contribuições do funcionalismo no ensino de transitividade verbal e

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CONTRIBUIÇÕES DO FUNCIONALISMO NO ENSINO DE
TRANSITIVIDADE VERBAL E CONCEITO DE PROFESSORES DO
ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O TEMA
Simone Maria Barbosa Nery NASCIMENTO (PG-UEM)
Geiva Carolina CALSA (UEM)
ISBN: 978-85-99680-05-6
REFERÊNCIA:
NASCIMENTO, Simone Maria Barbosa Nery;
CALSA, Geiva Carolina. Contribuições do
funcionalismo no ensino de transitividade verbal e
conceito de professores do ensino fundamental sobre
o tema. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS
LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007,
Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 2119-2128.
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se, por meio de estudos científicos e de resultados de pesquisas oficiais,
que, em nível mundial, o sistema educacional brasileiro possui um dos mais baixos
índices com relação ao desempenho escolar dos alunos. No tocante à disciplina de
Língua Portuguesa, lingüistas vêm discutindo, nas últimas décadas, as problemáticas
existentes no ensino de língua materna e sugerindo algumas contribuições para o melhor
desempenho linguístico dos alunos. Se por um lado, o ensino baseado em pressupostos
teóricos tradicionais se preocupa em estabelecer quadros classificatórios para as formas
lingüísticas, por outro lado, podemos perceber um avanço, ao menos teórico, nos
documentos governamentais que servem de base para o ensino de língua, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), que preconizam a reflexão lingüística.
De acordo com os PCNs, a linguagem é uma atividade de natureza reflexiva,
reflexão esta fundamental para o aperfeiçoamento da capacidade de produzir e
interpretar textos. Aperfeiçoamento porque a criança antes de ingressar na escola já tem
um certo conhecimento das regras que governam sua língua materna (gramática
internalizada). “A análise lingüística refere-se a atividades que se pode classificar em
epilingüísticas e metalingüísticas. Ambas são atividades de reflexão sobre a língua, mas
se diferenciam nos seus fins” (BRASIL, 1997, p. 38). No entanto, os Parâmetros
Curriculares Nacionais afirmam que a gramática tem sido ensinada de forma
descontextualizada: reduz-se a uma prática pedagógica que vai da metalinguagem à
memorização de nomenclaturas.
2119
Preocupados com essa situação, lingüistas têm trabalhado com os conteúdos
gramaticais escolares, analisando-os a partir do funcionamento da linguagem. Para isso,
ao contrário do ensino tradicional de gramática que banaliza a língua reduzindo-a e
separando-a em blocos homogêneos, analisam as entidades linguísticas em suas
relações, atribuindo-lhes funções. Observam, primeiramente, as ocorrências concretas
de uso para, posteriormente, aplicar qualquer regra de análise.
Fundamentada na Lingüística, nos estudos da área da educação e nas propostas
dos documentos governamentais (PCNs) que visam o desenvolvimento da competência
comunicativa, o presente trabalho teve como objetivo investigar o conceito e o modo de
ensinar transitividade verbal por parte de professores de 6º ao 9º ano do ensino
fundamental.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Traváglia (1996) alega que uma das causas do baixo desempenho dos estudantes
em Língua Portuguesa deve-se à metodologia de ensino utilizada por professores que se
pautam em pressupostos tradicionais de gramática. De acordo com essa metodologia, os
alunos devem fixar regras gramaticais desvinculadas da língua que utilizam, deixando
de lado os seus conhecimentos e muito menos refletindo sobre qualquer circunstância
linguística.
Ilari e Basso (2006) alegam que o objeto de trabalho do professor da língua
materna é a competência lingüística de seus alunos. A partir da matéria-prima trazida
por eles, deve atuar no sentido de convertê-la em instrumento de raciocínio e meio de
expressão de suas personalidades, bem como de comunicação e elaboração de conceitos
que lhes permitam organizar sua percepção de mundo. Alegam que, apesar disso, a
escola não tem atuado para desenvolver a competência lingüística do aluno, e continua
priorizando a sistematização gramatical da língua, como o ensino de nomenclaturas e a
análise de sentenças descontextualizadas.
