Anais Nepefe

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NEPEFE
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia e Educação
Anais Nepefe
I SIMPÓSIO DE FILOSOFIA, EDUCAÇÃO
E PSICOLOGIA
Filosofia, Educação e Psicologia:
Diálogos Possíveis
Volume 4, Número 1. Goiânia: NEPEFE/FE-UFG, 2016.
Comunicaçãoes
Goiânia – 2016
ANAIS NEPEFE
Caderno de Texto - I Simpósio de Filosofia, Educação e Psicologia
07 – 08 de novembro de 2016
Faculdade de Educação/UFG
EXPEDIENTE:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
Reitor
Prof. Dr. Orlando Afonso Valle do Amaral
Vice-reitor
Prof. Dr. Manoel Rodrigues Chaves
Pró-Reitor de Graduação
Prof. Dr. Luiz Mello de Almeida Neto
Pró-Reitora de Extensão e Cultura
Profa. Dra. Giselle Ferreira Ottoni Candido
Direção – Faculdade de Educação
Profa. Dra. Karine Nunes de Moraes – Diretora
Profa. Dra. Lueli Nogueira Duarte da Silva – Vice-diretora
Profa. Dra. Amone Inácia Alves – Coordenadora do Curso de Pedagogia
Profa. Dra. Elisa Sanábio Heck – Coordenador do Curso de Psicologia
Prof. Dr. Fernando Lacerda Júnior – Coordenador PPGP
Prof. Dra Sandra Valéria Limonta – Coordenador PPGE
Coordenador do evento: Prof. Dr. Adão José Peixoto
NEPEFE – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia e Educação
Prof. Dr. Carlos Cardoso Silva
Arte e Editoração:
Wanderley J. Ferreira Jr.
Revisão:
Carlos Cardoso Silva e Autores
Realiz
ação:
Apoio
:
2- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS – UFG
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia e Educação - NEPEFE
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Comissão Organizadora
Prof. Dr. Adão José Peixoto – FE-UFG
Profa. Dra. Amone Inácia Alves – FE-UFG
Prof. Dr. Caio Sgarbi Antunes - UFG
Prof. Dr. Carlos Cardoso Silva - FE-UFG
Ma. Mônica Ferreira Albernaz - SME
Prof. Dr. Pedro Adalberto Gomes de Oliveira Neto - FE-UFG
Prof. Dr. Wanderley J. Ferreira Jr. - FE-UFG
Prof. Dr. Wilson Alves de Paiva – FE-UFG
Jhonatan Dhimmy Fraga Macedo – Psicologia - FE/UFG
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia - NEPEFE
3- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
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FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
GPT/BC/UFG
Anais NEPEFE (4.: 2016. Goiânia – Go). Vol. 4, No. 1, Faculdade de Educação. Goiânia,
2016. I SIMPÓSIO DE FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E PSICOLOGIA. I.: 2016. Goiânia –
Go. Filosofia, Educação e Psicologia: diálogos possíveis. V. 4, n. 1, Faculdade de
Educação. Goiânia, GO, 2016. Wanderley J. Ferreira Jr. (Org.)
I SIMPÓSIO DE FILOSOFIA, EDUCAÇÃO E PSICOLOGIA DA FACULDADE DE
EDUCAÇÃO/UFG. V. 4, n. 1, Faculdade de Educação. Goiânia, GO, 2016.
UFG – Faculdade de Educação
Modo de acesso: https://anaisnepefe.fe.ufg.br
ISSN –
1.Filosofia – Estudo e Pesquisa 2. Educação 3. Técnica e Ciências 4. Ciências
Humanas – Estudo e Pesquisa 5. Psicologia – Estudo e Pesquisa:
´
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Sumário
GT 1 – Filosofia e Educação (FE)
A importância da filosofia para a formação no âmbito da pós-graduação
Adriana Borges de Alencar Milhomem - PPGE-FE/UFG
Uma Análise da Alegoria da Caverna de Platão pelo Viés da Educação
Antoniel Souza Braga- IFITEG
A atualidade do personalismo de Emanuel Mounier
Adão José Peixoto – FE/UFG.
Universidade pública, formação e profissionalização docente: um pensar sobre a Filosofia
Beatriz Gontijo de Jesus - PPGE-FE/UFG
O racionalismo e a educação na perspectiva descartiana
Carlos Cardoso Silva – FE/UFG.
Um breve esboço do conceito de experiência em Michel Foucault
Marcelo de Deus Campos - PPG/IELT – UEG
Direitos Humanos como Oposição Estratégica ao Sistema Jurídico-legalJoão Batista Valverde Oliveira – PUC-G0.
De Magistro: uma proposta educativa em agostinho de Hipona
Paulo Afonso Tavares – PUC-GO/IFITEG.
Hegel e Lao Tzu: indeterminação do absoluto e formação
Pedro A. Gomes Neto – FE/UFG.
Filosofia da educação em Nietzsche
Raul Pereira de Jesus Neto - – PUC-G0; Lucas Fernandes De Sousa – PUC-G0
Razão instrumental, cultura digital e violência silenciada na infância
Simei Araujo Silva – FE/UFG; Lívia Costa Angrisani – FE/UFG
Valores pedagógicos e epistemologia histórica
Simone Alexandre Martins Corbiniano – UFG.
A concepção do Outro para Hegel
Vagner Ferraz da Maia - IFITEG; Pedro A. Gomes Neto – FE/UFG
Do amor: Filosofia Agostiniana do amor na obra da Trindade.
Valdez de Sousa Castilho Júnior – FAFIL/UFG
A Escola Militar, concepção política e projeto de nação no Brasil
Valéria Marcelina Rodrigues – FE/UFG.
É possível filosofar na pesquisa em Filosofia?
Wanderley J. Ferreira Jr. – FE/UFG.
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Faculdade de Educação/UFG
O plantão do Platão: uma ferramenta de motivação no ensino da Filosofia -
Polliana Pires do Carmo Alves Rocha - PUC GO; Pedro Vinicius Dias Alcântara - PUC GO.
137
GT 3 – Fenomenologia e Educação (FENED)
Filosofia do Diálogo e Gestalt-terapia: Ressignificando a Gagueira no Entre relacional
139
Pedro Paulo Coelho Leão da Cunha – PUC-GO
GT 4 – Filosofia, Psicologia e Educação (FPE)
A importância da comunicação na educação dos filhos na visão da Gestalt-terapia
Ana Carla dos Santos Teodoro Olímpio (Psicóloga); Thaís Carneiro Costa Ramos
156
O gozo em meio ao conceito de reconhecimento na parábola dominação e servidão na Fenomenologia
do Espírito
165
Ana Carolina Borges de Lacerda – UFG.
Relações sociais e suas influências na formação de estudantes de uma escola municipal de Goiânia:
um estudo de caso.
175
Daniel Silva Monteiro– UFG; Nathalia Cardoso de Souza– UFG; Pollyana de Paula
Nascimento – UFG.
O conceito de conhecimento entendido como propriedade em John Locke e implicações para a
180
formação de professores
Denise Elza Nogueira Sobrinha - PPGE/FE/UFG; IFG
Visão idealizadora dos jovens universitários a respeito da sociedade
Ivoni de Souza Fernandes – PUC-GO.
Hegel, Paulo Freie e a psicologia: uma breve discussão acerca do papel da educação
Jhonatan Dhimmy Fraga Macedo – FE/UFG.
Lago azul - cultura local e juvenil: esporte e dança
Leonardo Simões dos Santos – UEG/UNIP.
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201
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A contribuição da psicologia no debate sobre as Parcerias Públicas Privadas na Educação
Luelí Nogueira Duarte e Silva – FE/UFG; Jordana de Castro Balduíno – FE/UFG; Eugênia
215
Assis Victor– FE/UFG; Letícia Thays Bessa Silva– FE/UFG; Lanussy Karoliny Oliveira
Lira– FE/UFG
A subversão do eu-saber-identidade na (in)certeza sensível: acontecimento
Monica Ferreira Albernaz - SME-GO
223
Reflexões sobre a autorregulação da criança na crise de transição da idade de três anos: apontamentos
240
para a construção de práticas pedagógicas
Poliana Carvalho Martins - CEPAE/UFG.
Vygotsky e as teorias de aprendizagem
Poliana Carvalho Martins - CEPAE/UFG; Roberta Alves Da Silva - CEPAE/UFG; Patrícia 249
Maria Jesus da Silva - CEPAE/UFG; Rosemarilany Barbosa Guida - CEPAE/UFG
A psiquiatrização da vida: discursos psiquiátricos sobre a infância e a família em Goiás
Railda Aparecida Barbosa Barreto – PPGP-UFG; Alexandre Ribeiro Aquino - – PPGP-UFG;
Trabalho docente: concepções e perspectivas
Solange Martins Oliveira Magalhães – FE/UFG; Amanda Oliveira Magalhães – PPGE-
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6- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 2 – Ensino de Filosofia (EF)
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Faculdade de Educação/UFG
FE/UFG; Jackeline Império Soares - – PPGE-FE/UFG
Heidegger: o nada como fundamento da metafísica
Alexandre Guedes – Mestrando/UFG.
Protagonismo juvenil e projeto de vida: propostas para a formação de jovens goianos em Goiás
Amone Inácia Alve – FE/UFG.
Da concepção de ciência e o campo das ciências humanas. O senso comum em debate - reflexões preliminares.
Cristina Helou Gomide – FE/UFG; Miriam Bianca Amaral Ribeiro – FE/UFG.
A felicidade, a virtude e a educação em Sêneca
George Felipe Bernardes Barbosa Borges – UFG.
Senso comum, Ciências Humanas e formação de professores
Miriam Bianca Amaral Ribeiro – FE/UFG; Cristina Helou Gomide – FE/UFG.
A estrutura da alma "anima" na Suma Teológica de Tomás de Aquino
Neimar de Almeida – UnB.
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288
297
305
312
323
GT 6 – Marxismo e Educação (ME)
Desafios na formação de alunos do 3º ano do Ensino Fundamental
Augusto Cesar Vilela Gama – UNIVERSO; Willian Mendes Costa - UNIVERSO
333
GT 7 – Educação e Pós modernidade (EPM)
Ensino e Desconstrução: entre a liberdade acadêmica e o performativo
342
André de Barros Borges - UFRJ
Criarcontexto: Educação e mediação no processo de aprendizado
Lorena Rosa Quiles de Oliveira – PUC-GO; Gerusia Marcelino de Moura – PUC-GO.
355
GT 8 – Filosofia, Psicanálise e Formação (FPF)
Crise das ciências e limites da Razão: Husserl e Espinosa contra o racionalismo técnico
Maykel Mizael de Paiva – FAFIL/UFG; Cristiano Novaes de Rezende - UFG
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7- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 5 – Filosofia e Ciências Humanas (FCH)
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O I Simpósio de Filosofia, Educação e Psicologia da Faculdade de Educação da UFG aconteceu
entre os dias 07 e 08 de novembro de 2016, em Goiânia-GO e debateu o tema: “Filosofia, Psicologia e
entre filosofia, educação e psicologia, contribuindo assim com o processo formativo mais amplo e que
não se restrinja ao domínio técnico-instrumental de certas competências e habilidades. Buscando então
um diálogo e alternativas possíveis de colaboração mútua entre filosofia, educação e Psicologia, o I
Simpósio de Filosofia, Educação e Psicologia da Faculdade de Educação reuniu pesquisadores,
educadores, estudantes, profissionais das diversas áreas do conhecimento para pensarmos estes desafios.
Os trabalhos foram organizados em 04 mesas-redondas, para as quais convidamos estudiosos de grande
relevância no meio acadêmico-científico. Houve 42 apresentações de comunicações, atividades por meio
das quais se propiciou a interação entre pesquisadores e estudiosos com grande experiência em
pesquisas, pesquisadores que estão iniciando a inserção no mundo da pesquisa e os profissionais da
educação das redes estaduais e municipais de ensino.
Aqui estão publicados os textos das comunicações. Autorizamos a reprodução e divulgação total ou
parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa,
desde que citada a fonte.
A exatidão das referências, a revisão gramatical e as ideias expressas e/ou defendidas nos textos são de
inteira responsabilidade dos autores.
Boa leitura
Dados do evento
206 inscritos gerais (contando simplesmente o fato de terem feito inscrição, incluindo os que não
pagaram).
98 participantes que de fato compareceram e assinaram as listas de presença.
98 certificados de participação foram emitidos.
30 isenções de inscrição (18 de alunos do IFITEG e 12 de professores da UFG)
42 apresentações de trabalhos foram realizadas
42 certificados de apresentações de trabalho foram emitidos.
8- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Educação: Diálogos possíveis”. O evento propiciou debates e análises sobre as contribuições recíprocas
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GT 1 – Filosofia e Educação (FE)
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GT 1 – Filosofia e Educação
A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA PARA A FORMAÇÃO NO
Adriana Borges de Alencar Milhomem - PPGE/UFG
“A formação do pesquisador não pode restringir-se ao domínio de algumas técnicas de
coleta, registro e tratamento dos dados. As técnicas não são suficientes, nem constituem em
si mesmas uma instância autônoma do conhecimento científico. [...] Por sua vez, um método
é uma teoria de ciência em ação que implica critérios de cientificidade, concepções de
objeto e de sujeito, maneiras de estabelecer essa relação cognitiva e que necessariamente
remetem a teorias de conhecimento e a concepções filosóficas do real. Essas diversas
concepções dão suporte às diversas abordagens utilizadas nas construções científicas e na
produção de conhecimentos”. Silvio Sanchez Gamboa, Pesquisa em educação: métodos e
epistemologias.
1. Introdução
No atual contexto da pesquisa brasileira tão condicionada pelos ditames do mercado, tem
havido muita ênfase no “fazer” pesquisa e por isso, percebe-se que existe um predomínio dos aspectos
técnicos em detrimento dos aspectos epistemológicos, ontológicos e teóricos da formação para a
pesquisa em educação. De maneira que pesquisas sobre a produção discente (SOUZA; MAGALHÃES;
GUIMARÃES, 2014) evidenciam a falta da formação filosófica do pesquisador. Formação que
proporciona a compreensão dos pressupostos epistemológicos e ontológicos que são base, tanto para a
construção do objeto, quanto da escolha do método de investigação (GAMBOA, 2014). E por isso, tão
necessária para a construção de todo o instrumental teórico e metodológico que o torne capaz de
apreender seu objeto de investigação garantindo o devido rigor científico (SEVERINO, 2007).
Assim, o tema desse estudo é a importância da filosofia para a formação no âmbito da pósgraduação. Esse tema é parte do estudo que fizemos no contexto da pós-graduação, ao nível do
mestrado, na Faculdade de Educação - UFG, a partir das discussões feitas no âmbito da disciplina
Formação e profissionalização de professores (as): epistemologias, pesquisas e perspectivas críticas, ligada à linha de
pesquisa “Formação, profissionalização docente e trabalho educativo”, bem como a parir das discussões
feitas no Grupo de Estudos promovido pela REDECENTRO - Rede de Pesquisadores sobre
Professores (as) na Região Centro-Oeste, coordenada pela Professora Dra. Ruth Catarina Cerqueira
Ribeiro de Souza.
10- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
ÂMBITO DA PÓS-GRADUAÇÃO
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Questionamos qual é a importância da formação filosófica na formação do pesquisador no
quais são as dimensões que envolvem a formação do pesquisador no âmbito da pós-graduação em
educação? Como a ênfase nos aspectos técnicos da pesquisa em detrimento dos aspectos
epistemológicos e ontológicos tem afetado a qualidade das produções discentes no campo da educação?
Buscamos responder esta questão através da pesquisa do tipo bibliográfica, cuja abordagem
é a qualitativa. E como método de investigação utilizaremos o materialismo histórico dialético. Pois os
procedimentos metodológicos na pesquisa bibliográfica são tomados como “um conjunto ordenado de
procedimentos de busca por soluções”, cujo método de investigação é o “dialético como a lente
orientadora de todo o processo de investigação e de análise realizado”, por sempre considerar a
“contradição e o conflito; o ‘devir’; o movimento histórico; a totalidade e a unidade dos contrários; além
de apreender, em todo o percurso de pesquisa, as dimensões filosófica, material/concreta e política que
envolvem seu objeto de estudo” (LIMA; MIOTO, 2007, p.39). Além disso, no método dialético o
pesquisador é orientado “a afirmar com clareza a partir de qual concepção está situada a investigação e a
análise empregada sobre o seu objeto” (IANNI, 1988 apud LIMA; MIOTO, 2007, p.39).
