DESENVOLVIMENTO SOCIAL ATRAVÉS DO TERCEIRO SETOR NA CIDADE DE SÃO FRANCISCO (MG) Auricharme Cardoso de Moura1 1 Universidade Federal de Uberlândia-UFU Programa de Pós-Graduação em História Social [email protected]. RESUMO O presente estudo tem como objetivo apresentar a intervenção e atuação das organizações voluntárias e sem fins lucrativos para a promoção social e econômica da sociedade. Com o fim do regime militar estas organizações, comumente denominadas de terceiro setor, ocupam relevância cada vez maior na construção de uma democracia participativa e na busca do desenvolvimento social. Como pesquisa de campo estudamos o município de São Francisco no Norte de Minas Gerais. A cidade possui hoje 141 associações cadastradas no Conselho Municipal de Entidades Comunitárias, sendo protegidas pela Lei Orgânica Municipal estas associações garantem promoção social, aprimoramento de capacidades, compartilhamento de virtudes e cidadania para todos os membros envolvidos. Palavras chaves: Terceiro setor, democracia participativa, desenvolvimento social, São Francisco. ABSTRACT The present study has as an objective to present the intervention and actions of voluntary organizations and nonprofit organizations for the social and economical promotion of the society. With the end of the military rule these organizations, commonly called the third sector, occupy an increasing relevance with the construction of a participatory democracy and in the search for social development. As a field research we studied the city of São Francisco in the north of Minas Gerais. The city now has 141 associations registered in the City Municipal Council and in the Community Entities, being protected by the Organic Law of the Municipal these associations provide social promotion, enhancement of skills, sharing virtues and citizenship for all members involved. Keywords: Third sector, participatory democracy, social development, San Francisco. INTRODUÇÃO Existe hoje um progresso que não satisfaz a todas as demandas da sociedade, pois beneficia apenas a uma minoria. O Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, a soma de todas as riquezas de um país, tem números eufóricos divulgados através de discursos progressistas financiados por empresários e políticos. Vários países, a exemplo do Brasil, crescem a um ritmo acelerado, porém vários problemas sociais ainda são 1 Mestrando em História Social pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista Capes. Revista Desenvolvimento Social No7, 2012. (ISSN 2179-6807) 57 persistentes. Celso Furtado salienta que o crescimento econômico pode ocorrer sem ser necessariamente acompanhado pelo desenvolvimento econômico (FURTADO: 1983 p.78). A ação comunitária é resultante do esforço coletivo de uma comunidade que tenha consciência de seus próprios problemas e se organiza para resolvê-los por si mesma. Cada indivíduo colocando parte do seu tempo e parte dos seus talentos em prol do próximo é capaz de ajudar a melhorar a qualidade de vida do espaço social em que está inserido. O terceiro setor é a ampliação do espaço público através da mobilização de recursos humanos e materiais com o objetivo de satisfazer a importantes demandas sociais que, frequentemente, o Estado não tem condições de atender. O terceiro setor corresponde às instituições com preocupações e práticas sociais, sem fins lucrativos, que geram bens e serviços, tais como: ONGs, instituições religiosas, clubes de serviços, entidades beneficentes, centros sociais, organizações de voluntariado, empresas com responsabilidade social, entre outras.2 A reconstituição das condições de transformação social requer uma atenção redobrada às iniciativas que contenham, mesmo em germe e em pequena escala, a capacidade de instituírem outras formas de vida, por estarem imbuídas do valor da justiça, dignidade e valorização do sujeito social. A criação de associações é impulsionada pelo sentimento de que o bem comum deve ser superior à atividade privada, isso nos remete a pensamentos de mudanças sociais baseadas no principio da vontade coletiva, democracia participativa e igualização das oportunidades. A associação é uma tradução em atos das relações