UM BREVE ESTUDO DA ESTRUTURA ARGUMENTAL PREFERIDA Arlete Ribeiro Nepomuceno1 Ana Clara Gonçalves Alves de Meira2 Maria Risolina de Fátima Ribeiro Correia3 RESUMO: Gramática e discurso são, muitas vezes, definidos de forma dicotômica. Todavia, pretendemos demonstrar que gramática e discurso não devem ser determinados isoladamente, mas em uma relação de interdependência. Assim, partiremos da Estrutura Argumental Preferida (EAP) que se configura como um sistema de escolhas que o falante realiza em uma situação discursiva. Para tanto, realizaremos uma revisão bibliográfica de Du Bois (1985, 2003), e, em seguida, esboçaremos um paralelo entre os estudos de Dubois, Dutra (1987) e Kumpf (no prelo), com vistas a demonstrar a pertinência da configuração do padrão da EAP . Notamos que a EAP, apesar de se estabelecer como um padrão, não se constitui como uma estrutura fixa, já que, ao mesmo tempo que a gramática pode determinar a quantidade de lugares sintáticos em uma sentença, a pragmática demonstra se esses lugares serão ocupados ou não por informações novas. Desse modo, podemos concluir que a gramática e o discurso se codificam no uso. Palavras-chave: estrutura argumental preferida; discurso; gramática. ABSTRACT: Many times, grammar and discourse are defined as dicotomic form. However, we intend to demonstrate that grammar and discourse shouldn’t be determinated by themselves, but in a interdependence relation. Thus, we start from the Prefered Argumental Structure (PAS),it has defined as a choice system that the speaker does in a discoursive situation. For this, we will accomplish a Du Bois (1985, 2003)’s bibliographical review, and after, a parallel of his studies with the one of Dutra (1987) and Kumpf (in the press) to demonstrate the importance of EAP as a pattern. We noticed that PAS isn’t a fixed structure nevertheless being established as a pattern, even at the same time that grammar can determinate the quantity of syntactic places in a sentence, pragmatics demonstrates that these places will be or not occupied for new informations. Then, we can conclude that grammar and discourse codify itself in use. Keywords: Prefered Argumental Structure; discourse; grammar. 1 Doutoranda em Estudos Linguísticos no Poslin/FALE/UFMG e bolsista pela FAPEMIG. [email protected]. 2 Mestranda em Estudos Linguísticos no POSLIN/FALE/UFMG. E-mail: [email protected]. 3 Mestranda em Estudos Linguísticos no POSLIN/FALE/UFMG. E-mail: [email protected]. E-mail: INTRODUÇÃO Neste trabalho, apresentaremos um breve estudo teórico discutindo a estrutura argumental preferida4 dos falantes em situações reais de comunicação, pelo viés dos estudos da língua em uso. Sendo assim, ancoramo-nos, sobretudo, nos estudos de Du Bois (1985,2003), bem como nos de Dutra (1987) e Kumpf (no prelo), partindo do pressuposto de que “as gramáticas codificam melhor o que os falantes fazem mais.” (DU BOIS, 1985, p.363) Na perspectiva da teoria funcionalista, os padrões gramaticais estão estritamente ligados à estrutura do discurso5 e podem, em muitos casos, ser explicados em termos dessa estrutura. Assim sendo, entende-se que a gramática de qualquer língua exibe padrões morfossintáticos estáveis, sistematizados pelo uso, ao lado de mecanismos de codificação emergentes, dotados de princípios motivadores. Nesse contexto, o problema é que as análises linguísticas não devem ser realizadas e concebidas somente levando-se em conta a tríade sujeito, verbo e objeto, mas sim se basear no uso concreto da língua pelos falantes, admitindo-se que a gramática se molda no discurso e o discurso na gramática. Em vista disso, aventamos a hipótese de que a gramática não é um organismo autosuficiente, o que configura como uma forte relação entre gramática e discurso, no intuito de explicar a forma da língua a partir das funções que ela desempenha na comunicação. Para atingir o propósito de buscar no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua, objetivamos, ainda que sucintamente, estudar a Estrutura Argumental Preferida (doravante EAP), dando ênfase na escolha dos falantes frente a uma determinada situação discursiva, e estabelecer um contraponto entre Du Bois, Dutra e Kumpf a fim de demonstrar a pertinência da configuração do padrão da EAP. 4 A Estrutura Argumental Preferida é uma configuração dos argumentos mais amplamente utilizados pelos falantes. Entendemos discurso, segundo Furtado da Cunha (2001, p. 110), como “o uso [...] em situação de comunicação, incorporando as estratégias criativas utilizadas pelo falante para organizar funcionalmente seu texto para um determinado ouvinte e em uma determinada situação de comunicação.” 