121/425 Microbiologia – Pesquisa (+)-Calanolida A, um promissor produto natural no combate à replicação do vírus HIV e da bactéria Mycobacterium tuberculosis (+)-Calanolide A, a promising natural product against HIV and Mycobacterium tuberculosis replication Marcus V.N. de Souza1a; Samir A. Carvalho2a; Raoni S.B. Gonçalves3a; Emerson T. da Silva4a; Carlos R. Kaiser5b & Alessandra C. Pinheiro2a RESUMO – Atualmente, a tuberculose (TB) continua sendo um grave problema de saúde pública mundial. Esta doença contagiosa é a causa mais comum de morbidade e uma das principais causas de morte em pessoas vivendo com HIV, resultando na morte de um a cada três pacientes. De acordo com as estatísticas, estima-se que, aproximadamente de 10 a 12 milhões de indivíduos estejam co-infectados com a bactéria Mycobacterium tuberculosis e o vírus HIV. Adicionalmente, pacientes que vivem com AIDS e estão contaminados com TB na sua forma latente possuem cerca de 30 vezes mais chances de desenvolverem tuberculose em sua forma ativa, do que em pessoas sadias. Devido ao alto impacto da TB/AIDS em nossos dias, necessita-se urgentemente de novos fármacos e estratégias no combate a essas duas doenças. Os produtos naturais apresentam-se como uma grande versatilidade na oferta de diversas substâncias bioativas, sendo que, em alguns casos, propiciam a descoberta de importantes fármacos que desempenham um crucial papel no tratamento de diversas doenças humanas. Considerando a importância dos produtos naturais no tratamento de diversas doenças, o objetivo deste artigo é relatar a (+)-calanolida A, promissor produto natural capaz de atuar conjuntamente na inibição da replicação do vírus HIV e da bactéria M. tuberculosis. PALAVRAS-CHAVE – Tuberculose, HIV, (+)-Calanolida A. SUMMARY – Nowadays, tuberculosis (TB) is becoming again, a world-wide problem. This contagious disease is one of the most common morbidity and one of the leading mortality causes in people who living with AIDS/HIV resulting in one died from three patients. According an estimate, nearly 10-12 million people are co-infected with Mycobacterium tuberculosis and HIV. In addition, patients living with AIDS and contaminated with latent TB gets 30 times more to develop active TB than no infected patients. Due to the high impact of TB-AIDS nowadays, are needed urgently new drugs and strategies to fight efficiently against these two diseases. The natural products present as great versatility in the provision of various substances bioactive although, in some cases, permit the discovery of important drugs that play a crucial role in the treatment of many human diseases. Considering that, the aim of this article is to highlight (+)-calanolide A, a promising natural product active against both, HIV replication and the bacterial M. tuberculosis. KEYWORDS – Tuberculosis, HIV, (+)-Calanolide A. INTRODUÇÃO A tuberculose (TB) e a AIDS (Acquired Immuno Deficiency Syndrome) são duas doenças infectocontagiosas que mudaram a história da humanidade, sendo em nosso século dois graves problemas de saúde pública mundial, responsáveis pela morte de milhões de pessoas a cada ano, prejudicando o desenvolvimento econômico e social de diversas nações. Apesar de apresentarem agentes etiológicos diferentes, a tuberculose causada pela bactéria Myco- bacterium tuberculosis e a AIDS pelo vírus HIV (Human Immunodeficiency Vírus), vírus da família dos retrovírus (composto de ARN), essas doenças estão intimamente relacionadas1. Por exemplo, a tuberculose, que na década de 1970 e 1980 acreditava-se que seria uma doença erradicada, ressurgiu, tendo como um dos responsáveis2, a AIDS, doença reconhecida pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention - Centro de Prevenção e Controle de Doenças), em Atlanta, EUA, em 1981. Devido ao fato do vírus HIV comprometer, debilitar Recebido em 11/11/2007 Doutor em Síntese Orgânica/Université/Paris/XI; 2Doutorando em Síntese Orgânica/UFRJ/RJ 4 Graduando em Química /UFRJ/RJ; Doutor em Síntese Orgânica/UFRJ/RJ; 5Doutor em Química Orgânica/UFRJ/RJ a Instituto de Tecnologia em Fármacos-Far-Manguinhos Rua Sizenando Nabuco, 100 - Manguinhos, Rio de Janeiro/RJ - 21041-250 b Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Instituto de Química Av. Brigadeiro Tromposwski, s/n, Ilha do Fundão - Rio de Janeiro/RJ – Brasil - 21941-590 1 3 Rev. Bras. Farm., 89(2): 125-130, 2008 125 O O O 5 7 O HO B 4 O N 8 O 3 O Cl A 9 O O 1 C 2 OH O 10 11 3-[(3,4 - dicloro) - benzilidenoamino]cumarina 5,7-dihidroxi-4-metilcumarina OH (+) - Calanolida A FIG. 1 - Estrutura da (+)-calanolida A. FIG. 2 - Anel 1,2 benzopirona, esqueleto básico encontrado na estrutura das cumarinas. e descoordenar o sistema imunológico, o organismo infectado se torna sem defesa contra invasores externos e internos, como bactérias, fungos, protozoários, outros vírus, parasitas e contra células cancerígenas. A tuberculose é uma das principais co-infecções em pacientes HIV positivos, tendo 30 vezes mais chances de se desenvolver nesses pacientes do que em uma pessoa sadia, tornando-se a causa mais comum de mortes em pacientes portadores do vírus HIV: um a cada três pacientes. Estatísticas indicam que, globalmente, aproximadamente 12 milhões de pessoas estão co-infectados por esses dois agentes etiológicos. No Brasil, cerca de 8% dos pacientes com tuberculose, também têm AIDS. O advento da AIDS não foi somente uma das principais causas do ressurgimento da tuberculose, mas também modificou o seu tratamento, já que a interação TB/ AIDS é capaz de acelerar a progressão de ambas as doenças devido a uma acentuada diminuição da ativação do sistema imunológico, requerendo assim, condições especiais em seu tratamento. Como exemplo da complexidade do tratamento TB/ AIDS, pode-se mencionar a duração do tratamento, resistência aos fármacos utilizados, graves efeitos colaterais, formas extra-pulmonares, grande número de medicamentos empregados e interações entres os fármacos TB/AIDS que, se mal empregados, podem causar, inclusive, a morte do paciente. Em decorrência disto, uma pergunta pode ser levantada: seria possível a utilização de um fármaco capaz de combater ambas as doenças? Bem, essa é uma pergunta difícil de ser respondida; no entanto, a natureza parece dar indícios a essa pergunta com a descoberta da atividade biológica do produto natural (+)-calanolida A (Figura 1), uma piranocumarina pertencente à classe das cumarinas, isolada da árvore tropical Calophyllum lanigerum, que apresenta importante atividade em ambos os agentes etiológicos da TB/AIDS. Devido às promissoras perspectivas desse produto natural, o objetivo deste artigo é divulgar os recentes estudos realizados nessa área. Importância das cumarinas no desenvolvimento de novos fármacos A busca da cura de doenças por meio do emprego de fitoterápicos e a utilização de produtos naturais como padrões na descoberta de novas moléculas bioatívas, tornam-se cada vez mais freqüentes3,4, despertando um crescente interesse por parte das indústrias química e farmacêutica. As cumarinas são uma classe de produtos naturais caracterizados pela presença de um anel 1,2 benzopirona em sua estrutura (Figura 2). Esses compostos podem ser obtidos a partir de diferentes fontes naturais 126 CH3 Cl 12 H2NO2S O O 667 Cumato FIG. 3 - Cumarinas bioativas descritas na literatura CH3 CH3 O O O OCH3 Metoxissaleno