de solidariedade e filantropia, suas relações englobam pessoas na busca de fins comuns. As ações organizadas da sociedade civil3 se tornaram mais destacadas nos países desenvolvidos com o agravamento de diversos problemas decorrentes da crise iniciada na década de 1970 do chamado Estado de Bem Estar Social, ou seja, o Estado que antes era o responsável pelas melhorias sociais, geração de emprego e renda teve sua participação restringida e recursos diminuídos graças à privatização da economia, um dos pressupostos do capitalismo neoliberal estabelecido a partir de então. A sociedade civil entra em cena para complementar, não substituir, as ações estatais objetivando o resgate da cidadania e a promoção da dignidade humana. Quando as contradições sociais emergem num ambiente político democrático as possibilidades de soluções pactuadas são proveitosas e permanentes. O poder público quando investe na capacidade inovadora dos membros que compõem a sociedade civil tem suas conquistas sociais ampliadas. A ação participativa e comunitária é contrária ao slogan do individualismo burguês, o filho primogênito do capitalismo neoliberal, propagadordo ideário de que os problemas do próximo não nos diz respeito e , portanto, não temos nada com isso. O princípio que norteia a solidariedade, filha primogênita do terceiro setor, é a consciência que os problemas alheios são produzidos pela exclusão social fruto das disparidades econômicas predominantes no sistema econômico em vigor. Encontrar respostas diante dessas mutações da economia e da política se transformou em tarefa crucial no início deste milênio. 2 O primeiro setor é o governo, que é responsável pela arrecadação de impostos e distribuição através de políticas públicas. O segundo setor é o privado que, prioritariamente, zela pelos bens individuais. O terceiro setor é constituído pela parte organizada da sociedade civil, que não pertencem nem ao Estado e nem ao mercado, embora receba ajuda de ambos. 3 Existem várias definições de sociedade civil, usaremos o conceito da ciência política, neste viés Gramsci, citado por Paulo Sandroni, salienta que “a sociedade civil engloba organizações políticas, sindicatos e instituições”. Ver: SANDRONI,Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005,p.788. Revista Desenvolvimento Social No7, 2012. (ISSN 2179-6807) 58 O terceiro setor se diferencia do setor estatal e do privado empresarial. Existe quando pessoas se organizam de forma permanente levantando problemas locais e se unindo em torno de uma associação sem fins lucrativos para resolvê-los. Rubem César Fernandes define terceiro setor como iniciativas privadas que não visam ao lucro, iniciativas na esfera pública que não são feitas pelo Estado. Nem empresa nem governo, mas sim cidadãos participando, de modo espontâneo e voluntário, em um sem número de ações que visam ao bem comum (FERNANDES, 1994: 11). Todavia existe uma diferença entre terceiro setor e sociedade civil, parafraseando Sérgio Haddad: há certa tendência de confundir terceiro setor com sociedade civil, o que é complicado. O Terceiro Setor é constituído apenas por alguns setores da sociedade civil, setores mais organizados, que se caracteriza como associações sem fins lucrativos (HADDD, 2002: 41). O terceiro setor existe na medida em que exerce atividades de cunho moral, cultural, educacional, esportivo, religioso, ambientalista ou assistencialista. Atua para proteger os interesses da sociedade sendo composto, de forma complementar e dependente, por três segmentos: os financiadores (Estado ou iniciativa privada), o público atendido (chamado de cidadão-beneficiário) e doadores (voluntários). Ao receber investimentos tanto do setor público como do privado o terceiro setor rompe com a dicotomia que historicamente os separava. Segundo Simone de Castro Coelho as instituições que se enquadram no terceiro setor tem as seguintes características: são organizações sem fins lucrativos; devem ser estruturadas e autogovernadas; têm como base a filantropia e a caridade; as ações são desenvolvidas próximas à comunidade; apresentam algum grau de voluntariado, tanto no trabalho como no financiamento; são organizadas no