5 A justificativa prende-se ao fato de que o estudo da EAP se torna relevante por demonstrar que gramática e discurso não devem ser estudados nem vistos isoladamente, mas sim de forma interdependente, o que configurará como valorização da língua em relação aos seus usuários e mostrará a maleabilidade da língua e a plasticidade da gramática. 1 METODOLOGIA O nosso trabalho é de base teórica. Nessa medida, passamos em revista os estudos de Du Bois (1985,2003), e, em seguida, estabelecemos um paralelo desses estudos com os de Dutra (1987) e de Kumpf(no prelo). O nosso intuito é esboçar as principais características da EAP, demonstrando como podemos analisar a relação entre gramática e discurso a partir desse padrão . 2 REFERENCIAL TEÓRICO Retomando, resumidamente, os estudos de Du Bois (1985, 1987), podemos dizer que a gramática codifica melhor o que os falantes usam mais, o que torna necessário descobrir que padrões linguísticos são usados pelos falantes, ou melhor, qual é a EAP. A teoria de Du Bois refere-se ao papel formal e discursivo dos argumentos nucleares do verbo, isto é, do sujeito e do objeto. Nesse contexto, a EAP não é concebida nem como uma estrutura discursiva nem uma estrutura sintática por si mesma, mas representa uma preferência, no discurso, por uma determinada configuração sintática dos elementos linguísticos. Apresenta quatro restrições: duas de ordem gramatical (evite mais de um argumento nuclear lexical por oração e A lexical) e duas de ordem pragmática (evite mais de um argumento nuclear novo por oração e A com informação nova). Recentemente, Du Bois (2003), retomando os seus estudos a partir de conversações espontâneas e outros dados discursivos do Corpus of Spoken English de Santa Barbara, observou o padrão discursivo que envolve a distribuição, nas orações, de sintagmas nominais lexicais plenos em contraste com sintagmas nominais representados por pronomes e anáforas zero. No início do seu estudo, Du Bois discute a relação entre discurso e gramática, mostrando que o estudo da EAP ilustra a conexão e a influência mútuas entre discurso e gramática. A sua pesquisa pretende mostrar que existe lugar para padrão e generalização tanto no domínio da gramática quanto no domínio do discurso. Os padrões desses domínios são distintos e um não suprime o outro; entretanto, há uma interação entre eles e uma influência recíproca em todos os níveis, de modo que nenhum pode ser acessado sem o outro. Assim, é lícito afirmarmos que o estudo da EAP é justamente o lugar em que a gramática e o discurso se encontram. Trata-se de um padrão linguístico que se situa na interseção entre esses dois níveis da língua. A sua proposta é a de que, no discurso espontâneo, observa-se uma tendência sistemática na distribuição das formas referenciais nominais (tais como sintagmas nominais plenos6 e pronomes) nas várias posições sintáticas (sujeito, objeto, oblíquo)7: os falantes usam sintagmas nominais plenos na posição de sujeito de verbo intransitivo ou de objeto direto de verbo transitivo, evitando usá-los na posição de sujeito ou objeto indireto de verbo transitivo. De modo geral, a informação nova (normalmente expressa por SNs plenos) é codificada nos papéis de (S) (sujeito e verbo intransitivo) ou (O) objeto direto de verbo transitivo, mas quase nunca em papel de (A)8 sujeito de verbo transitivo ou (I) objeto indireto de verbo transitivo. Tradicionalmente, analisa-se a estrutura da oração como contendo um verbo cuja estrutura argumental especifica gramaticalmente quantos nomes vai acompanhá-lo e que papéis vão desempenhar na oração. Do ponto de vista cognitivo, a estrutura argumental é a configuração de 6 Consideramos SNs plenos aqueles que estejam ou não precedidos por determinantes e que não são representados por pronomes. Ex.: casa e a casa. Além disso, eles recuperam ou introduzem referentes. 