O O O CH3 Trioxissaleno FIG. 4 – Metoxissaleno e Trioxissaleno, substâncias utilizadas no combate de doenças de pele como a psoríase e o vitiligo. como bactérias e fungos, porém, são em espécies vegetais que a sua ocorrência é mais freqüente, destacandose as famílias das Apiaceae, Rutaceae, Fabaceae e Hyppocastanaceae, onde essas substâncias são produzidas na forma de metabólitos secundários, desempenhando importantes funções fisiológicas na planta5, como por exemplo, a regulação de seu crescimento, a absorção de radiação ultravioleta, protegendo plantas em fase de crescimento, inibição enzimática, ação antioxidante e proteção desses vegetais contra ataques causados por vírus e outros agentes6. Assim, fica evidente a capacidade de tais substâncias exibirem atividades bioquímicas e farmacológicas pronunciadas, tornando-se importantes modelos no desenvolvimento de novos fármacos. Alguns exemplos importantes são descritos na literatura, como a 3-[(3,4-dicloro)-benzilidenoamino]cumarina, que apresenta atividade anti-inflamatória; a 5,7-dihdroxi-4-metilcumarina, um anti-oxidante7 e o 667 cumato (Figura 3), que atualmente encontra-se em fase I de testes clínicos, como inibidor da enzima esteróide sulfatase no tratamento de mulheres com câncer de mama8. Um outro exemplo da importância das cumarinas no desenvolvimento de fármacos são os psoralenos, substâncias facilmente encontradas em diversos alimentos como cenoura, chicória, tomate e lentilha. Essas furanocumarinas são utilizadas no combate de doenças da pele, como o vitiligo9, que não é contagiosa, mas que atinge de 0,5 a 2% da população mundial10 e a psoríase, outra doença de pele, bastante freqüente, que atinge homens e mulheres na mesma proporção, caracterizada pelo aparecimento de lesões avermelhadas e descamativas na pele. Não existe cura para a psoríase, porém, seu tratamento através da ingestão de psoralenos como o metoxissaleno e o trioxissaleno (Figura 4), seguido da exRev. Bras. Farm., 89(2), 2008 CHO Ac2O O O ONa CH2COCH3 AcONa O OH O FIG. 5 - Obtenção da cumarina através da síntese de Perkin. Varfarina O O O OH Dicumarol O O OH CH2COCH3 NO2 O O OH C2H5 OH FIG. 6 - Dicumarol, encontrado em plantas do gênero Melilotus após sofrerem degradação por fungos. posição à luz ultravioleta é bastante eficiente na maioria dos casos. É interessante ressaltar, que segundo relatos históricos, o tratamento de doenças da pele através da ingestão de macerados de ervas contendo psoralenos, já era utilizado no antigo Egito. A obtenção sintética das cumarinas teve início em meados do século XIX, através de uma rota sintética desenvolvida pelo químico inglês William Henry Perkin (1838-1907), conhecida como síntese de Perkin12. Essa consiste na condensação aldólica de um aldeído aromático com um anidrido na presença de um sal desse anidrido. No caso da síntese de cumarinas, a reação é feita entre o aldeído salicílico, anidrido acético e acetato de sódio (Figura 5). Porém, foi em meados do século XX que houve a entrada de derivados coumarínicos no mercado, inicialmente o dicumarol (Figura 6) e logo em seguida, a varfarina 13 (Figura 7), o agente anticoagulante ministrado via oral mais utilizado nos Estados Unidos14. A história desse fármaco se deu no início do século XX, quando fazendeiros norte-americanos, após importarem da Europa plantas do gênero Melilotus alba e M. officinalis, popularmente chamadas de trevos-doce para serem utilizadas como alimento para o gado, verificaram o aparecimento de uma doença hemorrágica nesses animais e que até então era desconhecida. Em 1922, após estudar o assunto, o veterinário e patologista Frank W. Schofield (1889-1970) associou a causa