Neves (2004) ressalta que o problema maior no ensino de língua começa pela
avaliação que se faz da gramática da língua, concepção relacionada ao procedimento de
fixação da norma e ligada ao papel conferido ao valor social da linguagem. Explica que
a gramática começou como investigação filosófica sobre a natureza da linguagem, e
hoje se apresenta como meio dogmático de obter correções. A autora destaca que o
ensino de gramática vigente nas escolas tem se caracterizado como um “ritual” que
configura-se como:
uma exposição e imposição de parâmetros, nos quais se devem
simplesmente enquadrar, segundo instruções mecânicas, as entidades
isoladas em textos-pretextos prontos, ou em orações artificiais
especialmente construídas para tal exercitação (NEVES, 2002, p. 241).
No entanto, a pesquisadora (2004) reconhece a vantagem ou necessidade de
garantir ao aluno um modo de acesso ao padrão linguístico valorizado socialmente
desde que reconheçam também a língua em uso, sob a consideração de que é em
interação que se usa a linguagem e se produzem textos. Cabe à escola, já que é
reconhecida como espaço institucionalmente mantido para a orientação do “bom uso”
lingüístico, “ativar uma constante reflexão sobre a língua materna, contemplando as
relações entre uso da linguagem e atividades de análise lingüística e de explicitação da
gramática” (NEVES, 2004, p. 18).
2120
A propõe como bases para uma gramática escolar indicações como:
a. O falante de uma língua natural é competente para, ativando
esquemas cognitivos, produzir enunciados de sua língua,
independentemente de qualquer estudo prévio de regras
gramaticais.
b. O estudo da língua materna representa, acima de tudo, a
explicitação reflexiva do uso de uma língua particular
historicamente inserida, via pela qual se chega à explicitação do
próprio funcionamento da linguagem.
c. A disciplina escolar gramatical não pode reduzir-se a uma
atividade de encaixamento em moldes que dispensem as
ocorrências naturais e ignorem zonas de imprecisão ou de
oscilação, inerentes à natureza viva da língua. (NEVES, 2004,
p.19)
Dessa forma, considera como ingredientes obrigatórios no tratamento escolar as
discussões sobre as tensões dicotômicas entre uso e norma-padrão, entre modalidade
falada e modalidade escrita, e descrição e prescrição.
2.1.Teoria funcionalista e transitividade verbal
A teoria funcionalista da Lingüística, segundo Martelotta e Áreas (2003),
caracteriza-se pela concepção que tem da língua como um instrumento de comunicação
que não pode ser analisada como um objeto autônomo, mas como uma estrutura
suscetível a mudanças em suas diferentes situações de uso, e que ajudam a determinar a
estrutura gramatical.
Para sintetizar a concepção funcionalista da linguagem, Givon (1995 apud
MARTELOTTA e ÁREAS, 2003) a descreve em nove tópicos fundamentais:
a linguagem é uma atividade sociocultural; a estrutura serve a
funções cognitivas e comunicativas; a estrutura é não-arbitrária,
motivada, icônica; mudança e variação estão sempre presentes; o
sentido é contextualmente dependente e não-atômico; as categorias
não são discretas; a estrutura é maleável e não rígida; as gramáticas
são emergentes; as regras de gramática permitem algumas exceções
(GIVÓN, 1995 apud MARTELOTTA e ÁREAS, 2003, p. 28).
Segundo Costa Val (2002, p. 121), “o processo ‘espontâneo’, ‘intuitivo’, de
construção do conhecimento lingüístico-discursivo se desenvolve basicamente pela
participação nas práticas de linguagem corriqueiras do dia-a-dia.”.
Para Neves (2004), em todos os níveis escolares, inclusive na universidade, falta
ao ensino considerar a linguagem em funcionamento, o que implica saber avaliar as
relações entre as práticas de falar, de ler e de escrever, cada uma configurada como
objeto de reflexão. Dessa perspectiva, não somente o estudante da língua, mas também
o falante comum poderia se orientar na direção de uma utilização eficiente dos recursos
discursivos, chegando a uma sistematização dos fatos da língua por meio do efetivo
funcionamento da linguagem.
2121
Entre os princípios básicos da teoria funcionalista encontra-se a transitividade
verbal. Hopper e Thompson (1980 apud CUNHA et al 2003) propõem que a análise da
transitividade seja realizada não apenas em relação ao verbo, mas de toda a sentença.
