplos dados são (p.28):
Ela passou a mão nos cabelos que lhe CAÍAM no mais completo
desalinho pela fronte. (MMM)
114
Maneco Manivela CONSERVA-se naquela mesma tensão. (DES)
(grifos da autora)
c) Subclassificação segundo a transitividade
Neves apresenta uma extensa lista de verbos e seus respectivos
exemplos, de acordo com os parâmetros de transitividade. Como esse tema
será abordado no subitem “Transitividade” (cap. II), não será reproduzida neste
momento a tipificação dos verbos sob esse prisma.
Por fim, a autora segue tratando dos verbos que não constituem
predicados, isto é, verbos que funcionam como operadores gramaticais, e não
como predicados. Esses verbos indicam modalidade, aspecto, tempo e voz. O
verbo estar é apresentado entre os verbos aspectuais, participando de
perífrases que indicam resultado de evento (aspecto resultativo) (p.64):
O problema dos homens ESTÁ RESOLVIDO. (MMM)
Na negociação com o Banco Central, FICOU ACERTADO que o
Banespa não será privatizado. (FSP)
O Supremo falou, ESTÁ FALADO. (FSP) (grifos da autora)
(p.65):
Os verbos ser e estar são postos entre os verbos auxiliares de voz
A locução verbal da voz passiva é formada com o verbo SER e o
particípio do outro verbo:
FOI MORTO com um tiro na nuca. (AGO)
O pagamento SERÁ FEITO antecipadamente. (FSP)
O restante ele quita depois de um mês, quando a mercadoria
FOR ENTREGUE. (FSP)
É possível a formação de uma voz passiva que indique estado,
usando-se o auxiliar ESTAR:
O Pacaembu ESTÁ INTERDITADO. (FSP)
O delegado Maurício Freire disse que ESTAVA IMPEDIDO de
falar mais sobre o assunto por ordens superiores. (FSP) [...]
(grifos da autora)
Desse modo, depreende-se que a autora se preocupa em abordar
como a semântica dos verbos pode modificar a oração. Quanto aos verbos ser
e estar, especificamente, estes são tratados tanto como constituintes como não
constituintes de predicados, sendo apresentados, também, como verbos
115
auxiliares de voz e participantes de perífrases. São abordados sob os pontos
de vista semântico, sintático e morfológico, porém, sem privilegiar as
gramaticalizações e as funções que esses verbos adquirem no uso efetivo da
língua.
2.2.3.3. Nova Gramática do Português Brasileiro (CASTILHO, 2014)
Castilho introduz suas considerações sobre o verbo esclarecendo
como é a estrutura do sintagma verbal (p.391):
O sintagma verbal é a construção nucleada pelo verbo. E como a
sentença é um verbo que articula seus argumentos, segue-se que a
única diferença entre um sintagma verbal e uma sentença é que
naquele não figura o sujeito, que aparece nesta. [...]
Desse modo, o autor propõe a seguinte estrutura para o sintagma
verbal (p.392):
são
SV  (Especificadores) + Verbo + (Complementadores)
Nessa estrutura, os especificadores, localizados à esquerda do verbo,
os
verbos
auxiliares.
O
verbo
é
o
núcleo
do
sintagma.
Os
complementadores são os outros tipos de sintagma, tais como o adverbial, o
adjetival etc. (Cf. CASTILHO, 2014, p. 277).
Desse modo:
Eu explicarei tudo.
Especificador = Ø [não há verbo auxiliar]
Núcleo = explicarei
Complementador = tudo [pronome indefinido sintagma nominal]
Eu vou explicar tudo.
Especificador = vou [verbo ir auxiliar]
Núcleo = explicar
Complementador = tudo [pronome indefinido sintagma nominal]
Castilho apresenta o verbo sob três definições distintas: gramaticais,
semânticas e discursivas.
116
Nas gramaticais, tem-se que “Do ponto de vista morfológico, são
identificadas como verbos as classes que dispõem de um radical e de
morfemas flexionais sufixais específicos” (p. 392). Assim, a morfologia do verbo
é descrita pelo autor como:
V  morfemas-vocábulo prefixais + radical + morfemas flexionais sufixais
Essa estrutura, em português, explica-se da seguinte forma:

Os morfemas-vocábulo prefixais abrangem os verbos auxiliares ser,
estar, ter, haver e ir, entre outros. Esses verbos funcionam como
especificadores do sintagma verbal, “cujo núcleo serão as formas
nominais: particípio, infinitivo e gerúndio” (p.393).

O radical dos verbos é composto pela raiz e a vogal temática (1ª {a}, 2ª

Os morfemas flexionais abrangem os sufixos modo-temporais, que se
{e} e 3ª {i});
aplicam ao radical, seguidos dos sufixos número-pessoais.
Assim:
Eu explicarei tudo.
Morfema-vocábulo prefixal = Ø [não há verbo auxiliar]
Radical e vogal temática = explic + a [1ª conjugação]
Morfema flexional = rei [re modo-temporal – indicativo presente;
i número-pessoal – singular, 1ª pessoa]
Eu vou explicar tudo.
Morfema-vocábulo prefixal = vou [verbo ir auxiliar]
Radical e vogal temática = explic + a [1ª conjugação]
Morfema flexional = r [r modo-temporal – infinitivo;
Ø número-pessoal]
Ainda considerando as definições gramaticais do verbo, Castilho afirma
que, sintaticamente, considera-se o verbo como a palavra que articula seus
argumentos pelo princípio da projeção, mas, isso, do ponto de vista da
morfologia, pois, se por um lado, adjetivos e substantivos também podem
117
subcategorizar argumentos, por outro, os verbos são formalmente distintos
dessas outras duas classes de palavra.
Nas semânticas, tem-se que (p.396):
Do ponto de vista semântico, os verbos expressam os estados de
coisas, entendendo-se por isso as ações, os estados e os eventos de
que precisamos quando falamos ou quando escrevemos. São
comuns as definições que combinam os sistemas linguísticos, como a
de Barrenechea (1969/1982: 315), segundo a qual o verbo pode ser
definido como a palavra que exerce “função obrigatória de predicado [
= propriedade semântica] e tem um regime próprio [ = propriedade
gramatical]”.
Nas discursivas, tem-se que (p. 396):
[...] considera-se como verbo a palavra (i) que introduz participantes
no texto, via processo da apresentação, por exemplo; (ii) que os
qualifica devidamente, via processo da predicação; (iii) que concorre
para a constituição dos gêneros discursivos, via alternância de
tempos e modos.
Para o autor, o verbo e seus argumentos formam o predicado, em que
é possível reconhecer cinco tipos (p.396-397):
1. Predicados agentivos, tais como “X faz Y”.
2. Predicados experienciais, que exprimem propriedades de natureza
perceptiva, cognitiva ou estados afetivos, tais como “X sabe/ pensa/
ama Y”.
3. Predicados possessivos, ou de transferência de posse, tais como
“X tem/ possui/ envia/ dá/ recebe Y de/a Z”.
4. Predicados locativos, em que se estabelece uma relação não
dinâmica de localização espacial, tais como “X está em/ é de Y”.
5. Predicados causativos, em que um dos argumentos designa a
entidade que sofre uma mudança de estado ou de lugar, como em “X
abre/ destrói/ sobe Y”.
Após o exposto, Castilho passa a tratar da gramaticalização do verbo.
Segundo o autor, o fenômeno mais interessante na gramaticalização do verbo
é o seguinte:
verbo pleno > verbo funcional> verbo auxiliar
Os plenos funcionam como núcleos sentenciais. Os funcionais
transferem o papel temático da oração aos componentes à sua direita
(sintagmas nominais, adjetivais, adverbiais e preposicionais). Já os auxiliares
desempenham um papel semelhante ao dos funcionais, com a diferença de
que os elementos à sua direita são verbos plenos em forma nominal, aos quais
118
os auxiliares atribuem categorias de pessoa e número e indicam aspecto,
tempo, voz e modo.
Para Castilho, os verbos de ligação são verbos funcionais. Ao fazer a
descrição do núcleo verbal, trata do fenômeno de gramaticalização dos verbos,
por meio do qual um verbo pleno migra para verbo funcional e, provavelmente,
para auxiliar.
O autor explica que o verbo pleno funciona como núcleo sentencial,
selecionando argumentos e atribuindo a estes papéis sintáticos. O funcional
transfere o papel de núcleo para os elementos posicionados à sua direita na
sentença, que, geralmente, são sintagmas nominais, adjetivais, adverbiais e
preposicionais. Desse modo, o verbo funcional limita-se a portador de marcas
morfológicas,
especializando-se
na
constituição
de
sentenças
apresentacionais, atributivas e equativas. O auxiliar tem papel semelhante ao
funcional, porém, à sua direita ocorrem verbos plenos em forma nominal, aos
quais o auxiliar atribui categorias de pessoa e números, sendo, assim,
indicador de aspecto, tempo, modo e voz. (Cf. CASTILHO, 2014, p. 397).
Como
exemplos
de
verbos
que
passaram
por
processo
de
gramaticalização, Castilho utiliza ser e estar, os quais são tratados nesta
dissertação, e ter e haver.
De etimologia complexa, as formas do verbo ser derivam-se de três
radicais latinos:
I. Esse (vulgar = Essere), de onde provêm as formas dos tempos verbais:
presente do indicativo e préterito imperfeito do indicativo;
II. Sedere, de onde provêm as formas dos tempos verbais: presente do
subjuntivo, futuro do presente e futuro do pretérito, imperativo formal,
gerúndio, particípio e infinitivo;
III. Ire, de onde provêm as formas dos tempos verbais: pretérito perfeito do
indicativo, mais-que-perfeito do indicativo e imperfeito do subjuntivo, e
futuro do subjuntivo.
O verbo estar, diferentemente de ser, deriva de um único radical, stare.
De acordo com Castilho, em algum momento ser e estar passaram por
um processo de reanálise, a partir do qual deixaram de ser o núcleo do
predicado, deslocando tal função para o termo adjacente à direita. Segundo o
119
autor, é possível que a maior parte dos empregos de ser e estar como plenos
tenha desaparecido no século XIV. Todavia, uma estrutura sintática nunca se
apaga radicalmente, deixando vestígios em certas estruturas. Um exemplo
disso é a sobrevivência do uso apresentativo do verbo ser em estruturas como:
A- Quem fala?
B- É a Ana.
ou
Era uma vez uma linda princesa.
Esses exemplos são como resquícios do uso do verbo ser como pleno.
Com relação ao verbo estar como pleno, Castilho (2014, p.399) traz
exemplos do português arcaico, em que este verbo aparece como intransitivo
locativo posicional, isto é, exprimindo a noção estar de pé ou estar parado,
noções que não são mais percebidas no português brasileiro atual. Os usos da
contemporaneidade que mais se aproximam do uso pleno são aqueles
utilizados com alguns advérbios com sentido dêitico: Estar aqui, estar ali ou
estar acolá.
Mesmo quando o verbo ser é utilizado como locativo, ele é capaz de
exprimir a noção de permanência ou fixidez. O verbo estar, por sua vez,
exprime a noção de temporariedade, transitoriedade. O autor cita Lemos (1987
p. 53 apud CASTILHO, 2014), a qual explica que, neste caso, no verbo estar
subjaz a intenção do falante ou do ouvinte de mover-se até o local. Já quando
o verbo ser é utilizado para este contexto, pode-se entender que não há
necessariamente a intenção do falante ou do ouvinte de mover-se até lá. Isso
quer dizer que a escolha de um ou de outro desses verbos depende do ponto
de vista do falante ou do ouvinte.
Dessa forma, esvaziados de predicação, os verbos ser e estar
tornaram-se funcionais e são utilizados, de acordo com Castilho, nas seguintes
estruturas:

Estrutura locativa: SER/ ESTAR + SINTAGMA PREPOSICIONADO
Conforme Castilho (2014, p.399-400), a estrutura locativa pode exprimir
os seguintes sentidos:
120




COMITATIVO: Breve serei convosco. (O comitativo exprime
companhia. Aqui, pode-se afirmar que o sentido é locativo: Breve
ESTAREI convosco.)
LOCATIVO: Ela estava no quarto.
TEMPORAL: Fomos para o interior e lá estivemos por três dias.
Estrutura modal: SER/ ESTAR + SINTAGMA ADVERBIAL
O verbo vem seguido por um sintagma adverbial de modo.
Estou bem agora.
É mal o que tu ofereces.

Estrutura atributiva: SER/ ESTAR +
SINTAGMA ADJETIVAL: Esta gente é boa e simples.
SINTAGMA PREPOSICIONAL: Algumas pessoas estão à margem da
sociedade.
Neste tipo de estrutura, os sintagmas adjetivais e os preposicionais
podem liberar o significado de uma qualidade permanente ou transitória.

Estrutura equativa: SER + SINTAGMA NOMINAL
Esta estrutura é formada apenas com o verbo ser.
Minha mãe é aquela senhora ali.
Como verbos auxiliares, ser e estar também foram bem-sucedidos.
Basicamente, esses verbos associaram-se aos seus termos adjacentes,
formando muitas perífrases e locuções.
O que se verifica é que o processo de gramaticalização dos verbos, na
maioria das vezes, obedece à sequência verbo pleno  verbo funcional 
verbo auxiliar, e que, atualmente, presencia-se no uso desses verbos um
estado de pancronia.
Castilho (p.400) traz alguns exemplos, no português arcaico, do uso
perifrástico do verbo ser + gerúndio, em que este último opera como um
adjunto modalizador de ser. Contudo, de acordo com o autor, o uso atual de tal
perífrase é raríssimo:
121
[...]
b) E sendo falando aquele cavaleiro que ao padre nom podia
squecer. (Demanda do Santo Graal 49:19).
[...]
d) eu sia pensando, deu h voz. (Demanda do Santo Graal 6:9).
Outra formação que já foi muito produtiva em português arcaico, mas
que hoje é praticamente inutilizada, é a de ser + particípio com formas
compostas do passado:
Era partido [= partira].
Era passado [= passara deste mundo, morrera].
Era chegado [=chegara].
Castilho apresenta também o caso do uso ser + o particípio feito, que
deu origem ao advérbio cadê. Consiste na omissão do particípio, formando,
assim, uma nova estrutura:
O que é feito dele, o fulano?  Quedelhe, o fulano?  Quedê/ Cadê o fulano?
De acordo com Castilho, a estrutura locativa de estar, precedida da
preposição a, foi favorável à organização da perífrase estar à + infinitivo, mais
comum no português europeu:
Estou à mesa. 
Estou a fazer o almoço.
Segundo o autor, análoga à estrutura modal ser + SINTAGMA
ADVERBIAL, surgiu outra com o verbo estar na qual há o gerúndio no lugar do
advérbio, originando-se, assim, as perífrases aspectuais de gerúndio. Em
ambas as perífrases, pode-se entender que o sintagma à direita modaliza o
verbo à esquerda. Há, então. Dois tipos de estruturas modais:
Estou bem = Estou lendo.
Entretanto, em expressões estar + gerúndio, o primeiro recupera seu
sentido pleno:
Estando ela em casa fazendo bolo, chegou seu namorado. [concomitância]
122
A exemplo da estrutura atributiva ser + SINTAGMA ADJETIVAL/
SINTAGMA PREPOSICIONAL, houve o encontro de estar + particípio,
formando, desse modo, estar + SINTAGMA ADJETIVAL/ SINTAGMA
PREPOSICIONAL. Sendo os particípios também adjetivos, tal associação
funcionou bem:
Estou quente.
Estou calado.
Estar + particípio também pode expressar o aspecto resultativo:
Se ele falou, está falado.
Após tratar da gramaticalização dos verbos, Castilho prossegue
tratando
de
formas
nominais
do
verbo,
perífrases,
verbo-suporte
concordância verbal, além das flexões e do aspecto, entre outros.
e
Pode-se afirmar, em síntese, que Castilho, com sua abordagem
multissistêmica funcional, é, dentre os autores das gramáticas que abordam o
uso efetivo do português brasileiro, o que mais privilegia as variações de uso
dos verbos ser e estar, além de privilegiar também o processo de
gramaticalização desses verbos.
A partir da revisão das gramáticas selecionadas, poder-se-ia dizer que
há grande diferença no tratamento dado por elas aos verbos ser e estar. As
duas primeiras, de cunho histórico, tratam desses verbos morfologicamente,
considerando-os apenas enquanto léxico e tratando de suas flexões de forma a
diferenciar as regulares das irregulares – embora na gramática de Said Ali seja
possível observar que, em certa medida, ele se preocupe com as funções
desses verbos enquanto verbos de ligação –, além de frisar sempre as
mudanças pelas quais esses verbos passaram em sua transição do latim para
o português.
As gramáticas de Cunha e Cintra (2007) e Bechara (2009), de cunho
normativo-descritivo, apontam como deve se dar o uso desses verbos. Nesse
caso, já é possível notar uma abordagem morfossintática dos verbos. Ambos
os autores tratam das flexões e conjugações, mas também tratam do papel
123
sintático de ser e estar com verbos de ligação ou auxiliares, sem, porém,
preocuparem-se com a semântica desses verbos.
Nas três últimas gramáticas, o tratamento dado aos verbos ser e estar
é morfossintático-discursivo. Elas não se atêm a flexões e conjugações, mas
procuram explicar as relações sintáticas e semânticas no uso desses verbos,
considerando que a etimologia destes pode ajudar a explicar a escolha de um
ou outro pelos falantes em seus discursos, produzindo diferentes sentidos.
Castilho (2014) diferencia-se dos demais pelo tratamento multissistêmico dado
aos verbos, inserindo em sua abordagem as cognições sociais.
2.3. Considerações gramaticais sobre o processo de gramaticalização dos
verbos
De acordo com Travaglia (2003), existem várias classes de verbos,
dentre elas, as seguintes:


Verbos lexicais – aqueles que têm conteúdo nocional, expressando
situações que podem ser identificadas no mundo biopsicofisicossocial.
Também são chamados de verbos plenos.
Verbos gramaticais – aqueles que (p.98)
[...] funcionam como gramemas, isto é, verbos cuja função não é
expressar situações, mas marcar categorias verbais e/ou exercer
funções ou papéis discursivo-textuais determinados (como os
operadores argumentativos e os marcadores conversacionais por
exemplo ou ainda indicar noções bastante gerais e abstratas que não
constituem situações, tais como resultatividade, cessamento,
repetição, atribuição, etc.
Seu conteúdo é pois, de natureza
funcional, gramatical, relacional, dentro dos limites da organização e
funcionamento da língua sem referência a elementos do mundo
biopsicofisicossocial ou, se se tiver uma referência desta natureza,
esta será apenas uma indicação referencial “indireta” como a dêitica e
a anafórica. Incluir-se-iam nos valores/funções dos recursos
gramaticais os de ordenação textual-discursiva, direcionamentos
argumentativos, ênfase, contrastes entre figura e fundo, apoios de
interação (como os marcadores conversacionais) dentre outras
funções.
Assim, Travaglia (2002a, p.138 apud TRAVAGLIA, 2003, p. 98) propõe
o seguinte esquema de cadeias de estágios, as quais geralmente os verbos
seguem em sua gramaticalização:
124
Figura 03: Trajetória de gramaticalização dos verbos segundo Travaglia (2002a, p.138
apud TRAVAGLIA, 2003, p. 98).
Nessa mesma linha, o autor ainda propõe mais dois esquemas (p. 99),
a saber:
 Verbo pleno > (forma perifrástica: verbos semiauxiliares/ auxiliares) >
verbo de ligação ou outro verbo funcional >? aglutinação (clítico > afixo) ?
 Verbo pleno > forma perifrástica (verbos semiauxiliares/ auxiliares) >
aglutinação (clítico > afixo)
Travaglia afirma que, nesses esquemas, os itens entre parênteses
indicam um estágio que não é obrigatório no processo de gramaticalização. Já
o ponto de interrogação [?] indica que são necessárias pesquisas para se
averiguar se o verbo de ligação passa ou não para estágios seguintes.
Seguindo os esquemas propostos por Travaglia podem-se considerar
os seguintes exemplos encontrados em Petrolini Junior (2009, p. 39-46):

Verbo pleno
Estágio I - Verbo pleno:
(4) [...]
b. O seu irmão pegou a cadeira.
c. A criança caiu.

Forma perifrástica
Estágio II – Verbo semiauxiliar:
125
(6) a. Rosa deixou os seus filhos na escola.
b. Rosa deixou que seus filhos fossem sozinhos para a escola.
[...]
e. Rosa deixou os seus filhos cansados.
f. Rosa deixou os seus filhos estudando.
g. Rosa deixou cair a cabeça sobre o ombro.
[...]
i. Rosa se deixou levar pela multidão.
Estágio III – Verbo semiauxiliar:
(8) a. Os seus problemas acabam de acabar.
b. Marta acaba de se apresentar.
c. Marta não acaba a apresentação.
Estágio IV – Verbo auxiliar:
(10)
[...]
b. Tenho que estudar.
Estágio V – Verbo auxiliar:
(13)
Ele “tá” comendo.
Estágio VI – Verbo auxiliar ou afixo: Petrolini (2009) não encontrou exemplos
no português brasileiro para verbos neste estágio.

Aglutinação
Estágio VII – Afixo flexional puro:
(16)
Dentro de alguns minutos chegaremos à cidade de São Paulo.
Os estágios propostos por Travaglia e apresentados por Petrolini
(2009), a partir do verbo como pleno, não são obrigatórios em todos os casos
de gramaticalização de verbos, mas são possíveis e, no caso dos
representados por interrogação [?] por Travaglia (2003), precisam ser
pesquisados.
2.4. Considerações gramaticais sobre os verbos de ligação
Os verbos de ligação também são chamados copulativos (Conforme
Bagno, 2012), relacionais (Bechara, 2009) ou designativos (Garcia, 2001).
126
Bagno (2012) afirma que a perda de significado desses verbos pode
ser comprovada pelo fato de que esse tipo de verbo não existe na maioria das
línguas do mundo.
Para Garcia (2001, p.116), a designação tradicional verbo de ligação é
inadequada, pois, de certa forma, considera-se esse tipo de verbo como não
significativo. Segundo o autor, ao contrário, esses verbos têm significado
importante:
A) Os verbos designativos localizam uma relação entre um
substantivo (ou expressão substantiva) e um outro elemento em
relação ao momento da fala por meio das desinências modotemporais.
B) Os verbos designativos sinalizam o primeiro elemento da
relação quando ele está oculto ou anafórico, através das desinências
número-pessoais.
C) Os verbos designativos indicam o modo como exprimimos
essa relação por meio das desinências modo-temporais.
D) Os verbos designativos imprimem a essa relação o traço
aspecto implícito no caráter aspectual de cada verbo.
Em resumo, um verbo designativo opõe a uma relação um substantivo
e outro elemento (substantivo, adjetivo ou advérbio e pronomes equivalentes),
além de exprimir os traços gramaticais de aspecto (caráter aspectual do verbo
e tempo verbal, nesta ordem), modo, número e pessoa.
Todo verbo designativo tem caráter aspectual bem marcado. Desse
modo, muitos deles não “se dão” com certos tempos verbais. O verbo ser, por
exemplo, nunca aceita o aspecto progressivo (Cf. GARCIA, 2001, p. 116).
Garcia (2001, p. 116-117) apresenta alguns critérios pelos quais são
caracterizados os verbos designativos:
A) A impossibilidade de transformação em voz passiva — uma
vez que o verbo designativo funciona mais como um marcador de
determinadas noções gramaticais (aspecto, modo, etc.) numa relação
substantivo/outro elemento do que para indicar uma ação
propriamente dita, seu complemento não pode ser transformado em
sujeito da voz passiva.
B) A expressão do aspecto através do caráter do verbo —
compreendida na própria definição de verbo designativo.
C) A ausência do marcador semântico animado no verbo —
porque para um verbo ter um marcador semântico (relativo ao sujeito)
é preciso que ele tenha um significado completo.
127
D) A possibilidade de uma predicação dupla — visto ser o
verbo designativo simplesmente um marcador gramatical, ele pode
estabelecer várias predicações, embora alguns deles reservem para
si uma predicação específica, como é o caso do verbo ser,
praticamente o único a expressar predicação equativa.
E) A possibilidade de uma colocação ampla — por ser o
marcador gramatical de uma relação substantivo/outro elemento, a
sua colocação (número e tipo de palavras que podem se combinar
com um determinado elemento da frase) será sempre a mesma do
substantivo e, como se sabe, a colocação dos substantivos é
bastante ampla.
F) A impossibilidade de ter um verbo significativo como
sinônimo — como os verbos designativos são sempre desprovidos
deum significado completo, o fato de eles poderem ser substituídos
por um verbo significativo como sinônimo invalidaria a classificação.
Levando em consideração os critérios expostos, Garcia (2001) conclui
que “os verbos propriamente designativos do português são bem poucos,
apenas seis: ser, estar, continuar, permanecer e os dois verbos ficar”3 (p.117).
Para esta dissertação, interessa apenas ser e estar.
2.5. Considerações gramaticais sobre os verbos auxiliares
De acordo com Bagno (2012), os verbos auxiliares são um excelente
exemplo do processo de gramaticalização. Eles ocorrem em perífrases ou
locuções verbais. O primeiro verbo é o auxiliar (=especificador) e o segundo, o
verbo principal (=núcleo). De acordo com o autor, cada um deles tem
características peculiares e particulares:
Sobre os “dois verbos ficar”, Garcia (2011, p. 119-120) esclarece que: “A diferença entre eles
reside justamente no seu caráter aspectual, pois enquanto o verbo ficar1 tem caráter aspectual
imperfectivo (juntamente com as fases retrospectiva e prospectiva), o verbo ficar2 tem caráter
aspectual ingressivo (indica que uma situação que não existia passa a existir).
3
Exemplos:
17) O almoço ficou pronto. (predicação atributiva – ficar2)
18) Ficou parado, vendo o trem partir. (predicação atributiva
– ficar1)
19) Ele ficou bem de repente. (predicação modal – ficar2)
20) Eu fico bem sozinho. (predicação modal – ficar1)
21) A loja fica na esquina. (predicação locativa espacial – ficar1)
22) A festa ficou para o dia 2. (predicação locativa temporal
– ficar1)
O verbo ficar2 não é usado com predicação locativa espacial porque, para esse caso, existem
vários verbos significativos, tais como vir, chegar, partir etc.”
128



Apenas o auxiliar comporta a morfologia modo, tempo e pessoa;
o verbo principal é sempre um verbo em sua forma nominal – particípio,
gerúndio ou infinitivo;
ambos – auxiliar e principal – compartilham sempre o mesmo sujeito.
Para Ilari e Basso (2008, apud BAGNO, 2012), a enorme variedade de
perífrases formadas pela junção de um verbo auxiliar com um verbo principal
(no caso, um verbinominal), é uma característica marcante do português,
sobretudo o brasileiro, e merece ser salientada pois “marca uma diferença em
relação às demais
línguas românicas, apontando para uma riqueza
fraseológica que muitas daquelas línguas nunca tiveram ou já perderam [...]”
(ILARI e BASSO, 2008, p. 183 apud BAGNO, 2012, p. 603). Segundo Bagno, o
modelo das construções com verbo auxiliar é:
Figura 04: Configuração do sintagma verbal (BAGNO, 2012, p.603)
Assim, encontram-se, em português brasileiro, construções como:
O evento está confirmado para amanhã. Os eventos estão confirmados para amanhã.
Mariana está fazendo o almoço. Mariana e Lia estão fazendo o almoço.
A horta está sendo preparada pelos alunos.
João está a fazer o dever de casa  João e Miguel estão a fazer o dever de casa.
[Construção comum no português europeu.]
Desse modo, nessas construções, constata-se que os verbos auxiliares
trazem as marcas de modo, tempo, número e pessoa, que os verbos principais
estão em sua forma nominal e que os dois tipos de verbo têm, nas orações, o
mesmo sujeito.
129
2.6. Algumas funções de ser e de estar
Neste item serão apresentadas algumas das funções dos verbos ser e
estar: como verbos plenos; como verbos funcionais, nesse caso, copulativos; e
como verbos auxiliares.
2.6.1. Ser e estar como verbos plenos
Enquanto verbos plenos, são verbos intransitivos, isto é, funcionam
como núcleos do predicado, e podem dispensar eventuais termos à direita,
justamente por terem sentido pleno:
Ser - 'existir'; diz-se do que está assentado, sedimentado.
Estar - pôr-se de pé = Há um movimento.
Pereira (1907), em sua gramática expositiva, afirma que esses dois
verbos eram considerados pelos latinos como pertencentes à classe dos
verbos neutros porque não são ativos nem passivos, apenas enunciam um
estado ou atributo do sujeito, que, por sua vez, neste caso, não é ativo nem
passivo. Esse sujeito, assim, exerce tal ação (de ser ou estar) espontânea e
inconscientemente (Cf. PEREIRA, 1935, p. 138). Por isso, os verbos citados,
dentre alguns outros, eram tomados pelos latinos como verbos de predicação
completa, ou intransitivos.
Assim, são construídas duas interpretações semânticas não excludentes
para esses verbos: uma existencial para o verbo ser, e outra de negação da
animacidade para o verbo estar. Segundo o autor, eventuais termos à direita
do verbo funcionam como adjuntos e não interferem nas interpretações
anteriores.
2.6.2. Ser e estar como verbos funcionais
A partir de dado momento, os verbos em questão passaram por um
processo de reanálise e “transferiram” sua função de núcleos do predicado
para o termo adjacente à sua direita, passando a operar também como
130
funcionais. Um exemplo desse tipo é ser e estar como verbos de ligação.
Embora Bagno (2012) afirme que a função desses verbos de ligação, na
prática, é a de apenas ligar o verbo ao objeto, e que o esvaziamento dos
verbos de ligação é comprovado pelo fato de não existirem copulativos na
maioria das línguas do mundo, sendo a ligação entre nomes e predicativos
realizada por meio de justaposição, esta dissertação pretende apontar que tais
verbos também ajudam a exprimir sentidos, e seu intercâmbio pode, sim,
transformar o sentido de uma oração, atribuindo ao indivíduo, lugar ou objeto
uma característica intrínseca ou não permanente.
Garcia (2001, p.117) afirma que ser é o principal designativo do
português, já que satisfaz plenamente os critérios de classificação seguintes:

Não aceita voz passiva, mas aceita qualquer tipo de sujeito;

tem caráter aspectual muito bem marcado, de modo que, em seu uso


tem uma colocação praticamente ilimitada;
normal, não aceita o aspecto progressivo;
não tem nenhum sinônimo.
Segundo Garcia (2001, p. 118) tal como o verbo ser, o verbo estar
como de ligação satisfaz plenamente os critérios de classificação dos verbos
designativos:




Não aceita voz passiva, mas aceita vários tipos de sujeito;
tem um caráter aspectual muito bem marcado – o progressivo –, não
aceitando ser complementado por adjetivos que expressam caráter
aspectual fortemente permanente: brasileiro, paulista etc.
tem ampla colocação;
não admite sinônimos.
Entretanto, o autor afirma que, com o verbo estar, não há predicação
equativa. Isso porque tal predicação está tradicionalmente associada ao verbo
ser e, além disso, é muito difícil a ocorrência de um processo de identificação
(do tipo A=B) com o verbo estar, que não é permansivo:
Minha mãe é aquela de azul. = Aquela de azul é minha mãe. [A=B e B=A]
131
*Minha mãe está aquela de azul. = *Aquela de azul está a minha mãe.
Ele é o dono do bar. = O dono do bar é ele. [A=B e B=A]
*Ele está o dono do bar. = *O dono do bar está ele.
O diretor é Jorge Quintana. (ARRAIS, 1984) = Jorge Quintana é o diretor.[A=B e B=A]
*O diretor está Jorge Quintana = *Jorge Quintana está o diretor.
2.6.2.1. Ser e estar e as estruturas locativa, modal, atributiva, equativa e
possessiva
Com base em Castilho (2014) e Arrais (1984), adotar-se-ão as
seguintes estruturas de uso dos verbos ser e estar como verbos funcionais:
A)
Estrutura locativa
De acordo com Castilho (2014), esta estrutura forma-se da seguinte
maneira:
SER/ ESTAR + SINTAGMA PREPOSICIONADO
E pode exprimir os seguintes sentidos:



COMITATIVO: Sempre seremos contigo!
LOCATIVO: Estou em casa, pode me ligar.
TEMPORAL: Estive por três dias sem internet.
De
acordo
com
Arrais
(1984),
as
frases
locativas
ocorrem
predominantemente com estar4. Dependendo da natureza lexical do sujeito,
Não foram encontradas ocorrências de estruturas locativas com sentido temporal
formadas com o verbo ser. Isso porque, por sua natureza, esse verbo indica “permanência”, e a
estrutura temporal exprime “temporalidade” ou “transitoriedade”. A estrutura mais próxima disso
é semelhante à trazida pelo dicionário HOUAISS quanto a um dos sentidos possíveis do verbo
ser: “somos contentes com a tua chegada”; “ele foi ausente por mais de um ano.” [grifo
nosso]. Nesses exemplos, há uma estrutura atributiva, não temporal. Isso porque o verbo
utilizado é ser, que expressa permanência e que, neste caso, vem seguido por um sintagma
adjetival – ausente –, ou seja, o foco está na atribuição de uma qualidade a um sujeito. Para
que fosse temporal, o verbo utilizado deveria ser estar, que expressa temporalidade, seguido
por um sintagma preposicional que exprimisse período de tempo: ele esteve por mais de um
ano ausente. Portanto, no caso desse exemplo, o verbo ser foi gramaticalizados em verbo de
ligação predicativo.
4
132
admitem construção com ser. Esse autor considera algumas construções com
sintagma preposicionado de valor possessivo ou locativo;
73):
Exemplos de orações locativas apresentadas por Arrais (1984, p.72[...]
(10) O paciente está na sala.
[...]
(13)
Mas
a. Papai está na rua.
b. *Papai é na rua.
c. A festa é na rua.
Arrais explica que (10) e (13a) apresentam complemento locativo que
revela a localização de uma entidade. O complemento locativo responde à
pergunta Onde está X? em que X = pessoas, animais, objetos. Em (13c)
exprime-se a localização de uma ocorrência que se aproxima de um processo
 A festa se passa na rua. Desse modo, de acordo com o autor, (13a) é uma
frase estativa básica porque remete, de fato, a uma localização espacial, ao
passo que (13c) é uma frase estativa derivada5, já que tem valor semântico de
um processo ou ocorrência. Segundo Arrais, tal derivação pode indicar,
inclusive, localização temporal: A festa é no sábado.
Em (13 b) há uma construção que, segundo o autor, não seria possível
porque não se admite nela a alternância entre ser e estar.
Considera-se como a estrutura simples de uma locativa, segundo
Arrais (1984, p. 77):
Figura 05: Estrutura locativa simples (Arrais 1984, p. 77)
Em que: Objetivo = entidade da qual se afirma a localização
Locativo = local onde se encontra a entidade
Outros exemplos apresentados pelo autor (p.77-78):
De acordo com Arrais (1984), a estativa básica diz respeito à estativa por excelência, a
prototípica, construída com o verbo estar. A estativa derivada, como o nome sugere, deriva da
estativa básica, sendo, portanto, análoga a ela, e, embora formada com o verbo ser, também
exprime localização espacial
5
133
(36) Pedro está na igreja.
(37) A igreja é no alto da cidade.
(38) A igreja é ao lado da prefeitura.
[...]
(39) A prefeitura é ao lado da igreja.
[...]
(40) a. A igreja está à direita da prefeitura.
b. A prefeitura está à esquerda da igreja.
De acordo com o autor, em (36) tem-se igreja como locativo. Já em
(37), igreja é elemento cuja localização está sendo afirmada. Arrais explica que
os nomes locativos têm duplo caráter:


Têm valor de adverbiais locativos;
podem ter valor de um nominal que tem como referente um lugar,
exercendo, portanto, outras funções, diversas das dos adverbiais.
Nas orações (36) e (37) há, segundo o autor, a posição espacial
absoluta do referente objetivo, isto é, a posição do referente não depende da
posição de um outro. Já em (38) a posição espacial do referente é relativa à
posição espacial de outro, com o qual admite a permuta de função, dando
origem ao que se tem em (39). Entre (40a) e (40b) há o que o autor chama de
conversão funcional, em que “a permuta dos argumentos se dá com a
subsequente substituição de uma locução por outra oposta” (p. 78).
Diante desses últimos exemplos, Arrais conclui que:
 As construções (36) e (40) ocorrem predominantemente com estar;
 construções com ser admitem comutação com estar.
 as típicas construções com estar não admitem comutação com ser.
E ainda esclarece o que segue (p.78):
Daí ser necessário conceber esquemas distintos que apontem a
diferença de possibilidades sintáticas dos argumentos, conforme a
localização seja absoluta ou relativa:
134
Figura 06: Estrutura locativa – localização absoluta ou relativa (Arrais 1984, p.
78)
Arrais traz mais alguns exemplos de construções locativas (p.79):
(43) *Pedro é na igreja.
(44) A igreja está no alto da cidade.
(45) A igreja está ao lado da prefeitura.
(46) A prefeitura está ao lado da igreja.
(47) a. A igreja é à direita da prefeitura,
b. A prefeitura é à esquerda da igreja.
[...]
(48) a. O pão está na mesa.
b. *O pão é na mesa.
(49) a. As chaves estão no cofre,
b. *As chaves são no cofre.
Segundo o autor, o exposto em (43) soa estranho, mas era comum na
época do português arcaico, podendo ocorrer com animados ou inanimados.
Os sujeitos de (43), (48) e (49) são entidades, não nomes locativos ou nomes
de eventos (como festa). De acordo com Arrais (1984, p. 79),
em português, os nomes usados para referir só a entidades é que
admitem construção locativa exclusivamente com estar, ao passo que
os demais (nomes ambíguos como igreja ou nomes de eventos como
festa), como sujeitos de frases locativas, constroem-se tanto com ser
como com estar.
B)
Estrutura modal
O modelo apresentado por Castilho (2014) para essa estrutura é:
SER/ ESTAR + SINTAGMA ADVERBIAL
A estrutura modal é formada com os verbos ser e estar seguidos de
algum advérbio predicativo (ou qualificador): assim, bem, mal, devagar, melhor,
pior etc. Entretanto, nessa estrutura não se admitem os advérbios de modo
terminados em -mente, apenas quando estes estão funcionando como
modalizadores de adjetivos, verbos ou mesmo advérbios, mas, nesses casos, a
135
oração torna-se, na verdade, atributiva. Na estrutura modal, o advérbio
modaliza o verbo.
Alguns desses advérbios, muitas vezes, parecem-se com adjetivos. Por
isso, alguns dos exemplos a seguir têm seu sujeito no plural a fim de que a
distinção entre adjetivo e advérbio se faça clara, uma vez que os advérbios são
invariáveis.
(1) a. Estou mal da gripe.
b.*Sou mal da gripe.
c. Nós estamos bem.
d.*nós somos bem.
(2) a. Nós estamos pior.
b.*Nós somos pior.
c. Nós estamos melhor.
d.*Nós somos melhor.
(3) a. Os trens estão devagar.
b.*Os trens são devagar.
c.*O trem está vagarosamente Ø.
d. O trem está andando vagarosamente.
(4) a. Isso é assim mesmo.
b. Isso está assim mesmo.
c. A vida é assim.
Em (1a), (1c), (2a) e (2c) há estruturas modais típicas e que funcionam
muito bem com o verbo estar. Já em (1b), (1d), (2b) e (2d), a estrutura se torna
anômala com o uso do verbo ser. Desse modo, entende-se que estruturas
modais SVO que denotam uma situação passageira e que têm os advérbios
bem, mal, melhor ou pior funcionam apenas com o verbo estar. Entretanto,
podem se encontrar estruturas modais com o verbo ser como:
(1)
d. É mal que você ande com essas pessoas (=fica mal...)
Isso porque em (1d) encontra-se algo mais permanente, que será mal
atemporalmente.
A estrutura modal aproxima-se da atributiva. Assim, trocando-se os
advérbios das orações de 1 e 2 por adjetivos, tem-se estruturas atributivas
semelhantes a:

Somos piores (adj)./ Estamos piores (adj).

Estou infinitamente melhor (adj) depois que tomei os remédios.

A situação é pior do que eu imaginava (adj. Comp. de inf.)
136
Em (3a) e (3d), há também estruturas modais típicas. Em (3b) há uma
estrutura que, mesmo anômala pelo fato de que devagar é um advérbio, não
um adjetivo, é largamente utilizada. Em (3c) há uma estrutura totalmente
anômala, que só seria possível se realizada como em (3d).
A estrutura estar + gerúndio, que forma uma perífrase aspectual de
gerúndio, funciona muito bem como uma estrutura modal, pois o verbo no
gerúndio acaba por modalizar o verbo localizado à sua esquerda:
(3d)
O trem está andando vagarosamente.
(6)
Eles estão caminhando.
(5)
(7)
Estou comendo.
Um novo tempo está chegando.
Pelo fato de o gerúndio estar relacionado ao aspecto progressivo,
essas estruturas não funcionam com o verbo ser, que pressupõe permanência.
De acordo com Garcia (2004, p.55-56), o verbo estar é incompatível
com os chamados tempos progressivos quando formados por estar + gerúndio
do verbo estar:
(8) a. O muro é/está alto.
b. **O muro está estando alto.
Em alguns casos, essa perífrase também se relaciona ao aspecto
iterativo, que indica processos que se realizam repetidamente.
O verbo ser, muito embora apresente aspecto permanente, pode vir
expresso num tempo progressivo se a relação que ele expressa seja
controlada pelo sujeito (p.55-56):
(8) c. * *O muro está sendo alto.
(9) a. João é estudioso.
b. João está sendo estudioso.
C)
Estrutura atributiva
Segundo Castilho (2014), esta estrutura pode ser representada pelo
que segue:
SER/ ESTAR + SINTAGMA ADJETIVAL
SER/ ESTAR + SINTAGMA PREPOSICIONAL
137
De acordo com Arrais (1984), há grande alternância entre os verbos
ser e estar nas construções em que há sintagma adjetival.
Aqui, considerar-se-ão também as estruturas formadas por estar +
particípio, já que os particípios são adjetivos (estou calado/ pronto/ feito etc.).
A estrutura atributiva é extremamente frutífera em português brasileiro,
abrangendo as construções formadas por sintagma adjetival, até mesmo
nominal, ou sintagma preposicional de valor atributivo. Segundo Arrais (1984)
as frases atributivas podem se construir tanto com ser quanto com estar,
porém, nos casos em que o atributivo especifica conteúdo ou matéria do
sujeito, construções com estar são agramaticais (Cf. ARRAIS, 1984, p.73).
O autor apresenta os seguintes exemplos (p.72-73):
[...]
(7) Pedro Lário é famoso.
(8) Pedro Lário está famoso.
[...]
(15) a. A garota é feliz.
b. a garota está feliz.
[...]
(17) a. Os primos são de coragem.
b. Os primos estão com coragem.
(18) a. Este livro é de inglês.
b. *Este livro está de inglês.
De acordo com Arrais (1984), as estruturas (7), (8), (15a) e (15b) têm
cópula seguida por adjetivo (famoso/ feliz), portanto, são frases atributivas. Em
(17a) e (17b), há cópula seguida por sintagma preposicional com valor adjetivo
(de coragem/ com coragem), como em (18a); portanto, é, também, uma frase
atributiva. Em (18b), há uma construção agramatical.
É na estrutura atributiva que ocorrem com mais frequência as
mudanças semânticas pelo intercâmbio dos verbos ser e estar. O primeiro
pode indicar estado permanente, enquanto que o outro pode indicar estado
passageiro. É nessa estrutura que tal intercâmbio dos verbos pode implicar
uma mudança ainda mais profunda no significado. Arrais (1984, p.74) afirma
que não há, em língua portuguesa, uma constante simetria entre as
construções de ser e estar com sintagma adjetivo, pois nessas construções
esses dois verbos podem se alternar largamente. A estrutura semântica é que
vai influenciar a escolha de um ou de outro verbo. Essa alternância, porém, não
138
ocorre em construções com sintagma nominal ou preposicionado, como em
(12), (13) e (18) (p.73):
[...]
(12)
(13)
a. O professor é Ênio Alécio.
b. *O professor está Ênio Alécio.
a. Papai está na rua.
b. *Papai é na rua.
[...]
Essas estruturas não são atributivas. Desse modo, compreende-se que
a cópula desse tipo de frase não pode ser seguida de um nome próprio ou um
pronome para que se mantenha o valor atributivo. Na estrutura atributiva,
segundo Arrais, qualquer que seja o sintagma que venha após a cópula, terá
valor constante de adjetivo.
Arrais explica, quanto ao tipo de argumento das orações atributivas,
que este pode ser objetivo ou experienciador, quando há propriedades
psicológicas experimentadas pelo sujeito. Segundo Arrais (1984, p. 76),
o argumento sujeito, em todas essas frases atributivas, embora na
mesma relação de afetamento com o predicador, apresenta
diferentes funções semânticas, de acordo com a natureza lexical do
sintagma adjetivo.
Acerca disso, ele apresenta o seguinte esquema:
Figura 07: Estrutura atributiva – objetivo ou experienciador (Arrais 1984, p. 76)
Em que:
es = essencial
ac = acidental
atr = atributivo
As frases atributivas não são exclusivamente monovalentes. Existem
casos em que esse tipo de predicado traz dois argumentos.

Ser fiel  a alguém ou a algo.

Ser/ estar feliz  por/ com algo.

Ser/ estar famoso  por algo.
139
Para Arrais (1984, p.76):
Há, enfim, casos em que a possibilidade de construção com um
segundo argumento depende da ocorrência do copulativo estar,
sendo bloqueada tal construção quando ocorre o copulativo ser, viceversa.
Construções estativas com dois argumentos, segundo Arrais (p.77):
(26) a. Pedro Lário é famoso por seus
diagnósticos.
b. Pedro Lário está famoso por seus
diagnósticos.
(27) a. A garota é feliz no casamento.
b. A garota está feliz com o namorado.
(28) a. Mário é um ladrão de cavalos.
b. Mário está um ladrão de cavalos.
(29) a. Os primos são de coragem para a
prova.
b. Os primos estão com coragem para
a prova.
(30) a. O rapaz é um destruidor de corações.
b. O rapaz está um destruidor de corações.
(31) a. (?) O menino é triste com você.
b. O menino está triste com você.
(32) a. O garçom é natural de Pernambuco.
b. *O garçom está natural de Pernambuco.
Nas orações acima, propostas pelo autor, o segundo argumento se
relaciona, normalmente, a três tipos de funções semânticas: causativo, meta e
origem.

