CONTRIBUIÇÕES DO FUNCIONALISMO NO ENSINO DE TRANSITIVIDADE VERBAL E CONCEITO DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O TEMA Simone Maria Barbosa Nery NASCIMENTO (PG-UEM) Geiva Carolina CALSA (UEM) ISBN: 978-85-99680-05-6 REFERÊNCIA: NASCIMENTO, Simone Maria Barbosa Nery; CALSA, Geiva Carolina. Contribuições do funcionalismo no ensino de transitividade verbal e conceito de professores do ensino fundamental sobre o tema. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 2119-2128. 1. INTRODUÇÃO Sabe-se, por meio de estudos científicos e de resultados de pesquisas oficiais, que, em nível mundial, o sistema educacional brasileiro possui um dos mais baixos índices com relação ao desempenho escolar dos alunos. No tocante à disciplina de Língua Portuguesa, lingüistas vêm discutindo, nas últimas décadas, as problemáticas existentes no ensino de língua materna e sugerindo algumas contribuições para o melhor desempenho linguístico dos alunos. Se por um lado, o ensino baseado em pressupostos teóricos tradicionais se preocupa em estabelecer quadros classificatórios para as formas lingüísticas, por outro lado, podemos perceber um avanço, ao menos teórico, nos documentos governamentais que servem de base para o ensino de língua, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que preconizam a reflexão lingüística. De acordo com os PCNs, a linguagem é uma atividade de natureza reflexiva, reflexão esta fundamental para o aperfeiçoamento da capacidade de produzir e interpretar textos. Aperfeiçoamento porque a criança antes de ingressar na escola já tem um certo conhecimento das regras que governam sua língua materna (gramática internalizada). “A análise lingüística refere-se a atividades que se pode classificar em epilingüísticas e metalingüísticas. Ambas são atividades de reflexão sobre a língua, mas se diferenciam nos seus fins” (BRASIL, 1997, p. 38). No entanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam que a gramática tem sido ensinada de forma descontextualizada: reduz-se a uma prática pedagógica que vai da metalinguagem à memorização de nomenclaturas. 2119 Preocupados com essa situação, lingüistas têm trabalhado com os conteúdos gramaticais escolares, analisando-os a partir do funcionamento da linguagem. Para isso, ao contrário do ensino tradicional de gramática que banaliza a língua reduzindo-a e separando-a em blocos homogêneos, analisam as entidades linguísticas em suas relações, atribuindo-lhes funções. Observam, primeiramente, as ocorrências concretas de uso para, posteriormente, aplicar qualquer regra de análise. Fundamentada na Lingüística, nos estudos da área da educação e nas propostas dos documentos governamentais (PCNs) que visam o desenvolvimento da competência comunicativa, o presente trabalho teve como objetivo investigar o conceito e o modo de ensinar transitividade verbal por parte de professores de 6º ao 9º ano do ensino fundamental. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Traváglia (1996) alega que uma das causas do baixo desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa deve-se à metodologia de ensino utilizada por professores que se pautam em pressupostos tradicionais de gramática. De acordo com essa metodologia, os alunos devem fixar regras gramaticais desvinculadas da língua que utilizam, deixando de lado os seus conhecimentos e muito menos refletindo sobre qualquer circunstância linguística. Ilari e Basso (2006) alegam que o objeto de trabalho do professor da língua materna é a competência lingüística de seus alunos. A partir da matéria-prima trazida por eles, deve atuar no sentido de convertê-la em instrumento de raciocínio e meio de expressão de suas personalidades, bem como de comunicação e elaboração de conceitos que lhes permitam organizar sua percepção de mundo. Alegam que, apesar disso, a escola não tem atuado para desenvolver a competência lingüística do aluno, e continua priorizando a sistematização gramatical da língua, como o ensino de nomenclaturas e a análise de sentenças descontextualizadas. Neves (2004) ressalta que o problema maior no ensino de língua começa pela avaliação que se faz da gramática da língua, concepção relacionada ao procedimento de fixação da norma e ligada ao papel conferido ao valor