sentido de realizar reuniões periódicas com a existência de conselhos (COELHO, 2000: 60-61). Faz parte integrante da sua concepção a prática de valores, que motivam os indivíduos a buscarem melhoria na própria vida e na do próximo, o esmero das qualidades ou virtudes sociais, o aprimoramento das aptidões e habilidades profissionais, o amadurecimento da cidadania, a prática voluntária, iniciativas beneficentes, cooperativismo, independência, humanismo, subsidiariedade e partilha. A organização societária é de suma importância para a democracia de determinada região cabendo ao Estado oferecer-lhes auxílio. Norberto Bobbio pontua que: antes do Estado existem várias formas de associação que os indivíduos formam entre si para a satisfação dos seus mais diversos interesses, associações às quais o Estado se superpõe para regulá-las, mas sem jamais vetar-lhes o ulterior desenvolvimento e sem jamais impedirlhes a contínua renovação (BOBBIO, 1987:35). É importante destacar que o terceiro setor propõe o desenvolvimento social através da participação popular, neste caso se assemelha a chamada economia solitária que propõe a geração de emprego e renda através da organização de pessoas constituindo assim uma alternativa ao aumento do desemprego gerado pelo sistema Revista Desenvolvimento Social No7, 2012. (ISSN 2179-6807) 59 capitalista contemporâneo.4 Apesar de terem pontos semelhantes e procurarem melhorias socioeconômicas para as localidades inseridas por meio da participação popular existem diferenças entre terceiro setor e economia solitária. Gabriela Cavalcanti Cunha explica que: embora haja pontos de convergência nos discursos da economia solidária e do chamado “terceiro setor”, notadamente a ênfase nas práticas autônomas da sociedade civil, ainda persistem divergências fundamentais. O terceiro setor afirma-se como não governamental e não lucrativo. Mas a economia solidária se reconhece como setor econômico, portanto formado por empresas (CUNHA, 2003:64). As associações eONGs (Organizações Não Governamentais), por exemplo, fazem parte do terceiro setor, já as cooperativas integram a economia solidária. 5 Daniel Rech salienta que nas ONGs ou nas associações o patrimônio é da instituição e não dos sócios, quando alguém sai não recebe verba alguma, já na cooperativa parte do capital é repartido entre os membros em caso de dissolução (RECH, 2000: 107). As ONGs não possuem fins lucrativos, portanto não pagam carga tributária, as cooperativas, entretanto pagam todos os tributos, exceto imposto de renda. O lucro de possíveis vendas ou eventos da cooperativa é repartido entre os membros, uma vez que é uma organização com fins lucrativos que possui como um dos objetivos a geração de emprego e retorno financeiro. O terceiro setor não é constituído primordialmente por pessoas que objetivam geração de emprego e renda, embora o Estado tenha liberdade de criar condições de trabalho dentro de instituições sem fins lucrativos. Os membros do terceiro setor são motivados pela solidariedade e por espírito cívico, colocam seus talentos em prol do próximo, são em sua maioria voluntários. De forma tímida o terceiro setor foi se fortalecendo e ganhando espaço na consciência pública, nos debates políticos, na mídia e nas pesquisas acadêmicas. Como consequência de seu crescimento e participação ativa na sociedade o terceiro setor deve cumprir vários requisitos para continuar a oferecer bens e serviços aos seus beneficiários demonstrando assim resultados satisfatórios aos órgãos financiadores. O aprimoramento do terceiro setor está relacionado à questão jurídica, administrativa e contábil, o que implica necessariamente lidar com os seguintes desafios: necessidade de transparência e responsabilidade da organização e prestação de contas; captação dos recursos- financeiros, materiais e humanos- de forma eficiente e continua; capacitação de seus membros; articulação e intercâmbio de informações com outras entidades podendo ser desenvolvidas de forma virtual ou presencial; marketing, planejamento e gestão de projetos para atrair investidores. Cumprindo com os requisitos o terceiro setor está livre para atuar e buscar um constante aprimoramento. Dentre