Sabe-se que, tradicionalmente, os verbos são classificados em transitivos ou
intransitivos, o que significa lhes atribuir propriedades específicas antes mesmo de
qualquer análise. Segundo Lyons (1979, p. 370), “a concepção 'nocional' tradicional de
transitividade e o termo em si sugerem que o efeito da ação expressa pelo verbo 'passa'
do 'agente' (ou 'ator') para o 'paciente' (ou 'meta')”. No entanto, semânticamente
analisando, há nessa definição, segundo o autor, uma certa fragilidade, pois nos
exemplos como: “Eu o firo”, sintaticamente e semânticamente é um verbo transitivo,
tendo em vista que a ação referida passa do agente para o paciente, mas, no caso “Eu o
ouço”, semanticamente não se pode dizer o mesmo, pois, se é que há referência a
alguma ação, é em sentido contrário à sentença anterior. Porém, o autor chama a
atenção para a cautela ao se traçar distinção entre as definições “formal” e “nocional”,
pois, alega não deixar de ser verdade que o conceito “nocional” tradicional de
transitividade seja aplicável à maioria dos verbos transitivos, do ponto de vista sintático,
além de que essa atividade de transferência de um “ator” para uma “meta” levaria a
pensar que há alguma base semântica para a noção tradicional de transitividade, se se
pensar em verbos como “ver” e “ouvir” como atividades em que a primeira iniciativa
cabe à pessoa que ouve e vê.
Outra consideração sobre o processo de transitividade está presente em Perini e
Fulgêncio (1992) que ressaltam que, de acordo com a gramática tradicional, verbos que
recusam o objeto são considerados “intransitivos” e os que exigem objeto são
“transitivos”. Dessa perspectiva gramatical, os verbos que aceitam opcionalmente um
objeto ficam sem classificação. No caso do verbo “comer” que aparece nas situações
“Pedro já comeu” e “Pedro comeu a maçã” é necessária a análise da situação em que o
verbo está inserido para, posteriormente, classificá-lo. No primeiro caso, o verbo
funciona como intransitivo e, no segundo, como transitivo. A gramática tradicional não
prevê esses eventos.
Lyons (1979) diria sobre essa idéia que há um apagamento do objeto, pois há
classes verbais usadas tanto transitivamente quanto intransitivamente. Os funcionalistas
da vertente norte-americana associam a transitividade a uma função discursivocomunicativa de tal modo que o maior ou menor grau de transitividade de uma sentença
reflete a maneira como o falante organiza o seu discurso para atingir seus propósitos
comunicativos. O discurso, no entanto, apresenta dois planos que determinam o grau de
transitividade de uma oração. Apresentam alta transitividade as orações que assinalam a
porção central de um texto, denominada figura, enquanto a porção periférica ou de
baixa transitividade corresponde ao plano de fundo do discurso. Para tanto, estabelecem
um quadro de dez parâmetros sintático-semânticos de análise da transitividade das
sentenças (quadro 01). Cada um desses parâmetros contribui para a ordenação de
orações em uma escala de transitividade, quanto mais “itens” da coluna da alta
transitividade tiver a oração, mais transitiva será no discurso.
2122
Quadro 01: Parâmetros para a análise da transitividade
Transitivade Alta
Transitividade Baixa
Dois
ou
mais
Um
1. Participantes
Ação
Não ação
2. Cinese
Perfectivo
(passado)
Não-perfectivo
3. Aspecto do verbo
Punctual (ação completa) Não-punctual
4. Pontualidade
Intencional
Não-intencional
5. Intencionalidade do sujeito
Afirmativa
Negativa
6. Polaridade da oração
Modo realis
Modo irrealis
7. Modalidade da oração
Agentivo
Não-agentivo
8. Agentividade do sujeito
Afetado
Não-afetado
9. Afetamento do objeto
Individuado
Não-individuado
10. Individuação do objeto
Por meio do fragmento abaixo, retirado de uma fala de um aluno do ensino
médio (corpus do grupo de estudos D&G/Natal apud CUNHA et al, 2003, p.222) podem ser
percebidos os planos do discurso, conforme a teoria funcionalista assinalada:
[...] aí quando vinha ali no rio Tietê ... num sei se você conhece...já
ouviu falar...lá de São Paulo...quando vinha lá do rio Tietê...tava
chovendo muito... a pista escorregadia ...né? Aí o carro perdeu o
controle...o motorista perdeu o controle...né? ...aí quando ele viu
que o carro ia cair dentro do rio... aí ele colocou o carro num... pra
cima de outro carro...que tava um casal de namorado
assim...namorando...” ( D&G/Natal, Cunha et al., 2003, p.222)
O excerto acima mostra a oposição de tempo, aspecto e dinamicidade entre os
verbos do plano da figura e os verbos do plano do fundo. Enquanto no plano da figura
os verbos são pontuais, de ação e acabados, como em “perdeu o controle”, “colocou o
carro”; no plano de fundo, os verbos apresentam o contexto do evento narrado, com
comentários descritivos e avaliativos do narrador: “vinha, conhece, ouviu falar,
chovendo, viu, cair, namorando”.