A dialética enquanto método é apresentada por Marx (1983 apud GAMBOA, 2014, p.38)
“como o processo de construção do concreto do pensamento a partir do concreto real” (MARX, 1983
apud GAMBOA, 2014, p.38). E o concreto por vezes é confundido com o empírico. Mas ele é a síntese,
é a “unidade do diverso”. Sendo assim, o “objeto real é o concreto real” e o “concreto pensado é o
conhecimento que se tem do objeto”. O movimento de construção do conhecimento então parte do
empírico, passa por vários “elementos abstratos” que constroem o concreto pensado (SAVIANI, 1980
apud GAMBOA, 2014, p.38). A síntese será então uma “totalidade articulada, construída e em
construção” (idem, p.38).
Quanto ao objetivo geral desse estudo, consiste em analisar e compreender qual é a
importância da formação filosófica na formação do pesquisador no âmbito da pós-graduação. E em
específico analisar e compreender quais são as dimensões envolvem a formação no âmbito da pósgraduação; bem como, analisar e compreender como a ênfase nos aspectos técnicos da pesquisa em
detrimento dos aspectos epistemológicos e ontológicos tem afetado a qualidade das produções discentes
no campo da educação.
11- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
âmbito da pós-graduação? E para responder esta pergunta, problematizamos as seguintes questões:
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2. Refletindo sobre as dimensões que envolvem a formação no âmbito da Pós-Graduação
refletir acerca das dimensões que podemos considerar importantes na formação do pesquisador no
âmbito da pós-graduação. Estamos chamando de dimensões, os diversos aspectos que são necessários
serem considerados, para que o pesquisador se forme enquanto pesquisador mediante o próprio
processo de produção de novos conhecimentos. E isto nos reporta a uma ampla formação, bem como à
postura ética e política frente a esse saber que é produzido.
Para pensarmos sobre quais são as dimensões que envolvem a formação do pesquisador no
âmbito da pós-graduação em educação, pensamos antes, sobre o lugar dessa formação. Chauí (2003) e
Coelho (1996) nos apontam que o lugar por excelência de produção de conhecimento científico na
sociedade moderna é a Universidade. Pensada desde sua origem para ser laica e pública.
Pensando a universidade moderna como local por excelência de produção da ciência, desde
seu surgimento é uma instituição social que tem sua legitimidade fundamentada na “conquista da ideia
de autonomia do saber em face da religião e do Estado”. Ela foi concebida como instituição republicana
após a Revolução Francesa (1789) como laica e pública (CHAUÍ, 2003, p.5).
Com as revoluções sociais do século XX e as lutas sociais e políticas, a educação e a cultura
passam a ser direito do cidadão, fizeram da universidade uma instituição social ligada à “democracia e à
democratização do saber”. E por isso, a universidade pública tomou uma posição diante do ideal
socialista devido à “contradição entre o ideal democrático de igualdade e a realidade social da divisão e
luta de classes”, e por considerar que só é possível existir uma universidade como “instituição social
diferenciada e autônoma” em um Estado republicano e democrático (CHAUÍ, 2003, p.5-6).
Por isso, essa universidade como instituição social, questiona tanto o seu lugar na sociedade
de classes, quanto sua função, e busca responder às contradições presentes nessa sociedade, através da
construção de uma universalidade (“imaginária ou desejável”). Reconhecendo; portanto, a sociedade
como princípio e referência valorativa e normativa. (CHAUÍ, 2003, p.6)
Assim, numa universidade como instituição social (CHAUÍ, 2003), tanto a ciência, quanto a
pesquisa, quanto o ensino, terão uma função social no âmbito da sociedade brasileira (SEVERINO,
2007). Nesse sentido, formar o pesquisador, significa pensar também nas concepções de ciência, de
pesquisa e de ensino. Bem como, a função social da pós-graduação, reconhecidamente o “lugar
institucional de produção de conhecimento, como sujeito social e coletivo” (SEVERINO, 2007, p.33).
12- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Referenciamo-nos em autores como Severino (2007), Coelho (1996) e Chauí (2003) para
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Ao pensarmos sobre a concepção de ciência, reconhecemos que não é possível uma ciência
de mundo do pesquisador perpassará e definirá intrinsicamente todo o processo de construção do
conhecimento, ainda que em níveis diferentes. Extrinsecamente, as ideologias de mercado e demais
condicionantes, como culturais, dentre outros, influenciam na escolha da natureza do objeto, dos
métodos e das técnicas. Dessa forma, o critério da busca de objetivação é dado na relação entre
interesses e conhecimento (MINAYO, 1997).
Do ponto de vista da escola de Frankfurt, diante da constatação da relação entre interesses
e conhecimento, a escola propõe a epistemologia crítica para revelar as ligações entre o conhecimento
que é produzido socialmente e os interesses que o condicionou. Por isso, é muito importante interrogar
acerca dos significados da ciência, já que ela “está integrada em um processo social, econômico e
político, é uma prática social entre outras, marcada pela sociedade em que se situa e refletora de todas as
suas ambiguidades e contradições” (GAMBOA, 2012, p.30).
A consideração de que a ciência não é neutra, contraria o humanismo moderno que surge
com o “ideal de domínio técnico sobre a natureza (pela ciência) e sobre a sociedade pela (política)”,
através da constituição do homem como sujeito do conhecimento, colocado na “qualidade de
observador neutro”, cuja “consciência soberana é capaz de realizar o domínio prático de toda realidade”
e a reduz à “objetividade do conhecimento da técnica”, pois sua consciência separada do real, permite o
controle e manipulação (CHAUÍ,1982, p.6 ).
Se, portanto, a produção de conhecimento científico não é neutra, antes está ligada a
interesses socialmente condicionados, bem como aos interesses de controle e poder, é preciso
questionar então: esse conhecimento será relevante para quem? Nesse sentido, assumimos com Severino
(2007), Chauí (2003) e Coelho (1996) que esse conhecimento deva ter uma relevância social.
E tanto no âmbito do ensino graduação e principalmente, no âmbito da pós-graduação,
deve ser um conhecimento produzido com o compromisso da “construção de uma sociedade onde as
pessoas possam encontrar subsídios para sua emancipação” (SEVERINO, 2007). Para isso, a formação
do pesquisador deve se dar de forma ampla: deve permitir o desenvolvimento do sujeito que seja capaz
de entender e transformar a sua realidade profissional, pessoal ou qualquer outra situação; que faça
história, que realize a “transcendente aspiração do homem para a liberdade, para a contemplação do
verdadeiro, do belo, justo” (COÊLHO, 1996, p.35).
13- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
neutra (MINAYO, 1997). Além de que tanto nas ciências físicas e biológicas quanto nas sociais, a visão
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Logo, esta formação só se constitui no “universo da teoria, do rigor dos conceitos e dos
(COÊLHO, 1996, p.36). Por isso, ela não se restringe a um processo de aprendizagem de técnicas,
porque permite o cultivo do pensamento, capaz de “interrogar a opacidade e os enigmas do seu próprio
mundo” (CHAUÍ, 1982).
Nesse sentido, na pós-graduação como lugar institucional e prioritário de produção de
pesquisa, sob a luz de uma concepção crítica de conhecimento de ensino e de aprendizagem, deveria
estar – assim como todos os “espaços do ensino superior” – de forma imprescindível, perpassada por
este espírito investigativo, tanto na postura como nas práticas de pesquisa (SEVERINO, 2007, p.33).
Pois, a pesquisa científica “está no âmago do investimento acadêmico exigido pela pós-graduação e é o
objetivo prioritário dos pós-graduandos e seus professores” (SEVERINO, 2007, p.34).
Nessa perspectiva a pesquisa ocupa um lugar de centralidade na pós-graduação, por ser
voltada à produção de novos conhecimentos. E a criação de novos conhecimentos ocorre pela prática
da pesquisa articulada à formação de novos pesquisadores, de maneira que o ensino e aprendizagem se
constituem não na lógica da transmissão, mas da construção de novos saberes. E isto exige do
pesquisador em formação, “o desenvolvimento de fundamentação teórica, de reflexão sistemática, de
levantamento de dados empíricos, documentais ou históricos”, para conseguir apreender seu objeto
específico (SEVERINO, 2007, p.34).
Isto significa que “há todo um conjunto de posturas e procedimentos que são inerentes à
atividade científica” (SEVERINO, 2007, p.43). O que exige a “incorporação de um espírito
investigativo” e dedicação a “uma efetiva prática de pesquisa” (ibidem, p.43). Bem como, a participação
não só nas disciplinas no âmbito da pós-graduação e a execução técnica do projeto, mas será necessário
rigor, seriedade, metodicidade, sistematicidade, maturidade intelectual e autonomia. De maneira que o
processo de autoformação do pesquisador ocorrerá pela interação dialógica entre seu objeto de
pesquisa, entre os parceiros de caminhada e entre a cultura (ibidem, 2007).
Tomando em específico o aspecto da interação entre o pesquisador e o objeto de pesquisa,
destacamos que não é suficiente ter acesso apenas ao domínio de técnicas de pesquisas, é “preciso toda
uma imersão no universo teórico e conceitual, onde se encontram as coordenadas epistemológicas,
políticas e antropológicas de toda a discussão relevante e crítica da área” (SEVERINO, 2007, p.44). O
que significa problematizar a temática pela contínua interação com o conhecimento acumulado na área,
para possibilitar a construção de uma proposta provocadora de reflexão e pesquisa. É preciso a
14- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
métodos historicamente produzidos, da liberdade, da criação, da produção do novo, da ética (...)”
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construção de todo instrumental teórico e metodológico para que o aluno da pós-graduação consiga
pesquisa.
O projeto de pesquisa será a primeira etapa do longo processo de investigação a ser
desenvolvido. Será o registro do planejamento da pesquisa e constitui-se como ferramenta importante,
por impor tanto a disciplina de trabalho, o tempo e as atividades, bem como, os procedimentos lógicooperacionais, além de ser a referência que permitirá o diálogo com o orientador (SEVERINO, 2007).
E esse projeto deve deixar o mais claro possível o objeto de investigação, sua
“problematicidade, a contribuição que a pesquisa trará, as hipóteses que pretende defender, os objetivos
a serem alcançados, as referências teóricas, os procedimentos metodológicos e técnicos que serão
utilizados, o cronograma de execução e as fontes documentais em que se baseará a investigação”
(SEVERINO, 2007, p.45).
Dessa forma, todo esse conjunto de posturas por parte do pesquisador, que envolve a
imersão no campo conceitual, a apropriação do instrumental teórico e metódico e a construção de seu
plano de trabalho, contribuirá na qualidade do trabalho final dos discentes. E para isso, é necessário
considerar a relevância do conhecimento a ser produzido, no âmbito da pós-graduação, o que exigirá
também postura ética e política, mediante o comprometimento com o processo de emancipação
humana.
Sendo assim, no próximo item discutiremos as implicâncias na qualidade das produções no
âmbito da pós-graduação no campo da educação, relativos a não consideração desse conjunto de
atitudes necessárias a autoformação do pesquisador, por causa da ênfase nos aspectos técnicos e a pouca
atenção à construção do instrumental teórico e metódico, pela mediação da filosofia.
3. A ênfase nos aspectos técnicos da pesquisa em detrimento dos aspectos epistemológicos e ontológicos:
implicâncias na qualidade das produções discentes no campo da educação
Os trabalhos científicos acerca do estado do conhecimento no campo da educação,
produzidos por Souza e Magalhães (2014), André (2010) e Gamboa (2014) nos apresentam resultados
dos estudos sobre a produção discente e nesses estudos encontramos dentre outras, análises sobre os
aspectos teóricos e metodológicos dos trabalhos, bem como sobre a qualidade dessas produções.
André (2010), por exemplo, nos apresenta uma pesquisa em que se propõe a analisar o
processo de constituição do campo de formação de professores. Em sua análise ela reconhece o
15- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
estabelecer a problematicidade de seu objeto de investigação e o materialize na forma de projeto de
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comprometimento que muitos trabalhos tiveram com a investigação, por serem demarcados por um
pertinentes. Mas aponta também, que a análise mostrou algumas fragilidades, nas dissertações e teses
brasileiras sobre o tema, produzidas entre 2003 e 2007. Afirma que é “surpreendente a dificuldade de
autores em descrever com clareza o método de pesquisa e a modalidade de investigação”. E que na
maioria dos trabalhos não há menção a esses componentes imprescindíveis (ANDRÉ, 2010, p.44).
Dessa forma, o tratamento dos dados da pesquisa de forma não restrita e pontual e a ampliação do
aprofundamento teórico-metodológico também são aspectos a avançar nessa contribuição.
Outra investigação sobre as produções discentes no campo da educação foi a obra de metaanálise da produção acadêmica de 1999-2005 sobre o tema “professores”, de Souza, Magalhães e
Guimarães (2014), cuja obra analisa um recorte de 66 dissertações da região centro-oeste. No aspecto da
análise de como o método estava sendo abordado nas produções, foi construída uma compreensão dada
no entrelaçar dos aspectos da metodologia, dos referenciais teóricos, do ideário pedagógico e os temas
estudados.
Duas questões ficam evidentes nas produções analisadas: houve referência muito restrita à
acepção de metodologia: tipo de abordagem, universo investigado e predominantemente as opções de
técnicas e instrumentos de coleta de dados. Em segundo, a indistinção entre método e metodologia,
tendo em vista que não são a mesma coisa. O método se refere à “compreensão ampla e articulada da
qualidade da relação entre sujeito e objeto na produção do conhecimento” – “o ‘caminho’ a ser trilhado
na construção do conhecimento”. E metodologia refere-se à “organização racional da investigação;
decisões específicas, tomadas e justificadas no contexto de uma determinada perspectiva” (SOUZA;
MAGALHÃES; GUIMARÃES, 2014, p.52). Dentre os resultados ainda verificou-se que o
desenvolvimento das pesquisas não se dava em função da fundamentação teórica, mas “descolado” dela.
Essa indistinção entre método e metodologia pode ser explicada pelo “alargamento da
utilização da pesquisa qualitativa” no Brasil referente ao processo de contraposição ao Positivismo.
Acarretando também possíveis “descuidos com os aspectos formais necessários, em relação ao rigor
metódico e metodológico que garante a cientificidade da pesquisa” (SOUZA; MAGALHÃES;
GUIMARÃES, 2014, p.52).
Sobre a questão da explicitação do método não há consenso entre os metodólogos. A
maioria defende essa explicitação e existem aqueles que acham que isso possa inibir os pesquisadores
(GAMBOA, 2007). Mas Warde (1990 apud SOUZA; MAGALHÃES, 2014, p.53), discorre acerca da
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denso referencial teórico, com problema posto de modo “científico”, objeto bem definido e objetivos
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inconsistência metódica, advinda da não explicitação metódica ou pela restrição a algumas categorias
Esses aspectos acima se relacionam ao que Souza, Magalhães e Guimarães (2014, p.53) e
Warde (1990 apud SOUZA; MAGALHÃES; GUIMARÃES, 2014), notaram sobre “a falta de uma
formação filosófica sólida na formação do pesquisador, quer seja no nível de mestrado ou de
doutorado”. E esta ausência de formação filosófica, impede a construção do instrumental teórico e
metodológico, que envolvem as teorias de conhecimento, os fundamentos epistemológicos e
ontológicos da pesquisa, bem como os seus processos científicos.
Por isso, citamos a observação feita por Gamboa (2014, p.53) colocada neste trabalho como
epígrafe:
A formação do pesquisador não pode restringir-se ao domínio de algumas técnicas de coleta,
registro e tratamento dos dados. As técnicas não são suficientes, nem constituem em si mesmas
uma instância autônoma do conhecimento científico. [...] Por sua vez, um método é uma teoria
de ciência em ação que implica critérios de cientificidade, concepções de objeto e de sujeito,
maneiras de estabelecer essa relação cognitiva e que necessariamente remetem a teorias de
conhecimento e a concepções filosóficas do real. Essas diversas concepções dão suporte às
diversas abordagens utilizadas nas construções científicas e na produção de conhecimentos.
Dessa forma, os trabalhos são afetados em sua qualidade e se aproximam mais de relatórios
de pesquisa, por serem construídos de forma estanque, e a análise dos dados não se articula ao
referencial teórico. Os motivos para isto, se relacionam a ausência da formação filosófica, que por sua
vez se relaciona a pouca maturidade dos pesquisadores, somadas à compressão do tempo para
realização do mestrado ou doutorado (SOUZA; MAGALHÃES; GUIMARÃES, 2014).
Por fim, a maior implicância da ausência da formação filosófica e a ênfase nos aspectos
técnicos da pesquisa, é o impedimento da “discussão ampla e aberta sobre as diferentes correntes de
pensamento presentes na epistemologia moderna” (SOUZA; MAGALHÃES; GUIMARÃES, 2014,
p.53).
