POR UM REAPROVEITAMENTO SALUTAR DA ÁLGEBRA Gilder da Silva Mesquita – SEJG/PE – [email protected] Público alvo: Licenciados e licenciandos em Matemática É um fato notório que a Álgebra tem sido considerada, já há algum tempo, como uma espécie de vilã do aprendizado em Matemática. Inclusive, costuma-se considerar como uma das origens de tal dificuldade cognitiva o antigo movimento conhecido como Matemática Moderna. Dispor-nos-emos a tratar o tema com um certo cuidado, além de buscar uma clarividência de que essas atitudes desafetuosas supracitadas estão, no mínimo, desprovidas de bom senso. Veremos que o cerne da questão não está no uso, mas sim na maneira como se usa esse instrumento matemático. Em outras palavras, a questão não se trata da quantidade de simbolismos usados, mas sim na quantidade de simbolismos realmente necessária ao processo de resolução da situação-problema envolvida. Para tanto, enveredaremos pela senda da Matemática Recreativa, priorizando o aspecto operatório. Em particular, buscaremos evidenciar as benesses de um bom proveito das transformações algébricas, não pretendendo confrontar, muito menos preocupados em convencer, a corrente de pensamento inverso, até porque nos perderíamos em longos debates filosófico-matemáticos. Em contrapartida, consideraremos essa problemática pela seguinte ótica: é realmente benéfico desprezar as manipulações algébricas? Como toda e qualquer radicalização de posições, é certo que não devemos esperar bons resultados. Esclareçamos melhor analisando duas experiências verídicas, fatos esses que podem melhor ilustrar e motivar o debate em torno de nossa posição: 1ª experiência) Fatore x2 – y2 – z2 + 2yz + x + y – z ? Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 2 Embora não se trate de Álgebra estritamente elementar, acreditamos que está longe de tratar-se de algo extraordinário, até porque foi proposta para um concurso a nível de ensino fundamental. Mas, o que acharias se uma equipe de professores de Matemática não conseguisse resolvê-la? Nem de longe deveríamos colocar os professores no banco dos réus. É evidente que não! Esse fato apenas revela o quanto as transformações algébricas estão em desuso. Surge então a questão: se vamos usar, então quando dar-se-á seu início? Nossa proposta não é situar estágios cognitivos para introduzir transformações algébricas. Porém, é perfeitamente possível cultivarmos o terreno de forma a facilitar a semeadura. Vejamos isso analisando a segunda experiência: 2ª) Efetuando a subtração 73 – 44 encontramos... Num dia de setembro de 2002, pedimos para um aluno da educação de jovens e adultos resolver a subtração 73 – 44 . Sabe qual foi a sua resposta? 20. Apreciem seu raciocínio: 7 3 Não posso subtrair 4 de 3. Peço 1 emprestado. Se pedi 1, 1+3 = 4 4 4 No caso, o 7 fica valendo 6. Então minha conta ficaria: 6 4 4 4 2 0 O que se poderia dizer, senão: o resultado está incorreto, mas seu raciocínio está certo?” Havemos de convir que o aluno manteve total coerência entre o que expressava e o que escrevia. Então, por que ele errou? Obviamente, quando pediu 1 (um) emprestado, que na verdade era 1 (uma) dezena. Eis um ponto interessante, talvez crucial. Essa suposta facilidade do ‘vai um’ ou ‘empresta um’ acaba gerando um ócio cognitivo, pois o aluno acostuma-se a vislumbrar as ordens de modo absoluto, isto é, na subtração em apreço ele não enxerga setenta e três ou quarenta e quatro, mas sim sete, três, quatro e quatro. Para dirimir esse obstáculo cognitivo, lançamos mão das decomposições. Passamos a