(26) e (27)  CAUSATIVO

(31b) e (32a)  ORIGEM

(28), (29) e (30)  META
Nas frases atributivas de dois argumentos não há obrigatoriedade de
expressão do segundo argumento.
Arrais (1984) esclarece que, embora (31a) possa soar estranha,
equivale a “É triste quando ESTÁ com você”. A estrutura (32b) é anômala, pois
existe o predicador “ser natural de”, que é uma propriedade essencial.
O autor apresenta o seguinte esquema (p. 77):
140
Figura 08: Estrutura atributiva – causativo, origem e meta (Arrais 1984, p. 77)
Schmitz (1974, p.33), ao analisar orações predicativas – também
chamadas atributivas – construídas com ser e estar no Português brasileiro,
não considera satisfatórias as explicações comumente dadas pela gramática
tradicional sobre os verbos ser e estar – que, conforme tal gramática,
expressam, respectivamente, “estado permanente” e “estado transitório”. O
autor afirma que, muito embora essas afirmações acerca dos referidos verbos
estejam corretas, não são capazes de explicar X é jovem, se a juventude não é
permanente; X está velho, se a velhice não é um estado transitório; ou X está
morto, se a morte é um estado permanente.
Segundo Navas (1963, apud Schmitz, 1974), que tem um trabalho
exaustivo sobre a oposição ser e estar em língua espanhola, há três
explicações principais oferecidas pelas gramáticas sobre a oposição entre ser e
estar: “(1) essência–acidente, (2) permanente-transitório e (3) qualidade-
estado”. Navas rejeita essas três explicações. No que diz respeito a (1), esse
autor afirma que tal explicação não é totalmente válida porque, considerando
que a brancura de uma parede, por exemplo, é algo acidental, ainda assim se
diz que “A parede é branca”. Para (2), Navas utiliza como exemplo a morte,
que, nas palavras dele, é “algo tremendamente permanente, mas que a
referência que se deve utilizar para uma pessoa morta é “está morta”. Sobre
(3), ele afirma que seria contraditório que o falante concebesse uma mesma
coisa ora como qualidade, ora como estado. Acerca disso, Navas (1963, apud
Schmitz, 1974, p. 35) utiliza as orações A neve é branca e A neve está branca
(grifo nosso), e afirma que não há como se admitir que a brancura da neve
seja, ao mesmo tempo qualidade (ser) e estado (estar), e dá a seguinte
explicação, referindo-se a ser e estar seguidos de adjetivos na língua
espanhola:
Ser es el verbo de lo definitorio, de lo intemporal, de lo concebido
subjectivamente al margen de la mutabilidad de la mera relación
141
atributiva. Estar es el verbo de la situación temporal, de la
permanencia indefinida, de lo sujectivamente mutable.
[...]
El concepto de permanencia o duración debe entenderse em el
sentido de transcurso de tempo. La permanencia o duración no
significa, pues, tempo perpetuo, sino tiempo indefinido, tempo que
passa.
A fim de explicar a oposição entre ser e estar, também utilizando a
língua espanhola como referência, Bull (1965, apud SCHMITZ, 1974) propõe a
dicotomia mudança e não mudança, e justifica essa proposta com o fato de
que, entre todas as entidades existentes, há aquelas que sofreram alguma
mudança e aquelas que não sofreram mudança alguma. Entretanto, segundo
ele, essa classificação é feita pelo próprio falante, no momento em que está
utilizando a língua. Desse modo, Bull afirma que, quando usa a sequência estar
+ adjetivo, o falante quer comunicar uma mudança. Quando usa a sequência
ser + adjetivo, esse falante “já se acostumou” com a característica adquirida
nesse processo de mudança, passando a considerá-lo normal. Seria como o
exposto a seguir:
Maria está gorda = Maria era magra e ficou gorda
Maria é gorda = Maria estava gorda  permaneceu gorda  é gorda.
No entanto, Schmitz (1974) chama a atenção para o fato de que a
dicotomia proposta por Bull não é o bastante para explicar construções como
as que seguem:
Ana é sempre linda.
Ana está sempre linda.
Ana é sempre bonita.
Ana está sempre bonita.
De acordo com Schmitz (1974) alguns adjetivos ocorrem apenas com
estar: Prestes, pasmo(a), quite, prenhe (prenha) e presente. O autor insere
entre esses adjetivos contente, cabisbaixo e alto(a), mas, os usos em
português brasileiro, de certa forma, desmentem essa afirmativa. Schmitz
afirma que esses adjetivos parecem indicar estados que não são permanentes,
mas parece não ser possível “prever em termos de regras gramaticais quais
adjetivos pertencem a estes grupos” (p.91).
142
Schmitz (1974) traz também alguns exemplos de adjetivos que,
segundo ele, só ocorrem com o verbo ser: mortal, lacustre, portátil, noturno,
mamífero, eterno, fluvial, terrestre, reptiloide. São adjetivos que exprimem
características arraigadas, intrínsecas, de natureza própria.
D)
Estrutura equativa
O modelo dado por Castilho (2014) para esta estrutura é:
SER + SINTAGMA NOMINAL
Esta estrutura é formada por ser, mas não por estar. Ser é o verbo
equativo por excelência, pois segundo a explicação de Garcia (2001), uma
relação de igualdade pressupõe sempre uma relação permanência. Embora
Bagno (2012, p.614) sugira que dentre as estruturas equativas está a
construção “Portella esteve Ministro”, pode-se afirmar que isso não é possível
porque, no caso da oração dada por Bagno, não há uma relação A=B,
característica de uma oração equativa, mas haveria uma simples inversão
sintática, o que não caracterizaria a igualdade de referentes tampouco uma
relação de permanência (“Portella esteve Ministro”  “Ministro esteve
Portella”).
Segundo
Arrais
(1984),
as
frases
equativas
constroem-se
exclusivamente com o verbo ser e com sintagma nominal. Os dois nomes que
aparecem na frase equativa são correferentes. É o que se chamaria em lógica
matemática de conjuntos idênticos: A=B assim como B=A (Cf. ARRAIS, 1984,
p.74). Há, desse modo, uma relação de sinonímia. De acordo com o autor, isso
acarreta alguns problemas na análise das relações e funções semânticas dos
argumentos. Nesse tipo de frase, há a livre permuta na função dos argumentos,
e pode haver a coexistência de relações funcionais idênticas, sendo uma o
tópico e a outra secundária.
Na frase equativa, o verbo copulativo deve ser necessariamente
seguido por nome próprio, pronome ou sintagma nominal ‘definido’, mas
NUNCA por adjetivo ou expressão que tenha esse valor.
Assim (p.72-74):
[...]
(4) O diretor é Jorge Quintana.
143
(5) O professor de inglês é o norte-americano.
(6) Pedro Lário é médico.
[...]
(12) a. O professor é Ênio Alécio.
b. *O professor está Ênio Alécio.
[...]
(16) a. Mário é um ladrão.
b. Mário está um ladrão.
c. Mário é o ladrão.
[...]
(22) a. Lisboa é a Capital de Portugal,
b. A capital de Portugal é Lisboa.
(23) a. O cloreto de sódio é o sal.
b. O sal é Na Cl.
(p. 74)
As frases (4), (5) e (16c) são equativas. Elas apresentam a
possibilidade de permuta de funções entre os argumentos. Em (16a), o
sintagma nominal um ladrão representa uma classe na qual se inclui Mário ou o
qualifica como tal, sem identificá-lo. Portanto, é uma frase equativa. Em (6), a
cópula é seguida por nome (médico), porém, com valor adjetivo; portanto, NÃO
é uma frase equativa, mas atributiva. No que diz respeito às equativas (22) e
(23), o autor apresenta o seguinte esquema (p.74):
Figura 09: Estrutura equativa (Arrais 1984, p. 74)
Em que:
eq = equativa
[Objetivo1, Objetivo2] =
[Locativo1, Locativo2]
relação funcional
O autor explica a diferença sintática entre a frase atributiva e a equativa
(1984, p. 74):
(i) os termos que aparecem após o verbo copulativo nas frases
equativas não são extensivos às frases atributivas nessa mesma
posição; (ii) o sujeito e o complemento de frases equativas admitem a
permuta de funções, o mesmo não ocorrendo nas frases atributivas.
144
Caracteristicamente, a equativa é usada para identificar o referente de
uma expressão com o referente de outra. Já a atributiva atribui uma certa
qualidade ou propriedade à expressão de um referente.
E)
Estrutura possessiva (Arrais, 1984)
Arrais (1984) apresenta um outro tipo de frase copulativa com ser e
estar, não levantado deste modo por Castilho (2014): a frase possessiva.
Segundo ele, além da noção de posse, uma frase desse tipo pode indicar,
muitas vezes, uma associação entre dois termos, “por exemplo, que o referente
de Y está em proximidade espacial com o referente de X, ou que o sujeito de
'ter' ('possuidor') exerce alguma influência sobre o objeto de 'ter' (possuído)”
(ARRAIS, 1984, p.80). Conforme o autor, para alguns linguistas, as
construções possessivas são uma subclasse das locativas. Ele apresenta os
seguintes exemplos (p.72-73):
(11) O livro é de Pedro.
[...]
(14) a. O caderno é do meu colega.
b. O caderno está com meu colega.
c. Meu colega está com o caderno.
Em (11) e (14a) verifica-se a posse absoluta do objeto pelo possuidor.
Em (14b), verifica-se posse acidental ou transitória. Entre as construções (14b)
e (14c) nota-se a possibilidade de inversão das funções dos argumentos nas
construções possessivas com estar. Quanto aos exemplos a seguir (p.79-80), o
autor afirma que embora haja correspondência entre a, b e c, não há
representação semântica idêntica:
[...]
(50) a. O cofre está com dinheiro.
b. O cofre tem dinheiro.
c. Há dinheiro no cofre.
(51) a. Esses livros são da biblioteca.
b. A biblioteca tem esses livros.
c. Há esses livros na biblioteca.
(52) a. Esta caixa está com um diamante.
b. Esta caixa tem um diamante.
c. Há um diamante nesta caixa.
d. O diamante está nesta caixa.
(p. 80)
145
(53) a. João está com prestígio na
firma.
b. João tem prestígio na firma.
c. João {é/ está} prestigiado na firma.
(54) a. Mário está com poder na
firma.
b. Mário tem poder na firma.
c. Mário {é/ está} poderoso na firma.
(55) a. Pedro está com força,
b. Pedro tem força.
c. Pedro {é/está} forte.
(56) a. Bento está com coragem.
b. Bento tem coragem.
c. Bento {é/está} corajoso.
[...]
O autor conclui que “(i) as construções possessivas comumente
admitem uma
paráfrase locativa,
embora possam
ter também valor
atributivo[...]” (1984, p.81), e apresenta, para esse tipo de frase, a seguinte
estrutura:
Figura 10: Estrutura possessiva (Arrais 1984, p. 81)
Arrais afirma que há certa tendência a se considerar o primeiro
argumento representado por nome da classe dos animados como beneficiário,
enquanto que o por nome da classe dos inanimados é considerado como
locativo. Isso também vale para construções do tipo estar com (topicalização
do beneficiário ou locativo) e ser de (topicalização do objetivo):
(57) a. A indústria tem muitos empregados.
b. A indústria está com muitos empregados.
c. Há muitos empregados na indústria.
d. Muitos empregados são da indústria.
Observa-se nos exemplos acima uma relação com o verbo ter, isto é,
de posse.
Arrais apresenta alguns exemplos de construções em que há a relação
de posse alienável – quando o objeto possuído é separado ou transferível do
possuidor, apresentando ambiguidade entre disponibilidade e posse – e de
146
posse inalienável – quando não se admite que se separe ou se transfira o
termo possuído do possuidor, havendo uma relação de proximidade bem íntima
(p.83):
[...]
(69) a. Eu tenho os cabelos pretos,
b. Meus cabelos são pretos.
(70) a. Ela tem a cintura fina.
b. Ela é fina de cintura.
c. Sua cintura é fina.
(71) a. Ela tem um corpo bem feito.
b. Ela é bem feita de corpo.
c. Seu corpo é bem feito.
Quando se substituem os elementos possuídos de (70) e (71) por
outros de relação alienável, o resultado é anômalo. O autor apresenta o
seguinte esquema (p.83):
Figura 11: Estrutura possessiva – posse alienável/ inalienável (Arrais 1984, p. 81)
Para esta dissertação, serão consideradas como POSSESSIVAS
estruturas em que o objeto possuído não atribua, de alguma forma, alguma
qualidade ao sujeito. Consideram-se os exemplos apresentados por Arrais
(1984):
(53) a. João está com prestígio na
firma.
[...].
(54) a. Mário está com poder na
firma.
[...]
(55) a. Pedro está com força,
[...]
(56) a. Bento está com coragem.
[...]
(69) b. Meus cabelos são pretos.
(70) b. Ela é fina de cintura.
c. Sua cintura é fina.
(71) b. Ela é bem feita de corpo.
c. Seu corpo é bem feito.
147
Caso haja ocorrências como as apresentadas em (53a), (54a), (55a),
(56a), (69b), (70b), (70c), (71b) e (71c), serão consideradas ATRIBUTIVAS,
pois entende-se nesta dissertação que exprimem uma relação mais próxima de
um atributo que de uma posse. São, portanto, orações formadas com sintagma
preposicional com valor atributivo. De acordo com o próprio Arrais (1984):




João está com prestígio na firma.  João está prestigiado na firma.
Mário está com poder na firma.  Mário está poderoso na firma.
Pedro está com força.  Pedro está forte.
Bento está com coragem.  Bento está corajoso.
2.6.3. Ser e estar como verbos auxiliares
Ambos os verbos, ser e estar, foram gramaticalizados como verbo
auxiliares. O primeiro participa da formação da voz passiva, auxiliando um
verbo no particípio; o segundo, como auxiliar do verbo principal, no gerúndio.
Ambos, ao serem gramaticalizados com essa função, marcam as noções de
tempo, modo número e pessoa.
2.6.3.1. Verbo ser
Segundo Bagno (2012), a perífrase ser + particípio passado
consolidou-se na formulação da voz passiva. No português arcaico, o verbo ser
era usado para formar tempos compostos com verbos principais intransitivos.
Ainda são encontrados resquícios desse uso em construções como “É chegada
a hora” e “Agora é tarde, Inês é morta” (BAGNO, 2012, p. 615 [grifo nosso]).
2.6.3.2. Verbo estar
Para Bagno (2012, p. 603-604), o verbo estar, assim como o verbo ir,
tem grande uso na formação dos tempos compostos em português, quando
seguidos de gerúndio ou infinitivo, e traz alguns exemplos:
 presente indic. contínuo  estar [PRES] + GERÚNDIO (estou
falando)
 imperfeito indic. contínuo  estar [IMPERF] + GERÚNDIO
(estava falando)
 condicional/ futuro do pret. contínuo1  estar [COND] +
GERÚNDIO(estaria falando)
148
 condicional/ futuro do pret. contínuo2 ir [IMPERF] + estar
[INFIN]+GERÚNDIO(ia estar falando)
 perfeito indic. contínuo  estar [PERF] + GERÚNDIO (estive
falando)
 presente subj. contínuo  estar [PRES SUBJ] + GERÚNDIO
(esteja falando)
 imperfeito subj. contínuo  estar [IMP SUBJ] + GERÚNDIO
(estivesse falando)
 futuro subj. contínuo  estar [FUT SUBJ] + GERÚNDIO (estiver
falando) [...] (grifos do autor)
A partir desse exemplo, verifica-se que estar, como ser, quando
gramaticalizados em verbos auxiliares, participando de perífrases, passam a
marcar as noções de modo, tempo, número e pessoa, tendo seus conteúdos
semânticos enfraquecidos e tornando-se, portanto, mais gramaticais, conforme
é previsto no processo de gramaticalização.
Compreende-se, portanto, que os verbos ser e estar sofreram
gramaticalização, processo que os levou a funcionar, também, como verbos
copulativos, auxiliares e, ainda, a exercerem novas funções nas quais o
aspecto gramatical desses verbos sobressai ao semântico, como se verificou
nas análises. Embora as noções desses verbos como plenos puros,
propriamente ditos, sejam quase inexistentes no português atual, há resquícios
desse uso em grande número das construções contemporâneas com ser e
estar, o que corrobora a ideia de que, quando gramaticalizada, uma estrutura
sempre carrega resquícios de seu uso como pleno.
149
CAPÍTULO 3 – RESULTADOS OBTIDOS DAS FUNÇÕES DO
VERBO SER NO USO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Este capítulo apresenta os resultados obtidos das funções do verbo ser
no uso do português brasileiro, seguindo o modelo proposto por Givón (1993),
que consiste no seguinte: dimensão lexical, dimensão proposicional e
dimensão pragmático-discursiva.
3.1. Dimensão lexical vocabular
Este item apresenta o conteúdo vocabular do verbo ser contido no
dicionário de Antônio Houaiss, em sua versão online:
1 em sentido relativo, us. em orações que dizem como ou com que
aspecto ou em que circunstâncias o sujeito gramatical existe ou se
apresenta [Como verbo predicativo, é por vezes considerado de
sentido vazio e desempenhando apenas função de ligação entre o
sujeito e o predicado (predicativo); as acepções deste grupo,
portanto, devem ser entendidas não como significados estritos e
precisos do verbo em si, mas como significados 'totais' do predicado,
que não se excluem necessariamente, podendo combinar-se.]
1.1 ( pred. ) ter qualidade, característica ou propriedade intrínseca
(referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)
‹ a Terra é esférica › ‹ o fogo é quente › ‹ ela é piauiense › ‹ ela
sempre foi inteligente › ‹ nove é divisível por três › ‹ essa flor é uma
rosa vermelha ›
1.2 ( pred. ) ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária
‹ um dia serei rico › ‹ a maior parte dos seus escritos é inédita ›
1.3 ( pred. sXIII ) p.ext. p.us. m.q. estar
‹ somos contentes com a tua chegada › ‹ ele foi ausente por mais
de um ano ›
1.4 ( pred. ) ter a referência ou o significado incluído ou implicado
pelo significado ou referência de (falando de nomes, designações,
expressões etc.); constituir o mesmo objeto, entidade ou ideia
(us.,ger. em definições, para afirmar ou estabelecer identidade ou
equivalência entre palavras, termos, expressões, ou entre aquilo que
eles designam, descrevem ou qualificam)
‹ seres humanos são bípedes › ‹ o homem é um animal racional ›
‹ número primo é aquele divisível apenas por ele mesmo e pela
unidade › ‹ quinze é a resposta do problema › ‹ o pior cego é aquele
que não quer ver › ‹ quadrado é um paralelogramo retângulo de lados
iguais › ‹ cinquenta é tudo que posso pagar › ‹ o avô é o primeiro à
esquerda, na fotografia › ‹ João é o filho mais novo de Maria ›
1.5 ( pred. ) ter (total ou parcialmente) os mesmos atributos,
qualidades ou condições que definem ou caracterizam algo ou um
grupo, classe ou conjunto de coisas, entidades ou ideias
1.5.1 ( pred. ) ter determinada designação genérica
150
‹ Deus é amor › ‹ viver é sonhar › ‹ essa flor é uma orquídea ›
‹ peixes são vertebrados, mas não são mamíferos › ‹ a pergunta era
um disparate ›
1.6 ( pred. ) ter a mesma importância ou valor que; representar; ter
significado, função, aspecto, efeito etc. equivalente ou relativamente
comparável ao de (outra coisa) [us. tb. em metáforas, analogias,
símiles etc., implícitos e explícitos]
‹ a descoberta das inscrições rúnicas foi a confirmação das
migrações dos antigos germânicos na região › ‹ desistir será assumir
a derrota › ‹ aquelas palavras, para ele, foram um consolo e um
estímulo › ‹ nosso planeta é como um grão de poeira no cosmo ›
1.7 ( pred. ) infrm. representar em matéria de preço ou valor; custar,
valer
‹ quanto é a dúzia de ovos? › ‹ as maçãs são tanto por quilo ›
1.8 ( pred. ) fig. parecer inteiramente formado ou tomado por;
apresentar predominância de uma condição ou qualidade, ou de certo
tipo de elemento
‹ a estrada era lama pura › ‹ a festa foi um luxo só › ‹ sou todo
ouvidos para [i.e., 'escutarei com a máxima atenção'] o que tens a
dizer ›
2 ( sXIII ) em sentido absoluto, us. para afirmar ou estabelecer algo
como sujeito de predicação, sem atribuir qualidades ou colocar em
relação determinada com outras coisas, e dando ideia de existência,
substantiva, em sentido próximo do de haver
2.1 ( int. ) fazer parte do conjunto dos entes materiais ou das
entidades ideais ou abstratas do universo
‹ o passado inclui tudo o que foi, e o futuro, tudo o que será ›
2.2 ( int. ) ter essência conhecível graças ao pensamento, ou ter
existência observável graças aos sentidos físicos
‹ chama-se ontologia à parte da filosofia que versa sobre o que é ›
‹ para os empiristas, só aquilo que experimentamos realmente é ›
2.2.1 ( int. ) abs. (sem especificação ou delimitação de tempo, espaço
ou circunstância) [...]
‹ Deus é ›
2.3 ( int. ) us., esp. em matemática e lógica, no presente do
subjuntivo, para estabelecer ou convencionar a existência de uma
entidade abstrata, mentada, ou para supor a existência de algo a ser
considerado
‹ seja uma circunferência com centro no ponto c › ‹ seja b o
conjunto das proposições de tipo x ›
2.4 ( int. ) ter existência real; existir, viver
‹ as gerações que foram e as que ainda serão ›
2.5 ( pred.int. ) ter ou ocupar lugar; estar, ficar
‹ onde será o prédio que vão construir? › ‹ aqui foi um templo
romano ›
2.6 ( pred. sXIII ) ter existência ou presença, formando ou
constituindo grupo ou conjunto em número ou quantidade
especificada ou qualificada
‹ seriam, no máximo, cinco › ‹ somos muitos › ‹ eram centenas ›
2.7 ( pred.int. sXIII ) apresentar-se como fato; dar-se, ocorrer,
acontecer [como v. pred., é us. em construções impessoais em que,
em vez do sujeito (inexistente), é o predicativo (por vezes
preposicionado, para efeito de ênfase) que 'acontece']
‹ quando foi das suas núpcias, contava apenas 21 anos › ‹ a
apresentação será amanhã › ‹ onde foi isso? ›
2.8 ( pred. ) us. em construções impessoais, para referir-se à
passagem do tempo e especificar um momento, período ou época
(pode haver menção de unidades temporais, de condições
atmosféricas ou climáticas, ou da ocasião ou circunstância de que se
trata) – o verbo concorda com o predicativo
151
‹ ainda era cedo › ‹ já é dia claro › ‹ era outono, mas ainda fazia
calor › ‹ são oito horas da noite › ‹ é primeiro de abril › ‹ seriam fins de
setembro ›
3 ( pred. ) usos em que o aspecto funcional é mais destacado em
relação ao aspecto semântico
3.1 ( pred. ) us. como verbo auxiliar, seguido de verbo no particípio,
trazendo as marcas de tempo e pessoa, em orações da voz passiva,
e com conteúdo semântico de 'sofrer, receber ou por uma ação ou um
processo realizado por algo ou alguém (e designado pelo verbo no
particípio)'
‹ a tarefa será completada amanhã › ‹ os prazos foram ampliados ›
3.2 ( pred. ) us. como auxiliar, conjugado no presente do indicativo,
com o verbo principal no particípio, na formação de pretérito perfeito
composto; conjugado no pretérito imperfeito e com o verbo principal
no particípio, forma o pretérito mais-que-perfeito composto [essa
construção é us. com alguns verbos intransitivos e de aspecto
permansivo; pode ser considerada um uso do verbo ser como verbo
predicativo, com o particípio como adjetivo (predicativo); exemplos
que se poderia considerar casos-limite são as construções do
tipo: ele é pouco viajado (= viajou pouco); ela é muito lida (= leu
muito)]
‹ o mês é findo › ‹ quando chegamos, a reunião já era começada ›
3.3 ( pred. ) us. como verbo auxiliar, com conteúdo semântico de
'acontecer, ocorrer'
‹ não teriam conseguido, não fosse você ajudá-los [i.e., 'se você
não os ajudasse'] ›
3.4 ( pred. ) us. no subjuntivo (presente ou passado) ou no futuro do
presente do indicativo, para expressar concordância com ou
aceitação de uma afirmação, um fato, uma situação etc., ou para
admitir provisoriamente uma hipótese ou suposição
‹ erramos – que seja –, mas isso não justifica a sua atitude ›
‹ dizem que o problema tem solução – será? –, mas é preciso então
buscá-la ›
3.5 ( pred. ) p.ext. infrm. us. no presente do indicativo, por vezes
interjetivamente, de modo equivalente a 'sim' ou 'não' (confirmando
afirmação ou negação) ou com conotação de 'talvez'
‹ – Há algum problema? / – É. › ‹ – Ele não faria uma coisa dessas
/ – É, não faria mesmo › ‹ – Você não acha que tenho razão? / – É...
quem sabe? ›
3.6 ( pred. ) com função expressiva, substitui uma oração ou seu
predicado verbal (pode ser analisado como um uso impessoal
do v. ser, com o sentido de 'acontecer' e referido a um fato implícito
no contexto ou mencionado noutra oração)
‹ se pensas assim, é porque estás mal informado › ‹ eu não fiz isso,
só se foi ele › ‹ quando voltar, será por vontade própria › ‹ esperava o
pior – era por influência do irmão › ‹ se viajasse, seria contigo ›
3.7 ( pred. ) substitui o verbo repetido em interrogações expressivas
ou enfáticas ao final de orações
‹ pensa que pode enganá-la, é? › ‹ tudo vai dar certo, não é? ›
3.8 ( pred. ) us. de modo expletivo (com o conteúdo semântico
praticamente negligenciável), muitas vezes em combinação com a
conjunção que, dando realce a um elemento da oração (sujeito,
objeto, adjunto adverbial, predicativo do sujeito ou do objeto)
‹ fui
eu
que fiz [=
eu fiz (com sujeito realçado);
diferente (sintaticamente) de fui eu quem fez] › ‹ eu quero é ter paz ›
‹ ele gosta mesmo é de jogar futebol › ‹ ela está é preocupada com a
amiga › ‹ eles estão é nos enganando › ‹ ali é que moram os Silva ›
‹ só hoje é que chegaste? › ‹ é assim que penso ›
152
3.9 ( pred. ) us. como expletivo, realçando uma oração – em
exclamações ou perguntas expressivas, em explicações ou em
interrogações diretas ou indiretas
‹ não é que conseguimos? › ‹ ainda não explicou por que é que
resolveu deixar o emprego › ‹ não pude comparecer: é que estava
doente ›
Em síntese, o conteúdo vocabular analisado indica que nesse
dicionário são propostos três grandes usos para o verbo ser no português
brasileiro: sentido relativo, sentido absoluto e usos em que o aspecto funcional
é mais destacado em relação ao aspecto semântico. Em cada uma das
ocorrências encontradas, há a preocupação em situar as variações de cada
caso.
3.2. Resultados obtidos nas análises
Os resultados apresentados neste item foram obtidos a partir do corpus
coletado na pesquisa, tanto em gramáticas, quanto em textos escritos e orais.
3.2.1. Verbo ser como verbo pleno
De acordo com os autores pesquisados, em uma perspectiva funcional,
o verbo ser era um verbo pleno que se gramaticalizou em verbo de ligação e
em verbo auxiliar. Todavia, pancronicamente, ocorre ainda o uso do verbo ser,
no português brasileiro, no momento atual, como verbo pleno. É o caso do uso
apresentativo. Conforme Castilho (2014), as sentenças apresentacionais, que
são monoargumentais, “respondem à pergunta ‘quem é X?’/ ‘O que é X’,
funcionando no discurso para a introdução de um tópico novo. Sua estrutura
sintagmática é [verbo + sintagma nominal]” (p.329). São exemplos do uso
apresentativo, segundo Castilho (2014, p. 399):
a) A – Quem está aí?
B – É Fulano.
b) Era uma vez um rei.
Nos dois casos, o verbo tem um único argumento posposto. (...)
153
A seguir, algumas ocorrências desse tipo:
(01) “Era uma vez uma linda princesinha. Ela estava brincando com sua
bola de ouro. Mas essa bola caiu no laguinho.” (Corpus D&G Natal, p.
186) (86)
(01a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, sendo impessoal, e resulta de
seleção, no conteúdo vocabular, como:
(...)
2.8 ( pred. ) us. em construções impessoais, para referir-se à
passagem do tempo e especificar um momento, período ou época
(pode haver menção de unidades temporais, de condições
atmosféricas ou climáticas, ou da ocasião ou circunstância de que se
trata) – o verbo concorda com o predicativo (...).
(01b) Na dimensão proposicional, há o início de uma narrativa que se dá em
determinado tempo em torno de determinada personagem.
(01c) Na dimensão pragmático-discursiva, a construção “Era uma vez uma
personagem x” apresenta ao ouvinte um texto narrativo, com início, meio e fim.
Tal construção é reconhecida como típica do gênero “Conto de fadas”. A
personagem, no tempo em que se passa a narrativa, era, isto é, simplesmente
existia.
(02) “(...) aí nesse dia ... havia uma comemoração cívica ... era dia sete de
setembro (...)” (Corpus D&G Natal, p. 16) (87)
(02a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, sendo impessoal, e resulta de
seleção, no conteúdo vocabular, como:
(...)
2.8 ( pred. ) us. em construções impessoais, para referir-se à
passagem do tempo e especificar um momento, período ou época
(pode haver menção de unidades temporais, de condições
atmosféricas ou climáticas, ou da ocasião ou circunstância de que se
trata) – o verbo concorda com o predicativo (...).
(02b) Na dimensão proposicional, há a informação de uma comemoração
cívica no dia sete de setembro.
154
(02c) Na dimensão pragmático-discursiva, durante um diálogo, o narrador, de
certa forma justifica para seu ouvinte o motivo de uma comemoração cívica:
porque era sete de setembro. Entende-se que a comemoração cívica se deu no
dia sete de setembro porque nesse dia é comemorada a independência do
Brasil, sendo considerado “dia da pátria”. Portanto, o verbo ser é utilizado para
designar tempo.
(03) “(...) assaltaram ele... ele foi/ falou que... foi... na Praça
Tamandaré::... acho que era umas quatro horas... foi de tarde...” (Corpus
D&G Rio Grande, p.39) (123)
(03a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, sendo impessoal, e resulta de
seleção, no conteúdo vocabular, como:
(...)
2.8 ( pred. ) us. em construções impessoais, para referir-se à
passagem do tempo e especificar um momento, período ou época
(pode haver menção de unidades temporais, de condições
atmosféricas ou climáticas, ou da ocasião ou circunstância de que se
trata) – o verbo concorda com o predicativo (...).
(03b) Na dimensão proposicional, há a informação de que um sujeito foi
assaltado aproximadamente às quatro horas da tarde, na Praça Tamandaré.
(03c) Na dimensão pragmático-discursiva, em um diálogo, o locutor informa
que um homem foi assaltado na Praça Tamandaré. Pelo fato de o evento ter
ocorrido às quatro horas da tarde, à luz do dia, depreende-se que os
assaltantes estão mais ousados, não se preocupando em serem vistos, e que a
segurança pública está falha. Portanto, o verbo ser é utilizado para designar
tempo.
(04) “(...) aí o sapo bateu na porta ... aí ela falou ... aí ela foi lá ver quem é
... aí era o sapo ... aí ele falou ... “lembra da sua promessa? ... agora eu
quero jantar com você” ... aí ela falou ... “não ... num vou deixar não” ... e
fechou a porta ... aí foi jantar ... aí ele bateu de novo ... aí ele falou ...
“lembra da promessa? eu num vou pegar sua bola de novo” ... aí ela falou
155
... “não ... não vem não” ... aí ... ela ... aí ela fechou a porta de novo ... aí a
terceira vez que ele abriu ... que ela abriu ... que ele tocou na/ ... que ele
bateu na porta ... aí o rei perguntou ... “princesinha ... quem é essa
pessoa que tanto bate?” aí ela falou ... “é um sapo” ... aí ela contou a
história todinha pra ... pra o rei ... né ... aí ele falou ... ‘você prometeu ...
agora vai ter que cumprir’ ” (Corpus D&G Natal, p. 184) (88)
(04a) Na dimensão lexical, o verbo ser, nos quatro casos, encontra-se
flexionado, respectivamente, na terceira pessoa do singular do presente do
indicativo; na terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito do indicativo; e,
nos dois últimos, novamente, na terceira pessoa do singular do presente do
indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, exprimindo o
seguinte:
2.2 ( int. ) ter essência conhecível graças ao pensamento, ou ter
existência observável graças aos sentidos físicos
‹ chama-se ontologia à parte da filosofia que versa sobre o que é ›
‹ para os empiristas, só aquilo que experimentamos realmente é ›
2.2.1 ( int. ) abs. (sem especificação ou delimitação de tempo, espaço
ou circunstância) [...]
‹ Deus é ›
(...)
(04b) Na dimensão proposicional, há o trecho na narração de uma historinha
em que uma princesa prometera a um sapo, que lhe prestara um favor, que
este poderia jantar com ela e dormir em sua cama. A princípio, a princesa não
queria cumprir com o prometido, mas teve que fazê-lo a pedido do rei, pai da
princesa.
(04c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a narrativa de uma “historinha”
cuja moral é a de que sempre se deve retribuir um favor e cumprir aquilo que
se promete. Neste caso, há o uso apresentativo de ser, como resquício desse
verbo com seu sentido pleno.
No português brasileiro atual, foram encontrados, na Bíblia de
Jerusalém, alguns exemplos que se aproximam ainda mais do que seria o
verbo ser como pleno. Na versão online do dicionário Houaiss, as entradas
156
possíveis para descrever o verbo ser como pleno vêm introduzidas pelo que
segue:
2 ( sXIII ) em sentido absoluto, us. para afirmar ou estabelecer algo
como sujeito de predicação, sem atribuir qualidades ou colocar em
relação determinada com outras coisas, e dando ideia de existência,
substantiva, em sentido próximo do de haver (...)
Essa definição explica bem no que consiste o verbo ser como pleno. A
seguir, alguns casos:
(05) “13Moisés disse a Deus: “Quando eu for aos israelitas e disser: ‘O
Deus de vossos pais me enviou até vós’, e me perguntarem: ‘Qual é o seu
nome?’ que direi?” 14Disse Deus a Moisés: “Eu sou aquele que é.” Disse
mais: “Assim dirás aos israelitas: ‘EU SOU me enviou até vós.’ ” (grifo do
autor) (11)
(05a) Na dimensão lexical, o verbo ser encontra-se flexionado na terceira
pessoa do singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com os seguintes sentidos: “ter essência conhecível
graças ao pensamento, ou ter existência observável graças aos sentidos
físicos”; “ter existência real; existir, viver”; ou, ainda, “[abstrato] sem
especificação ou delimitação de tempo, espaço ou circunstância”.
(05b) Na dimensão proposicional, há trecho de uma narrativa que traz um
diálogo entre duas pessoas. Uma delas faz um questionamento e a outra dá
uma resposta em forma de comando.
(05c) Na dimensão pragmático-discursiva, há o discurso bíblico-religioso. O
trecho foi retirado do capítulo 3 do livro do Êxodo, passagem em que, segundo
a bíblia, Moisés teve um encontro com Deus, no Monte Horeb (também
conhecido como Monte Sinai). Deus se apresenta a Moisés como aquele que
é. Tanto o é que, em uma passagem posterior, seu nome é substantivado:
“Assim dirás aos israelitas: ‘EU SOU me enviou até vós.’ ”. Aquele que se
afirma como Eu sou, simplesmente, é. O verbo ser expressa sua essência
pura, seu significado pleno: O de existência por si só.
157
(06) “1No princípio era o verbo e o verbo estava com Deus e o verbo era
Deus. (...)” (12)
(06a) Na dimensão lexical, o verbo ser encontra-se flexionado na terceira
pessoa do singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção
lexical, no conteúdo vocabular, com os seguintes sentidos: “[abstrato] sem
especificação ou delimitação de tempo, espaço ou circunstância”; “ter essência
conhecível graças ao pensamento, ou ter existência observável graças aos
sentidos físicos”; “fazer parte do conjunto dos entes materiais ou das entidades
ideais ou abstratas do universo”; ou, ainda, “ter existência real; existir, viver”.
(06b) Na dimensão proposicional, há a transmissão de uma informação por
parte do locutor acerca do verbo de Deus, com o sentido de que, no início,
apenas Deus tinha a palavra, o dom da fala, e que, por meio dela, criou o
mundo, e a transmitiu para o primeiro homem e, consequentemente, para toda
a humanidade.
(06c) Na dimensão pragmático-discursiva, há, no discurso bíblico-religioso,
uma passagem retirada do primeiro capítulo do evangelho de João, conhecido
como prólogo de São João. O versículo, que é um monólogo introdutório desse
evangelho, no qual o narrador resume a história da encarnação do verbo, traz
que, no princípio, o verbo simplesmente ERA, por si só. O verbo ser expressa
sua essência pura, seu significado pleno: O de existência por si só. O sentido
da oração está todo no verbo, e não em um possível sintagma localizado à
direita, como ocorre com esse verbo quando é funcional.
3.2.2 Verbo ser como verbo funcional
Neste item, são apresentadas as funções ocorridas com o verbo ser
como verbo copulativo ou de ligação.
158
3.2.2.1
A)
Estrutura locativa
Sentido comitativo
Por sua natureza, a estrutura locativa ocorre majoritariamente com o
verbo estar. Entretanto, é possível o uso do verbo ser na modalidade
comitativa, denotando a companhia de alguém que não estava presente, mas
que, a partir de certo momento, estará, e o mais importante, permanecerá,
como se pode verificar a seguir:
(07) “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco” (...) (125)
(07a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária” ou, ainda, “mesmo que estar”.
(07b) Na dimensão proposicional, tem-se a transmissão de uma mensagem de
um locutor (O anjo Gabriel) para um interlocutor (Maria). O primeiro avisa ao
segundo que um terceiro (o Senhor) está com ela. Nesse caso, o verbo vem
seguido por um pronome oblíquo tônico não reflexivo. O uso desse tipo de
pronome não é casual: ele é derivado do latim, da junção da preposição com +
vobiscum, que significa em vossa companhia. Tendo a mesma estrutura de
formação, os demais pronomes desse tipo (comigo, contigo, consigo e
conosco), além dos pessoais do caso reto ele(s)/ela(s), também funcionam. O
verbo ser funciona como permanência, ou seja, “a partir deste momento”, Deus
passa a estar sempre com Maria.
(07c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre a interação entre locutor e
interlocutor, no âmbito do discurso bíblico-religioso. Considera-se que a
mensagem do anjo a Maria é a de que, a partir daquele momento, tendo ela
sido escolhida para dar à luz o filho de Deus, este permaneceria sempre com
ela, e por isso a utilização de ser, não de estar. O uso do verbo estar traria
159
certa temporariedade à situação. Sendo assim, o verbo ser, com valor
predicativo, está ressemantizado com valor locativo.
B)
Sentido locativo
A estrutura com ser com sentido locativo não ocorre com entidades
animadas (pessoas ou animais), mas ocorre com nomes locativos, com
eventos (festas, exposições, feiras etc.) e, a depender do sentido, com
entidades inanimadas.
No caso de entidades animadas, Arrais apresenta um exemplo que,
segundo ele, soa muito estranho, embora soasse bem à época do português
arcaico:
*Pedro é na igreja. (ARRAIS, 1984, p. 79)
No português brasileiro atual, uma estrutura assim seria possível se
denotasse o nome de um evento, por exemplo. O caso mais próximo disso é:
(08) “Barra: São João é na Barra” (...) (36)
(08a) Na dimensão lexical, o verbo encontra-se flexionado na terceira pessoa
do singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical. Dentre os
significados que pode exprimir, o verbo ser está exprimindo os de “ter ou
ocupar lugar; estar, ficar”. O nome do santo, que seria uma entidade ‘animada’,
é também, neste contexto, o nome do evento que ocorre em determinado local
– Barra.
(08b) Na dimensão proposicional, a oração traz como informação a localização
de uma festa popular, a de “São João”, que ocorre no mês de junho e é
realizada em São João da Barra, uma cidade brasileira.
(08c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor sugere ao interlocutor que
este compareça a essa festa, pois a melhor festa de São João é em São João
da Barra. Desse modo, o verbo ser expressa um valor superlativo para a Festa
160
de São João comemorada em São João da Barra, estando, portanto,
ressemantizado.
(09) “Sou em ti, és em mim! Minh’alma diz: ‘Meu Deus, como és lindo!’”
(126)
(09a) Na dimensão lexical, o verbo ser encontra-se, respectivamente, na
primeira pessoa do singular e na segunda pessoa do singular, no presente do
indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, com o sentido de
“ter ou ocupar lugar; estar, ficar”, ou ainda, “ter ou apresentar-se em
determinada condição ou situação, permanente ou temporária”. Apesar de,
lexicalmente, haver restrição de locativas com o verbo ser para seres
animados, conforme Arrais (1984), nesta ocorrência há a função locativa
construída com o verbo ser, tendo uma entidade animada, o que comprova que
a língua é utilizada pelos falantes para satisfazer a seus propósitos
comunicativos, e não um conjunto de regras inflexíveis.
(09b) Na dimensão proposicional, um sujeito se expressa para Deus a respeito
do que sente em relação a ele. Em uma locativa tradicional em português,
usar-se-ia o verbo estar: Estou em ti, estás em mim!. Todavia, não é o sentido
de temporariedade que proposicionalmente está sendo construído, mas o de
permanência.
(09c) Na dimensão pragmático-discursiva, há o trecho de uma canção, do
discurso religioso, utilizada nas celebrações católicas, mais precisamente no
momento da comunhão, quando os fiéis comungam do corpo de Cristo. No
contexto pragmático discursivo, tem-se, por meio dessa canção, a expressão
do significado desse momento: ao comungar, o fiel e o corpo de Cristo tornamse um, em uma perfeita união, e tal união não poderia ser expressa por “Estou
em ti, estás em mim!”, que denotaria, de certa forma, transitoriedade, mas, sim,
por “Sou em ti, és em mim!”, demonstrando permanência e reciprocidade.
Nesse caso, o verbo ser está ressemantizado com valor locativo permanente.
161
(10) “A igreja é no alto da cidade.” (ARRAIS, 1984, p. 79) (07)
(10a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou ocupar lugar; estar, ficar”, ou seja, trata-se
de uma locativa que indica localização geográfica.
(10b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação da localização
espacial de uma igreja, que fica no alto da cidade.
(10c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor comunica a seu interlocutor
que a edificação da igreja é permanente e se situa no alto da cidade, com um
relevo geográfico. Assim expressa-se a localização da igreja por si só, não em
relação a outra entidade. Nesse caso, não pode haver permuta entre essas
entidades, pois tal permuta resultaria em O alto da cidade é na igreja. O foco
da informação locativa é a igreja. Nesse sentido, o verbo ser está
ressemantizado com valor locativo permanente.
(11) “A igreja é ao lado da prefeitura.” (ARRAIS, 1984, p. 79) (08)
(11a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical. O significado
expresso por essa escolha é o de “ter ou ocupar lugar; estar, ficar”.
(11b) Na dimensão proposicional, o locutor informa a seu interlocutor
localização espacial de duas entidades imóveis: a igreja e a prefeitura,
topicalizando a igreja.
(11c) Na dimensão pragmático-discursiva, expressa-se a localização da igreja
de forma relativa, isto é, em relação a outra entidade: a prefeitura. Nesse caso,
pode haver permuta entre essas entidades, o que resultaria em A prefeitura é
ao lado da igreja. Entretanto, na oração dada, verifica-se a intenção de se
162
focalizar a localização da igreja, não da prefeitura. Essa topicalização no plano
discursivo remete à noção de figura e Segundo Furtado da Cunha (2013, p.
172),
Hopper e Thompson associam a transitividade a uma função
pragmática: o modo como o falante organiza seu texto é determinado,
em parte, pela sua percepção das necessidades de seu interlocutor.
Nesse sentido, o texto apresenta diferentes planos discursivos, que
distinguem as informações centrais das periféricas.
Desse modo, a informação principal ou figura é a igreja, e a informação
periférica ou fundo é a prefeitura. Nesse sentido, o verbo ser está
ressemantizado com valor locativo permanente.
(12) “(...) o soquete com porta starter tem 3 parafusos, onde 1 é na frente
e dois atrás, enquanto que o simples só tem 2.” (Corpus D&G Juiz de
Fora, p.23) (73)
(12a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(12b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a descrição de dois objetos
– o soquete com porta starter e o simples.
(12c) Na dimensão pragmático-discursiva, descreve-se e diferencia-se um
objeto e relação a outro. Pela descrição “1 [parafuso] é na frente e dois atrás” e
as demais, depreende-se que o interlocutor, ao contrário do locutor, não
conhece o soquete, e, por essa razão, recebe tal explicação detalhada da
posição precisa dos parafusos no soquete. Nesse caso, o verbo ser foi
ressemantizado com valor descritivo de parte e todo.
163
(13) “A festa é na rua.” (ARRAIS, 1984, p. 79) (09)
(13a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de: “ter ou ocupar lugar; estar, ficar”. No caso de
eventos, verifica-se que eventos como passeio, piquenique, trilha, caminhada,
almoço, jantar etc., relacionados a entidades locativas, só ocorrem com o verbo
ser, a menos que esse evento esteja acontecendo naquele momento, ou,
ainda, aconteça periodicamente, e, nesse caso, utiliza-se a perífraseformada
por estar + sendo: “O almoço está sendo na casa da minha avó.”, ou, “Os
almoços estão sendo na casa da minha avó”.
(13b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação da localização
espacial de um evento.
(13c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor informa a seu interlocutor a
localização de um evento, podendo-se depreender que: a) a festa sempre
ocorre na rua; b) A festa será na rua; c) A festa está ocorrendo, naquele
momento, na rua. Ao considerar (c), pode-se afirmar que o verbo ser é
ressemantizado por um valor de transitoriedade, correspondente à duração.
(14) “O projeto começou em fevereiro deste ano e os shows são na Sala
Itaú Cultural.” (37)
(14a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou ocupar lugar; estar, ficar”.
(14b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação da localização
espacial de um evento, nesse caso, um show.
(14c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a informação da localização de
um evento, podendo-se depreender que os shows ocorrem sempre em um
164
local determinado. O informante não quer apenas transmitir uma informação,
mas espera que a pessoa que tomar conhecimento dela compareça ao local
dos shows. Nesse caso, o verbo ser foi ressemantizado com valor locativo.
(15) “(...) a gente organizou tudo ... era num sábado o passeio ... nós
fomos pro Vale das Cascata ...” (Corpus D&G Natal, p.151) (101)
(15a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “apresentar-se como fato; dar-se,
ocorrer, acontecer”. Arrais (1984) explica que, no caso de eventos, a oração
locativa pode, inclusive, remeter-se a uma localização no tempo, como se pode
constatar neste caso.
(15b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação da data de
ocorrência de um evento. O evento “localizou-se” no sábado.
(15c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor narra para seu interlocutor
um evento, que conta com personagens, tempo e espaço. Nesse caso, o verbo
ser foi ressemantizado com valor temporal.
(16) “Talher é na gaveta: Uma solução para organizar os talheres é
guardá-los em gavetas.” (38)
(16a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou ocupar lugar; estar, ficar”. A locativa com o
verbo ser para se referir a entidades inanimadas móveis é utilizada,
normalmente, quando se quer indicar a localização habitual ou esperada dessa
entidade.
(16b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação de que
talheres guardados em gavetas permanecem organizados.
165
(16c) Na dimensão pragmático-discursiva, tem-se uma orientação para quem
quer manter a organização de sua casa, mais especificamente do local onde se
guardam os talheres: Devem ser guardados na gaveta, não fora dela ou em
outro lugar, pois, de outro modo, ficarão desorganizados. Nesse caso, o verbo
ser é ressemantizado com valor locativo permansivo.
(17) “sou a favor de caprichar na mesa dos doces e deixar simples a
mesa dos convidados, pq a maioria das fotos são na mesa do bolo” (39)
(17a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical. O significado
expresso por essa escolha é o de “apresentar-se como fato; dar-se, ocorrer,
acontecer”.
(17b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação de que a
mesa dos convidados pode ser menos ornamentada que a mesa dos doces
porque é nesta última que as fotografias são tiradas, sendo, portanto, a mesa
mais importante.
(17c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor ativa em seu interlocutor
um conhecimento social, que é o da fotografia de casamento perto do bolo, e
expressa sua opinião particular: a de que, em uma festa de casamento, a mesa
dos doces, que é a mesma do bolo, deve ser mais ornamentada justamente
porque é detrás dela que é tirada a maioria das fotografias do evento. O locutor
procura expressar que, em sua opinião, não vale a pena desperdiçar
decoração com a mesa dos convidados, pois não é detrás desta que as
fotografias costumam ser tiradas. Nesse caso, há ressemantização do verbo
ser com sentido locativo do foco fotográfico com valor permansivo.
(18) “Resort| Hotel barato é no Decolar.com”
“Apartamentos| Hotel barato é no Decolar.com”
166
“Hotéis All inclusive| Hotel barato é no Decolar.com”
“Suítes| Hotel barato é no Decolar.com” (40)
(18a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou ocupar lugar; estar, ficar”. Desse modo,
Resorts, apartamentos, hotéis e suítes mais baratos só são encontrados no
Decolar.com.
(18b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação de que nessa
empresa é possível encontrar hotéis, pousadas e afins mais baratos.
(18c) Na dimensão pragmático-discursiva, há o discurso publicitário de uma
página da internet especializada em viagens. Trata-se de um site, isto é, um
lugar, ainda que um lugar virtual. Nos trechos de anúncio, exprime-se a noção
que quem procura hotel barato só o encontrará na empresa de turismo citada.
Há o macroato de transformar o interlocutor em consumidor do produto. Nesse
sentido, o verbo ser está ressemantizado com valor locativo permansivo
superlativo como discurso persuasivo para consumo do produto oferecido.
3.2.2.2
Estrutura modal
A estrutura com sentido modal é formada pelos verbos ser e estar +
sintagma adverbial que indica modo e que, portanto, modaliza o verbo. O verbo
ser não se combina com todos os sintagmas adverbiais possíveis a essa
estrutura, ao contrário de estar. Soam estranhas em português brasileiro as
seguintes estruturas:
*Somos bem.
*Era tudo bem.
*Eles são melhor.
Entretanto, no uso, é comum encontrar construções como:
“NÓS é que somos devagar.”
167
Embora comum no uso, gramaticalmente, nesse caso, usar-se-ia um
adjetivo, como “vagaroso”, por exemplo.
A seguir, algumas ocorrências com a estrutura modal:
(19) “(...) mas a maioria deles... inclusive os meus [pais] ... ((riso de E))
né? tem uma... uma tendência... a achar certas coisas absurdas... né? e
no entanto... não... não são bem assim... eh:: como a virgindade por
exemplo... que é encarada por eles como um tabu... né?” (Corpus D&G
Juiz de Fora, p.27) (74)
(19a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter determinada designação genérica”.
(19b) Na dimensão proposicional, há opinião de uma pessoa acerca de
determinado assunto, negando uma outra opinião.
(19c) Na dimensão pragmático-discursiva, em um diálogo, há a discordância do
locutor em relação a um determinado assunto (a virgindade). Expressa-se um
juízo contrário a esse valor: “(Isso [ = o tabu acerca da virgindade]) não é bem
assim”. Para essa pessoa, o modo como seus pais pensam sobre o assunto é
absurdo e, por isso, posiciona-se contra ele. Nesse caso, “não é bem assim”
tem valo de negação e, desse modo, ocorre a gramaticalização do verbo ser
em uma expressão de negação.
(20) “É mal que você não se preocupe com seus amigos.” (CASTILHO,
2014, p. 400) (06)
(20a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, com valor impessoal, e resulta de seleção
lexical, no conteúdo vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica
ou propriedade intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou
expressão)”.
168
(20b) Na dimensão proposicional, há a expressão de uma avaliação negativa a
respeito da conduta do interlocutor com relação aos amigos.
(20c) Na dimensão pragmático-discursiva, em um diálogo, há uma advertência
do locutor a seu interlocutor para que este mude de atitude com os amigos. “É
mal que” tem o sentido de “Fica mal que”. Nesse caso, o verbo ser foi
ressemantizado com valor opinativo.
(21) “A nossa gente rural possue ótimas qualidades de resistência e
adaptação. É boa por indole, meiga e dócil. O pobre caipira é
positivamente um homem como o italiano, o português, o espanhol.
Mas é um homem em estado latente.
Possue dentro de si grande riqueza de forças.
Mas força em estado de possibilidade.
E é assim porque está amarrado pela ignorancia e falta de assistência às
terríveis endemias que lhe depauperam o sangue, catequizam o corpo e
atrofiam o espírito. O caipira não “é” assim. “Está” assim.
Curado, recuperará o lugar a que faz jus no concerto etnológico. (sic)”
(14)
(21a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”, ou, ainda, “ter qualidade, característica
ou propriedade intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou
expressão)”.
(21b) Na dimensão proposicional, há uma oposição de ideias: o caipira é
ignorante x o caipira está ignorante. Embora o homem caipira seja
positivamente um homem como o italiano, o português e o espanhol, ele está
esquecido, amarrado pela própria ignorância e a mercê de endemias.
(21c) Na dimensão pragmático-discursiva, há um trecho encontrado em O
Problema Vital, de Monteiro Lobato. Na época da publicação, Monteiro Lobato
encontrava-se muito engajado nas questões sanitárias discutidas no Brasil.
Afirma-se que o trecho pode ser considerado uma retratação de uma
169
declaração negativa do autor sobre o caipira, representado, em suas obras, por
Jeca Tatu. Nesse trecho, há duas proposições: o caipira é ignorante x o caipira
está ignorante. O locutor nega a primeira, argumentando que o caipira é um
homem tal como os europeus, mas que, devido à falta de assistência, está
endêmico, depalperado, adormecido e com o espírito atrofiado. Assim, na visão
do autor, o caipira “é um homem normal” que “está doente”. Nesse caso, o
verbo ser é usado dialogicamente com valor permansivo, e o verbo estar com
valor transitório.
3.2.2.3
Estrutura atributiva
A estrutura atributiva tem valor de caracterização, sendo, portanto,
predicativa, podendo ocorrer com variação mórfica em sua estrutura
sintagmática.
A)
Com sintagma adjetival
As estruturas atributivas com sintagma adjetival são as mais comuns
em língua portuguesa, e ocorrem tanto com ser quanto com estar. De modo
geral, poder-se-ia dizer que as que ocorrem com ser referem-se a
características permanentes, enquanto que as que ocorrem com estar dizem
respeito a características transitórias, não inerentes ao sujeito. Entretanto, pode
haver alguns casos em que essa regra não se aplique. Nesta análise, foram
selecionados alguns adjetivos que representam, de maneira geral, o modo
como os adjetivos se comportam em língua portuguesa.
(22) “Antes de tudo vamos pensar que relacionamento não é apenas
trocar os status do facebook [sic], ser solteira é um estado de espírito, só
entende realmente quem é solteiro.” (41)
(22a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”.
170
(22b) Na dimensão proposicional, é expressa a opinião de uma mulher que
afirma que “ser solteiro” é um estado de espírito permanente.
(22c) Na dimensão pragmático-discursiva, mais do que a afirmação de um
estado civil, ser solteiro(a) pode ser utilizado pelo falante para expressar um
“estado de espírito” de alguém que é e que quer permanecer solteiro, e que
isso vai além de mudar o status de relacionamento em uma rede social.
Portanto, não há ressemantização do verbo ser.
(23) “a mãe só tinha mandado angu pra ele ((riso)) aí todo mundo
começou a falar “pô:: é... é por isso que você é gordo... você só come
angu... [a única coisa que tem na sua casa...]” (Corpus D&G Juiz de Fora,
p.6) (68)
(23a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(23b) Na dimensão proposicional, é expressa a descrição de um homem como
“gordo” porque só come angu, que é uma comida calórica.
(23c) Na dimensão pragmático-discursiva, em um relato, há o juízo de valor de
uma pessoa acerca de outra, que é referida como gorda. Além disso, poder-seia depreender de “você só come angu... [a única coisa que tem na sua casa...]”
que há, nessa afirmação, o julgamento dessa pessoa como aquela que é pobre
e que talvez não tenha condições de ter em sua casa outros alimentos não
calóricos, porém, mais caros. Ser gordo(a) é uma característica inerente ao
sujeito tido com tal, ou que já o acompanha há um longo período de tempo, não
se trata de um ‘momento’. Ao utilizar essa combinação entre ser + adjetivo, o
falante, de certa forma, já se acostumou com a imagem do referente gordo.
171
(24) “então basicamente o colégio é isso ... ele não é ... num é tão grande
e não é muito largo né ... ele é mais ... ele é um pouco alto ... “ (Corpus
D&G Natal, p.133). (89)
(24a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(24b) Na dimensão proposicional, há a descrição do espaço físico de
determinado colégio.
(24c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a descrição do espaço físico
onde uma pessoa estuda. Esse espaço é pequeno, estreito, mas um pouco
alto. Como na ocorrência anterior, usa-se o verbo ser, a altura do prédio não
apresenta oscilação (a não ser em possíveis casos de demolição ou aumento
da altura da construção). Portanto, não há ressemantização do verbo ser.
(25) “(...) fisicamente ... ele é baixo ... bem baixinho ... meu namorado
chama ele de ... meu ... meu noivo chama ele de que meu Deus ...
tamborete de forró ... nem pode dizer muito ... porque ele é quase da
mesma altura dele ...” (Corpus D&G Natal, p.120) (90)
(25a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(25b) Na dimensão proposicional, há a descrição de um homem de baixa
estatura, apelidado, por esse motivo, de “tamborete de forró”.
(25c) Na dimensão pragmático-discursiva, há o juízo de valor acerca de um
homem, que é comparado a uma espécie de banco baixo por causa de sua
172
estatura. Há uma visão caricaturesca e preconceituosa desse homem. Verificase que as pessoas que descrevem esse homem dessa maneira não têm com
ele uma relação próxima, de amizade ou afinidade. Como ocorre com o
adjetivo alto(a), usa-se o verbo ser por se tratar de uma característica que não
apresenta oscilação: uma vez baixo, o sujeito é permanentemente baixo.
Nesse caso, não há ressemantização do verbo ser.
(26) “Normalmente, a pressão arterial é mais baixa pela manhã, enquanto
é mais alta à noite.” (42)
(26a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”.
(26b) Na dimensão proposicional, há a informação sobre a pressão arterial de
uma pessoa, que oscila durante o dia, frequentemente.
(26c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor descreve para seu
interlocutor a oscilação diária de sua pressão arterial e demonstra já estar
acostumado a isso, embora, considerando-se a saúde, a oscilação de pressão
arterial não seja normal. Há uma noção de oscilação frequente, ou seja, há
certa iteratividade, repetição. Nesse caso, o verbo ser é ressemantizado com
valor de transitoriedade.
(27) “a varanda é::/ ela é branca... tem... eh:: tem piso... tem um bocado
de flor pendurado na pare::de... tem... tem dois cano que meu pai/ foi o
meu pai fez... aí colocou::/ (pegou) dois desses canos de... de água... né?
só que ele encheu com... com cimento... com concreto e virou/ ficou feito
pilastra... segurando o arame... tem... tem porta... tem jardinei::ra... do
lado... tem horta que meu pai faz... meu pai faz/ ele gosta muito de horta...
ele faz/ fez uma horta assim... do lado... do lado lá de onde eu fico... eu
fico lá sozinho... a noite inteira... gosto muito de ficar sozinho...” (Corpus
D&G Juiz de Fora, p.21) (75)
173
(27a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(27b) Na dimensão proposicional, há a descrição de uma varanda, cuja
característica é ser branca, e que contém, dentre outros piso, flores
penduradas na parede, dois canos e uma horta.
(27c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor descreve para seu
interlocutor a varanda de sua casa, uma varanda branca, que esse locutor
afirma ser o lugar onde gosta de ficar sozinho. Há na característica da parede
uma certa duração, mas não permanência, porque ela pode ficar encardida, ou
mesmo ser pintada de outra cor, e, nesse caso, o verbo ser exprime a noção
de estado, estando, portanto, ressemantizado.
(28) “Sou branca mas no momento estou bronzeada, o que fazer para
voltar a cor normal em no maximo dois meses? (sic)” (43)
(28a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão) ”.
(28b) Na dimensão proposicional, há a indagação de uma mulher que quer
saber como voltar ao seu tom de pele original.
(28c) Na dimensão pragmático-discursiva, uma mulher pergunta a seus
interlocutores como fazer para voltar ao seu tom de pele original. Depreende-se
que ela chegou ao bronzeado, mas, por algum motivo, quer voltar à tonalidade
clara da pele em um rápido período de tempo. Desse modo, pode-se afirmar
que o uso do verbo ser com o adjetivo “branca” se deve ao fato de esta ser
uma característica permansiva, e de estar com o adjetivo “bronzeado” por se
174
referir
a
uma
característica
adquirida,
superficial
e
reversível,
provavelmente, ser artificial. Desse modo, não há ressemantização de ser.
por,
(29) "‘Sou uma preta lacradora, inteligente e cotista que entrou em letras
no seu lugar’ – com essa frase, Lorena Cristina de Oliveira Barbosa, 20,
rebateu crítica ao sistema de cotas feita por uma jovem, nesta semana,
em sua página do Facebook.” (44)
(29a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão) ”.
(29b) Na dimensão proposicional, a autodeclaração de uma jovem como “preta,
lacradora, inteligente e cotista” que entrou para o curso de Letras.
(29c) Na dimensão pragmático-discursiva, uma jovem rebate uma crítica feita
ao sistema de cotas nas universidades brasileiras, e se autoafirma como
“preta”. Pela fala dela, depreende-se que, independentemente de ter utilizado o
sistema de cotas, considera-se inteligente o bastante para ter conseguido
ingressar em uma universidade pública. Do contexto, pode-se depreender
também que, no Brasil, para as classes menos favorecidas – estudantes de
escolas públicas com baixa renda, pretos, pardos e indígenas – é mais difícil
ingressar em universidades públicas e que o sistema de cotas é uma opção
para esse ingresso. A crítica quanto a isso vem de pessoas que não pertencem
ao grupo de beneficiados pelo sistema de cotas, que se sentem, de certa
forma, injustiçados. Utiliza-se o verbo ser com o adjetivo preta por se tratar de
uma característica permansiva, não havendo, portanto, ressemantização desse
verbo.
(30) “(...) agora eu passei a viver nessa outra vida de:: religião... ser
crente... como o pessoal fala... ser crente... eu melhorei... graças a
Deus... parei de fumar... parei de beber... e melhorou completamente a
175
minha vida... mudei... agora sou calmo em casa... só penso na
família...” (Corpus D&G Rio de Janeiro, vol. 2, p.124) (119)
(30a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(30b) Na dimensão proposicional, há a informação de que um homem parou de
fumar e de beber, o que melhorou muito a vida dele, além de ter se tornado
calmo em casa.
(30c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor afirma para seu interlocutor
que, após ter se convertido a determinada religião, parou de fumar e de beber,
e, com isso, sentiu, em sua vida, uma melhora significativa. Nesse caso, o
sentido de calmo não diz respeito a alguém que já não é mais nervoso, mas a
alguém que prefere ficar em casa com a família a se divertir com os amigos
fora de casa. Há implícito o convite do locutor ao interlocutor para que este
mude de vida, devido ao valor permansivo de uma qualidade positiva (calmo)
para interagir socialmente. Assim, não há ressemantização do verbo ser.
(31) “o lugar onde eu gosto de... de passear... brincar... assim... é na
Quinta da Boa Vista... lá é muito legal... eu às vezes eu vou com... com
minhas colegas... gosto de lá por causa que lá é calmo...” (Corpus D&G
Rio de Janeiro, vol. 2, p.50) (120)
(31a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(31b) Na dimensão proposicional, há a informação sobre o local onde uma
pessoa gosta de ir para passear e brincar, pelo fato de esse local ser
permanentemente calmo.
176
(31c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor afirma para o interlocutor
sua preferência por um local. Depreende-se que esse locutor gosta de
tranquilidade, não de agitação, e que prefere programas mais sossegados,
como passear e brincar em um lugar calmo, como a Quinta da Boa Vista.
Nesse caso, o verbo ser tem a função de atribuir valor permansivo de calma a
um determinado lugar, não havendo ressemantização.
(32) “(...) uns camarada chegaram do lado dele assim... começaram a
implicar com eles... pisaram no tênis deles... sabe? aí... o::... irmão dele
era meio nervoso assim... aí pegou... deu um chute na... na perna de um
cara lá... aí o outro cara pegou a cadeira... tacou em cima dele... sabe?”
(Corpus D&G Rio de Janeiro, vol. 2, p.27) (121)
(32a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou
propriedade intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou
expressão)”.
(32b) Na dimensão proposicional, há o relato de uma briga iniciada por uma
pessoa que não aceitou uma provocação.
(32c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor narra para seu interlocutor
uma briga iniciada por uma pisada no pé de um homem, que era meio nervoso.
O sentido de nervoso, neste caso, é o relativo a alguém que é explosivo e
pouco tolerante. O locutor afirma que tal característica foi determinante para
que a briga fosse iniciada. Nesse caso, o verbo ser funciona com valor
permansivo para estabelecer a predicação, e não há ressemantização.
(33) “Eu sou muito nervosa e ansiosa. As vezes (sic) tenho crises de
choro e nervoso, pois tenho medo da minha mãe morrer e eu ficar
sozinha. Que faço?” (46)
(33a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
177
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(33b) Na dimensão proposicional, há a autodescrição de uma mulher como
“nervosa e ansiosa”, e o pedido de ajuda dessa mesma mulher para resolver tal
problema.
(33c) Na dimensão pragmático-discursiva, uma mulher se descreve como
medrosa, em relação à possível morte da mãe, e nervosa e ansiosa, pedindo
ajuda para seu interlocutor. O sentido de nervosa, nesse caso, é relativo a
alguém que sofre uma inquietação e uma angústia profundas. Desse modo, o
verbo ser funciona com valor permansivo. Caso a mulher receba ajuda, as
características que ela apresenta poderão ter valor temporário.
(34) “Justin Bieber diz que Selena Gomez é bêbada
Selena Gomez deixou o mundo inteiro chocado quando notícia de que ela
se internou em uma rehab [clínica de reabilitação] foi divulgada e, claro,
os rumores de que a culpa seria de Justin Bieber começaram… No
entanto, o cantor estaria gargalhando disso!” (46)
(34a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(34b) Na dimensão proposicional, é expressa a característica de Selena
Gomez como sendo uma “bêbada”, porém, pelos rumores existentes, a culpa
de ela beber é de seu ex-namorado, Justin Bieber, que não aceita essa culpa e
estaria rindo disso.
(34c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor relata para seu interlocutor
uma notícia: Selena Gomez, ao se internar em uma clínica de reabilitação,
acabou se declarando alcoólatra. O relato continua com duas avaliações a
respeito de Selena: O fato de ela beber é transitório, pois ela bebe por causa
178
da influência de seu ex-namorado, Justin Bieber – provavelmente sendo esta a
opinião dos fãs dela – X Justin Bieber gargalhar da opinião dos fãs de Selena,
por achar essas afirmações absurdas, o que direciona o interlocutor a construir
como sentido que ela bebe porque é alcoólatra. Nesse caso, pode haver dois
sentidos: o verbo ser, ao predicar que Selena é bêbada (alcoólatra), funciona
com valor permansivo; porém, ao se considerar que ela só está bebendo muito
por causa do ex-namorado, o verbo ser funciona com valor transitório, pois, se
ela se livra desse amor, para de beber.
(35) “(...) Agora uma mãe que trabalha, há, há o dir... As leis trabalhistas
protegem, né, mandam ficar em casa e tudo. Aqui nós temos, parece que
dois meses, três meses, sei lá. Não sei, porque nunca fui mãe. De forma
que, mas a mãe que trabalha tem direito. Mas o fato é que elas habituamse à vida fora, trabalham fora e fogem mesmo disto, de alimentar os
filhos. (...) Eu sinto, ainda noutro dia, na televisão, não sei se as senhoras
viram um médico falando sobre isso, que as mães se preocupam ... Ele
falou li... ligando isso à vaidade, né? Eu acho que não é, é sempre uma
questão de comodidade. Que, que a mãe fica deformada, pensa que fica
deformada e não amamenta os filhos. Então vêm as (inint.) então ele
dizia: nenhum leite substitui o leite materno. Nenhuma, nenhuma
alimentação substitui o leite materno porque o leite é para os filhos, para o
filho, é próprio pra alimentar o filho. Então a mãe deve alimentar o seu
filho e não pense que vai ficar deformada porque, eh, porque ela não
ficará deformada. (...)
A mãe do ma... a mãe mamífera tem de produzir o leite, ela teve o filho,
produz o leite, é normal. Ela se for, biologicamente falando, certa, perfeita,
ela, ela vai produzir o leite e o leite suficiente pra manter o seu filho. Seja
qual for, uma vaca ou uma cachorrinha, qualquer coisa, qualquer mãe
mamífera. Mas acontece o seguinte: às vezes, pode não ter, não ser, uhn,
biologicamente perfeita e não produzir leite suficiente pra manter os filhos.
É doente, vamos dizer. (...)” (NURC/RJ DID/210) (59)
(35a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(35b) Na dimensão proposicional, tem-se a informação de que qualquer
mamífero fêmea saudável produz leite para alimentar a cria, ao passo que uma
179
fêmea dessa classe, que seja biologicamente doente, não produzirá leite
suficiente para amamentar a cria.
(35c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor expressa sua opinião a
respeito do aleitamento materno, afirmando para seu interlocutor que todas as
mulheres saudáveis produzem leite suficiente para amamentar seu filho, ainda
que trabalhem fora. Apenas as mulheres doentes não são capazes de produzir
leite para amamentarem seus filhos. Nessa dimensão, o locutor discute a
respeito do aleitamento materno, sendo favorável a ele, mesmo que a mãe,
que não é doente, trabalhe fora. Nesse caso, o verbo ser funciona com valor
permansivo tanto para mulheres saudáveis, quanto para doentes, e, por isso,
não há ressemantização desse verbo.
(36) “Eu odiaria viver num mundo em que não posso ver uma moça bonita
na rua e dizer para ela o quanto ela é bonita. Apenas uma simples frase:
“Moça, você é muito bonita, sabia?” (47)
(36a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(36b) Na dimensão proposicional, é expressa a opinião de um homem a
respeito de ter a liberdade de cortejar uma mulher bonita dizendo-lhe que é
bonita e afirmando que odiaria viver em um mundo onde essa liberdade não
existisse.
(36c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor discute com seu
interlocutor uma regra social imposta: é proibido cortejar mulheres bonitas.
Nesse sentido, o locutor provavelmente está fazendo referência à manifestação
das mulheres “bonitas”, na atualidade, contra o assédio que sofrem no dia a
dia, nas ruas e em outros locais, por parte dos homens. Muito se tem discutido
a respeito disso, já que as mulheres “bonitas” declaram se sentirem
constrangidas ao receberem “cantadas” de desconhecidos nos lugares que
180
frequentam e, por isso, condenam esse tipo de abordagem. Para a maioria dos
homens, essa visão das mulheres é exagerada e não há nada de mais em
elogiá-las, já que, de fato, são bonitas. Nesse caso, o verbo ser funciona com
valor permansivo para a predicação da beleza da mulher, não havendo
ressemantização.
(37) “Podem dizer o que quiserem, mas eu sei quando sou chata e nestas
últimas duas semanas superei minha marca, infernizei todo mundo (...)”
(48)
(37a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”, neste caso, “temporária”
(37b) Na dimensão proposicional, há a declaração de uma pessoa que afirma
reconhecer “quando é chata”, infernizando a todos, e não se importar com o
que as pessoas dizem a esse respeito.
(37c) Na dimensão pragmático-discursiva, a locutora reconhece sua própria
chatice e demonstra não se importar em ser tachada dessa maneira.
Depreende-se desse trecho que a chatice dela, muitas vezes, é proposital e
intensa, e ela tem como intuito infernizar o maior número possível de pessoas.
Neste exemplo, o advérbio quando dá a oração a noção de ocasionalidade,
que seria expressa com o verbo estar. Talvez se possa afirmar que tal período
de chatice, embora não seja permanente, ocorra repetitivamente e, por isso,
pode também ser expresso por quando sou chato(a). Nesse caso, o verbo ser
funciona com valor de transitoriedade e intensificação, havendo, portanto, sua
ressemantização.
Embora seja ampla a alternância entre ser e estar e sintagmas
adjetivais em português brasileiros, alguns desses sintagmas só ocorrem ou
com um verbo ou com outro. Schmitz (1974) afirma que os adjetivos mortal,
181
lacustre, portátil, noturno, mamífero, eterno, fluvial, terrestre e reptiloide só
ocorrem com o verbo ser. Dessa forma, pode-se afirmar que exigem a
colocação desse verbo adjetivos que expressem características intrínsecas;
características que, embora não tenham nascido com o sujeito, causaram-lhe
grande transformação ou foram adquiridas há um tempo grande.
B)
Com sintagma preposicional
Este tipo de estrutura basicamente consiste no emprego de um
sintagma preposicional com valor adjetivo. Na regra gramatical da língua
portuguesa, a construção do predicado nominal é definida por substantivo +
verbo de ligação + adjetivo. Todavia, é possível a inserção de um substantivo
após o verbo de ligação. Para tanto, a regra gramatical é inserir esse
substantivo introduzido por uma preposição.
(38) (...) “O terraço c/ todo acerto, dá pra ver casas em baixo, quadras de
futebol, e também uma floresta. De cima também dá pra ver a casa do
meu namorado. O piso do terraço é de cimento e o telhado é de telha de
amiauto (sic) com uma luminária. (Corpus D&G Juiz de Fora, p.18-19)
(76)
(38a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”. A escolha
lexical do sintagma preposicionado indica a aplicação de uma regra
transformacional para um substantivo com valor de adjetivo.
(38b) Na dimensão proposicional, há a descrição de um terraço com piso feito
de cimento, telha feita de amianto e luminária, e de onde é possível ter uma
boa visão superior dos arredores.
(38c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor descreve para seu
interlocutor um local que gosta de frequentar e de onde tem uma visão
182
privilegiada da cidade, inclusive da casa do namorado. Para tanto, descreve-o
em suas partes constitutivas: piso e teto. Nesse caso, o verbo ser funciona com
valor permansivo, pois predica o material que constitui partes descritas do
terraço, não havendo ressemantização.
(39) “Nos finais de semana, sempre que posso, faço coopper na ViaCosteira. É um percurso tranquilo, longe do barulho dos bares da Orla
Marítima e o ar é de puríssima qualidade. O tráfego é menos intenso
também..” (...) (Corpus D&G Natal, p.75) (91)
(39a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”, ou, ainda,
“ter ou apresentar-se em determinada condição ou situação, permanente ou
temporária” – já que a qualidade do ar pode mudar por algum fator.
(39b) Na dimensão proposicional, há a descrição de um local onde uma pessoa
gosta de praticar coopper, que é a “Via-Costeira”, por ser um local tranquilo,
pouco movimentado e com ar puro.
(39c) Na dimensão pragmático-discursiva, uma pessoa descreve um local em
que gosta de praticar coopper. Ao descrever o local, essa pessoa demonstra
ser alguém que, além de se preocupar em cuidar da saúde, é pacata, não
gosta de agitação, movimento excessivo de pessoas e carros e que gosta de
apreciar a natureza. Nesse caso, o verbo ser funciona com valor permansivo,
pois
predica
os
ressemantização.
elementos
permanentes
do
local,
não
havendo
(40) “(...) o cara:: bebe assim no caminhão bebe muito... essas pinga,
cachaça... aí ele estava vindo de perto ali de Ewbanck da Câmara... deu a
carona a tr/ a duas mulheres... assim elas também bebe... são de fogo
assim sabe... pegou bebeu quando ele estava dirigindo perdeu a noção
do caminhão... perdeu tudo, que ele bebeu... dormiu na direção... caiu
183
dentro da cidade de Ewbank da Câmara... (...) caiu lá matou os três... os
três morreram (...)” (Corpus D&G Juiz de Fora, p.47) (77)
(40a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”, neste caso, temporária, embora repetitiva
(frequentativa).
(40b) Na dimensão proposicional, o locutor narra um episódio em que um
caminhoneiro bêbado deu carona a duas mulheres, também bêbadas, e, por
achar-se nessa condição, o caminhoneiro dormiu ao volante, causando um
acidente que culminou na morte dos três.
(40c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor narra para seu interlocutor
a ocorrência de um acidente, caracterizando as três personagens da narrativa
como estando frequentemente bêbadas. Pela narrativa de um terceiro, é
possível verificar a irresponsabilidade de uma pessoa que, contrariando as leis
e recomendações de trânsito, consumia bebida alcoólica, de considerável teor
alcoólico e em grande quantidade, enquanto dirigia. Nesse caso, o verbo ser
tem valor frequentativo devido à constância da ingestão de bebida alcoólica por
essas pessoas. Assim, esse verbo foi ressemantizado com o valor de
constância, com aspecto frequentativo.
(41)
(...)
“E: no estatuto da criança e do adolescente ... passa muito a mão na
cabeça deles ... né?
I: exatamente ...
E: que você acha disso?
I: super errado ... só porque é de menor ... num tem nada a ver ... quando
foi pra praticar ... quando foi pra praticar num teve nada disso não ... são
menores ... mas têm a mesma capacidade de um adulto ...” (Corpus D&G
Natal, p.115) (92)
(41a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
184
vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade
intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”.
(41b) Na dimensão proposicional, há a expressão da opinião de uma pessoa
sobre o tratamento dado a menores infratores, que, segundo o que se pode
entender da fala do entrevistado, são beneficiados pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente, na medida em que podem praticar
(41c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor expressa sua opinião a seu
interlocutor. Depreende-se que esse locutor não concorda com o fato de
menores infratores não serem punidos como os adultos infratores, uma vez que
aqueles são capazes de praticar os mesmos crimes destes. Desse modo, para
ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente privilegia esses menores ao
impedir que sejam punidos proporcionalmente às suas infrações, o que, de
alguma maneira, poderia estimular os menores a praticarem mais crimes, terão
penalidades brandas. Assim, o locutor refuta a lei e se mostra a favor da
punição de menores infratores. Pelo contexto de linguagem, reconhece-se que
a expressão “ser de menor” pertence à variedade nativa que é relativa ao uso
da língua por falantes com baixo ou nenhum nível de escolaridade. Desse
modo, há gramaticalização de ser nessa expressão.
(42) (...) “é necessário que o espírito esteja preenchido de coisas boas, de
ocupações. Que a pessoa ao sentir tristezas profundas ou ouvir os outros
dizerem que é de lua, se preocupe: analise se é temporário ou está na
sua personalidade, pois pode estar com inicio (sic) de transtorno, e não
sabe.” (49)
(42a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”. A escolha lexical do sintagma
preposicional indica que uma pessoa pode apresentar transtorno de
personalidade ou de sociabilidade.
185
(42b) Na dimensão proposicional, há a opinião de um sujeito a respeito de
como deve ser o comportamento das pessoas, ao mesmo tempo em que há a
recomendação, por parte desse sujeito, de que pessoas designadas “de lua”
procurem analisar se essa condição é temporária ou frequente.
(42c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor, de certa forma, expressa
para seu interlocutor que conviver com uma pessoa que muda de humor e
comportamento tal como a lua muda de fases pode ser desagradável, pois
esta, provavelmente, não apresenta equilíbrio comportamental. Além disso, o
locutor acredita que a pessoa, ao ser enquadrada pelos outros nessa condição,
deva procurar fazer uma autoanálise, pois isso pode ser o início de um
transtorno de bipolaridade. Nesse caso, o verbo ser tem aspecto frequentativo,
sendo, portanto, ressemantizado.
C)
Com sintagma nominal
Na construção atributiva6, o sintagma nominal que vem após a cópula
sempre tem valor atributivo. Desse modo, a qualidade exprimida acerca de
determinada entidade é a de que ela é membro de uma certa classe. No caso
de profissões, por exemplo, quando se afirma que X é médico, significa que X é
caracterizado por pertencer à classe dos médicos. Nesse caso, o verbo ser
contém valor aspectivo permansivo. Isso também se aplica às outras profissões
ou ofícios, como se pode verificar a seguir:
(43) “A princípio não parecia um cara especial, mas depois parece que
ficaram conversando um tempão. Ele é oficial da Marinha, bonito e
bastante inteligente.” (Corpus D&G Rio Grande, p.12) (87)
Nomenclatura utilizada por Arrais (1984) e Castilho (2014). O sintagma nominal é referente
tanto a um único substantivo (X é médico), quanto a um encadeamento de substantivos (X é
frequentador da Roça Sabina; ou Y é advogada e dona-de-casa). No uso oral, ainda é possível
encontrar construções atributivas com sintagma de nominal que expressam um valor adjetivo,
tais como: Você é tudo de bom; Ele é o cara!.
6
186
(43a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter (total ou parcialmente) os mesmos atributos,
qualidades ou condições que definem ou caracterizam algo ou um grupo,
classe ou conjunto de coisas, entidades ou ideias.” O sintagma oficial da
marinha é nominal, mas expressa uma característica, comportando-se como
um sintagma adjetival. Esse tipo de comportamento é previsto por Arrais
(1984).
(43b) Na dimensão proposicional, é expressa a caracterização de um homem
como oficial da marinha, bonito e inteligente.
(43c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor emite para seu interlocutor
um juízo de valor positivo a respeito de um homem. O fato de o rapaz ser oficial
da marinha, bonito e inteligente fez com que se tornasse atraente para uma
outra pessoa. Embora ser oficial da marinha seja uma característica adquirida,
que não nasceu com o sujeito, tornou-se parte importante dele e o
acompanhará de modo permanente. Nesse caso, o verbo ser é usado com
valor predicativo permansivo, não havendo ressemantização.
(44) “(...) eu estou aqui com a informante Margarete... que mora... em
Niterói... ela é estudante da terceira série do segundo grau... aqui mesmo
em Fonseca... no Colégio Estadual Hilário Ribeiro...” (Corpus D&G Niterói,
p.5) (102)
(44a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”.
(44b) Na dimensão proposicional, são expressas caracterizações sobre uma
pessoa jovem e estudante.
187
(44c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a apresentação de um informante
por seu entrevistador. São apresentadas as características desse informante
para que o leitor da entrevista saiba um pouco sobre a vida do entrevistado e já
construa na mente um perfil, que irá, de certa forma, influenciar as impressões
e opiniões que esse leitor terá sobre o informante. No Brasil, como em outros
países e culturas, estudar equivale a um ofício e, por isso, quem estuda é
estudante/ é universitário, ainda que por determinado período. Nesse caso, o
verbo ser é usado com valor permansivo para uma certa fase da vida de uma
pessoa, caracterizando uma classe social de pessoas (= os estudantes). Desse
modo, não há ressemantização.
(45) “A Filosofia ajuda a entender a questão. Para o filósofo José Roberto
Neves D'Amico aquele que "é professor" foi escolhido pela profissão e o
que "está professor" a escolheu, talvez pelo "status", pela fantasia do
poder que a profissão sugere, ou pela possibilidade de ser uma mera
complementação de renda.” (50)
(45a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”. De modo geral, o sentido expresso por
construções com sintagma nominal de valor adjetivo é permanente, e, por essa
razão, construções como essa ocorrem com o verbo ser, salvo quando o
falante quer, propositalmente, criar outros sentidos, como nesta ocorrência.
(45b) Na dimensão proposicional, é expressa a opinião de uma pessoa sobre o
que é ser “professor”, por vocação, e sobre o que é “estar professor”, ou seja, é
professor apenas por conveniência.
(45c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor recorre à seleção lexical
dos verbos ser e estar, alternando-os para caracterizar o papel social de um
professor, diferenciando-o de um emprego por conveniência. O uso do verbo
ser para caracterização do papel social do professor contém o valor predicativo
permansivo, para a indicar o sujeito que, de fato, nasceu para ser professor,
188
enquanto que a do verbo estar ajuda a indicar o sujeito que escolheu ocupar
esse cargo não por paixão, mas apenas para ter um emprego ou outro tipo de
conveniência. Portanto, não há ressemantização do verbo ser.
(46) “Colombiana é Miss Universo por 5 minutos, erro Universal!!!” (51)
(46a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”.
(46b) Na dimensão proposicional, é expressa a informação de que houve um
“erro”, ou seja, de que uma colombiana fora anunciada com o título de miss
universo, e que esse “erro” fora corrigido cinco minutos depois.
(46c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor informa seu interlocutor
sobre um erro cometido pelo apresentador do concurso de miss universo 2015
ao anunciar quem seria a vencedora, coroando-se, por cinco minutos, a
candidata errada. Foi um erro universal tanto pelo fato de ter acontecido no
concurso “miss universo” quanto pela situação embaraçosa para a ‘quase’
vencedora e a proporção que o ocorrido tomou. Nesse caso, a condição de
“miss universo” durou apenas “5 minutos”. Ainda assim, o verbo selecionado foi
ser, não estar. O locutor usa o verbo ser como permansivo, pois é relativo a um
título recebido por eleição, jamais seria retirado se o resultado do concurso
estivesse correto. Sendo assim, o locutor se refere ao título, não ao erro. Nesse
caso, o verbo ser tem valor predicativo permansivo. Miss Universo é um posto
que dura apenas um ano, e, após isso, outra pessoa passará a ocupá-lo.
Desse modo, a pessoa escolhida é miss daquele ano em que foi eleita. Por
isso, pode-se afirmar que tratar-se-ia de algo transitório, mas que é expresso
com o verbo ser porque será permanente com relação àquele ano. O locutor
usa intencionalmente o verbo ser com valor permansivo, construindo o sentido
de
que
a
pessoa
eleita
como
miss
será
reconhecida
pelo
título
189
permansivamente, até morrer. Desse modo, não há ressemantização do verbo
ser.
D)
Com particípio de valor adjetivo
Além da formação da voz passiva, a estrutura ser + particípio pode
exprimir valor adjetivo, formando, uma estrutura atributiva. Desse modo,
quando empregado na estrutura da voz passiva, o verbo ser comporta-se como
auxiliar. Já quando empregado na estrutura formada com particípio de valor
adjetivo, comporta-se como verbo de ligação.
Pode-se verificar que as estruturas atributivas formadas com particípio
são semelhantes às formadas com adjetivos propriamente ditos ou locuções
adjetivas:
(47) “(...) aí depois que eu passei pra essa religião... essa outra religião
que é cristão... aí mudou mais minha vida...eu sou um rapaz calmo... eh...
mais tímido... quando eu estava... estava no mundo... eu era muito...
muito saído... muito pra frente...” (Corpus D&G Rio de Janeiro, vol. 2,
p.125) (112)
(47a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na primeira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter qualidade, característica ou
propriedade intrínseca (referida ou mencionada por uma palavra ou
expressão)”.
(47b) Na dimensão proposicional, é expressa a autodescrição da característica
psicológica de uma pessoa.
(47c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor se autodescreve como
“calmo” e “mais” tímido, afirmando que, quando “estava no mundo”, isto é,
quando não era cristão, era um rapaz “muito saído” – muito espevitado,
extrovertido, atirado –, justamente o oposto do que é na atualidade, o que não
era bom. Depreende-se, assim, que o locutor atribui à religião sua mudança de
190
personalidade, e, portanto, sugere que seu interlocutor faça o mesmo. Nesse
caso, quando o verbo ser é usado para a caracterização do locutor como
“muito saído”, tem valor transitório, portanto, ressemantizado, ao passo que,
quando usado intencionalmente para caracterização como “cristão” (ser calmo
e tímido), tem valor permansivo.
(48) “(...) olha ... você fala assim ... diga ... que ele ... é gordo ... é casado
... tem cabelos grisalhos ... e que tem:: mais assim ... uma idade ... uma
idade avançada (...).” (Corpus D&G Natal, p.160) (122)
(48a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”.
(48b) Na dimensão proposicional, é expressa a descrição acerca das
características de um homem de idade avançada – gordo, casado e com
cabelos grisalhos”.
(48c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a atribuição de características a
um homem pela visão do locutor, porém, neste caso, são características
opostas às reais, pois a fala é de alguém que está participando da brincadeira
“amigo secreto”, e, que, para dificultar que os outros descubram quem é a
pessoa a quem deve entregar o presente, precisa distorcê-las.
No caso do uso de ser com o adjetivo casado indica permanência. Em
português brasileiro, é grande a alternância entre os ser e estar com o adjetivo
casado(a). Isso talvez possa ser explicado por uma mudança na sociedade: a
princípio, o casamento era considerado indissolúvel: uma vez casado, o
homem assim permaneceria até sua morte ou a morte de seu companheiro.
Por isso ser casado, como permansivo, portanto, não ressemantizado, embora,
atualmente, com o divórcio, haja certa transitoriedade.
191
(49) “Para as águas, viver é cair. Sem o declive as águas são mortas,
lodosas, pântanos. É preciso fazer a circulação das águas. Para a vida.
(52)
(49a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”.
(49b) Na dimensão proposicional, é expressa a opinião de alguém a
preservação do meio ambiente, pois a água é viva enquanto há movimento,
caso contrário, é morta. Por isso, é necessário que a água se movimente para
haver oxigenação.
(49c) Na dimensão pragmático-discursiva, depreende-se da expressão do
sujeito que “águas mortas” são aquelas que ficam paradas e, uma vez assim,
são cheias de lodo e pantanosas. Por isso, o declive é importante, pois viabiliza
a movimentação dessas águas. Assim, para que haja vida – dentro dela e fora,
para as pessoas que dela bebem ou pescam –, é necessário que ela circule.
Nesse caso, o verbo ser é usado com a possibilidade de mudança transitória
devido ao movimento X não movimento da água, embora a sua caracterização
de não movimento implique a caracterização de “água morta”, sem vida. Com
isso, o locutor tem a intenção de persuadir seu interlocutor a defender a
natureza. Assim, os estados de movimento e paralisação passam a ser
caracterizados permansivamente por vida e morte, respectivamente, não
havendo ressemantização.
(50) “Agora, Inês é morta.” (BAGNO, 2012, p. 615) (10)
(50a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou
situação, permanente ou temporária”. Nesse caso, a situação é permanente.
192
(50b) Na dimensão proposicional, é expressa, figurativamente, a morte da
rainha Inês de Castro, personagem de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.
(50c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor seleciona um enunciado-
clichê que é originário da obra Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, na qual o
autor narra a morte da rainha Inês de Castro, e a dor sentida pelo rei, marido
dela. Essa morte pôs fim a um casamento, e nada mais poderia compensar o
amor que o marido sentia. Esse clichê significa “não há mais solução”. O uso
do verbo ser com valor permansivo na predicação é queda o sentido de não
haver mais possibilidade de solução para a dor do rei. De forma geral, o
adjetivo particípio morto ocorre com a predicação auxiliar do verbo estar. A
seleção do verbo ser no enunciado é que traz o sentido de que “não há mais
nada a ser feito”, e, desse modo, não há ressemantização. No português
brasileiro, o emprego do verbo ser no pretérito perfeito do indicativo+ o
particípio morto(a), fazendo referência a alguém que faleceu, forma a voz
passiva e indica que X foi morto por alguém. Entretanto, o uso de ser no
presente do indicativo+ morto(a), fazendo referência a alguém que faleceu, não
é encontrado no uso corrente da língua, apenas nesse enunciado-clichê.
3.2.2.4 Estrutura equativa
Há na oração equativa uma relação de igualdade entre o sintagma
nominal sujeito e o sintagma nominal equativo (SN1sujeito + V + SN2equativo), e é
por essa razão que esses elementos podem intercambiar suas posições na
sentença, sem que haja perda na interpretação semântica. Além disso, os
sintagmas nominais da oração equativa não podem ser convertidos em um
substantivo único. Outra característica importante na oração equativa é que ela
não predica o sujeito, ou seja, SN2 não é predicado de SN1, mas, sim, seu
referente. A seguir algumas ocorrências que trazem esse tipo de estrutura:
(51) “Marthina Brandt, do RS, é a nova Miss Brasil.
Candidata do Rio Grande do Sul é a nova representante da beleza
brasileira” (53)
193
(51a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido, representado pela relação A=B e B=A, mais próximo
dos apresentados a seguir:
(...)
1.6 ( pred. ) ter a mesma importância ou valor que; representar; ter
significado, função, aspecto, efeito etc. equivalente ou relativamente
comparável ao de (outra coisa) [us. tb. em metáforas, analogias,
símiles etc., implícitos e explícitos]
‹ a descoberta das inscrições rúnicas foi a confirmação das
migrações dos antigos germânicos na região › ‹ desistir será assumir
a derrota › ‹ aquelas palavras, para ele, foram um consolo e um
estímulo › ‹ nosso planeta é como um grão de poeira no cosmo ›
(...)
Pela escolha lexical do verbo ser, é possível fazer a relação A=B assim como
B=A:

Marthina Brandt = A nova miss Brasil.  A nova miss Brasil = Marthina

Candidata do Rio Grande do Sul = A nova representante da beleza
Brandt.
brasileira.  A nova representante da beleza brasileira = Candidata do Rio
Grande do Sul.
(51b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação de que a nova
miss Brasil é a gaúcha Marthina Brandt.
(51c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a informação de que a mulher
considerada como padrão de beleza do país é uma gaúcha, que chegando à
escala mais alta de classificação, superou as candidatas representantes dos
outros estados e da capital federal do Brasil. A vencedora do concurso
representa um ideal de mulher – na beleza, no corpo e no carisma – que é
quase inatingível para mulheres ‘comuns’. O verbo ser é usado com valor
permansivo, não havendo ressemantização, uma vez que a candidata será,
permansivamente, a miss Brasil daquele ano.
194
(52) “Esse é o poder da maquiagem na minha vida.” (...) (04)
(52a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido, representado pela relação A=B e B=A, mais próximo
do apresentado a seguir:
(...)
1.6 ( pred. ) ter a mesma importância ou valor que; representar; ter
significado, função, aspecto, efeito etc. equivalente ou relativamente
comparável ao de (outra coisa) [us. tb. em metáforas, analogias,
símiles etc., implícitos e explícitos]
‹ a descoberta das inscrições rúnicas foi a confirmação das
migrações dos antigos germânicos na região › ‹ desistir será assumir
a derrota › ‹ aquelas palavras, para ele, foram um consolo e um
estímulo › ‹ nosso planeta é como um grão de poeira no cosmo ›
(...)
Pela escolha lexical do verbo ser, é possível fazer a relação A=B assim como
B=A:

Esse = o poder da maquiagem na minha vida.  O poder da maquiagem
na minha vida = esse.
(52b) Na dimensão proposicional, uma mulher expressa o quão poderosa é a
maquiagem em sua vida.
(52c) Na dimensão pragmático-discursiva, a locutora expressa sal opinião de
que a maquiagem não é apenas uma simples pintura de rosto, muitas vezes
relacionada à futilidade, mas algo mágico que tem o poder de elevar a
autoestima das mulheres em geral, ajudando-as a se sentirem mais bonitas e
poderosas. Desse modo, o verbo ser é usado com valor permansivo, não
havendo, portanto, ressemantização.
195
(53) De acordo com a Bíblia, qualquer um que se embriaga regularmente
é um “bêbado”. (54)
(53a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido, representado pela relação A=B e B=A, mais próximo
do apresentado a seguir:
(...)
1.4 ( pred. ) ter a referência ou o significado incluído ou implicado
pelo significado ou referência de (falando de nomes, designações,
expressões etc.); constituir o mesmo objeto, entidade ou ideia
(us.,ger. em definições, para afirmar ou estabelecer identidade ou
equivalência entre palavras, termos, expressões, ou entre aquilo que
eles designam, descrevem ou qualificam)
‹ seres humanos são bípedes › ‹ o homem é um animal racional ›
‹ número primo é aquele divisível apenas por ele mesmo e pela
unidade › ‹ quinze é a resposta do problema › ‹ o pior cego é aquele
que não quer ver › ‹ quadrado é um paralelogramo retângulo de lados
iguais › ‹ cinquenta é tudo que posso pagar › ‹ o avô é o primeiro à
esquerda, na fotografia › ‹ João é o filho mais novo de Maria ›
(...)
Pode-se observar que, do ponto de vista linguístico, há uma relação de
paráfrase: Um bêbado é qualquer pessoa que se embriaga regularmente. Pela
escolha lexical do verbo ser, é possível fazer a relação A=B assim como B=A:

Qualquer um que se embriaga regularmente = Um bêbado  Um
bêbado = Qualquer um que se embriague regularmente.
(53b) Na dimensão proposicional, há a definição de bêbado como aquele que
se embriaga regularmente, supostamente segundo a bíblia.
(53c) Na dimensão pragmático-discursiva, há um suposto discurso bíblico-
religioso no qual o locutor se apoia para afirmar que qualquer um que se
embriague com frequência é um alcoólatra, atribuindo um valor negativo a isso.
Nesse caso, o verbo ser é usado com valor permansivo, não havendo,
portanto, ressemantização.
196
(54) “Ela era evangélica e hoje é ‘tudo o que mais tinha preconceito’:
homossexual e umbandista; seu sentido da vida é ‘respeitar as pessoas’ ”
(55)
(54a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, representado pela relação A=B e B=A, com o sentido mais próximo
de:
(...)
1.6 ( pred. ) ter a mesma importância ou valor que; representar; ter
significado, função, aspecto, efeito etc. equivalente ou relativamente
comparável ao de (outra coisa) [us. tb. em metáforas, analogias,
símiles etc., implícitos e explícitos]
‹ a descoberta das inscrições rúnicas foi a confirmação das
migrações dos antigos germânicos na região › ‹ desistir será assumir
a derrota › ‹ aquelas palavras, para ele, foram um consolo e um
estímulo › ‹ nosso planeta é como um grão de poeira no cosmo ›
(...)
Pela escolha lexical do verbo ser, é possível fazer a relação A=B assim como
B=A:

Seu sentido da vida = respeitar as pessoas  Respeitar as pessoas =
Seu sentido da vida.
(54b) Na dimensão proposicional, há informação de que uma ex-evangélica
tornou-se homossexual e umbandista, condições contra as quais ela tinha
preconceito quando era evangélica.
(54c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a afirmação de uma exevangélica de que era preconceituosa com homossexuais e umbandistas e,
agora que está nessa condição, e, talvez, sinta o mesmo que pessoas que
sofrem preconceito sentem, compreende que todos, independentemente de
crença, religião ou orientação sexual, merecem ser respeitados porque,
simplesmente, são pessoas. Desse modo, compreende-se pela expressão da
mulher que evangélicos costumam ter preconceito contra homossexuais e
197
umbandistas. Assim, o verbo ser é usado com valor permansivo, não havendo,
portanto, ressemantização.
(55) (...) “e o verbo era Deus.” (12)
(55a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, representado pela relação A=B e B=A, com o sentido de
(...)
1.4 ( pred. ) ter a referência ou o significado incluído ou implicado
pelo significado ou referência de (falando de nomes, designações,
expressões etc.); constituir o mesmo objeto, entidade ou ideia
(us.,ger. em definições, para afirmar ou estabelecer identidade ou
equivalência entre palavras, termos, expressões, ou entre aquilo que
eles designam, descrevem ou qualificam)
‹ seres humanos são bípedes › ‹ o homem é um animal racional ›
‹ número primo é aquele divisível apenas por ele mesmo e pela
unidade › ‹ quinze é a resposta do problema › ‹ o pior cego é aquele
que não quer ver › ‹ quadrado é um paralelogramo retângulo de lados
iguais › ‹ cinquenta é tudo que posso pagar › ‹ o avô é o primeiro à
esquerda, na fotografia › ‹ João é o filho mais novo de Maria ›
(...)
Pela escolha lexical do verbo ser, é possível fazer a relação A=B assim como
B=A:

O verbo = Deus  Deus = O verbo.
(55b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a informação de que o
verbo era Deus.
(55c) Na dimensão pragmático-discursiva, há o discurso bíblico-religioso. O
trecho foi retirado do primeiro capítulo do evangelho de João, também
conhecido como prólogo de João, no qual ele narra que, no princípio, era o
verbo, e esse verbo era Deus e estava com Deus. Retoma-se, assim, a crença
bíblica relativa à criação do mundo, situando apenas a existência de Deus, que
era o verbo, criador de tudo, antes da criação do homem. Nesse caso, o verbo
ser é usado com valor permansivo, não havendo, portanto, ressemantização.
198
3.2.2.5 Estrutura possessiva
A estrutura possessiva é formada por sintagma preposicional que,
geralmente, exprime a noção de posse. Arrais (1984) considera o critério
sintático ao tratar das estruturas possessivas. Nesta análise, porém, será
considerado, além do critério sintático, o semântico.
(56) “O governo brasileiro investe o mínimo possível no esporte e todo o
mérito conseguido é dos atletas.” (Corpus D&G Niterói, p.18) (103)
(56a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido mais próximo de “ter ou apresentar-se em
determinada condição ou situação, permanente ou temporária”.
(56b) Na dimensão proposicional, há a informação de que, embora obtenham
mérito em suas modalidades esportivas, os atletas não recebem ajuda do
governo.
(56c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor faz uma crítica ao governo
por este não investir no esporte, afirmando que o mérito conseguido nas
competições das quais participam é todo dos atletas, que investem, eles
mesmos, em sua carreira. Nesse caso, o verbo ser é usado com valor
permansivo, não havendo, portanto, ressemantização.
(57) “(...) eh... o lugar onde eu mais gosto de ficar é no meu quarto... né?
na verdade não é meu quarto... é meu e do meu irmão... né?” (Corpus
D&G Rio de Janeiro, vol.1, p.108) (110)
(57a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido mais próximo de “ter ou apresentar-se em
determinada condição ou situação, permanente ou temporária”.
199
(57b) Na dimensão proposicional, há a informação de que uma pessoa tem
como lugar preferido seu quarto, que divide com o irmão.
(57c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor expressa que o seu lugar
preferido é o seu quarto, reiterando depois e afirmando que o quarto é dele e
de seu irmão. Nesse caso, o verbo ser é ressemantizado, funcionando como o
verbo ter, que foi apagado da estrutura sintática, com valor de posse alienável
na relação possuidor possuído.
3.2.3 Verbo ser como verbo auxiliar da voz passiva
De acordo com Castilho (2014), na escala da gramaticalização, os
verbos auxiliares sucedem os funcionais. Ainda de acordo com o mesmo autor,
ambos os tipos de verbos atuam de forma semelhante, com a diferença de que,
no caso dos verbos auxiliares, os elementos que se situam à direita deles são
verbos plenos na forma nominal, e, a estes, os auxiliares, além de atribuírem
categorias de pessoa e número, indicam aspecto, tempo, voz e modo. É
importante ressaltar que no caso dos verbos auxiliares, mais do que dos
funcionais, há certa opacidade semântica: o aspecto funcional ou gramatical e
mais saliente do que o aspecto semântico.
Em português, a voz passiva é resultado do processo de auxiliarização
do verbo ser + particípio passado. Nas ocorrências a seguir, encontra-se o
verbo ser como auxiliar de voz passiva:
(58) “(...) então ... ali tinha uma árvore muito bonita ... uma árvore antiga
que hoje em dia só existe ... pedacinhos dela ... porque ela foi corroída
pelo tempo ... e eu acho que deu cupim rápido ... e existia só o tronco
seco ...” (Corpus D&G Natal, p.52) (93)
(58a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito perfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, como:
(...)
200
3.1 ( pred. ) us. como verbo auxiliar, seguido de verbo no particípio,
trazendo as marcas de tempo e pessoa, em orações da voz passiva,
e com conteúdo semântico de 'sofrer, receber ou por uma ação ou um
processo realizado por algo ou alguém (e designado pelo verbo no
particípio)'
‹ a tarefa será completada amanhã › ‹ os prazos foram ampliados ›
(...)
(58b) Na dimensão proposicional, há a descrição de uma árvore, que, quando
estava inteira, era muito bonita, mas que, segundo o informante, foi danificada
com o passar do tempo e, possivelmente, foi corroída por cupins e pelas
condições climáticas.
(58c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor expressa ao interlocutor
que o local, sobretudo a árvore, tem para ele um valor sentimental e o remete a
lembranças. No trecho “hoje em dia só existe ... pedacinhos dela”, o falante
expressa certo saudosismo. A corrosão sofrida pela árvore foi causada pelo
passar do tempo. Nesse caso, o verbo ser mantém o valor permansivo
progressivo, gramaticalizado como auxiliar do predicativo, na voz passiva.
(59) “(...) ... também esse cemitério também ... ele era chamado de
maldito porque nesse ... nesse cemitério ... onde foi construído esse
cemitério forçado né? (...) ha/ ha/ havia antigamente era uma ... uma tribo
de índio né (...)” (Corpus D&G Natal, p.3) (94)
(59a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito perfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, como:
(...)
3.1 ( pred. ) us. como verbo auxiliar, seguido de verbo no particípio,
trazendo as marcas de tempo e pessoa, em orações da voz passiva,
e com conteúdo semântico de 'sofrer, receber ou por uma ação ou um
processo realizado por algo ou alguém (e designado pelo verbo no
particípio)'
‹ a tarefa será completada amanhã › ‹ os prazos foram ampliados ›
(...)
(59b) Na dimensão proposicional, há o trecho da narração de um filme sobre
um cemitério amaldiçoado.
201
(59c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a tentativa, por parte do locutor,
de narrar fielmente o filme, e, neste trecho específico, explicar por que o
cemitério onde a trama é ambientada era chamado de “maldito”. Nesse caso, o
verbo ser mantém o valor permansivo, gramaticalizado como auxiliar do
predicativo, na voz passiva.
(60) “(...) é ... aquela fotografia ... que nós batizamo-na de tronco de São
Sebastião ... porque ali o tronco ... parecia que ele tinha sido esculpido ali
sobre a duna ... o tronco na altura de dois metros ... dois e vinte ... e ele
tinha uma beleza ... um assim ... indescritível ... parecia que ele tinha sido
... fixado ali (...)” (Corpus D&G Natal, p.50) (95)
(60a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito composto, na voz passiva, formada por ter + ser
+ particípio, e resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, como:
(...)
3.1 ( pred. ) us. como verbo auxiliar, seguido de verbo no particípio,
trazendo as marcas de tempo e pessoa, em orações da voz passiva,
e com conteúdo semântico de 'sofrer, receber ou por uma ação ou um
processo realizado por algo ou alguém (e designado pelo verbo no
particípio)'
‹ a tarefa será completada amanhã › ‹ os prazos foram ampliados ›
(...)
(60b) Na dimensão proposicional, há, dentro do trecho de uma narrativa, a
descrição de um tronco de árvore.
(60c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor descreve e avalia,
subjetivamente, um tronco de árvore, como sendo de beleza indescritível, que
agrada o informante, e a explicação para o ouvinte do porquê dessa avaliação.
O objeto “tronco de árvore” está sendo negociado como conhecido (dado e
novo). A informação nova é a aparência que tinha de ter sido esculpido. Sendo
assim, o locutor seleciona a estrutura da voz passiva para a qual o verbo ser é
gramaticalizado e usado, permansivamente, como auxiliar do predicativo.
202
(61) “Eu preparo um molho para cobrir a massa. O molho é feito com
ketchup, mostarda, sal, molho inglês, extrato de tomate e uma pitada de
alho, coloco tudo numa panela e levo ao fogo para uma fervura rápida.”
(Corpus D&G Natal, p.14) (96)
(61a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito perfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, como:
(...)
3.1 ( pred. ) us. como verbo auxiliar, seguido de verbo no particípio,
trazendo as marcas de tempo e pessoa, em orações da voz passiva,
e com conteúdo semântico de 'sofrer, receber ou por uma ação ou um
processo realizado por algo ou alguém (e designado pelo verbo no
particípio)'
‹ a tarefa será completada amanhã › ‹ os prazos foram ampliados ›
(...)
(61b) Na dimensão proposicional, o locutor descreve quais ingredientes usa e
como ele próprio prepara um molho para cobrir uma pizza.
(61c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor atribui que o interlocutor
conhece o molho que o locutor prepara, mas que não conhece os ingredientes
utilizados e o modo de preparo. Sendo assim, o locutor seleciona a estrutura da
voz passiva para a qual o verbo ser é gramaticalizado e usado,
permansivamente, como auxiliar no predicativo.
3.2.4. Outras funções do verbo ser
Além das funções apresentadas por Castilho (2014) e Arrais (1984),
nas ocorrências coletadas foram encontradas outras funções exercidas por
esse verbo. A seguir, algumas delas:
3.2.4.1 Advérbio de afirmação
Nas ocorrências a seguir, o verbo ser funciona como os advérbios de
afirmação (sim, certamente, realmente, certo e outros):
203
(62) (...) “... o enroladinho tem que ser consumido no máximo em dois dias
... se num for consumido em dois dias a salsicha ... num é nem a massa
né?
E: é ...
I: a salsicha se ... se perde porque é conserva ... aí fica logo estragada e
num presta ... (...)”(Corpus D&G Natal, p.11) (97)
(62a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, com valor impessoal, e resulta de seleção
lexical, no conteúdo vocabular, como “usado no presente do indicativo, por
vezes interjetivamente, de modo equivalente a 'sim' ou 'não' (confirmando
afirmação ou negação) ou com conotação de 'talvez'”, dentro dos “usos em que
o aspecto funcional é mais destacado em relação ao aspecto semântico”.
Neste caso, o verbo equivale a “sim”.
(62b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa a confirmação por parte do
ouvinte de algo afirmado pelo locutor.
(62c) Na dimensão pragmático-discursiva, há uma pergunta retórica por meio
da qual o falante quer, de certa forma, incluir o ouvinte na interação,
averiguando sua atenção, e este responde como uma forma de concordância,
mas também para demonstrar ao falante que está atento. Mesmo se tratando
de uma pergunta retórica feita pelo locutor, o interlocutor responde com “é”,
que, nesse caso, equivale a “sim”. Desse modo, o verbo ser foi
gramaticalizado.
(63) “(...) pra descansar ... a massa e vou é:: como que se chama ...
ajeitar as formas né ... colocar a manteiga ou a margarina e colocar o trigo
né ... pra num pregar no ... no ... no ... no ...
E: untar né?
I: é untar ... exatamente é essa a palavra que eu tava procurando ... (...)”
(Corpus D&G Natal, p.10) (97)
(63a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, com valor impessoal, e resulta de seleção
lexical, no conteúdo vocabular, como “usado no presente do indicativo, por
vezes interjetivamente, de modo equivalente a 'sim' ou 'não' (confirmando
204
afirmação ou negação) ou com conotação de 'talvez'”, dentro dos “usos em que
o aspecto funcional é mais destacado em relação ao aspecto semântico”.
Neste caso, o verbo equivale a “sim”.
(63b) Na dimensão proposicional, tem-se expressa uma resposta que confirma
uma intervenção do interlocutor.
(63c) Na dimensão pragmático-discursiva, o interlocutor colabora com o locutor
no momento em que este se esquece o nome do procedimento com o qual se
unta a forma e se salpica farinha sobre ela. Ao dizer o nome do procedimento,
o interlocutor, de certa forma, pede a confirmação do locutor, que responde
com “é”, que tem valor de “sim”.
3.2.4.2. Marcador discursivo
Dentro
do
processo
de
gramaticalização
pode
ocorrer
o
de
discursivização, em que os elementos perdem sua função lexical e passam a
funcionar
discursivamente,
dando
origem
a
marcadores
discursivos,
marcadores conversacionais ou preenchedores de pausa. Quando utilizados
como marcadores discursivos ou conversacionais propriamente, operam “uma
retomada da linha de raciocínio perdida (ou, de um modo geral, mudanças de
estratégia comunicativa), reorganizando o discurso e ao mesmo tempo
chamando a atenção do ouvinte para essa retomada (...)” (MARTELOTTA,
NASCIMENTO E COSTA, 1996, p. 262).
De maneira geral, quando um item se torna marcador discursivo, ele
perde suas propriedades semânticas e passa a operar como um mecanismo
que ajuda o falante a organizar, na fala, seu discurso.
Ao se tornar um marcador discursivo, o verbo ser pode assumir diversas
funções. Três delas, compostas desse verbo flexionado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, são: marcar o início do discurso; indicar
concordância com algo que foi referido anteriormente, exprimindo certa
concordância; e indicar concordância parcial, também de algo referido
anteriormente.
205
Em todos os casos apresentados envolvendo o verbo ser como
marcador discursivo, tem-se “usos em que o aspecto funcional é mais
destacado em relação ao aspecto semântico”.
Neste primeiro exemplo, o verbo ser marca o início do discurso,
chamando a atenção do ouvinte para o que virá:
(64) “É... Parece que eu perdi a fé no coração/ Ah! Agora só ouço a voz
Da minha razão” (127)
(64a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, com valor impessoal, e resulta de seleção
lexical, no conteúdo vocabular. Não exprime um significado propriamente, mas
uma função: a de marcar a introdução de um discurso. Essa função está
próxima de:
(...)
3.5 ( pred. ) p.ext. infrm. us. no presente do indicativo, por vezes
interjetivamente, de modo equivalente a 'sim' ou 'não' (confirmando
afirmação ou negação) ou com conotação de 'talvez'
‹ – Há algum problema? / – É. › ‹ – Ele não faria uma coisa dessas
/ – É, não faria mesmo › ‹ – Você não acha que tenho razão? / – É...
quem sabe? ›
(...)
(64b) Na dimensão proposicional, tem-se expressão de uma pessoa que afirma
ter perdido a fé no próprio coração e que, agora, acredita apenas na razão.
(64c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor procura expressar para os
outros como se sente em relação ao amor. Muito provavelmente, está
magoado porque passou por alguma decepção amorosa e, a partir de então,
afirma ter perdido a fé no coração. Desse modo, agirá menos com a emoção
ou com o sentimento e mais com a razão. Nesse caso, o verbo ser foi
gramaticalizado, e está funcionando como marcador discursivo, introduzindo o
discurso.
206
(65) “É, realmente, o meu conceito de diversão é esquisito mesmo, tenho
que admitir. Você tem toda razão, eu não estou vendo o lado positivo das
coisas.” (56)
(65a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, como impessoal, e resulta de seleção
lexical, no conteúdo vocabular, como “usado no presente do indicativo, por
vezes interjetivamente, de modo equivalente a 'sim' ou 'não’ (...)”.
(65b) Na dimensão proposicional, tem-se expressão de uma pessoa que afirma
ter realmente um conceito de diversão esquisito e não estar vendo o lado
positivo das coisas.
(65c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor afirma ser visto como
alguém que, além de ter uma visão negativa das coisas, não se diverte
‘normalmente’, como as outras pessoas o fazem. Esse locutor, assim, admite
tanto ter um conceito de diversão esquisito quanto não estar vendo o lado
positivo das coisas. O locutor, de certa forma, chega à conclusão de que
concorda com algo que foi dito ou que aconteceu anteriormente. Nesse caso, o
verbo ser foi gramaticalizado, e está funcionando como marcador discursivo,
introduzindo um discurso e concordando com algo que foi afirmado
anteriormente.
(66)
(...) – Pedrão, tu quer me dizer que foi pra Miami e não falou inglês.
Sequer encontrou americanos. Nem um “Hi”, “Bye” ou coisa do tipo. Até o
Joel Santana nas propagandas falou mais que tu. Mulher tu pegou
brasileira, não teve troca cultural e de experiências internacionais. Porra,
e tu foi pra comprar? Miami está parecendo a 25 de março. E, ao invés de
aproveitar o Caribe(?), ficou em “paradeiro”. “Paradeiro” eu encontro até
no Piscinão de Ramos. Cara, só mudam os nomes. Miami é uma Capão
da Canoa com grife e contrabandistas chineses.
– É… não é bem assim.
– To achando que essa Miami é brasileira, se casou com americano pra
arranjar o Green Card e viver por lá.
– Pô, não generaliza, Du.” (...) (57)
207
(66a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, como impessoal, e resulta de seleção
lexical, no conteúdo vocabular, como “usado no presente do indicativo (...) com
conotação de 'talvez'”.
(66b) Na dimensão proposicional, há a expressão de um homem que fica
espantado pelo fato de o amigo ter ido a Miami e não falado inglês; não ter se
relacionado com mulheres estrangeiras, mas com brasileira; ter ido fazer
compras, o que poderia ter sido feito no Brasil mesmo; e não ter ido para a
região caribenha, mas ficado no “paradeiro” – na verdade, “parador” – , que é
uma espécie de deque estruturado de madeira, à beira da praia, que abriga
restaurantes, bares e entretenimento, e que também pode ser encontrado no
“Piscinão de Ramos”.
(66c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor faz uma crítica, de modo
pejorativo, ao “abrasileiramento” de Miami, devido à quantidade de brasileiros
que vivem lá, de modo que quem visita o lugar não precisa sequer falar inglês.
Depreende-se da fala uma crítica preconceituosa: na opinião de “Du”, Miami,
está se tornando ‘popular demais’ e que não vale a pena ser visitada, já que lá
e no Brasil podem ser encontradas as mesmas coisas – brasileiros em geral,
mulheres brasileiras, falantes de português, artigos para compras e praias
populares –, pois, segundo ele próprio, “só mudam os nomes”. “Pedrão”, meio
sem graça, não concorda totalmente com a opinião do amigo, a quem
responde as críticas com um “É… não é bem assim”. Nesse caso, o verbo ser,
gramaticalizado como marcador discursivo, introduz o discurso e expressa
certa discordância de algo que foi dito ou que aconteceu anteriormente. Neste
caso, a entonação é um elemento muito importante, pois ajuda o falante a
expressar a concordância parcial.
Existem outros marcadores discursivos formados com o verbo ser. A
partícula né? é outro exemplo. Conforme Martelotta e Alcântara (1996), a
trajetória de discursivização dessa partícula é não é verdade? >não é? >né?.
Os autores afirmam que, por meio desse processo, não é verdade perde seu
208
sentido original como pergunta referencial ou pergunta não-retórica. Verifica-se
neste caso primeiramente uma perda dos traços semânticos básicos dos
elementos que compõem essa estrutura, chegando a não + é e partindo para
uma redução fonética, tornando-se, por fim, a partícula né?.
De acordo com esses autores, o caminho de discursivização da partícula
em questão é o seguinte: né? em pergunta não-retórica >né? em pergunta
secundariamente orientada para a resposta do ouvinte >né? como marcador
discursivo >né? como preenchedor de pausa. Semanticamente, tal partícula
pode indicar modalização, pedido de aceitação do falante para o ouvinte,
expressão de comentários acerca do assunto falado, marcar perguntas
retóricas ou não retóricas etc.
Nas ocorrências a seguir, será possível as funções assumidas pela
partícula né?, primeiramente como pergunta retórica, e, depois, com base nas
quatro etapas do caminho da discursivização dessa partícula, proposto por
Martelotta e Alcântara (1996):
(67) (...) “a minha mãe ainda estava grávida... de mim... né? e ela já
estava no:: no nono mês... né? de gravidez... aí chegou/ e ela estava
comprando umas roupas pra mim... né? aí começou a passar mal... né?
aí... no carro/ aí meu pai foi bu/ foi levar ela pro hospital... e ela quase...
eh... me teve... me teve no carro... mas aí chegou no hospital a tempo...
né? aí... depois... me le/ aí... ah... me teve... né? eu nasci... aí eu... eu fui
levada pra maternidade... mas minha mãe não deixou não... aí eu fui
levada... né? aí depois ela... ela me pegou na universidade... saiu pelo
hospital... falando que eu não era:: cabrita não ((riso)) que... ela tinha que
ficar... não tinha que/ eh... tinha que fi... tinha que ficar com ela... eh...
mamando nela... e tal... aí depois... ela falou/ ela disse... que se ele/ eles
não deixava ela... ela com/ se eles não dei/ me deixavam... eu com ela...
eles iam/ ela ia... embora... né? mas aí depois me deixaram com ela...”
(Corpus D&G Juiz de Fora, p.60) (78)
(67a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, antecedido do advérbio de negação não, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, como “usos em que o
aspecto funcional é mais destacado em relação ao aspecto semântico” e,
funcionalmente, aquele que “substitui o verbo repetido em interrogações
expressivas ou enfáticas ao final de orações”.
209
(67b) Na dimensão proposicional, uma mulher que reconta o ocorrido com sua
mãe quando esta, grávida dele, entrou em trabalho de parto; e as situações
pelas quais passaram nos primeiros dias após o parto.
(67c) Na dimensão pragmático-discursiva, a mulher reconta, de forma bem-
humorada, fatos que ocorreram imediatamente antes e depois de seu
nascimento. A partícula né? é utilizada pelo locutor como forma de manter o
ouvinte atento à sequência de fatos ocorridos. A partícula né? funcionando
como pergunta retórica não exige uma resposta do ouvinte, nem do próprio
falante. É utilizada como estratégia interativa, para manter contato com o
ouvinte. Nesse caso, houve gramaticalização do verbo ser.
(68)
“E: (...) você tinha me falado que você fugiu de casa uma vez... né?
I: em oitenta e oito... eu tranquei matrícula pra fazer informática em
Viçosa... eh... tranquei matrícula mas fiquei em casa morcegando o tempo
inteiro (...) aí eu sei que começou/ entrou o segundo semestre... e a
pressão aumentou ainda mais... porque... eu comecei a entrar/ comecei a
fazer cursinho... pré... mas::... sei lá... não gostei... não dava pra aquilo...
nunca fiz cursinho... aí fiquei um mês... depois parei... de ir às aulas...
mas não comuniquei a minha mãe... aí ela descobriu ((riso)) (o que
acontecia...) (...)... aí armou... né? o maior circo lá em casa... aí eu
(aproveitei... teve) uma vez que ela e meu pai foram viajar... aí resolvi
fugir de casa...” (Corpus D&G Juiz de Fora, p.9) (79)
(68a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, antecedido pelo advérbio de negação não, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, como “usos em que o
aspecto funcional é mais destacado em relação ao aspecto semântico” e,
funcionalmente, “substitui o verbo repetido em interrogações expressivas ou
enfáticas ao final de orações”.
(68b) Na dimensão proposicional, há a retomada de uma informação anterior já
obtida do entrevistado.
(68c) Na dimensão pragmático-discursiva, depreende-se que um rapaz sofria
certa pressão dos pais para estudar, já que não trabalhava (“mas fiquei em
210
casa morcegando o tempo inteiro”) e, portanto, era sustentado por eles. Como
não se adaptou aos cursos que era obrigado a fazer, nem à pressão que sofria
pela família, resolveu sair de casa para não ter compromisso nem com os pais,
nem com os cursos. Depreende-se por meio da fala desse rapaz que, talvez,
ele quisesse apenas aproveitar a juventude com todo o conforto proporcionado
por seus pais. Na pergunta não-retórica, a partícula né? ajuda a orientar a
resposta do ouvinte, de quem o falante espera uma confirmação, que não
necessariamente seja respondida por “é”. Desse modo, a partícula né? é usada
pelo entrevistador como pedido de confirmação, havendo gramaticalização do
verbo ser.
(69) “... aí eu vou ... eu vou colocando mais a farinha de trigo até soltar
das mãos ... quando ... ela solta ... solta já das mãos ... aí eu deixo um ...
uns trinta minutos de descanso né ... pra descansar ... a massa e vou é::
como que se chama ... ajeitar as formas né ... colocar a manteiga ou a
margarina e colocar o trigo né ... pra num pregar no ... no ... no ... no ...
E: untar né?
I: é untar ... exatamente é essa a palavra que eu tava procurando ...”
(Corpus D&G Natal, p.11) (97)
(69a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, antecedido pelo advérbio de negação não, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, como “usos em que o
aspecto funcional é mais destacado em relação ao aspecto semântico” e,
funcionalmente, “substitui o verbo repetido em interrogações expressivas ou
enfáticas ao final de orações”.
(69b) Na dimensão proposicional, uma pessoa como prepara uma massa.
(69c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a condição de produção dialógica
em que o locutor do turno 1 não se lembra de uma expressão referente a
passar manteiga em uma forma. O locutor do turno 2 sugere a expressão untar
e utiliza-se da partícula né? para obter a confirmação do locutor 1 sobre a sua
sugestão. Nesse sentido, o verbo ser é gramaticalizado, na expressão não é
verdade, o e usado com valor de confirmação indagada.
211
(70)
“I: (...) ... o carro estava lá intacto... e tinha muita coisa dentro do carro...
tinha muita/ ele era/ época de natal... e ele estava assim... com todos os
brindes... ele é o dono de uma boite... todos os brindes da boite estavam
dentro... camise::ta.... essas coisas todas.. né? estava tudo dentro do
carro... então tinha milhões:: assim... além do carro... e estava tudo
dentro... neguinho não tinha tirado... nada... incrível...né?
E: mas eu não... não entendi... e aí? ele pegou o carro e [foi andando?]
I: [aí ele pegou o carro] e foi embora... (Corpus D&G Rio de Janeiro, vol.
1, p.65-66) (111)
(70a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, antecedido pelo advérbio de negação não, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, como “usos em que o
aspecto funcional é mais destacado em relação ao aspecto semântico” e,
funcionalmente, “substitui o verbo repetido em interrogações expressivas ou
enfáticas ao final de orações”.
(70b) Na dimensão proposicional, tem-se o relato do encontro de um carro que
mesmo tendo sido roubado, continha todos os objetos de antes do roubo,
sendo esse relato acompanhado de comentários do próprio falante.
(70c) Na dimensão pragmático-discursiva, há uma conversação em que o
locutor relata o roubo do carro de um terceiro, que deveria ser luxuoso e de
valor considerável pelo fato de o proprietário do carro ser dono de uma boite.
Ao narrar o acontecido, o informante demonstra surpresa pelo fato de o carro
ter sido reencontrado com todos os objetos dentro, tal como estava antes do
roubo, e usa a partícula né? com a função discursiva para marcar seu próprio
comentário. Acerca da partícula né? como marcador discursivo, consideram
Martelotta e Alcântara (1996) que tal partícula começa a ter uma função
discursiva quando marca comentários do próprio falante acerca do assunto
falado. Desse modo, a pergunta pode ou não pedir a resposta do ouvinte.
Portanto, houve gramaticalização do verbo ser como marcador discursivo.
212
3.2.4.3 Preenchedor de pausa
No caso dos preenchedores de pausa, nomenclatura utilizada por Silva
e Macedo (1989 apud MARTELOTTA, NASCIMENTO E COSTA, 1996), os
itens lexicais que passaram pelo processo de discursivização operam como um
recurso utilizado pelos falantes para que possa refletir sobre o que vai dizer
sem, porém, perder a palavra. De acordo com Martelotta, Nascimento e Costa
(1996), o uso do preenchedor “tem como característica marcar uma interrupção
na linha de raciocínio para evitar uma consequente pausa no fluxo da fala,
tendo, portanto, uma função organizadora do discurso”, como se pode verificar
a seguir:
(71) “minha especialidade aqui é ... é ... fazer pizza né ... é::geralmente
eu faço aqui é ...de duas em duas ... eu sei a porção pra duas pizzas ...
faço duas depois se precisar fazer mais duas e ... congelo isso na
geladeira ... é ...eu uso ... é ...geralmente ... pouco mais de meio quilo de
... de farinha de trigo né ...
(Corpus D&G Natal, p.10) (97)
(71a) Na dimensão lexical, o verbo ser encontra-se flexionado na terceira
pessoa do singular do presente do indicativo, como impessoal, e resulta de
seleção lexical, no conteúdo vocabular. O dicionário Houaiss não traz uma
entrada específica para esse tipo de uso, mas de outros casos que são
introduzidos pela observação “usos em que o aspecto funcional é mais
destacado em relação ao aspecto semântico”, dentre os quais provavelmente
se encaixaria o uso como preenchedor de pausa.
(71b) Na dimensão proposicional, uma pessoa explica qual o procedimento que
toma para fazer uma pizza.
(71c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor explica para seu
interlocutor como fazer uma pizza. O verbo ser é utilizado para preencher
lacunas no discurso do falante. Pode-se perceber que o falante vai retomando
na mente os passos que segue durante a feitura de uma pizza e, para não
perder o fluxo da fala enquanto pensa, utiliza o preenchedor é, de certa forma
indicando que mais algo será dito em seguida. O verbo funciona como uma
213
espécie de elo, preenchendo as lacunas unindo os trechos proferidos pelo
falante para a manutenção da linearidade da fala. Desse modo, o verbo ser é
gramaticalizado como preenchedor de pausa.
(72) “ah... um dia... né? eh... eu estava/ sexta-feira eu estava no colégio...
aí um/ eh... no meio da aula... um garoto começou... eh... a puxar meu
cabe::lo... a ficar copiando... o que a gente estava fazendo lá de mim...
ficava/ rasgou minha folha... (e) rasgava a minha folha... chegou... né?
aí... né? ele... ele me fez passar maior vergonha na sala... ficou falando
de mim... alto... pra todo mundo... todo/ é mentira... falando que meu
cabelo era... era o mais horroroso do mun::do... e tal... aí... né? aí eu
comecei a chorar... porque... passei maior vergonha... né? aí... a
professora pôs ele pro quadro... e ficou até o final da aula... (Corpus D&G
Juiz de Fora, p.59) (80)
(72a) Na dimensão lexical, o verbo ser é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, antecedido pelo advérbio de negação não, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular. Nesse caso, o verbo ser se
encaixa nos “usos em que o aspecto funcional é mais destacado em relação ao
aspecto semântico” e, funcionalmente, “substitui o verbo repetido em
interrogações expressivas ou enfáticas ao final de orações”.
(72b) Na dimensão proposicional, o locutor relata um episódio em que um sofre
bullying de um colega de classe.
(72c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a narração de um episódio de
agressões físicas e verbais sofridas pela pessoa entrevistada, a qual
demonstrou ainda se sentir magoada com o ocorrido. No caso da partícula né?
com a função de preenchedor de pausa, esta é utilizada pelo falante também
como um mecanismo para preencher possíveis lacunas de raciocínio ao longo
da fala, a fim de manter a linearidade do discurso, de modo a não haver
interrupção do fluxo da conversação. Assim, o verbo ser é gramaticalizado, na
expressão não é verdade? como preenchedor de pausa.
Em síntese, os resultados obtidos a partir das análises das ocorrências
com o verbo ser são:
214

Na dimensão lexical:
Como verbo pessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
- Com os sentidos de “ter essência conhecível graças ao pensamento, ou ter
existência observável graças aos sentidos físicos”; “ter existência real; existir,
viver”; ou, ainda, “[abstrato] sem especificação ou delimitação de tempo,
espaço ou circunstância”, como em:
“(05)14Disse Deus a Moisés: “Eu sou aquele que é.” (...) (11)
Verbo de predicação
- Com sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou situação,
permanente ou temporária”, como em:
(21) “(...) O caipira não “é” assim. “Está” assim. (...)” (14)
(22) “(...) ser solteira é um estado de espírito, só entende realmente quem é solteiro.”
(41)
(44) “(...) ela é estudante da terceira série do segundo grau.” (102)
(56) “O governo brasileiro investe o mínimo possível no esporte e todo o mérito
conseguido é dos atletas.” (103)
- Com sentido de “ter (total ou parcialmente) os mesmos atributos, qualidades
ou condições que definem ou caracterizam algo ou um grupo, classe ou
conjunto de coisas, entidades ou ideias (...)”, como em:
(43) “(...) Ele é oficial da Marinha, bonito e bastante inteligente.” (87)
- Com sentido de “ter ou apresentar-se em determinada condição ou situação,
permanente ou temporária”, com valor semelhante ao do verbo estar, como
em:
(07) “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco” (...) (125)
215
- Com o sentido de “ter ou ocupar lugar, estar, ficar”, como em:
(10) “A igreja é no alto da cidade.” (07)
- Com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade intrínseca,
como em:
(12) “o soquete com porta starter tem 3 parafusos, onde 1 é na frente e dois atrás,
enquanto que o simples só tem 2.” (73)
(25) “(...) fisicamente ... ele é baixo ... bem baixinho ... meu namorado chama ele de
... meu ... meu noivo chama ele de que meu Deus ... tamborete de forró ... nem pode
dizer muito ... porque ele é quase da mesma altura dele ...” (90)
(38) (...) “O piso do terraço é de cimento e o telhado é de telha de amiauto (sic) com
uma luminária (...)” (76)
- Com o sentido de “apresentar-se como fato; dar-se, ocorrer, acontecer”, como
em:
(15) “(...) a gente organizou tudo ... era num sábado o passeio ... nós fomos pro Vale
das Cascata ...” (101)
- Com o sentido de “ter determinada designação genérica”, como em:
(19) “(...) mas a maioria deles... inclusive os meus [pais] ... ((riso de E)) né? tem
uma... uma tendência... a achar certas coisas absurdas... né? e no entanto... não...
não são bem assim... eh:: como a virgindade por exemplo... que é encarada por eles
como um tabu... né?” (74)
- Com o sentido de “ter a mesma importância ou valor que; representar, ter
significado,
função,
aspecto,
efeito
etc.
equivalente
ou
relativamente
comparável ao de outra coisa”, exprimindo uma relação A=B e B=A, como em:
(51) “Marthina Brandt, do RS, é a nova miss Brasil.” (53)
- Com o sentido de “ter a referência ou significado incluído ou implicado pelo
significado ou referência de. (...) Usado em definições para afirmar ou
estabelecer identidade ou equivalência entre palavras, termos, expressões ou
216
entre aquilo que eles designam, descrevem ou qualificam”, também exprimindo
uma relação A=B e B=A, como em:
(55) “(...) e o verbo era Deus.” (12)
(53) “De acordo com a Bíblia, qualquer um que se embriaga regularmente é um
“bêbado”. (54)
Verbo auxiliar de voz passiva
- Como auxiliar, carregando as marcas de tempo e pessoa em orações da voz
passiva, indicando que algo ou alguém sofreu ou recebeu; ou por uma ação ou
um processo realizado por algo ou alguém, como em:
(59) “(...) ... também esse cemitério também ... ele era chamado de maldito porque
nesse ... nesse cemitério ... onde foi construído esse cemitério forçado né? (...)” (94)
Como verbo impessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
- Indicando passagem do tempo, localização em uma determinada época ou
condições climáticas, como em:
(01) “Era uma vez uma linda princesinha. (...)” (86)
(02) “(...) aí nesse dia ... havia uma comemoração cívica ... era dia sete de setembro
(...)” (87)
Verbo de predicação
- Com o sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade intrínseca
(referida ou mencionada por uma palavra ou expressão)”, como em:
(20) “É mal que você não se preocupe com seus amigos.” (06)
Verbo auxiliar de voz passiva
217
Nas ocorrências analisadas não foram encontrados casos com o verbo
ser impessoal como auxiliar de voz passiva.
Outras funções do verbo ser
Esses casos abrangem os usos em que o aspecto funcional é mais
saliente que o aspecto semântico.
- Usado no presente do indicativo “por vezes interjetivamente de modo
equivalente a ‘sim’ ou ‘não’”, como em:
(62) (...) “... o enroladinho tem que ser consumido no máximo em dois dias ... se num
for consumido em dois dias a salsicha ... num é nem a massa né?
E: é ... (...)” (97)
- Usado no presente do indicativo, equivalente a ‘sim’ ou ‘não’, e “com
conotação de ‘talvez’”, como em:
(64) “É... Parece que eu perdi a fé no coração/ Ah! Agora só ouço a voz
Da minha razão” (127)
- Usado no presente do indicativo como mecanismo de preenchimento de
pausas no discurso (sem referência direta no dicionário Houaiss, mas
pertinente aos “usos em que o aspecto funcional é mais destacado que o
aspecto semântico”) como em:
(71) “(...) minha especialidade aqui é ... é ... fazer pizza né ... é:: geralmente eu faço
aqui é ...de duas em duas ... eu sei a porção pra duas pizzas ... faço duas depois se
precisar fazer mais duas e ... congelo isso na geladeira ... é ...eu uso ... é
...geralmente ... pouco mais de meio quilo de ... de farinha de trigo(...)” (97)
- Usado com o advérbio de negação não, formando a expressão interrogativa
né?, originária de não é verdade? >não é? >né?, “substituindo o verbo repetido
em interrogações expressivas ou enfáticas ao final de orações”, como em:
(67) (...) “a minha mãe ainda estava grávida... de mim... né? e ela já estava no:: no
nono mês... né? de gravidez... aí chegou/ e ela estava comprando umas roupas pra
mim... né? aí começou a passar mal... né? (...)” (67)
(68) “E: (...) você tinha me falado que você fugiu de casa uma vez... né? (...)” (79)
218

Na dimensão proposicional:
Como verbo pessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
- Exprimindo o sentido de existência plena, como em:
(06)“1No princípio era o verbo e o verbo estava com Deus e o verbo era Deus. (...)”
(12)
- Como uso apresentativo, próximo do uso pleno de ser, como em:
(04) (...) “princesinha ... quem é essa pessoa que tanto bate?” aí ela falou ...
“é um sapo” ...(...) (86)
Verbo de predicação
- Apresentando um ser em companhia de outro, como em:
(07) “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco” (...) (125)
- Apresentando a localização de entidades móveis, imóveis, eventos e, até
mesmo, de seres animados, como em:
(16) “Talher é na gaveta: Uma solução para organizar os talheres é guardá-los em
gavetas.” (38)
(11) “A igreja é ao lado da prefeitura.” (08)
(13) “A festa é na rua.” (09)
(09) “Sou em ti, és em mim! Minh’alma diz: ‘Meu Deus, como és lindo!’” (126)
- Apresentando a localização de um acontecimento no tempo, como em:
(15) “(...) a gente organizou tudo ... era num sábado o passeio ... nós fomos pro Vale
das Cascata ...” (101)
- Exprimindo a noção de modo, como em:
(21) (...) O caipira não “é” assim. “Está” assim. (14)
219
- Atribuindo características a pessoas, objetos, acontecimentos, situações etc.,
como em:
(26) “Normalmente, a pressão arterial é mais baixa pela manhã, enquanto é mais alta
à noite.” (42)
(39) “(...) É um percurso tranquilo, longe do barulho dos bares da Orla Marítima e o ar
é de puríssima qualidade. O tráfego é menos intenso também...” (...) (91)
(46) “Colombiana é Miss Universo por 5 minutos, erro Universal!!!” (51)
(47) “(...) ... quando eu estava... estava no mundo... eu era muito... muito saído...
muito pra frente...” (112)
- Estabelecendo uma relação de igualdade ou equivalência entre os referentes
de uma oração, como em:
(53) “De acordo com a Bíblia, qualquer um que se embriaga regularmente éum
‘bêbado’.” (54)
(54) “Ela era evangélica e hoje é ‘tudo o que mais tinha preconceito’: homossexual e
umbandista; seu sentido da vida é ‘respeitar as pessoas’ ” (55)
(06)“(...) e o verbo era Deus.” (12)
- Descrevendo uma relação possuidor x possuído, ou de algo que foi
conquistado ou alcançado, como em:
(57) “eh... o lugar onde eu mais gosto de ficar é no meu quarto... né? na verdade não
é meu quarto... é meu e do meu irmão... né?” (110)
(56) “O governo brasileiro investe o mínimo possível no esporte e todo o mérito
conseguido é dos atletas.” (103)
Verbo auxiliar de voz passiva
- Auxiliando o verbo principal, no particípio, na construção da voz passiva,
atribuindo as noções de tempo, modo, número e pessoa, como em:
(61) “Eu preparo um molho para cobrir a massa. O molho é feito com ketchup,
mostarda, sal, molho inglês, extrato de tomate e uma pitada de alho (...)” (96)
Como verbo impessoal, as ocorrências foram:
220
Verbo intransitivo
- Indicando um acontecimento em uma localização temporal específica, como
em:
(03) “(...) assaltaram ele... ele foi/ falou que... foi... na Praça Tamandaré::... acho que
era umas quatro horas... foi de tarde...” (123)
Verbo de predicação
- Auxiliando na modalização de orações, como em:
(20) “É mal que você não se preocupe com seus amigos.” (06)
Verbo auxiliar de voz passiva
Nas ocorrências analisadas, não foram encontrados casos com o verbo
ser impessoal como auxiliar de voz passiva.
Outras funções do verbo ser
- Exprimindo uma confirmação, como em:
(69) “(...) pra descansar ... a massa e vou é:: como que se chama ... ajeitar as formas
né ... colocar a manteiga ou a margarina e colocar o trigo né ... pra num pregar no ...
no ... no ... no ...
E: untar né?
I: é untar ... exatamente é essa a palavra que eu tava procurando ... (...)” (97)
- Iniciando um discurso, como em:
(65) “É, realmente, o meu conceito de diversão é esquisito mesmo, tenho que admitir.
Você tem toda razão, eu não estou vendo o lado positivo das coisas.” (56)
- Colocando-se em forma de pergunta ao final de orações, como em:
(68) “E: (...) você tinha me falado que você fugiu de casa uma vez... né? (79)
- Preenchendo possíveis lacunas no discurso, como em:
221
(71) “minha especialidade aqui é ... é ... fazer pizza né ... é::geralmente eu faço aqui é
...de duas em duas (...)” (80)