7 Segundo Perini et al.(1996), o SN oblíquo é um SN em regime de preposição. 8 É conveniente esclarecer que (A), para Du Bois (2003), não significa agente, mas sim sujeito de verbo transitivo, não se levando em conta o fato de ele ser ou não agente. predicação do verbo, a configuração de papéis nominais em relação significativa com o verbo. Em outras palavras, a EAP nada mais é do que uma estrutura de expectativas desencadeadas, acionadas pelo verbo. Entre esses papéis (argumentos) de um verbo, alguns são ditos centrais na estrutura da oração: sujeito, objeto direto, objeto indireto, o que configura para a EAP uma unidade principal de análise, e outros são periféricos (oblíquos), como os advérbios de tempo e de lugar, por exemplo. Segundo Du Bois (2003), um sintagma nominal, considerado como uma posição estrutural numa oração, pode ser realizado por várias formas: um SN lexical pleno (com ou sem modificadores), um pronome pessoal e outros. Generalizando, para os gramáticos, a escolha entre essas possibilidades é guiada por fatores extragramaticais. Assim, de um ponto de vista estritamente formal, a escolha da variação da forma referencial seria opcional, ainda que se reconheça a existência de fatores pragmático-discursivos como continuidade referencial, estatuto informacional, acessibilidade do referente, etc. Um falante seria livre para escolher entre um sintagma lexical pleno e um pronome, por exemplo, para realizar o sujeito de uma oração. A título de ilustração, vejamos um exemplo: Minha casa é bonita. Sob uma perspectiva estritamente gramatical, o sintagma nominal pleno Minha casa poderia ser substituído por ela sem gerar prejuízo para a oração, ou seja, sem causar agramaticalidade. Por outro lado, substituir um sintagma nominal pleno por um pronome poderia alterar o sentido veiculado e, até mesmo, levar a uma incoerência. Nessa medida, uma vez que se levem em consideração fatores pragmático- discursivos, como os que estão envolvidos no gerenciamento da informação, e não apenas fatores estruturais, a alternância entre SN lexical pleno e um pronome não é livre. A primeira menção no discurso a um referente é realizada, em geral, por um SN lexical pleno, enquanto as menções subsequentes, por um pronome ou anáfora zero, ainda que ambas as menções se encontrem numa mesma estrutura sintática. Nessa veia, um aspecto destacado por Du Bois é que, no contexto do discurso autêntico, a substituição de formas gramaticalmente alternativas não pode ser vista como sem consequências. Nas palavras de Du Bois (2003): os falantes são cuidadosos ao marcar quais referentes já foram introduzidos previamente e quais estão sendo introduzidos pela primeira vez, tendo em vista que eles se preocupam constantemente com o estado corrente do conhecimento da informação (ou ausência dela) compartilhada pelos interlocutores. Du Bois reitera que a EAP não é uma regra sintática que determina gramaticalidade categoricamente. Apresenta-se, ao contrário, sob a forma de uma influência: o papel sintático na estrutura argumental de um verbo é um fator que tem influência na probabilidade de um SN lexical (em oposição a um pronome, por exemplo) ocorrer numa dada posição. Em vista disso, ele está particularmente interessado em verificar onde, numa oração, ocorre uma dada forma referencial. Outro aspecto destacado por Du Bois (2003) é que a estrutura gramatical da oração contribui como uma espécie de arcabouço arquitetônico para o gerenciamento cognitivo do processamento de informação. Assim, na arquitetura da oração, tarefas mais complexas, que demandam um custo maior de processamento para o ouvinte, como o processamento da introdução de novos referentes no discurso, em grande parte ficam mais restritas a