dessa nova doença à ingestão, por parte do gado, de trevosdoce deteriorados pela ação de fungos15. O trabalho de isolar a substância hemorrágica foi iniciado por um jovem estudante da Universidade de Wisconsin, Karl Paul Link (1901-1978)16. Em 1939, Link e colaboradores finalmente isolaram a substância que, em 1940, foi identificada e sintetizada, ficando conhecida como 3,3’-metilenobis-[4-hidroxicumarina] ou dicumarol. Devido aos seus excelentes resultados, o dicumarol foi patenteado em 1941 e utilizado terapeuticamente como anticoagulante. No final da década de 40, visando obter um derivado mais potente com o objetivo de usá-lo como anti-raticida, Link sintetizou o 3-fenilacetil etil, 4-hidroxicumarina, que teve sua patente beneficiada pela Wisconsin Alumni Research Foundation de onde foi originado o nome Warfarin (nome em inglês do fármaco varfarina), que atualmente é ministrado em pequenas doses como anticoagulante e anti-trobótico. O mecanismo de ação dessa substância foi elucidado em 1978 por Whitlon e colaboradores que verificaram a sua atuação como inibidor da vitamina K, uma vitamina Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008 O Acenocumarol Femprocumona FIG. 7 - Derivados sintéticos de cumarinas, comercializados como anticoagulantes. O HO O O O O OCH3 Xantotoxina 7 - hidroxicoumarina OCH 3 O O O O O O Bergaptenina Angelicina FIG. 8 - Exemplos de diferentes classificações de cumarinas. lipossolúvel, produzida por bactérias intestinais, podendo ser encontrada também em inúmeros alimentos que compõem a dieta humana como leite, frutas, vegetais e ovos. Sua principal função no organismo está relacionada com a coagulação sangüínea. O mecanismo de ação da varfarina é encontrado em outros fármacos sintéticos, derivados de cumarinas, também disponíveis no mercado, como a femprocumona (Figura 7), produzidas pela Roche com o nome de Marcoumar® e o acenocumarol (Figura 7), comercializado no Brasil com o nome Sintrom®17. Classificação das cumarinas Atualmente, cerca de 1.300 derivados já foram isolados de aproximadamente 800 diferentes tipos de plantas7. Na natureza, esses derivados apresentam uma grande diversidade estrutural, com diferentes grupos funcionais nas varias posições do sistema benzopirona. Dessa forma, é possível dividir as cumarinas em subclasses distintas18, sendo essas: a) cumarinas simples, onde encontramos a cumarina e os derivados hidroxilados e metoxilados, como por exemplo: a 7-Hidroxicumarina (Figura 8); b) as furanocumarinas, que possuem um anel furano condensado ao anel benzênico, podendo ser linear, como, por exemplo, a xantotoxina e a bergaptenina (Figura 8) ou angular como a angelicina (Figura 8) e d) as piranocumarinas, em que se inclui a (+)-calanolida A (Figura 1), um promissor produto natural no combate à replicação do vírus HIV e da bactéria Mycobacterium tuberculosis, que será abordada a seguir. (+)-Calanolida a e sua atividade contra o vírus HIV A (+)-Calanolida A é extraída de folhas e ramos da 127 árvore tropical Calophyllum lanigerum var. austrocoriaceum. Esta espécie é membro raro da família Guttiferae – ou mangosteen-tirar, sendo as primeiras amostras coletadas em 1987, por meio de uma expedição do Instituto Nacional do Câncer (EUA) a Sarawak (Malásia), na ilha de Borneo. Nessa expedição, todas as amostras coletadas foram testadas contra o câncer, porém, nenhuma delas apresentou atividade. Devido ao surgimento da AIDS, que nessa época ainda não se tinha muita informação nem tratamento efetivo, diversos grupos de pesquisas testaram diferentes produtos naturais e sintéticos na tentativa de se encontrar a cura para essa doença. Nesse contexto, as amostras anteriormente