escrever Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 70 + 3 60 + 10 + 3 3 70 + (10 + 3) 40 + 4 40 + 4 40 + 4 e obtivemos resultados promissores. Até foi possível assimilar que na verdade só precisávamos realmente de apenas 1 (uma) unidade, de forma a decompor 70 + 3 69 + (3 + 1) 69 40 + 4 40 + 40 4 Essa abordagem permite vislumbrar que é bem mais vantajoso começar a efetuar pela esquerda, e não pela direita. Por exemplo: 70 + 3 40 + 3 43 40 + 4 4 4 É claro que houve enormes resistências para o suposto ‘novo método’. Sendo assim, optamos por uma liberdade de escolha operatória, tendo em vista o público-alvo ser predominantemente adulto. Para esses, propúnhamos resolver 101 – 19 , de forma que ficaram diante de dificuldades, tais como: pedir 1 a quem? A zero? Era interessante como alguns diziam: ‘tira 1 de 0 e o 0 fica valendo 9’. Só não souberem explicar, quando interpelados, como tiraram algo de nada, de maneira que do nada ainda sobrou 9. Em outro estágio, resolvemos expor a limitação do método tradicional da divisão. Solicitamos que efetuassem a divisão 84÷7 , ao que majoritariamente responderam: “8 por 7 dá um; um vezes 7, 7; para 8, um; abaixo o 4; 14 por 7 dá 2; 2 vezes 7 14; 14 para 14 nada.” Então, aconteceu o que alegra qualquer professor. Após esse momento, eis que um aluno discursa: – A conta está certa, mas os procedimentos não estão rigorosamente corretos. Ora, temos 80 + 4 dividido por 7. Quando digo 8 por 7 dá 1, realmente estou dizendo que 80 por 7 dá 10, e isto não é verdade porque 7 vezes 10 é 70. Mas, antes de 80 ainda tem o 77. Então, 80 por 7 é 11?” Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 4 – E por que você não colocou 11? – “Porque o método não permite colocar dois algarismos.” Na mesma estética, propusemos dividir 12 por 3. Obtivemos os comentários clássicos: “Não posso abaixar o 1 pois 1 é menor que 3. Então abaixo o 12...” Não demorou muito para que surgisse na classe aqueles que observaram que o 1 na verdade é 10, o que permitiria sim ‘dividir 1 por 3’. Foi aí que perceberam que o método não era em si errado. A verdadeira dificuldade estava no fato que não havia perfeita coerência entre o que falavam e o que escreviam. Obviamente, houve novas resistências em defesa do método tradicional. Para o debate, lançamos a divisão 734÷13 para os oposicionistas, quando nenhum conseguiu efetuar a operação. Ao serem interpelados, disseram desconhecer quanto era 73÷13. Então colocou-se para a turma: que método prático é esse que exige o tempo inteiro a estimativa correta, ou melhor, sem memorização de tabuada, nada feito? Então, apresentamos à classe o ‘método americano de dividir’, que na ocasião preferimos chamar ‘método democrático de dividir’. Por que? Simplesmente porque todos chegam ao resultado, apenas uns mais rápidos que os outros. Por outro lado, esse método trabalha bastante a noção de estimativa (um aspecto muito enfatizado nos PCN’s), donde evocamos as facilidades da multiplicação por múltiplos de 10. No exercício proposto, se o aluno só conseguisse estimar 13×10 = 130, nada o impede de chegar ao resultado. É demorado? Obviamente! Mas, a medida em que se exercita as faculdades cognitivas, otimiza-se a resolução. Aí sim fica evidente as vantagens da tabuada. Inclusive, há um caso interessantíssimo explanada em [1] . Considerações: Após essa exposição parcial, qual seria a problemática envolvida? Apesar da turma considerada ser de jovens e adultos, todos sabemos que nossos educandos em geral não estão em realidade muito diferente. Vemos que as dificuldades não estão nas transformações