social da linguagem. Explica que a gramática começou como investigação filosófica sobre a natureza da linguagem, e hoje se apresenta como meio dogmático de obter correções. A autora destaca que o ensino de gramática vigente nas escolas tem se caracterizado como um “ritual” que configura-se como: uma exposição e imposição de parâmetros, nos quais se devem simplesmente enquadrar, segundo instruções mecânicas, as entidades isoladas em textos-pretextos prontos, ou em orações artificiais especialmente construídas para tal exercitação (NEVES, 2002, p. 241). No entanto, a pesquisadora (2004) reconhece a vantagem ou necessidade de garantir ao aluno um modo de acesso ao padrão linguístico valorizado socialmente desde que reconheçam também a língua em uso, sob a consideração de que é em interação que se usa a linguagem e se produzem textos. Cabe à escola, já que é reconhecida como espaço institucionalmente mantido para a orientação do “bom uso” lingüístico, “ativar uma constante reflexão sobre a língua materna, contemplando as relações entre uso da linguagem e atividades de análise lingüística e de explicitação da gramática” (NEVES, 2004, p. 18). 2120 A propõe como bases para uma gramática escolar indicações como: a. O falante de uma língua natural é competente para, ativando esquemas cognitivos, produzir enunciados de sua língua, independentemente de qualquer estudo prévio de regras gramaticais. b. O estudo da língua materna representa, acima de tudo, a explicitação reflexiva do uso de uma língua particular historicamente inserida, via pela qual se chega à explicitação do próprio funcionamento da linguagem. c. A disciplina escolar gramatical não pode reduzir-se a uma atividade de encaixamento em moldes que dispensem as ocorrências naturais e ignorem zonas de imprecisão ou de oscilação, inerentes à natureza viva da língua. (NEVES, 2004, p.19) Dessa forma, considera como ingredientes obrigatórios no tratamento escolar as discussões sobre as tensões dicotômicas entre uso e norma-padrão, entre modalidade falada e modalidade escrita, e descrição e prescrição. 2.1.Teoria funcionalista e transitividade verbal A teoria funcionalista da Lingüística, segundo Martelotta e Áreas (2003), caracteriza-se pela concepção que tem da língua como um instrumento de comunicação que não pode ser analisada como um objeto autônomo, mas como uma estrutura suscetível a mudanças em suas diferentes situações de uso, e que ajudam a determinar a estrutura gramatical. Para sintetizar a concepção funcionalista da linguagem, Givon (1995 apud MARTELOTTA e ÁREAS, 2003) a descreve em nove tópicos fundamentais: a linguagem é uma atividade sociocultural; a estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas; a estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica; mudança e variação estão sempre presentes; o sentido é contextualmente dependente e não-atômico; as categorias não são discretas; a estrutura é maleável e não rígida; as gramáticas são emergentes; as regras de gramática permitem algumas exceções (GIVÓN, 1995 apud MARTELOTTA e ÁREAS, 2003, p. 28). Segundo Costa Val (2002, p. 121), “o processo ‘espontâneo’, ‘intuitivo’, de construção do conhecimento lingüístico-discursivo se desenvolve basicamente pela participação nas práticas de linguagem corriqueiras do dia-a-dia.”. Para Neves (2004), em todos os níveis escolares, inclusive na universidade, falta ao ensino considerar a linguagem em funcionamento, o que implica saber avaliar as relações entre as práticas de falar, de ler e de escrever, cada uma configurada como objeto de reflexão. Dessa perspectiva, não somente o estudante da língua, mas também o falante comum poderia se orientar na direção de uma utilização eficiente dos recursos discursivos, chegando a uma sistematização dos fatos da língua por meio do efetivo funcionamento da linguagem. 