os pontos acima se verifica um zelo maior no que diz respeito à transparência financeira e compromisso com o dinheiro dos investidores. Isso se torna obrigatório na medida em que se verifica um aumento de associações e dos 4 O conceito de desenvolvimento social adotado nesta pesquisa sustenta-se com base na definição de João Batista Costa como sendo uma estratégia política através da qual os grupos humanos desenvolvem a capacidade de resolver seus problemas e consolidar o bem estar socialmente definido pela otimização dos recursos sociais, revertendo-os em benefício da totalidade social em todos os seus aspectos (COSTA, 2005: 50). 5 Não existe um consenso no que se refere à inclusão do termo ONG nas entidades que se autodenominam terceiro setor. Por sua organização formal, sem fins lucrativos, serem autogovernadas, possuírem voluntários e outras preocupações comuns incluímos neste estudo as ONGs como instituições pertencentes ao terceiro setor. No que se refere às aproximações e distanciamentos entre os dois termos ver GUTIERRES, 2006. Revista Desenvolvimento Social No7, 2012. (ISSN 2179-6807) 60 recursos a ela destinados, estes devem ser dedicadosa melhora nos bens e serviços prestados. Infelizmente se tornam constantes as notícias envolvendo corrupção em várias esferas do poder envolvendo, de forma direta ou indireta, o repasse de verbas para projetos e instituições sociais que compõem o terceiro setor. A fiscalização, preservação e compromisso com os recursos angariados devem ser responsabilidade de todos e não somente do presidente ou diretoria das associações. UM PAÍS DE TODOS? DESAFIOS DO TERCEIRO SETOR NO BRASIL No Brasil a participação popular nos assuntos “públicos” torna-se complicado porque o Estado brasileiro nasce privatizado, primeiro pela elite agrária e depois pela elite industrial, ademais várias dívidas e dependência de tecnologia dos países centrais historicamente vêm comprometendo nosso desenvolvimento. Com a acumulação de capital realizada pela elite econômica brasileira ao longo de mais de três séculos de colonização, a nossa república excluiu vários indivíduos como negros, mulheres, índios, entre outros. Várias mazelas sociais assolaram a população brasileira ao longo da chamada República Velha (1889-1930). O trabalho assistencialista era realizado principalmente pela Igreja Católica que via nos pobres e mais necessitados a epifania de Deus na terra. A Igreja, proclamando-se elo entre o céu e a terra, desenvolvia um amplo trabalho de caridade construindo asilos, orfanatos, escolas, ou quaisquer outros meios que pudessem oferecer auxílio material ou espiritual ao próximo. Nos países desenvolvidos o terceiro setor amplia suas atividades com a crise do Estado de Bem Estar Social. Como no Brasil não existiu este Estado que conduzisse políticas para geração de empregos e solução das carências sociais o terceiro setor se faz presente e atuante em um contexto de crescente autoritarismo, censura e supressão dos direitos individuais e coletivos. A participação societária no debate sobre políticas públicas somente se amplia durante o período da ditadura militar (1964-1985), tempo esse em que ocorre um agravamento das carências sociais motivadas, principalmente, pela hiperinflação e concentração de renda. Para tentar ajudar a minimizar e/ou solucionar tais problemas uma parte ativa da sociedade civil começa a se mobilizar para criar organizações sociais, sem fins lucrativos, objetivando ocupar papel de destaque na maximização das potencialidades humanas e, consequentemente, na criação de oportunidades e promoção social e econômica. Apesar de muitas instituições que constituem o terceiro setor serem oriundas de movimentos sociais da época do regime militar é importante destacar que tais manifestações foram rápidas e não tinham uma estrutura formal para durar muito tempo. Os movimentos sociais acabaram, todavia o terceiro setor continuou vigoroso e em crescente expansão. A União percebendo a importância do terceiro setor para a ampliação de conquistas sociais delibera leis, a partir da Constituição de 1988, que organiza juridicamente seu nascimento, atuação e princípios. Alguns pontos do artigo 