algébricas em si. Ora, se o aluno não acha natural decompor um numeral como soma de duas parcelas, obviamente, não se sentirá à vontade em admitir que 2x + 3x = 5x e, consecutivamente, não possuir mente aguçada para manipulações algébricas. Mais gravemente, o aluno Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 5 acostuma-se, desde cedo, a não se ambientar com a essência da Matemática: abstração, donde depreendemos que seja necessário que se reserve mais tempo e atividades para a distributividade e associatividade nas séries iniciais do ensino fundamental. Façamos agora um breve estudo em duas frentes: * Criatividade: apresentando uma proposta para o ensino dos produtos notáveis, proporcionando uma melhor assimilação das transformações algébricas. * Recursividade: discorrendo sobre uma ferramenta poderosíssima par desenvolver a abstração, padrões e generalizações em Matemática. (I) - CRIATIVIDADE Visto que estamos tratando o tema para um público alvo de licenciados e licenciandos, preocupar-nos-emos mais especificamente com o caráter algébrico de manipulação. Por quê? Porque este aspecto está mais intimamente ligado com essa primeira idéia central. Gostaríamos de evocar um produto notável esquecidíssimo: o produto de Stevin: (x + a)⋅ (x + b) = x2 + (a + b)⋅x + ab Mostraremos que essa ferramenta pode ser utilíssima para o nosso tempo, visto que não demanda conceitos complicados. O aluno só precisa mentalizar produto e soma , e testar as possibilidades coerentes e plausíveis. Por experiência própria, temos obtido resultados consideráveis com essa metodologia. Basta que se inicie com valores bem pequenos. Por exemplo: dois números que quando multiplicados o resultado é 2 , e, quando somados o resultado é 3 . Não há muita dificuldade para concluírem que os números são 1 e 2 , gerando: (x + 1)⋅ (x + 2) = x2 + (1 + 2)⋅x + 1.2 = x2 + 3x + 2 Como a experiência sempre ajuda (embora os alunos a denominem de ‘macete’), damos a dica de sempre começar pela multiplicação, por esta restringir mais as possibilidades, fornecendo exemplos como: 8 ∴ 1×8 ou 2×4 ao passo que 8∴1+7,2+6,3+5,4+4 Sugerimos que se comece atividades onde o termo independente seja primo, tais como: Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 6 x2 + 4x + 3 = (x + 1)⋅ (x + 4) x2 + 6x + 5 = (x + 1)⋅ (x + 5) x2 + 8x + 7 = (x + 1)⋅ (x + 6) Inclusive, existe um caso clássico que pode ser usado como motivação, devida a sua curiosa aparência: x2 + 5x + 6 = (x + 2)⋅ (x + 3) x2 – 5x – 6 = (x + 1)⋅ (x – 6) x2 + 5x – 6 = (x + 6)⋅ (x – 1) x2 – 5x + 6 = (x – 2)⋅ (x – 3) Inevitavelmente, alguém perguntará: “Como faremos para os casos em que o coeficiente do x2 for diferente de 1 ? ” Meus caros colegas, eis boa uma oportunidade (num universo considerável, o dos números racionais) para aguçarmos a criatividade e propor desafios para os jovens guerreiros do conhecimento, tais como fatorar 6x2 – 5x – 1 . A única ressalva é que, por essa linha, precisaríamos antecipar as fatorações comum e por agrupamento, que nada mais são que aplicações de associatividade. (♦) 6x2 – 5x – 1 = x2 + 5x2 – 5x – 1 = x2 – 1 + 5x2 – 5x = (x + 1)⋅(x – 1) + 5x⋅(x – 1) = = (x – 1)⋅[(x + 1) + 5x] = (x – 1) (6x + 1) Obviamente, alguém colocará a questão: “Será que o aluno terá sempre tanta facilidade para tais criatividades?” A prática tem demonstrado que não , principalmente em se tratando de exemplos do tipo 10x2 – 7x – 12 (tente!). Então, como sairemos desse impasse? Bem, existe um truque espetacular que se resume, pura e simplesmente, a reduzirmos o trinômio ao caso