Na dimensão pragmático-discursiva:
Como verbo pessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
Nas
ocorrências
analisadas,
não
houve
gramaticalização de ser como verbo intransitivo pessoal.
ressemantização
ou
Verbo de predicação
- Ressemantizado com valor locativo, como em:
(07) “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco” (...) (125)
- Ressemantizado com valor de superlativação, como em:
(08) “Barra: São João é na Barra” (...) (36)
- Ressemantizado com valor locativo permanente, como em:
(09) “Sou em ti, és em mim! Minh’alma diz: ‘Meu Deus, como és lindo!’” (126)
(10) “A igreja é no alto da cidade.” (07)
- Ressemantizado com valor descritivo de parte e todo, como em:
(12) “(...) o soquete com porta starter tem 3 parafusos, onde 1 é na frente e dois atrás,
enquanto que o simples só tem 2.” (73)
- Ressemantizado por um valor de transitoriedade, correspondente à duração,
como em:
(13) “A festa é na rua”. (09)
- Ressemantizado com valor temporal, como em:
(15) “(...) a gente organizou tudo ... era num sábado o passeio ... nós fomos pro Vale
das Cascata ...” (101)
222
- Ressemantizado com valor locativo permansivo, como em:
(16) “Talher é na gaveta: Uma solução para organizar os talheres é guardá-los em
gavetas.” (38)
- Ressemantizado com valor de transitoriedade, como em:
(26) “Normalmente, a pressão arterial é mais baixa pela manhã, enquanto é mais alta
à noite.” (42)
(47) “(...) quando eu estava... estava no mundo... eu era muito... muito saído... muito
pra frente...” (112)
- Ressemantizado com valor de transitoriedade e intensidade, como em:
(37) “Podem dizer o que quiserem, mas eu sei quando sou chata e nestas últimas
duas semanas superei minha marca, infernizei todo mundo (...)” (48)
- Ressemantizado com valor de estado, como em:
(27) “a varanda é::/ ela é branca... tem... eh:: tem piso... tem um bocado de flor
pendurado na pare::de... (...)” (75)
- Ressemantizado com aspecto frequentativo, como em:
(42) “(...) Que a pessoa ao sentir tristezas profundas ou ouvir os outros dizerem que é
de lua, se preocupe: analise se é temporário ou está na sua personalidade (...)” (49)
- Ressemantizado com o valor de constância, com aspecto frequentativo, como
em:
(40) “(...) o cara:: bebe assim no caminhão bebe muito... essas pinga, cachaça... aí
ele estava vindo de perto ali de Ewbanck da Câmara... deu a carona a tr/ a duas
mulheres... assim elas também bebe... são de fogo assim sabe... (...)” (77)
- Ressemantizado com valor de posse alienável na relação possuidor possuído,
como em:
(57) “(...) eh... o lugar onde eu mais gosto de ficar é no meu quarto... né? na verdade
não é meu quarto... é meu e do meu irmão... né?” (110)
- Gramaticalizado na expressão “ser de menor”, como em:
(41) “(...) E: que você acha disso?
223
I: super errado ... só porque é de menor ... num tem nada a ver ... quando foi
pra praticar ... quando foi pra praticar num teve nada disso não ... são menores
... mas têm a mesma capacidade de um adulto ... (...)” (92)
- Gramaticalizado como expressão de negação, como em:
(19) “(...) mas a maioria deles... inclusive os meus [pais] ... ((riso de E)) né? tem
uma... uma tendência... a achar certas coisas absurdas... né? e no entanto... não...
não são bem assim... (...)” (74)
- Em estruturas equativas, o verbo ser não sofre ressemantização, é sempre
permansivo.
Verbo auxiliar de voz passiva
- Gramaticalizado como verbo de auxiliar, indicando tempo, modo número e
pessoa, com valor permansivo, ou mesmo, permansivo progressivo, como em:
(58) “(...) então ... ali tinha uma árvore muito bonita ... uma árvore antiga que hoje em
dia só existe ... pedacinhos dela ... porque ela foi corroída pelo tempo (...)” (93)
Como verbo impessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
- Usado em narrativas, como resquício do uso pessoal pleno, como em:
(01) “Era uma vez uma linda princesinha. Ela estava brincando com sua bola de ouro.
Mas essa bola caiu no laguinho.” (86)
- Usado para expressar tempo, como em:
(03) “(...) assaltaram ele... ele foi/ falou que... foi... na Praça Tamandaré::... acho que
era umas quatro horas... foi de tarde...” (123)
Verbo de predicação
- Ressemantizado com valor opinativo, como em:
(20) “É mal que você não se preocupe com seus amigos.” (06)
224
Verbo auxiliar de voz passiva
Nas
ocorrências
analisadas,
não
houve
ressemantização
gramaticalização de ser como verbo auxiliar de voz passiva pessoal.
ou
Outras funções do verbo ser
- Gramaticalizado como advérbio de afirmação, como em:
(62) (...) “... o enroladinho tem que ser consumido no máximo em dois dias ... se num
for consumido em dois dias a salsicha ... num é nem a massa né?
E: é ... (...)” (97)
- Gramaticalizado como marcador discursivo, introduzindo o discurso, como
em:
(64) “É... Parece que eu perdi a fé no coração/ Ah! Agora só ouço a voz
Da minha razão” (127)
- Gramaticalizado como marcador discursivo, introduzindo um discurso e
concordando com algo que foi afirmado anteriormente, como em:
(65) “É, realmente, o meu conceito de diversão é esquisito mesmo, tenho que admitir.
Você tem toda razão, eu não estou vendo o lado positivo das coisas.” (56)
- Gramaticalizado como marcador discursivo, introduzindo um discurso e
expressando certa discordância de algo que foi dito ou que aconteceu
anteriormente, como em:
(66) “(...) Miami é uma Capão da Canoa com grife e contrabandistas chineses.
– É… não é bem assim. (...)” (57)
- Gramaticalizado como marcador discursivo, oriundo da expressão não é
verdade?, funcionando como pergunta retórica e usado como estratégia
interativa, para manter contato com o ouvinte, como em:
(67) (...) “a minha mãe ainda estava grávida... de mim... né? e ela já estava no:: no
nono mês... né? de gravidez... aí chegou/ e ela estava comprando umas roupas pra
mim... né? (...)” (67)
225
- Gramaticalizado como marcador discursivo, oriundo da expressão não é
verdade, funcionando como pergunta não-retórica, ajudando a orientar a
resposta do ouvinte, de quem o falante espera uma confirmação, que não
necessariamente seja respondida por “é”, como em:
(68) “(...) E: (...) você tinha me falado que você fugiu de casa uma vez... né?
I: em oitenta e oito... eu tranquei matrícula pra fazer informática em Viçosa...
(...)” (79)
- Gramaticalizado, na expressão não é verdade, e usado com valor de
confirmação indagada, como pergunta não-retórica, a fim de receber uma
resposta do ouvinte, como em:
(69) “(...) colocar a manteiga ou a margarina e colocar o trigo né ... pra num pregar no
... no ... no ... no ...
E: untar né?
I: é untar ... exatamente é essa a palavra que eu tava procurando ...” (...) (97)
- Gramaticalizado, na expressão não é verdade?, e usado com a função
discursiva de marcar comentários do próprio falante acerca do assunto falado,
podendo ou não pedir a resposta do ouvinte, como em:
(70) “(...) estava tudo dentro do carro... então tinha milhões:: assim... além do carro...
e estava tudo dentro... neguinho não tinha tirado... nada... incrível...né? (...) (111)
- Gramaticalizado como preenchedor de pausa, funcionado como uma espécie
de elo, preenchendo as lacunas e unindo os trechos proferidos pelo falante
para a manutenção da linearidade da fala, ajudando-o, assim, a não perder o
fluxo da fala enquanto pensa, e indicando que mais algo será dito em seguida,
como em:
(71) “minha especialidade aqui é ... é ... fazer pizza né ... é::geralmente eu faço aqui é
...de duas em duas ... eu sei a porção pra duas pizzas ... faço duas depois se precisar
fazer mais duas e ... congelo isso na geladeira ... é ...eu uso ... é ...geralmente ...
pouco mais de meio quilo de ... de farinha de trigo né ... (...)” (97)
(72) “ah... um dia... né? eh... eu estava/ sexta-feira eu estava no colégio... aí um/ eh...
no meio da aula... um garoto começou... eh... a puxar meu cabe::lo... a ficar
copiando... o que a gente estava fazendo lá de mim... ficava/ rasgou minha folha... (e)
rasgava a minha folha... chegou... né? aí... né? ele... ele me fez passar maior
vergonha na sala... ficou falando de mim... alto... pra todo mundo... todo/ é mentira...
falando que meu cabelo era... era o mais horroroso do mun::do... e tal... aí... né? aí
226
eu comecei a chorar... porque... passei maior vergonha... né? aí... a professora pôs
ele pro quadro... e ficou até o final da aula...” (80)
227
CAPÍTULO 4 – RESULTADOS OBTIDOS DAS FUNÇÕES DO
VERBO ESTAR NO USO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Este capítulo apresenta os resultados obtidos das funções do verbo
estar no uso do português brasileiro, seguindo o modelo proposto por Givón
(1993), que consiste no seguinte: dimensão lexical, dimensão proposicional e
dimensão pragmático-discursiva.
4.1 Dimensão lexical vocabular
Este item apresenta o conteúdo vocabular do verbo estar contido no
dicionário de Antônio Houaiss, em sua versão online:
1 ( pred. ) [prep.: de] ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente) [...]
‹ está muito magra › ‹ o povo está descontente › ‹ breve, estaremos
sem dinheiro › ‹ ele está de diretor interino ›
2 ( t.i. ) [prep.: a, em] encontrar-se (em certo momento ou lugar,
transitoriamente)
‹ estamos numa época conturbada › ‹ ninguém está em casa ›
‹ esteja lá às cinco ›
2.1 ( t.i. ) [prep.: em] fazer uma visita a; ir, visitar
‹ nunca esteve em Moscou › ‹ estive nos meus pais ontem ›
2.2 ( t.i. ) [prep.: em] marcar presença; comparecer
‹ o diretor esteve na festa de fim de ano, mas por pouco tempo ›
3 ( t.i.pred. ) [prep.: em] encontrar-se (em determinada posição
momentânea)
‹ e. sentado › ‹ estava em terceiro lugar ao abandonar a
competição ›
4 ( t.i. ) [prep.: a] ficar situado; localizar-se
‹ São Paulo está a 400 km do Rio ›
5 ( pred. ) combinar ou não com outros elementos de um contexto;
formar ou não um conjunto harmonioso com outros elementos
‹ a escultura está muito bonita ali, no centro da sala › ‹ a roupa é
linda, mas não lhe está bem ›
6 ( t.i. ) [prep.: em] fazer parte; pertencer
‹ não estava nos nossos planos viajar este ano ›
7 ( t.i. ) [prep.: em] ter realização, solução etc. total ou parcialmente
determinada ou influenciada por; depender
‹ não está em mim ajudá-lo › ‹ agora, tudo está nas mãos de
Deus ›
8 ( t.i. ) [prep.: em] consistir, residir, resumir-se
‹ liberdade está em escolher os próprios compromissos › ‹ a
diferença está na qualidade ›
9 ( t.i. ) [prep.: para] sentir disposição ou inclinação (ger. us. em
orações negativas)
‹ não estão para brincadeiras › ‹ ele hoje não está para conversas ›
228
10 ( t.i. ) [prep.: de] encontrar-se em processo de; estar prestes a
‹ estava de saída, quando o telefone tocou › ‹ ela está de
mudança ›
11 ( t.i. ) [prep.: para] ter tais características ou qualidades, sendo
possível estabelecer uma relação com outra coisa ou pessoa
‹ 25 está para 50 como 500 está para 1.000 ›
12 ( t.i. ) [prep.: com] ter a companhia de
‹ a criança está com os avós ›
13 ( t.i. ) [prep.: com] dividir a mesma moradia; coabitar
‹ o casal separou-se e o filho está com a mãe ›
14 ( t.i. ) [prep.: com] manter relação conjugal
‹ João está agora com a mulher de José ›
14.1 ( t.i. ) [prep.: com] p.ext. ter relações sexuais
‹ já faz tempo que ela não está com um homem ›
15 ( t.i. ) [prep.: em] ter determinada atividade profissional
‹ um dos filhos está na medicina, e o outro na engenharia ›
16 ( t.i. ) [prep.: com, de] vestir, trajar
‹ estará de branco no réveillon › ‹ a anfitriã estava com um colar de
brilhantes ›
17 ( t.i. ) [prep.: a, em] ter ou atingir, em dado momento ou ocasião,
certa quantidade, preço, medida etc.
‹ a população da cidade já está em 30 mil habitantes › ‹ as laranjas
estão a menos de R$ 3,00 o quilo › ‹ a quanto está o ingresso para o
cinema? ›
O conteúdo vocabular analisado indica que, nesse dicionário, são
propostos dois grandes usos para o verbo estar no português brasileiro: verbo
predicativo, isto é, de ligação, e verbo pleno. Frente ao exposto, verifica-se que
esse dicionário não apresenta o verbo estar como verbo auxiliar, como em ele
está cantando, ou em flexão verbal de tempos compostos. Em síntese, o autor,
com critério sintático, diferencia o verbo estar em pleno e predicativo. Mas, com
critério semântico, apresenta uma nova classificação para esse verbo.
4.2 Resultados obtidos nas análises
Os resultados obtidos das funções do verbo estar no uso do português
brasileiro indicam que tal verbo ocorre como pleno, verbo de ligação predicativo
e auxiliar temporal.
Como pleno, o verbo estar ocorre como verbo intransitivo e com as
estruturas locativa (com sentido comitativo, locativo, temporal) e modal; como
funcional, com as estruturas atributiva (com adjetivo, sintagma adjetival, com
sintagma preposicional, com sintagma nominal e com particípio de valor
adjetival), equativa e possessiva; como auxiliar de gerúndio; e ocorrendo como
229
outras funções, como advérbio de afirmação, marcador discursivo e operador
argumentativo.
4.2.1. Verbo estar como verbo pleno
Com relação ao verbo estar como pleno, Castilho (2014, p.399) traz
exemplos do português arcaico, nos quais esse verbo aparece como
intransitivo locativo posicional, isto é, exprimindo as noções de estar de pé ou
estar parado. De acordo com o autor, essas noções não são mais percebidas
no português brasileiro atual. Entretanto, foi encontrada uma ocorrência desse
tipo. Além disso, verifica-se que, na contemporaneidade, os usos em que estar
vem acompanhado de alguns advérbios com sentido dêitico (Estar aqui, estar
ali ou estar acolá) configuram-se como usos em que o verbo estar aproxima-se
de sua função como pleno, uma vez que o verbo não está ligando um sujeito a
um predicado.
(01) E a minha leitura, penso, está no incompleto, no meu processo
identitário. Está na minha vida. E como tal, não posso esgotá-la. Apenas,
sei que, nesse exato momento, todos seguimos estando... Porque somos
iguais, virtualmente. (15)
(01a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado no gerúndio e resulta de
seleção lexical, no conteúdo vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em
certo momento ou lugar, transitoriamente).
(01b) Na dimensão proposicional, o locutor se reconhece como uma pessoa
incompleta em sua vida, e sabe que todas as pessoas se sentem assim, pois
todas são iguais virtualmente.
(01c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor representa o papel de
quem se revela para seu interlocutor como uma pessoa que vive em busca da
construção de sua própria identidade, e que se sente incompleto, estendendo
seu sentimento de incompletude a todos; é por isso que afirma que todos,
inclusive ele, seguem estando, porque todos estão incompletos, já que passam
230
a vida tentando saber quem ou o que são. Se fossem completos, todos
seguiriam sendo, não estando. O verbo estar, nesse caso, é utilizado como
verbo intransitivo, e não como verbo de ligação, exprimindo, portanto, seu
sentido pleno e não sendo ressemantizado.
(02) Aqui estou, tristeza, feita de ausência e incerteza, de muros altos
que não consigo transpôr (sic). A esta saudade, nostalgia e solidão,
procuro contrapôr (sic), sem sucesso, uma fingida alegria e só no silêncio
encontro a recordação que me anima e a confiança num novo dia. (16)
(02a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em certo momento ou lugar,
transitoriamente).
(02b) Na dimensão proposicional, uma mulher afirma sentir um grande vazio,
além de “saudade, nostalgia e solidão”, sentimentos dos quais ela tenta, sem
conseguir, desvencilhar-se. Finge sentir alegria e apenas quando está só se
sente bem.
(02c) Na dimensão pragmático-discursiva, a locutora representa o papel de que
faz confidências a seu interlocutor, revelando-lhe seus sentimentos. Ainda que
esteja em companhia de pessoas, sente-se sozinha e fechada em si mesmo. A
recordação que tem de um alguém é a única coisa que dá à locutora um pouco
de ânimo para superar a saudade. O verbo estar é usado com sentido próximo
ao pleno.
(03) “(...) essa menina que ia me dar carona... e::... e ficou/ ligou... a mãe
dela... a mãe dela não... não atendeu... ela falou que estava vindo... então
ela ficou esperando lá... bem... bem próximo da gente... que eu estava
conversando com outro grupo... aí eles estavam combinando de ir de
táxi... todo mundo... aí quando eu vi... o carro dela tinha ido embora... o
pessoal falou assim... “ a Cristiana foi embora ( ) não te chamou...” (...) aí
ela foi... o carro (...) quer dizer... eu fiquei a pé... aí eu não sabia mais o
que eu fazia... que já era/ já estava tarde pra caramba... e:: eu... eu não
tinha nem como voltar pra casa... (...)”(Corpus D&GJuiz de Fora, p.37)
(60)
231
(03a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, sendo impessoal, e resulta de
seleção, no conteúdo vocabular. O dicionário Houaiss, não traz, para esse tipo
de ocorrência, uma entrada específica. Acredita-se que, assim como no caso
do verbo ser, esse tipo de uso poderia ser definido como:
2.8 ( pred. ) us. em construções impessoais, para referir-se à
passagem do tempo e especificar um momento, período ou época
(pode haver menção de unidades temporais, de condições
atmosféricas ou climáticas, ou da ocasião ou circunstância de que se
trata) – o verbo concorda com o predicativo
‹ ainda era cedo › ‹ já é dia claro › ‹ era outono, mas ainda fazia
calor › ‹ são oito horas da noite › ‹ é primeiro de abril › ‹ seriam fins de
setembro ›7
(03b) Na dimensão proposicional, o locutor relata para seu interlocutor um fato
acontecido com ela certa vez, quando estava reunida com os amigos, e a
pessoa que iria lhe dar carona foi embora, deixando-o na rua tarde da noite,
sem saber como faria para voltar para casa.
(03c) Na dimensão pragmático-discursiva, em um diálogo, o locutor narra que,
certa vez, estava com os amigos, esperando pela carona da mãe de uma
amiga.
Esta, mesmo sabendo que o locutor estava esperando por ela, foi
embora e não o chamou, deixando-o na rua tarde da noite, sem saber como
faria para voltar para casa. O uso do verbo estar, impessoal, para uma
passagem de tempo, marca uma transição de cedo para tarde, ou seja, estava
cedo  ficou tarde  estava tarde.
4.2.2 Verbo estar como verbo funcional
Ao se gramaticalizar como verbo funcional, o verbo estar passou a
exercer a função de verbo de ligação, participando das estruturas locativa,
atributiva, equativa e possessiva.
7
Definição referente ao verbo ser, mas que pode, nesse caso, ser aplicada a estar.
232
4.2.2.1
Estrutura locativa
A estrutura locativa pode exprimir três sentidos: comitativo, locativo e
temporal e, nesse caso, são formadas com o verbo estar como pleno.
A)
Sentido comitativo
A estrutura locativa com sentido comitativo ocorre frequentemente com
o verbo estar seguido de sintagma preposicionado com a noção de companhia
como algo transitório: “estar com”. Entretanto, em alguns casos em que essa
estrutura ocorre, o verbo estar pode ser utilizado com a noção de permanência
a partir de dado momento, e pode indicar, inclusive, no uso do português
brasileiro, o relacionamento amoroso entre duas pessoas. A seguir, alguns
casos:
(04) “(...) uma vez ela disse que estava andando/ estava com a... irmã
dela... aí ela estava andando... no... no cavalo... né? a irmã dela
também... aí de repente quando a irmã dela... andou... deixou ela (aí ) o
cavalo disparou... perdeu o freio... ela caiu... ela foi até ( ) ela correu ( )
quase a fazenda inteira... [e caiu...] do cavalo...” (Corpus D&G Juiz de
Fora, p. 63) (61)
(04a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter a companhia de”.
(04b) Na dimensão proposicional, o locutor narra um acidente que ocorreu com
uma mulher porque o cavalo em que esta estava montada saiu em disparada,
correndo a fazenda inteira, fazendo com que ela caísse de cima dele.
(04c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor representa o papel de
relator da narrativa de uma situação ocorrida com uma mulher que sofreu um
pequeno acidente ao cair de um cavalo que correu descontroladamente.
Depreende-se que, provavelmente, ambos, a pessoa e o animal, não estavam
acostumados um com o outro. Nesse caso, o verbo estar não é
ressemantizado, pois está exprimindo a noção temporária de companhia.
233
(05) “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos
séculos!” (13)
(05a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter a companhia de”.
(05b) Na dimensão proposicional, o locutor (Jesus) afirma que estará com os
discípulos todos os dias, até o fim dos tempos.
(05c) Na dimensão pragmático-discursiva, há o fragmento de um texto
religioso, retirado da bíblia sagrada. Nesse trecho, Jesus, após sua
ressurreição e pouco antes de subir definitivamente para junto de Deus, dá aos
discípulos a missão de pregar o evangelho a todos e lhes promete que estará
com eles todos os dias, até a consumação dos séculos. Os discípulos, nessa
passagem, representam todos aqueles que abraçaram essa missão deixada
por Jesus. Nesse caso, o verbo estar assume a noção de permanência: a partir
daquele momento, Jesus ficará com eles. Portanto, há ressemantização desse
verbo.
(06) “Sem saber que um dos fotógrafos estava com a câmera ligada, a
atriz afirmou estar solteira e ao ser perguntada se voltaria para o exmarido questionou: "Voltar para ele? Ele tá com a Isis. Como vou voltar
para ele?". (17)
(06a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, com apagamento da primeira sílaba, o que é
representativo da variedade padrão real, e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “manter relação conjugal”. A escolha da
expressão estar com X indica que a relação entre o homem e Isis, não sendo
matrimonial, não é tão sólida ou permanente, ou, ainda, que a relação teve
início há pouco tempo e, por isso, ainda não se consolidou.
(06b) Na dimensão proposicional, uma atriz informa que não voltaria com o exmarido pelo fato de ele já estar se relacionando com outra atriz.
234
(06c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre uma entrevista, com ensaio
fotográfico, direcionado à algum meio de comunicação direcionado ao público
que gosta de saber sobre a vida dos famosos, no âmbito profissional e no
pessoal. A equipe que realizou esse trabalho demonstra certa falta de ética,
verificada no trecho “Sem saber que um dos fotógrafos estava com a câmera
ligada (...)”. A intenção dessa estratégia certamente foi provocar uma resposta
real da atriz, que, talvez, preferisse não comentar sobre o assunto se soubesse
que havia uma câmera ligada no momento em que essa pergunta foi feita. Em
sua resposta, a atriz deixa implícito que voltaria com o ex-marido se ele não
estivesse com outra. Nesse caso, há ressemantização do verbo estar, mais
especificamente da construção estar com, que não indica simples companhia,
mas um relacionamento amoroso entre um casal.
B)
Sentido locativo
A estrutura locativa com esse mesmo sentido normalmente ocorre com
estar + em, podendo também, em algumas circunstâncias, ocorrer com o verbo
ser. A estrutura com estar ocorre com entidades animadas ou inanimadas,
móveis ou imóveis, e até mesmo com eventos (festas, exposições, feiras etc.),
e é tratada por Arrais (1984) como estativa básica, pois exprime o sentido
original das construções ditas locativas.
(07) “O escritório de desenvolvimento do Orkut, que conta com algo em
torno de 50 engenheiros, fica em Belo Horizonte. As áreas comerciais e
financeiras estão em São Paulo. Essa nacionalização de uma rede que já
almejou ser global mostra bem o que o Brasil representa para o Orkut:
seu último foco de resistência, o único país em que ele ainda é o líder em
número de usuários.” (18)
(07a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ficar situado; localizar-se”.
235
(07b) Na dimensão proposicional, o locutor informa que o escritório de
desenvolvimento de determinada rede social tem aproximadamente 50
engenheiros e se localiza em Belo Horizonte, enquanto que as áreas
comerciais e financeiras dessa rede localizam-se em São Paulo, e que essa
rede tem o Brasil como último local onde ainda é o líder em número de
usuários.
(07c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre uma notícia do discurso
jornalístico que retrata a crise de uma rede social que já esteve presente em
vários países, almejando ser global, e que, agora, só tem influência no Brasil. A
manutenção de departamentos físicos no Brasil é uma tentativa de salvar a
rede social do enfraquecimento e de uma possível extinção no país, onde ainda
lidera em número de usuário, e comprova que há grande investimento e
esforço por parte da empresa para salvar sua liderança no país. Neste caso,
não há ressemantização de estar.
(08) “então tem um cantinho... que tem uma luminária... que já foi feita
pra/ aquele cantinho pra inverno... pra frio... então ele é gostoso... então
pra você ler um livro... você:: ouvir um walkman... passar uma revista... ou
então até você ( ) assim... você está num cantinho tão gostoso... que todo
mundo chega... vai e procura o cantinho...” (Corpus D&G Rio de Janeiro,
vol 1, p.4) (104)
(08a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em certo momento ou lugar,
transitoriamente)”.
(08b) Na dimensão proposicional, o locutor descreve um pequeno local onde
ele gosta de ficar e onde é possível “ler um livro”, “ouvir um walkman” ou
“passar uma revista”.
(08c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor representa o papel de
quem confessa para seu interlocutor o que lhe é agradável e lhe dá felicidade:
236
um cantinho “gostoso” onde ele gosta de ficar. Neste caso, não há
ressemantização de estar.
(09) “(...) eu gosto muito dessa orla daqui... bom... e é basicamente...
saindo da minha casa chega na praia... tem uma subida... que vai
beirando o mar... né? você:: vai subindo em direção ao MAC [Museu de
Arte Contemporânea – Niterói –RJ] ... tem::/ onde está o MAC... o MAC
está em cima... embaixo tem... um... um::/ umas cavernas...” (...) (Corpus
D&G Niterói, p.4) (98)
(09a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ficar situado; localizar-se”. O uso de estar nessa
locativa pressupõe o movimento de alguém até a localidade pretendida.
Contata-se nesse exemplo o que Arrais (1984) denomina posição espacial
relativa: a posição do Museu de Arte Contemporânea (MAC) é dada em relação
à posição das cavernas, e tal posição pode ser intercambiada. Assim:
 O MAC está em cima (ou acima) das cavernas.
 As cavernas estão embaixo do MAC.
(09b) Na dimensão proposicional, o locutor descreve o caminho da casa dele
até a praia, de onde se pode ter acesso ao MAC [Museu de Arte
Contemporânea – Niterói –RJ], que fica em cima de umas cavernas.
(09c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor representa o papel de
quem, em uma conversa informa, descreve um lugar que fica localizado perto
de sua casa e do qual ele gosta muito. Trata-se de uma orla de onde, subindo,
chega-se ao MAC [Museu de Arte Contemporânea – Niterói –RJ]. Ao descrever
esse lugar, o locutor procura transmitir ao interlocutor a mesma visão que ele
próprio tem. Neste caso, não há ressemantização de estar.
(10) I: “a minha avó estava andando de carrinho... minha avó... aí... ela...
foi no banheiro... ela aí ela foi andar... ela caiu... e quebrou as costelas...
“E: é::... tadinha... e ela está triste?
237
I: está... ela queria ficar andando... queria passear... que ela joga...
baralho... aí não tem mais jeito dela jogar baralho... porque está na
cama...” (Corpus D&G Juiz de Fora, p.65) (62)
(10a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em determinada posição
momentânea)”.
(10b) Na dimensão proposicional, o locutor afirma que a avó está triste porque
caiu no banheiro, quebrou as costelas e, agora, está na cama e impossibilitada
de andar, passear e jogar baralho, atividades que ela gosta muito.
(10c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor mostra-se compadecido
com a situação da avó, que sofreu um acidente em casa e agora não pode
realizar algumas atividades. Depreende-se que a senhora tinha uma estrutura
corporal frágil, o que facilitou o acidente. A locativa é literal, pois diz respeito a
alguém que está na cama, mas, ao mesmo tempo, pode ser conotativa, porque
se trata de uma senhora, com perda óssea e que, por ter fraturado uma parte
do corpo, dificilmente conseguirá se recuperar. Nesse caso, pode-se considerar
como permanente, já que um idoso, quando cai, dificilmente levanta.
(11) “(...) a escala do time deveria ser outra ... porque tem várias pessoas
que sabem jogar e estão no banco ... de reservas ...” (Corpus D&G Natal,
p.190) (81)
(11a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em determinada posição
momentânea)”.
(11b) Na dimensão proposicional, o locutor informa que discorda da escalação
de um time de futebol feita por um técnico, pois há excelentes jogadores que
estão no banco de reservas.
238
(11c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor discorda da escalação de
determinado time. Ele afirma para seu interlocutor que há jogadores que não
jogam tão bem, mas foram escalados, ao passo que há jogadores que sabem
jogar, mas estão “estacionados” no banco de reservas. No futebol, estar no
banco de reservas não significa apenas que o sujeito está literalmente sentado
nesse banco, mas que ele não jogará na partida mais próxima. Nesse caso,
pode-se entender tanto que as pessoas estão, literalmente, sentadas no banco
de reservas no momento da partida, quanto que já foram escolhidas para estar
no banco, ou seja, não jogarão no dia da partida. Desse modo, ocorre
ressemantização do verbo estar: estar no banco = não ser convocado para
atuar em determinada partida.
(12) “(...) aí depois que eu passei pra essa religião... essa outra religião
que é cristão... aí mudou mais minha vida...... eu sou um rapaz calmo...
eh... mais tímido... quando eu estava... estava no mundo... eu era muito...
muito saído... muito pra frente...” (Corpus D&G Rio de Janeiro, vol 2, p.
125) (112)
(12a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em certo momento ou
lugar, transitoriamente)”.
(12b) Na dimensão proposicional, um homem afirma ser calmo e tímido
atualmente, diferente do passado, quando “estava no mundo” e era “muito
saído”.
(12c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor representa o papel de
quem
se autoafirma como um rapaz calmo e tímido, mas explica que nem sempre foi
assim: quando “estava no mundo, era muito saído”. Desse modo, houve uma
mudança de conduta desse sujeito por ter assumido uma crença religiosa.
Embora denote a estadia de uma pessoa em um lugar – o mundo –,
argumentativamente estar no mundo tem o sentido de se preocupar com as
239
coisas do mundo em detrimento de se preocupar com as coisas de Deus.
Portanto, há ressemantização.
(13) “Sete Lagoas em Belo Horizonte não recebe... eh:: delinqüentes
menores de outra cidade... e acabam ficando impune... e eles roubam
hoje e amanhã estão na rua... roubam... estão na rua... porque::... no
Estatuto da Criança e do Adolescente não pode/ não deixa o... o menor
ficar preso... em delegacia... em qualquer sa/ cela...” (Corpus D&G Juiz de
Fora, p.18) (63)
(13a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em certo momento ou lugar,
transitoriamente)”.
(13b) Na dimensão proposicional, é expressa a informação de que a cidade de
Sete Lagoas, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), não recebe
menores infratores de outra cidade. Há a justificativa por parte do locutor de
que esses menores continuarão cometendo infrações porque, segundo o
Estatuto da Criança e do Adolescente, eles não podem permanecer presos em
delegacias ou celas comuns.
(13c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor expressa sua opinião ao
seu interlocutor, mostrando-se indignado com o fato de determinado município
de Minas Gerais não receber, nas instituições próprias, menores infratores de
outras cidades, e estes ficarem impunes. Na opinião do locutor, outro facilitador
da impunidade desses menores é a lei vigente no Brasil. Para ele, o Estatuto
da Criança e do Adolescente acaba protegendo esses “delinqüentes menores”,
que cometem infrações, mas não permanecem presos. A expressão “estão na
rua” tem uma estrutura locativa, porém, argumentativamente, expressa mais
que isso: significa que os menores ficam soltos e que permanecem na rua
mesmo que cometa infrações. A expressão estar na rua, neste contexto, tem o
sentido de estar solto ou fora da prisão. Portanto, houve ressemantização de
estar.
240
(14) “Atualmente a festa está na Vila Madalena, muito bem localizada, a
casa possui 03 andares, sendo a pista ampla situada em seu piso térreo.”
(19)
(14a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em certo momento ou lugar,
transitoriamente)”.
(14b) Na dimensão proposicional, o locutor informa que determinada festa vem
ocorrendo em uma casa na Vila Madalena, afirmando que a casa é muito bem
localizada e que tem três andares além do térreo, que é onde se encontra uma
ampla pista de dança.
(14c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor informa onde uma festa
vem ocorrendo atualmente e opina, atribuindo valor positivo ao local onde a
festa
está
ocorrendo.
Depreende-se
que
essa
festa
não
ocorre
permanentemente em um lugar: atualmente, ela está na Vila Madalena e
ocorre um uma casa grande, onde cabem muitos convidados, mas já ocorreu
em outros lugares. Muito embora Arrais (1984) tenha sugerido que a estrutura
representada nesse exemplo seja possível, e, de fato, ela não soa estranha em
português brasileiro, nota-se que o verbo estar funciona com o evento “festa”
apenas se este for itinerante, assim como feiras ou exposições. Nesse caso, o
verbo estar foi ressemantizado: a festa está em = a festa ocorre em.
C)
Sentido temporal
A estrutura locativa com sentido temporal é formada por estar +
sintagma preposicional introduzido pela preposição por. Esse sintagma exprime
a noção de período de tempo delimitado. Justamente por sua transitoriedade
aparente, a estrutura locativa temporal não funciona com o verbo ser.
241
(15) “Estivemos por 4 dias [na fazenda], adoramos tudo, principalmente o
atendimento e atenção, o carinho com nosso pequeno, que fala todos os
dias que quer ir na fazenda rsrs...” (20)
(15a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
plural do pretérito perfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em certo momento ou
lugar, transitoriamente)”. Focaliza-se o período de tempo da estadia.
(15b) Na dimensão proposicional, o locutor informa a seu interlocutor que
passou quatro dias em uma fazenda com a família, e que todos gostaram
muito.
(15c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre uma avaliação de um local
turístico. O locutor exprime sua satisfação por um passeio que fez a uma
fazenda com sua família. Sugere ao interlocutor que, certamente, retornará
outras vezes ao local por ter gostado muito da hospitalidade com que foi
recebido e pelo carinho com que seu filho pequeno, que, segundo relato do
locutor, também gostou muito do passeio, foi tratado. No ato ilocucional, há um
convite para que o interlocutor também vá conhecer o local. O período de
tempo indicado foi suficiente para que o locutor comprovasse a hospitalidade
oferecida pela fazenda. Nesse caso, o verbo estar é utilizado com o sentido
temporário, e, portanto, não há ressemantização.
(16)
“HDT [Hospital de Doenças Tropicais – Goiânia-GO] considera remota
possibilidade de mulher internada estar com vírus Ebola
Paciente esteve por dez dias em Moçambique e apresentou sintomas
semelhantes ao da doença, como febre e diarreia.(...) O país não é foco
do surto da doença, mas por estar localizado no continente africano ela foi
orientada a procurar atendimento de saúde especializado caso
apresentasse sintomas.” (21)
(16a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito perfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
242
conteúdo vocabular, com o sentido de “encontrar-se (em certo momento ou
lugar, transitoriamente)”. Focaliza-se o período de tempo da estadia.
(16b) Na dimensão proposicional, há a notícia de que uma paciente, embora
tenha ficado dez dias em Moçambique, muito provavelmente não contraiu o
ebola, já que o país não é considerado foco da doença, mas que, por ter
apresentado sintomas parecidos com os dessa doença, teve de procurar
atendimento de saúde especializado.
(16c) Na dimensão pragmático-discursiva, a notícia dada visa a tranquilizar os
interlocutores, que temem um possível surto de ebola no Brasil, afirmando que
não há perigo de a paciente citada ter contraído ebola em Moçambique, apesar
dos sintomas apresentados por ela, não podendo, portanto, transmiti-lo. O
temor por essa doença infecciosa se deve ao fato de que pode ser fatal e de
sua cura, até o momento, ainda estar sendo estudada. O período de tempo que
a paciente passou no país africano é determinado por dez dias porque é um
tempo considerável, mais que suficiente para que a paciente contraísse a
doença. Nesse caso, o verbo estar é utilizado com o sentido temporário, e,
portanto, não há ressemantização.
4.2.2.2
Estrutura modal
Na estrutura modal, de acordo com Castilho (2014), o verbo estar vem
seguido de um advérbio que indique modo. O autor exclui desse uso os
advérbios terminados em –mente. Verifica-se que, nessa estrutura, o advérbio
modaliza o verbo. A seguir, alguns casos:
(17) “Benítez elogia o Real Madrid: ‘estamos bem, melhor do que as
pessoas pensam’
O técnico Rafa Benítez revelou nesta sexta-feira que considera que o
Real Madrid já se recuperou da goleada sofrida diante do Barcelona por 4
a 0 há duas semanas, após vitórias sobre Shakhtar Donetsk, Eibar e
Cádiz, e que o time não merece tantas críticas quanto vem recebendo. "
(22)
243
(17a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical. Na dimensão
lexical, o verbo estar exprime o sentido de “ter ou apresentar (certa condição
física, emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(17b) Na dimensão proposicional, o técnico desse time de futebol declara ao
entrevistador que, embora seu time tenha sofrido uma goleada, está melhor do
que as pessoas pensam, pois já ganharam outras partidas após a referida
goleada, e sendo assim, as críticas sobre o time são injustas.
(17c) Na dimensão pragmático-discursiva, o entrevistador questiona o
entrevistado, que é o técnico de um time de futebol, a respeito de uma derrota
sofrida pelo time em uma partida. O entrevistado reage e defende que seu time
“está bem”, ou seja, se recuperou e já venceu três partidas após a “goleada”.
Por essa razão, afirma que as críticas que seu time vem recebendo são
injustas. Nesse caso, há ressemantização do verbo estar, pois é usado com
valor de reiteração de um sucesso próximo (= repetição).
(18) “Na minha opinião, educar em casa é um luxo. Não é uma opção
para todos. Mas se você puder arcar com os custos é a melhor educação
que uma criança pode ter. Para começo de conversa, você prefere que
seus filhos passem o dia inteiro com professores mal-pagos (sic) que
trabalham demais ou com a mãe que cuidará deles melhor que qualquer
um? Eles estão melhor com a mãe, é claro, já que ela tem o bem-estar
dos filhos como prioridade.” (23)
(18a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
plural do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(18b) Na dimensão proposicional, o locutor afirma para seu interlocutor que
nem todos têm condições de educar os filhos em casa, fora da escola, mas
que, para aqueles que têm, essa seria a melhor opção, já que a mãe tem o
bem-estar dos filhos como prioridade.
244
(18c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor se posiciona acerca da
polêmica de educar ou não os filhos em caso, em vez de em uma escola. Ele
afirma para seu interlocutor que a educação em casa é para poucos, já que
requer dedicação exclusiva da mãe para esse fim. Apesar disso, um professor,
que, muitas vezes, não é bem pago e já está desanimado com sua profissão,
não cuidaria tão bem de uma criança como sua própria mãe. Verifica-se que,
nesse caso, melhor não se trata de um adjetivo, mas de um advérbio, já que,
mesmo o sujeito estando no plural, não varia. Desse modo, houve
ressemantização aspectiva, pois o verbo estar, com aspecto transitório, é
usado com aspecto permansivo.
(19) “Por algum milagre, até que não está mal o Oscar 2016. Se não há,
entre os oito indicados a melhor filme, nenhum à altura de "Sniper
Americano", do esnobado Clint Eastwood, temos ao menos cinco bons
longas - em 2015 eram três” (24)
(19a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(19b) Na dimensão proposicional, o locutor avalia como positivo o fato de entre
os oito filmes indicados ao Oscar 2016 haver cinco filmes realmente bons,
enquanto que, em 2015, esses filmes realmente bons eram apenas três.
(19c) Na dimensão pragmático-discursiva, um crítico de cinema redige sua
opinião a respeito do Oscar 2016 para seus leitores, cuja premiação, naquele
momento, está prestes a acontecer. De acordo com sua opinião, o Oscar deve
ser atribuído ao filme Sniper Americano, que é um entre os oito indicados a
melhor filme do ano. O crítico estabelece uma comparação entre o número de
filmes bons indicados em 2016 e em 2015, opinando que, em 2016, o Oscar
está um pouco melhor do que no ano anterior. Embora o Oscar seja uma
premiação anual, e, portanto, com aspecto transitório, o locutor se refere à
245
produção cinematográfica de 2016, que, nesse caso, tem aspecto permansivo,
tornando-se parâmetro de avaliação permansiva em relação a futuros Oscars.
Nesse caso, há ressemantização aspectiva, pois o aspecto transitório do verbo
estar é usado com valor permansivo em relação a um parâmetro do Oscar
dado em 2016.
4.2.2.3
Estrutura atributiva
Na estrutura sintática atributiva, o verbo estar é usado como a ligação
predicativa entre um sujeito e um predicativo. Este pode ocorrer tanto como
adjetivo ou sintagma adjetival, quanto como um sintagma preposicionado.
Nesse caso, o predicado é atualizado por um adjetivo que pode ou não ocorrer
circunstanciado.
A)
Com sintagma adjetival8
A estrutura formada com sintagma adjetival logo após o verbo
copulativo é a mais típica das estruturas atributivas e, por essa razão, a mais
frutífera, considerando-se a imensa quantidade de adjetivos existentes em
língua portuguesa. Para esta análise, foram escolhidos apenas alguns casos
como protótipos do funcionamento do verbo estar + sintagma adjetival:
(20) “Maria Casadevall conversou sobre vida pessoal com Angélica
durante uma gravação do programa "Estrelas". Apesar dos boatos de
envolvimentos com Caio Castro, a atriz de "Amor à Vida" garantiu que
está solteira e afirmou que gosta de se dedicar aos relacionamentos
amorosos.” (25)
(20a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
Segundo Castilho (2014), um único adjetivo, em uma oração, pode ser denominado sintagma
adjetival (Cf. CASTILHO, 2014, p.516-517). Isso significa que esse sintagma pode ser
representado tanto por X é incrível, quanto por X é bonita e muito simpática, entre outros
exemplos. Arrais (1984) também considera essa terminologia. O autor afirma que, “(...)
qualquer que seja o tipo de sintagma que siga a cópula nas frases atributivas, esse terá o
valor constante de Adjetivo.” (grifo nosso).
8
246
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(20b) Na dimensão proposicional, há uma entrevista em que uma atriz informa
estar solteira, apesar de boatos sobre seu relacionamento com um colega de
profissão, embora ela afirme gostar de se dedicar aos relacionamentos
amorosos.
(20c) Na dimensão pragmático-discursiva, há uma entrevista de uma atriz
durante um programa de variedades que mostra a rotina de pessoas famosas.
A entrevistada desmentiu boatos de um suposto relacionamento com um
colega de elenco e, apesar disso, afirma gostar de se dedicar a
relacionamentos amorosos, ou seja, não é uma solteira convicta. O uso de
estar solteiro(a) pode se dar quando se quer expressar que alguém mantinha
um relacionamento com alguém e que, no momento, encontra-se solteiro, não
tendo isso como “estado de espírito”, mas como um momento apenas. Pode-se
aplicar aqui o proposto por Bull (1965 apud SCHMITZ, 1974) acerca da
mudança e não mudança.
Maria namora Maria separou-se A partir disso: Maria está solteira.
Nesse caso, o verbo estar é usado com aspecto transitório, não havendo
ressemantização.
(21) “Mas nunca fui de comer muito de manhã, então, sobretudo depois
que eu procurei, vamos dizer, evitar engordar, ou, inclusive, eu consegui
perder um pouco de peso, porque eu estava um pouco gorda (...)”
(NURC/ RJ 0253). (58)
(21a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
247
(21b) Na dimensão proposicional, a locutora se refere a dois tempos, sendo
que, no primeiro, estava um pouco mais gorda que no tempo seguinte, pois
conseguiu perder um pouco de peso.
(22c) Na dimensão pragmático-discursiva, a locutora afirma para seu
interlocutor que no momento atual está menos gorda que no tempo anterior,
pois perdeu um pouco de peso depois de controlar a alimentação, o que
incluiu, também, diminuir ainda mais o café-da-manhã. Estar gordo(a) é uma
característica adquirida, e que provocou uma mudança no sujeito, de magro
para gordo. Pode ser um período curto ou se prolongar, e, neste caso, o sujeito
não “estará gordo”, mas “será gordo”. Repete-se a seguir o esquema baseado
na noção de mudança e não mudança proposto por Bull (1965 apud SCHMITZ,
1974):
Maria está gorda = Maria era magra e ficou gorda
Maria é gorda = Maria estava gorda  permaneceu gorda  é gorda.
Nesse caso, não há ressemantização do verbo estar.
(22) “(...) Meu filho está alto.” (CASTILHO, 2014). (05)
(22a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(22b) Na dimensão proposicional, o locutor afirma que seu filho, em fase de
crescimento, já está alto.
(22c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre uma conversação na qual o
locutor afirma para seu interlocutor uma progressão no crescimento de seu
filho, caracterizando-o, no momento da enunciação, como “alto”. Ocorre a
ressemantização aspectiva, pois o verbo estar, com aspecto transitório, é
usado com aspecto progressivo, ficando implícito, pelo uso de estar, que o
jovem continuará a crescer. Nesse caso, pode-se considerar o proposto por
248
Bull acerca da mudança e não mudança (1965 apud SCHMITZ 1974), pois
notou-se uma mudança em relação a um estado anterior: o sujeito era baixo,
cresceu e, agora, devido ao aumento de estatura, está alto. No entanto,
quando a altura é uma característica intrínseca a determinada entidade, utilizase o verbo ser:
A montanha é alta, mas NUNCA A montanha está alta (poeticamente, até se
poderia dizer algo do tipo A montanha está ainda mais alta.). No caso
analisado, não há ressemantização do verbo estar.
(23) “Minha história em relação a isso [ser uma mulher muito alta] é longa,
mas só p citar um episódio, ja simulei q tinha tomado tombo e virado de
pé só para colocar uma havaiana q estava no carro, em uma festa esporte
fino, devido a um homem (ahhhh sempre eles) q eu estava afim na época,
e passou do meu lado e disse “nossa como vc esta alta (sic) assim da até
medo”!!!! hahaha com essas palavras…só sei q manquei a festa inteira de
havaianas (pra n rolar nada)… (sic)” (26)
(23a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(23b) Na dimensão proposicional, a locutora, que considera como negativo o
fato de ser alta demais, narra uma situação na qual um rapaz, objeto de seu
interesse na época, disse-lhe que sua altura naquele dia era tão grande que lhe
causava medo. Ela, já complexada, finge ter torcido o pé para retirar seus
sapatos de salto alto e substituí-los por chinelos, o que não surtiu efeito.
(23c) Na dimensão pragmático-discursiva, em uma conversação, a locutora,
que se julga muito alta e se avalia negativamente por isso, afirma para seu
interlocutor que já passou por situações muito desagradáveis para ela, com
relação a conseguir um namorado, nas quais não houve sucesso devido à sua
altura. Situa um episódio em que foi a uma festa e o homem pelo qual tinha
interesse, ao vê-la de salto alto, diz que ela está tão alta que lhe dá medo. Ela
então, finge ter torcido o pé e coloca chinelos para parecer mais baixa e, ainda,
249
assim, não obtém sucesso. Nesse caso, o verbo estar foi ressemantizado, pois
a altura da locutora não tem aspecto transitório, mas permansivo. Houve
também a ressemantização de estar alta = estar de salto alto = ficar mais alta
(mudança de estado). Quanto ao adjetivo alto(a), no caso das mulheres, que
costumam usar salto, é comum que se faça referência a elas como estando
altas. Desse modo, havendo algum artifício que permita, de algum modo, que
uma entidade ganhe altura, pode-se usar estar:
O muro está (mais) alto, mas NUNCA O muro está alto hoje.
(24) “Sintomas como dor de cabeça e tontura são capazes de indicar que
a pressão arterial está baixa (hipotensão), mas podem ser também sinais
de hipertensão (pressão alta).” (27)
(24a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(24b) Na dimensão proposicional, há a informação de que dor de cabeça e
tontura podem ser sintomas tanto de pressão baixa quanto de pressão alta.
(24c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor informa a seu interlocutor
que dor de cabeça e tontura podem ser sintomas tanto de pressão alta quanto
de pressão baixa. O uso de estar indica que há uma mudança na pressão
arterial que foge ao padrão, sendo, portanto, temporária, e podendo apresentar
mudança dependendo dos cuidados da pessoa afetada. Desse modo, não há
ressemantização do verbo estar.
(25) “O que é que quando está branco está sujo e quando está preto está
limpo?” (28)
(25a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
250
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(25b) Na dimensão proposicional, há uma pergunta sobre o que é que, quando
se apresenta branco, está sujo e, ao contrário, quando está preto, está limpo.
(25c) Na dimensão pragmático-discursiva, há um jogo conhecido como
“adivinha”, ou “o que é, o que é”, no qual o locutor, ao fazer a pergunta sobre a
entidade alvo da adivinhação, procura fazê-la de forma figurada, com jogos de
palavras de dificultem a descoberta. A resposta da adivinha deste exemplo é
“quadro-negro”. Para dificultar essa resposta, foi necessário associar
“brancura” a “sujeira”, e “pretura” a “limpeza”, ao contrário das noções
existentes no imaginário brasileiro de que o que é branco é limpo e o que é
preto é sujo. No que se refere ao quadro-negro, “estar preto” é o uso do verbo
estar com aspecto permansivo, ocorrendo, assim, a ressemantização aspectiva
de estar. Entretanto, referindo-se a “branco”, a “sujo”, a “preto” e a “limpo” o
verbo estar tem aspecto transitório.
(26) “Uma vez que você está branca é muito difícil tomar aquele solzinho
no sábado, por 3 horas, e ficar bronzeada. Eu fico vermelha. [...] prefiro
continuar branca do que ser uma tostada tentativa de bronze mal
sucedida (sic)” (29)
(26a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(26b) Na dimensão proposicional, a locutora afirma julgar inconveniente que
uma pessoa que esteja há muito tempo sem tomar sol fique exposta por três
horas a ele, pois ficará tostada, com um bronzeado malsucedido, e
avermelhada.
251
(26c) Na dimensão pragmático-discursiva, a locutora dialoga com interlocutores
expressando seu julgamento a respeito de pessoas que estão sem tomar sol
há muito tempo, advertindo-as, a partir de sua própria experiência, que
dificilmente ficarão bronzeadas, como querem, sob o sol, mesmo que durante
um longo tempo. Segundo o julgamento da locutora, ela prefere ficar sem
tomar sol a ficar vermelha e com bronzeado malsucedido. O verbo estar é
usado com valor de uma transitoriedade predicativa que tem certa duração.
(27) “A Andréa quando chegou em casa, às oito horas da manhã,
encontrou o pai dela já acordado, e ele não acreditou no que estava
vendo:
- Minha filha você está preta!
- É eu bati de carro.
- O que você bateu com o meu carro!
- Não pai foi o Daniel que bateu com o carro dele.
- Ah bom! Vai tomar banho e durmir. (sic)”
(Corpus D&G Rio de Janeiro, vol. 1, p.48). (105)
(27a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(27b) Na dimensão proposicional, há um diálogo entre pai e filha, no qual a filha
explica para o pai que está preta em decorrência de uma batida de carro, não
com o dele, mas com o do Daniel. O pai fica satisfeito e sugere à filha que ela
tome banho e vá dormir.
(27c) Na dimensão pragmático-discursiva, há um diálogo entre um pai e uma
filha. O pai fica assustado ao ver a filha “preta”, provavelmente por causa da
fuligem produzida pelo acidente, mas fica ainda mais assustado ao pressupor
que o acidente se dera com o carro dele. Pelo último turno dialógico,
depreende-se que o pai não estava preocupado com o estado de saúde da
filha, mas com o estado de seu carro, que pensou estar com ela. Nesse caso,
não há ressemantização do verbo estar.
252
(28) “(...) porque o problema do Brasil é esse... a pessoa pensar
pequeno... então eu acho que é isso... a pessoa deve estar sempre
pensando pra frente... entendeu? deve estar sempre procurando
melhorar... porque eu te/ posso te garantir uma coisa... a situação está
preta... está caótica... entendeu? não sei se::... daqui a uns tempos... os
seus filhos... entendeu? de repente vão ter condições... de estudar numa
mesma faculdade que você... ou eu... de repente vou ter a mesma
condição de pagar uma faculdade pro meu filho... entendeu?” (Corpus
D&G Rio de Janeiro, vol. 1, p.57). (106)
(28a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(28b) Na dimensão proposicional, o locutor expõe uma opinião para seu
interlocutor. Segundo esse locutor, a situação do Brasil está caótica e isso se
deve ao fato de as pessoas, no Brasil, não pensarem “pra frente” e não
procurarem melhorar, o que, segundo ele, é um problema. Ele acredita que as
futuras gerações não terão as mesmas condições que seus pais de frequentar
o ensino superior pago.
(28c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre um diálogo em que o
interlocutor estabelece dois tempos: 1- a situação do Brasil está crítica; 2- a
situação do Brasil continuará crítica. Na opinião dele, se as pessoas não
pararem de pensar pequeno, a situação atual tenderá a se tornar ainda pior, de
modo que as futuras gerações não terão as mesmas condições financeiras que
seus pais tiveram no passado. Depreende-se que, para esse locutor, os
brasileiros têm mentalidade pequena e atrasada, e que, de certa forma, são
culpados pela situação em que o país se encontra na ocasião do diálogo. No
Brasil, geralmente, a cor preta (ou negra) é associada a algo negativo. Nesse
caso, o locutor quis expressar que a situação está ruim, e utilizou a expressão
“a situação está preta”. O verbo estar é usado com a ressemantização, de
aspecto cursivo para continuativo.
253
(29) “... aí/ a casa é bem grande... é espaçosa... dá para fazer muita
bagunça... é::... pintada de verde mas já está preta de tanto a gente meter
a mão na parede...” (Corpus D&G Rio de Janeiro, vol. 2, p.5). (113)
(29a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(29b) Na dimensão proposicional, o locutor descreve, para o interlocutor, uma
casa, que é grande e cujas paredes verdes estão encardidas.
(29c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor descreve para o
interlocutor uma casa bem grande em dois tempos: 1- casa com paredes
pintadas na cor verde; 2- paredes com a cor verde, porém, pretas de sujeira em
virtude de as pessoas colocarem a mão nelas. Nesse caso, o verbo estar é
ressemantizado com o sentido de “ficar”, ou seja, mudança de estado.
(30) “depois que a areia assenta ... e já faz já uns três ou quatro meses ...
que Daniela Perez faleceu ... que Deus o tenha ... aí o pessoal tá mais
calmo ... né ... já pensa com mais raciocínio ... e não com tanta emoção
...” (Corpus D&G Natal, p.116). (82)
(30a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(30b) Na dimensão proposicional, o locutor relata para seu interlocutor o estado
emocional do público telespectador da atriz Daniela Perez, afirmando que, no
momento da morte dela, o público estava revoltado, indignado, e que, depois,
com o passar do tempo, ficou mais “calmo”.
(30c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor se refere ao episódio da
morte da atriz Daniela Perez, que foi assassinada no início da década de 1990,
254
e à revolta que esse assassinato causou nas pessoas, por causa do modo e do
motivo pelo qual foi cometido. Passado algum tempo da morte da atriz, as
pessoas, apesar de não terem se esquecido o ocorrido, estavam mais calmas.
Por se tratar de dois tempos, o verbo estar é usado com o sentido de “ficar”,
expressando mudança de estado, sendo, portanto, ressemantizado.
(31) “(...) eu estava::/ era minha última prova né? era prova de química...
e eu estava nervosa... né? porque geralmente prova de recuperação é
muito difícil... né? e precisava tirar cinco nessa prova... mas não sabia se
ia tirar... (...) ” (Corpus D&G Rio de Janeiro, vol.1, p.91). (107)
(31a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(31b) Na dimensão proposicional, a locutora narra um momento em que se
encontrava nervosa por ter de fazer uma prova de recuperação de uma
disciplina considerada por ela como difícil.
(31c) Na dimensão pragmático-discursiva, a locutora relata uma ocasião em
que estava muito ansiosa por causa de uma prova de recuperação que teria de
fazer, e que talvez fosse muito difícil. Depreende-se que houve um tempo
passado, em que ela foi mal na prova, e um tempo atual, em que está nervosa
por ter de realizar uma prova de recuperação e não ter certeza de conseguir
alcançar a média necessária, pois avalia que a prova será difícil. Por se tratar
de um momento que antecede a prova, isto é, passageiro, o verbo estar é
usado com valor transitório, não havendo, portanto, ressemantização.
(32) “(...) eu era muito... muito... muito... sei lá... às vezes eu estava em
casa com minha irmã... e quando eu estava bêbado ninguém percebia
que eu estava bêbado... aí eu estava em casa uma vez com a minha
irmã... a minha irmã estava sentada lá... eu falei com ela... ela foi e me
respondeu... eu dei um tapa nela... um soco nela... ela foi e caiu nos meus
pés... dali eu... eu saí mesmo... ela falou que ia chamar a polícia pra
255
mim... e desse dia... eu passei a pensar mais na minha vida... depois eu
fiquei falando “por que eu fiz aquilo com ela? minha irmã...(...)” (Corpus
D&G Rio de Janeiro, p.125). (112)
(32a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(32b) Na dimensão proposicional, o locutor relata ao interlocutor uma situação
em que estava bêbado e agrediu a própria irmã, que ameaçou chamar a polícia
para ele. Após esse ocorrido, o locutor passou a pensar mais a respeito da vida
dele, ou seja, do fato de beber sempre e ficar agressivo em decorrência disso.
(32c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre uma conversação na qual um
narrador relata para seu interlocutor que, quando bebia, embora as pessoas
não percebessem que estava bêbado, tornava-se muito agressivo, de modo
que chegou a agredir a própria irmã, que ameaçou chamar a polícia para
prendê-lo. De acordo com o narrador, esse fato o levou a refletir sobre suas
atitudes e a parar de beber. Nesse caso, há ressemantização do verbo estar:
no tempo 1, quando o narrador bebia frequentemente, o aspecto transitório de
“estava bêbado” é ressemantizado em frequentativo. No tempo 2, em que
deixou de beber, “estava bêbado” é usado para referir-se a um estado
concluso, ou seja, foi ressemantizado.
(33) “... minha amiga... que estudou comigo no segundo período... eh...
eh... estava doente... assim:: muito.. né? [...] aí ficou/ aí ela ficou doente...
foi/ ficou internada no médico... monte de dias... aí daqui a pouco...aí
el/ela ficou boa...” (Corpus D&G Niterói, p.60) (99)
(33a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
256
(33b) Na dimensão proposicional, o locutor relata a condição física de uma
amiga, que estudava com ela no segundo período, em dois tempos: 1- estava
doente; 2- “ficou boa”.
(33c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre uma conversação na qual o
locutor relata que uma amiga sua ficou boa após ter sido internada doente.
Nesse caso, o verbo estar é usado para indicar que a doença é transitória, não
sendo, portanto, ressemantizado.
(34) “Vira e mexe, pessoas falam para outras: nossa, como você está
bonito hoje!!! As vezes (sic) eu tenho medo de dizer isso, pois a pessoa
pode interpretar como algo do tipo: quer dizer que nos outros dias você
não achava isso.” (30)
(34a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(34b) Na dimensão proposicional, o locutor manifesta preocupação em usar a
expressão “estar bonito hoje”, pois, segundo ele, seu interlocutor poderia
entender que não é, de fato, um elogio, mas uma agressão, na medida em que
este estaria sedo considerado feio, e apenas bonito em um dia específico, por
estar arrumado.
(34c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor afirma para seu interlocutor
que evita usar a expressão “você está bonito hoje”, pois a pessoa a quem ele
dissesse isso poderia entender tal uso como uma agressão, não como elogio.
No português brasileiro, em situação dialógica, frequentemente, o verbo estar é
usado no turno 2 para negar o turno 1, que é constituído pelo verbo ser:
Turno 1: - X é bonito.
Turno 2: - X está bonito.
Nesse caso, afirma-se que X não é bonito, mas está naquele dia porque está
produzido. Assim, o verbo estar é ressemantizado com valor de refuta.
257
(35) “Nossa, mãe, que chata! ((risos)) Eu não tô dizendo que você é::::
chata, mas você tá chata ((risos))!” (01)
(35a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(35b) Na dimensão proposicional, o locutor refuta um dito anterior – “você é
chata” – e afirma que, naquele momento, a mãe “está chata”.
(35c) Na dimensão pragmático-discursiva, há um diálogo entre o locutor e sua
mãe. No turno 2, o próprio locutor refuta seu turno 1, reconsiderando o dito
anterior: “Eu não tô dizendo que você é chata, mas você tá chata”. Nesse caso,
ocorre ressemantização do verbo estar, pois é usado como refuta do turno
anterior, ainda que seja por parte do mesmo locutor.
Ao tratar do uso dos verbos ser e estar, Schmitz (1974) afirma que há
adjetivos que, dependendo de seu conteúdo semântico, só ocorrem com um
verbo ou com outro. Os adjetivos prestes, pasmo(a), quite, prenha (por
conseguinte, grávida se inclui entre esses adjetivos) e presente ocorrem
apenas com estar: O autor também cita contente, cabisbaixo e alto(a), mas, no
uso do português brasileiro, é possível perceber que esses três últimos
ocorrem tanto com ser quanto com estar. Pode-se afirmar, assim, que exigem a
colocação desse verbo adjetivos que expressem características que não são
naturais à entidade, que são passageiras, temporárias/transitórias ou
facilmente mutáveis; em suma, que não expressem permanência.
258
B)
Com sintagma preposicional
A exemplo do que ocorre com o verbo ser, nesse tipo de estrutura o
verbo estar é seguido por sintagma preposicional de valor adjetival. Entende-se
que, gramaticalmente, no sistema, os verbos de ligação ligam um adjetivo ao
sujeito. No caso de ligarem um substantivo ao sujeito, ocorre o uso de uma
preposição para gramaticalizar o substantivo em adjetivo. A seguir, alguns
casos:
(36) “(...) eu fui viajar pra São Pedro da Al/ da Serra... e... minhas amigas
me convidaram para... eu... andar de cavalo... tudo bem... eu fui... era a
primeira vez que eu estava andando de cavalo... né? e o cavalo sem
querer... ele... ele se/ ele foi/ correu... e eu não queria que ele corresse...
porque eu era a primeira vez ... estava assustada... ele correu... e eu
comecei a chorar no cavalo... e quase que eu caía... (...) mas depois eu...
parei de chorar... e... continuei... a minha... a minha caminhada com o
cavalo... e logo depois... (...) veio um cara... que ele bateu no meu cavalo
atrás... o meu cavalo começou a correr... e eu falei “não... pára o cavalo...
pára o cavalo... que eu não quero que ele corra... porque eu estou com
medo...” minhas amigas começaram a dar gargalhadas... né?” (Corpus
D&G Rio de Janeiro, vol. 2, p.50) (114)
(36a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(36b) Na dimensão proposicional, uma jovem relata para seu interlocutor um
fato acontecido durante uma viagem com as amigas, com as quais aceitou
andar a cavalo, embora nunca tivesse andado. Por isso, assustou-se e ficou
com muito medo quando o animal correu.
(36c) Na dimensão pragmático-discursiva, uma jovem relata para seu
interlocutor o seu estado de medo resultante de, logo na primeira vez em que
estava montada. Nesse caso, o verbo estar é usado com sentido transitório, já
que o episódio termina com a parada do cavalo e seu apear, não sendo,
portanto, ressemantizado.
259
(37) “No caminho ocorreu um episódio que me deixou triste, comecei a
refletir a dor de uma das crianças dessa história, quando ela caía na
estrada por não ter mais capacidade física. E o seu pai era um homem
severo, e de poucas palavras, mandou imediatamente o garoto levantar.
Pensando ele que seu filho estava com manha. E a reação da criança era
gemer, enquanto o pai se movia para pegar a bainha e bater contra
aquele ser indefeso que se via sem objetivos. Pobre menino! não abria
sua boca nem se quer (sic) para dizer que seu corpo doía (sic), apenas
esperava as reações do pai.”
(Corpus D&G Natal, p.35) (83)
(37a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(37b) Na dimensão proposicional, o narrador se refere a um trecho do livro
Vidas Secas, de Graciliano Ramos, em que, durante a caminhada de uma
família em busca de água e alimento, o “menino mais velho” se sente exausto e
quase desfalece, caindo. O pai, acreditando que o garoto estava “com manha”,
bate nele, que, sem forças, não reclama.
(37c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor, ao narrar para seu
interlocutor um trecho do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, avalia-o
como um trecho que o deixa triste, porque ele começa a imaginar a dor sentida
pelo “menino mais velho”, ao ser espancado exausto, sem conseguir levantar.
O fato narrado retrata bem a vida dos retirantes nordestinos que, devido à
seca, são obrigados a se retirar, com grande sofrimento, em busca de água e
alimento. Nesse caso, o verbo estar se refere a algo transitório – estar com
manha –, não sendo, portanto, ressemantizado.
(38) “Aconteceu quando eu comecei a trabalhar em uma loja, foi quando
conheci uma garota com quem me simpatizei muito, e por trabalhar no
mesmo local, nós conversávamos muito, e mais tarde eu me apaixonei
por ela, e para declar-me (sic) para ela mandei uma carta numa sexta
feira (sic), depois de um longo passeio que fizemos juntos.
260
Já na segunda feira (sic) ela estava de cara amarrada comigo, e quando
tentei, conversar sobre o assunto, num instante em que estávamos a sós,
na cozinha, ela simplesmente não me respondia e quando chegou uma
colega dela; eu saí e foi quando ouví (sic) as palavras mais duras vindas
dela: "Ainda bem que você chegou!”, que me tocaram profundamente, me
deixando muito triste.”
(Corpus D&G Juiz de fora, p.23) (64)
(38a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(38b) Na dimensão proposicional, o locutor fala sobre as tristeza por se sentir
rejeitado por uma garota que ele conhecia e com a qual se simpatizou muito,
apaixonando-se por ela. Tal rejeição ocorre depois de ele ter mandado para ela
uma carta em que se declarava apaixonado, após um longo passeio que
fizeram juntos.
(38c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor relata para seu interlocutor
a rejeição com a qual a pessoa por quem ele se apaixonou o tratou após este
mandar para ela uma carta na qual se declarava apaixonado. Essa pessoa
trabalhava com ele e, após um período de conversas, o locutor acabou se
apaixonando. A rejeição é expressa por “ela estava de cara amarrada comigo”.
Nesse caso, o verbo estar é usado para expressar o comportamento da pessoa
com relação ao locutor. Sendo esse um comportamento transitório, o verbo
estar não foi ressemantizado.
(39) “(...) eu estudei oito anos aqui... conheço... a maioria dos professores
daqui... acho essa escola muito boa... principalmente agora que fez... a
qua::dra... fez reforma... né? apesar de... não poder usar ainda... é muito
boa... a diretora... também é muito boa... tem horas que... não dá muito
pra... agüentar com ela... quando ela está de muito mau humor... mas ela
é muito legal... ( )
(Corpus D&G Rio de Janeiro, vol. 2, p.24) (115)
(39a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
261
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(39b) Na dimensão proposicional, o locutor afirma gostar muito da escola onde
estuda, principalmente após a quadra esportiva ter ficado pronta, e que a
diretora é muito legal, mas é difícil suportá-la quando esta está de mau-humor.
(39c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre uma conversação em que o
locutor avalia como positivas tanto a reforma feita na escola, quanto a atuação
dos professores e da diretora. Contudo, afirma que a diretora, às vezes,
quando está de mau-humor, é insuportável. O verbo estar é usado para
expressar a transitoriedade da caracterização da diretora como mal-humorada
por vezes. No caso analisado, “estar de mau-humor” é um comportamento
transitório, e, por isso, o verbo estar não foi ressemantizado.
C)
Com sintagma nominal9
A estrutura atributiva formada com sintagma nominal, de modo geral,
identifica um membro de uma certa classe (X é médico; X é frequentador da
praia; sou estudante etc.), ou seja, há a noção de permanência ou constância,
e, por essa razão, usar-se-ia o verbo ser. Entretanto, no uso do português
brasileiro, foi possível encontrar ocorrências que contrariam esse padrão. Os
casos encontrados não podem ser considerados como erros, mas como
exemplos de estratégias utilizadas pelos falantes para indicar suas intenções
comunicativas. Isso é perfeitamente possível, já que a gramática não é
engessada e deve servir, primeiramente, aos propósitos comunicativos:
(40) (...) “Aproximo-me de mim mesmo. Há uma aflição imediata. Como é
difícil ler-me. Ao buscar essa autoleitura, sinto que meus cacos
despencam, pouco a pouco, ou mesmo simultaneamente, de modo que
não posso catá-los em um só reflexo. Então, descubro que ESTOU
Castilho (2014) considera como sintagma nominal tanto o nome sozinho quanto um
encadeamento formado por nome(s) (Cf. CASTILHO, 2014, p.453-455). Em português
brasileiro, considerando-se o verbo estar, podem ser encontrados casos como: Você está uma
coisa!; Meu filho está fera no futebol; O chefe não está muito católico hoje
9
262
estando, constantemente. Não SOU. Se fosse, não estaria
despedaçando. Estou universitário. Estou iguapense. Estou freqüentador
da Roça da Sabina. Estou poeta. Estou cientista. Estou lingüista. Estou
gramático.” (...) (15)
(40a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”, ou, ainda, “encontrarse (em certo momento ou lugar, transitoriamente)”.
(40b) Na dimensão proposicional, o locutor se define como alguém que, ao
realizar sua autoleitura, descobre-se em cacos que despencam, e que, por isso
está, e não é. Ele afirma, portanto ser transitório em suas caracterizações, não
permanente, havendo, continuamente, mudança de situações.
(40c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor fala sobre si mesmo,
expressando uma reflexão, afirmando ser transitório e nunca permanente em
suas situações caracterizadoras. Estas podem ser para atribuição de grau, de
profissões, de residência e de locais que frequenta. Faz-se interessante
observar que, no português brasileiro, o uso do verbo ser com valor
permansivo ocorre para ligar palavras com valor gramatical de adjetivo ao
sujeito quando é atribuído ao outro, pelo seu mérito ou esforço, um grau, uma
profissão, uma atividade ou, ainda, uma vivência e uma frequência. No caso
analisado, o uso do verbo estar refuta o aspecto permansivo desses atributos
caracterizadores para indicar que todas as situações humanas são transitórias
devido ao percurso do tempo, e, por essa razão, não é ressemantizado.
(41) "'Não sou ministro. Estou ministro.' A frase, pronunciada pelo então
ministro da Educação, em sua simplicidade radical ficou sendo uma das
melhores expressões do velhíssimo problema que tenta definir a relação
do intelectual com o poder. Pronunciou-a, em causa própria, Eduardo
Portella, que aceitara o cargo num momento em que a morte da ditadura
e a abertura política eram consideradas iminentes. (...)” (31)
263
(41a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”, ou, ainda, “encontrarse (em certo momento ou lugar, transitoriamente)”.
(41b) Na dimensão proposicional, o locutor afirma que não é ministro, mas que
está ministro, ou seja, que ele não é um ministro propriamente dito e que seu
ministério é transitório.
(41c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a famosa frase proferida por
Eduardo Portella, em 1979, quando assumiu o cargo de ministro da educação.
Àquela época, período da Ditadura Militar, Portella era ciente da transitoriedade
do cargo para o qual fora nomeado, utilizando estou ministro para expressar
isso. Nesse contexto, a pressão sobre o governo com relação à baixa
qualidade da educação levou à nomeação de Portella como ministro. A
nomeação um professor para esse cargo foi uma tentativa de dar credibilidade
ao ministério e de tentar resolver a situação da educação no país. Entretanto,
Portella reconhecia sua incapacidade para tal e que fora colocado no cargo
simplesmente por seu ofício: era um professor, mas não um político, e não
permaneceria muito tempo no cargo. No primeiro turno, alguém afirma que o
locutor “é ministro”; no segundo, afirma que “está ministro”, como cargo
transitório. Nesse caso, o uso do verbo estar produz a ressemantização do seu
conteúdo para ser inserido o sema “refuta” ao turno anterior. Com essa refuta,
refuta-se também o saber enciclopédico do verbo ser para cargos eleitos ou
nomeados, que resgata o valor vitalício do monarca na história do Brasil.
D)
Com particípio de valor adjetivo
Segundo Castilho (2014), a exemplo da estrutura atributiva ser +
sintagma adjetival/ sintagma preposicional, houve o encontro de estar +
particípio. Sendo os particípios também adjetivos, tal associação funcionou
bem. A seguir, algumas ocorrências:
264
(42) “(...) quando amanheceu... ela::/ ninguém conseguia acordar ela...
aí...quando eles desco... desco/ levaram ela pro médico... descobriram
que ela estava morta...” (Corpus D&G Juiz de Fora, p.72). (65)
(42a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(42b) Na dimensão proposicional, o locutor informa a seu interlocutor que, pela
manhã, as pessoas não conseguiram acordar uma mulher e que, quando a
levaram para o hospital, o médico constatou que ela já estava morta.
(42c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor narra para seu interlocutor
a morte de uma pessoa. Depreende-se do trecho de sua narrativa que a
pessoa morta, provavelmente, dormiu à noite e não acordou mais. As pessoas
que conviviam com ela, estranhando tal fato, levaram-na para atendimento
médico, mas descobriram que estava morta. Nesse caso, o verbo estar é
usado com a ressemantização do aspecto transitório  permansivo. O uso do
verbo estar para o adjetivo morto(a), e não de ser, em língua portuguesa, talvez
pudesse ser explicado pela noção de mudança e não mudança, segundo por
Bull (1965 apud SCHMITZ, 1974). Um ser encontra-se em estado de vida,
quase sempre longo, e passa para outro estado, o de morte. Pode-se observar
a mudança marcada de um estado anterior para outro, e, por isso, usa-se
estar. No uso do português brasileiro, percebe-se que quando se passa um
tempo considerável da morte de alguém, prefere-se o uso de morreu a está
morto(a). O verbo estar, nesse caso, é usado com a noção de mudança no
tempo: estado de vida  estado de morte. Assim, o verbo estar foi
ressemantizado, pois, além de indicar mudança de estado, o estado seguinte é
permansivo.
É interessante observar que, no português brasileiro, com o adjetivo morto(a),
há mudança semântica devido ao uso do verbo ser ou estar. Quando se usa o
verbo ser, “A mulher foi morta”, ocorre o sentido de que não morreu de morte
265
natural, mas foi assassinada por alguém. Quando se usa o verbo estar, o
sentido é de morte natural: “Ela está morta”.
(43) “(...) preparo este arroz ... preparo um molho pra refogar esse arroz ...
que eu coloco alho ... sal ... manteiga ... aí coloco cebola pra dourar ...
nessa coisa ... né ... depois eu ralo cenoura bem ralada e também coloco
pra ... nessa fritura ... depois eu pego tomate e pimentão e vou ... essas
coisas eu vou colocando aos poucos ... depois que esse molho tá todo
pronto ... eu jogo o arroz e deixo cozinhar o arroz ... com a tampa ... né ...
pra ele ficar mais abafado e não sair todo o cheiro e o sabor da comida ...
não esvair ... assim no vapor (...) ... esse arroz ... quando ele tá assim ...
quase cozido ... eu pego ele ... passo manteiga numa forma de bolo ...
essas formas redondas de bolo e coloco esse arroz e aperto ... soco ...
ele fica bem socadinho que é pra quando eu virar ... ele fique em formato
de bolo ... então o arroz tá quase pronto ... já tá sem água ... então eu
retiro esse arroz da panela e coloco na forma e deixo ele esfriar bem
socado ... né ... como eu já disse que é pra ele poder virar como bolo ...
(...)” (Corpus D&G Natal, p.20) (84)
(43a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”.
(43b) Na dimensão proposicional, o locutor informa seu interlocutor a respeito
da conclusão do seu processo de preparação de um molho, e, também, o
aspecto terminativo para o preparo do arroz.
(43c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor descreve para seu
interlocutor as diferentes etapas exigidas para o preparo de um molho e do
arroz. No caso analisado, ocorre ressemantização para “esse molho tá todo
pronto”, pois o aspecto transitório é ressemantizado em permanente. No caso
do arroz, o uso do verbo estar produz a ressemantização do aspecto transitório
para terminativo, pois o arroz só adquire aspecto concluso no preparo quando
estiver desenformado como um bolo.
266
(44) “Separada há dois anos de Daniel de Oliveira, Vanessa Giácomo
está novamente casada. Ela e o empresário esportivo Giuseppe
Dioguardi decidiram juntar as escovas de dentes e estão morando juntos.”
(32)
(44a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical. Na dimensão
lexical, o verbo estar exprime o sentido de “encontrar-se (em certo momento ou
lugar, transitoriamente)”.
(44b) Na dimensão proposicional, há a informação de que uma atriz, dois anos
após separar-se do marido, está novamente casada, com um empresário
esportivo.
(44c) Na dimensão pragmático-discursiva, por meio de uma notícia, há a
informação de que uma atriz, que foi casada com um ator e de quem se
separou há dois anos, agora está casada, não oficialmente, com um
empresário do esporte. O casal resolveu morar junto e já se considera casado.
No caso analisado, pelo uso de estar, depreende-se que, com o passar dos
anos, a separação e o divórcio se tornaram mais comuns. Desse modo,
algumas pessoas passaram a se casar já com o pensamento de que “se não
der certo, separamo-nos”, isto é, “hoje, estou casado(a); amanhã, pode ser
que não esteja”. Nesse caso, o uso do verbo estar tem valor de transitoriedade
do casamento, e, portanto, não é ressemantizado. Tal uso é decorrente da
introdução do divórcio no Brasil, levando o casamento a se tornar um estado, e
não uma permanência.
Outra possível explicação para o uso de estar com o adjetivo casado pode ser
dada a partir da dicotomia mudança e não mudança proposta por Bull (1965,
apud SCHMITZ, 1974). O sujeito passou por uma mudança perceptível que é
expressa no momento da fala ao se usar estar + adjetivo. Desse modo:
Vanessa é separada Vanessa casou-se  A partir disso: Vanessa está
casada.
267
4.2.2.4
Estrutura equativa
De acordo com Arrais (1984) e Castilho (2014), as estruturas ditas
equativas, com valor A=B e B-A, não ocorrem com o verbo estar. Entretanto,
algumas orações construídas com esse verbo podem se aproximar de uma
estrutura equativa, configurando, assim, um caso de gramaticalização de estar,
como se pode verificar a seguir:
(45)“e uma das melhores partes do filme está na despedida dos alunos e
da homenagem deles ao seu professor” (...) (Corpus D&G Natal, p. 99)
(85)
(45a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “consistir, residir, resumir-se”. O trecho
“uma das melhores partes do filme está na despedida dos alunos”(...) Equivale
a:
“uma das melhores partes do filme é a despedida dos alunos” (...). [Relação
A=B e B=A].
Portanto:
- Uma das melhores partes do filme = A despedida dos alunos (...)  A
despedida dos alunos (...) =Uma das melhores partes do filme (...)
(45b) Na dimensão proposicional, o locutor especifica para o interlocutor qual
parte de determinado filme é uma das melhores.
(45c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre uma conversação na qual o
locutor expressa um juízo de valor positivo a respeito de determinada parte de
um filme. Para ele, uma das melhores partes desse filme é a despedida dos
alunos e a homenagem que estes fizeram a seu professor. Pelo teor dessa
cena, depreende-se que o filme desperta no locutor o sentimento de emoção.
Nesse caso, o verbo estar tem valor permansivo equativo, e, portanto, houve
ressemantização do verbo estar, igualando-se a ser para indicar equivalência.
268
4.2.2.5
Estrutura possessiva
Na estrutura possessiva formada com o verbo estar, o sintagma
preposicional deve ser precedido da preposição com. Em alguns casos, essa
estrutura, formada por estar + com, exprime uma posse transitória: X não é de
Y, mas está com Y (Cf. ARRAIS, 1984, p.80-83). Neste item, são apresentados
os casos expressos com o verbo estar + com. Entende-se que Arrais (1984)
classifica como estrutura possessiva o uso do verbo estar com a função de
“ter”. Entretanto, pôde-se verificar que nem sempre esse uso indica posse, mas
tem sentido descritivo de o sujeito ter um instrumento consigo, de ter vivido um
número de anos na vida etc. A seguir, alguns casos que representam esse tipo
de estrutura possessiva:
(46) “naquele dia ele tinha/estava com quase oito milhões... que ele ia
pagar a faculdade... aí quando ele estava na faculdade ele pensou...
antes... né? do assalto... “eu acho que eu vou deixar/ não vou pagar a
faculdade não... “eu acho que eu vou deixar/ não vou pagar a faculdade
não...” era uma quarta-feira... “vou pagar só na sexta... que a minha irmã
está meio passando mal... posso precisar do dinheiro...” mas parece que
alguma coisa avisou na::/ “vou pagar isso de uma vez...” e pagou a
faculdade... se não... os assaltantes tinham levado mais de oito milhões
dele... ele ia passar o maior aperto pra... pra pagar a faculdade...” (Corpus
D&G Juiz de Fora, p.16) (66)
(46a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”. Nesse caso, a
condição não permanente é a de ele estar com oito milhões. Tem o mesmo
valor de Ele tinha [consigo] quase oito milhões.
(46b) Na dimensão proposicional, o locutor narra um fato que ocorreu com uma
outra pessoa, que foi assaltada, mas não teve a perda do seu dinheiro por já
haver pago a faculdade.
(46c) Na dimensão pragmático-discursiva, durante uma conversação o locutor
narra um assalto ocorrido com uma pessoa. Segundo a narrativa do locutor, a
269
pessoa assaltada sentiu-se aliviada após o assalto, pois, momentos antes de
pagar a faculdade, estava em dúvida se pagaria nesse dia ou dois dias depois,
a fim de poder ajudar sua irmã, que estava passando mal. Esse estado de
dúvida foi transitório e essa pessoa decidiu pagar a faculdade naquele dia.
Como já havia pago, no momento do assalto os ladrões não levaram os quase
oito milhões. Nesse caso, o verbo estar é usado com valor de transitoriedade
da “estar de posse de x transitoriamente” ou “ter”.
(47) “Eu e minha prima estava brincando na varanda quando chegou um
homem e uma mulher, a mulher estava com uma faca e o homem com
uma luva eu e minha prima saímos (sic) correndo para o banheiro e
ovimos (sic) uns barulhos e o ladrões quebraram tudo que tinha sala.”
(Corpus D&G Juiz de Fora, p.59) (67)
(47a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo e resulta de seleção lexical, no
conteúdo vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”. Nesse caso, a
condição não permanente é a de a mulher estar com a faca, ou a faca estar
com a mulher. Tem o mesmo valor de A mulher tinha [consigo] uma faca.
(47b) Na dimensão proposicional, o locutor narra um episódio em que dois
ladrões, um homem, com uma luva, e uma mulher, com uma faca, entraram em
sua casa para cometer um roubo, quebrando tudo o que havia na sala.
(47c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor narra para seu interlocutor
o episódio em que ladrões entraram em sua casa e, para se protegerem, ela e
a prima se trancaram no banheiro para se proteger. Mesmo trancados,
conseguiram ouvir toda a movimentação dos bandidos, que “quebraram tudo o
que tinha na sala”. O fato de a mulher estar com uma faca na mão é
caracterizador de um estado transitório da mulher durante uma situação de
ameaça para sua vítima. O mesmo ocorre com o homem e a luva. Nesse caso,
o verbo estar tem o sentido de “ter” com valor predicativo.
270
(48) “(...) você tem sempre que está com todo o material à mão... você
está com seus pincéis... todos limpos... de preferência... as tintas... a tua
aquarela... a tela... já pronta... armada... direitinho...” (Corpus D&G Rio de
Janeiro, vol.1, p.119) (108)
(48a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical. Na dimensão
lexical, o sentido exprimido é o de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”. Nesse caso, a função
descritiva situacional é a de Ter os pincéis limpos e preparados para o início do
trabalho.
(48b) Na dimensão proposicional, o locutor descreve como um pintor deve
organizar seus materiais de trabalho: deve ter seus pincéis limpos, de
preferência, e as tintas em sua aquarela para poder iniciar a pintura.
(48c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre um diálogo cujo turno
analisado expressa uma orientação a respeito de como um pintor deve manter
seus materiais de pintura. Nesse caso, o verbo estar é usado com o sentido de
“ter” para caracterizar como um pintor deve usar ou manter seus instrumentos
de trabalho.
(49) “Existem outras maneiras de se roubar na sueca, quando as duplas
jogam sempre juntas, e os parceiros podem combinar diversos sinais para
avisar quando o jogo está bom ou não, quando o az de trunfo está com
ele, quando o parceiro pode jogar qualquer carta que o jogo já está
ganho, etc.” (Corpus D&G Rio de Janeiro, vol.1, p.49) (109)
(49a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”. Nesse caso, a
condição não permanente é a de uma O az de trunfo estar com uma ele. Tem o
mesmo valor de Quando ele tem o az de trunfo (...).
271
(49b) Na dimensão proposicional, o locutor afirma que há muitas maneiras de
trapacear um jogo de sueca quando se tem uma dupla com que sempre se
jogue, pois é possível combinar com ela alguns truques, a fim de se ganhar o
jogo.
(49c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor fala a seu interlocutor
sobre um jogo de cartas (sueca) que costuma jogar, afirmando que há várias
maneiras de “roubar” nesse jogo, que é jogado em duplas, combinando com o
parceiro sinais “para avisar quando o jogo está bom ou não, quando o az de
trunfo está com ele, quando o parceiro pode jogar qualquer carta que o jogo já
está ganho”. Depreende-se, assim, que o locutor joga sempre sueca, conhece
bem as regras, costuma trapacear, conhecendo vários métodos para isso, e
que az é a carta mais importante nesse jogo. Nesse caso, o verbo estar é
usado com o sentido de ter.
(50) “Estou com 32 anos e correndo muito mais que muitos aí. Não do
Flamengo, mas muitos jogadores não jogaram o mesmo que eu. Estou
tranquilo com a minha idade, vou jogar até quando der. (...)” (33)
(50a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo e resulta de seleção lexical, no conteúdo
vocabular, com o sentido de “ter ou apresentar (certa condição física,
emocional, material, profissional etc., não permanente)”. Nesse caso, a
condição não permanente é a de estar com 32 anos. Usa-se estar porque a
idade é uma condição transitória, já que progride. A construção tem o mesmo
valor de Tenho 32 anos.
(50b) Na dimensão proposicional, o locutor afirma a seu interlocutor estar
despreocupado com sua idade – 32 anos –, pois, a despeito disso, está
correndo mais e joga melhor que muitos, e ainda não pretende parar de jogar.
(50c) Na dimensão pragmático-discursiva, um jogador de futebol, pelo
Flamengo, afirma para seu interlocutor estar com 32 anos, idade que é
considerada avançada nessa profissão, já que o fôlego e a capacidade física,
272
com o passar dos anos, vão diminuindo, e o futebol é um esporte que exige
muito de um jogador nesses dois quesitos. Apesar desse fator, o jogador
assegura estar em plena forma física, correndo mais e jogando melhor que
muitos jogadores de outros clubes, provavelmente mais jovens que ele. Sendo
assim, o locutor considera-se apto para continuar jogando e, por ora, não
pretende encerrar sua carreira, pois sua idade ainda não é empecilho. No uso
do português brasileiro, a noção de idade é compreendida como posse. Desse
modo, o sujeito tem X ano(s) ou está com X anos (ou meses/ semanas). Nesse
caso, o verbo estar é usado com o sentido de ter, com o valor de anos vividos,
predicando descritivamente o sujeito.
4.2.3. Verbo estar como verbo auxiliar de gerúndio
Com estrutura semelhante a ser/estar + sintagma adverbial, surgiu a
perífrase estar + gerúndio, sendo que este, de certa forma, opera de maneira
semelhante ao sintagma adverbial, modalizando o verbo estar, que, por sua
vez, marca as noções de tempo, modo, número e pessoa. Essa perífrase está
relacionada ao aspecto progressivo, referente a algo que: está em curso
naquele momento, está apenas em curso ou está em iteração. Apesar de o
verbo estar ser incompatível com os chamados tempos progressivos quando
esses são formados por estar + gerúndio do verbo estar, foram encontrados
casos em que ocorreu esse uso. Também foram encontrados casos com a
ocorrência de estar no gerúndio + gerúndio de outro verbo.
(51) O nenêm (sic) estava no carrinho brincando de balança uma frauda
(sic), e a babá estava lendo uma revista. Então o cachorro avanso no
nenêm (sic) querendo arrancar a frauda do bebê, então a babá se
assustou e correu para tentar salva-lo, mas o cão não quis soltar (...)
(Corpus D&G Rio de Janeiro, vol. 2, p.65) (116)
(51a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, como auxiliar do verbo ler, no
gerúndio, indicando tempo, modo, número e pessoa, com aspecto cursivo, e
resulta de seleção lexical.
273
(51b) Na dimensão proposicional, há a informação de que uma criança estava
no carrinho, brincando com sua fralda, enquanto a babá lia uma revista,
quando, de repente, uma cachorro avançou na criança para arrancar-lhe a
fralda que segurava. Assustada, a babá corre para ajudar a criança, mas o
cachorro não quis soltar a fralda.
(51c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor relata um fato para seu
interlocutor, narrando o momento em que um cão avançou em uma criança,
que se encontrava em um carrinho, para tomar a fralda. A babá, que não havia
visto o cão se aproximar da criança, assustou-se ao perceber o nervoso do
animal tentando arranca a fralda do menino. A tentativa de fazer o cachorro
soltar o objeto não deu certo. Verifica-se que a babá estava distraída, não
executando devidamente sua função de cuidar da criança. Há, portanto, no
relato, uma atitude de julgamento da babá. Nesse caso, o verbo estar, como
auxiliar de gerúndio, expressa duas ações em curso no passado, com
realização concomitante. Desse modo, houve gramaticalização de estar.
(52) “... em um fim de semana... ele estava se arrumando pra ir ao
baile... no morro... e resolveu passar... um pouco de perfume da... da irmã
dele... dele... porque tinha um monte de vidrinho colorido...né? em cima lá
da cômoda dela... o único problema... é que o Marcos não sente nem
cheiro... nem sabor das coisas... tudo bem... foi pro/correu bem... quando
a irmã dele voltou... ele falou que tinha usado um pouco dos perfumes
dela e ela estranhou... porque::... ela tinha levado todos os frascos de
perfume dela... aí::... ele fico assim::... meio sem saber... (...)... ela
começou a rir.. (...) ele não entendeu nada... porque ela falou...”pô...aquilo
ali não é perfume não...aquilo ali são uns sucos assim::...de pó... que eu
boto... só pra ficar colorido... pra usar de enfeite...” (Corpus D&G Niterói,
p.15) (100)
(52a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, como auxiliar do verbo reflexivo
arrumar-se, no gerúndio, para marcar uma ação em progressão, e indicando
tempo, modo, número e pessoa, e resulta de seleção lexical.
(52b) Na dimensão proposicional, há a narração de uma situação engraçada,
em que, segundo o locutor, um homem resolveu passar o que ele imaginou ser
274
perfume no corpo. O “produto”, porém, tratava-se de suco diluído em frascos,
que irmã utilizava como enfeite. O engano ocorreu porque o homem tinha um
problema: não sentia o cheiro nem o sabor das coisas.
(52c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor, com a intenção de causar
riso, narra um engano ocorrido com uma amigo que estava se arrumando para
ir a um baile e acabou, sem saber, passando suco no corpo. Por não sentir
cheiro ou gosto das coisas, esse amigo não percebeu que o que passava não
era perfume. Depreende-se também que o rapaz com quem se passa a
narrativa não morava com a irmã, pois, se morasse, saberia qual era o
conteúdo dos frascos. Nesse caso, o verbo estar funciona com auxiliar de
tempo, modo, número e pessoa, e exprime uma ação em progressão.
(53) “eu estava numa festa... com a minha prima... ela estava fazendo
dois anos... eu estava/ e estava bebendo... um... copo de Coca-Cola...
junto com bolo... aí... (...) o menino passou... esbarrou em mim... e
derrubou o copo de Coca-Cola na minha cara... aí... eu limpei... depois...
veio outro... derrubou o bolo em cima de mim... esse dia... foi um dia...
pô... eu acho que eu estava com... muito azar...” (Corpus D&G Rio de
Janeiro, vol.2, p.63) (117)
(53a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do pretérito imperfeito do indicativo, como auxiliar do verbo beber, no
gerúndio, indicando tempo, modo, número e pessoa.
(53b) Na dimensão proposicional, o locutor narra o episódio em que estava em
uma festa de aniversário, comendo bolo e tomando um refrigerante, quando,
por conta do esbarrão de uma criança, derramou refrigerante em seu próprio
rosto, e, em seguida, outra criança derrubou, em cima dele, o bolo que ela
estava comendo. O narrador avalia negativamente essa sequência de
acontecimentos como “azar”.
(53c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor narra o ocorrido consigo
mesmo em uma festa de aniversário, em que se comemoravam os dois anos
de sua prima. Pela narração, é possível identificar alguns elementos presentes
275
em uma festa de aniversário infantil típica do Brasil: bolo, refrigerante e
crianças. Enquanto bebia refrigerante e comia bolo, teve seu refrigerante
derramado no rosto porque uma criança esbarrou nele. Logo depois, outra
criança derrubou bolo nele. O locutor tratou esses dois fatos como “azar”,
naquele dia. É um traço cultural do brasileiro, que não acredita no acaso ou na
coincidência; sempre há algo de sobrenatural que rege, em alguma medida,
sua vida. Por isso, se esses dois momentos ocorreram, é porque o locutor
estava com azar naquele dia. Nesse caso, há gramaticalização do verbo estar,
queé utilizado como auxiliar do verbo principal, que exprime uma ação em
curso. Indica uma ação progressiva situada em curso no passado com aspecto
terminativo, pois torna-se conclusa no momento em que o copo de refrigerante
é derrubado no rosto do sujeito por causo do esbarrar de um menino.
(54) “Não moro mais no Santa Emília. Estou morando no centro do Embu
agora.” (02)
(54a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, como auxiliar do verbo morar, no gerúndio,
indicando tempo, modo, número e pessoa, com aspecto cursivo, e resulta de
seleção lexical.
(54b) Na dimensão proposicional, o locutor informa para seu interlocutor a
mudança de sua residência do bairro “Santa Emília” para o “centro de Embu”.
(54c) Na dimensão pragmático-discursiva, o locutor informa a seu interlocutor a
mudança de bairro de sua residência, dando a entender que, no turno anterior,
o interlocutor desconhecia esse fato. Nesse caso, ocorre a gramaticalização do
verbo estar, funcionando como auxiliar do verbo principal, e com aspecto
cursivo.
(55) “é... hoje em dia... as/ eu estou achando... o casamento assim... quer
dizer... como muitas pessoas que estão se casando... eu sou casada a
quase vinte anos (sic) ... né? então... eh... pra mim... o casamento
276
praticamente é uma rotina já... né? pelo tempo desse período de casada...
estou quase chegando à boda de prata... (...) agora... o que eu
ultimamente estou vendo de casamentos por aí... estou ficando admirada
com as coisas que acontecem... pô... as pessoas... gastam uma nota
preta... sabe? pra ficar/ se vestem de noiva... (...) mas sendo que... poxa...
o que adianta... um casamento tão lindo... gastam tanto... pra no final eh...
viv/ fica dois... três dias juntos... ( ) até dois... três dias... depois se
separam... entendeu?” (Corpus D&G Rio de Janeiro, vol. 2, p.132) (118)
(55a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, como auxiliar do verbo achar, no gerúndio,
indicando tempo, modo, número e pessoa, com aspecto cursivo e resulta de
seleção lexical.
(55b) Na dimensão proposicional, ocorre uma conversa em que a locutora
expressa para o interlocutor sua opinião a respeito dos casamentos atuais, que
têm curta duração, confrontando-os com os de antigamente, de longa duração.
Segundo ela, para os atuais, há grande gasto financeiro, que não compensa a
duração do tempo de união dos noivos.
(55c) Na dimensão pragmático-discursiva, percebe-se que a visão que a
mulher tem sobre casamento está muito arraigada à imposta religiosa e
socialmente: a de o casamento, além de ocorrer uma única vez, deve durar
para o resto da vida do casal. Ela cita como exemplo o seu próprio casamento
que, apesar dos problemas cotidianos, já dura quase vinte e cinco anos. Desse
modo, essa mulher de diz admirada do fato de as pessoas gastarem tanto
dinheiro com a festa de casamento, mas permanecerem tão pouco tempo
casadas. Por isso, depreende-se de seu discurso que o casamento deve ser
sério e duradouro, e que as pessoas que não pretendem isso nem deveriam se
casar. Nesse caso, o verbo estar, gramaticalizado, juntamente com o verbo
principal, com aspecto cursivo.
(56) “IBGE: Brasileiro está se casando mais, mas união dura menos” (34)
(56a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, como auxiliar do verbo reflexivo casar-se, no
277
gerúndio, indicando tempo, modo, número e pessoa, com aspecto iterativo, e
resulta de seleção lexical.
(56b) Na dimensão proposicional, há a constatação do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, informada pelo locutor, de que, embora haja maior
número de casamentos entre os brasileiros, essas uniões têm durado menos.
(56c) Na dimensão pragmático-discursiva, há a informação sobre uma
pesquisa feita por um importante órgão brasileiro, responsável por fazer
pesquisas que revelam estatísticas sociais, demográficas e econômicas. Nesse
trecho de notícia, o locutor afirma que houve aumento no número de
casamentos entre os brasileiros, mas, também em comparação a uma
pesquisa anterior, o casamento do brasileiro tem durado menos. Nesse caso, o
verbo foi gramaticalizado como auxiliar do verbo principal, com aspecto
iterativo.
(57)
(...)
A2: Então toma, meu amor [entregando à participante o cartão de crédito
do programa para a participante fazer compras]!
A1:Eu acho que você tá saindo ganhando aqui nessa nossa:: ... nesse
nosso acordo aqui! Vamo embo:ra?
P: De verdade?
A1: De verdade!
A2:De verdade, de verdade! (...) (03)
(57a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, como auxiliar na expressão sair ganhando,
no gerúndio, indicando tempo, modo, número e pessoa, e resulta de seleção
lexical.
(57b) Na dimensão proposicional, em uma conversa entre dois apresentadores
de um programa de televisão e uma participante, um dos apresentadores
afirma que essa participante, ao receber o cartão de crédito do programa, está
278
em vantagem, pois ganhou uma grande quantia para poder comprar novas
roupas e acessórios, melhores do que os que ela tinha.
(57c) Na dimensão pragmático-discursiva, há o trecho de uma conversação
que se ambienta em um programa de televisão em que uma participante (P),
indicada por um conhecido, por não saber se vestir adequadamente, recebe
uma consultoria de moda e estilo e passa por uma transformação no visual. O
transcrito é um trecho da fala no momento em que os apresentadores do
programa (A1 e A2) abordam a participante com o intuito de convencê-la a
participar do programa. Nesse sentido, supondo que a participante indicada é
brega, ela “está saindo ganhando” ao receber um cartão de crédito com limite
de doze mil reais para renovar o guarda-roupa, sem ter de fazer nada além de
aceitar participar do programa. Há duas situações interacionais: Na primeira, a
participante e os apresentadores interacionando com seus telespectadores,
com a intenção de provar para estes o valor positivo do programa; na segunda,
ocorre a interação entre a participante e os apresentadores, que situa o acordo
feito entre eles com a intenção de argumentar com a participante que o acordo
proposto é um grande ganho para ela. Nesse caso, o verbo estar funciona
como auxiliar do verbo principal, com aspecto concluso em relação ao acordo
feito entre os apresentadores do programa e a participante para que ela se
desapegue de suas roupas antigas e adquira novas, sob a orientação desses
apresentadores.
(58) “Estou estando – Quem inventou o maldito gerúndio?” (35)
(58a) Na dimensão lexical, o verbo estar é empregado na primeira pessoa do
singular do presente do indicativo, como auxiliar do verbo estar, no gerúndio,
indicando tempo, modo, número e pessoa, com aspecto cursivo, e resulta de
seleção lexical.
(58b) Na dimensão proposicional, o locutor reproduz uma construção típica do
português brasileiro designada “gerundismo” e pergunta quem inventou o
gerúndio. Trata-se do título de um artigo publicado na revista Trip.
279
(58c) Na dimensão pragmático-discursiva, há o título de um artigo publicado na
revista Trip,em que o autor retoma o uso gerundivo, corrente no português
falado – “Estou estando” –, a fim de fazer uma crítica negativa ao que ele
chama de “neogerúndio” (construção do verbo ir no futuro + estar no infinitivo +
gerúndio). Ao justificar sua opinião sobre o assunto do texto, o autor argumenta
que esse uso é um estrangeirismo, uma tentativa malsucedida de imitar a
gramatica bretã. Verifica-se, além do preconceito do locutor, que deixa
transparecer certo desprezo por quem, de acordo com sua visão, não emprega
bem a língua. Nesse caso, o verbo estar, no gerúndio, funciona como auxiliar
dele próprio no infinitivo, que funciona como pleno.
4.2.4. Outras funções do verbo estar
Assim como o verbo ser, o verbo estar é usado com outras funções
além das apresentadas por Castilho (2014) e Arrais (1984). Neste item, são
apresentadas outras funções para o uso
4.2.4.1.
Advérbio de afirmação
Quando assume a função de advérbio de afirmação, o verbo estar
ocorre na terceira pessoal do singular, modificando-se em verbo impessoal, e,
geralmente, aparece na forma da partícula tá, que é uma redução da
expressão afirmativa está bem e de suas variações – está bom, está ótimo,
está joia, está legal, está certo etc. –, que indicam concordância. Entretanto,
embora, possa funcionar como advérbio de afirmação, essa partícula não cabe
em qualquer contexto, apenas naqueles em que se usariam está bem e suas
variações.
(59) “(...) Ele falou que... o pessoal chamou ele pra almoçar lá... “ pô
cara... vamos almoçar com a gente aqui embaixo...” não sei o quê... “que
você fica fazendo aí sozinho...” e esse meu irmão é meio gordinho... aí ele
veio... ( ) com cento e dez hoje...
E: nossa...
280
I: ((riso)) aí ele falou “então tá...” aí ele pegou o prato dele... né? estava
fechadinho lá... tudo... ((riso)) aí sentou na mesa... (...)” (Corpus D&G Juiz
de Fora, p.06) (68)
(59a) Na dimensão lexical, o verbo estar é impessoal e flexionado na terceira
pessoa do singular do presente do indicativo, com perda da sílaba inicial, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, sendo usado como redução
da expressão está bem, que indica afirmação ou concordância. O dicionário
Houaiss não traz uma entrada para esse tipo de função do verbo estar, mas
entende-se que, assim como ocorre com o verbo ser, e considerando-se o
linear do processo de gramaticalização, o verbo estar, nesse caso, chegou a
um estágio em que o aspecto funcional é mais destacado em relação ao
aspecto semântico.
(59b) Na dimensão proposicional, o narrador relata para seu interlocutor uma
situação ocorrida com seu irmão:
O irmão, que estava sozinho na parte
superior de um edifício, é chamado por alguém para descer e almoçar junto
com as outras pessoas. O irmão aceita o convite e vai sentar-se à mesa com
eles.
(59c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre um diálogo: no primeiro turno,
é feito um convite para o irmão do locutor; no segundo, o irmão do locutor
aceita o convite recebido, confirmando com a expressão “então tá”. Entende-se
que o irmão do locutor pode ser uma pessoa tímida ou reservada, que, sem ser
convidada, não se integra. Nesse caso, o verbo estar é gramaticalizado em
uma expressão que indica afirmação.
4.2.4.2.
Marcador discursivo
Como marcador discursivo, o verbo estar também ocorre na forma da
expressão está bem? ou tá bem?, na forma interrogativa, e de suas variações –
está (tá) bom?, está (tá) joia?, está (tá) legal? está (tá) certo? etc. –, e todas
essas variações podem reduzir-se à partícula tá?. Os elementos que se tornam
marcadores discursivos, de acordo com Martelotta, Nascimento e Costa, 1996),
281
de maneira geral, perdem suas características semânticas e passam a
funcionar como um mecanismo que ajuda o falante a organizar, na fala, seu
discurso. A seguir, alguns casos em que há a partícula tá? como marcador
discursivo:
(60) “E: agora eu queria que você me contasse... uma história que tenha
acontecido com uma outra pessoa que você conheça... tá? que alguém
tenha te contado... e que você me falasse agora essa história... uma
história que você ache interessante... ou até mesmo triste... tá?”
(Corpus D&G Juiz de Fora, p.16) (69)
(60a) Na dimensão lexical, o verbo estar é impessoal e flexionado na terceira
pessoa do singular do presente do indicativo, com perda da sílaba inicial, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, sendo usado como redução
da expressão está bem?, que indica um pedido de afirmação ou concordância
por parte do locutor. Sendo assim, a pergunta não é retórica. O dicionário
Houaiss não traz uma entrada para esse tipo de função do verbo estar, mas
entende-se que, assim como ocorre com o verbo ser, e considerando-se o
linear do processo de gramaticalização, o verbo estar, nesse caso, chegou a
um estágio em que o aspecto funcional é mais destacado em relação ao
aspecto semântico.
(60b) Na dimensão proposicional, o locutor solicita ao interlocutor que conte a
ele alguns fatos ocorridos com pessoas que esse interlocutor conheça.
(60c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre um diálogo em uma
entrevista, em que um entrevistador solicita ao entrevistado conte para ele
alguma história ocorrida com alguma pessoa que esse entrevistado conheça.
Nesse caso, o verbo estar, gramaticalizado, funciona como um pedido de
concordância do interlocutor para a solicitação feita a ele. Por não se tratar de
uma ordem, o interlocutor pode escolher responder ou não.
(61) “(...) bom... a minha casa... é no bairro de São Bernardo... tá? novo...
prolongamento do Cesário Alvim... (...)” (Corpus D&G Juiz de Fora, p.31)
(70)
282
(61a) Na dimensão lexical, o verbo estar é impessoal, flexionado na terceira
pessoa do singular do presente do indicativo, com perda da sílaba inicial, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, sendo utilizado como
redução da expressão está bem?, em estrutura interrogativa, que, neste caso,
é uma pergunta retórica, isto é, não indica um pedido de afirmação ou
concordância por parte do locutor, mas serve para retomar referentes
mencionados anteriormente, fazendo-os tópicos para o que vai ser dito logo em
seguida. O dicionário Houaiss não traz uma entrada para esse tipo de função
do verbo estar, mas entende-se que, assim como ocorre com o verbo ser, e
considerando-se o linear do processo de gramaticalização, o verbo estar,
nesse caso, chegou a um estágio em que o aspecto funcional é mais
destacado em relação ao aspecto semântico.
(61b) Na dimensão proposicional, o locutor informa a seu interlocutor o lugar
onde mora, interrogando se ele conhece o local, explicitando, em seguida mais
uma informação.
(61c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre um diálogo em que o locutor
informa para seu interlocutor o local onde fica sua casa, e usa o verbo estar
para interrogar se esse interlocutor sabe onde é. Imaginando que este não
saiba, imediatamente explicita que é um prolongamento do bairro Cesário
Alvim, conhecido pelo interlocutor. Nesse caso, o verbo estar, gramaticalizado,
tem a função de confirmar um conhecimento necessário por parte do
interlocutor para que este entenda a localização informada pelo locutor.
(62)“(...) estou saindo com a preparação do curso de magistério muito
boa... eh::... os cursos de antigamente eram até mais fáceis... mas eu
estou saindo com um conteúdo muito bom... tá? eu estou pronta pra
assumir qualquer turma... (...)” (71)
(Corpus D&G Juiz de Fora, p.32)
(62a) Na dimensão lexical, o verbo estar é impessoal, flexionado na terceira
pessoa do singular do presente do indicativo, com perda da sílaba inicial, e
resulta de seleção lexical. Na dimensão lexical, esse verbo é utilizado como
283
redução da expressão está bem?, que, neste caso, é uma pergunta retórica,
isto é, não indica um pedido de afirmação ou concordância por parte do locutor,
mas serve como estratégia interativa, para manter contato com o interlocutor, e
tem valor equivalente ao dos marcadores viu? e entendeu?. O dicionário
Houaiss não traz uma entrada para esse tipo de função do verbo estar, mas
entende-se que, assim como ocorre com o verbo ser, e considerando-se o
linear do processo de gramaticalização, o verbo estar, nesse caso, chegou a
um estágio em que o aspecto funcional é mais destacado em relação ao
aspecto semântico.
(62b) Na dimensão proposicional, o locutor afirma para seu interlocutor ter
terminado seu curso de magistério e que está preparado para assumir qualquer
turma, uma vez que o curso foi muito bem ministrado.
(62c)
Na
dimensão
pragmático-discursiva,
ocorre
uma
entrevista.
O
entrevistador pergunta ao entrevistado o que este está fazendo no momento. O
entrevistado afirma que terminou o curso de magistério e que é capaz de
assumir qualquer turma, argumentando que, anteriormente, os cursos de
magistério eram mais fáceis, mas o cursado por ele foi difícil e com conteúdo
muito bom. O uso impessoal do verbo estar tem a função discursiva de
confirmar a concordância do entrevistador para a informação dada. Nesse
caso, o verbo estar, gramaticalizado, é usado para confirmação de o
entrevistado estar apto para assumir as turmas pretendidas.
4.2.4.3.
Operador argumentativo
De acordo com Martelotta (1996), a gramaticalização também pode dar
origem a operadores argumentativos. Esse processo, especificamente, segue a
direção espaço > (tempo) > texto. Desse modo, a função básica dos
operadores argumentativos é organizar, dentro do texto/ discurso, o uso da
língua, podendo fazer referência a informações que já foram ou que ainda
serão mencionadas (anáfora e catáfora); conectar partes de um texto, dando-
lhes uma orientação lógica; ou ainda, chamar a atenção do interlocutor para as
284
estratégias argumentativas operadas no texto/discurso. Por essa razão, pode-
se afirmar que os operadores argumentativos têm, também, uma função
coesiva.
Martelotta (1996) esclarece que operadores argumentativos são
diferentes de marcadores discursivos. Os primeiros servem para organizar
internamente o discurso; já os segundos servem para orientar a interação entre
falante e interlocutor.
(63) “(...) faço o molho... né? com tomate... tomate... cebola... deixo o
molho lá... esquentando... gosto de colo/ deixo ( ) orégano separado
também... queijo... o presunto ((riso)) ela... ((distúrbio de gravação)) um
dia você vai comer ainda... é muito gostosa ((riso))
E: aí mais o quê?
I:aí::... tá... a massa está legal... unto o tabuleiro... né? com óleo... abro
a:: a massa... aí... coloco no forno um pouquinho pra esquentar... venho...
com o queijo... presunto... jogo o molho... a lingüicinha... ovo cozido...
milho verde... orégano... (...)”
(Corpus D&G Juiz de Fora, p.07) (72)
(63a) Na dimensão lexical, o verbo estar é impessoal, flexionado na terceira
pessoa do singular do presente do indicativo, com perda da sílaba inicial, e
resulta de seleção lexical, no conteúdo vocabular, sendo usado como redução
da expressão está bem, que, neste caso, não indica uma confirmação a uma
pergunta feita anteriormente, mas serve para organizar o discurso: de certa
forma, marca o fim de uma parte do discurso e o início de outra. O dicionário
Houaiss não traz uma entrada para esse tipo de função do verbo estar, mas
entende-se que, assim como ocorre com o verbo ser, e considerando-se o
linear do processo de gramaticalização, o verbo estar, nesse caso, chegou a
um estágio em que o aspecto funcional é mais destacado em relação ao
aspecto semântico.
(63b) Na dimensão proposicional, o locutor descreve para o interlocutor como
prepara uma pizza, começando pela preparação do molho, seguindo com a
explicação da montagem da pizza na assadeira. Trata-se de duas etapas para
a preparação da pizza feita pelo locutor.
285
(63c) Na dimensão pragmático-discursiva, ocorre um diálogo. No primeiro
turno, o locutor informa ao seu interlocutor a primeira etapa da preparação de
uma pizza, que compreende a elaboração do molho e a disposição dos
ingredientes que cobrirão a pizza. No segundo turno, o locutor interroga seu
interlocutor sobre o que mais ele faz no preparo da pizza. No terceiro turno, o
locutor informa o processo de montagem da pizza em uma assadeira untada,
acrescentando mais ingredientes para a cobertura. Nesse caso, o verbo estar,
gramaticalizado, é usado para marcar, na narração, o término de uma etapa de
preparação da pizza e o início de outra.
Em síntese, os resultados obtidos a partir das análises das ocorrências
com o verbo estar são:

Na dimensão lexical:
Como verbo pessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
-
Com
o
sentido
de
“encontrar-se
transitoriamente)”, como em:
(em
certo
momento
ou
lugar,
(01) “E a minha leitura, penso, está no incompleto, no meu processo identitário. Está
na minha vida. E como tal, não posso esgotá-la. Apenas, sei que, nesse exato
momento, todos seguimos estando... Porque somos iguais, virtualmente.” (15)
(02) Aqui estou, tristeza, feita de ausência e incerteza, de muros altos que não
consigo transpôr (sic).(16)
Verbo de predicação
- Com o sentido de “ter a companhia de”, como em:
(05) “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (13)
- Com o sentido de “manter relação conjugal”, como em:
286
(06) “(...) ao ser perguntada se voltaria para o ex-marido questionou: "Voltar para ele?
Ele tá com a Isis. Como vou voltar para ele?" (17)
- Com o sentido de “ficar situado; localizar-se”, como em:
(07) “(...) As áreas comerciais e financeiras estão em São Paulo. (...)” (07)
- Com sentido de “encontrar-se (em certo momento ou lugar, transitoriamente)”,
como em:
(08) “(...) então pra você ler um livro... você:: ouvir um walkman... passar uma
revista... ou então até você ( ) assim... você está num cantinho tão gostoso... que
todo mundo chega... vai e procura o cantinho... (...)” (104)
(15) “Estivemos por 4 dias [na fazenda], adoramos tudo, principalmente o
atendimento e atenção, o carinho com nosso pequeno, que fala todos os dias que
quer ir na fazenda rsrs...” (20)
- Com o sentido de “encontrar-se (em determinada posição momentânea)”,
como em:
(11) “(...) a escala do time deveria ser outra ... porque tem várias pessoas que sabem
jogar e estão no banco ... de reservas ...” (81)
- Com sentido de “ter ou apresentar (certa condição física, emocional, material,
profissional etc., não permanente)”, como em:
(17) “Benítez elogia o Real Madrid: ‘estamos bem, melhor do que as pessoas pensam’
(...)” (22)
(20) “(...) Apesar dos boatos de envolvimentos com Caio Castro, a atriz de "Amor à Vida"
garantiu que está solteira e afirmou que gosta de se dedicar aos relacionamentos
amorosos.” (25)
(22) “(...) Meu filho está alto.” (05)
(36) “(...) veio um cara... que ele bateu no meu cavalo atrás... o meu cavalo começou a
correr... e eu falei “não... pára o cavalo... pára o cavalo... que eu não quero que ele
corra... porque eu estou com medo...” minhas amigas começaram a dar gargalhadas...
né?” (114)
(41) " ‘Não sou ministro. Estou ministro’. (...)” (31)
(43) “(...) depois que esse molho tá todo pronto ... eu jogo o arroz e deixo cozinhar o
arroz ... com a tampa ... né ... pra ele ficar mais abafado e não sair todo o cheiro e o
sabor da comida (...)” (84)
(46) “(...) naquele dia ele tinha/estava com quase oito milhões... que ele ia pagar a
faculdade...(...)” (66)
287
Verbo auxiliar de gerúndio
- Como verbo auxiliar de gerúndio, indicando tempo, modo, número e pessoa,
como em:
(54) “Não moro mais no Santa Emília. Estou morando no centro do Embu agora.”
(02)
Como verbo impessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
- Como “construções impessoais, para referir-se à passagem do tempo”, como
em:
(03) “(...) aí eu não sabia mais o que eu fazia... que já era/ já estava tarde pra
caramba... e:: eu... eu não tinha nem como voltar pra casa... (...)” (60)
Verbo de predicação
No que tange a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não foram
encontrados casos com o verbo estar impessoal como verbo de predicação.
Verbo auxiliar de gerúndio
Quanto a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não foram
encontrados casos com o verbo estar impessoal como verbo auxiliar de
gerúndio.
Outras funções do verbo estar
- O dicionário Houaiss não traz uma entrada para esse tipo de função do verbo
estar, mas entende-se que, assim como ocorre com o verbo ser, e
considerando-se o linear do processo de gramaticalização, o verbo estar,
288
nesse caso, chegou a um estágio em que o aspecto funcional é mais
destacado em relação ao aspecto semântico, como em:
(59) “(...) ((riso)) aí ele falou “então tá...” aí ele pegou o prato dele... né? estava
fechadinho lá... tudo... ((riso)) aí sentou na mesa... (...)” (68)
(61) “(...) bom... a minha casa... é no bairro de São Bernardo... tá? novo...
prolongamento do Cesário Alvim... (...)” (70)

Na dimensão proposicional:
Como verbo pessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
- Com o sentido pleno, mais próximo de seu sentido etimológico, como em:
(01) E a minha leitura, penso, está no incompleto, no meu processo identitário. Está
na minha vida. E como tal, não posso esgotá-la. Apenas, sei que, nesse exato
momento, todos seguimos estando... Porque somos iguais, virtualmente. (15)
- Exprimindo a noção de tempo, como em:
(03) “(...) aí ela foi... o carro (...) quer dizer... eu fiquei a pé... aí eu não sabia mais o
que eu fazia... que já era/ já estava tarde pra caramba... e:: eu... eu não tinha nem
como voltar pra casa... (...)” (60)
Verbo de predicação
- Apresentando um ser acompanhado de outro, como em:
(05) “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (13)
- Exprimindo a noção de relacionamento amoroso entre duas pessoas, como
em:
(06) "(...) Voltar para ele? Ele tá com a Isis. Como vou voltar para ele?". (17)
- Apresentando a localização de seres, entidades e eventos, como em:
289
(08) “(...) assim... você está num cantinho tão gostoso... que todo mundo chega... vai
e procura o cantinho...” (104)
(09) “(...) vai subindo em direção ao MAC [Museu de Arte Contemporânea – Niterói –
RJ] ... tem::/ onde está o MAC... (...) o MAC está em cima... embaixo tem... um...
um::/ umas cavernas...” (98)
(14) “Atualmente a festa está na Vila Madalena, muito bem localizada, a casa possui
03 andares, sendo a pista ampla situada em seu piso térreo.” (19)
- Exprimindo a noção de período de tempo, como em:
(16) “HDT [Hospital de Doenças Tropicais – Goiânia-GO] considera remota
possibilidade de mulher internada estar com vírus Ebola
Paciente esteve por dez dias em Moçambique e apresentou sintomas semelhantes
ao da doença, como febre e diarreia. (...)” (21)
- Exprimindo a noção de modo, como em:
(17) “Benítez elogia o Real Madrid: ‘estamos bem, melhor do que as pessoas
pensam’ (...)” (22)
- Atribuindo características, na maioria das vezes, passageiras ou superficiais,
a pessoas, objetos, acontecimentos, situações etc., como em:
(35) “Nossa, mãe, que chata! ((risos)) Eu não tô dizendo que você é:::: chata, mas
você tá chata ((risos))!” (01)
(38) “(...) Já na segunda feira (sic) ela estava de cara amarrada comigo, e quando
tentei, conversar sobre o assunto, num instante em que estávamos a sós, na cozinha,
ela simplesmente não me respondia (...)” (64)
(40) “(...) Estou universitário. Estou iguapense. Estou freqüentador da Roça da
Sabina. Estou poeta. Estou cientista. Estou lingüista. Estou gramático.” (...) (15)
(44) “Separada há dois anos de Daniel de Oliveira, Vanessa Giácomo está
novamente casada. Ela e o empresário esportivo Giuseppe Dioguardi decidiram juntar
as escovas de dentes e estão morando juntos.” (32)
- Estabelecendo uma relação de igualdade ou equivalência entre os referentes
de uma oração, como em:
(45) “e uma das melhores partes do filme está na despedida dos alunos e da
homenagem deles ao seu professor” (...) (85)
- Descrevendo uma relação possuidor x possuído, ou de algo que foi
conquistado ou alcançado, como em:
290
(48) “(...) você tem sempre que está com todo o material à mão... você está com seus
pincéis... todos limpos... de preferência... as tintas... a tua aquarela... (...)” (108)
(49) “(...) e os parceiros podem combinar diversos sinais para avisar quando o jogo
está bom ou não, quando o az de trunfo está com ele (...)” (109)
- Exprimindo a noção de idade, como em:
(50) “Estou com 32 anos e correndo muito mais que muitos aí. Não do Flamengo,
mas muitos jogadores não jogaram o mesmo que eu. Estou tranquilo com a minha
idade, vou jogar até quando der. (...)” (33)
Verbo auxiliar de gerúndio
- Auxiliando o verbo principal, no gerúndio, atribuindo as noções de tempo,
modo, número e pessoa, como em:
(53) “eu estava numa festa... com a minha prima... ela estava fazendo dois anos... eu
estava/ e estava bebendo... um... copo de Coca-Cola... junto com bolo...(...)” (117)
Como verbo impessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
- Indicando um acontecimento em certa circunstância temporal, como em:
(03) “(...) aí eu não sabia mais o que eu fazia... que já era/ já estava tarde pra
caramba... e:: eu... eu não tinha nem como voltar pra casa... (...)” (60)
Verbo de predicação
No tocante a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não foram
encontrados casos com o verbo estar impessoal como verbo de predicação.
Verbo auxiliar de gerúndio
291
No que se refere a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não
foram encontrados casos com o verbo estar impessoal como verbo auxiliar de
gerúndio.
Outras funções do verbo estar
- Exprimindo uma confirmação, como em:
(59) “(...) ((riso)) aí ele falou “então tá...” aí ele pegou o prato dele... né? estava
fechadinho lá... tudo... ((riso)) aí sentou na mesa... (...)” (68)
- Colocando-se em forma de pergunta ao final de orações, como em:
(62) “Estou saindo com a preparação do curso de magistério muito boa... eh::... os
cursos de antigamente eram até mais fáceis... mas eu estou saindo com um conteúdo
muito bom... tá? eu estou pronta pra assumir qualquer turma... (...)” (32)
- Conectando partes de um discurso, como em:
(63) “(...) E: aí mais o quê?
I: aí::... tá... a massa está legal... unto o tabuleiro... né? com óleo... abro a:: a
massa... aí... coloco no forno um pouquinho pra esquentar... venho... com o
queijo... presunto... jogo o molho... a lingüicinha... ovo cozido... milho verde...
orégano... (...)” (72)