5º possuem descrições interessantes sobre a descentralização dos serviços públicos, vejamos: XVII: é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. XVIII: a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada à interferência estatal em seu funcionamento (CONSTITUIÇÃO, 2003: 6). A Carta Magna ainda se refere ao pagamento de tributos de entidades sem fins lucrativos. A constituição expressamente proibiu no artigo 150, inciso VI “c” a Revista Desenvolvimento Social No7, 2012. (ISSN 2179-6807) 61 instituição de tributos pelo Estado das organizações sociais sem fins lucrativos (CONSTITUIÇÃO, 2003: 38). Principalmente após a redemocratização tornou-se possível o crescimento do terceiro setor no Brasil. Após esta época vem ocorrendo crescentes inovações na gestão pública com a inserção cada vez maior de novos atores na elaboração e execução de investimentos e projetos que tenham como finalidade o desenvolvimento social. A relevância do terceiro setor para a ascensão social e econômica dos membros envolvidos ganha destaque quando verificamos através de dados estatísticos o crescimento das instituições nos municípios do Brasil sendo o voluntariado essencial para esse processo. Marcelo Colegare apresenta alguns números importantes sobre o terceiro setor: a) concentração de 44% no Sudeste, mas com proporcionalidade de entidades em relação à população de cada região brasileira; b) 62% criadas a partir de 1990 e com ritmo crescente de surgimento; c) 77% dos membros são voluntários; d) apenas 7% com 10 ou mais assalariados (COLEGARE, 2005: 39). Os números acima mostram que investir no terceiro setor é priorizar a democracia participativa comprometida com cada cidadão. O crescimento do terceiro setor no Brasil nas últimas décadas é resultado da parceria entre Estado, sociedade civil e iniciativa privada. No que diz respeito ao mercado verifica-se que o marketing social ganha cada vez mais destaque no planejamento das grandes empresas sendo elas patrocinadoras de amplos projetos sociais em várias regiões do Brasil. O trabalho coletivo de várias pessoas no Brasil mostra que este país não fica atrás de grandes potências mundiais quando o assunto é participação popular. A solidariedade, liberalidade e voluntariado eram conceitos que não estavam presentes nos debates midiáticos, empresariais, políticos e acadêmicos no Brasil. O terceiro setor veio para mudar tal realidade tornando os brasileiros exemplos quando o assunto é cooperativismo e solidariedade. Os números mostram que a grande maioria dos membros do terceiro setor são voluntários que trabalham e desenvolvem projetos e ações que favorecem a inclusão social e o resgate da cidadania. TERCEIRO SETOR EM SÃO FRANCISCO De acordo com os dados da Fundação João Pinheiro de 2010, São Francisco possui 51.497 habitantes, sendo 27.835 na zona urbana e 23.662 na zona rural do município, numa área total de 3.298,44 km2. Seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é 0,680, classificado, portanto como médio (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO). A base econômica do município de São Francisco é a agropecuária com ênfase na pecuária de corte, contudo esta atividade exerce pouco destaque na região do Estado, assim deduz-se que o município possui pouca relevância na economia mineira. Estando numa região de semiárido, suas características colocam o referido município num contexto geográfico que interfere na sua paisagem econômica, revelando uma conjuntura de seca e pobreza. A cidade faz parte do semiárido norte mineiro e sendo considerada uma região subdesenvolvida, verifica-se uma realidade social marcada pela maioria de famílias carentes, vítimas do desemprego, da exploração sexual, do alcoolismo e da falta de políticas públicas eficazes. Diante deste contexto sócio-econômico novas propostas para o desenvolvimento social da cidade começam a se apresentar com a criação de várias associações e ONGs principalmente no decorrer do ano de 1990. Percebendo o crescimento e a importância do terceiro setor para a cidade, o poder público municipal estimulou a criação de novas instituições para o progresso social da cidade. A lei orgânica municipal em seu