2121 Entre os princípios básicos da teoria funcionalista encontra-se a transitividade verbal. Hopper e Thompson (1980 apud CUNHA et al 2003) propõem que a análise da transitividade seja realizada não apenas em relação ao verbo, mas de toda a sentença. Sabe-se que, tradicionalmente, os verbos são classificados em transitivos ou intransitivos, o que significa lhes atribuir propriedades específicas antes mesmo de qualquer análise. Segundo Lyons (1979, p. 370), “a concepção 'nocional' tradicional de transitividade e o termo em si sugerem que o efeito da ação expressa pelo verbo 'passa' do 'agente' (ou 'ator') para o 'paciente' (ou 'meta')”. No entanto, semânticamente analisando, há nessa definição, segundo o autor, uma certa fragilidade, pois nos exemplos como: “Eu o firo”, sintaticamente e semânticamente é um verbo transitivo, tendo em vista que a ação referida passa do agente para o paciente, mas, no caso “Eu o ouço”, semanticamente não se pode dizer o mesmo, pois, se é que há referência a alguma ação, é em sentido contrário à sentença anterior. Porém, o autor chama a atenção para a cautela ao se traçar distinção entre as definições “formal” e “nocional”, pois, alega não deixar de ser verdade que o conceito “nocional” tradicional de transitividade seja aplicável à maioria dos verbos transitivos, do ponto de vista sintático, além de que essa atividade de transferência de um “ator” para uma “meta” levaria a pensar que há alguma base semântica para a noção tradicional de transitividade, se se pensar em verbos como “ver” e “ouvir” como atividades em que a primeira iniciativa cabe à pessoa que ouve e vê. Outra consideração sobre o processo de transitividade está presente em Perini e Fulgêncio (1992) que ressaltam que, de acordo com a gramática tradicional, verbos que recusam o objeto são considerados “intransitivos” e os que exigem objeto são “transitivos”. Dessa perspectiva gramatical, os verbos que aceitam opcionalmente um objeto ficam sem classificação. No caso do verbo “comer” que aparece nas situações “Pedro já comeu” e “Pedro comeu a maçã” é necessária a análise da situação em que o verbo está inserido para, posteriormente, classificá-lo. No primeiro caso, o verbo funciona como intransitivo e, no segundo, como transitivo. A gramática tradicional não prevê esses eventos. Lyons (1979) diria sobre essa idéia que há um apagamento do objeto, pois há classes verbais usadas tanto transitivamente quanto intransitivamente. Os funcionalistas da vertente norte-americana associam a transitividade a uma função discursivocomunicativa de tal modo que o maior ou menor grau de transitividade de uma sentença reflete a maneira como o falante organiza o seu discurso para atingir seus propósitos comunicativos. O discurso, no entanto, apresenta dois planos que determinam o grau de transitividade de uma oração. Apresentam alta transitividade as orações que assinalam a porção central de um texto, denominada figura, enquanto a porção periférica ou de baixa transitividade corresponde ao plano de fundo do discurso. Para tanto, estabelecem um quadro de dez parâmetros sintático-semânticos de análise da transitividade das sentenças (quadro 01). Cada um desses parâmetros contribui para a ordenação de orações em uma escala de transitividade, quanto mais “itens” da coluna da alta transitividade tiver a oração, mais transitiva será no discurso. 2122 Quadro 01: Parâmetros para a análise da transitividade Transitivade Alta Transitividade Baixa Dois ou mais Um 1. Participantes Ação Não ação 2. Cinese Perfectivo (passado) Não-perfectivo 3. Aspecto do verbo Punctual (ação completa) Não-punctual 4. Pontualidade Intencional Não-intencional 5. Intencionalidade do sujeito Afirmativa Negativa 6. Polaridade da oração Modo realis Modo irrealis 7. Modalidade da oração Agentivo Não-agentivo 8. Agentividade do sujeito Afetado Não-afetado 9. Afetamento do objeto Individuado Não-individuado 10. Individuação do objeto Por meio do fragmento abaixo, retirado de uma fala de um aluno do ensino médio (corpus do grupo de estudos D&G/Natal apud CUNHA et al, 2003, p.222) podem ser percebidos os planos do discurso, conforme a teoria funcionalista assinalada: [...] aí quando vinha ali no rio Tietê ... num sei se você conhece...já ouviu falar...lá de São Paulo...quando vinha lá do rio Tietê...tava chovendo muito... a pista escorregadia ...né? Aí o carro perdeu o controle...o motorista perdeu o controle...né? ...aí quando ele viu que o carro ia cair dentro do rio... aí ele colocou o carro num... pra cima de outro carro...que tava um casal de namorado assim...namorando...” ( D&G/Natal, Cunha et al., 2003, p.222) O excerto acima mostra a oposição de tempo, aspecto