Na dimensão pragmático-discursiva:
Como verbo pessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
Para
essa
dimensão,
nas
ocorrências
analisadas, não foram
encontrados casos com o verbo estar pessoal como verbo intransitivo.
Verbo de predicação
- Ressemantizado com valor permansivo, como em:
292
(05) “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (13)
(10) I: “a minha avó estava andando de carrinho... minha avó... aí... ela... foi no
banheiro... ela aí ela foi andar... ela caiu... e quebrou as costelas...
E: é::... tadinha... e ela está triste?
I: está... ela queria ficar andando... queria passear... que ela joga... baralho... aí não
tem mais jeito dela jogar baralho... porque está na cama...” (62)
(18) “(...) você prefere que seus filhos passem o dia inteiro com professores malpagos (sic) que trabalham demais ou com a mãe que cuidará deles melhor que
qualquer um? Eles estão melhor com a mãe, é claro, já que ela tem o bem-estar dos
filhos como prioridade.” (23)
- Ressemantizado como indicação de relacionamento amoroso entre duas
pessoas, como em:
(06) (...) "Voltar para ele? Ele tá com a Isis. Como vou voltar para ele?". (17)
- Ressemantizado com o valor de não ser convocado para jogar em uma
partida, como em:
(11) “(...) a escala do time deveria ser outra ... porque tem várias pessoas que sabem
jogar e estão no banco ... de reservas ...” (81)
- Ressemantizado com o sentido de não pertencer a certa denominação cristã,
como em:
(12) “(...) aí depois que eu passei pra essa religião... essa outra religião que é
cristão... aí mudou mais minha vida...... eu sou um rapaz calmo... eh... mais tímido...
quando eu estava... estava no mundo... eu era muito... muito saído... muito pra
frente...” (112)
- Ressemantizado com o sentido de estar fora da prisão, como em:
(13) “(...) eles roubam hoje e amanhã estão na rua... roubam... estão na rua...
porque::... no Estatuto da Criança e do Adolescente não pode/ não deixa o... o menor
ficar preso... em delegacia... em qualquer sa/ cela... (...)” (63)
- Ressemantizado com valor de ocorrência em, como em:
(14) “Atualmente a festa está na Vila Madalena, muito bem localizada, a casa possui
03 andares, sendo a pista ampla situada em seu piso térreo.” (19)
- Ressemantizado com valor de reiteração de um sucesso próximo (=
repetição), como em:
293
(17) “Benítez elogia o Real Madrid: ‘estamos bem, melhor do que as pessoas
pensam’
O técnico Rafa Benítez revelou nesta sexta-feira que considera que o Real Madrid já
se recuperou da goleada sofrida diante do Barcelona por 4 a 0 há duas semanas,
após vitórias sobre Shakhtar Donetsk, Eibar e Cádiz, e que o time não merece tantas
críticas quanto vem recebendo. " (22)
- Ressemantizado, do aspecto cursivo para o continuativo, como em:
(28) “(...) porque eu te/ posso te garantir uma coisa... a situação está preta... está
caótica... entendeu? não sei se::... daqui a uns tempos... os seus filhos... entendeu?
de repente vão ter condições... de estudar numa mesma faculdade que você... ou
eu... de repente vou ter a mesma condição de pagar uma faculdade pro meu filho...
entendeu?” (106)
- Ressemantizado com o sentido de “ficar”, ou seja, mudança de estado, como
em:
(29) “... aí/ a casa é bem grande... é espaçosa... dá para fazer muita bagunça... é::...
pintada de verde mas já está preta de tanto a gente meter a mão na parede...” (113)
- Ressemantizado com aspecto frequentativo, como em:
(32) “(...) ... e quando eu estava bêbado ninguém percebia que eu estava bêbado...
(...)” (112)
- Ressemantizado com valor de refuta, como em:
(34) “Vira e mexe, pessoas falam para outras: nossa, como você está bonito hoje!!!
As vezes (sic) eu tenho medo de dizer isso, pois a pessoa pode interpretar como algo
do tipo: quer dizer que nos outros dias você não achava isso.” (30)
- Ressemantizado, indicando mudança para um estado permansivo, como em:
(42) “(...) quando amanheceu... ela::/ ninguém conseguia acordar ela... aí...quando
eles desco... desco/ levaram ela pro médico... descobriram que ela estava morta...”
(65)
- Ressemantizado, do aspecto transitório para o terminativo, como em:
(43) “(...) preparo este arroz ... preparo um molho pra refogar esse arroz ... que eu
coloco alho ... sal ... manteiga ... aí coloco cebola pra dourar ... nessa coisa ... né ...
depois eu ralo cenoura bem ralada e também coloco pra ... nessa fritura ... depois eu
pego tomate e pimentão e vou ... essas coisas eu vou colocando aos poucos ...
depois que esse molho tá todo pronto ... eu jogo o arroz e deixo cozinhar o arroz ...
com a tampa ... né ... pra ele ficar mais abafado e não sair todo o cheiro e o sabor da
294
comida ... não esvair ... assim no vapor (...) ... esse arroz ... quando ele tá assim ...
quase cozido ... eu pego ele ... passo manteiga numa forma de bolo ... essas formas
redondas de bolo e coloco esse arroz e aperto ... soco ... ele fica bem socadinho que
é pra quando eu virar ... ele fique em formato de bolo ... então o arroz tá quase pronto
... já tá sem água ... então eu retiro esse arroz da panela e coloco na forma e deixo
ele esfriar bem socado ... né ... como eu já disse que é pra ele poder virar como bolo
... (...)” (84)
- Ressemantizado, igualando-se a ser para indicar equivalência, como em:
(45) “e uma das melhores partes do filme está na despedida dos alunos e da
homenagem deles ao seu professor” (...) (85)
- Ressemantizado com valor predicativo de ter, como em:
(47) “Eu e minha prima estava brincando na varanda quando chegou um homem e
uma mulher, a mulher estava com uma faca e o homem com uma luva eu e minha
prima saímos (sic) correndo para o banheiro e ovimos (sic) uns barulhos e o ladrões
quebraram tudo que tinha sala.” (67)
(50) “Estou com 32 anos e correndo muito mais que muitos aí. Não do Flamengo,
mas muitos jogadores não jogaram o mesmo que eu. Estou tranquilo com a minha
idade, vou jogar até quando der. (...)” (33)
Verbo auxiliar de gerúndio
- Gramaticalizado como auxiliar, indicando concomitância, como em:
(51) “O nenêm (sic) estava no carrinho brincando de balança uma frauda (sic), e a
babá estava lendo uma revista. (...)” (116)
- Gramaticalizado como auxiliar, indicando uma ação em progressão, como em:
(52) “... em um fim de semana... ele estava se arrumando pra ir ao baile... no morro...
e resolveu passar... um pouco de perfume da... da irmã dele... (...)” (100)
- Gramaticalizado como auxiliar, com aspecto cursivo, como em:
(54) “Não moro mais no Santa Emília. Estou morando no centro do Embu agora.”
(02)
- Gramaticalizado como auxiliar, com aspecto iterativo, como em:
(56) “IBGE: Brasileiro está se casando mais, mas união dura menos” (34)
295
- Gramaticalizado como auxiliar, com aspecto concluso, como em:
(57) (...) A2: Então toma, meu amor [entregando à participante o cartão de crédito do
programa para a participante fazer compras]!
A1: Eu acho que você tá saindo ganhando aqui nessa nossa:: ... nesse nosso
acordo aqui! Vamo embo:ra?
P: De verdade?
A1: De verdade! (...)” (03)
Como verbo impessoal, as ocorrências foram:
Verbo intransitivo
- Usado para expressar tempo, como em:
(03) “(...) aí eu não sabia mais o que eu fazia... que já era/ já estava tarde pra
caramba... e:: eu... eu não tinha nem como voltar pra casa... (...)” (60)
Verbo de predicação
No que diz respeito a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não
foram encontrados casos com o verbo estar impessoal como verbo de
predicação.
Verbo auxiliar de gerúndio
Em relação a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não foram
encontrados casos com o verbo estar impessoal como auxiliar de gerúndio.
296
Outras funções do verbo estar
- Gramaticalizado como advérbio de afirmação, como redução da expressão
afirmativa está bem e de suas variações – está bom, está ótimo, está joia, está
legal, está certo etc., como em:
(59) “(...) Ele falou que... o pessoal chamou ele pra almoçar lá... “ pô cara... vamos
almoçar com a gente aqui embaixo...” não sei o quê... “que você fica fazendo aí
sozinho...” e esse meu irmão é meio gordinho... aí ele veio... ( ) com cento e dez
hoje...
E: nossa...
I: ((riso)) aí ele falou “então tá...” aí ele pegou o prato dele... né? estava fechadinho
lá... tudo... ((riso)) aí sentou na mesa... (...)” (68)
- Gramaticalizado como marcador discursivo, derivado da expressão está bem?
ou tá bem?, na forma interrogativa, e de suas variações – está (tá) bom?, está
(tá) joia?, está (tá) legal? está (tá) certo? etc., funcionando como um pedido de
concordância do interlocutor para a solicitação feita a ele, que pode ou não ser
aceito pelo interlocutor, como em:
(60) “E: agora eu queria que você me contasse... uma história que tenha acontecido
com uma outra pessoa que você conheça... tá? que alguém tenha te contado... e que
você me falasse agora essa história... uma história que você ache interessante... ou
até mesmo triste... tá?” (...)” (69)
- Gramaticalizado, funcionando como a confirmação de um conhecimento
necessário por parte do interlocutor para que este entenda sobre o que o
locutor está falando, como em:
(60) “(...) bom... a minha casa... é no bairro de São Bernardo... tá? novo...
prolongamento do Cesário Alvim... (...)” (70)
- Gramaticalizado como operador argumentativo, funcionando como recurso
coesivo dentro do discurso, como em:
(63) “(...) E: aí mais o quê?
I: aí::... tá... a massa está legal... unto o tabuleiro... né? com óleo... abro a:: a
massa... aí... coloco no forno um pouquinho pra esquentar... venho... com o
queijo... presunto... jogo o molho... a lingüicinha... ovo cozido... milho verde...
orégano... (...)” (72)
297
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No término desta dissertação, são revistos os objetivos que a
orientaram.
Objetivo Geral: Contribuir com os estudos gramaticais do português brasileiro.
Acredita-se que a pesquisa realizada possa contribuir com os estudos
gramaticais do português brasileiro, pois tratou da estrutura sistêmica da língua
vinculada às funções que os verbos ser e estar adquirem no uso efetivo oral e
escrito.
Objetivos Específicos:
1. Descrever o uso dos verbos ser e estar na dimensão lexical:
Os resultados obtidos desses dois verbos permitem afirmar que este
objetivo foi atingido.
No que se refere ao verbo ser:
Este verbo, na dimensão lexical, foi tratado por suas flexões de modo,
tempo, número e pessoa, segundo as regras sistêmicas da estrutura da língua
portuguesa, e ocorreu tanto como verbo pessoal, atualizado como verbo
intransitivo, verbo de predicação e auxiliar, quanto como impessoal.
Como verbo intransitivo pessoal, o verbo ser ocorreu com os sentidos
de “ter essência conhecível graças ao pensamento, ou ter existência
observável graças aos sentidos físicos”; “ter existência real; existir, viver”; ou,
ainda, “[abstrato] sem especificação ou delimitação de tempo, espaço ou
circunstância”.
Como verbo intransitivo impessoal, ocorreu indicando passagem do
tempo, localização em uma determinada época ou condições climáticas.
Como verbo de predicação pessoal, o verbo ser foi selecionado com os
seguintes sentidos:
298

“ter ou apresentar-se em determinada condição ou situação, permanente

“ter (total ou parcialmente) os mesmos atributos, qualidades ou
ou temporária”;
condições que definem ou caracterizam algo ou um grupo, classe ou
conjunto de coisas, entidades ou ideias (...)”;

“ter ou apresentar-se em determinada condição ou situação, permanente

“ter ou ocupar lugar, estar, ficar”;

“apresentar-se como fato; dar-se, ocorrer, acontecer”;




ou temporária”, com valor semelhante ao do verbo estar;
“ter qualidade, característica ou propriedade intrínseca;
“ter determinada designação genérica”;
“ter a mesma importância ou valor que; representar, ter significado,
função, aspecto, efeito etc. equivalente ou relativamente comparável ao
de outra coisa”, exprimindo uma relação A=B e B=A;
“ter a referência ou significado incluído ou implicado pelo significado ou
referência de. (...) Usado em definições para afirmar ou estabelecer
identidade ou equivalência entre palavras, termos, expressões ou entre
aquilo que eles designam, descrevem
exprimindo uma relação A=B e B=A.
ou qualificam”, também
Como verbo de predicação impessoal, o verbo ser ocorreu com o
sentido de “ter qualidade, característica ou propriedade intrínseca (referida ou
mencionada por uma palavra ou expressão)”.
Como auxiliar, o verbo ser ocorreu apenas como pessoal, carregando
as marcas de tempo e pessoa em orações da voz passiva, indicando que algo
ou alguém sofreu ou recebeu; ou por uma ação ou um processo realizado por
algo ou alguém.
Ocorrendo em casos em que o aspecto funcional é mais saliente que o
aspecto semântico, o verbo ser foi sempre impessoal, usado:

no presente do indicativo “por vezes interjetivamente de modo

no presente do indicativo, equivalente a ‘sim’ ou ‘não’, e “com conotação
equivalente a ‘sim’ ou ‘não’;
de ‘talvez’;
299

no presente do indicativo como mecanismo de preenchimento de pausas
no discurso (sem referência direta no dicionário Houaiss, mas pertinente
aos “usos em que o aspecto funcional é mais destacado que o aspecto

semântico”);
com o advérbio de negação não, formando a expressão interrogativa
né?, originária de não é verdade? >não é? >né?, “substituindo o verbo
repetido em interrogações expressivas ou enfáticas ao final de orações”.
No que se refere ao verbo estar:
Este verbo, na dimensão lexical, foi tratado por suas flexões de modo,
tempo, número e pessoa, segundo as regras sistêmicas da estrutura da língua
portuguesa, e ocorreu tanto como verbo pessoal, atualizado como verbo
intransitivo, verbo de predicação e auxiliar, quanto como impessoal.
Como verbo intransitivo pessoal, o verbo estar ocorreu com o sentido
de “encontrar-se (em certo momento ou lugar, transitoriamente)”.
Como
verbo
intransitivo
impessoal,
impessoais, para referir-se à passagem do tempo”.
ocorreu
em
“construções
Como verbo de predicação pessoal, o verbo estar foi selecionado com
os seguintes sentidos:

“Encontrar-se (em certo momento ou lugar, transitoriamente)”;

“ter a companhia de”;

“ficar situado; localizar-se”;




“manter relação conjugal”;
“encontrar-se (em certo momento ou lugar, transitoriamente)”;
“encontrar-se (em determinada posição momentânea)”;
“ter ou apresentar (certa condição física, emocional, material, profissional
etc., não permanente)”.
No que tange a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não foram
encontrados casos com o verbo estar impessoal como verbo de predicação.
Como auxiliar de gerúndio, o verbo estar ocorreu apenas como
pessoal, indicando tempo, modo, número e pessoa.
300
Ressalta-se que, embora existentes, o dicionário Houaiss não traz uma
entrada para usos em que aspecto funcional é mais destacado em relação ao
aspecto semântico.
2. Verificar o uso dos verbos ser e estar na dimensão proposicional:
Acredita-se que este objetivo também foi cumprido.
Quanto ao verbo ser:


Como verbo intransitivo pessoal, o verbo ser ocorreu:
Exprimindo o sentido de existência plena;
como uso apresentativo, próximo do uso pleno de ser.
Como verbo intransitivo impessoal, o verbo ser ocorreu indicando um
acontecimento em uma localização temporal específica;


Como verbo de predicação pessoal, o verbo ser ocorreu:
Apresentando um ser em companhia de outro;
apresentando a localização de entidades móveis, imóveis, eventos e, até
mesmo, de seres animados;

apresentando a localização de um acontecimento no tempo;

atribuindo características a pessoas, objetos, acontecimentos, situações



exprimindo a noção de modo;
etc.;
estabelecendo uma relação de igualdade ou equivalência entre os
referentes de uma oração;
descrevendo uma relação possuidor x possuído, ou de algo que foi
conquistado ou alcançado.
Como verbo de predicação impessoal, o verbo ser ocorreu auxiliando
na modalização de orações.
Como auxiliar, o verbo ser ocorreu apenas como pessoal, auxiliando o
verbo principal, no particípio, na construção da voz passiva, atribuindo as
noções de tempo, modo, número e pessoa.
301
Na dimensão proposicional, ocorrendo em casos em que o aspecto
funcional é mais saliente que o aspecto semântico, o verbo ser foi sempre
impessoal, com as seguintes funções:

Exprimindo uma confirmação;

colocando-se em forma de pergunta ao final de orações;


iniciando um discurso;
preenchendo possíveis lacunas no discurso.
Quanto ao verbo estar:


Como verbo intransitivo pessoal, o verbo estar ocorreu:
Com o sentido pleno, mais próximo de seu sentido etimológico;
exprimindo a noção de tempo.
Como verbo intransitivo impessoal, o verbo estar ocorreu indicando um
acontecimento em certa circunstância temporal.
Como verbo de predicação pessoal, o verbo estar ocorreu:

Apresentando um ser acompanhado de outro;

apresentando a localização de seres, entidades e eventos;







exprimindo a noção de relacionamento amoroso entre duas pessoas;
exprimindo a noção de período de tempo;
exprimindo a noção de modo;
atribuindo características, na maioria das vezes, passageiras ou
superficiais, a pessoas, objetos, acontecimentos, situações etc.;
estabelecendo uma relação de igualdade ou equivalência entre os
referentes de uma oração;
descrevendo uma relação possuidor x possuído, ou de algo que foi
conquistado ou alcançado;
exprimindo a noção de idade;
No tocante a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não foram
encontrados casos com o verbo estar impessoal como verbo de predicação.
Como auxiliar, o verbo estar ocorreu apenas como pessoal, auxiliando
o verbo principal, no gerúndio, indicando tempo, modo, número e pessoa.
302
Nessa dimensão, o verbo estar também ocorreu em casos em que o
aspecto funcional é mais saliente que o aspecto semântico, sempre como
impessoal, com as seguintes funções:

Exprimindo uma confirmação;

conectando partes de um discurso.

colocando-se em forma de pergunta ao final de orações;
3. Buscar as diferentes funções atualizadas na dimensão pragmáticodiscursiva, relativas à ressemantização e à gramaticalização, no uso dos
referidos verbos.
Acredita-se ainda que este objetivo tenha sido cumprido.
No que se refere ao verbo ser:
O verbo ser foi atualizado com as seguintes funções:
Como verbo intransitivo pessoal, o verbo ser não apresentou
gramaticalizações ou ressemantizações.


Como verbo intransitivo impessoal, o verbo ser foi usado:
Em narrativas, como resquício do uso pessoal pleno;
para expressar tempo.
Como verbo de predicação pessoal, o verbo ser ocorreu:

Ressemantizado com valor locativo;

ressemantizado com valor locativo permanente;



ressemantizado com valor de superlativação;
ressemantizado com valor descritivo de parte e todo;
ressemantizado por um valor de transitoriedade, correspondente à
duração;

ressemantizado com valor temporal;

ressemantizado com valor de transitoriedade;



ressemantizado com valor locativo permansivo;
ressemantizado com valor de transitoriedade e intensidade;
ressemantizado com valor de estado;
303

ressemantizado com aspecto frequentativo;

ressemantizado com valor de posse alienável na relação possuidor



ressemantizado com o valor de constância, com aspecto frequentativo;
possuído;
gramaticalizado na expressão “ser de menor”;
gramaticalizado como expressão de negação.
Em estruturas equativas, o verbo ser não sofre ressemantização, é
sempre permansivo.
Como
verbo
de
predicação
ressemantizado com valor opinativo.
impessoal,
o
verbo
ser
ocorreu
Como auxiliar, o verbo ser ocorreu apenas como pessoal e foi gramaticalizado
como verbo de auxiliar, indicando tempo, modo número e pessoa, com valor
permansivo, ou mesmo, permansivo progressivo.
Na dimensão pragmático-discursiva, ocorrendo em casos em que o
aspecto funcional é mais saliente que o aspecto semântico, o verbo ser foi
sempre impessoal, e:

Gramaticalizado como advérbio de afirmação;

gramaticalizado como marcador discursivo, introduzindo um discurso e




gramaticalizado como marcador discursivo, introduzindo o discurso;
concordando com algo que foi afirmado anteriormente;
gramaticalizado como marcador discursivo, introduzindo um discurso e
expressando certa discordância de algo que foi dito ou que aconteceu
anteriormente;
gramaticalizado como marcador discursivo, oriundo da expressão não é
verdade, funcionando como pergunta retórica e usado como estratégia
interativa, para manter contato com o ouvinte;
gramaticalizado como marcador discursivo, oriundo da expressão não é
verdade?, funcionando como pergunta não-retórica, ajudando a orientar a
resposta do ouvinte, de quem o falante espera uma confirmação, que não

necessariamente seja respondida por “é”;
gramaticalizado, na expressão não é verdade, e usado com valor de
confirmação indagada, como pergunta não-retórica, a fim de receber uma
resposta do ouvinte;
304


gramaticalizado, na expressão não é verdade?, e usado com a função
discursiva de marcar comentários do próprio falante acerca do assunto
falado, podendo ou não pedir a resposta do ouvinte;
gramaticalizado como preenchedor de pausa, funcionado como uma
espécie de elo, preenchendo as lacunas e unindo os trechos proferidos pelo
falante para a manutenção da linearidade da fala, ajudando-o, assim, a não
perder o fluxo da fala enquanto pensa, e indicando que mais algo será dito
em seguida.
No que se refere ao verbo estar:
O verbo estar foi atualizado com as seguintes funções:
Como verbo intransitivo pessoal, o verbo estar não apresentou
gramaticalizações ou ressemantizações.
Como verbo intransitivo impessoal, o verbo estar foi usado para
expressar tempo.


Como verbo de predicação pessoal, o verbo estar ocorreu:
Ressemantizado com valor permansivo;
ressemantizado como indicação de relacionamento amoroso entre duas
pessoas;

ressemantizado com o valor de não ser convocado para jogar em uma

ressemantizado com o sentido de não pertencer a certa denominação

ressemantizado com o sentido de estar fora da prisão;

ressemantizado com valor de reiteração de um sucesso próximo (=

partida;
cristã;
ressemantizado com valor de ocorrência em;

repetição);

ressemantizado com o sentido de “ficar”, ou seja, mudança de estado;




ressemantizado, do aspecto cursivo para o continuativo;
ressemantizado com aspecto frequentativo;
ressemantizado com valor de refuta;
ressemantizado, indicando mudança para um estado permansivo;
305

ressemantizado, do aspecto transitório para o terminativo;

ressemantizado com valor predicativo de ter;






ressemantizado, igualando-se a ser para indicar equivalência;
gramaticalizado como auxiliar, indicando concomitância;
gramaticalizado como auxiliar, indicando uma ação em progressão;
gramaticalizado como auxiliar, com aspecto cursivo;
gramaticalizado como auxiliar, com aspecto iterativo;
gramaticalizado como auxiliar, com aspecto concluso.
No que diz respeito a essa dimensão, nas ocorrências analisadas, não
foram encontrados casos com o verbo estar impessoal como verbo de
predicação.
Em relação a essa dimensão, nas ocorrências analisadas o verbo estar
ocorreu apenas como pessoal, auxiliando o verbo principal, no gerúndio,
indicando tempo, modo, número e pessoa.
Ocorrendo em casos em que o aspecto funcional é mais saliente que o
aspecto semântico, o verbo estar foi sempre impessoal, com as seguintes
funções:


Gramaticalizado como advérbio de afirmação, como redução da
expressão afirmativa está bem e de suas variações – está bom, está
ótimo, está joia, está legal, está certo etc.;
gramaticalizado como marcador discursivo, derivado da expressão está
bem? ou tá bem?, na forma interrogativa, e de suas variações – está (tá)
bom?, está (tá) joia?, está (tá) legal? está (tá) certo? etc., funcionando
como um pedido de concordância do interlocutor para a solicitação feita