mais simples, ou seja, quando o coeficiente do x2 for igual a 1 . Para tal, multiplicamos todo o trinômio pelo valor do coeficiente do x2. Apliquemo-lo ao exemplo anterior: (♦) 6x2 – 5x – 1 = 6 ⋅ 6 x 2 − 5 ⋅ 6 x − 1 ⋅ 6 (6 x ) 2 − 5 ⋅ (6x ) − 6 y 2 − 5y − 6 ( y − 6) ⋅ ( y + 1) (6 x − 6) ⋅ (6x + 1) = = = = = 6 6 6 6 6 = (6x − 6) ⋅ (6x + 1) 6 ⋅ ( x − 1) ⋅ (6x + 1) = (x – 1) (6x + 1) = 6 6 Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 7 A melhor parte de tudo isso: uma vez que o aluno apenas somando e multiplicando transforme trinômios do segundo grau em produtos, estaremos a um passo de resolver facilmente equações do segundo grau, pois aí só precisaremos igualar o trinômio a 0 e atacar bem mais claramente a idéia central de raiz de uma equação: o valor que torna a expressão nula. No nosso primeiro exemplo, x2 + 3x + 2 = (x + 1)⋅ (x + 2) = 0 Torna-se muito mais fácil constatar que x=–1 e x=–2 são as raízes de x2 + 3x + 2 = (x + 1)⋅ (x + 2) = 0 . Dada a realidade em que encontramos os alunos em Matemática na 8ª série, quando se ensina equações do segundo grau, é comum a prática de colocar exercícios em que as duas raízes são numerais naturais, mais raramente racionais. Ora, nessas condições, achamos um pouco redundante explorar em excesso a: termina por se tornar um processo puramente mecânico de encontrar as raízes, perdendo-se então o significado de raiz de uma equação. Acreditamos que essa forma de abordar o produto de Stevin pode ser bastante atrativa (podendo inclusive antecipar o estudo das equações do segundo grau, deixando para a 8ª série as raízes irracionais e a fórmula dita de Bháskara. Seremos um pouco mais ousados em propor que o produto de Stevin pode ser abordado inicialmente quando dos produtos notáveis. Por que? Observe a tabela e perceba que os casos clássicos dos produtos notáveis reduzem-se a casos particulares do referido produto, proporcionando, assim, uma boa potencialidade didática: (x + a)⋅ (x + b) = x2 + (a + b)⋅x + ab PARTICULARIDA DES (x + a)2 = (x + a)⋅(x + a) x2 + (a + a)⋅x + a⋅a = x2 + 2ax + a2 (x – a)2 = (x – a)⋅(x – a) x2 + (– a – a)⋅x + (–a)⋅(–a) = x2 – 2ax + a2 (x + a)⋅(x – a) = x2 – a2 x2 + (a – a)⋅x + a⋅(–a) = x2 + 0x – a2 a=b a=b;a,b<0 a=–b Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 8 A BELEZA DAS MANIPULAÇÕES E SUBSTITUIÇÕES ALGÉBRICAS Podemos elevar ao quadrado alguns números grandes, com rapidez, usando o produto notável a2 – b2 = (a + b)⋅(a – b) de outro modo: a2 = (a + b)⋅(a – b) + b2 Veja: 972 = ( 97 + 3 )⋅( 97 – 3 ) + 32 = 100 × 94 + 9 = 9400 + 9 = 9409 932 = ( 93 + 7 )⋅( 93 – 7 ) + 72 = 100 × 86 + 49 = 8600 + 49 = 8649 1952 = (195 + 5 )⋅(195 – 5 ) + 52 = 200 × 190 + 25 = 38000 + 25 = 38025 1172 = (117 + 17)⋅(117 – 17) + 172 = 134 × 100 + 289 = 13400 + 289 = 13689 Propomos a seguir exercícios selecionados. 01) Uma escola resolveu conceder prêmios de R$10,00 a cada um de seus alunos aprovados por média e de R$8,70 a cada aluno simplesmente aprovado. No total, foram aprovados 500 alunos. 13% dos alunos aprovados por média recusaram o prêmio. Qual será o gasto da escola, em reais, com o pagamento dos prêmios ? 