A partir desses referenciais, a análise da transitividade verbal exige a
compreensão das relações entre os elementos da oração que não pode ser reduzida a
classificações pré-definidas. Em razão de levar em conta a função dos elementos da
oração, incluindo o verbo, a análise da transitividade pressupõe a tomada de consciência
de seu conceito gramatical.
Nesse processo, o sujeito assimila o objeto de conhecimento transformando-o ou
acomoda-o transformando seus esquemas, o que equivale a transformar-se a si mesmo.
Dessa forma vai se dando conta de suas ações, tornando-se capaz de refazê-la corrigindo
seus rumos, eliminando trajetos desnecessários e dirigindo-a para novos objetivos.
Costa Val (2002), com vistas à implantação de um ensino da língua materna que
propicie o desenvolvimento das habilidades lingüísticas, propõe uma orientação
didático-pedagógica que vai ao encontro desses pressupostos construtivistas.
[...] alguém aprende alguma coisa quando se torna capaz de
reconstruí-la e explicá-la por si mesmo, por seu próprio trabalho
mental, embora esse esforço intelectual se constitua sempre em
relação com o outro, com os sistemas sociais de conhecimentos,
crenças e valores. O conhecimento lingüístico, como todo
2123
conhecimento não se adquire ouvindo teorias, mas se constrói na
relação ativa com o objeto de conhecimento (COSTA VAL, 2002, p.
118).
A autora assinala que, na primeira infância, a criança aprende a língua em
contato com a própria linguagem, ou seja, com textos falados por adultos e outras
crianças. Assim, a melhor maneira de ensinar é criar situações em que o aluno tenha
oportunidade de interagir com o objeto que se quer que ele conheça. Para Costa Val
(2002, p. 118), antes da conceituação gramatical, “os recursos lingüísticos cujo emprego
e compreensão que se quer ensinar devem ser motivo de utilização intencional,
observação deliberada, reflexão pessoal e interessada, descoberta por parte dos alunos.”
Segundo a autora, o processo de ensino-aprendizagem da língua deve favorecer
o convívio do aluno com os recursos lingüísticos, atentando para seu uso e seus efeitos
de sentido nos textos que lê, experimentando-os nos textos que escreve, explicando os
conhecimentos que produziu, e contrapondo suas descobertas às teorias existentes.
Como visto, as noções sobre o conceito e o processo de transitividade são várias,
não se restringem à protótipos – com propriedades específicas, limitadas – são
dinâmicas, variam conforme a função exercida em determinadas situações. Fica claro
que postular, estabelecer classificações para os verbos fora de uma análise contextual
descritiva é limitar o desempenho linguístico do aluno.
3. METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada com seis professores de Língua Portuguesa de 7ª série
do ensino fundamental de seis escolas públicas do município de Maringá. A escolha da
série se deu por ser a que apresentar a análise sintática oracional, ou seja, analisa as
relações entre os intens gramaticais e, enfim, a transitividade. Os professores foram
entrevistados individualmente na própria escola em seu horário de disponibilidade. A
eles, solicitou-se a descrição das tendências lingüísticas que analisam os itens
gramaticais e a transitividade verbal, bem como sobre as propostas dos PCNs sobre o
tema. Nas entrevistas solicitou-se que descrevessem a metodologia utilizada para o
ensino do conteúdo em foco.
4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Na pesquisa realizada pôde-se observar que, os professores se respaldam em
métodos tradicionais de ensino da transitividade verbal, sem pensar em qualquer
circunstância de uso em que um verbo poderia estar inserido, utilizam de uma
metodologia em que os verbos são classificados fora de um contexto. Ao questioná-los
quanto às teorias que consideram o funcionamento da linguagem, funcionalismo, as
propostas dos PCNs, sobre as possibilidades de mudança de função de um gramatical e
os princípios que norteiam essas tendências linguísticas, os professores demonstraram
não ter conhecimento sobre esses temas, ou seja, mostraram desconhecer qualquer tipo
de análise descritiva da língua.