testadas no combate ao câncer, foram também testadas contra o HIV, que surpreendentemente apresentou uma amostra bastante promissora, que continha a piranocumarina, (+)-calanolida A. Da mesma forma, foram coletadas amostras de outras espécies do gênero Calophyllum relacionadas estruturalmente. Porém, dessa classe de cumarinas policíclicas, a (+)-calanolida A demonstrou ser a mais ativa contra a replicação do vírus HIV-1 (EC50=0,1µM), mas inativa contra HIV-2,19 (retrovírus encontrado principalmente na África). Uma vez determinada a atividade da (+)calanolida A, foi necessária a coleta de uma quantidade maior de material para a realização dos testes subseqüentes. Porém, ao realizar outra expedição à ilha de Borneo, os pesquisadores tiveram grande dificuldade em encontrar novos espécimens da desejada planta nativa, uma vez que esta, por ser imensamente utilizada como lenha e na construção de residências, se encontrava em extinção. No entanto, uma solução para esse problema veio do Singapore Botanic Garden por ter este recolhido amostras dessa mesma espécie cerca de 100 anos antes. As piranocumarinas, isoladas do Calophyllum, encontram-se em três tipos básicos estruturais: (a) dipiranocumarinas tetracíclicas, em que o anel D possui um grupo dimetil geminado como, por exemplo, a (+)calanolida A; (b) dipiranocumarinas tetracíclicas com anéis reversos C e D, com o grupo dimetil geminado no anel C, como a pseudocalanolida C 20; e (c) dipiranocumarinas tricíclicas, exemplificado pela calanolida E119, que não apresenta o anel C (Figura 9). Membros individuais de cada grupo variam em relação ao substituinte na posição C4 do anel lactônico da cumarina, onde metil (cortadolida), n-propil (calanolida), ou o grupo fenil (inophyllum) podem ser encontrados. Das cumarinas policíclias isoladas do gênero Calophyllum, os compostos que exibiram maior atividade anti-HIV foram: (+)-calanolida A19, (+)-ino- 6 7 O O O5 D 4 8 3 A HO B 2 9O O O O O O O C 12 10 11 O OH OH (+)-Calanolida A Pseudocalanolida C Calanolida E1 FIG. 9 - Estruturas básicas das piranocumarinas isoladas do Calophyllum. 128 O O O R O O O OH R O O O OH (+)-Calanolida A (R=n-propil) (-)-Calanolida A (R=n-propil) (+)-Inophyllum B (R=Fenil) (-)-Inophyllum B (R=Fenil) FIG. 10 - Piranocumarinas isoladas do Calophyllum e testadas contra o HIV. phyllum B21, (-)-calanolida B19 e (-)-inophyllum P21 (Figura 10). Os enantiômeros das calanolidas, (-)-calanolida A e (+)-calanolida B não possuem atividade antiviral no teste in vitro, demonstrando que a estereoquímica das piranocumarinas é importante para sua atividade biológica22. O mecanismo de ação da (+)-calanolida A foi estudado por Currens e colaboradores23, demonstrando que esse produto natural é capaz de inibir a enzima transcriptase reversa (TR) do HIV-1, essencial para a replicação desse vírus. Possui a propriedade de inibir grandes variedades de cepas deste vírus, inclusive as que são resistentes ao AZT, primeiro e típico fármaco inibidor da TR. Dentre estas cepas, destaca-se a A17, que é resistente à maioria dos fármacos utilizados para inibir a enzima transcriptase reversa. Em estudos in vivo, a (+)-calanolida A mostrou significante atividade via oral e parenteral em tratamento diário de uma e duas doses, sendo capaz de eliminar a replicação viral em dois compartimentos fisiológicos distintos (subcutânea e peritonial), mostrando boa absorção oral. Além disso, esse produto natural possui sinergismo na combinação com AZT. Relação estrutura-atividade Devido à importância da (+)-calanolida A no combate à replicação do vírus HIV, diversos derivados desse produto natural têm sido sintetizados, obtendo-se, assim, importantes