e dinamicidade entre os verbos do plano da figura e os verbos do plano do fundo. Enquanto no plano da figura os verbos são pontuais, de ação e acabados, como em “perdeu o controle”, “colocou o carro”; no plano de fundo, os verbos apresentam o contexto do evento narrado, com comentários descritivos e avaliativos do narrador: “vinha, conhece, ouviu falar, chovendo, viu, cair, namorando”. A partir desses referenciais, a análise da transitividade verbal exige a compreensão das relações entre os elementos da oração que não pode ser reduzida a classificações pré-definidas. Em razão de levar em conta a função dos elementos da oração, incluindo o verbo, a análise da transitividade pressupõe a tomada de consciência de seu conceito gramatical. Nesse processo, o sujeito assimila o objeto de conhecimento transformando-o ou acomoda-o transformando seus esquemas, o que equivale a transformar-se a si mesmo. Dessa forma vai se dando conta de suas ações, tornando-se capaz de refazê-la corrigindo seus rumos, eliminando trajetos desnecessários e dirigindo-a para novos objetivos. Costa Val (2002), com vistas à implantação de um ensino da língua materna que propicie o desenvolvimento das habilidades lingüísticas, propõe uma orientação didático-pedagógica que vai ao encontro desses pressupostos construtivistas. [...] alguém aprende alguma coisa quando se torna capaz de reconstruí-la e explicá-la por si mesmo, por seu próprio trabalho mental, embora esse esforço intelectual se constitua sempre em relação com o outro, com os sistemas sociais de conhecimentos, crenças e valores. O conhecimento lingüístico, como todo 2123 conhecimento não se adquire ouvindo teorias, mas se constrói na relação ativa com o objeto de conhecimento (COSTA VAL, 2002, p. 118). A autora assinala que, na primeira infância, a criança aprende a língua em contato com a própria linguagem, ou seja, com textos falados por adultos e outras crianças. Assim, a melhor maneira de ensinar é criar situações em que o aluno tenha oportunidade de interagir com o objeto que se quer que ele conheça. Para Costa Val (2002, p. 118), antes da conceituação gramatical, “os recursos lingüísticos cujo emprego e compreensão que se quer ensinar devem ser motivo de utilização intencional, observação deliberada, reflexão pessoal e interessada, descoberta por parte dos alunos.” Segundo a autora, o processo de ensino-aprendizagem da língua deve favorecer o convívio do aluno com os recursos lingüísticos, atentando para seu uso e seus efeitos de sentido nos textos que lê, experimentando-os nos textos que escreve, explicando os conhecimentos que produziu, e contrapondo suas descobertas às teorias existentes. Como visto, as noções sobre o conceito e o processo de transitividade são várias, não se restringem à protótipos – com propriedades específicas, limitadas – são dinâmicas, variam conforme a função exercida em determinadas situações. Fica claro que postular, estabelecer classificações para os verbos fora de uma análise contextual descritiva é limitar o desempenho linguístico do aluno. 3. METODOLOGIA A pesquisa foi realizada com seis professores de Língua Portuguesa de 7ª série do ensino fundamental de seis escolas públicas do município de Maringá. A escolha da série se deu por ser a que apresentar a análise sintática oracional, ou seja, analisa as relações entre os intens gramaticais e, enfim, a transitividade. Os professores foram entrevistados individualmente na própria escola em seu horário de disponibilidade. A eles, solicitou-se a descrição das tendências lingüísticas que analisam os itens gramaticais e a transitividade verbal, bem como sobre as propostas dos PCNs sobre o tema. Nas entrevistas solicitou-se que descrevessem a metodologia utilizada para o ensino do conteúdo em foco. 4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS Na pesquisa realizada pôde-se observar que, os professores se respaldam em métodos tradicionais de ensino da transitividade verbal, sem pensar em qualquer circunstância de uso em que um verbo poderia estar inserido, utilizam de uma metodologia em que os verbos são classificados fora de um contexto. Ao questioná-los quanto às teorias que consideram o funcionamento da linguagem, funcionalismo, as propostas dos PCNs, sobre as