a ele, que pode ou não ser aceito pelo interlocutor;
gramaticalizado, funcionando como a confirmação de um conhecimento
necessário por parte do interlocutor para que este entenda sobre o que o
locutor está falando;
gramaticalizado como operador argumentativo, funcionando como
recurso coesivo dentro do discurso.
306
Os pressupostos teóricos que orientaram esta dissertação foram
adequados para se atingir os objetivos traçados, pois as dimensões propostas
por Givón (1993) propiciaram que se tratassem as variações de uso dos verbos
ser e estar. Na dimensão lexical, foi tratada a seleção lexical, no conteúdo
vocabular, realizada pelo locutor, que, ao seguir as regras sistêmicas, atualiza
esses verbos como pessoal e impessoal; na dimensão proposicional, os verbos
ser e estar constroem, com seu uso, diferentes sentidos, a fim de propiciar a
transmissão de mensagens; na dimensão pragmático-discursiva, a variação de
uso dos verbos ser e estar é guiada pela intenção do locutor ao interagir com
seu interlocutor.
Esta dissertação não se quer conclusa. A pesquisa realizada abre
novas perspectivas para a investigação das variações de uso dos verbos ser e
estar, a fim de caracterizar em quais variedades/ variações esses verbos
possam ser classificados, de forma a diferenciar falantes de baixo nível de
escolaridade dos de média e alta escolaridade.
307
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VILELA, Mário; KOCH, Ingedore Villaça. Gramática da Língua Portuguesa –
Gramática da palavra. Gramática da frase. Gramática do texto/discurso.
Coimbra: Almedina, 2001. p. 64-184.
VOTRE, Sebastião Josué; OLIVEIRA, Mariângela Rios de. (Coords.). Corpus
Discurso e Gramática: a língua falada e escrita na cidade do Rio de
Janeiro – materiais para seu estudo. Vol.1.Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.
Disponível
em:
<http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/download/rio_de_janeiro_a.pdf>.
_____________________; _________________________. (Coords.). Corpus
Discurso e Gramática: a língua falada e escrita na cidade do Rio de
Janeiro – materiais para seu estudo. Vol.2.Rio de Janeiro: UFRJ,
1995.Disponível
em:
<http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/download/rio_de_janeiro_b.pdf>.
_____________________. Um paradigma para a Linguística Funcional. In:
MARTELOTTA, Mário Eduardo; VOTRE, Sebastião Josué; CEZARIO, Maria
Maura. (Orgs.). Gramaticalização no português do Brasil – uma abordagem
funcional. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ, Departamento de
Linguística e Filologia, 1996. p.27-43.
_____________________; OLIVEIRA, Mariângela Rios de. (Coords.). Corpus
Discurso e Gramática: a língua falada e escrita na cidade do Rio Grande –
materiais para seu estudo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. Disponível em
<http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/download/rio_grande.pdf>
_____________________; _________________________. (Coords.). Corpus
Discurso e Gramática: a língua falada e escrita na cidade de Juiz de Fora
– materiais para seu estudo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. Disponível em:
<http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/download/juiz_de_fora.pdf>
_____________________; _________________________. (Coords.). Corpus
Discurso e Gramática: a língua falada e escrita na cidade de Niterói –
materiais para seu estudo. Rio de Janeiro: UFF, 1998. Disponível em:
<http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/download/niteroi.pdf>
312
ANEXOS
Anexo I – Conjugação dos verbos ser e estar (Cunha e Cintra,
p. 413-416)
313
314
315
316
Anexo II – Conjugação da voz passiva – ser e estar (Cunha e
Cintra, p. 419-421)
317
318
319
Anexo III – Conjugação dos verbos auxiliares mais comuns
(Bechara, 2009, p. 254-256)
320
Anexo IV – Conjugação de um verbo composto na voz passiva:
ser amado (Bechara, 2009, p. 260-261)
321
Anexo V – Constituição da amostra
A fim de verificar os usos dos verbos ser e estar no português
brasileiro, foram coletadas ocorrências, orais e escritas, formais e informais, em
diversas situações reais de comunicação.
1. Ocorrências coletadas em situação de fala oral coloquial
(01) “Nossa, mãe, que chata! ((risos)) Eu não tô dizendo que você é:::: chata, mas você tá
chata ((risos))!”
(Conversa entre mãe e filha em que a mãe diz que não vai deixar a filha colocar um piercing na
orelha, muito embora já tenha permitido que a filha fizesse tatuagens.)
(02) “Não moro mais no Santa Emília. Estou morando no centro do Embu agora.”
(Resposta dada por uma pessoa ao ser indagada sobre o porquê de ter “sumido” do bairro
Santa Emília.)
2. Ocorrências coletadas em programas televisivos
(03)
(...)
A1: Quanto cu/quanto vale essa consultoria, Arlindo?
A2: Olha ... a/as duas juntas?
A1: Muito mais que dez mil, não é:?
A2: Bota aí uns seis dígitos (risos) ...Tô brincando, gente.
A1: Quanto será que vale o Rodrigo Cintra pegá no seu cabelo e fazer uma transformação?
A2: E Vanessa ... , te ensinar a fazer a maquiagem certa?
A1: Vale, né?
P: Vale ...
A2: Então toma, meu amor (entregando à participante o cartão de crédito do programa para a
participante fazer compras)
A1: Eu acho que você tá saindo ganhando aqui nessa nossa:: ... nesse nosso acordo aqui!
Vamo embo:ra?
P: De verdade?
A1: De verdade!
322
A2: De verdade, de verdade!
(...)
(Trecho de fala de um episódio do programa Esquadrão da Moda, exibido em 21/02/2015, em
que uma participante, indicada por um conhecido, por não saber se vestir adequadamente,
recebe uma consultoria de moda e estilo e passa por uma transformação no visual. O transcrito
acima é um trecho da fala no momento em que os apresentadores do programa abordam a
participante com o intuito de convencê-la a participar do programa.)
Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_gccpeU-_MY> (3’02’’ a 3’27”)
3. Ocorrências coletadas em vídeos de canais da internet
(04) “(...) Esse é o poder da maquiagem na minha vida. (...) Eu quero que vocês vejam uma
coisa: [pausa e tapando o lado esquerdo do rosto e deixando à mostra o lado direito, não
maquiado] Eu me aceito desse jeito. [pausa e, agora, tapando o lado direito do rosto, deixando
à mostra o lado esquerdo, maquiado]. E eu me aceito desse jeito também. (pausa) Quero que
vocês entendam que aqui [gesticulando com a mão em torno do lado maquiado], eu não sou
diferente daqui [gesticulando com a mão em torno do lado não maquiado do rosto]. São as
mesmas pessoas. Sou a mesma pessoa. (...)”
(Fala de uma vlogger do canal YouTube após ter maquiado a metade vertical esquerda do
rosto em um de seus vídeos, intitulado “A importância da maquiagem na vida de uma mulher |
ACEITAÇÃO”, por meio do qual, segundo ela própria, quer tentar desmentir o julgamento de
que quem usa maquiagem é fútil, quer esconder uma beleza ou não se aceita.
Vídeo disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=MdO8d3gkMqI> (5’10” a 5’35”)
4. Ocorrências coletadas no decorrer da pesquisa
A) CASTILHO (2014)
(05) “(...) Meu filho está alto.” (p. 398)
(06) “É mal que você não se preocupe com seus amigos.” (p. 400)
323
B) ARRAIS (1984)
(07) “A igreja é no alto da cidade.” (p. 79)
(08) “A igreja é ao lado da prefeitura.” (p. 79)
(09) “A festa é na rua.” (p. 79)
C) BAGNO
(10) “Agora, Inês é morta.” (p. 615)
5. Ocorrências coletadas na Bíblia de Jerusalém
(11) “13Moisés disse a Deus: “Quando eu for aos israelitas e disser: ‘O Deus de vossos pais me
enviou até vós’, e me perguntarem: ‘Qual é o seu nome?’ que direi?”
14Disse
Deus a Moisés:
“Eu sou aquele que é.” Disse mais: “Assim dirás aos israelitas: ‘EU SOU me enviou até vós.’ ”
(Êxodo 3, 13-14, p.106)
(12) “1No princípio era o verbo e o verbo estava com Deus e o verbo era Deus.
2No
princípio, ele estava com Deus. 3Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito.”
(João 1, 1-3, p.1842)
(13) “20(...) E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mateus
28, 20, p. 1758)
6.
Ocorrências coletadas no livro Mr. Slang e o Problema Vital, de
Monteiro Lobato
(14) “A nossa gente rural possue ótimas qualidades de resistência e adaptação. É boa por
indole, meiga e dócil. O pobre caipira é positivamente um homem como o italiano, o português,
o espanhol.
Mas é um homem em estado latente.
Possue dentro de si grande riqueza de forças.
324
Mas força em estado de possibilidade.
E é assim porque está amarrado pela ignorancia e falta de assistência às terríveis endemias
que lhe depauperam o sangue, catequizam o corpo e atrofiam o espírito. O caipira não “é”
assim. “Está” assim.
Curado, recuperará o lugar a que faz jus no concerto etnológico.” (p.285)
7. Ocorrências escritas diversas coletadas em sites da internet
(15)
AUTOLEITURA
“Aproximo-me de mim mesmo. Há uma aflição imediata. Como é difícil ler-me. Ao
buscar essa autoleitura, sinto que meus cacos despencam, pouco a pouco, ou mesmo
simultaneamente, de modo que não posso catá-los em um só reflexo. Então, descubro
que
ESTOU
estando,
constantemente.
Não
SOU.
Se
fosse,
não
estaria
despedaçando. Estou universitário. Estou iguapense. Estou freqüentador da Roça da
Sabina. Estou poeta. Estou cientista. Estou lingüista. Estou gramático. Estou disposto.
Estou indisposto. Estou alegre. Estou deprimido. Estou apressado. Estou em outra
temporalidade. Estou unicultural. Estou policultural. Estou na tensão; estou no entre-
lugar... Quando escrevo algum texto poético ou acadêmico, cada leitura é uma leitura.
Aproximo-me dos escritos, instante a instante, e acrescento, reordeno, risco, julgo-o
razoável; não o cristalizo. Por isso, ensaio. Por isso, estou embebido de croquis. Não
os considero como estudos fechados. Ensaios, talvez. Mas não desejo territorializá-
los. Deixem que se auto-ajustem. Porque penso que sempre há o que falar. Vozes
entretecidas
estão
sempre desenhando
figuras
diferentes.
Figuras
que se
movimentam. Que ganham determinada animação. É difícil acompanhar esse
movimento. Daí, temos o hábito de paralisar. Mas, ler é viver. E viver nunca foi
estatizar. O ‘’Rascunho Digital’’ é algo que dá idéia desse movimento. Aqui, então, vai
uma voz. Uma das muitas diferentes que se entrecruzam e debatem nessa teia
polifônica. Estou rascunhando, nesse momento. Por isso, não meço as palavras.
Apenas, despejo-as. Busco senti-las. E a minha leitura, penso, está no incompleto, no
meu processo identitário. Está na minha vida. E como tal, não posso esgotá-la.
Apenas, sei que, nesse exato momento, todos seguimos estando... Porque somos
iguais, virtualmente.”
<http://www.rascunhodigital.faced.ufba.br/ver.php?idtexto=27> Publicado em 27/07/2009
(16)(...) “Aqui estou, tristeza, feita de ausência e incerteza, de muros altos que não consigo
transpôr (sic). A esta saudade, nostalgia e solidão, procuro contrapôr (sic), sem sucesso, uma
325
fingida alegria e só no silêncio encontro a recordação que me anima e a confiança num novo
dia.”
<http://gaiola-de-lilith.blogspot.com.br/2011/03/aqui-estou-estando-sem-estar.html>
em 12/03/2011
Publicado
(17) “(...) Sem saber que um dos fotógrafos estava com a câmera ligada, a atriz afirmou estar
solteira e ao ser perguntada se voltaria para o ex-marido questionou: "Voltar para ele? Ele tá
com a Isis. Como vou voltar para ele? (...)"
<http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/ele-esta-com-a-isis-diz-grazi-sobre-o-ex-maridocaua> Publicada em 14/02/2014.
(18) “(...) Um retrato do Brasil. É assim que o Google vê o Orkut. Pelo menos é assim que ele é
descrito pelo gerente de marketing da empresa no País, Valdir Leme.
Aos sete anos de idade – o aniversário foi em 24 de janeiro – a única rede social do Google
que vingou enfrenta outra rede, que também tem sete anos mas está bem mais crescidinha: o
Facebook. O site de Zuckerberg desafia a rede social que só é popular mesmo no Brasil a se
manter competitiva como plataforma de criação de aplicativos.
O escritório de desenvolvimento do Orkut, que conta com algo em torno de 50 engenheiros,
fica em Belo Horizonte. As áreas comerciais e financeiras estão em São Paulo. Essa
nacionalização de uma rede que já almejou ser global mostra bem o que o Brasil representa
para o Orkut: seu último foco de resistência, o único país em que ele ainda é o líder em número
de usuários. (...)”
<http://link.estadao.com.br/noticias/geral,quem-esta-ai,10000040534> Publicado em
13/02/2011 | 19h45
(19) “O Projeto Autobahn prova o seu constante sucesso há mais de uma década, passando
por diversas casas noturnas, mas com o mesmo repertório de grandes sucessos dos anos 80
como: Cure, New Order, Smiths, Depeche, U2, Simple Minds, Midnight Oil, Pet Shop Boys,
Information Society, Soft Cell, Human League, Madonna, Erasure, Duran, George Michael, Aha, REM, Yazoo, Pretenders, Tears for Fears, Queen, Cyndi Lauper, B-52's, Echo, Joy, Sisters,
RPM, Titãs, Ramones, Oingo Boingo, Clash,etc.
Atualmente a festa está na Vila Madalena, muito bem localizada, a casa possui 03 andares,
sendo a pista ampla situada em seu piso térreo. Há 02 bares, piso térreo e 1º andar. Toaletes
situados no 1º e 2º andar. Mesinhas e videogame no 2º andar. Caixa no 1º andar. Chapelaria
no térreo, próximo a entrada.”
<https://kekanto.com.br/biz/projeto-autobahn> Publicado em 02/09/2012
326
(20) “Estivemos por 4 dias, adoramos tudo, principalmente o atendimento e atenção, o carinho
com nosso pequeno, que fala todos os dias que quer ir na fazenda rsrs... A programação do dia
das crianças foi muito legal!!! Valeu” ( )
<http://www.portaldosolhotelfazenda.com.br/depoimentos/179>
(21) “HDT [Hospital de Doenças Tropicais – Goiânia-GO] considera remota possibilidade de
mulher internada estar com vírus Ebola
Paciente esteve por dez dias em Moçambique e apresentou sintomas semelhantes ao da
doença, como febre e diarreia.(...) O país não é foco do surto da doença, mas por estar
localizado no continente africano ela foi orientada a procurar atendimento de saúde
especializado caso apresentasse sintomas. (...) ”
<http://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/mulher-que-esteve-em-mocambique-einternada-hdt-com-diarreia-e-febre-sintomas-ebola-11504/> Publicada em 01/08/2014.
(22) “Benítez elogia o Real Madrid: ‘estamos bem, melhor do que as pessoas pensam’
O técnico Rafa Benítez revelou nesta sexta-feira que considera que o Real Madrid já se
recuperou da goleada sofrida diante do Barcelona por 4 a 0 há duas semanas, após vitórias
sobre Shakhtar Donetsk, Eibar e Cádiz, e que o time não merece tantas críticas quanto vem
recebendo. (...) "
<http://espn.uol.com.br/noticia/562358_benitez-elogia-real-madrid-estamos-bem-melhor-doque-as-pessoas-pensam> Publicado em 04/12/2015
(23) “(...) Pergunta: Quais são os benefícios de educar em casa?
Tom: Na minha opinião, educar em casa é um luxo. Não é uma opção para todos. Mas se
você puder arcar com os custos é a melhor educação que uma criança pode ter. Para
começo de conversa, você prefere que seus filhos passem o dia inteiro com professores
mal-pagos que trabalham demais ou com a mãe que cuidará deles melhor que qualquer
um? Eles estão melhor com a mãe, é claro, já que ela tem o bem-estar dos filhos como
prioridade. (...)”
<http://www.criandoriqueza.com.br/creating-wealth/por-que-nao-estou-guardando-dinheiropara-a-faculdade-dos-meus-filhos-2/?xcode=XCICOS01> Publicado em 16/10/2015.
327
(24) “Por algum milagre, até que não está mal o Oscar 2016. Se não há, entre os oito indicados
a melhor filme, nenhum à altura de "Sniper Americano", do esnobado Clint Eastwood, temos ao
menos cinco bons longas - em 2015 eram três (...)”
<http://m.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/02/1744025-por-um-milagre-ate-que-o-oscar-desteano-nao-esta-mal.shtml>
Publicado em 28/02/2016.
(25) “Maria Casadevall conversou sobre vida pessoal com Angélica durante uma gravação do
programa "Estrelas". Apesar dos boatos de envolvimentos com Caio Castro, a atriz de "Amor à
Vida" garantiu queestá solteira e afirmou que gosta de se dedicar aos relacionamentos
amorosos. (...)”
<http://www.purepeople.com.br/noticia/maria-casadevall-diz-que-esta-solteira-e-afirma-soubem-resolvida-e-romantica_a10790/1>
Publicada em 01/10/2013.
(26) “Rsrrsrsrs estou rindo aki dos comentários! Me encontrei em muitos… To lembrando d qnd
ia ao endocrino e chorava na hra de medir, era um sofrimento, uma angústia pra mim poder ter
crescido meio centímetro que fosse…Até exame para ver minha iadade óssea (sic), pra ver se
iria crescer mais, ja fiz! Minha história em relação a isso é longa, mas só p citar um episódio, ja
simulei q tinha tomado tombo e virado de pé só para colocar uma havaiana q estava no carro,
em uma festa esporte fino, devido a um homem (ahhhh sempre eles) q eu estava afim na
época, e passou do meu lado e disse “nossa como vc esta alta assim da até medo”!!!! hahaha
com essas palavras…só sei q manquei a festa inteira de havaianas (pra n rolar nada)…e até
qnd fui embora p casa ainda estava mancando, acho q até dor d verdade eu senti! E esse n foi
o único na minha vida q disse isso…
Sem comentários!!! Pra q se rebaixar dessa forma por caras q, no mínimo, foram covardes em
fazer este cometário? (...)”
<https://deborawolf.com.br/2010/04/02/homem-tem-receio-de-mulher-mais-alta/>
em 28/09/2010
Publicado
(27) “Sintomas como dor de cabeça e tontura são capazes de indicar que a pressão arterial
está baixa (hipotensão), mas podem ser também sinais de hipertensão (pressão alta). Como
as sensações são as mesmas, muitos casos de hipertensão – que é uma doença grave, ao
contrário da hipotensão – podem passar despercebidos e causar problemas. (...)”
<http://coracaoevida.com.br/cardiologia/hipertensao-pode-ser-confundida-com-pressao-baixa/>
Publicado em 15/04/2015.
(28) “199
O que é que quando está branco está sujo e quando está preto está limpo?
(Victoria Tabarelli, 10 anos, São Paulo-SP)
328
RESPOSTA: O quadro-negro.
<http://www.divertudo.com.br/adivinhas20.htm>
(29) “(...) 2. Uma vez que você está branca é muito difícil tomar aquele solzinho no sábado, por
3 horas, e ficar bronzeada.Eu fico vermelha. Hoje preciso de uns bons 7 dias tomando sol com
cautela – protetor, horas certas etc etc – pra pegar uma cor. E CADÊ os 7 dias de férias pra
fazer isso? Pois então.
Dá pra entender que a soma de 1 + 2 = para mim não faz nenhum sentido tomar sol… Porque
não compensa né, prefiro continuar branca do que ser uma tostada tentativa de bronze mal
sucedida, coisa que além de não funcionar esteticamente vai acelerar o processo de
envelhecimento da minha pele. (...)”
<http://diadebeaute.vogue.globo.com/2010/03/mas-como-assim-voce-nao-toma-sol-oi-diario/>
Publicado em 26/03/2010.
(30)
"Nossa, como você está bonita/bonito hoje!". Vocês acham isso um elogio?
Queridos Yahooistas, boa noite
Vira e mexe, pessoas falam para outras: nossa, como você está bonito hoje!!!
As vezes eu tenho medo de dizer isso, pois a pessoa pode interpretar como algo do tipo: quer
dizer que nos outros dias você não achava isso.
Enfim, qual é a opinião de vocês sobre a frase... e a segunda pergunta: vocês gostam de ouvir
isso?
Um grande abraço a todos e uma ótima semana.
<https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110529162413AAtL7Cf>
(31) " 'Não sou ministro. Estou ministro.' A frase, pronunciada pelo então ministro da Educação,
em sua simplicidade radical ficou sendo uma das melhores expressões do velhíssimo problema
que tenta definir a relação do intelectual com o poder. Pronunciou-a, em causa própria,
Eduardo Portella, que aceitara o cargo num momento em que a morte da ditadura e a abertura
política eram consideradas iminentes. (...)”
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/72186-os-80-anos-de-portella.shtml>
16/10/2012.
Publicado em
(32) “(...) Separada há dois anos de Daniel de Oliveira, Vanessa Giácomo está novamente
casada. Ela e o empresário esportivo Giuseppe Dioguardi decidiram juntar as escovas de
dentes e estão morando juntos. A novidade foi contada por Giuseppe durante o Prêmio
Contigo! de TV, na noite desta segunda-feira.
Ao ser questionado sobre o namoro com a atriz, Giuseppe respondeu: “Nós estamos casados
há dois anos. Já moramos juntos, e eu me dou muito bem com os filhos dela (...) ”.
<http://extra.globo.com/famosos/empresario-confirma-que-esta-casado-com-vanessa-giacomome-dou-muito-bem-com-os-filhos-dela-13419177.html>
Publicada em 29/07/2014.
329
(33) “Já garantido na elite do Brasileiro, este final de ano será usado para o técnico Vanderlei
Luxemburgo observar os jogadores. O treinador já deu mostras de que tem preferência por
atletas mais jovens. Um dos mais experientes do Flamengo com 32 anos, Renato prefere não
entrar no assunto reformulação de elenco para a próxima temporada.
- Se ficar, reduzir a idade ou não não cabe a mim dizer (sic). Estou com 32 anos e correndo
muito mais que muitos aí. Não do Flamengo, mas muitos jogadores não jogaram o mesmo que
eu. Estou tranquilo com a minha idade, vou jogar até quando der. A diretoria sabe do nosso
pontencial, da nossa capacidade. Ano que vem, a mentalidade será totalmente diferente admite o apoiador. (...)”
<http://www.lance.com.br/todos-esportes/renato-estou-com-anos-correndo-mais-muitos.html>
Publicada em 01/12/2010.
(34)
“IBGE: Brasileiro está se casando mais, mas união dura menos.
Duração média do matrimônio passou de 19 para 15 anos entre 1984 e 2014; número de
casamentos entre pessoas do mesmo sexo cresceu 31,2%, segundo pesquisa.
<http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ibge-brasileiro-esta-casando-mais-mas-uniao-duramenos> Publicada em 30/11/2015.
(35)
“Estou estando – Quem inventou o maldito gerúndio?
(...) Não é que eu tenha encarnado um professor Pasquale não. De jeito nenhum. Adoro a
língua falando bem, adoro a língua bem falada. Mas acredito piamente no óbvio: a contribuição
milionária de todos os erros do povo garantindo sempre (e aqui sim vale o presente contínuo),
garantindo sempre o fluxo vital de uma língua. É justamente por isso que não gosto deste
neogerúndio emergente. Ele nem é um erro, pelo contrário, é uma tentativa de acerto. É uma
formulação pra inglês ver e aprovar. E já que é para tentar ser fino, digo então que esta
gerundização tardia do porvir é o aportuguesamento chinfrim, genuflexo, de um inglês
corporativo, talvez não menos chinfrim, mas pelo menos existente na gramática bretã. (...)”
<http://revistatrip.uol.com.br/trip/estou-estando> Publicado em 21/09/2005
(36) “Barra: São João é na Barra (...)
A Prefeitura Municipal de Barra divulgou hoje a programação das Bandas do São João 2015
que irão fazer os nove dias de festa do município. (...)”
<http://revistabarramagazine.com.br/blog/2015/06/01/barra-confira-a-programacao-das-bandasdo-sao-joao-2015/> Publicada em 01/06/2015
330
(37) “A Avenida Paulista, ponto de encontro de diversas tribos nos finais de semana, oferece
várias opções de shows e atividades culturais para quem busca diversão no meio da semana.
(...)
Nesta quinta-feira (23), quem se apresenta é a cantor Dani Black. No Itaú Cultural, os shows
são em quintas alternadas, sempre às 20h. O projeto começou em fevereiro deste ano e os
shows são na Sala Itaú Cultural. (...)”
<http://g1.globo.com/sao-paulo/blog/o-que-fazer-em-sao-paulo/post/avenida-paulista-temmusica-de-graca-no-meio-da-semana.html> Publicada em 24/09/2015.
(38) “(...) Talher é na gaveta: Uma solução para organizar os talheres é guardá-los em gavetas.
Se você tiver um grande jogo, opte por um gaveteiro pequeno e distribua cada tipo de talher
em uma gaveta. Caso contrário, compre divisórias e guarde separadamente os garfos, as facas
e as colheres. (...)”
<http://www.suadieta.com.br/Materias/660/saude/10-dicas-que-vao-deixar-a-sua-cozinha-emordem>
(39) “(...) sou a favor de caprichar na mesa dos doces e deixar simples a mesa dos convidados,
pq a maioria das fotos são na mesa do bolo.”
<https://www.casamentos.com.br/forum/inspiracao-para-mesa-de-doces--t64998>
em 27/05/2014
Publicado
(40) “Resort| Hotel barato é no Decolar.com”
“Apartamentos| Hotel barato é no Decolar.com”
“Hotéis All inclusive| Hotel barato é no Decolar.com”
“Suítes| Hotel barato é no Decolar.com” ( )
<https://www.google.com.br/search?q=Resort%7C+Hotel+barato+%C3%A9+no+Decolar.com&
rlz=1C1DIMA_enBR675BR675&oq=Resort%7C+Hotel+barato+%C3%A9+no+Decolar.com&aq
s=chrome..69i57.518j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-
8#q=%22Hotel+barato+%C3%A9+no+Decolar.com%22 >
(41) “Antes de tudo vamos pensar que relacionamento não é apenas trocar os status do
facebook [sic], ser solteira é um estado de espírito, só entende realmente quem é solteiro.(...)”
<http://dicasdeamor.com/10-dicas-para-ser-solteira-e-feliz/>
(42) “Normalmente, a pressão arterial é mais baixa pela manhã, enquanto é mais alta à noite.”
(...)
331
<http://www.fisioterapiaparatodos.com/p/problemas-de-circulacao/pressao-diastolica-alta/>
(43) “Sou branca mas no momento estou bronzeada, o que fazer para voltar a cor normal em
no maximo dois meses?”
<https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20130929185835AAKmd0l>
(44) “ ‘Sou uma preta lacradora, inteligente e cotista que entrou em letras no seu lugar’ - com
essa frase, Lorena Cristina de Oliveira Barbosa, 20, rebateu crítica ao sistema de cotas feita
por uma jovem, nesta semana, em sua página do Facebook. O comentário viralizou na internet.
A moça que fez o comentário pesado e contrário ao sistema se referiu ao vestibular da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais) em que disse ter concorrido também a uma vaga no
curso de letras. Ela disse que havia conseguido a 239ª colocação, mas não seria aprovada por
causa dessas "merdas de cotas" - havia um total de 260 vagas. (...)”
<http://educacao.uol.com.br/noticias/2016/01/22/estudante-rebate-critica-a-cotas-na-ufmg-souuma-preta-lacradora.htm> Publicado em 22/01/2016.
(45) “Eu sou muito nervosa e ansiosa. As vezes (sic) tenho crises de choro e nervoso, pois
tenho medo da minha mãe morrer e eu ficar sozinha. Que faço?”
<http://www.minhavida.com.br/saude/perguntas/69531-eu-sou-muito-nervosa-e-ansiosa-asvezes-tenho-crises-de-choro-e-nervoso-pois-tenho-medo-da-minha-mae-morrer-e-eu-ficarsozinha-que-faco>
(46) “Justin Bieber diz que Selena Gomez é bêbada
Selena Gomez deixou o mundo inteiro chocado quando notícia de que ela se internou em uma
rehab foi divulgada e, claro, os rumores de que a culpa seria de Justin Bieber começaram… No
entanto, o cantor estaria gargalhando disso! (...)”
<http://br.eonline.com/2014/selena-gomez-aparece-em-publico-apos-rehab/>
Publicado em 08/02/2014.
(47) “Meninas, sei que vocês andam aborrecidas com os exageros masculinos, sei que tem
muito pilantra por aí que chama desrespeito de elogio, e sei que um dedo oleoso vindo sabe-se
lá de onde para pousar em seus belos cabelos é um atentado à civilidade. Mas, meninas, por
favor, deixem as cantadas masculinas em paz.
Eu odiaria viver num mundo em que não posso ver uma moça bonita na rua e dizer para ela o
quanto ela é bonita. Apenas uma simples frase: “Moça, você é muito bonita, sabia? (...)”
<http://oglobo.globo.com/rio/voce-muito-bonita-10012199> Publicado em 18/09/2013.
332
(48) “Podem dizer o que quiserem, mas eu sei quando sou chata e nestas últimas duas
semanas superei minha marca, infernizei todo mundo por causa de um ex-Romeu que
apareceu, mas gente, não é apenas Romeu, É O ROMEU!
Post do dia de hoje 14-12-15: Tenho sido um pesadelo para meus amigos (desculpa)”
<https://plus.google.com/+IaraDeDupont/posts/2PB8gGUJU66>
(49) “(...) é necessário que o espírito esteja preenchido de coisas boas, de ocupações. Que a
pessoa ao sentir tristezas profundas ou ouvir os outros dizerem que é de lua, se preocupe:
analise se é temporário ou está na sua personalidade, pois pode estar com inicio (sic) de
transtorno, e não sabe. (...)”
<http://analaurasanchez.blogspot.com.br/2010/08/pessoas-de-lua.html>
24/08/2010
Publicado
em
(50) “A diferença a partir da Filosofia
A Filosofia ajuda a entender a questão. Para o filósofo José Roberto Neves D'Amico aquele
que "é professor" foi escolhido pela profissão e o que "está professor" a escolheu, talvez pelo
"status", pela fantasia do poder que a profissão sugere, ou pela possibilidade de ser uma mera
complementação de renda. (...)”
<http://www.sinproblu.org.br/cronicas_item.asp?codigo=6>
(51) “Colombiana é Miss Universo por 5 minutos, erro Universal!!!
A candidata das Filipinas, Pia Alonzo Wurtzbach, foi eleita Miss Universo 2015 na noite deste
domingo (20). O concurso foi realizado em Las Vegas (EUA). Por um erro do apresentador,
primeiro a Miss Colômbia, Ariadna Gutiérrez, foi coroada como a vencedora, mas em seguida a
coroa foi retirada dela e colocada na candidata filipina com o anúncio de que tinha ocorrido um
erro. (...)”
<http://eucurtoparnaiba.com.br/colombiana-e-miss-universo-por-5-minutos-erro-universal/>
(52) “Para as águas, viver é cair. Sem o declive as águas são mortas, lodosas, pântanos. É
preciso fazer a circulação das águas. Para a vida.”
<http://www.pontodevistaonline.com.br/os-mitos-das-aguas/> Publicado em 22/10/2015.
(53) “Marthina Brandt, do RS, é a nova Miss Brasil.
Candidata do Rio Grande do Sul é a nova representante da beleza brasileira”
<http://entretenimento.band.uol.com.br/miss/brasil/noticias/100000781914/marthina-brandt-dors-e-a-nova-miss-brasil.html> Publicado em 19/11/2015.
333
(54) “De acordo com a Bíblia, qualquer um que se embriaga regularmente é um ‘bêbado’.”
<http://celebrando-ibmorumbi.blogspot.com.br/2007/08/o-bbado-no-mesma-pessoa-queo.html>
(55) “Ela era evangélica e hoje é ‘tudo o que mais tinha preconceito’: homossexual e
umbandista; seu sentido da vida é ‘respeitar as pessoas’ ”
<https://vidaria.com.br/2014/05/04/ela-era-evangelica-e-hoje-e-tudo-o-que-mais-tinha-
preconceito-homossexual-e-umbandista-seu-sentido-da-vida-e-respeitar-as-pessoas/>
Publicado em 04/05/2014.
(56) “(...) É, realmente, o meu conceito de diversão é esquisito mesmo, tenho que admitir. Você
tem toda razão, eu não estou vendo o lado positivo das coisas. Eu sei. Um tratamento
psicológico não seria nada mal, concordo. Sair um pouco? Ir ao shopping agora? Puxa, não vai
dar, tô com aquelas cólicas, sabe como é, né? Coisas de mulher. Imagina… eu estou ótima,
não se preocupe. Hãããã? Desde quando pessimismo é doença? Eu não sou pessimista,
só estou um pouco… pessimista. (...)”
<https://janeladecima.wordpress.com/2009/04/27/e-voce-tem-razao/>
27/04/2009.
Publicado
em
(57)
“(...) – Pedrão, tu quer me dizer que foi pra Miami e não falou inglês. Sequer encontrou
americanos. Nem um “Hi”, “Bye” ou coisa do tipo. Até o Joel Santana nas propagandas falou
mais que tu. Mulher tu pegou brasileira, não teve troca cultural e de experiências
internacionais. Porra, e tu foi pra comprar? Miami está parecendo a 25 de março. E, ao invés
de aproveitar o Caribe(?), ficou em “paradeiro”. “Paradeiro” eu encontro até no Piscinão de
Ramos. Cara, só mudam os nomes. Miami é uma Capão da Canoa com grife e contrabandistas
chineses.
– É… não é bem assim.
– To achando que essa Miami é brasileira, se casou com americano pra arranjar o Green Card
e viver por lá.
– Pô, não generaliza, Du. (...)”
<https://obarrense.wordpress.com/2014/01/06/miami-e-brasileira/>
8. Ocorrências coletadas no corpus do Projeto NURC/ RJ
(58)
Tema: "Alimentação"
Inquérito 0253
334
Locutor 304
Sexo feminino, 60 anos de idade, pais não-cariocas
Profissão: professora de didática
Zona residencial: Norte
Data do registro: 10 de outubro de 1974
Duração: 44 minutos
“(...) Mas nunca fui de comer muito de manhã, então, sobretudo depois que eu procurei, vamos
dizer, evitar engordar, ou, inclusive, eu consegui perder um pouco de peso, porque eu estava
um pouco gorda (...)”.
(59)
Tema: "Família"
Inquérito 0210
Locutor 246
Sexo feminino, 60 anos de idade, pais cariocas
Profissão: professora de biologia
Zona residencial: Suburbana
Data do registro: 30 de abril de 1974
Duração: 40 minutos
“(...) Agora uma mãe que trabalha, há, há o dir... As leis trabalhistas protegem, né, mandam
ficar em casa e tudo. Aqui nós temos, parece que dois meses, três meses, sei lá. Não sei,
porque nunca fui mãe. De forma que, mas a mãe que trabalha tem direito. Mas o fato é que
elas habituam-se à vida fora, trabalham fora e fogem mesmo disto, de alimentar os filhos. (...)
Eu sinto, ainda noutro dia, na televisão, não sei se as senhoras viram um médico falando sobre
isso, que as mães se preocupam ... Ele falou li... ligando isso à vaidade, né? Eu acho que não
é, é sempre uma questão de comodidade. Que, que a mãe fica deformada, pensa que fica
deformada e não amamenta os filhos. Então vêm as (inint.) então ele dizia: nenhum leite
substitui o leite materno. Nenhuma, nenhuma alimentação substitui o leite materno porque o
leite é para os filhos, para o filho, é próprio pra alimentar o filho. Então a mãe deve alimentar o
seu filho e não pense que vai ficar deformada porque, eh, porque ela não ficará deformada. (...)
A mãe do ma... a mãe mamífera tem de produzir o leite, ela teve o filho, produz o leite, é
normal. Ela se for, biologicamente falando, certa, perfeita, ela, ela vai produzir o leite e o leite
suficiente pra manter o seu filho. Seja qual for, uma vaca ou uma cachorrinha, qualquer coisa,
qualquer mãe mamífera. Mas acontece o seguinte: às vezes, pode não ter, não ser, uhn,
biologicamente perfeita e não produzir leite suficiente pra manter os filhos. É doente, vamos
dizer. (...)”
9. Ocorrências coletadas no Corpus Discurso & Gramática
A) Juiz de Fora
335
(60) “(...) essa menina que ia me dar carona... e::... e ficou/ ligou... a mãe dela... a mãe dela
não... não atendeu... ela falou que estava vindo... então ela ficou esperando lá... bem... bem
próximo da gente... que eu estava conversando com outro grupo... aí eles estavam
combinando de ir de táxi... todo mundo... aí quando eu vi... o carro dela tinha ido embora... o
pessoal falou assim... “ a Cristiana foi embora ( ) não te chamou...” (...) aí ela foi... o carro (...)
quer dizer... eu fiquei a pé... aí eu não sabia mais o que eu fazia... que já era/ já estava tarde
pra caramba... e:: eu... eu não tinha nem como voltar pra casa... (...)” (p.37)
(61) “(...) uma vez ela disse que estava andando/ estava com a... irmã dela... aí ela estava
andando... no... no cavalo... né? a irmã dela também... aí de repente quando a irmã dela...
andou... deixou ela (aí ) o cavalo disparou... perdeu o freio... ela caiu... ela foi até ( ) ela correu (
) quase a fazenda inteira... [e caiu...] do cavalo...” (p. 63)
(62) “(...) I: a minha avó estava andando de carrinho... minha avó... aí... ela... foi no banheiro...
ela aí ela foi andar... ela caiu... e quebrou as costelas...
E: é::... tadinha... e ela está triste?
I: está... ela queria ficar andando... queria passear... que ela joga... baralho... aí não tem mais
jeito dela jogar baralho... porque está na cama... (...)” (p.65)
(63) “(...) I: eu trabalho no Juizado de Menores... né? então... eu mexo muito com processo de
menor... eu acho que... que os menores estão/ ficam muito na impunidade... que a maiori/ a
maiori/ a maiori/maioridade pra mim deveria... ser acima de dezesseis anos... como eu vejo lá...
menor de dezesseis... dezessete... homens formados já... porque:: dezesseis... dezessete
homens/ anos hoje...já sabe o que quer... já sabe o que que é certo... o que que não é...
matando... roubando... tem que colocá-los na rua porque não tem instituição que os receba...
Sete Lagoas em Belo Horizonte não recebe... eh:: delinqüentes menores de outra cidade... e
acabam ficando impune... e eles roubam hoje e amanhã estão na rua... roubam... estão na
rua... porque::... no Estatuto da Criança e do Adolescente não pode/ não deixa o... o menor
ficar preso... em delegacia... em qualquer sa/ cela... que não seja instituição adequada pra
aquilo... mais de cinco dias... e a delegacia só fica com ele cinco dias... depois tem que colocar
na rua... então eles já sabem disso... eles sabem/ entendem mais de lei de que... qualquer
advogado... eles sabem que não acontece nada com eles... continuam rouban::do... continuam
matan::do... e... nada... nada segura... eu acho se... se abaixasse a maioridade penal para
dezesseis anos... eu acho que... se o menor pode votar... eleger o presidente da república...
por que que... que não pode a maioria penal passar para dezesseis anos?” (p.18)
(64) “Aconteceu quando eu comecei a trabalhar em uma loja, foi quando conheci uma garota
com quem me simpatizei muito, e por trabalhar no mesmo local, nós conversávamos muito, e
336
mais tarde eu me apaixonei por ela, e para declar-me (sic) para ela mandei uma carta numa
sexta feira (sic), depois de um longo passeio que fizemos juntos.
Já na segunda feira (sic) ela estava de cara amarrada comigo, e quando tentei, conversar
sobre o assunto, num instante em que estávamos a sós, na cozinha, ela simplesmente não me
respondia e quando chegou uma colega dela; eu saí e foi quando ouví (sic) as palavras mais
duras vindas dela: "Ainda bem que você chegou!”, que me tocaram profundamente, me
deixando muito triste.” (p.23)
(65) “(...) você falou que... eh... a sua mãe contou uma história?
I: é... que a mãe dela morreu... ela morreu por causa/ sabe aquelas bolhinhas de sangue?
E: ahn::...
I: então... ela morreu por causa disso... estourou... a cabeça dela... aí... ela foi dormir... aí
quando estourou ela estava dormindo... quando amanheceu... ela::/ ninguém conseguia
acordar ela... aí... quando eles desco... desco/ levaram ela pro médico... descobriram que ela
estava morta... (...)” (p. 72)
(66) “E: agora eu queria que você me contasse... uma história que tenha acontecido com uma
outra pessoa que você conheça... tá? que alguém tenha te contado... e que você me falasse
agora essa história... uma história que você ache interessante... ou até mesmo triste... tá?”
I: eu tenho amigo chamado Enéas... ele é da minha sala também... faz faculdade comigo... é
uma pessoa... que batalha pra caramba... traba::lha... paga faculda::de... ele não é de família
rica e tem que lutar à beça... teve um dia que ele foi na faculdade... nós viemos embora
juntos...naquele dia ele tinha/estava com quase oito milhões... que ele ia pagar a faculdade... aí
quando ele estava na faculdade ele pensou... antes... né? do assalto... “eu acho que eu vou
deixar/ não vou pagar a faculdade não... “eu acho que eu vou deixar/ não vou pagar a
faculdade não...” era uma quarta-feira... “vou pagar só na sexta... que a minha irmã está meio
passando mal... posso precisar do dinheiro...” mas parece que alguma coisa avisou na::/ “vou
pagar isso de uma vez...” e pagou a faculdade... se não... os assaltantes tinham levado mais de
oito milhões dele... ele ia passar o maior aperto pra... pra pagar a faculdade...” (p.16)
(67) “Eu e minha prima estava brincando na varanda quando chegou um homem e uma
mulher, a mulher estava com uma faca e o homem com uma luva eu e minha prima saímos
(sic) correndo para o banheiro e ovimos (sic) uns barulhos e o ladrões quebraram tudo que
tinha sala.” (p.59)
(68) “(...) bom... essa foi ((pausa na gravação)) do meu irmão... quando ele trabalhava numa/
contou que quando ele trabalhava numa fábrica... trabalhava numa fábrica de calçados... ele
sempre:: almoçava junto/ ele almoçava sozinho... eh... ele não gostava muito de almoçar junto
com o pessoal não porque ele era muito tímido... aí... a minha mãe... ela:: pra fazer angu
337
((tosse de E)) tinha que ((riso)) despejar num... num prato... né? deixava no prato... tampava e
colocava na mesa... todo mundo gostava de comer... angu com feijão... aquelas coisas...
verduras... né? aí ela... ela mandava comida pra ele também no prato... né? não mandava em
marmita não... colocava um prato sobre o outro... amarrava... e mandava pra ele na fábrica...
num dia... ele falou que... o pessoal chamou ele pra almoçar lá... “ pô cara... vamos almoçar
com a gente aqui embaixo...” não sei o quê... “que você fica fazendo aí sozinho...” e esse meu
irmão é meio gordinho... aí ele veio... ( ) com cento e dez hoje...
E: nossa...
I: ((riso)) aí ele falou “então tá...” aí ele pegou o prato dele... né? estava fechadinho lá... tudo...
((riso)) aí sentou na mesa... abriu... quando ele abre... era o prato de angu ((riso de E)) a mãe
só tinha mandado angu pra ele ((riso)) aí todo mundo começou a falar “pô:: é... é por isso que
você é gordo... você só come angu... [a única coisa que tem na sua casa...”] (...)” (p.06)
(69) “E: agora eu queria que você me contasse... uma história que tenha acontecido com uma
outra pessoa que você conheça... tá? que alguém tenha te contado... e que você me falasse
agora essa história... uma história que você ache interessante... ou até mesmo triste... tá?”
(p.16)
(70) “E: Cíntia... agora... eu queria que você me fizesse a descrição... do lugar que você::/ do
lugar que você goste de ficar... ou que você já tenha ido e tenha gostado muito... mas eu queria
que você me desse o máximo de detalhe... pra eu imaginar na minha cabeça como é... esse
lugar...
I: então vamos ( ) a minha casa nova...
E: isso..
I: bom... a minha casa... é no bairro de São Bernardo... tá? novo... prolongamento do Cesário
Alvim... (...)” (p.31)
(71) “(...) vou falar sobre o curso de magistério... bom... estou saindo com a preparação do
curso de magistério muito boa... eh::... os cursos de antigamente eram até mais fáceis... mas
eu estou saindo com um conteúdo muito bom... tá? eu estou pronta pra assumir qualquer
turma... (...)” (p.32)
(72) “I: bom... eu gosto de fazer pizza...
E: ahn...
(...)
I: a massa... como que é a massa... gente? bom... é fermento... né? aquele fermento...
fleishman... fermento fleishman... leite... farinha... pouquinho de sal... aí mistura tudo ali... vai
batendo... deixa depois... deu... né? deu aquela liga... a farinha está legal... deixa descansar
um pouco... deixa ela descansar uma meia-hora... aí nisso... enquanto ela está descansando....
eu vou... começo a/ gosto de colocar um lingüici::nha... milho verde... ((riso)) ovo cozido...
338
azeitona... aí ( ) faço o molho... né? com tomate... tomate... cebola... deixo o molho lá...
esquentando... gosto de colo/ deixo ( ) orégano separado também... queijo... o presunto ((riso))
ela... ((distúrbio de gravação)) um dia você vai comer ainda... é muito gostosa ((riso))
E: aí mais o quê?
I: aí::... tá... a massa está legal... unto o tabuleiro... né? com óleo... abro a:: a massa... aí...
coloco
no forno um pouquinho pra esquentar... venho... com o queijo... presunto... jogo o molho... a
lingüicinha... ovo cozido... milho verde... orégano... mas ((riso)) ela fica indecente de gostosa...”
(p.06-07)
(73) “Primeiramente pega-se a calha, fura os dois lugares onde ficarão os starters, depois
colocase os soquetes com porta starter do lado em que você furou, e os soquetes simples do
outro lado, o soquete com porta starter tem 3 parafusos, onde 1 é na frente e dois atrás,
enquanto que o simples só tem 2. (...)” (p.23)
(74) “(...) bem ((riso)) pra começar... eu acho que isso é um tipo de::/ exi... existe... né? a/ eh::
muito... questionamento em cima desse... desse tema ainda e tal... embora os tempos tenham
mudado... né? eh... normalmente a gente dessa/ mudou pra nós... né? dessa geração...
porque... a maioria dos nossos pais/ lógico que tem aqueles que já... se acomodaram mais...
né? já se situaram mais no mundo que a gente vive... mas a maioria deles... inclusive os
meus... ((riso de E)) né? tem uma... uma tendência... a achar certas coisas absurdas... né? e
no entanto... não... não são bem assim... eh:: como a virgindade por exemplo... que é encarada
por eles como um tabu... né? não só por eles... mas pela sociedade em geral... (...)” (p.27)
(75)“(...) a varanda é::/ ela é branca... tem... eh:: tem piso... tem um bocado de flor pendurado
na pare::de... tem... tem dois cano que meu pai/ foi o meu pai fez... aí colocou::/ (pegou) dois
desses canos de... de água... né? só que ele encheu com... com cimento... com concreto e
virou/ ficou feito pilastra... segurando o arame... tem... tem porta... tem jardinei::ra... do lado...
tem horta que meu pai faz... meu pai faz/ ele gosta muito de horta... ele faz/ fez uma horta
assim... do lado... do lado lá de onde eu fico... eu fico lá sozinho... a noite inteira... gosto muito
de ficar sozinho...” (p.21)
(76) “(...) Existe uma casa de um amigo meu que curto muito, não necessariamente a casa,
mas sim o terraco. Do terraco dá pra ver toda a cidade de Juiz de Fora. existe uma
churrasqueira, uma mesa no centro, um aparelho de som, um banheiro a o qual não está
pronto. O terraço c/ todo acerto, dá pra ver casas em baixo, quadras de futebol, e também uma
floresta. De cima também dá pra ver a casa do meu namorado . O piso do terraço é de cimento
e o telhado é de telha de amiauto com uma luminária. Vê-se o céu todo e como as estrelas.
Otimo p/ namorar.” (p.18-19)
339
(77) “(...) ele pegou outro caminhão... ele estava com mais ou menos uns quatro caminhões...
pegou outro caminhão... estava::/ deu pro:: pro um conhecido da família dele também... o cara::
bebe assim no caminhão bebe muito... essas pinga, cachaça... aí ele estava vindo de perto ali
de Ewbanck da Câmara... deu a carona a tr/ a duas mulheres... assim elas também bebe... são
de fogo assim sabe... pegou bebeu quando ele estava dirigindo perdeu a noção do caminhão...
perdeu tudo, que ele bebeu... dormiu na direção... caiu dentro da cidade de Ewbank da
Câmara... aquela cidade que fica lá no fundo sabe? passa por cima dela... caiu lá matou os
três... os três morreram... acabou com o caminhão também... (...)” (p.47)
(78) “(...) a minha mãe ainda estava grávida... de mim... né? e ela já estava no:: no nono mês...
né? de gravidez... aí chegou/ e ela estava comprando umas roupas pra mim... né? aí começou
a passar mal... né? aí... no carro/ aí meu pai foi bu/ foi levar ela pro hospital... e ela quase...
eh... me teve... me teve no carro... mas aí chegou no hospital a tempo... né? aí... depois... me
le/ aí... ah... me teve... né? eu nasci... aí eu... eu fui levada pra maternidade... mas minha mãe
não deixou não... aí eu fui levada... né? aí depois ela... ela me pegou na universidade... saiu
pelo hospital... falando que eu não era:: cabrita não ((riso)) que... ela tinha que ficar... não tinha
que/ eh... tinha que fi... tinha que ficar com ela... eh... mamando nela... e tal... aí depois... ela
falou/ ela disse... que se ele/ eles não deixava ela... ela com/ se eles não dei/ me deixavam...
eu com ela... eles iam/ ela ia... embora... né? mas aí depois me deixaram com ela... (...)” (p.60)
(79)
“E: (...) você tinha me falado que você fugiu de casa uma vez... né?
I: em oitenta e oito... eu tranquei matrícula pra fazer informática em Viçosa... eh... tranquei
matrícula mas fiquei em casa morcegando o tempo inteiro (...) aí eu sei que começou/ entrou o
segundo semestre... e a pressão aumentou ainda mais... porque... eu comecei a entrar/
comecei a fazer cursinho... pré... mas::... sei lá... não gostei... não dava pra aquilo... nunca fiz
cursinho... aí fiquei um mês... depois parei... de ir às aulas... mas não comuniquei a minha
mãe... aí ela descobriu ((riso)) (o que acontecia...) (...)... aí armou... né? o maior circo lá em
casa... aí eu (aproveitei... teve) uma vez que ela e meu pai foram viajar... aí resolvi fugir de
casa... (...)” (p.9)
(80) “ah... um dia... né? eh... eu estava/ sexta-feira eu estava no colégio... aí um/ eh... no meio
da aula... um garoto começou... eh... a puxar meu cabe::lo... a ficar copiando... o que a gente
estava fazendo lá de mim... ficava/ rasgou minha folha... (e) rasgava a minha folha... chegou...
né? aí... né? ele... ele me fez passar maior vergonha na sala... ficou falando de mim... alto...
pra todo mundo... todo/ é mentira... falando que meu cabelo era... era o mais horroroso do
mun::do... e tal... aí... né? aí eu comecei a chorar... porque... passei maior vergonha... né? aí...
a professora pôs ele pro quadro... e ficou até o final da aula... (...)” (p.59)
340
B) Natal
(81) “(...) E: então pode fa/ o que você acha do futebol no Brasil ... é isso?
I: é ...
E: então pode falar ...
I: eu acho que não está ... que ele não está indo bem por causa que o técnico da
seleção brasileira é ruim ... deviam botar Têle Santana ... tem:: a escala do time deveria
ser outra ... porque tem várias pessoas que sabem jogar e estão no banco ... de
reservas ... é:: se:: o técnico ... se Parreira tivesse botado pelo menos Romário na
seleção desde o começo ... eu garanto que ela estaria bem melhor ...” (p.190)
(82) “(...) um crime que abalou assim ... o país todo ... que foi o caso de Daniela Perez e o
dessa menina ... o bra/ o brasileiro ficou mais ...
I: emocionado ...
E: emocionado ... e ficou mais a favor da pena de morte ... naquela época ... você acha que se
depois que isso ... apare/ isso passar ... tá passando ... mais assim né?
I: depois que a areia assenta ... e já faz já uns três ou quatro meses ... que Daniela Perez
faleceu ... que Deus o tenha ... aí o pessoal tá mais calmo ... né ... já pensa com mais
raciocínio ... e não com tanta emoção ... mas eu também não tomei conhecimento ... assim ...
não sei o que que o povo tá pensando ... no começo falava muito em pena de morte ... né? que
o Brasil ... ia adotar ... num sei o quê ... tava pensando ... hoje em dia ... quer dizer ... já ...
esses assunto já sumiu ... um pouco ... num sei se eu tô desatualizada ((riso)) ... mas sumiu um
pouco ... num foi? Já pararam um pouco de falar ... mas antes ...” (p.116).
(83) “Uma certa família de peregrinos composta por: dona sinhá, seu esposo, 2 filhos e uma
cachorra e um papagaio. Eram do sertão Nordestino. Viviam a procura de uma estádia, pois, já
faziam muitos dias que a seca havia os expulsados de sua terra Natal. No caminho ocorreu um
episódio que me deixou triste, comecei a refletir a dor de uma das crianças dessa história,
quando ela caía na estrada por não ter mais capacidade física. E o seu pai era um homem
severo, e de poucas palavras, mandou imediatamente o garoto levantar. Pensando ele que seu
filho estava com manha. E a reação da criança era gemer, enquanto o pai se movia para pegar
a bainha e bater contra aquele ser indefeso que se via sem objetivos. Pobre menino! não abria
sua boca nem se quer para dizer que seu corpo doia, apenas esperava as reações do pai. (...)”
(p.35)
(84)“(...) preparo este arroz ... preparo um molho pra refogar esse arroz ... que eu coloco alho
... sal ... manteiga ... aí coloco cebola pra dourar ... nessa coisa ... né ... depois eu ralo cenoura
bem ralada e também coloco pra ... nessa fritura ... depois eu pego tomate e pimentão e vou ...
essas coisas eu vou colocando aos poucos ... depois que esse molho tá todo pronto ... eu jogo
o arroz e deixo cozinhar o arroz ... com a tampa ... né ... pra ele ficar mais abafado e não sair
todo o cheiro e o sabor da comida ... não esvair ... assim no vapor (...) ... esse arroz ... quando
341
ele tá assim ... quase cozido ... eu pego ele ... passo manteiga numa forma de bolo ... essas
formas redondas de bolo e coloco esse arroz e aperto ... soco ... ele fica bem socadinho que é
pra quando eu virar ... ele fique em formato de bolo ... então o arroz tá quase pronto ... já tá
sem água ... então eu retiro esse arroz da panela e coloco na forma e deixo ele esfriar bem
socado ... né ... como eu já disse que é pra ele poder virar como bolo ... (...)” (p.20)
(85) “Um dos filmes que mais me marcou foi "Sociedade dos poetas mortos" (...) e uma das
melhores partes do filme está na despedida dos alunos e da homenagem deles ao seu
professor
(...)” (p. 99)
(86) “Era uma vez uma linda princesinha. Ela estava brincando com sua bola de ouro. Mas
essa bola caiu no laguinho. (...)” (p. 186)
(87) “(...) aí nesse dia ... havia uma comemoração cívica ... era dia sete de setembro e a minha
amiga Tâmara ... ela tinha um irmão que era taifeiro da marinha ... e cozinhava muito bem ...
então ela chegou lá e disse ... “aí ... hoje ... meu irmão fez um bolo de batata muito gostoso e a
gente vai lanchar lá ... lá em casa” ... porque ela morava perto ... então todo mundo se animou
pra comer o bolo de batata que o irmão de Tâmara tinha feito ... (...)” (p. 16)
(88) “(...) uma princesinha ... ela tava:: brincando com sua bola ... e essa bola caiu num
laguinho ... que tinha lá perto da ... da ... do castelo ... aí o sapo apareceu e perguntou ...
“princesinha ... você quer que eu pegue sua bola?” aí ela falou ... “quero sim” ... ela ... aí ele
falou ... “só se você deixar ... só se você for minha amiga ... deixar eu dormir na sua cama ... e
jantar com você” ... aí ela falou ... “tá certo” ... aí ele devolveu a bola ... aí:: ela tava jantando ...
aí o sapo bateu na porta ... aí ela falou ... aí ela foi lá ver quem é ... aí era o sapo ... aí ele falou
... “lembra da sua
promessa? ... agora eu quero jantar com você” ... aí ela falou ... “não ... num vou deixar não” ...
e fechou a porta ... (...)” (p.184)
(89)“(...) então basicamente o colégio é isso ... ele não é ... num é tão grande e não é muito
largo né ... ele é mais ... ele é um pouco alto ...
E: cresceu pra cima ...
I: é ... cresceu pra cima ... só tem lugar ... espaço pra cima né ... aos lados não tem ... ele é
verde e branco ... né ... a frente ... a pintura dele é verde e branco ... por dentro também né ...
os bancos de ... de cimento que tem não é ... são ... também são verdes ... né ... e a cor dele
toda por dentro são verde e branco ... as salas são brancas né ... as carteiras são verde claras
né ... (...)” (p.133)
(90)“(...) vou descrever agora o meu patrão ... como é chato ...
342
E: e fisicamente ... como é que ele é primeiro?
I: fisicamente ... ele é baixo ... bem baixinho ... meu namorado chama ele de ... meu ... meu
noivo chama ele de que meu Deus ... tamborete de forró ... nem pode dizer muito ... porque ele
é quase da mesma altura dele ... mas é porque ele é muito chato ... sabe? gordo ... tão gordo
minha filha ... que se você visse a bunda dele ... eu dou um ... olhe ... eu dou duas dele ... você
acredita? dessa largura ele ... tem cinqüenta anos ... (...) (p.120)
(91) “Nos finais de semana, sempre que posso, faço coopper na Via-Costeira. É um percurso
tranquilo, longe do barulho dos bares da Orla Marítima e o ar é de puríssima qualidade. O
tráfego é menos intenso também..” (...) (p.75)
(92) “(...) E: voltando ao assunto da pena de morte ...
I: é ... porque às vezes eu escapo um pouquinho ...
E: até pra menor ... porque tem muita cri/ muitos adolescentes aí que ...
I: que aproveita ... né ? as circustâncias ... porque é menor ... que num vai pagar ... até o
menor tá no meio ... isso ia ser difícil ... porque é menor ... faz ... vai pra FEBEM ... né? esses
negócios ... um órgão competente ... passa uns dias ... depois foge de novo e vai fazer a
mesma coisa ... porque foge ... num tem pra onde sair ... tinha que morrer também ... matou ...
morre ... do mesmo jeito ...
E: no estatuto da criança e do adolescente ... passa muito a mão na cabeça deles ... né?
I: exatamente ...
E: que você acha disso?
I: super errado ... só porque é de menor ... num tem nada a ver ... quando foi pra praticar ...
quando foi pra praticar num teve nada disso não ... são menores ... mas têm a mesma
capacidade de um adulto ... num fez? tem que pagar ... num tem isso de menor não ... né?
esse que é o erro ... porque é menor ... não vai pra cadeia ... vai pra FEBEM ... porque é
criança ... num sabe o que tá fazendo ... sabe sim ... criança que num sabe o que tá fazendo é
três ... quatro anos ... cinco ... dez ... catorze ... dezesseis ... dezoito ... sabe o que tá fazendo
... num é nenhum ... um idiota não ... sabe o que é certo e o que é errado ... (...)” (p. 115)
(93)“então ... ali tinha uma árvore muito bonita ... uma árvore antiga que hoje em dia só existe
... pedacinhos dela ... porque ela foi corroída pelo tempo ... e eu acho que deu cupim rápido ...
e existia só o tronco seco ... e como depois que eu tô correndo na Via Costeira eu ... eu
acompanhei esse processo de destruição natural dela ... é ... ela foi é ... quebrando galho por
galho e hoje em dia só restam pequenos pedaços de tronco (...)” (p. 52)
(94) “(...) aí havia muito acidente ... havia muito acidente ... morria muita gente ... e a dos carro
mesmo porque já que num morava muita gente lá num ... num atropelava ninguém não ... era
... carro batendo no outro ... virava porque a velocidade era muito grande ... tinha uma curva lá
perto da ... da casa lá ... bem pertinho aí só andava em alta velocidade lá ... aí no ... no meio da
343
estrada não tinha onde enterrar né ... aí de tanto enterrar aquelas pessoas ali ... criou-se um
cemitério né ... aí chamou cemitério maldito porque só morria pessoal dali da ... da estrada né
... da alta estrada ... aí mas o cemitério era ... era muito ... muito ... era abandonado mesmo né
... apesar de tá as covas lá direitinho ... também esse cemitério também ... ele era chamado de
maldito porque nesse ... nesse cemitério ... onde foi construído esse cemitério forçado né? (...)”
(p. 3)
(95) “(...) ... aquela fotografia ... que nós batizamo-na de tronco de São Sebastião ... porque ali
o tronco ... parecia que ele tinha sido esculpido ali sobre a duna ... o tronco na altura de dois
metros ... dois e vinte ... e ele tinha uma beleza ... um assim ... indescritível ... parecia que ele
tinha sido ... fixado ali ... que a árvore não tinha morrido e algum teria ... mas tinha sido um
processo de ... é ... envelhecimento mesmo da árvore e ficou aquele tronco belíssimo ... e nós
fo/ e nós registramos essa ... essa ... esse achado ... (...)” (p. 50)
(96) “ (...) Eu preparo um molho para cobrir a massa. O molho é feito com ketchup, mostarda,
sal, molho inglês, extrato de tomate e uma pitada de alho, coloco tudo numa panela e levo ao
fogo para uma fervura rápida.” (p.14)
(97) “(...) minha especialidade aqui é ... é ... fazer pizza né ... é:: geralmente eu faço aqui é ...
de duas em duas ... eu sei a porção pra duas pizzas ... faço duas depois se precisar fazer mais
duas e ... congelo isso na geladeira ... é ... eu uso ... é ... geralmente ... pouco mais de meio
quilo de ... de farinha de trigo né ...
E: hum hum ...
I: é ... dois copos ... é dois copos não ... um copo e dois dedos mais ou menos dois dedos de
água ou leite ... depende ... como você queira que a massa fique ... fique mais macia ... (...)
(...) aí eu tiro a colher e mexo com as mãos né?
((barulho de carro)) fica melhor pra misturar né? aí eu vou colocando até ... bem dizer soltar
das
mãos ... ela fica:: ela fica ((carro em movimento)) ela fica pegajosa a massa ... aí eu vou ... eu
vou colocando mais a farinha de trigo até soltar das mãos ... quando ... ela solta ... solta já das
mãos ... aí eu deixo um ... uns trinta minutos de descanso né ... pra descansar ... a massa e
vou é:: como que se chama ... ajeitar as formas né ... colocar a manteiga ou a margarina e
colocar o trigo né ... pra num pregar no ... no ... no ... no ...
E: untar né?
I: é untar ... exatamente é essa a palavra que eu tava procurando ... é ... untar as formas
depois de trinta ... trinta minutos eu ... coloco na ... na ... na pedra lá ... é ... faço o rolo né ... pra
estirar a massa né ... estirar a massa e eu calculo mais ou menos a ... a metade né ... da
massa que já é pra eu fazer duas né ... a metade ... aí pego uma estiro a metade também ...
estiro mais ... quando tiver bem estirada aí eu coloco na ... na ... na ... na forma ... corto o que
sobrar né ... de ... de ... de ... de massa ... sobrar coloco na forma e geralmente quando eu faço
344
duas ... sobra ainda massa né ... com essa massa aí eu já faço outra coisa ... eu faço os
enroladinhos né ... aí com a salsicha né ... aí eu corto em pedaços menores ... coloco a
salsicha dentro ... enrolo e coloco lá no ... no ... no forno né ... e a pizza também é só ... coloca
no forno e dá uns dez ... uns dez minutos pra ela ficar pré-cozida ... num ... num ... num pode
deixar muito cozida ... ela fica dura ... a massa fica dura demais ... aí eu boto pra pré-cozer as
duas ... e o ideal seria colocar num plástico que num entrasse ar né? pra colocar na geladeira
né? no freezer não ... só se fosse a temperatura um pouco alta ... muito baixa não porque fica
também ... ela congela e num presta não ... aí ela dura três ou quatro dias ... dentro do freezer
né? e já o:: enroladinho não ... o enroladinho tem que ser consumido no máximo em dois dias
... se num for consumido em dois dias a salsicha ... num é nem a massa né?
E: é ...
I: a salsicha se ... se perde porque é conserva ... aí fica logo estragada e num presta ... (...)” (p.
10-11)
C) Niterói
(98) “(...) I: que eu goste de passear? uhn::... bom... duran/ eh::... eu gosto muito dessa orla...
daqui... da::.. da Boa Viagem... que vai até o Gragoatá... eu gosto muito dessa orla daqui...
bom... e é basicamente... saindo da minha casa chega na praia... tem uma subida... que vai
beirando o mar... né? você:: vai subindo em direção ao MAC... tem::/ onde está o MAC... o
MAC está em cima... embaixo tem... um... um::/ umas cavernas... que eu gosto de ficar
olhando... embaixo do museu... (...)” (p.4)
(99)“(...) eh... eh... minha mãe contou... que... eh... minha amiga... que estudou comigo no
segundo período... eh... eh... estava doente... assim:: muito.. né? que perdeu... eh... num tem
a:: a proteína... eh... a bolinha... num tem bolinha:: vermelha... e... eh... a que... bolinha
vermelha e::
amarela... ela perdeu/ ela perdeu todas as vermelhas... a vermelha não... a amarela... né? aí
ficou/ aí ela ficou doente... foi/ ficou internada no médico... monte de dias... aí daqui a pouco...
aí el/ela ficou boa... aí... depois... eh... eu vi ela só um dia... porque:: outros eu não sei se ela::
saiu...” (p.60).
(100) “(...) ... em um fim de semana... ele estava se arrumando pra ir ao baile... no morro... e
resolveu passar... um pouco de perfume da... da irmã dele... dele... porque tinha um monte de
vidrinho colorido...né? em cima lá da cômoda dela... o único problema... é que o Marcos não
sente nem cheiro... nem sabor das coisas... tudo bem... foi pro/correu bem... quando a irmã
dele voltou... ele falou que tinha usado um pouco dos perfumes dela e ela estranhou...
porque::... ela tinha levado todos os frascos de perfume dela... aí::... ele fico assim::... meio
345
sem saber... (...)... ela começou a rir.. (...) ele não entendeu nada... porque ela
falou...”pô...aquilo ali não é perfume não...aquilo ali são uns sucos assim::...de pó... que eu
boto... só pra ficar colorido... pra usar de enfeite... (...)” (p.15)
(101) “(...) quando eu tinha dez anos ... e fazia a quarta série num jardim ... chamava-se PicaPau esse jardim ... teve um passeio no dia das crianças ... que eu tive que ir com a minha tia ...
porque ... minha mãe ... estava ocupada ... num podia ir ... e o resto do pessoal trabalhava ... aí
organizei tudo ... eu e minha tia ... a gente organizou tudo ... era num sábado o passeio ... nós
fomos pro Vale das Cascata ... a saída foi no colégio ... no ônibus ... o pessoal se reuniu todo
mundo ... fizemos fila né ... todo mundo fez fila ... e depois ... cada um em suas cadeiras
... aí ... seguimos a viagem ... foi tudo muito bom ... (...)” (p.151)
(102) “(...) eu estou aqui com a informante Margarete... que mora... em Niterói... ela é
estudante da terceira série do segundo grau... aqui mesmo em Fonseca... no Colégio Estadual
Hilário Ribeiro...(...)” (p.5)
(103) “(...) O governo brasileiro investe o mínimo possível no esporte e todo o mérito
conseguido é dos atletas. Acho que é até uma ilusão, o presidente afirmar que daqui a alguns
anos, o Brasil seja uma potência mundial em nível de olimpíada, tendo em vista o
aproveitamento no Pan-Americano. Ele se esquece que nas olimpíadas, tem um mundo inteiro
concorrendo.” (p.18)
D) Rio de Janeiro, vol. 1
(104) “(...) I: bem... a minha sala eu falo porque::... como os meus dois irmãos casaram... todos
os dois irmãos quiseram copiar... um pouco assim eh::... o desenho do móvel da s/ da onde
fica/ a localização... da/ que nós fizemos na minha casa... em alvenaria... então tem um
cantinho... que tem uma luminária... que já foi feita pra/ aquele cantinho pra inverno... pra frio...
então ele é gostoso... então pra você ler um livro... você:: ouvir um walkman... passar uma
revista... ou então até você ( ) assim... você está num cantinho tão gostoso... que todo mundo
chega... vai e procura o cantinho... (...)” (p.4)
(105)“Depois do bar, nós resolvemos ir para casa, no Grajaú. Eu peguei o carro e fui dirigindo
alucinadamente até que no Rebouças, um Voyage surgiu na minha frente e eu não pude
desviar. Depois da batida eu perdi a direção do carro e ele foi se arrastando uns cem metros
pelo paredão do túnel. A Andréia que estava do meu lado e com o vidro aberto, ficou
desesperada, porque além do nervosismo da batida, a fuligem e a sujeira do paredão voou
toda na cara dela e ela estava toda preta. Ela começou a gritar para eu tirar o carro dali e ir
346
embora, só que o carro não andava de jeito nenhum. Depois de várias tentativas eu saí do
carro para pedir socorro e comecei a andar pelo túnel, mais na frente eu encontrei um carro
parado (...). A Andréa quando chegou em casa, às oito horas da manhã, encontrou o pai dela
já acordado, e ele não acreditou no que estava vendo:
- Minha filha você está preta!
- É eu bati de carro.
- O que você bateu com o meu carro!
- Não pai foi o Daniel que bateu com o carro dele.
- Ah bom! Vai tomar banho e durmir. (sic)” (p.47-48).
(106) “(...) porque o problema do Brasil é esse... a pessoa pensar pequeno... então eu acho
que é isso... a pessoa deve estar sempre pensando pra frente... entendeu? deve estar sempre
procurando melhorar... porque eu te/ posso te garantir uma coisa... a situação está preta... está
caótica... entendeu? não sei se::... daqui a uns tempos... os seus filhos... entendeu? de repente
vão ter condições... de estudar numa mesma faculdade que você... ou eu... de repente vou ter
a mesma condição de pagar uma faculdade pro meu filho... entendeu?” (p.57).
(107) “(...) E: Flavia... conta pra mim uma história que tenha acontecido com você que tenha
sido
interessante...
I: bom... que tenha sido interessante (sic)? foi assim... eu estava::/ era minha última prova né?
era prova de química... e eu estava nervosa... né? porque geralmente prova de recuperação é
muito difícil... né? e precisava tirar cinco nessa prova... mas não sabia se ia tirar... estava
estudando... aí tudo bem... fui pro colégio fazer esssa prova (sic) pensando “poxa... já pensou
se ela me desse a mesma prova do quarto bimestre? ah... eu ficar emocionada... ia passar na
mesma hora...” eu ali e pensando naquilo “ah... mas isso não vai acontecer... isso é impossível
de acontecer...” aí quando cheguei lá... sentei lá... lá na frente... ela foi passando a prova pra
todo mundo... né? foi passando... passando... todo mundo reclamando da prova... que a prova
estava difícil... que a prova estava difícil... que estava... que estava/ todo mundo xingando a
professora “professora... a senhora quer reprovar a gente...” e tal... aí quando chegou no
finalzinho... cadê? ela tinha se esquecido de mim... da... da minha/ aí não tinha mais prova pra
me dar... ela “ih:: falta você::” “ué... professora... falta eu” aí ela pegou... falou assim “espera aí
que vou te dar outra prova diferente” quando eu fui ver... era a mesma prova do quarto
bimestre... aí... eu... sabe? poxa... fiquei super contente... né? fiquei super feliz porque eu fiz
aquela mesma prova... e:: graças a Deus eu passei de ano por causa dessa prova... (...)” (p.91)
(108) “(...) bom... eu sei::... pintar... pra gente... pin/ fa/ eh... realizar uma pintura... né? início de
tudo você tem sempre que ( ) você tem sempre que está com todo o material à mão... você
está
347
com seus pincéis... todos limpos... de preferência... as tintas... a tua aquarela... a tela... já
pronta... armada... direitinho... e::... o instrumento que você vai usar pra... pra riscar... (...)”
(p.119)
(109) “A sueca é um jogo de cartas para ser jogado por duas duplas. (...)
Existem outras maneiras de se roubar na sueca, quando as duplas jogam sempre juntas,
e os parceiros podem combinar diversos sinais para avisar quando o jogo está bom ou não,
quando o az de trunfo está com ele, quando o parceiro pode jogar qualquer carta que o jogo já
está ganho, etc.” (p. 49)
(110) “(...) eh... o lugar onde eu mais gosto de ficar é no meu quarto... né? na verdade não é
meu quarto... é meu e do meu irmão... né?” (p.108)
(111)
“(...) I: ... o carro estava lá intacto... e tinha muita coisa dentro do carro... tinha muita/ ele era/
época de natal... e ele estava assim... com todos os brindes... ele é o dono de uma boite...
todos os brindes da boite estavam dentro... camise::ta.... essas coisas todas.. né? estava tudo
dentro do carro... então tinha milhões:: assim... além do carro... e estava tudo dentro...
neguinho não tinha tirado... nada... incrível...né?
E: mas eu não... não entendi... e aí? ele pegou o carro e [foi andando?]
I: [aí ele pegou o carro] e foi embora... (p.65-66)
E) Rio de Janeiro, vol. 2
(112) “(...) Deus mudou minha vida ( ) eu era muito... muito... muito... sei lá... às vezes eu
estava em casa com minha irmã... e quando eu estava bêbado ninguém percebia que eu
estava bêbado... aí eu estava em casa uma vez com a minha irmã... a minha irmã estava
sentada lá... eu falei com ela... ela foi e me respondeu... eu dei um tapa nela... um soco nela...
ela foi e caiu nos meus pés... dali eu... eu saí mesmo... ela falou que ia chamar a polícia pra
mim... e desse dia... eu passei a pensar mais na minha vida... depois eu fiquei falando “por que
eu fiz aquilo com ela? minha irmã...” aí depois que eu passei pra essa religião... essa outra
religião que é cristão... aí mudou mais minha vida... eu sou um rapaz calmo... eh... mais
tímido... quando eu estava... estava no mundo... eu era muito... muito saído... muito pra frente...
agora eu sou mais tímido... sou mais tímido... tá? eu mudei... completamente... (...)” (p.125)
(113) (...) “E: Carla... agora eu quero que você descreva para mim o lugar que você mais gosta
de ficar...
348
I: eu/ na minha casa eu não gosto muito de ficar não... eu prefiro ficar na casa da
Aline... que... lá... eh... o pessoal lá é gente/ eles são meio/ muito brincalhona... aí fica
com o pessoal lá... aí/ a casa é bem grande... é espaçosa... dá para fazer muita
bagunça... é::... pintada de verde mas já está preta de tanto a gente meter a mão na
parede... tem o quê? três quartos... e:: tem varanda... mas já dá... bastante para fazer
bagunça... (...)” (p.5).
(114)“(...) agora eu vou contar... uma história... engraçada... que é o seguinte... eu fui viajar pra
São Pedro da Al/ da Serra... e... minhas amigas me convidaram para... eu... andar de cavalo...
tudo bem... eu fui... era a primeira vez que eu estava andando de cavalo... né? e o cavalo sem
querer... ele... ele se/ ele foi/ correu... e eu não queria que ele corresse... porque eu era a
primeira vez ... estava assustada... ele correu... e eu comecei a chorar no cavalo... e quase que
eu caía... (...) mas depois eu... parei de chorar... e... continuei... a minha... a minha caminhada
com o cavalo... e logo depois... (...) veio um cara... que ele bateu no meu cavalo atrás... o meu
cavalo começou a correr... e eu falei “não... pára o cavalo... pára o cavalo... que eu não quero
que ele corra... porque eu estou com medo...” minhas amigas começaram a dar gargalhadas...
né? por causa que... elas já/ sabiam como andar de cavalo... elas estavam correndo... eu era a
última... estava lá atrás... não sabia... estava com medo de correr com o cavalo... mas...
continuei a correr... e eu corri... normalmente... tudo bem... aí não aconteceu mais nada... mas
quando eu cheguei lá... eu... fiquei meia assustada... eu/ depois eu fiquei com dores... assim
na/ no corpo... fiquei... mas depois passou logo... (...)” (p.50)
(115) “(...) eu gosto muito da Mafalda... eu já estudo aqui desde do... desde do CA... porque eu
entrei aqui... eu faço aniversário em outubro... então... as matrículas eram em junho... julho... e
eu não tinha idade ainda pra entrar... porque antigamente era com sete anos... então eu ainda
tinha seis anos... eu ia fazer em outubro... então eu entrei atrasada... e eu só po... podia
entrar... só podia entrar na/ no CA... não podia entrar direto na primeira série... aí eu entrei pro
CA... estudei quinze dias... no CA porque eu já era muito adiantada... elas me passaram pra
primeira série... aí de lá... eu estudei oito anos aqui... conheço... a maioria dos professores
daqui... acho essa escola muito boa... principalmente agora que fez... a qua::dra... fez
reforma... né? apesar de... não poder usar ainda... é muito boa... a diretora... também é muito
boa... tem horas que... não dá muito pra... agüentar com ela... quando ela está de muito mau
humor... mas ela é muito legal... (...)”
(p.24)
(116) “ (...) A minha mãe me contou que em uma casa muito bonitinha morava uma senhora,
um bebe, um cachorro e uma babá.
O nenêm estava no carrinho brincando de balança uma frauda , e a babá estava lendo uma
revista.
349
Então o cachorro avanso no nenêm querendo arrancar a frauda do bebê, então a babá se
assustou e correu para tentar salva-lo, mas o cão não quis soltar , e a babá puxa para cá e o
cachorro puxa para lá (...)” (p.65)
(117) “ (...) eu estava numa festa... com a minha prima... ela estava fazendo dois anos... eu
estava/ e estava bebendo... um... copo de Coca-Cola... junto com bolo... aí... (...) o menino
passou... esbarrou em mim... e derrubou o copo de Coca-Cola na minha cara... aí... eu limpei...
depois... veio outro... derrubou o bolo em cima de mim... esse dia... foi um dia... pô... eu acho
que eu estava com... muito azar... (...)” (p.63)
(118) “(...) é... hoje em dia... as/ eu estou achando... o casamento assim... quer dizer... como
muitas pessoas que estão se casando... eu sou casada a quase vinte anos (sic) ... né? então...
eh... pra mim... o casamento praticamente é uma rotina já... né? pelo tempo desse período de
casada... estou quase chegando à boda de prata... (...) agora... o que eu ultimamente estou
vendo de casamentos por aí... estou ficando admirada com as coisas que acontecem... pô... as
pessoas... gastam uma nota preta... sabe? pra ficar/ se vestem de noiva... (...) mas sendo
que... poxa... o que adianta... um casamento tão lindo... gastam tanto... pra no final eh... viv/
fica dois... três dias juntos... ( ) até dois... três dias... depois se separam... entendeu? (...)”
(p.132)
(119) “(...) graças a Deus foi alegre sim... porque eu/ minha vida mudou... completamente
porque... eu era... muito bagunceiro... era um rapaz muito bagunceiro... muito/ saía muito...
dava muito desgosto à minha mãe... depois... eu entrei pra essa::/ pra... ser cristão agora... tem
cerca de três meses... eu mudei... totalmente... eu ia pros bailes... pros bailes... brigava...
levava/ apanhava... batia... só andava assim... estava... me envolvendo muito com esse
negócio.... entendeu? aí eu... eu fumava... eu bebia... saía de noite... brigava... chegava em
casa... brigava com os meus irmãos... agora eu passei a viver nessa outra vida de:: religião...
ser crente... como o pessoal fala... ser crente... eu melhorei... graças a Deus... parei de fumar...
parei de beber... e melhorou completamente a minha vida... mudei... agora sou calmo em
casa... só penso na família... e é o exemplo da minha vida... não pensava muito na família
quando eu estava nessa outra religião... estava no/ aceitei Jesus ( ) aceitar Jesus... a Deus... aí
eu mudei completamente a minha vida... graças a Deus...” (p.124)
(120) “(...) o lugar onde eu gosto de... de passear... brincar... assim... é na Quinta da Boa
Vista... lá é muito legal... eu às vezes eu vou com... com minhas colegas... gosto de lá por
causa que lá é calmo... lá a gente pode andar de bicicleta... lá também tem... assim... alguns
animais... às vezes... que fica lá... que a gente vê... né? e... às vezes eu levo a minha
bicicleta... e minhas amigas para brincarem... ( ) os meus bichos... o meu cachorro Totó... que
eu levo... fico brincando lá com ele... né? e eu gosto de lá assim por causa que... tem muitas
350
coisas assim... eh... lá... eh... balanço... essas coisas assim... gangorra... que a gente pode
brincar... e também lá é... é calmo...” (p.50)
(121) “(...)ontem... ontem eu/ meu colega... o Olivaldo da minha sala me chamou pra ir... no...
no rodeio... aí eu/ ontem eu falei pra ele que não podia ir não (...) aí ele foi... né? (...) ele falou
que teve briga lá... que ele foi com os co/ camarada dele lá de... da área/ lá da Moriçaba... né?
aí que/ aí ele chegou lá... lá pras onze horas... ( ) uns camarada chegaram do lado dele
assim... começaram a implicar com eles... pisaram no tênis deles... sabe? aí... o::... irmão dele
era meio nervoso assim... aí pegou... deu um chute na... na perna de um cara lá... aí o outro
cara pegou a cadeira... tacou em cima dele... sabe? aí o... o irmão dele caiu no chão... aí ele se
meteu... (...) só sei que a mu/ aí ele falou que a multidão que estava ali no rodeio... sabe? pra
ver... eh... juntou assim em cima dele... aí todo mundo começou a brigar... cara... maior/ ficou/
acho que demorou meia hora... todo mundo brigando ali no rodeio ali... sabe? todo mundo
brigando... (...)” (p.27)
(122) “(...) olha ... você fala assim ... diga ... que ele ... é gordo ... écasado ... tem cabelos
grisalhos ... e que tem:: mais assim ... uma idade ... uma idade avançada (...).” (p.160)
F) Rio Grande
(123) “(...) [ah... de um::...] assalto... assaltaram ele... ele foi/ falou que... foi... na Praça
Tamandaré::... acho que era umas quatro horas... foi de tarde... que ele ia ir pra um curso... e...
estava ele e o amigo dele... e::... dois pivete pararam eles assim com::/ acho que era canivete...
não sei... sei que eles estava armado... e meu primo estava só com... passagem... não tinha
nada pra eles roubarem... aí... ainda (tentaram tirar) os tênis dele... tiraram tênis... tiraram
camisa... e do amigo dele também...(...)” (p.39)
(124) “Uma amiga minha me contou que conheceu um cara na formatura da engenharia num
sábado desses.
A princípio não parecia um cara especial, mas depois parece que ficaram conversando um
tempão. Ele é oficial da Marinha, bonito e bastante inteligente.
Eles passaram a noite toda conversando, só no fim da noite, é que “pintou clima” e saiu uns
beijinhos. (...)” (p.12)
10. Ocorrências diversas
351
(125) Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco! Bendita sois vós entre as mulheres e
bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores,
agora e na hora de nossa morte, amém!
(126)
“(...) Ó meu Senhor,
sei que não sou nada:
sem merecer,
fizeste em mim
tua morada,
mas ao receber-te
perfeita comunhão se cria
Sou em Ti
és em mim.
minh'alma diz :
meu Deus,
como és lindo!
<https://www.vagalume.com.br/vida-reluz/como-es-lindo.html>
(127) “É... Parece que eu perdi a fé,
No coração
Ah! Agora só ouço a voz
Da minha razão (...)” ( )
<https://www.vagalume.com.br/bona-fortuna/parece-que-perdi-a-fe.html>
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