02) O aluno Mauro, da 8ª série de um certo colégio, para resolver a equação: x4 – x2 + 2x – 1 = 0 , no conjunto dos números reais, observou que x4 = x2 – 2x + 1 = 0 e que o segundo membro da equação é um produto notável. Desse modo, concluiu que (2x + 1)2 é igual a: 03) O valor da expressão 1 1 1 1 + + +K+ 1+ 2 2+ 3 3+2 99 + 10 x2y + xy2 = 880 04) Seja o sistema . Determine xy + x + y = 71 x3 + y 3 = 1 05) Resolva o seguinte sistema: x2y + 2xy2 + y3 = 2 x2 + y2 . é Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 06) Resolva a equação irracional 9 x − 2 + 2 = x − 4 só utilizando conhecimentos do ensino fundamental. Obviamente, alguém dirá que esses exercícios estão muito descontextualizados e totalmente fora da realidade educacional brasileira. É preciso que saibamos diferenciar entre o necessário e o estimulante. É fato que todo ser humano gosta de motivações (por que não dizer desafios?). Ora, ser incitado a descobrir soluções criativas para um problema matemático não pode servir de estímulo à soluções criativas em qualquer área do cotidiano? O detalhe é que esses desafios matemáticos devem ser colocados em espaço e momento escolar adequados. É de bom senso que ninguém lançará questões desse tipo sem o devido amadurecimento de cada conhecimento prévio necessário para a resolução. O equívoco é quando se associa a descontextualização à dificuldade de aprendizagem, como uma relação de causa e efeito. A questão principal não é o grau de dificuldade do problema, mas sim usar a ferramenta certa no momento certo. Por exemplo, com a, b, c > 0 , como você provaria, em até três linhas a desigualdade (a + b)⋅(b + c)⋅(c + a) ≥ 8abc ? Parece difícil, não acha ? É perfeitamente normal acharmos isso num primeiro contato. Só depois percebemos que bastava a ferramenta adequada. Vemos então que o problema é o uso inadequado e desnecessário. Infelizmente, essas dificuldades estão longe de ser superados, haja vista a sua longevidade. No livro As Maravilhas da Matemática [2] , escrito pelo conhecido Malba Tahan (Profº Julio César Melo e Souza), encontramos considerações esclarecedoras quanto à forma de aplicabilidade das questões algébricas. “O professor de Matemática perguntou, certa vez, ao melhor aluno de sua turma: Roberto! Qual é a sua idade? O interrogado respondeu prontamente: É muito simples, professor. Dentro de dois anos, a minha idade será igual ao quadrado da idade que eu tinha há dez anos. O professor, sem hesitar, respondeu: Já sei Roberto! Você tem quatorze anos. Pergunta-se: Como pôde o professor achar tão depressa a idade do menino? Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 10 Solução: O menino tem mais de dez anos e a sua idade diminuída de dois é um quadrado. Os quadrados maiores que dez são: 16, 25, 36, 49, 64... Diminuídos de 2 darão: 14, 23, 34, 47, 62... O primeiro, citado pelo professor, é o único que poderá exprimir a solução do problema, isto é, a idade de um menino. (…) E afinal a verdade deve ser dita: Resolver um problema assim banalíssimo, com fórmulas e equações, é o mesmo que matar formiga saúva, na roça, com bomba atômica.” Podemos perceber clara e evidentemente o centro de todo o questionamento: o uso desnecessário de simbolismos (como nessa questão da idade) e problemas que não fazem o menor sentido (como provar que a⋅b é divisível por 5 na equação b2 = 24a2 + 1 ). Por outro ângulo, há problemas que somente a Álgebra pode dirimir equívocos que nossa intuição jamais perceberia, tal como o seguinte exercício: “Imagine que não houvesse nenhum desnível de terreno na linha do Equador e que você usasse uma corda para dar uma volta no planeta Terra pela linha do Equador, de forma que não ficasse nenhuma folga. Se aumentássemos apenas em 1 metro o comprimento dessa corda, qual a altura do vão que existiria entre a corda e a superfície terrestre (no caso, representada pela linha do Equador) ?” Qual não é a surpresa quando se verifica que, surpreendentemente, o resultado é aproximadamente 16cm. Mas, o mais interessante