possibilidades de mudança de função de um gramatical e os princípios que norteiam essas tendências linguísticas, os professores demonstraram não ter conhecimento sobre esses temas, ou seja, mostraram desconhecer qualquer tipo de análise descritiva da língua. Por meio de suas verbalizações, os professores demonstraram não conhecer a posição funcionalista, que analisa as funções dos itens gramaticais. Segundo Neves (2004), deve-se contemplar as relações entre uso da linguagem e atividades de análise lingüística e de explicitação da gramática. Esse desconhecimento pode acarretar aos 2124 professores e aos alunos dificuldade na descrição e classificação dos verbos nas diferentes situações de uso por não reconhecerem as relações sintáticas. Foram transcritas algumas falas dos professores entrevistados e que evidenciam esse desconhecimento. P1. Não, não porque como eu atuo na língua portuguesa e língua inglesa[...]. P2. Infelizmente, não sei te dizer sobre isso. P3. Ó, tive...nós já tivemos alguns cursos na Prefeitura que foi apontada essa teoria, mas, assim, muito superficial. Eu acho que é por isso que a gramática ainda causa tanta confusão inclusive para o professor ensinar. P4. Não, [...] eu tenho interesse de fazer essa disciplina porque eu não vi na época em que eu fiz o mestrado[...] P5. Teoria funcionalista não me lembro. P6. [...] eu acho que o próprio termo já diz, né, que...não é a linguagem teoria né, é trabalhado, né no funcionamento, né, em si, eu acho que é isso que a gente acabou de ver que verbos que dependendo da frase ele é transitivo, na outra ele não é, né, isso é a linguagem em funcionamento, né. Acho que tem a ver [...]. Quanto à possibilidade de mudança de função de um verbo nas mais variadas situações de uso, os entrevistados demonstraram não ter conhecimento sobre esse aspecto. De acordo com Neves (2004), esse desconhecimento leva o indivíduo a separar os itens linguísticos em blocos homogênios, classes gramaticais pré-estabelecidas, sem pensar nas situações concretas e no uso do verbo em diferentes contextos. As falas dos professores deixam clara essa posição que corresponde ao conceito tradicional do ensino de gramática. P1. [...] dele mudar a sua função, mas eu não me recordo, pra ta assim passando um exemplo pra você. P2. Bom, eu diria é o caso do verbo assistir, né, ele muda de significado[...] P3. Eu não tenho estudado assim profundamente, então nada a declarar P4. Sobre essa teoria especificamente, não. Já li, inclusive nas gramáticas também trazem , mas trazem assim tão simples, né[...] P5. Eu não me lembro, assim, de ter lido alguma coisa específica , porque é.... na minha experiência de trabalho eu tenho trabalhado mais com a parte de morfologia do que com a parte de sintaxe, né. P6. Eu não me lembro nomenclaturas, nome de autores, assim, especificamente, porque...até pela minha pesquisa na pós-graduação ser na área de literatura Além dos princípios da teoria funcionalista, linguagem em uso e competência comunicativa, questionou-se, por exemplo, sobre a interação verbal. Esse aspecto é considerado um princípio funcionalista que norteia outras tendências lingüísticas como o sócio-interacionismo e que, se levados em conta no ensino, podem contribuir para o desenvolvimento das habilidades lingüísticas do aluno. No entanto, os professores 2125 declararam desconhecer os temas ressaltando mais uma vez os limites teórico-práticos de sua atuação pedagógica. P1. Já participei sim...em palestras, em mini-cursos, já participei... P2. Não. Nós participamos de alguns cursos sim, mas não foram sobre esses temas. P3. Isso aí em todo o transcorrer do meu trabalho, mas recentemente não, é mais voltado pra língua inglesa, eu vou ficar te devendo. P4. Ai, dos cursos que eu fiz, agora no momento não. Provavelmente dever ter tido. P5. não vi na época em que eu fiz o mestrado [...] P6. Acho que basicamente foi na disciplina de lingüística, né que nós trabalhamos bastante essas questões, mas como eu fui pra literatura, isso pra mim é uma certa dificuldade de lembrar autores, de lembrar, Sobre os documentos governamentais, PCNs (1998), que dão as bases metodológicas de ensino em nosso país e sugerem que o ensino de língua seja pautado em uma concepção em que o aluno reflita