Por meio de suas verbalizações, os professores demonstraram não conhecer a
posição funcionalista, que analisa as funções dos itens gramaticais. Segundo Neves
(2004), deve-se contemplar as relações entre uso da linguagem e atividades de análise
lingüística e de explicitação da gramática. Esse desconhecimento pode acarretar aos
2124
professores e aos alunos dificuldade na descrição e classificação dos verbos nas
diferentes situações de uso por não reconhecerem as relações sintáticas. Foram
transcritas algumas falas dos professores entrevistados e que evidenciam esse
desconhecimento.
P1. Não, não porque como eu atuo na língua portuguesa e língua
inglesa[...].
P2. Infelizmente, não sei te dizer sobre isso.
P3. Ó, tive...nós já tivemos alguns cursos na Prefeitura que foi
apontada essa teoria, mas, assim, muito superficial. Eu acho que é por
isso que a gramática ainda causa tanta confusão inclusive para o
professor ensinar.
P4. Não, [...] eu tenho interesse de fazer essa disciplina porque eu não
vi na época em que eu fiz o mestrado[...]
P5. Teoria funcionalista não me lembro.
P6. [...] eu acho que o próprio termo já diz, né, que...não é a linguagem
teoria né, é trabalhado, né no funcionamento, né, em si, eu acho que é
isso que a gente acabou de ver que verbos que dependendo da frase
ele é transitivo, na outra ele não é, né, isso é a linguagem em
funcionamento, né. Acho que tem a ver [...].
Quanto à possibilidade de mudança de função de um verbo nas mais variadas
situações de uso, os entrevistados demonstraram não ter conhecimento sobre esse
aspecto. De acordo com Neves (2004), esse desconhecimento leva o indivíduo a separar
os itens linguísticos em blocos homogênios, classes gramaticais pré-estabelecidas, sem
pensar nas situações concretas e no uso do verbo em diferentes contextos. As falas dos
professores deixam clara essa posição que corresponde ao conceito tradicional do
ensino de gramática.
P1. [...] dele mudar a sua função, mas eu não me recordo, pra ta
assim passando um exemplo pra você.
P2. Bom, eu diria é o caso do verbo assistir, né, ele muda de
significado[...]
P3. Eu não tenho estudado assim profundamente, então nada a
declarar
P4. Sobre essa teoria especificamente, não. Já li, inclusive nas
gramáticas também trazem , mas trazem assim tão simples, né[...]
P5. Eu não me lembro, assim, de ter lido alguma coisa específica ,
porque é.... na minha experiência de trabalho eu tenho trabalhado mais
com a parte de morfologia do que com a parte de sintaxe, né.
P6. Eu não me lembro nomenclaturas, nome de autores, assim,
especificamente, porque...até pela minha pesquisa na pós-graduação
ser na área de literatura
Além dos princípios da teoria funcionalista, linguagem em uso e competência
comunicativa, questionou-se, por exemplo, sobre a interação verbal. Esse aspecto é
considerado um princípio funcionalista que norteia outras tendências lingüísticas como
o sócio-interacionismo e que, se levados em conta no ensino, podem contribuir para o
desenvolvimento das habilidades lingüísticas do aluno. No entanto, os professores
2125
declararam desconhecer os temas ressaltando mais uma vez os limites teórico-práticos
de sua atuação pedagógica.
P1. Já participei sim...em palestras, em mini-cursos, já participei...
P2. Não. Nós participamos de alguns cursos sim, mas não foram sobre
esses temas.
P3. Isso aí em todo o transcorrer do meu trabalho, mas recentemente
não, é mais voltado pra língua inglesa, eu vou ficar te devendo.
P4. Ai, dos cursos que eu fiz, agora no momento não. Provavelmente
dever ter tido.
P5. não vi na época em que eu fiz o mestrado [...]