Assim, o conhecimento é tratado como apenas “posse de instrumentos para intervir e
controlar” e não como conhecimento de “alguma coisa”. (CHAUÍ, 2003, p.7) E nesse processo a
atividade cognitiva não se realiza. Não há tempo para a reflexão crítica que pensa a superação e
modificação do conhecimento. Proporciona-se somente o aumento quantitativo e exponencial de
informações, pois qualitativamente, não há condições de superação epistemológica, fazendo com que
essa grande quantidade de conhecimentos mantenham os fundamentos estruturantes das ciências. São
os mesmos nos “últimos 30 ou 40 anos” (CHAUÍ, 2003, p.9).
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dos respectivos métodos, conduzindo a um empobrecimento teórico.
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Neste trabalho nos dispusemos a fazer uma reflexão sobre a formação do pesquisador no
âmbito da pós-graduação. Refletimos acerca das dimensões que envolvem a formação do pesquisador
no âmbito da pós-graduação em educação e abordamos as implicâncias da ausência da formação
filosófica do pesquisador na qualidade da produção discente, que envolve o rigor epistemológico,
ontológico e teórico-metodológico das investigações.
Destacamos a universidade pública e laica, concebida enquanto instituição social, como o
lugar de excelência para a formação do pesquisador, bem como o compromisso ético e político desse
conhecimento produzido nessa universidade, no âmbito da pós-graduação e em todo o ensino superior,
com a perspectiva de emancipação social. Tendo em vista, que a produção de conhecimento não é
neutra, antes se vincula a interesses contraditórios da sociedade capitalista de classe.
Nesse sentido, na pós-graduação como lugar institucional e prioritário de produção de
pesquisa, sob a luz de uma concepção crítica de conhecimento, de ensino e de aprendizagem, deveria
estar – assim como todos os espaços do ensino superior – de forma imprescindível, perpassada por este
espírito investigativo, tanto na postura como nas práticas de pesquisa. Pois só este espírito permite que a
formação se constitua de forma ampla, através da imersão no universo da teoria, do rigor dos conceitos
e dos métodos historicamente produzidos, da liberdade, da criação, da produção do novo e da ética.
Logo, a formação do pesquisador não pode se restringir a um processo de aprendizagem de
técnicas, mas deve permitir o cultivo do pensamento crítico, que proporcione a compreensão dos
pressupostos epistemológicos e ontológicos que são base, tanto para a construção do objeto, quanto da
escolha do método de investigação.
E por isso é tão necessária para a construção de todo o
instrumental teórico e metodológico que torne o pesquisador capaz de apreender seu objeto de
investigação garantindo o devido rigor científico, através da construção de um trabalho que não seja
fragmentado em partes que não se articulam. O que significa problematizar a temática pela contínua
interação com o conhecimento acumulado na área, para possibilitar a construção de uma proposta
provocadora de reflexão e pesquisa.
Referências Bibliográficas
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4. Considerações Finais
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ANDRÉ, Marly. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Revista Educação, Porto Alegre, v. 33, n.
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Disponível em
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_______________. A universidade pública sob nova perspectiva. Rev. Bras. Educ. 2003.
COÊLHO, Ildeu. Formação do educador: dever do Estado, tarefa da universidade. In: BICUDO, M.V.V; SILVA
JUNIOR, C.A. Formação do educador. São Paulo: UNESP, 1996.p.17-43.
GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó : Argos, 2014.
LIMA, Telma Cristiane Sasso de, MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos metodológicos na construção do
conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Rev. Katál. Florianópolis, v. 10, n. esp., p. 37-45, 2007.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 24 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.p 9 a
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SEVERINO, Antônio José. A pesquisa na pós-graduação em educação. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP:
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SOUZA. Ruth Catarina Cerqueira Ribeiro de; MAGALHÃES, Solange Martins Oliveira; GUIMARÃES. Método e
metodologia na pesquisa sobre professores (as). In: SOUZA. R.; M. (Orgs). Pesquisa sobre professores (as): métodos,
tipos de pesquisa, temas, ideário pedagógico e referenciais. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2014. 224 p.71-156, 2ª Edição.
19- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
CHAUI, Marilena. Ensinar, aprender, fazer filosofia. Revista do ICHL. Vol.2, N.1. jan/jun. 1982.
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GT 1 – Filosofia e Educação
Antoniel Souza Braga - IFITEG
Pedro Adalberto Gomes de Oliveira Neto – FE/UFG/IFITEG
Introdução
No ‘livro VII’ da obra República, de Platão, nos é apresentado a ‘Alegoria da Caverna’. Uma
linguagem alegórica que o ateniense utiliza para apresentar um diálogo entre Sócrates e Gláucon, texto
que nos permite vários vieses de análise e interpretação, aqui abordada pelo enfoque educacional. O
artigo a seguir se propõe enfrentar essa temática. Partindo desse pressuposto, abordaremos esse mito
em três aspectos: a descrição literal da caverna; o sentido filosófico dela e o papel do filósofo educador.
Literalmente a Alegoria apresenta homens numa caverna amarrados de tal maneira que não
podem se mexer e só podem olhar para o fundo da caverna. Havendo um muro e um fogo atrás deles,
só veem a sombra de objetos transportados pelos homens que o portam. Filosoficamente tal alegoria
nos remete ao sentido de que os homens com suas amarras representam o mundo sensível. Diante o
muro há essências e esse seria o mundo inteligível, mundo das ideias. Em meio a isso tudo entra o
filósofo que tem como tarefa – sendo educador – mostrar o caminho aos acomodados da caverna, para
que estes superem seu estado de ignorância e inércia, o que Platão realiza mediante as quatro ciências
expostas por ele no texto em questão: aritmética, geometria, astronomia e dialética.
De fato, Platão, em seu pensamento lida com os valores de unidade e multiplicidade como
aborda Paviani (2003, p. 8), quando afirma que Platão trabalha de um lado, “com o mundo perfeito e
inteligível das ideias ou formas imutáveis e objetivas da verdade como modelo” e, de outro lado “com o
mundo da realidade decadente e imperfeita dos Estados, dos governos, dos indivíduos conduzidos por
ambições pessoais”.
Assim, por meio dessas explanações será possível vislumbrar que a educação, por meio do
filósofo, tem o papel de tirar o homem do seu estado de alienação e sendo libertos das amarras do
mundo aparente, consigam contemplar o Bem Supremo, a verdade.
1. Descrição literal da caverna
20- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
UMA ANÁLISE DA ALEGORIA DA CAVERNA DE PLATÃO PELO VIÉS DA EDUCAÇÃO
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A Alegoria da caverna nos mostra em sentido literal homens dentro de uma caverna
de olhar para trás. Pois atrás havia um relevo, como sendo um muro, e depois um fogo.
Atrás desse muro passavam pessoas com objetos diversos. Algumas conversavam, outras
não. A imagem deles e dos objetos eram refletidas pelo fogo de tal modo que eles conseguiam ver a
sombra, pois era mais alta que o muro. Ouvindo as conversas, os acorrentados pensavam que eram das
sombras. Isso pode ser averiguado no diálogo entre Sócrates e Gláucon no livro VII da República de
Platão (1949, p. 317):
suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada
aberta para a luz, que se estende a todo comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a
infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no
mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilões; servelhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a
fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um
pequeno muro, no género dos tapumes que os homens dos <<robertos>> colocaram diante
do público para mostrarem suas habilidades por cima deles.
– Estou a ver – disse ele.
– Visiona também ao longo desse muro, homens que transportam toda a espécie de objetos,
que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de toda a espécie
de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam, outros seguem calados.
No decorrer do diálogo, Platão nos traz uma suposição de que se as pessoas fossem
libertadas de suas amarras, virassem o pescoço e caminhassem rumo à luz, sentiriam dores intensas,
visão ofuscada e assim não seriam capazes de perceber os objetos que viram antes. Se continuassem a
subir seriam tomados de perplexidade pois as sombras seriam mais verdadeiras que os objetos vistos. E
chegado à luz do sol (a realidade) não conseguiriam ver direito pelo excesso de luz, pois seria necessário
que fossem devagar, passo a passo, para se acostumarem com a luz. Então veriam os objetos refletidos
na água, depois os próprios objetos, veriam o céu escuro, as estrelas e por fim o sol.
Vendo-o, tirariam conclusões que ele governa o mundo e as coisas visíveis que são, sendo
verdade, então, tudo o que eles viam (as sombras das coisas) de dentro da caverna. Logo, se sentiriam
felizes por estarem livres da caverna, por conhecerem como realmente as coisas são (a verdade).
Contudo, se eles voltassem a caverna para tentar levar o outros ao mesmo caminho, seriam tratados
com ridículos pois não enxergariam bem nas trevas, por já estarem acostumados à luz. Os outros então
pensariam lá fora como algo ruim e não entenderiam o que de fato seria a luz. Logo tentariam matá-los
e permaneceriam nas trevas, na escuridão da caverna.
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amarrados pelas pernas, braços e pescoço desde o nascimento. Essas amaras os impediam de se mover e
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Vê-se, na descrição, que a atitude dos prisioneiros é de total despreocupação. Que pode ser
contemplação das sombras, que, por sua vez, para aquele que as contempla, constituem a totalidade da
realidade e, portanto, a verdade. O homem nasce nessa situação de caverna, portanto de ignorância”.
Platão utilizou esse mito para abordar a problemática da educação na polis grega, e assim
tentar recuperá-la. Tal descrição é feita por ele, utilizando o diálogo entre Sócrates e Gláucon, a fim de
que este último pudesse melhor abstrair a discussão. Nesse sentido Teixeira (1999, p. 62), afirma que “o
objetivo do mito é tratar a respeito da possibilidade de o homem conhecer as coisas na sua
transparência e, portanto, da possibilidade de se chegar à verdade”. Dessa maneira ele elucida que a
Paidéia tem o foco a partir do ponto de vista do homem e que por meio da educação é possível
transformar e apurar sua alma, em vista da contemplação do Bem Supremo, visto que a busca da visão
do bem é o fim da existência humana. Contudo o próprio Teixeira aponta que só se pode atingi-la por
meio de uma educação adequada e assim os homens poderiam atingir uma visão fundamental e decisiva.
Além do objetivo que o mito apresenta - como foi citado acima -, há um outro desígnio que
é apontado por Paviani (2003, p. 16), que é “o projeto de uma reforma educacional” que para a época
de Platão era necessário.
2. Sentido filosófico da alegoria da caverna
Pode-se entender a Alegoria da caverna em sentido filosófico, da seguinte maneira: os
homens em suas amarras seriam os corpos. Sendo eles animal, vegetal mineral e homem. Esses corpos
representam as sombras, o mundo sensível. Diante o muro há essências que chamamos de ideias
mineral, vegetal, animal e o homem. Esse seria o mundo inteligível, mundo das ideias. Atrás dos
homens estaria o fogo, iluminado pela luz (sol), que alimenta as essências. Esse sol seria a verdade.
Quem oferece uma outra explicação é Sandrini (2011, p. 124), quando afirma sobre a caverna:
as sombras da caverna simbolizam as aparências sensíveis das coisas, as estátuas são as próprias
coisas sensíveis, o muro representa a linha divisória entre as coisas sensíveis e as
suprassensíveis, as coisas verdadeiras situadas do outro lado do muro são representações
simbólicas do ser verdadeiro e das ideias e o sol simboliza a ideia do Bem.
Dessa maneira, Sandrini (2011, p. 124), expõe no mesmo livro que tal mito também
simboliza o aspecto ascético, místico e teológico do platonismo:
a vida na dimensão dos sentidos e do sensível é a vida na caverna, assim como a vida na pureza
e plenitude da luz é avida na dimensão do espírito. O voltar-se do sensível para o inteligível é
22- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
averiguada em Teixeira (1999, p. 63), ele explica que tais prisioneiros “estão totalmente absortos na
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expressamente representado com a ‘libertação das algemas’, como con-versão, enquanto a visão
suprema do sol e da luz em si mesma é a vida do Bem e a contemplação do Divino.
antes de tudo, o mito da caverna traduz os diversos graus em que ontologicamente se divide a
realidade, isto é, os gêneros do ser sensível e supra-sensível com suas subdivisões: as sombras
da caverna simbolizam as aparências sensíveis das coisas; as estátuas, as próprias coisas
sensíveis; o muro representa a linha divisória entre as coisas sensíveis e as supra-sensíveis; as
coisas verdadeiras situadas do outro lado do muro são representações simbólicas do ser
verdadeiro e das Ideais, e o sol simboliza a Ideia do Bem.
E outra teórica de Platão, Chauí (1994, pág. 195), constata que a caverna:
é o mundo sensível onde vivemos. A réstia de luz que projeta as sombras na parede é um
reflexo da luz verdadeira (as idéias) sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As sombras
são as coisas sensíveis que tomamos pelas verdadeiras. Os grilhões são nossos preconceitos,
nossa confiança em nossos sentidos e opiniões. O instrumento que quebra os grilhões e faz a
escalada do muro é a dialética. O prisioneiro curioso que escapa é o filósofo. A luz que ele vê é
a luz plena do Ser, isto é, o Bem, que ilumina o mundo inteligível como o Sol ilumina o mundo
sensível.
3. Papel do filósofo educador
Esse é o papel do filósofo: educar. Educar é iniciar as pessoas no caminho do
conhecimento; ensiná-las a soltar suas amarras, a ter possibilidade de mudarem seus olhares. Contudo, a
pessoa é quem tem condições de conversão como apresenta Teixeira (1999, p. 67) quando afirma:
é dever primário do filósofo libertar o homem do mundo das aparências e das imagens e
conduzi-lo à visão do verdadeiro ser. Isso implica superar as concepções ilusórias da realidade, a
fim de vislumbrar o verdadeiro mundo real, que é somente o das Idéias. Educar consiste em
ajudar o educando a ascender sempre para o alto, afim de poder contemplar o mundo superior.
A ascensão da caverna simboliza a caminhada da alma em direção ao mundo inteligível; é,
portanto, uma libertação.
Então a saída da caverna é um instruir-se, um perfazer-se. Logo a educação não é somente
superação, mas também a alocação do encarcerado frente à sua própria verdade. Podemos averiguar
também que essa saída do mundo das sobras rumo ao inteligível é uma conversão, uma mudança de
vida, uma mudança de mentalidade A educação como conversão, aqui, não é simplesmente um esforço
mínguo, mas um abissal empenho que pode trazer crises, dúvidas e desafios. Côelho (2001, p. 48),
mostra que “o objetivo da filosofia platônica é de certo modo a ‘conversão da alma’, (periagogé), a
conversão dos que contemplam a multiplicidade das coisas belas, sem verem a beleza em si”. Dessa
maneira ele continua afirmando que assim o homem deixará de ser amigo da opinião para se tornar
amigo da sabedoria. Essa mudança de mentalidade requer, por vezes, longos anos de esforço e muita
perseverança. É um processo vagaroso e paulatino.
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Também, Reale e Antiseri (2003, p. 164), definem o mito como:
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Esse processo educativo começa no interior da caverna. Ao ver o reflexo das imagens o
sair da caverna será portanto, um imperativo inevitável. Não é um processo fácil. Tanto a
experiência dentro da caverna quanto a saída dela, implica perdas momento de dúvidas,
incertezas, sacrifícios. Não nos esqueçamos de que, em ambas as circunstâncias, as libertações
dos grilhões bem como a saída da caverna não se dão de modo natural e pacífico. O homem é
como que forçado, empurrado, arrastado sempre mais para cima.
Destarte o filósofo, abordado por Platão (1949) como educador, como amigo do saber,
sendo o que contempla as coisas em si, tem a missão de criar ocasiões que possibilitem o conhecimento
e a superação do educando. Ele não faz acontecer, mas propicia a ascese do discípulo e assim inicia-o no
caminho do conhecimento pela música (alma) e ginástica (corpo), para assim educar bem os jovens, para
se ter um estado/nação melhor. E como fazer?
Por meio das ciências matemáticas e sobretudo a dialética. Coêlho (2001, p.48), expõe que
“as ciências matemáticas são uma preparação (propaidéia) para se chegar à verdadeira paidéia”. Seu
verdadeiro valor é a contribuição para a formação humana, visto que é um longo processo de
conversão.
Marrou (1904, p. 123), elenca também tais ciências expondo que “as matemáticas são o
principal instrumento da ‘conversão’ da alma, desta correção interior pela qual ela desperta à plena luz e
se torna capaz de contemplar não mais ‘as sombras dos objetos reais, mas ‘a própria realidade”. Na
sequência ele afirma que “para obter-se tal benefício, urge orientar o estudo de maneira que elas levem o
espírito a libertar-se do sensível, a conceber e a pensar o Inteligível, única realidade verdadeira, única
realidade absoluta”.