artigo Revista Desenvolvimento Social No7, 2012. (ISSN 2179-6807) 62 191, alínea VIII, rege que é dever do município “estimular o associativismo, o cooperativismo e as microempresas” (LEI ORGÂNICA MUNICIPAL, 2008: 69). O terceiro setor na cidade de São Francisco está paulatinamente se desenvolvendo através da ação dos membros das associações em parceria com o poder público local. Em São Francisco existem atualmente 141 instituições cadastradas no Conselho Municipal de Entidades Comunitárias. Para que determinada associação consiga receber determinado auxílio da prefeitura como inserção de impostos, ajuda financeira, melhoria na infraestrutura física ou humana, capacitação dos membros ou apoio na realização de algum evento, o artigo 203 da lei orgânica municipal salienta que “o município dará prioridade de atendimento a Associações Comunitárias e Conselhos de Desenvolvimento Comunitários filiados ao Conselho Municipal de Entidades Comunitárias de São Francisco” (LEI ORGÂNICA MUNICIPAL, 2008: 72). As associações atuantes no município de São Francisco atuam em diversas áreas, dentre as principais destacamos as: associações comunitárias, de pequenos produtores rurais, quilombolas, esportivas, entre outras. A ação destas entidades não de desenvolve de forma isolada uma vez que existe um constante intercâmbio e trocas de informações mediadas principalmente pelo Conselho Municipal de Entidades Comunitárias. Através do referido conselho vários cursos e capacitações são desenvolvidos mensalmente ou semestralmente baseados na gestão participativa, empreendedorismo, atualização tecnológicas, aprimoramento dos serviços prestados e formação continuada de profissionais. Algumas associações da cidade ribeirinha foram agraciadas com o título de utilidade pública6. A relação entre sociedade civil e poder público tende a se modificar com o incremento do terceiro setor em determinado local. Rubem César Fernandes observa que “valorizar a comunidade, nestes termos, implica inverter os padrões hierarquizantes e, no limite, romper com eles” (FERNANDES, 1994: 34). A partir deste pressuposto o poder público deve exercer o que é público de forma integrada e descentralizada em parceria com a sociedade civil, em um novo e moderno modelo de gestão pública. O pensamento acima está no berço das teorias de mudança social e desenvolvimento comunitário uma vez que é necessário valorizar as experiências que nascem da auto-organização, que defendem os direitos básicos do trabalho e que apostem na associação e em soluções coletivas, formando o lastro de experiências e de convicções morais e intelectuais indispensáveis à construção de novos rumos para a sociedade. Nesse pressuposto, a organização e mobilização da sociedade local não apenas como portadores de direitos e deveres, mais como partícipes da gestão da sociedade torna o terceiro setor um empreendimento endógeno, ou seja, configura-se como um desenvolvimento interno da sociedade. Borba, citado por Safira Bezerra Ammann, salienta que: ação comunitária é resultante do esforço cooperativo de uma comunidade que tenha consciência de seus próprios problemas e se organiza para resolvê-los para si mesma, desenvolvendo seus próprios recursos e potencialidades, com a colaboração das entidades existentes (AMMANN, 2003: 57). 6 O título de Utilidade Pública garante às entidades, associações civis e fundações o reconhecimento como instituições sem fins lucrativos e prestadoras de serviços à sociedade. Revista Desenvolvimento Social No7, 2012. (ISSN 2179-6807) 63 Os membros de associações comunitárias investem em capital social para melhorar sua qualidade de vida. O nascimento do capital social é um dos pressupostos do desenvolvimento social sustentável. Maria Celina Soares D’ Araújo esclarece que: capital social expressa, basicamente, a capacidade de uma sociedade de estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de cooperação com vistas a produção de bens coletivos. Capital social refere-se às instituições, relações e normas sociais que dão qualidade às relações interpessoais de uma dada sociedade (ARAUJO, 2003: 10). As pessoas, ao desenvolverem o capital social, investem em suas próprias