certos contextos gramaticais específicos. Por outro lado, tarefas que exigem menos, de menor custo cognitivo, como o rastreamento de um referente já introduzido no discurso, podem ocorrer em qualquer lugar na oração. Nesse contexto, a EAP possui duas dimensões: a dimensão gramatical e a pragmática. Num primeiro momento, esboçaremos a dimensão gramatical e, num segundo momento, a dimensão pragmática. As configurações gramaticais básicas utilizadas pelos falantes, disponíveis como recursos linguísticos, são os predicados de um lugar, dois lugares ou três lugares. Para explicitar essas configurações, Du Bois (2003) adotou uma convenção que esclarece o papel dos argumentos no predicado: (S) refere-se ao sujeito de verbo intransitivo, em que a estrutura argumental especifica um único argumento central; (A) refere-se ao papel de sujeito transitivo, em que a estrutura argumental especifica dois argumentos centrais; (O) refere-se ao papel de objeto de verbo transitivo ou bitransitivo; (I) refere-se ao papel de objeto indireto de verbo bitransitivo, em que a estrutura argumental especifica três argumentos centrais. No que diz respeito à dimensão gramatical, nos predicados de um lugar, podemos dizer que essa é a configuração básica de argumentos em uma oração. Du Bois (2003) considera que os verbos intransitivos são acompanhados apenas de um argumento central, o sujeito. Nesse caso, o sujeito de verbos intransitivos pode ser preenchido por um SN de qualquer forma, tamanho ou significado, podendo conter, por exemplo, modificadores como adjetivos, ou orações adjetivas. Podemos dizer, então, que a função de (S) é livre. Em se tratando de predicados de dois lugares, um verbo transitivo pede dois complementos: o sujeito transitivo, com o papel de (A), e o objeto, com o papel de (O). Desse modo, haveria a possibilidade de ocorrência de dois sintagmas lexicais plenos. Contudo, apesar de essa possibilidade existir, na maioria dos dados de Du Bois (2003), a potencialidade gramatical para essa ocorrência não é explorada no discurso. No padrão discursivo, regularmente aparece apenas um SN lexical pleno. O outro argumento é preenchido, geralmente, por um pronome ou anáfora zero. A partir da prevalência dessa constatação, ele formulou a seguinte restrição: Evite mais de um argumento nuclear lexical, o que reflete a predominância de predicados com um argumento nuclear lexical. Uma segunda restrição se refere ao papel em que os SNs lexicais podem aparecer. No papel de (O), podem ocorrer livremente, mas, no papel de (A), os pronomes ocorrem com mais frequência. Dito de outra forma, o único argumento lexical designado pela primeira restrição (Evite mais de um argumento lexical) tende a favorecer a ocorrência do papel de (O) e a evitar o papel de (A). Desse modo, Du Bois elaborou uma segunda restrição: Evite (A) lexical. Quanto aos predicados de três lugares, há um aumento do número de argumentos nucleares para três: sujeito (A), objeto direto (O) e objeto indireto (I), diferentemente dos predicados de um e dois lugares. Mas permanece a constatação de que, na fala espontânea, os verbos bitransitivos confirmam o padrão semelhante ao dos verbos intransitivos e transitivos diretos. Nessa medida, mesmo havendo três chances de preenchimento de argumentos com um SN lexical pleno, somente uma é aproveitada, normalmente, o papel de (O). Os outros dois argumentos são realizados, por exemplo, por pronomes. Os SNs lexicais plenos também tendem a evitar o papel de (I)9, mesmo que não tão fortemente quanto ocorre com o papel de (A). Em outras palavras, os verbos bitransitivos confirmam as restrições acima: ainda que tenham três argumentos nucleares, geralmente, o (O) aparece como SN lexical. Já (A) e (I) tendem a ser evitados. Assim, no corpus estudado por Du Bois, orações com dois argumentos lexicais plenos são de ocorrência rara, o que parece confirmar a existência do princípio de apenas um argumento lexical por vez, no máximo. De modo geral, esse argumento é realizado por SN lexical pleno na posição de (S) ou (O), o que confirma o segundo