de tudo é que o resultado independe do planeta, ou seja, se tivéssemos feito a experiência considerando Júpiter, ou mesmo uma bolinha de gude, o resultado repetir-se-ia! Como se vê, o importante não é a quantidade ou profundidade excessiva (complicação), mas sim o processo das resoluções, ou seja, o caráter peculiar de cada situação-problema. Por exemplo, relacionemo-nos com a seguinte questão: a + b + c = 24 (*) Encontre todas as ternas de números inteiros (a,b,c) tais que a2 + b2 + c2 = 210 abc = 440 Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 11 Adiantamos que o caminho algébrico é bastante árduo. Nesse momento, deixamos claro nossa posição: por mais que apreciemos as manipulações algébricas, precisamos ter coerência para reconhecer que a Álgebra nem sempre é conveniente para a circunstância. Eis diante de nós um excelente exemplo! Acredite: a Aritmética resolve este problema em três linhas. Enfim, chegamos a um ponto crucial: resgatar a Aritmética pela Álgebra. Mas como dar-se-ia ? (II) - RECURSIVIDADE Apreciamos muitíssimo a abordagem inicial proposta por [3] . “Descubra a regra da seqüência abaixo e continue desenhando. ,,,,,… a) Escreva a regra dessa sequência. b) Qual o 8º elemento da sequência ? c) Qual o 14º elemento da sequência ? d) Sem desenhar, qual o elemento que ocupa a 20ª posição ? ” Note que temos aqui uma ferramenta poderosíssima para não só resolver, mas, muito mais, desenvolver habilidades matemáticas: o raciocínio recursivo , que nada mais é que reduzir o problema a um caso mais simples, a fim de procurar padrões ou generalizações. Por essa ótica, seria bastante interessante propor a dita seqüência e perguntar qual seria, por exemplo, o 100º termo da seqüência. Propondo dessa forma, verificamos que os alunos ficam deveras espantados, o que acaba prendendo suas atenções. Todavia, ao pedirmos para listarem as posições das figuras desenhadas, rapidamente percebem que está nas posições ímpares e está nas posições pares . Note que esse exercício pode perfeitamente ser lançado a alunos da 4ª série sem muito constrangimento, ainda que como atividade recreativa. Claro que não precisamos atingir conclusões algébricas do tipo ‘se n é par, o termo da sequência é , ao passo que se n é ímpar, o termo da sequência é ’. O que defendemos é que essa maturidade algébrica pode ser atingida sem traumatismos cognitivos se promovermos o desenvolvimento da recursividade, de forma gradativa, desde o ensino fundamental Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental menor. Para tanto, recorremos mais uma vez a [4] 12 , quando foi pedido aos alunos para dissertar sobre a sequência Sua experiência deu-se numa turma de 6ª série, com resultados do tipo: “posição × 2” ; “posição anterior mais uma coluna à direita” 1º 2×1=2 2º 2×2=4 3º 2×3=6 ↓ ↓ nº 2 × n = 2n Ninguém vai exigir contundentemente conclusões como essas em turmas anteriores à 6ª série. Porém, as conclusões obtidas “Toda vez aumenta dois” “Desenhamos sempre mais uma coluna com dois quadradinhos” “posição anterior mais uma coluna à direita” “Sempre aumenta” podem muito bem ser esperadas de turmas anteriores à 6ª série, ou seja, vemos que podemos trabalhar a generalização (Álgebra) matemática desde à tenra idade. Com essa metodologia, podemos tratar de problemas até difíceis como calcular área máxima de forma bastante despretensiosa. Para tal, parafraseemos [4] , com um exemplo um pouco mais simples: “Uma escola ganhou, por doação, uma tela de 24 m de comprimento. A direção da escola resolveu, então, cercar um terreno retangular que tivesse a maior área possível, para fazer experiências com plantas. Vamos ajudar a direção da escola a descobrir quais devem ser as dimensões do terreno ?” Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 13 Um exercício esplêndido, potencialmente didático! Por meio de uma simples tabela, podemos verificar que a soma das dimensões é sempre a metade do perímetro, bem como achar as dimensões para área máxima sem nenhuma necessidade de estudar S(x) = – x2 + 12x , nem tampouco ter conhecimento que o valor máximo ocorre para xv = −b −∆ , sendo o próprio valor máximo da área igual a . 2a 4a Comprimento (m) 10 9 8 7 6 5 4 3 2 Largura (m) 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Perímetro 24 24 24 24 24 24 24 24 24 (m) Área (m2) 20 27 32 35 36 35 32 27 20 A INTEGRAÇÃO ARITMÉTICA–ÁLGEBRA Sugerimos duas atividades recreativas que evidenciam uma perfeita simbiose entre Aritmética e Álgebra. Atividade 1 – Escolha um número de dois algarismos; – Multiplique o número por 15; – Multiplique o resultado por 7; – Diminua do resultado o quádruplo do número original. Quando os alunos estiverem desvendando o ‘segredo’, faça uma pequena mudança. – Escolha um número de dois algarismos; – Multiplique o número por 13; Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 14 – Multiplique o resultado por 8; – Diminua do resultado o triplo do número original. O truque consiste no fato que, de uma forma ou de outra, o número escolhido é sempre um múltiplo de 101. É nesse momento que é possível uma sólida integração entre a Aritmética e a Álgebra. Note que a particularidade da multiplicação por 101 só é percebida em sua plenitude quando efetuamos a conta aritmeticamente, o que não se perceberia olhando apenas para 100x + x . Atividade 2 Proponha aos alunos que escolham seis numerais, com a seguinte condição: à medida que cada numeral for escolhido, elimina-se a linha e coluna correspondente. Logo após, anuncie que pode prever a soma dos números escolhidos: 111. 1 7 13 19 25 31 2 8 14 20 26 32 3 9 15 21 27 33 4 10 16 22 28 34 5 11 17 23 29 35 6 12 18 24 30 36 5 + 6⋅0 5 + 6⋅1 5 + 6⋅2 5 + 6⋅3 5 + 6⋅4 5 + 6⋅5 6 + 6⋅0 6 + 6⋅1 6 + 6⋅2 6 + 6⋅3 6 + 6⋅4 6 + 6⋅5 A finalidade é que cheguem a seguinte formação 1 + 6⋅0 1 + 6⋅1 1 + 6⋅2 1 + 6⋅3 1 + 6⋅4 1 + 6⋅5 2 + 6⋅0 2 + 6⋅1 2 + 6⋅2 2 + 6⋅3 2 + 6⋅4 2 + 6⋅5 3 + 6⋅0 3 + 6⋅1 3 + 6⋅2 3 + 6⋅3 3 + 6⋅4 3 + 6⋅5 4 + 6⋅0 4 + 6⋅1 4 + 6⋅2 4 + 6⋅3 4 + 6⋅4 4 + 6⋅5 e, por conseguinte, ao fato que, invariavelmente, sempre serão escolhidos (1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6) → correspondente às linhas 6⋅0 + 6⋅1 + 6⋅2 + 6⋅3 + 6⋅4 + 6⋅5 → correspondente às colunas Anais do VIII ENEM – Minicurso GT 2 – Educação Matemática nas Séries Finais do Ensino Fundamental 15 Obviamente, cabe ao mestre avaliar o grau de dificuldade que deve iniciar essa atividade: de 1 a 25, 1 a 16, 1 a 9 ou mesmo 1 a 4 . Palavras-chave: Criatividade e Recursividade. Referências Bibliográficas [1] IMENES, Luiz Márcio P. Multiplicando com as mãos – Revista do Professor de Matemática nº 9. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 1986, pág. 40 e 42. [2] TAHAN, Malba. As Maravilhas da Matemática. São Paulo: Edições Bloch, 6ª edição, 1987, pág. 175-177. [3] SOUZA, Eliane Reame de, DINIZ, Maria Ignez de Souza Vieira. Álgebra: das variáveis às equações e funções. São Paulo: Centro de Aperfeiçoamento do Ensino de Matemática, Instituto de Matemática e Estatística da USP, 2ª edição, 1996. [4] DANTE, luiz Roberto. Didática da Resolução de Problemas de Matemática. São Paulo: Editora Ática, 1994.