potencialidades e as colocam em função e benefício da coletividade superando alguns estigmas históricos impostos por sistemas políticos e econômicos que procuram manter passiva e inativa a população. Estigmas como: (a) o desenvolvimento deve ser promovido apenas pelo poder público, (b) o pobre não tem competência e conhecimento para resolver problemas complexos, (c) comunidade pobre não possui recursos e por isso não pode se desenvolver, (d) é preciso vir pessoas “estudadas” de outra cidade para resolver os obstáculos de uma comunidade pobre. Ora, todos estes mitos procuram perpetuar a pobreza e criar no imaginário coletivo posturas e ideias ultrapassadas que estão diretamente ligadas à alienação política, desigualdades sociais e centralização do poder econômico e político. Os novos modelos de gestão de programas sociais recomendam a abertura de canais para a participação da sociedade civil desde o processo de identificação das necessidades até a formulação de alternativas para solução. Este modelo de compartilhamento da gestão pública tende a apresentar maiores graus de efetividade, governabilidade e promoção social. Qualquer região possui alguma potencialidade, resta descobri-la, através de um pensamento conjunto, para começar o trabalho. Segundo Augusto de Franco: “Não é a falta de recursos que caracteriza a pobreza de uma comunidade e sim a incapacidade de descobrir e dinamizar os seus recursos” (FRANCO, 2004: 63). O desenvolvimento social e sustentável via terceiro setor se realiza através da exploração racional dos recursos existentes de acordo as peculiaridades de cada local. O desenvolvimento local dever compor a pauta de debates do poder público, da iniciativa privada e de toda a sociedade civil compondo assim uma nova agenda de ações, na qual as melhorias sociais e econômicas são encaradas como responsabilidade coletiva. Há algumas décadas atrás era utópico pensar que uma cidade pobre do sertão norte-mineiro conseguisse angariar recursos e potencialidades humanas através do terceiro setor. O que antes era considerado impossível tornou-se realidade com centenas de entidades públicas e milhares de associados trabalhando para o bem comum com base na dignidade, cidadania e democracia participativa. CONSIDERAÇÕES FINAIS As organizações sem fins lucrativos estão ganhando espaço e relevância na sociedade brasileira. Não sendo entidades públicas, nem tampouco empresas privadas voltadas para a lucratividade, estas instituições beneficentes são meios eficazes para complementar as ações estatais que objetivam solucionar as carências e demandas sociais. No município de São Francisco verifica-se a tendência de crescimento do terceiro setor tanto em nível quantitativo quanto qualitativo. Ampliar as atividades do terceiro setor na cidade significa ampliar as oportunidades e a busca de novos rumos para a conquista da dignidade humana. Revista Desenvolvimento Social No7, 2012. (ISSN 2179-6807) 64 Dialogar sobre o terceiro setor é pensar em emancipação social. A emancipação soc supostos para o nascimento e progresso do terceiro setor.ial não é dada, ela é conquistada, é o fruto de um trabalho coletivo, de um trabalho de mobilização em busca de espaços, novas formas de sociabilidades e inovação no modelo de gestão governamental. Práxis solidária e pacífica, vozes e mãos que se unem em defesa dos direitos coletivos, mentes pensando com o próximo e não para o próximo são pres RFERÊNCIAS AMMANN, Safira Bezerra. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2003. ARAÚJO, Maria Celina Soares D’. Capital Social.Rio de Janeiro.Jorge Zahar, 2003. BOBBIO, Norberto. Estado, governo e Sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1987. COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparativo entre Brasil e Estados Unidos. São Paulo: SENAC, 2000. COLEGARE, Marcelo Gustavo Aguilar. A transformação social no discurso de uma organização do terceiro setor. 193 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social e do Trabalho). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: 21ª ed.Brasília: Câmara dos deputados, coordenação de publicações, 2003. 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