princípio, de se evitar SNs desse tipo no papel de (A). Além de ser um padrão gramatical, a distribuição ou não dos argumentos lexicais, como também pronominais tem relação estreita com os fatores pragmáticos, os quais selecionam a forma, a estrutura, o papel e a interpretação de formas referenciais como os SNs. Um SN pleno, tipicamente usado para a introdução de uma informação nova, é considerado como um custo cognitivo de esforço relativamente alto para acessar o referente. Por outro lado, um pronome, usado quando um referente é mais ou menos óbvio, acessível no contexto, é interpretado como um custo cognitivo de esforço relativamente baixo para acessá-lo. Logo, é lícito afirmar que a forma referencial escolhida pelo falante, de modo geral, pode ser considerada como um índice confiável e sensível do custo cognitivo (tal como avaliado pelo falante) para acessar o referente pretendido. 9 É importante salientar que o argumento (I) - objeto indireto de verbo transitivo - não foi mencionado em Du Bois (1985), mas foi destacado em Du Bois (2003). Sob um olhar pragmático, os predicados de um lugar, com seu papel (S) não controlado, permitem ao falante o cumprimento de tarefas cognitivas mais exigentes, como a introdução de um referente novo, por exemplo, fornecendo a mais simples estrutura oracional disponível para o gerenciamento da informação. Predicados desse tipo admitem livremente menções lexicais plenas na posição de (S). A função pragmática responsável pelo uso desses SNs pode ser entendida considerando-se o processamento cognitivo desencadeado pela introdução de novo referente no discurso: um novo arquivo é aberto para esse referente. Dando prosseguimento ao aspecto pragmático, no que diz respeito aos verbos transitivos, o papel livre (O) pode servir à introdução de novos referentes, ao passo que o papel de (A), mais controlado, refere-se, anaforicamente, a uma entidade já dita anteriormente. Nesse padrão de informação nova, há um conjunto de restrições pragmáticas paralelas àquelas identificadas para a distribuição de elementos gramaticais nas estruturas argumentais. Assim, existiriam duas restrições: Evite mais de um argumento nuclear novo e Evite (A) como informação nova, em que a primeira seria uma restrição quanto à quantidade e a segunda, quanto ao papel. Já no que se concerne aos verbos bitransitivos, podemos confirmar as duas restrições arroladas acima (evite mais de um argumento nuclear novo e evite (A) novo). A distribuição da informação nova versus acessível segue o padrão previsto: (O) recebe a informação nova, enquanto os outros dois argumentos (A) e (I) não a aceitam. Desse modo, uma vez mais, no corpus analisado por Du Bois, as evidências translinguísticas confirmaram as restrições pragmáticas previstas acima. À luz dessa exposição das dimensões gramatical e pragmática da EAP, podemos, assim, resumi-las: Gramática Quantidade Papel Evite mais de um argumento nuclear lexical Evite (A) lexical Pragmática Evite mais de um argumento nuclear novo Evite (A) novo Tabela 1: Restrições da estrutura argumental preferida: quantidade e papéis Ao analisarmos a noções de EAP propostas por Du Bois (2003), podemos associá-la aos estudos de Dutra (1987), pois, em seu texto The Hybrid S-category in brazilian portuguese: some implications for word order, ela se baseou na Estrutura Argumental Preferida, com enfoque no português brasileiro. Ao estudar a nossa língua, Dutra (1987) traz como importante contribuição a cisão do (S) nas posições pré e pós-verbais. Antes de explicitar como se dá essa cisão, ela menciona a cisão das línguas ergativas (split ergatives). Assim, em tais línguas, quando a informação é tratada como dada10, na primeira e na segunda pessoa, o falante e o destinatário são identificáveis, e, normalmente, não remetem a SNs plenos. Nesses casos, (S) e (A) serão marcados no nominativo e (O), no acusativo. Já quando a informação é tratada como não necessariamente identificável na terceira pessoa, e, geralmente, refere-se a SNs lexicais, (S) e (O) serão marcados no absolutivo e (A), no ergativo. Percebemos, então, que