Destarte, se educa pelas matemáticas, sendo elas: a aritmética: que lida com a quantidade.
Parte-se do corpo, do imediato, do mundano; a geometria: que é a ciência do bem, da alma (anima), da
essência das coisas e é uma ciência indizível; depois a astronomia: alma em profundidade. Ela permite
olhar para o Ser, a verdade, o invisível, o Bem-em-si-mesmo. O conhecimento nada tem a ver com o
mundo sensível, e sim com a alma, com o mundo inteligível. Assim sendo, vê-se que Platão confia às
matemáticas um papel propedêutico. Marrou (1904, p. 124) afirma: “elas devem, não mobiliar a
memória com conhecimento úteis, mas formar uma ‘teste bien faicte’, ou seja, um espírito capaz de
receber a verdade inteligível”.
E por fim, se educa pela dialética: essa se situa entre o mundo sensível e o inteligível, entre
o corpo e a alma. Paviani (2003, p. 46) garante que “a dialética é a verdadeira ciência, estando acima do
24- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
cativo, sente-se impulsionado a buscar a luz do sol. Teixeira (1999, p. 65), certifica dessa maneira:
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entendimento da matemática e acima das crenças e das imagens”. O discurso dialético não significa
coisas e aprecia a natureza do bem. O propósito é acordar as essências que se encontram, inatas, dentro
dos homens. Assim, para a filosofia de Platão, a dialética aparece como método de síntese dos métodos
da aritmética, geometria e astronomia e é definida como método mais eficaz de aproximação entre o
mundo sensível e o inteligível. Tal dialética é aludida pela Chauí (1994, p. 1996), quando explana que:
o mito da caverna apresenta a dialética como movimento ascendente de libertação do nosso
olhar que nos liberta da cegueira para vermos a luz das idéias. Mas descreve também o retorno
do prisioneiro para ensinar aos que permaneceram na caverna como sair dela. Há, assim, dois
movimentos: o de ascensão (a dialética ascendente), que vai da imagem à crença ou opinião,
desta para a matemática e desta para a intuição intelectual e a ciência; e o do descenso (a
dialética descendente), que consiste em praticar com outros o trabalho para subir até a essência
e a idéia. Aquele que contemplou as idéias no mundo inteligível desce aos que ainda não as
contemplaram para ensinar-lhes o caminho.
Uma outra teórica de Platão é Russ (2015, p.18), que também explica a dialética platônica e
seus procedimentos:
a dialética platônica define-se como um esforço e um procedimento para se elevar – atingindoa, progressivamente – até a Ideia. (...) A saída da caverna é o procedimento dialético. Assim,
cada um deverá purificar sua mente até que seja capaz de ver as Ideias e o bem, o Divino que
coloca em ordem o universo e lhe confere sentido; nessas condições, a dialética significa
mutação mental da existência inteira, projetando-se em direção às Essências e ao Inteligível.
Para levar uma pessoa das trevas à luz é necessário que se inicie a caminhada devagar,
lentamente, para que assim ela se acostume com a luz e mude de olhar. Mudando de olhar – saindo da
simplicidade do mundo imediato –, e indo para verdade, há a necessidade de voltar a caverna e tentar
mudar também o olhar daquelas pessoas que ficaram no mundo sensível. Reale e Antiseri (2003, p. 164)
alegam que:
tal ‘retorno’ representa certamente o retorno do filósofo-político, o qual, se atendesse apenas às
solicitações de seu desejo, permaneceria atento à contemplação do verdadeiro. Superando,
porém, seu desejo, desce à caverna na tentativa de salvar os outros (o verdadeiro político,
segundo Platão, não ama o comando e o poder, mas usa do comando e o poder como serviço,
para o bem).
Chauí (1994, p. 195) assegura que esse retorno à caverna é o diálogo filosófico, no qual
convida os outros a saírem dessa escuridão. Esse diálogo filosófico tem o intento de mostrar que as
pessoas devem buscar a si mesmas. Nessa dialética o filósofo inicia as pessoas no caminho do
conhecimento, ou seja, educa. Mudado o olhar deve-se ensinar o outro olhar. O cuidado é de fazer com
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especificamente diálogo entre pessoas, e sim diálogo consigo mesmo. O dialético abstrai a essência das
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que as pessoas queiram soltar suas amarras; depois motivá-las a mudança de visão; e em seguida
Porém, às vezes, nem todos querem soltar suas amarras e contemplar a verdade. Teixeira
(1999, p. 67), assevera assim:
aqueles que querem permanecer na caverna, que não aceitam a ajuda daquele que já fez a
caminhada de libertação, pois teve a coragem de transcender o mundo das sombras e
comtemplar a luz do sol, não conhecem a realidade, não conhecem a si próprios, portanto são
incapazes de se abrirem a uma outra realidade que liberta. A verdade que possuem sobre as
coisas e sobre si mesmos é uma ‘verdade de erro’ e, portanto, uma não-verdade. São alienados,
vivem fora de si mesmos, contentam-se com as aparências, mesmo que estas exijam um preço
altíssimo. Gastam suas energias ‘hipotecando’ a própria existência. Tal é o dilema da sensatez
insensata.
Havendo pessoas que não queiram se libertar, o filósofo faz sua parte, e auxilia os que
querem se livrar da escuridão, educando-os para a busca do verdadeiro. Em si a vida do filósofo é um
risco, pois deverá voltar à escuridão do mundo sensível para ajudar o que ali permanecem. Esse risco o
filósofo viverá e saberá passar, pois é isso que dá sentido à sua existência.
Conclusão
Portanto, a Alegoria da caverna, nos apresenta os graus de realidade e de conhecimento, a
diferença entre o mundo visível e o invisível. Paviani (2003, p. 48), esclarece que:
o mundo visível é o do conhecimento opinativo, fundando-se nas crenças e nas imagens das
coisas. O mundo invisível compõe-se dos objetos matemáticos e das essências das coisas, das
idéias e do princípio do bem. Há uma hierarquia entre os objetos matemáticos, as idéias e o
bem. Em decorrência, raciocinar matematicamente não é a mesma coisa que alcançar
intuitivamente as essências e o princípio do bem.
De fato, a educação apresentada na Alegoria da Caverna, consiste em tirar o homem em seu
estado de alienação. “Construir no homem o verdadeiro e autêntico homem exige constante e
incansável dedicação”, é o que aponta Teixeira (1999, p. 66). E o filósofo é o responsável por isso, é o
que propicia essa conversão, essa mudança de olhar. Educado e com condições de liberdade, o homem
trilha seus caminhos e assim como o educador o ajudou, este deve ajudar os outros que vivem na
ignorância, para que assim se iniciem no caminho do conhecimento.
A Alegoria da caverna é sumamente atual, pois em tempos hodiernos, é latente a
abundância de pessoas que são pouco instruídas, que não foram iniciadas no caminho do conhecimento,
e por isso são ludibriadas e permanecem na ignorância, no mundo das coisas, na superfície.
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prepará-las para o novo.
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O mundo educado, que Platão desejava para seu estado, era o mundo no qual as pessoas
governantes, e esses seriam os filósofos. Sendo educados, os filósofos, ajudariam os outros a chegarem
em tal condição. E dessa maneira o estado viveria em plena harmonia, livre, sem trevas e ignorância.
Contudo, é necessário que, mesmo depois de libertos das amarras, os que foram instruídos
não caiam novamente no mundo da ignorância e passem a viver alienados por tantas coisas que se
dizem libertadoras, mas que no fundo são veladamente coercitivas. Atentos à essas realidades ilusórias o
homem pode viver livre e, assim, fazer com que os outros também alcancem a liberdade e nela
contemplem a verdade. De fato, ser educador hoje, é mostrar o caminho do conhecimento aos outros.
Significa ter um compromisso com a superação do mundo, no sentido de se chegar à perfeição,
tornando todos os homens e mulheres mais humanos e como consequência tornar mais humana toda a
sociedade.
Referências Bibliográficas:
CHAUÍ, Marilena de Souza. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume 1. 2 ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
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Campinas, SP: Alínea, 2001.
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Pedagógica: Universitária, 1975.
PAVIANI, Jaime. Platão e a república. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
PLATÃO. A República. 8. ed. Tradução, Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1949.
RUSS, Jacqueline. Filosofia: os autores, as obras. Tradução, Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2015.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga, v.1. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo:
Paulus, 2003.
SANDRINI, Marcos. As origens gregas da filosofia. Petrópolis: Vozes, 2011.
TEIXEIRA, Evilázio Francisco Borges. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999.
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fossem livres e esclarecidas. Para isso ele lutou, propondo um modelo educacional que formasse os
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GT 1 – Filosofia e Educação
Adão José Peixoto – FE/UFG
RESUMO
Emmanuel Mounier elaborou a filosofia personalista como reação ao contexto negador da dignidade humana do período
da Segunda Guerra Mundial, que transformou sobretudo a Europa, palco dessa guerra, num ambiente de barbárie, de
pessimismo e de banalização da vida humana. A Segunda Guerra Mundial foi a consequência de uma civilização que
começou a ser gestada no renascimento, que formou o homem como indivíduo, ser egocêntrico, individualista,
insensível com os dramas do outro. A partir daí se construiu a civilização burguesa, cujos valores básicos são o
individualismo, o consumismo e a indiferença, provocando uma profunda crise. Para Mounier, essa crise é uma crise de
civilização. Mounier percebe a necessidade de contribuir para formar um novo homem, não o homem como indivíduo,
mas como pessoa, e uma nova sociedade que tenha como referência a solidariedade. Nesse sentido, a filosofia é
entendida por Mounier sobretudo como o despertar, assumindo a dimensão de um apelo para nos engajarmos nas ações
que contribuam para a construção de uma sociedade mais justa e humana. Mounier foi um dos poucos filósofos que
conseguiram apreender a necessidade de transformar a filosofia num instrumento de compreensão da existência humana
como existência historicamente situada. Paul Ricouer afirma na obra História e verdade, que a grande contribuição de
Mounier foi ter “vinculado originariamente sua maneira de filosofar ao afloramento ao nível da consciência de uma crise
de civilização e de ter tido a ousadia de visar, para além de qualquer escola filosófica, uma civilização em sua
totalidade”. Ao lançar as diretrizes básicas da filosofia personalista, Mounier colocar a pessoa como núcleo central de
suas preocupações. A pessoa passa a ser o centro orientador da reflexão e da ação do movimento Esprit. Com essa
orientação, é possível apreender aí uma antropologia filosófica que procura compreender o homem como pessoa.
Entretanto, essa dimensão antropológica não visa apenas a uma teorização do universo pessoal. Em Revolución
personalista y comunitaria, Mounier apresenta a seguinte questão: O que é a pessoa? Ao responder a esta questão, ele
começa dizendo o que não é a pessoa: não é indivíduo, pois este é egocêntrico, avaro e singular; não é consciência que
alguém tem de si mesmo, já que cada homem cria várias representações de si. A pessoa é um absoluto. Isso significa que
a pessoa vale por si mesma. Ela é dotada de dignidade intrínseca (a dignidade humana). A pessoa nunca poderá ser um
meio, terá que ser sempre um fim. O absoluto é aqui entendido como referência de toda a ação humana. A dignidade da
pessoa deve ser a referência de toda a ação humana, seja ela econômica, política, educacional, científica, cultural. A
pessoa, na visão personalista, é um ser integral, ser dotado de corpo e alma, desejos, liberdade, responsabilidade,
transcendência. Como tal, é capaz de conhecer, de decidir, de responsabilizar-se. Entretanto, essas capacidades não são
dadas, são construídas nas relações que o homem mantém consigo mesmo, com os outros, com Deus, com o meio
natural e social. Para isso, o homem precisa estar aberto para tais relações. Mounier define como estruturas do universo
pessoal a existência, a natureza, a comunicação, o recolhimento, o afrontamento, a liberdade, a transcendência e o
engajamento. O pensamento de Mounier continua atual. Continua sendo uma importante contribuição para pensarmos as
condições negadoras da dignidade humana na atualidade.
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A ATUALIDADE DO PERSONALISMO DE EMMANUEL MOUNIER
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GT 1 – Filosofia e Educação
Beatriz Gontijo de Jesus - PPGE–FE/UFG
Introdução
Com base em uma perspectiva contra hegemônica, neste trabalho tem-se como objetivo
analisar e compreender a universidade pública, bem como as concepções de formação e
profissionalização docente, refletindo a respeito da relevância da filosofia para a formação integral e
ressaltando os aspectos históricos, sociais e políticos, por meio de uma pesquisa bibliográfica.
A investigação tem por base estudos realizados no curso de Mestrado em Educação do
programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Educação (FE) da Universidade
Federal de Goiás (UFG) na disciplina “Formação e profissionalização de professores (as):
epistemologias, pesquisas e perspectivas críticas” da linha de pesquisa “Formação, profissionalização
docente e trabalho educativo”, como também os estudos e debates concretizados na Rede de
pesquisadores sobre professores (as) do Centro-Oeste/Brasil (Redecentro) , em que se pode explicar
que os pesquisadores desta Rede analisam dissertações e teses dos Programas de Pós-Graduação em
Educação do Centro-Oeste construídas sobre os diversos aspectos ligados aos professores (as) no
período de 1999 a 2009.
No que se refere ao método é relevante explicitar que neste estudo assumimos a
fundamentação do materialismo histórico dialético (MHD), em que de acordo com Souza e Magalhães
(2013), diz respeito à compreensão de homem como sujeito ativo que tem a possibilidade de
transformar a realidade em que a contradição e predominante, relacionando “ao entendimento do
objeto como produto de um processo de transformação permanente de sua totalidade histórica,
viabilizando a construção do conhecimento como um todo novo” (p. 162 e 163). Isto é, nesta
concepção existe a compreensão dos determinantes sociais, históricos e culturais da condição humana,
em que o processo de desenvolvimento humano se dá pela interação social e cultural entre os sujeitos e
o seu contexto sócio-histórico-cultural.
Universidade pública: constituição e dias atuais
29- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
UNIVERSIDADE PÚBLICA, FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE: UM
PENSAR SOBRE A FILOSOFIA
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Com base na compreensão de Brzezinski (2008) de que a formação inicial do docente
sido compreendida atualmente. Desta forma, de acordo com Chauí (2003) se pode expor que
originalmente desde sua criação a universidade pública se configurou como uma instituição social,
demonstrando de modo determinado a estrutura e a maneira como a sociedade funciona. Isto é, para a
autora, quando se fala na universidade como instituição social, significa que a universidade está inserida
social e politicamente, buscando responder às questões apresentadas pela sociedade.
Porém, Chauí (2003 e 2014) expõe a passagem da universidade como instituição social
para organização social no Brasil, em que com a reforma do Estado, sobretudo, nos últimos anos da
década de 90, e em especial no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a universidade
pública busca eficiência e eficácia no modelo empresarial tendo unicamente a si própria como referência
na competição com outras organizações com as mesmas finalidades, uma vez que seu objetivo se
configura basicamente em vencer tais competições no mercado com seus supostos iguais. Em outras
palavras, a universidade como organização social, se estrutura tanto por estratégias quanto por
programas organizacionais, em que é
[...] definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à
formação intelectual, está pulverizada em micro organizações que ocupam seus docentes e
curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual. (CHAUÍ, 2014, p. 5).
Como o que é ressaltado por Coêlho (2006, p. 44) de que principalmente desde os anos
1990, a universidade tem se configurado com a finalidade de construir conhecimentos encomendados,
“saberes práticos, atividades que respondem a objetivos imediatos do Estado, das empresas e de
grupos”, deixando, por exemplo em um segundo plano o ensino e a pesquisa, que nos diversos aspetos
do saber da expressão humana, não objetivam o utilitário e prático.
O que se relaciona a consideração de Sguissardi (2006, p. 128), de que “uma universidade
organizada e gerida nos moldes empresariais, trabalhando com uma semi-mercadoria no quase-mercado
educacional”, cada momento mais se encontra nos discursos e nas práticas das políticas públicas sobre a
educação superior. Isto porque, de acordo com Chauí (2003), a universidade como organização social
julga que seu sucesso provém unicamente de sua particularidade.
Concepções de formação e profissionalização docente: refletindo a respeito da
necessidade de uma formação filosófica não deficitária
30- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
deve ocorrer na universidade pública, torna-se relevante compreender sua constituição, bem como tem
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Após expor alguns pontos a respeito do processo de constituição da universidade até as
(2013, p. 2) com base em Melo (2004), discorre que a formação docente com a mundialização da
educação baseada nas relações capitalistas se constituiu como temática importante no neoliberalismo de
Terceira Via.