sobre a linguagem e tenha consciência das funções lingüísticas utilizadas por ele próprio. De forma geral, os entrevistados demonstraram não ter conhecimento das propostas dos PCNs. Mesmo o professor que verbalizou conhecer superficialmente esses documentos e que é preciso comentar os usos do verbo dentro do texto, ao ser indagado sobre a função do verbo “comprar” na frase “Minha mulher não passa um dia sem comprar”, não considerou o contexto da oração em que o verbo “comprar” estava inserido. Ou seja, o professor acabou por não seguir as diretrizes pedagógicas dos documentos oficiais, bem como da teoria funcionalista. Ele acabou, portanto, por reproduzir os procedimentos da teoria tradicional. Além desse professor (P6), os demais professores também analisaram o verbo sem refletir sua função naquele contexto. Conforme os PCNs, o aluno deve ter consciência das funções linguísticas. No entanto, os professores verbalizaram não ter conhecimento das propostas que os PCNs trazem sobre o ensino de língua. P1. [...] que ele dá uma base, ajuda a fazer um planejamento melhor, melhorar os conteúdos, a forma de aplicar os conteúdos. P2. Fala como se trabalhar a língua através da linguagem mas eu não tenho, assim, em mente sobre as teorias que estão escritas [...] P3. [...] tratam dessa questão da gente estar aprofundando, esse ensino gramatical dentro do texto mesmo[...] P4. Há, faz tanto tempo que eu li os PCNs. P5. Sobre a Língua Portuguesa, é...Bom, como eu disse pra você, nessa parte de sintaxe eu não me lembro.[...] P6. [...] é como se fosse diretrizes para aplicação no ensino básico, só que a gente só vê isso na graduação, depois que você cai no dia-a-dia das escolas ninguém ouve mais falar de PCNs[...] 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisando os conceitos sobre as recentes teorias lingüísticas e pressupostos pedagógicos de professores, constatou-se que, mesmo nos casos de professores que alegaram ter um remoto conhecimento sobre os princípios das teorias que consideram o 2126 conhecimento do aluno, a linguagem em uso e a interação verbal, não os aplicam em seu trabalho pedagógico cotidiano. Segundo um dos professores (P6) que tem conhecimento de práticas interacionistas, essa não é aplicada porque a escola não dá suporte algum para tanto. Em razão disso, os professores acabam recorrendo ao material de apoio convencionalmente utilizado pela escola deixando de se atualizar e se reciclar em cursos de formação continuada. Segundo Moraes (2000 apud Costa Val, 2002), os com professores, por não saberem como encaminhar sua prática de reflexão lingüística, optam por seguir propostas de livros didáticos orientados pelo modelo gramatical tradicional. Vale ressaltar que os professores, apesar das especializações em áreas outras como a de literatura e língua inglesa, lecionam conteúdos da Língua Portuguesa. Pôdese verificar, por meio das verbalizações desses professores, uma certa dificuldade ou desconhecimento de teorias relacionadas aos conteúdos gramaticas ensinados na série em questão, pois, se nem mesmo os professores conseguem analisar as funções dos itens lexicais ou gramaticais de sua língua, quem dirá fazer com que seus alunos desenvolvam a competência comunicativa. De acordo com Costa Val (2002, p. 116), para que a situação do ensino de língua se modifique é necessário um movimento de convergência em torno da proposta de superação do “abismo entre gramática e discurso pelas discussões teóricas em documentos e projetos oficiais e na busca de professores que procuram balizar o ensino”. Para a autora, focalizar em sala de aula o funcionamento textual e discursivo do sistema verbal, ao invés de lidar com a memorização de paradigmas, constitui uma das possibilidades de desenvolver práticas de análise lingüística que lidam de maneira integrada com as dimensões gramatical e textual-discursiva. A melhoria da qualidade do ensino da língua materna exige um esforço de atualização, não só pessoal, do professor, mas de toda a instituição, ou seja, deve constituir um projeto coletivo de formação continuada de todo o conjunto do sistema educacional. REFERÊNCIAS BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Língua Portuguesa. 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