informações a respeito de sua relação estrutura-atividade na busca de novos fármacos. Por exemplo, Zembower e cols.24 sintetizaram e avaliaram uma série de análogos da (+)-calanolida A (Figura 11) com o intuito de examinar a relação estruturaatividade do anel trans-10,11-dimetildihidropirano-12ol (denominado anel C). A remoção do grupo metila na posição 10 resultou na diminuição da atividade e somente um epímero manteve atividade anti-HIV. A substituição do grupo metil por um etil reduziu em quatro vezes a atividade quando comparada à (+)-calanolida A racêmica, e a substituição do metil por um grupo isopropil eliminou completamente a atividade anti-HIV. A adição de uma metila ao carbono na posição 10 ou 11 mantém as mesmas características estereoquímicas das calanolidas, enquanto remove a quiralidade no respectivo carbono, resultando na redução da atividade em relação à (+)-calanolida A. Nos exemplos acima mencionados, análogos alquílicos cis em relação às posições 10 e 11 são completamente desprovidos de atividade. Intermediários sintéticos em que o grupo hidroxila secundário na posição 12 está no estado oxidado, como Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008 Redução da ligação olefínica Diminuição da Atividade O 6 7 Fenila, Metila Pouco ativos O5 D 4 8 3 Inativos H, Isopropila B A O 9O O 2 O N H O 1 C 12 10 Etila, Dimetila Pouco ativos R 11 cis Inativo OH (S) (1) Ativo OH (R) OAc (S) OH Inativo (±)-Azacalanolida A Inativo OMe (S) Inativo Pouco Ativo CO FIG. 13 - Derivado estrutural mais ativo que a (±) calanolida A. 6 O5 7 D 4 8 7 3 A 9 O O O 2 8 O O 1 C A 12 10 R 11 O B B OH (S) Ativo OH (S) Inativo SH (S) Inativo N3 (R) Inativo CO O O O O O O O O O C 12 Pouco ativo OH OH OH (+) - Calanolida A (-) - Calanolida A (-) - Calanolida B Porcentagem da inibição 96% (MIC = 3.13 m g mL-1) Porcentagem da inibição 98% (MIC = 6.25 m g mL-1) Porcentagem da inibição 99% (MIC = 6.25 m g mL-1) FIG. 11 - Modificações estruturais realizadas na (+)-calanolida. O O O O O O O O O O O O O O O O OH O O O O OH OH C C O O 10,11-trans-oxocalanolida A 10,11-cis-oxocalanolida A (-) - 7,8-Dihidrocalanolida B Porcentagem da inibição 98% (MIC = 3.13 m g mL-1) 7,8- Dihidrosoulatrolida Soulattrolida Porcentagem da inibição 99% Porcentagem da inibição 99% -1 (MIC = 6.25 m g mL-1) (MIC = 3.13 m g mL ) FIG. 12 - Intermediários sintéticos menos ativos. por exemplo, a oxocalanolida A 10,11–trans e o derivado 10,11–cis (Figura 12), tiveram uma redução de cerca de cinco vezes na atividade anti-HIV, representando os primeiros intermediários da (+)-calanolida A que exibiram atividade na inibição da enzima transcriptase reversa sem possuir a hidroxila na posição 12. Galinis e cols.25 reduziram a ligação 7, 8 olefínica da (+)-calanolida A e da (-)-calanolida B para analisar o impacto na atividade anti-HIV. Adicionalmente, foi realizada uma série de modificações na hidroxila presente no C-12 da (-)-calanolida B na intenção de investigar a importância desse substituinte na atividade anti-HIV dessas cumarinas. Um total de 14 análogos foi preparado e suas atividades avaliadas e comparadas às da (+)-calanolida A e (-)-calanolida B. Apesar de nenhum desses derivados obterem atividade superior, à (+)-calanolida A e à (-)-calanolida B, importantes informações da relação estrutura-atividade dessa classe de compostos foram obtidas. Outro exemplo da importância do estudo da relação estrutura atividade e do desenvolvimento de derivados sintéticos dessa classe de compostos foi o trabalho realizado por Sharma e cols.26, que descreveram a síntese e a avaliação da atividade anti-HIV-1 da (±)azacalanolida A (Figura 13), que demonstrou ser mais ativa e