nas línguas ergativas ocorre, em casos específicos, um alinhamento do (S) com (A) e do (S) com (O). A partir dessa menção às línguas ergativas, Dutra (1987) demonstra a ocorrência da cisão do S no português brasileiro. Em seus dados, ela percebeu que o SN em (O) tende a ser indefinido11 e lexical, o que acarreta uma grande frequência de (O) com SN pleno. Nesse sentido, no que se refere ao português, menciona que o (S) pós-verbal se alinha com o (O), ou seja, eles compartilham características semelhantes. Logo, o (S) em posição pós-verbal tende a apresentar SNs plenos e indefinidos. Conforme Dutra (1987) demonstra através de dados extraídos de narrativas, quase 70% deles apresentam argumentos lexicais (SNs plenos) em posição pós-verbal, o que confirma o fato de (S) pós-verbal e (O) terem propensão a aparecerem com SNs plenos. 10 Chafe (1987) define informação dada como um conceito já ativado, algo que já está no foco da consciousness, da pessoa em um determinado tempo. Já as informações novas são designadas como aquelas previamente inativas na consciousness que ainda serão ativadas. 11 A respeito dos conceitos de definitude e indefinitude, valemo-nos da ideia de que esses termos estão relacionados à ocorrência de modificadores que podem ser definidos ou indefinidos. É interessante observarmos que, pelos dados de Dutra (1987), 80% de todos os objetos diretos encontrados apresentam SNs plenos. Além disso, ela ressalta que tais SNs se apresentam como primeiras menções e são representados por SNs indefinidos. Depreendemos, então, por meio desses dados, que, como há um alinhamento entre (S) pós-verbal e (O), eles compartilham a seguinte característica: tendem a introduzir informações novas com SNs plenos e indefinidos. Ademais, outra evidência interessante que alinha Spós a O está relacionada a muitos Spós funcionarem como (O), pois, em mais de 90% dos casos analisados por Dutra, o (S), na posição de (O), não está na relação de concordância com o verbo. Ex: “E aparece três meninos por ali perto...” (DUTRA, 1987, p.176). Sobre o Spré, Dutra (1987) demonstra que o alinhamento se dá com o (A) e que (S) e (A) tendem a ser SNs definidos e vazios. Desse modo, ela afirma que os argumentos em (O) tendem a ser SNs plenos o que não se configura em (A). Logo, S pré-verbal comportará como (A). Nesse contexto, 83% dos (S) pré-verbais representam menções prévias e definidas. Entendemos, então, que o alinhamento de Spré com o A demonstra uma tendência a fornecer informações dadas com SNs vazios e definidos. Ao analisarmos os estudos de Dutra (1987), percebemos o caráter universal da EAP citado por Du Bois (2003), pois ela partiu de noções propostas por ele para analisar dados do português. Nesse sentido, compreendemos, conforme cita Du Bois (2003), que a EAP é um padrão recorrente do uso da língua, uma generalização sobre o discurso que envolve a gramática, mas que não pode ser reduzida a ela. Apesar desse aspecto universal da EAP, observamos, através dos estudos de Kumpf (no prelo), que as conclusões referentes a esse modelo não são fixas, porque, dependendo do gênero utilizado, podemos deparar com resultados diferentes daqueles expostos por Du Bois (2003). Assim, em seus estudos, ela analisa aulas de Ciências ministradas por quatro professores do ensino médio, pretendendo verificar como a forma apresentada gramaticalmente pode ser orientada pelo gênero discursivo. Nessas aulas, notou-se uma presença significativa de informações dadas e redundantes. Assim, Kumpf (no prelo) verificou que há pouca informação nova no discurso de sala de aula. Os dados mostraram que 78% são menções consideradas dadas, 15% acessíveis, e, apenas, 7% novas. Além disso, (S) e (O) são informações dadas em 70% dos casos, o que difere dos estudos de Du Bois (2003), que apontam para uma tendência à informação nova nas posições de (S) e (O). Então, (S) e (O) representaram, em sua maioria, informação dada, além de informação acessível (20%) e nova (10%). Kumpf (no prelo) registrou que a maior parte das ocorrências de (S) e (O) corresponde a SNs