Os professores se inserem nesse projeto para aumentar a produtividade do trabalho cada
vez mais racionalizado e, concomitantemente, viabilizar a consolidação do novo padrão de sociabilidade
neoliberal no âmbito escolar. No Brasil de hoje, no projeto político da burguesia, a formação/atuação
desses docentes responde majoritariamente a essa dupla determinação.
Desta forma, refletindo sobre a formação docente para o mercado capitalista, se pode
expor que ela tem por base a perspectiva positivista, em que de acordo com Souza (2014a), se pode
apresentar uma crítica, uma vez que tal concepção tem influenciado a divisão do pensamento em partes,
em que a educação constrói
[...] padrões de comportamento pré estabelecidos, com base em um sistema de referências que
nos ensina a não questionar, a não expressar o pensamento divergente, a aceitar passivamente a
autoridade, a busca de certeza sobre as coisas (SOUZA, 2014a, p. 227).
Existindo-se também, de acordo com a autora, a eliminação do pensador do se pensar,
configurando em uma ciência repleta de verdades em que não considera as relações em nossa sociedade,
por exemplo, entre cultura e conhecimento. Construindo, assim, uma formação fragmentada, em que a
memorização se constitui como a função mais relevante.
Souza et al. (2014b, p. 53) ao analisarem teses e dissertações dos programas de PósGraduação do Centro/Oeste do Brasil apresentam ainda com base em Gamboa (2007, p. 95) que
devido a uma formação filosófica deficitária causada pelo aligeiramento da formação, constitui-se
dificuldades na compreensão de conteúdos ligados com a “teoria do conhecimento, os processos
científicos e os fundamentos epistemológicos da pesquisa”, tendo por consequência o impedimento de
debates amplos a respeito das várias correntes de pensamento encontradas na epistemologia moderna.
De acordo com Nunes et al. (2012, p. 3-4), desta forma, pode-se entender “a filosofia
como fundamentação teórica e crítica que se ocupa com as causas e condições do conhecimento que
pretende ser racional e verdadeiro”, pois para a filosofia não devemos ter certezas e sim questionar tudo
o que é apresentado como natural, acabado e certo. Isto porque,
31- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
suas contradições atuais, enquanto local da formação docente, torna-se importante explicitar que Neves
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A filosofia como uma forma de compreender as relações estabelecidas no mundo, pode
constituindo uma fundamentação teórica alimentada pela realidade concreta, que impede o indivíduo de
manter na estagnação e não se conformar com o poder instituído pelas classes dominantes (NUNES et
al., 2012, p. 8).
Em outras palavras, para os autores com base na filosofia os indivíduos poderão
entender que não devem estar desconectados das decisões políticas que são tomadas na sociedade, uma
vez que uma das funções da filosofia consiste em apresentar as pessoas que elas são consistem em
agentes construtores da realidade.
Assim, no que se refere à formação para a emancipação, com Brzezinski (2008, p. 1141)
se compreender como um processo definido pela “complexidade do conhecimento, pela crítica, pela
reflexão-ação, pela criatividade, pelo reconhecimento da identidade cultural dos envolvidos nos
processos formativos e pelas relações estabelecidas na mediação entre formadores e aprendentes”,
consistindo assim em uma prática pedagógica, entendida enquanto práxis ao não dissociar teoria e
prática.
Em consonância a este pensamento, ao discorrer sobre o processo de formação docente,
Souza (2014b, p. 82) utiliza-se da perspectiva de Bildung que “enquanto movimento formador tem
como núcleo fornecer bases para que os sujeitos desenvolvam autonomia e possam criar e transformar
realidades individuais e coletivas”. Para a autora em tal compreensão se apresenta que a formação
necessita de auto compreensão tanto dos discentes quanto dos docentes como necessário “para
desenvolverem suas consciências cognitivas e valorativas, a fim de que possam compreender o caráter
histórico-social, práxico e de poiésis – do sensível – da educação” (Idem, p. 83). Constituindo assim,
uma formação docente integral que leva em consideração os aspectos intelectuais, subjetivos, políticos,
sociais e culturais, em que se constituía a desalienação e a humanização de forma consciente e crítica
sobre a realidade, com a finalidade de que se possa agir para modificá-la.
Chauí (2003) destaca também que a palavra formação demonstra uma relação com o
tempo, pois apresenta o passado da cultura como também desperta para os aspectos que tal passado se
desdobra para o presente. Havendo formação quando existe obra de pensamento que expõe quando o
presente é compreendido como algo que pede interrogação, reflexão e crítica, de um modo que
podemos chegar ao plano do conceito do que foi trabalhado.
32- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
propiciar uma reflexão profunda das problemáticas existentes no contexto social, político e econômico,
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Compreendendo-se, portanto, segundo Coêlho (1996, p. 35) citado por Brzezinski (2008,
referendada, tem por finalidade “[...] desenvolver no indivíduo a capacidade de [...] entender e
transformar o real, fazer a história, realizar a transcendente aspiração do homem para a liberdade, para a
contemplação do verdadeiro, do belo, do justo.”
No que se refere a profissionalização, assumimos o posicionamento de Guimarães (2009,
p. 23) de trabalhar em “favor de uma profissionalização que contemple a especificidade da profissão
docente”. Isto porque, como indissociável da formação, neste trabalho segundo Magalhães (2014), se
pode expor que a profissionalização refere-se a procura pela valorização dos professores.
Até mesmo porque, por se referir ao processo de constituição do docente, de acordo
com Guimarães (2006, p. 132) citado por Bites (2012, p. 50) a profissionalização diz respeito à
constituição de um estatuto profissional do docente
Estatuto profissional, nesse contexto, não significa somente “regulamento ou conjunto
de regras de uma organização e funcionamento de uma coletividade” (Houaiss 2001), mas a condição de
um segmento profissional na sociedade. Estatuto profissional do professor, como entendido aqui,
refere-se principalmente: ao estabelecimento de contornos para a formação (inicial e continuada); à
constituição de condições de trabalho (além das condições materiais, também apoio pedagógico,
relações democráticas); à garantia de remuneração condizente; à jornada de trabalho (que leve em
consideração o desgaste físico e psicológico inerente a essa profissão); e, por último, ao vínculo desses
trabalhadores com instituições sindicais e associativas.
Isto é, segundo Guimarães (2009) referido por Magalhães (2014, p. 121) a
profissionalização abarca a situação da categoria profissional na sociedade a respeito dos “aspectos
externos da profissão – formação, salário, regras para a organização da categoria, status, relações com
sindicatos e com as instituições contratantes -, como também dos aspectos internos – desgastes físicos e
psicológicos”. Desta maneira, é possível perceber que a temática profissionalização docente envolve
vários pontos, pois está relacionada as questões da docência como profissão como, por exemplo, aos “limites, equívocos, possibilidades, e constituição da entidade e estatuto de ética -, a proletarização –
perda de controle da totalidade do seu trabalho, questões de jornada, condições e divisão do trabalho,
remuneração -, as relações de trabalho, a autonomia [...]” (GUIMARÃES, 2009, p. 21).
33- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
p. 1142) que a formação docente constituída na universidade pública de qualidade socialmente
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Souza e Magalhães (2016, p. 3) ainda discorrem que o debate a respeito da
tem
apresentado
vários
estudos
relacionado,
tais
como
“desenvolvimento
profissional,
profissionalização, profissionalismo, profissionalidade docente e identidade profissional”, conceitos
estes que em alguns pontos se aproximam e em outros não. Porém, as autoras ressaltam que “sem
querer traduzir as formas com as quais tais argumentos se revestem, o que importa é compreender que a
profissionalização docente atualmente preconizada, visa gerar um novo perfil docente, em concordância
com as leis capitalistas que regem o mercado” (Idem).
Tal compreensão, de acordo com Evangelista e Shiroma (2008) citado por Souza e
Magalhães (2016, p. 03), recebeu o nome de retórica da profissionalização, conceito que teve destaque
“com as publicações da Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), e Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), ao longo dos anos de 1990” e que
ressaltam as políticas públicas voltadas para a formação docente que objetivava o desenvolvimento de
algumas competências, dando abrangência a escassa atenção dos governos no que se refere “à seleção,
preparação e situação social dos professores” (Idem), com um discurso ideológico.
Contudo, se contrapondo a formação e a profissionalização docente voltados para o
capitalismo, Freire (2000) destaca que é altamente relevante formar educadores que tenham consciência
da não existência de neutralidade na educação, além de que “se a educação sozinha não transforma a
sociedade, sem ela, tampouco a sociedade muda” (p. 31), o que acarreta que “a responsabilidade ética,
política e profissional do ensinante lhe colocam o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar
antes mesmo de iniciar sua atividade docente” (FREIRE, 1997, p. 19).
Considerações finais
Com a investigação objetivou-se colaborar com o conhecimento sistematizado sobre os
temas universidade pública, formação e profissionalização docente, como também refletir a respeito dos
seus aspectos sociais, históricos e políticos. Desta maneira, alicerçando-se em uma perspectiva contra
hegemônica com o método materialismo histórico dialético (MHD) assume-se a consideração de que a
universidade pública deve ser compreendida como o local da formação docente inicial, para além das
contradições que se apresentam atualmente entre as concepções de formação e profissionalização para a
emancipação versus para o capitalismo.
34- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
profissionalização docente, principalmente no que se refere a produção acadêmica sobre professores,
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Neste trabalho luta-se, portanto, em oposição a uma formação aligeirada e voltada ao
interesses do neoliberalismo , pois considera-se necessário a construção de uma formação de qualidade,
não de acordo com o mercado, mas uma qualidade socialmente referendada, como um direito de todos,
isto é, uma formação docente integral para a humanização, desalienação e emancipação, em que
consequentemente exista a formação filosófica não deficiente para que se tenha consciência da
relevância de questionar tudo e de que não existe conhecimento pronto e acabado.
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______________. A relação dialética entre profissionalização, identidade e a sindicalização docentes: uma década de análise
da produção acadêmica sobre professores - região centro-oeste/Brasil. Revista Educação e Sociedade. Prelo. 2016.
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mercado de trabalho, em que juntamente com a profissionalização docente apenas buscam responder os
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SOUZA, Ruth Catarina Cerqueira Ribeiro de; MAGALHÃES, Solange Martins Oliveira; GUIMARÃES, Valter Soares (in
memoriam). Método e Metodologia na Pesquisa sobre Professores(as). In: SOUZA, Ruth Catarina Cerqueira Ribeiro de;
MAGALHÃES, Solange Martins Oliveira (org.). Pesquisas sobre Professores (as) – métodos, tipos de pesquisas, temas,
ideário pedagógico e referências. 2ª ed. Goiânia: Gráfica e Editora América Ltda., 2014.
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GT 1 - Filosofia e Educação
Carlos Cardoso Silva - FE - UFG
Todos nós possuímos a razão, ou seja, essa capacidade de bem
julgar e de discernir o verdadeiro do falso. Nem todos os homens,
porém, utilizam corretamente sua razão. René Descartes
Introdução
O presente texto discute a influência do racionalismo na pesquisa em educação, assumindo
como eixo principal a visão de René Descartes a partir do texto Discurso sobre o Método. Nesse
contexto, procura-se abordar as articulações entre o racionalismo e a educação. Primeiramente, tentarse-á compreender a concepção racionalista e, depois, trabalhar-se-á a articulação com a pesquisa em
educação.
A compreensão do processo que constitui a racionalidade moderna exige, obrigatoriamente,
o exame das estruturas epistemológicas que fundamentam a articulação interna dos princípios relativos
ao conhecimento e à razão a partir do século XVII (SANTOS, 1995). Desde seu princípio, a ciência
moderna designa o modo específico de conhecimento adotado pelo mundo ocidental no cerne do
florescimento da civilização burguesa (FOUREZ, 1995). Para melhor compreensão didática do que é a
racionalidade anunciada, recorrer-se-á à definição de racionalismo. Conforme Japiassu (1998),
No século XVII, o racionalismo pode ser definido como a doutrina que, por oposição ao
ceticismo, atribui à Razão humana a capacidade exclusiva de conhecer e de estabelecer a
Verdade; por oposição ao empirismo, considera a Razão como independente da experiência
sensível (a priori), posto ser ela inata, imutável e igual em todos os homens; contrariamente ao
misticismo, rejeita toda e qualquer intervenção dos sentimentos e das emoções, pois, no
domínio do conhecimento, a única autoridade é a da Razão (JAPIASSU apud REZENDE,
1998, p. 85).
O racionalismo é uma corrente filosófica que tem como princípio básico a utilização do
raciocínio (operação mental, discursiva e lógica) no processo de investigação. A palavra racionalismo
deriva do latim ratio, que quer dizer razão. Como uma doutrina que deposita total e exclusiva confiança
na razão humana como instrumento capaz de conhecer a verdade, conforme recomendou o filósofo
racionalista Descartes (1991, p. 95): “nunca devemos deixar de persuadir senão pela evidência de nossa
razão”, e, ainda, conforme afirma Rezende (1998), Descartes elabora uma concepção puramente
racional e mecanicista da natureza e que,
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O RACIONALISMO E A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DESCARTIANA
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O cartesianismo é um racionalismo. Constitui um sistema. O primeiro objetivo da obra de
Descartes é “chegar ao conhecimento de todas as coisas”. Seu primeiro esforço consiste em
definir um método geral “para conduzir bem sua razão e procurar verdades nas ciências”.
Todas as partes de sua obra encontram-se interligadas. Tomemos a imagem da “árvore da
sabedoria”. No interior do sistema cartesiano, a diversidade dos ramos não exclui a unidade de
um mesmo tipo de conhecimento: o conhecimento racional apoiado num único método
(REZENDE, 1998, p. 93).
Com essa visão lógica de compreensão da realidade, a proposta cartesiana é de que, pela
análise lógica, encontram-se condições para descobertas de processos ou sistemas que expliquem a
realidade pelo método lógico e matemático. Essa visão altera e acelera as descobertas científicas no
mundo desde o século XVII. A visão racionalista dominou e domina até a atualidade o método
científico de análise lógica.
Partindo da premissa de uma racionalidade conceitual e abstrata, Descartes (1991), no início
da sua obra Discurso sobre o método, propõe, devido à necessidade de conduzir bem a razão, um
método, isto é, um caminho certo e seguro. Dessa forma, como afirma Japiassu (1994),
O objetivo e a utilidade do método consistem, para o homem, em “conduzir bem a sua razão”
e em procurar a verdade nas ciências. Se queremos conhecer bem a verdade, não podemos
andar ao acaso, sem rumo. Devemos seguir um caminho reto, seguro, certo; seguir uma ordem,
quer dizer, um método. O bom método é aquele que nos permite conhecer o maior número
possível de coisas. E isso com o menor número de regras. O primeiro procedimento da
pesquisa é a análise: devemos “dividir cada uma das dificuldades”, quer dizer, reduzir um
problema complexo a suas noções simples. E para isso que elas possam ser conhecidas
diretamente por intuição (JAPIASSU apud REZENDE, 1998, p. 88).
Descartes (2004) esclarece em as Regras para a Direção do Espírito, que “intuição, eu
entendo, não o testemunho mutável dos sentidos ou juízo enganador (...) mas concepção de um espírito
puro e atento que nenhuma dúvida possa permanecer sobre aquilo que compreendemos”
(DESCARTES, 2004, p. 78).
Por isso, a pretensão de Descartes era estabelecer um método universal com inspiração no
rigor da matemática e no encadeamento racional. A partir do momento que busca o ideal matemático, o
ato do conhecimento converte-se numa mathesis universalis, ou seja, torna-se conhecimento completo e
dominado pela razão.
Para evidenciar a sua proposição do ato de conhecer, Descartes (1991) elabora quatro regras
fundamentais: (1) nunca aceitar como verdade senão aquilo que vejo clara e distintamente como tal; (2)
decompor cada problema em suas partes mínimas; (3) ir do mais compreensível ao mais complexo, e (4)
revisar completamente o processo para assegurar-se de que não ocorreu nenhuma omissão.
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Esse método propõe como caminho de acesso à verdade, a “dúvida metódica”. Com isso,
encadeamento da dúvida, Chega-se, à primeira evidência: em toda dúvida existe algo de que não
podemos duvidar: a própria dúvida, isto é, eu não posso duvidar de que estou duvidando. Mas a dúvida
prossegue, pois eu não posso pensar sem existir. Portanto, há algo de que posso ter uma firme certeza:
penso, logo existo (cogito, ergo sum). Eu sou, em última análise, uma substância pensante, espiritual (res
cogitans).
A partir desse referencial, Descartes elabora sua filosofia. O cogito lhe servirá como chave
para prosseguir: toda representação que se lhe apresentar com “clareza” e “distinção” – os dois critérios
cartesianos de certeza – tal como se manifesta o cogito, deverá ser tida como correta e aceitável. É a
aplicação positiva da dúvida metódica.