mais segura, terapeuticamente, que a (±) calanolida A. Rev. Bras. Farm., 89(2), 2008 O O O O O O (+) - 12-Oxocalanolida A Porcentagem da inibição 78% (MIC = >12.5 m g mL-1) O O O O O (+/-) - 7,8 - Dihidro -12 oxocalanolida A Porcentagem da inibição 43% (MIC = >12.5 m g mL-1) O O O O (+/-) - Calanolida D Porcentagem da inibição 57% (MIC = >12.5 m g mL-1) MIC - Definido como a concetração mínima inibitória de um antibiótico para inibir uma bactéria FIG. 14 - Piranocumarinas com atividade com a Mycobacterium tuberculosis. A atividade in vivo em conjunto com a variedade de estudos in vitro sugere que (+)-calanolida A e seus derivados possuem características favoráveis em uso clínico contra a AIDS, representando uma nova classe promissora de inibidores da enzima transcriptase reversa27. (+)-Calanolida A e sua atividade contra a Mycobacterium tuberculosis Apesar de suas promissoras perspectivas no combate à replicação do vírus HIV, a (+)-calanolida A apresentou também uma importante atividade contra o agente etiológico da tuberculose, o Mycobacterium tuberculosis, identificado por Xu e cols28 que avaliaram uma série de piranocumarinas, sendo a (+)-calanolida A, conjuntamente com a (-)-7,8-dihidrocalanolida B e a sou129 latrolida (Figura 14), as piranocumarinas mais promissoras, apresentando uma concentração mínima inibitória (MIC) de 3,13µg/mL. Uma outra importante informação a respeito da atividade antibacteriana das pirocumarinas é que essa classe de produtos naturais é capaz de combater também a Mycobacterium tuberculosis multiresistentes aos fármacos empregados no tratamento da tuberculose, representando assim, uma importante classe para o desenvolvimento de novos fármacos no combate a essa doença. CONCLUSÃO O binômio tuberculose/AIDS representa atualmente um grave problema de saúde mundial, estando intimamente relacionados e conjuntamente responsáveis pela morte de milhões de pessoas a cada ano, atingindo negativamente o desenvolvimento econômico e social de diversas nações. Assim sendo, torna-se necessário o desenvolvimento de novas estratégias e abordagens terapêuticas, baseadas, por exemplo, no desenvolvimento de novos fármacos capazes de combater ambos os agentes etiológicos, com menores efeitos colaterais, maior potência, com melhores perfis farmacocinéticos e amplo espectro de atividade a diferentes vírus HIV e Mycobacterium tuberculosis resistentes. Nesse contexto, a classe de produtos naturais comumente conhecidas como piranocumarinas, tendo como seu principal representante a (+)-calanolida A, representa novas perspectivas e abordagens no tratamento do binômio tuberculose/AIDS. Demonstra-se, assim, novas possibilidades no desenvolvimento de fármacos capazes de combater simultaneamente essas enfermidades que assolam sobremaneira a humanidade. REFERÊNCIAS 1. De Souza, M.V.N. Tuberculose em pacientes HIV - positivos, um grave problema de saúde pública mundial. Rev. Bras. Farm. 2006 (87): 42-4. 2. De Souza, M.V.N.; Vasconcelos, T.R.A. Fármacos no combate à tuberculose: Passado, Presente e Futuro. Quim. Nova. 2005 (28): 678-82. 3. De Souza, M.V.N. Marine Natural Products Against Tuberculosis. The Scientific World JOURNAL 2006 (6): 847–61. 4. De Souza, M.V.N. Plants and Fungal Products with Activity Against Tuberculosis. The Scientific World JOURNAL 2005 (5): 609–28. 5. Booth, N.L.; Nikolic, D.; Van Breemen, R.B.; Geller, S.E.; Banuvar, S. et al Confusion regarding anticoagulant coumarins in dietary supplements. Clin. Pharmacol. Ther. 2004 (76): 511-6. 130 6. Lozhkin, A.V.; Sakanyan, E.I. Structure of Chemical Compounds, Methods of analysis a process control. 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