P6. Acho que basicamente foi na disciplina de lingüística, né que nós
trabalhamos bastante essas questões, mas como eu fui pra literatura,
isso pra mim é uma certa dificuldade de lembrar autores, de lembrar,
Sobre os documentos governamentais, PCNs (1998), que dão as bases
metodológicas de ensino em nosso país e sugerem que o ensino de língua seja pautado
em uma concepção em que o aluno reflita sobre a linguagem e tenha consciência das
funções lingüísticas utilizadas por ele próprio. De forma geral, os entrevistados
demonstraram não ter conhecimento das propostas dos PCNs.
Mesmo o professor que verbalizou conhecer superficialmente esses documentos
e que é preciso comentar os usos do verbo dentro do texto, ao ser indagado sobre a
função do verbo “comprar” na frase “Minha mulher não passa um dia sem comprar”,
não considerou o contexto da oração em que o verbo “comprar” estava inserido. Ou
seja, o professor acabou por não seguir as diretrizes pedagógicas dos documentos
oficiais, bem como da teoria funcionalista. Ele acabou, portanto, por reproduzir os
procedimentos da teoria tradicional. Além desse professor (P6), os demais professores
também analisaram o verbo sem refletir sua função naquele contexto. Conforme os
PCNs, o aluno deve ter consciência das funções linguísticas. No entanto, os professores
verbalizaram não ter conhecimento das propostas que os PCNs trazem sobre o ensino de
língua.
P1. [...] que ele dá uma base, ajuda a fazer um planejamento melhor,
melhorar os conteúdos, a forma de aplicar os conteúdos.
P2. Fala como se trabalhar a língua através da linguagem mas eu
não tenho, assim, em mente sobre as teorias que estão escritas [...]
P3. [...] tratam dessa questão da gente estar aprofundando, esse ensino
gramatical dentro do texto mesmo[...]
P4. Há, faz tanto tempo que eu li os PCNs.
P5. Sobre a Língua Portuguesa, é...Bom, como eu disse pra você, nessa
parte de sintaxe eu não me lembro.[...]
P6. [...] é como se fosse diretrizes para aplicação no ensino básico, só
que a gente só vê isso na graduação, depois que você cai no dia-a-dia
das escolas ninguém ouve mais falar de PCNs[...]
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando os conceitos sobre as recentes teorias lingüísticas e pressupostos
pedagógicos de professores, constatou-se que, mesmo nos casos de professores que
alegaram ter um remoto conhecimento sobre os princípios das teorias que consideram o
2126
conhecimento do aluno, a linguagem em uso e a interação verbal, não os aplicam em
seu trabalho pedagógico cotidiano. Segundo um dos professores (P6) que tem
conhecimento de práticas interacionistas, essa não é aplicada porque a escola não dá
suporte algum para tanto. Em razão disso, os professores acabam recorrendo ao material
de apoio convencionalmente utilizado pela escola deixando de se atualizar e se reciclar
em cursos de formação continuada. Segundo Moraes (2000 apud Costa Val, 2002), os
com professores, por não saberem como encaminhar sua prática de reflexão lingüística,
optam por seguir propostas de livros didáticos orientados pelo modelo gramatical
tradicional.
Vale ressaltar que os professores, apesar das especializações em áreas outras
como a de literatura e língua inglesa, lecionam conteúdos da Língua Portuguesa. Pôdese verificar, por meio das verbalizações desses professores, uma certa dificuldade ou
desconhecimento de teorias relacionadas aos conteúdos gramaticas ensinados na série
em questão, pois, se nem mesmo os professores conseguem analisar as funções dos itens
lexicais ou gramaticais de sua língua, quem dirá fazer com que seus alunos
desenvolvam a competência comunicativa.
De acordo com Costa Val (2002, p. 116), para que a situação do ensino de
língua se modifique é necessário um movimento de convergência em torno da proposta
de superação do “abismo entre gramática e discurso pelas discussões teóricas em
documentos e projetos oficiais e na busca de professores que procuram balizar o
ensino”. Para a autora, focalizar em sala de aula o funcionamento textual e discursivo
do sistema verbal, ao invés de lidar com a memorização de paradigmas, constitui uma
das possibilidades de desenvolver práticas de análise lingüística que lidam de maneira
integrada com as dimensões gramatical e textual-discursiva. A melhoria da qualidade do
ensino da língua materna exige um esforço de atualização, não só pessoal, do professor,
mas de toda a instituição, ou seja, deve constituir um projeto coletivo de formação
continuada de todo o conjunto do sistema educacional.
REFERÊNCIAS
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2128
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