Essa questão aborda o dualismo psicofísico de Descartes, que o definiu como expressão do
divórcio existente entre a substância material (res extensa) e a substância metafísica (res cogitans) na
qual se elabora o pensamento. A concepção cartesiana concebe o mundo como um sistema mecânico
no qual o fenômeno psíquico constitui a esfera interior do homem. A origem do conhecimento está
inscrita no sujeito pensante; logo, a fonte principal de conhecimento é o pensamento (razão) cujos
juízos possuem necessidade lógica e validade universal (HESSEN, 1987).
O percurso que levaria Descartes (1991) a formular um método, ou seja, um caminho
seguro para a ciência foi o caminho da dúvida. Partindo da dúvida, ele propõe a criação desse caminho
(método) que proporcionará o aumento gradativo do conhecimento até atingir seu ponto máximo, isto
é, a busca da verdade.
Cada vez mais entrelaçado por dúvidas e erros que só fariam descobrir mais sua ignorância
e por não perceber na filosofia respostas que fossem seguras, Descartes propôs elaborar um método
filosófico que possibilitasse atingir a verdade. Em sua época, observava e não encontrava nada que o
convencesse de uma verdade racional.
A partir desses conflitos, Descartes (1991) passa a não aceitar com muita firmeza nada do
que havia aprendido, pois entendia que, desde os primeiros anos escolares, recebera muitas informações,
ou seja, opiniões falsas tidas como verdadeiras e divagações filosóficas que não asseguravam um
conhecimento verdadeiro. Convencia-se que tais princípios mal aprendidos não poderiam ser senão
mais duvidosos e incertos. Nesse sentido, seria necessário procurar desfazer-se de todas as opiniões, que
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questiona-se todos os seus conhecimentos, inclusive o da própria existência da pessoa, depois do
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até então acreditava, e começar novamente, desde os fundamentos, até algo firme e permanente nas
suas crenças e opiniões.
O ponto de partida que Descartes (1991) utiliza para fugir de tudo que não acreditava, de
modo que não gerasse a menor dúvida, foi a proposição: cogito, ergo sum, ou seja, “eu penso, logo eu
existo”. Assim, esse autor percebe que aquele que duvida tem que existir:
Não podemos duvidar de que existimos quando duvidamos; e este é o primeiro conhecimento
que obtemos filosofando com ordem. Assim, rejeitando todas aquelas coisas de que podemos
duvidar de algum modo, e até mesmo imaginando que são falsas, facilmente supomos que não
existe nenhum Deus, nenhum céu, nenhuns corpos; e que nós mesmos não temos mãos nem
pés, nem de resto corpo algum; mas não assim que nada somos, nós que tais coisas pensamos:
pois repugna que se admita que aquele que pensa, no próprio momento em que pensa, não
exista. E, por conseguinte, este conhecimento, eu penso, logo existo, é o primeiro e mais certo
de todos, que ocorre a quem quer que filosofa com ordem. (Descartes, 1995, p. 55).
O cogito é a síntese intuitiva do processo de aplicação da dúvida metódica. Assim, por meio
deste processo é que se alcança a substância da alma como puro pensamento (res cogitans) e que é
definido como a essência do ser humano: “eu penso, logo eu existo” (cogito, ergo sum). Assim o
homem se coloca no mundo lógico-matemático-racional.
Sendo o método o caminho para atingir a verdade, é necessário sua aplicação começar pela
primeira regra, ou seja, reconhecer que nada é absolutamente certo, e que por isso, é preciso duvidar de
tudo o que não é composto de uma certeza absoluta, deve-se excluir tudo o que é duvidoso. Dessa
forma, surge a tríade da formulação cartesiana: a) necessidade prévia de duvidar; b) necessidade de nada
excluir da dúvida; c) necessidade de colocar como provisório como falsas as coisas entranhadas do
menor motivo de dúvida.
Com essa tríade de necessidades surgem as três características da dúvida cartesiana, a saber:
a) metódica – é um instrumento de conhecimento, que visa atingir a verdade; b) universal – no processo
do conhecimento, nada deve ser imune à aplicação do critério da dúvida; c) provisória – desaparece na
medida em que a verdade for atingida.
A defesa de Descartes (1991) é que para atingirmos a verdade, temos que duvidar de tudo,
de toda e qualquer coisa em que aparecer a menor dúvida devem ser tidas como falsas. Por isso, temos
de duvidar das coisas objetivas (sensíveis) porque os sentidos muitas vezes erram. E mais, quando
sonhamos, vivenciamos diversas sensações ou imaginamos coisas que, aparecem como reais à nossa
sensibilidade, nada têm de realidade fora de nós. Também temos que duvidar daquilo que antes
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ciências para construir uma base sólida de conhecimento. Assim, a proposta cartesiana era destruir as
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tínhamos tomado como certo, mesmo das demonstrações matemáticas. Portanto, em sua forma mais
conhecimento.
Descartes (1991) defendeu uma visão racionalista do mundo, por meio da sua teoria das
ideias inatas. Acreditava que ao nascer, o ser humano já nasceria com essas ideias, as quais seriam e
deveriam ser despertadas no espírito do sujeito cognitivo. Isto significa dizer que a partir das ideias
primeiras poder-se-ia elaborar o conhecimento racional.
Essa visão inatista representa a confiança que Descartes (1991) deposita na razão, que para
ele é a fonte de todo conhecimento seguro e verdadeiro, faculdade universalmente partilhada: a razão ou
bom senso é o divisor entre os homens e os animais, ou seja, é aquilo que define o homem como
homem e o distingue dos outros animais:
O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual pensa estar tão bem
provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não
costumam desejar tê-lo mais do que o têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal
respeito; mas isso antes testemunha que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do
falso, que é propriamente o que se denomina o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em
todos os homens; e, destarte, que diversidade de nossas opiniões não provém do fato de serem
uns mais racionais do que os outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por
vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas (DESCARTES, 1991, p. 29).
A partir da afirmação acima, se ficássemos presos a conjecturas com base nos sentidos, as
mesmas só poderiam conduzir-nos a um conhecimento provável e incerto. Porém, utilizando-se da
razão, da intuição e da dedução, chegaremos à verdade. Conforme Japiassu (1998),
A intuição é o modo de conhecimento racional graças ao qual o espírito humano pode atingir
direta e indiretamente seu objeto. “Por intuição, entendo, não o testemunho mutante dos
sentidos ou o juízo enganador de uma imaginação que compõe mal seu objeto, mas a
concepção de um espírito puro e atento”.
A dedução é o ato pelo qual nós compreendemos a passagem de uma verdade evidente por
intuição às suas consequências. A dedução organiza a transferência da evidência ao longo de
uma cadeia lógica. A evidência assim transferida torna-se a certeza (JAPIASSU apud
REZENDE, 1998, p. 96-97).
Percebe-se então, que a intuição é um ato puro, uma inteligência que apreende de forma
imediata e direta as noções de forma tão simples que em torno de sua validade não pode existir qualquer
dúvida. Então, fica claro que o que caracteriza a intuição é a sua clareza e distinção, o seu caráter
imediato, ou seja, um fato de constituição de um ato de apreensão total e completa.
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radical (ir a raiz do conhecimento), o racionalismo defende que a razão é a única fonte legítima de
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A intuição é o fundamento subjetivista de Descartes (1991) e resultado de uma
Achava-me, então, na Alemanha, para onde fora atraído pela ocorrência das guerras, que ainda
não findaram, e, quando retornava da coroação do imperador para o exército, o início do
inverno me deteve num quartel, onde, não encontrando nenhuma frequentação que me
distraísse, e não tendo, além disso, por felicidade, quaisquer solicitudes ou paixões que me
perturbassem, permanecia o dia inteiro fechado sozinho num quarto bem aquecido onde
dispunha de todo o vagar para me entreter com os meus pensamentos. Entre eles, um dos
primeiros foi que me lembrei de considerar que, amiúde, não há tanta perfeição nas obras
compostas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que um só
trabalhou. Assim, vê-se que os edifícios empreendidos e concluídos por um só arquiteto
costumam ser mais belos e melhor ordenados do que aqueles que muitos procuraram reformar,
fazendo uso de velhas paredes construídas para outros fins. Assim, essas antigas cidades que,
tendo sido no começo pequenos burgos, tornaram-se no correr do tempo grandes centros, são
ordinariamente tão mal compassados, em comparação com essas praças regulares, traçadas por
um engenheiro à sua fantasia numa planície, que, embora considerando seus edifícios cada qual
à parte, se encontre neles muitas vezes tanta ou mais arte que nos das outras, todavia, a ver
como se acham arranjados (Descartes, 1991, p. 34).
A construção do edifício do saber só é possível por meio de projetos únicos e concebidos
de forma solitária, mas ordenadamente aplicados. Nesse aspecto, a intuição é seguida da dedução
completa, a construção do edifício do conhecimento.
A dedução é, em princípio, um encadeamento de intuições que tem como pressuposto a
intuição das ideias simples e da existência das relações entre as mesmas, das quais se conclui que,
necessariamente, o existir de relações, ideias, forma e consequências constituem a lógica das ideias
anteriores. O conhecimento nasce a partir do eu, da ideia, da razão.
Nessa lógica de consequências, relações e ideias, a dedução cria e recria um elo de
proposições com um nexo lógico de antecedente e consequente de tal forma que a verdade do
antecedente exige a verdade do consequente. Dessa forma, a dedução possibilita construir uma relação
de necessidade entre as proposições de forma que a verdade das proposições da intuição ou intuitivas
permite a passagem para a conclusão.
Descartes (1991) tem uma concepção de mundo e de homem baseada na divisão da
natureza em dois domínios opostos que são: o da mente e ou espírito (res cogitans), a coisa “pensante”,
e o da matéria (res extensa), a “coisa extensa”. Assim sendo, mente e matéria seriam as criações de
Deus, ponto de partida e de referência comum a estas duas realidades.
Na perspectiva de construir uma ciência natural completa, Descartes (1991) amplia a
concepção de mundo aos reinos biológicos. Onde plantas e animais também nada mais eram do que
simples máquinas. O corpo humano também, entretanto, diferente das plantas e animais porque seria
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singularidade meditativa, como o mesmo assim descreve:
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habitada por uma alma inteligente, diferenciada da máquina-corpo e ligada a alma pela glândula
elaborar uma descrição racional completa de todos os fenômenos naturais em um sistema único de
princípios mecânicos e preciso regido pelas relações matemáticas.
A esse princípio de relações matemáticas Descartes (1991) nominou de Método que é o
conjunto de procedimentos racionais utilizados para o estabelecimento e a demonstração da verdade. E
por método Descartes (1991) entendia:
Por método eu entendo regras certas e fáceis, graças às quais todos aqueles que as observarem
corretamente jamais suporão verdadeiro aquilo que é falso, e chegarão, sem fadiga e esforços
inúteis, aumentando progressivamente sua ciência, ao conhecimento verdadeiro de tudo o que
podem atingir.
Todo método consiste na ordem e na disposição das coisas para a quais devemos voltar o olhar
do espírito, para descobrir alguma verdade. Ora, nós a seguiremos exatamente se reduzirmos,
gradualmente, as proposições complicadas e obscuras às mais simples; e se, partindo da intuição
das mais simples, tentarmos nos elevar, pelos mesmos degraus, ao conhecimento de todas as
outras (DESCARTES, 2004, p. 81).
Em síntese, como afirma Jolivet:
No seu sentido mais geral, o método é a ordem que deve impor aos diferentes processos
necessários para atingir um fim dado. Se nos colocamos no ponto de vista do conhecimento,
dir-se-á, com Descartes, que o método é o “caminho a seguir para chegar à verdade nas
ciências” (JOLIVET, 1995, p. 71).
É relevante destacar a compreensão e a importância do método para a eficácia do
conhecimento. Conforme Jolivet:
Esta importância é evidente. O método tem como fim disciplinar o espírito, excluir de suas
investigações o capricho e o acaso, adaptar o esforço a empregar segundo as exigências do
objeto, determinar os meios de investigação e a ordem da pesquisa. Ele é, pois, fator de
segurança e economia. Mas não é suficiente a si mesmo, e Descartes exagera a importância do
método, quando diz que as inteligências diferem apenas pelos que utilizam. O método, ao
contrário, exige, para ser fecundo, inteligência e talento. Ele lhes dá a potência, mas não os
substitui jamais (JOLIVET, 1995, p. 71).
Como vimos, a importância do racionalismo para o desenvolvimento da ciência, das
descobertas científicas e da filosofia, também se pode perceber o domínio do método científico para a
atualidade como fora nos séculos anteriores. Em Descartes, percebe-se a preocupação de elaboração de
um método, que seria concebido como caminho seguro e único para a obtenção da verdade; bem como,
a ideia de construção de uma filosofia capaz de fundamentação para a ciência.
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pituitária. Portanto, o objetivo da “ciência” de Descartes (1991) era utilizar seu método analítico para
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A elaboração e construção do pensamento de Descartes é descrito por Châtelet (1994) e
científica de sua época. Neste contexto, Descartes quer entender em que condições é possível o
conhecimento verdadeiro, confiável e também aceitável. Uma das preocupações de Descartes é
entender como o homem pode chegar ao conhecimento da realidade, ou seja, das coisas que possíveis
de serem conhecidas.
Sobre este aspecto Descartes apresenta um método, isto é, um caminho seguro para chegar
a certeza do conhecimento. O método estabelece o caminho para atingir a verdade e uma visão clara
sobre a realidade. E é também, o método a elaboração do seu sistema filosófico. Segundo Japiassu
(1994, p. 35) “a filosofia do sujeito pensante nasce no século XVII, com Descartes (1991), é
desenvolvida por Kant e vai encontrar seu coroamento em Hegel”.
Assim, o verdadeiro é o que é passado pelo critério da certeza, que é o sujeito. Para o sujeito
atingir o conhecimento, é necessário que ele se oriente pelas regras da razão. Esse constituído e
constituinte da dúvida é a base do método elaborado por Descartes (1991). A autonomia do sujeito em
relação à ciência e ao conhecimento científico é uma das grandes contribuições cartesiana. Conforme
assinala Japiassu (1994):
Enfim liberado de toda a tutela, o homem se torna, se não o criador, pelos menos o mestre das
significações do universo. É a descoberta, iniciada pelo Cogito cartesiano, do sujeito
cognoscente autônomo, hoje chamado de sujeito epistêmico (JAPIASSU, 1994, p. 19).
É nessa dúvida constante de tudo que o tivesse enganado é que Descartes (1991) propõe a
dúvida para construção do seu método. A primeira reflexão feita por ele é de onde provém a nossa
maneira de pensar; e conclui que ela é proveniente de nossas sensações. A partir dessa referência
começa sua investigação e pesquisa sobre as possibilidades de ser enganado por elas. Para Descartes as
sensações são enganadoras. Então, decide-se demonstrar a inconsistência das verdades sobre o saber
constituído, colocando em dúvida tudo o que parecia certo e inquestionável.
Assim a partir da dúvida metódica, que é um criterioso e rigoroso método de investigação, é
que se coloca à prova todas as certezas até as verdades mais simples que são as verdades matemáticas,
dúvidas radicalizadas por Descartes (1991). Nessa radicalização da dúvida surge o cogito, eu sou, eu
existo. Com o cogito, surge a certeza de uma verdade clara e distinta e sobre a qual não existia nenhuma
dúvida. Com o surgimento do cogito, a primeira certeza, aparece as condições para garantia das demais
certezas.
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Japiassu (1994) como a sua busca de edificação de um sistema filosófico que legitimasse a revolução
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Partindo da visão cartesiana procurar-se a buscar as contribuições de Descartes (1991) para
cartesiana, verifica-se uma mudança na compreensão do processo do conhecimento, conforme afirma
Rezende (1998):
Um dos grandes impactos do cartesianismo consiste na rejeição de toda e qualquer autoridade,
no processo de conhecimento, distinta da razão. Ele proclama a independência da filosofia, que,
doravante, deve submeter-se apenas à autoridade da Razão. O importante é que devemos julgar
por nós mesmos. Só devemos aceitar aquilo que podemos compreender claramente e
demonstrar racionalmente. Devem ser excluídos os dogmas religiosos, os preconceitos sociais,
as censuras políticas e os dados fornecidos pelos sentidos. Só a razão conhece. E somente ele
pode julgar-se a si mesma. Essa exigência fundamental, que Descartes fixou para a ordem do
saber, foi estendida, no século XVIII, para os domínios da moral, da política e da religião
(REZENDE, 1998, p. 94).