plenos lexicais. Segundo Du Bois (2003), (S) e (O) também tenderiam a marcar informação nova quando representados por SNs plenos; entretanto, os (S) e (O), encontrados nos dados de Kumpf, indicavam, principalmente, informação dada. Ao citarmos sucintamente os resultados obtidos por Kumpf (no prelo) na análise do seu corpus e os de Du Bois (2003) nas narrativas e na conversação do inglês, percebemos que há diferenças entre esses resultados. Contudo, isso não nos leva a considerar a EAP menos importante nem a desprezar a evidente universalidade desse padrão, pois Kumpf (no prelo) demonstra como o gênero pode influenciar nos tipos de ocorrências de (S), (A) e (O), resgatando, assim, a própria afirmação de Du Bois (2003) de que os limites expostos pela estrutura argumental não são fixos. 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES Ao retomarmos os estudos de Du Bois (1985,2003), no que se concerne à EAP, percebemos que ele demonstra que, sob o ponto de vista gramatical, a quantidade de argumentos lexicais tende a ser no máximo um e, no que diz respeito a questões pragmáticas, a tendência é de se evitar mais de um argumento nuclear novo. Nesse sentido, se tomarmos como exemplo a introdução de uma nova entidade no discurso, tal tarefa será feita, normalmente, por meio do uso de um SN lexical pleno. Caso o referente já tenha sido introduzido, ele será rastreado por meio de uma forma reduzida, como, por exemplo, um pronome. Tais escolhas refletem os julgamentos que os falantes fazem quanto ao custo de processamento cognitivo do ouvinte para acessar o referente pretendido. No que se refere à Dutra (1987), entendemos que ela procura demonstrar como a ordem de palavras no português do Brasil é regulada por questões pragmáticas, colaborando, assim, para mostrar de que maneira gramática e discurso estão interligados. Notamos, portanto, que o trabalho de Dutra (1987) explicita que a ordem das palavras no português brasileiro é regulada não somente por questões gramaticais, mas também pragmático-discursivas, como podemos verificar na alteração SV e VS. Desse modo, S pré ou pós-verbal assume propriedades de A ou de O, levandose em conta questões como, por exemplo, informação dada ou nova. Além disso, nota-se que os estudos de Dutra (1987) confirmam os resultados obtidos por Du Bois no que concerne à EAP, isso pode ser explicado pelo fato de ela ter analisado narrativas orais, um gênero que também foi estudo por Du Bois12. Observando os dados de Kumpf (no prelo), percebemos como o gênero é um fator preponderante para determinar a quantidade de argumentos lexicais presentes em um determinado contexto discursivo. Conforme explicitamos acima, os dados de Kumpf (no prelo) diferem dos resultados obtidos por Du Bois (1985,2003). Entendemos que as diferenças presentes nos dados de Kumpf e outros resultados diversos, que podem ser encontrados em relação àquilo que foi previsto por Du Bois, não nos levam a compreendê-los como subversões à EAP, mas enfatizam que a EAP é um padrão, e não uma estrutura fixa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto sobre a EAP, podemos dizer que as diferentes posições utilizadas pelo locutor não são governadas somente pelo sistema da língua, mas situam-se, também, no campo 12 Du Bois analisou narrativas orais e conversas espontâneas em seus trabalhos. das escolhas, fazendo parte da competência comunicativa do falante. Por meio de uma abordagem funcional discursiva, concluímos que a EAP parece ser muito variável, já que está relacionada à frequência do verbo e seus argumentos em situações concretas de uso. Assim, somente por meio de um estudo de dados efetivos de língua, podemos determinar como os verbos e seus argumentos são articulados por falantes reais, envolvidos em interações comunicativas, bem como possibilitar o entendimento de como os humanos produzem e processam a linguagem numa situação sóciointeracional. REFERÊNCIAS ARAUJO, L.C.F. (2003). O adjetivo no discurso narrativo oral do português. Dissertação de Mestrado. 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