Essa mudança de percepção do conhecimento, ou seja, da rejeição da autoridade é o
princípio da pesquisa e cria possibilidades de autonomia do sujeito, a independência da subjetividade, a
reflexão de forma crítica e o compromisso com a verdade. Dessa forma, o ponto inicial é pensar a
realidade como parte do processo de conhecimento que está em construção. A partir do momento que a
subjetividade torna-se independente, surge o primeiro ato do conhecimento: a reflexão, eis o postulado
da consciência de si mesma reflexiva. Conforme Japiassu (apud REZENDE, 1998, p. 94) “a consciência
toma consciência de si mesma como Sujeito e como Objeto de conhecimento”.
O ponto fundamental da pesquisa em qualquer área do conhecimento é a sua capacidade de
apreensão e compreensão da realidade e do objeto de conhecimento proposto por essa realidade que se
faz presente enquanto possibilidade de ser pesquisada. O pesquisador torna-se o sujeito que apreende e
compreende esse objeto a partir de um método. Neste aspecto a filosofia cartesiana é eminentemente
crítica. Japiassu (1998) afirma que:
O problema crítico diz respeito ao valor e ao alcance de nossas faculdades de conhecimento.
Para resolvê-lo, Descartes propõe um novo método. O problema do conhecimento é o
primeiro que deve considerar a filosofia que pretende conduzir, com ordem, seus pensamentos.
E o método para solucionar o problema crítico é a dúvida (JAPIASSU, 1998, p. 94).
Percebe-se que a partir da visão cartesiana há uma ruptura na forma de compreender o
conhecimento e o cogito é a fonte desse idealismo. O penso, logo existo dá uma dimensão ao ato de
pensar. Nessa percepção cartesiana, Japiassu (1994, p. 94) comenta: “o pensamento é a única realidade
que é imediatamente dada ao espírito; qualquer outra realidade deve ser deduzida dele”. Historicamente,
a visão cartesiana dá origem ao racionalismo e este utiliza o método dedutivo. Descartes (1991) parte
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a pesquisa em educação. O autor não escreveu sobre a educação, porém, a partir da perspectiva
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dos princípios para as consequências, tendo como referência a intuição, isto é, utiliza o método dedutivo
Assim a compreensão da metodologia utilizada por Descartes (1991) é oriunda da certeza
matemática. Dessa forma, Japiassu sintetiza a metodologia cartesiana:
O cartesianismo tira sua metodologia das matemáticas: nas ciências da natureza, os princípios
conhecidos por intuição desempenham o papel de axiomas, e as leis são análogas aos teoremas
que deles podemos deduzir (JAPIASSU, 1994, p. 95).
A compreensão de Descartes (1991) sobre o conhecimento é atual e de uma dimensão
abstrata no campo da percepção cognitiva que levou, no século XVII, a não ser aceita por muitos
pensadores, principalmente, os religiosos. A filosofia cartesiana tem um alcance idealista, ou seja, uma
racionalidade situada e bastante ambiciosa para alcançar o conhecimento no seu devir. Uma filosofia
que traz no seu constructo uma percepção de futuro e uma visão de progresso bastante avançada para a
época em que foi pensada e elaborada. Japiassu (1991) apresenta essa grandeza da filosofia cartesiana
nas seguintes palavras:
São imensos o alcance e a ambição da filosofia cartesiana. Ela se apresenta, em primeiro lugar,
como uma filosofia da consciência e da liberdade, tendo por guia a luz natural presente em cada
um de nós. Essa luz natural é infalível quando é pura. Seu motor é a generosidade intelectual,
quer dizer, o sentimento que cada um de nós possui de nosso livre-arbítrio (JAPIASSU, 1991,
p. 95).
Descartes (1991) apresenta para essa luz natural, que para muitos seria transcendental e
metafísica, uma filosofia prática, que apreende a inteligência das coisas na sua gênese, fugindo de um
abstracionismo vago e de ordem inspirativa porque ela fornece condições para que possamos dominar a
natureza que nos cerca. Essa condição de controle da natureza é por meio do método – que é racional,
ou seja guiado pela razão –, direciona a ação do homem em busca do conhecimento. Apontando essa
dimensão prática do pensamento cartesiano, voltada para o progresso e para o futuro, Japiassu afirma:
Em segundo lugar, trata-se de uma filosofia voltada para o futuro. Confia profundamente na
criação contínua da Razão, muito mais do que na autoridade dos antigos. Nesse sentido, ela é
uma filosofia do progresso, não da conservação. Enquanto tal, destina-se a todos os homens, é
universal, pois o que distingue os homens é a posse da Razão, instrumento universal que lhes
permite entenderem-se.
Finalmente, trata-se de uma filosofia decididamente prática, na medida em que nos leva a
compreender que a inteligência das coisas, a partir de seus verdadeiros princípios, fornece-nos os meios
de dominá-las. Doravante, temos o poder de prever o futuro e de dominar a natureza por nossas ações.
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a priori, entendendo que o ato de conhecer se dá direto pela razão.
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Nossa condição no mundo transformou-se: não somos mais escravos da natureza. Pelo contrário,
Ao mesmo tempo em que compreende a inteligência das coisas a partir dos seus princípios
– que de certa forma é uma apreensão do fenômeno –, Descartes (1991) não se prende a ilações
metafísicas, ele apresenta uma filosofia mecanicista com direcionamento da razão para compreensão e
apreensão do universo. Esse autor, ao utilizar-se de conceitos subjetivos, os direciona `à razão. Faz uso
da subjetividade como forma de apreensão da ideia abstrata, direciona a inteligência para compreensão
das coisas e uma vez apropriada a ideia sujeita-a a luz da Razão, ou seja, submete ao método, é a
constante confirmação da dúvida metódica. Não acreditar em nada que não seja esclarecido pelo Razão.
Neste aspecto, a ideia que parte de uma subjetividade para ser libertada da visão matemática pura, é
posta a confirmação pelo rigor do método. A partir do método, os procedimentos são mecanicistas,
porque irá usar critérios rigorosos de pesquisa e análise, critérios que são o suporte teórico de
sustentação do método: (1) nunca aceitar como verdade senão aquilo que vejo clara e distintamente
como tal; (2) decompor cada problema em suas partes mínimas; (3) ir do mais compreensível ao mais
complexo; e (4) revisar completamente o processo para assegurar-se de que não ocorreu nenhuma
omissão. Japiassu (1998) situa o problema:
Ademais, trata-se de uma filosofia mecanicista, sustentando que o Universo é límpido aos olhos
da Razão e que tudo, exceto Deus e o espírito humano, pode ser explicado em termos de
tamanho, de figura e de velocidade das partículas de matéria divisível. O mundo não-humano,
despojado de toda criatividade e de toda vontade imanente, de toda sensibilidade e de toda
consciência, de toda simpatia e antipatia, de todo calor ou frieza, de toda beleza ou feiúra, de
toda cor, sabor e odor, em suma, um mundo feito unicamente de matéria em movimento, eis o
mundo totalmente mecânico, sem nenhum mistério, sem vida e sem nenhuma fecundidade
proposto por Descartes (JAPIASSU apud REZENDE, 1998, p. 95).
A proposta cartesiana é guiada pela Razão, porém, não é uma razão instrumental-técnicamecânica guiada somente pelo raciocínio matemático. Descartes (1991) parte das ciências matemáticas e
amplia com a filosofia, por isso a condição dada por ele quando insere as condições de percepção de
progresso, futuro, prática e da libertação da subjetividade, até então não aceita por outros pensadores é
um marco no pensamento humano.
Descartes inaugura com sua filosofia uma nova mentalidade de perceber o mundo físico e o
mundo humano, separando as formas de conhecer, ou seja, ela apreende questões que não seria possível
somente com a matemática, entra no campo filosófico, porém, não submete-se a analises “metafísicas”
ou fica à mercê de devaneios e senso comum, subordina tudo ao método, com rigor e racionalidade.
47- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
somos seus “mestres e possuidores” (JAPIASSU apud REZENDE, 1998, p. 95).
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Descartes não escreve em sua época sobre educação, mas era um pesquisador rigoroso, mas
como: o compromisso com a verdade, o sentido do saber, o passado como referência para pensar a
realidade, a reflexão sobre o conhecimento e o próprio homem.
Mesmo não direcionando seu trabalho para educação Descartes (1991) contribui com a
pesquisa em educação. A pesquisa em educação na perspectiva racionalista deverá ser guiada pelo
método como propôs Descartes (1991), porém, não permite perder a reflexão. Para ele o trabalho
intelectual só é possível com liberdade e, por ser um trabalho de reflexão, requer tempo e tranquilidade.
Era contrário àqueles que achavam que poderiam aprender em dias algo que ele levaria anos a pensar.
Segundo esse autor,
As maiores almas são capazes dos maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes, e os que
só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem o caminho reto, do que
aqueles que correm e dele se distanciam (DESCARTES, 1994, p. 41).
A perspectiva da pesquisa em educação numa concepção racionalista deverá recuperar a
dimensão do trabalho intelectual do pesquisador superando a concepção determinista e mecânica de que
pesquisa se faz com controle ideológico, econômico, político, etc. A pesquisa deverá ser feita com
controle metodológico, não com controle sobre o ensino-aprendizagem, pois é próprio da educação
(por ser um fenômeno humano, social e cultural) o critério da não previsibilidade. Dessa forma, o
objetivo da pesquisa educacional na visão racionalista é recuperar no campo da práxis a temporalidade
do trabalho intelectual, situar no tempo e espaço próprios a pesquisa, resgatando a dimensão da
subjetividade, da reflexão e da prática na busca, compreensão e apreensão do conhecimento ou do
objeto a ser pesquisado.
Descartes (1991) é um crítico da tradição conservadora e recusa a autoridade do saber do
passado em seu tempo. Neste raciocínio Marilena Chauí (1999) abordando questões relativas ao papel
da universidade, do conhecimento e da pesquisa tece as seguintes considerações:
Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser
flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficiência
organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos.
Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à
formação intelectual, está pulverizada em micro organizações que ocupam seus docentes e
curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual. A heteronomia da
universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do
tempo para mestrado e doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e
congressos, a multiplicação de comissões e relatórios etc. Virada para seu próprio umbigo, mas
sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso mesmo não age.
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ao pensar sobre o conhecimento, apontou questões que ainda são desafiadoras para os educadores
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Não surpreende, então, que esse operar co-opere para sua contínua desmoralização pública e
degradação externa (CHAUÍ, 1999, p. 220-221).
razão, estudiosos contemporâneos caminham na mesma direção, ou seja, o trabalho intelectual é árduo e
exige a pesquisa.
Mas esse desígnio é árduo e trabalhoso e certa preguiça arrasta-me insensivelmente para o ritmo
da vida ordinária. E, assim como um escravo que gozava de uma liberdade imaginária, quando
começa a suspeitar de que sua liberdade é apenas um sonho, teme ser despertado e conspira
com essas ilusões agradáveis para ser mais longamente enganado, assim eu reincindo
insensivelmente por mim mesmo em minhas antigas opiniões e evito despertar dessa
sonolência, de medo de que as vigílias laboriosas que se sucederiam à tranquilidade de tal
repouso, em vez de me propiciarem alguma luz ou alguma clareza no conhecimento da verdade,
não fossem suficientes para esclarecer as trevas das dificuldades que se acabam de ser agitadas
(DESCARTES, 1994, p. 123).
Mesmo diante das condições árduas que são exigidas ao estudioso, ao pesquisador, percebese em Descartes (1991) a permanente busca da autonomia intelectual, a procura da verdade e a
dimensão contestatória do ato de pensar e a dúvida permanente e constitutiva do trabalho de pesquisa.
Ele afirma que:
A Meditação que fiz ontem encheu-me o espírito de tantas dúvidas que doravante não está em
meu poder alcançar esquecê-las. E, no entanto, não vejo de que maneira poderia resolvê-las; e,
como se de súbito tivesse caído em águas muito profundas, estou de tal modo surpreso que não
posso nem firmar meus pés no fundo, nem nadar para me manter à tona, esforçar-me-ei, não
obstante, e seguirei novamente a mesma via que trilhei ontem, afastando-me de tudo em que
poderia imaginar a menor dúvida, da mesma maneira como se eu soubesse que isto fosse
absolutamente falso, e continuarei sempre nesse caminho até que tenha encontrado algo de
certo, ou, pelo menos, se outra coisa não me for possível, até que tenha aprendido certamente
que não há nada no mundo de certo (DESCARTES, 1994, p. 124).
Em Descartes (1991) está a grande contribuição para a pesquisa, o saber científico, ele situa
a atividade intelectual como constituinte para construção desse saber. Apresenta a necessidade de
romper com o comodismo, a necessidade do rigor do trabalho intelectual, a dedicação, a coragem de
superar a aparência para atingir a essência, a negação do existente que está posto pela criatividade em
busca de algo ainda não existente, bem como, apresenta o grau de dificuldade do trabalho intelectual e
que para sua concretização é preciso ter vontade, desejo de aprender e, principalmente, autonomia de
pensamento assumindo uma postura de busca e criação constantes por meio da razão.
Diante das considerações feitas, percebe-se que Descartes (1991) foi um pesquisador
metódico, rigoroso e que contribuiu com a pesquisa como componente fundamental para a busca da
verdade, do conhecimento e da ciência. Mesmo não direcionando para a educação, ele contribui com a
49- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Assim como Descartes (1991) buscava em sua época a autonomia intelectual por meio da
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pesquisa educacional; pensar a educação, a pesquisa em educação a partir da perspectiva da autonomia
Referências
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REPÚBLICA DOS PROFESSORES. PETRÓPOLIS, RJ: VOZES, 1999.
DESCARTES, RENÉ. DISCURSO DO MÉTODO. TRAD. J. GUINSBURG E BENTO PRADO JR. – 5ª ED. SÃO PAULO: NOVA
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_____. REGRAS PARA A DIREÇÃO DO ESPÍRITO. TRAD. PIETRO NASSETI. SÃO PAULO: ED. MARTIN CLARET, 2004 –
COLEÇÃO OBRAS PRIMAS.
_____. PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA. LISBOA: EDITORIAL PRESENÇA, 1995.
_________________. OBRAS ESCOLHIDAS. INTRODUÇÃO: GILLES-GASTON GRANGER. 3ª ED. RIO DE JANEIRO: BERTRAND
BRASIL, 1994. FERREIRA, LILIANA S. EDUCAÇÃO & HISTÓRIA. IJUÍ, EDITORA UNIJUÍ, 2001.
FOUREZ, G. A CONSTRUÇÃO DA CIÊNCIA. SP: UNESP, 1995.
HESSEN, J. TEORIA DO CONHECIMENTO. COIMBRA: ARMÊNIO AMADO ED., 1987.
JAPIASSU, HILTON. INTRODUÇÃO ÀS CIÊNCIAS HUMANAS. SÃO PAULO, ED. LETRAS E LETRAS, 1994.
JOLIVET, REGIS. CURSO DE FILOSOFIA. TRAD. EDUARDO P. MENDONÇA, 19ª ED. RIO DE JANEIRO: AGIR, 1995.
MARQUES, MÁRIO OSÓRIO. CONHECIMENTO E MODERNIDADE EM RECONSTRUÇÃO. IJUÍ, EDITORA UNIJUÍ, 1993.
MESQUITA AYRES, J. R. C. RAZÃO, CIÊNCIA E PEDAGOGIA DA EMANCIPAÇÃO. INTERFACE – COMUNICAÇÃO, SAÚDE,
EDUCAÇÃO, V. 1, N.1, 1997.
REZENDE, ANTONIO. (ORG.). CURSO DE FILOSOFIA: PARA PROFESSORES E ALUNOS DOS CURSOS DE SEGUNDO GRAU E DE
GRADUAÇÃO. 9ª ED. RIO DE JANEIRO: JORGE ZAHAR ED.: SEAF, 1998.
SANTOS, B. S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto: Afrontamento, 1995.
50- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
da Razão é recuperar a dimensão constitutiva do trabalho do pesquisador e a sua dimensão intelectual.
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GT 1 - Filosofia e Educação
Marcelo de Deus Campos - PPG/IELT – UEG
Prof. Dr. Ged Guimarães – UEG.
Resumo:
O termo “experiência”, na filosofia de Michel Foucault, está sempre relacionado a algo; pois, a
experiência é sempre experiência de (alguma coisa). A experiência não é um fim em si mesma; ela é
experiência do próprio corpo, experiência da loucura, experiência da finitude, etc. Podemos sintetizar, a
partir desses modos e de outros como a experiência se dá, em quatro sentidos principais: 1. como o
lugar em que é necessário descobrir as significações originárias; 2. como dessubjetivação; 3. como forma
histórica de subjetivação; 4. como éthos, como atitude de Modernidade. No primeiro sentido, há uma
proximidade ao sentido dado pela fenomenologia existencial. Pois, se trata de alcançar, na história, o
grau zero da história da loucura, onde esta história é experiência indiferenciada, experiência ainda não
dividida pela separação mesma entre o patológico e o normal. O segundo sentido, transita do campo da
fenomenologia para o campo conjunto da literatura e da filosofia. Esta mudança de sentido partirá da
constatação de que a experiência é tratar de alcançar certo ponto de vista que esteja o mais próximo
possível do não vivível. Este conceito Foucault extrai-o de Bataille, Blanchot e de Nietzsche. Foucault já
percebeu que a sua técnica “episteme” é insuficiente para descrever a experiência; pois, a episteme era o
objeto da descrição arqueológica. Essa mudança de perspectiva e de objeto de análise responde às
dificuldades descritivas da arqueologia e à conseguinte introdução da análise de poder, para análise das
relações de poder. Esta análise possibilita compreender o discursivo e o não discursivo, visto que a
episteme foi compreendida como dispositivo exclusivamente discursivo. Foucault passará do sentido de
experiência da literatura para experiência que tem por função arrancar o sujeito a si mesmo, fazer de
modo que não seja mais ele mesmo ou que seja levado à sua aniquilação ou à sua dissolução. Este é um
empreendimento de dessubjetivação. No terceiro sentido, Foucault estuda a história das formas de
experiência e faz uso dos métodos de análise existencial no campo da psiquiatria e no domínio da
enfermidade mental. O dispositivo também mostra-se insuficiente na descrição da experiência.
Episteme e dispositivo são, em termos gerais, práticas. Os dispositivos integram as práticas discursivas e
as práticas não discursivas. O dispositivo como objeto de análise aparece, precisamente, ante a
necessidade de Foucault de incluir as práticas não discursivas (as relações de poder) entre as condições
de possibilidade da formação dos saberes. O domínio das práticas estende-se então da ordem do saber à
51- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
UM BREVE ESBOÇO DO CONCEITO DE EXPERIÊNCIA SEGUNDO MICHEL
FOUCAULT
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ordem do poder. Deste modo o campo da experiência poderá ser constituído, pois estão presentes os
os outros. Será a partir deste novo campo que, segundo Foucault, será possível pensar a experiência
como éthos, como atitude de Modernidade; como uma forma de experiência histórica livre, pois ela
jamais foi um fim em si mesma, mas ela é sempre experiência de (alguma coisa).
52- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
elementos necessários: um jogo de verdade, relações de poder, formas de relação consigo mesmo e com
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GT 1 – Filosofia e Educação
João Batista Valverde Oliveira – PUC-G0
Direitos humanos em sua ambiguidade própria
Os direitos humanos1, no pós-guerra, vão transitar gradativamente da esfera internacional,
como ideologia política de declaração de direitos individuais, para o âmbito dos estados nacionais, onde
logo seriam traduzidos em dispositivos legais. Contudo, em sua essência própria, os direitos humanos
carregam uma ambiguidade fundamental que faz deles tanto uma tática das políticas estatais afirmativas
de direitos, que reduzem o humano a determinados limites, quanto uma luta estratégia emancipatória
das populações submetidas e empobrecidas, na medida em que alargam as possibilidades humanas.
Como ‘ideologia universal’, os direitos humanos aproximam os paradigmas dos países ricos
aos dos países pobres, os propósitos de igrejas e estados, os liberais do primeiro mundo e os
revolucionários do terceiro mundo. Os direitos humanos são ainda utilizados, contraditoriamente, como
símbolo tanto do individualismo, do desenvolvimentismo, da justiça social, da paz. Trata-se, portanto,
de um campo polimorfo que serve a diferentes propósitos e utilizações.
Os direitos humanos como discurso jurídico podem nos remeter ao contra discurso
moderno que investiu a vida humana de potência política insurgente. A despeito das múltiplas
utilizações ‘ideológicas’ a que todo discurso está sujeito, os direitos humanos têm se afirmado como um
contra discurso que emerge em oposição aos múltiplos dispositivos de controle das sociedades
modernas. O debate sobre a vida humana, portanto, vai ocupando os espaços vazios das antigas utopias
políticas. Portanto, a política se torna cada vez mais biopolítica. Daí a contradição própria dos direitos
humanos que tanto podem se estruturar como norma jurídica, discurso humanista e mesmo contra
discurso insurgente.
A subjetividade moderna arquitetada por Descartes e fundamentada no cogito, enquanto primeiro princípio da filosofia,
deixa entrever alguns traços gerais desta “metafísica da subjetividade” como núcleo da compreensão humanista do ser
humano. Segundo ela, o estatuto superior do homem corresponde à sua capacidade de mediar com a realidade externa e
transcendê-la, apreendendo-a conceitualmente. Por ser dotado de consciência e razão, o homem se eleva como o único ser
capaz de representar o mundo de modo exato, mediante uma espécie de espelhamento mental da realidade, ou seja, através
da tradução de aspectos do mundo em imagens e conceitos claros, distintos e universais. O sujeito, neste sentido, é um
conceito filosófico-metafísico que descreve aquele que é consciente de seus pensamentos e responsável pelos seus atos, pois
enquanto senhor absoluto de si é também agente e unidade substancial à qual se remetem todas as suas representações e
ações. Como critério fundamental da verdade, o sujeito é a matriz que determina o significado ideal da “verdadeira natureza
humana” em relação à qual todos os indivíduos concretos serão não apenas medidos, mas também subordinados
1
53- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
DIREITOS HUMANOS COMO OPOSIÇÃO ESTRATÉGICA AO SISTEMA JURÍDICOLEGAL
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A biopolítica deixa visível um dos paradoxos modernos que tem feito do ‘cuidado da vida
mercado, ‘cuidam da vida humana’ pois ela tornou-se um recurso útil para a realização de seus fins.
Talvez, um primeiro paradoxo da biopolítica, esteja exatamente no fato de ela ter enunciado o ‘cuidado
da vida humana’ como princípio formal da política moderna, porém cuida-se da vida útil e abandona-se
a vida inútil.
Um segundo paradoxo da biopolítica diz respeito ao desdobramento imprevisto da
objetivação da vida humana, operado pelos dispositivos de poder. A objetivação política da vida
humana conferiu-lhe uma potência, antes desconhecida. Ela possibilitou à vida humana uma potência
insurgente contra os próprios dispositivos que tendem a controlá-la. As lutas políticas do nosso tempo,
bem como os dispositivos de governo são cada vez mais biopolíticas e tendem a se confundir com
modernas técnicas de gestão de pessoas.
Os direitos humanos no nosso tempo, investidos de potência política insurgente podem
sintetizar um contra-discurso que se opõe ao discurso jurídico-legal. Assim eles emergem na
modernidade como discurso da vida humana contra os dispositivos de controle da vida. Os projetos
políticos dos séculos passados acabam cedendo lugar para as políticas da vida. Políticas essas que
objetivam e gerem a vida humana para a eficiência institucional, tornando a vida um meio e a política,
um fim.
A política moderna teve como foco um progressivo descobrimento da importância da vida
humana como recurso natural que potencia instituições, Estado e Mercado. Saberes modernos como a
estatística, a demografia, a medicina social, etc., vem mostrando ao Estado e ao Mercado que a vida
humana natural dos indivíduos afeta a potência de seus resultados e a eficiência de seus processos.
Alimentada por essa lógica, a política tem se voltado cada vez mais para o ‘cuidado da vida humana’
como recurso natural, visando torná-la maximamente produtiva. Daí o fato observável de que a política
moderna vai se tornando biopolítica.
O capitalismo proposto pela Escola de Chicago faz um apelo a todos para que se tornem
empreendedores de si mesmos, para construírem suas vidas como um empreendimento. Em
consequência disso o neoliberalismo tem produzido efeitos para além da política e mesmo da ética.
Cada indivíduo é convidado permanentemente a construir uma relação consigo mesmo de acordo com a
modalidade capitalista dominante, o empreendedorismo.
54- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
humana’ sua categoria ético-política central. As instituições modernas, destacadamente o Estado e o
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Em outros termos significa dizer que nas suas relações sociais, mesmo no seu lazer, o
direitos humanos como direitos dos governados, estão ligados cada vez mais à noção de liberdade, no
sentido das liberdades práticas dos processos de libertação.
Direitos humanos e máquina antropológica ocidental
Os humanismos ocidentais tendem a valorizar o humano como essência e, no mesmo
processo, a desvalorizar o seu contraponto. O homem, entendido como normal é o negativo, o que é
excluído da humanidade através de processos de negação e limitação. A essência do homem, desse
modo, não tem em si mesma os seus próprios limites, pois estes são constituídos, de fato, pela exclusão
daquilo que não se diz da sua natureza nos dispositivos de saber-poder modernos. A figura do homem
ocidental, portanto, é o negativo do louco, do inconsciente, do criminoso, do doente, do desobediente
às leis.
Desse modo, a essência do homem, numa perspectiva liberal humanista, foi constituída por
processos de exclusão, desde fora, portanto. O normal foi constituído pelo anormal, o ocidental pelo
oriental. O humano razoável constituiu-se pela objetivação do louco; o saudável, pela objetivação do
doente; o disciplinado, por aquela do indisciplinado; o obediente às leis, pelo criminoso; o sexualmente
normal, pelo pervertido; o trabalhador, pelo alienado do trabalho.
Nas sociedades ocidentais, o homem, ao se engajar em processos de conhecimento de
objetos, se constituiu a si mesmo, como sujeito de estatuto fixo e determinado. Há sempre a
constituição de si mesmo no interior do seu próprio processo de saber através do qual o homem
transforma em objeto de conhecimento experiências-limite como a loucura, a morte, o crime.
Nessa esteira, não é difícil compreender como o sujeito humano de direitos é constituído
por processos de exclusão limitantes que impedem sua plenitude humana. Uma essência humana
ocidental, justificadora tanto do humanismo, quanto dos direitos humanos seria aquela modelada desde
fora, por experiências constitutivas do homem, pelas quais ele estabeleceu os seus próprios limites.
Pensados genealogicamente, os direitos humanos implicam uma certa antropologia fugidia,
na qual a vida humana é capturada por intermédio de seu abandono à morte na relação de exceção
soberana. Tudo aquilo de que a máquina antropológica ocidental teria sido capaz até hoje, isto é, seu
propósito maior de servir à soberania, pode ser visto como dádiva da metafísica ao biopoder. Olhado
55- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
sujeito deverá perguntar-se sempre se está fazendo o melhor investimento. No contraponto disso os
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desse ponto de vista, os direitos humanos são um instrumento por meio do qual uma certa antropologia
Resta saber se tal antropologia, ao atestar sua inépcia e sua ruína constitutiva, destrói o
próprio fundamento dos direitos humanos, ou se estes podem ainda tornar-se objeto de um uso
estratégico, ao lado de outras estratégias de contrapoder e resistência? Os direitos humanos, constituídos
como oposição estratégica ao sistema jurídico-legal, que opõe a legalidade à ilegalidade, poderá mostrarse promissor como elemento de emancipação dos governados?
Para tanto, os elementos que dizem respeito a essa estratégia devem ser propostos como
um sistema que envolve as ilegalidades puníveis e o produto do sistema de encarceramento, a
delinquência. A dignidade humana, embora tenha suas raízes em antigas práticas e diferentes culturas,
somente na modernidade se torna efetiva como poder-verdade. É possível no curso da sua história
demonstrar que o discurso dos direitos humanos passou a produzir efeitos específicos de poder e assim
legitimar as chamadas ‘sociedades biopolíticas’, modernas e também contemporâneas.
Desde os séculos XV e XVI é possível acompanhar a trajetória de uma verdadeira explosão
da arte de governar o homem. Desde deslocamentos que se iniciaram em fontes religiosas e que
impeliram processos de laicização rumo a expansão da sociedade civil, passando pela proliferação da
arte de governar e terminando por culminar na biopolítica. De fato, cumpre ver que desde então a
questão fundamental de como governar perpassou por diferentes aspectos do governo até que toda uma
arte de governar multiplicou-se capilarmente na história das sociedades ocidentais.
Podemos falar, desse modo, de biopolíticas, posto que o poder toma como objeto o corpo
ou a espécie biológica. O poder não se dirige mais apenas a um sujeito de direito ou a um cidadão, mas a
um dado biológico. Mas há um outro sentido do biopoder, desenvolvido por Michel Foucault2 ao
estudar o liberalismo, no final dos anos 1970. O fato é que o biopoder também está ligado ao
capitalismo, já que cada uma das suas fases desenvolve uma biopolítica própria. Trata-se, neste caso, de
compreender como o aumento e o confisco das riquezas supõem o desenvolvimento de poderes que
capturam as forças vitais para fazer com que participem do processo de criação de riquezas.
Trata-se de investigar os direitos humanos no campo próprio dos seus efeitos de poder.
Não ser excessivamente governado é o foco fundamental para uma crítica que, ao indagar pelos limites
do direito de governar, não só questiona a autoridade que governa, mas também opõe-se aos direitos
2
Michel Foucault, filósofo francês que viveu entre 1926 e 1984.
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sem fôlego inseriu um homem abstrato no coração de suas operações tanatopolíticas.
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universais e irrevogáveis com os quais cada governo submeterá os governados. A crítica, assim
estratégias de insubmissão voluntária, inaugurando novas experiências contrárias a submissão voluntária.
Assim como a governamentalização3 é a sujeição individual na realidade de uma prática
social efetivada por mecanismos de poder que se valem da verdade, a crítica é o movimento através do
qual o sujeito dá a si mesmo o direito de questionar a verdade concernente aos efeitos de poder e a
questionar o poder (verdade) referente aos discursos de poder. Crítica, portanto, será a arte de não
submeter-se voluntariamente aos desígnios do poder estatal; é, portanto, o campo próprio de uma
reflexão que não se deixa docilizar pelo poder sem reagir a ele. Ora, os direitos humanos como
estratégia dos governados, contraditoriamente, podem se prestam a essa crítica.
Atitude crítica e discurso jurídico-legal
A biopolítica é devedora de um longo processo que preparou os corpos individuais para
receberem disciplinada e docilmente, que são forças dissipadoras capazes de reunir, submeter, ajustar,
obrigar, controlar. A crítica tem, portanto, uma dupla tarefa: aquela de mostrar como o saber e o poder
funcionam, constituindo uma maneira mais ou menos sistemática de agenciar o mundo, de governá-lo
segundo as próprias condições de aceitabilidade de um sistema, mas também a tarefa de evidenciar uma
maneira de seguir as linhas de ruptura que marcam sua emergência. Ora, são justamente estas linhas de
ruptura, interseccionadas pela arte de não ser excessivamente governado, que constituem a insubmissão
voluntária e a reflexão indócil, que marcam a crítica como atitude crítica.
Ao referir-se a uma certa maneira de pensar, de falar e de agir e uma certa relação para com
o que existe, para com o que se sabe e se faz, bem como para com uma relação social, cultural, Foucault
procurou delinear, de modo geral, os contornos de uma atitude crítica. A reativação desta atitude, sob
esta ótica, diz respeito a um permanente modo de ser histórico que se caracteriza como crítica
permanente ao nosso ser histórico. Numa interpretação original da questão kantiana do
Esclarecimento4, Michel Foucault ressaltou a importância de se problematizar a nossa relação com o
A governamentalização constitui-se de mecanismos de controle e regulação das populações pelos quais estão sendo
recriados e reorganizados, renovando a capacidade normalizadora dos Estados.
4 Immanuel Kant, historicamente, pertence ao Iluminismo. Como movimento histórico o Iluminismo passou e, junto com
ele, foram enfraquecidos os principais ideais de sua época: a fé no progresso, a ideia de que o homem pode dominar todas as
coisas, e a confiança otimista na razão. Equidistante de um Iluminismo ingênuo, Kant reflete sua atualidade de maneira
inovadora, a saber, compreendendo-o como um processo atual de superação dos erros a partir da decisão de fazer uso do
próprio entendimento nos limites da razão humana universal. Kant, com sua máxima: Sapere aude, tenha coragem de fazer
3
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entendida, deverá se desdobrar em ações afirmativas que circularão nos espaços produzidos pelas
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presente, com a constituição histórica daquilo que nos tornamos ou somos, isto é, o princípio de uma
Assim, atitude crítica e criativa se interligam na constituição de um campo de forças que
atua como estratégia para não sermos excessivamente governados e viabilizarmos, de fato, a reflexão
indócil e a insubmissão voluntária como formas de nos relacionarmos com o presente, sem descartar as
consequências futuras da crítica. Se a biopolítica, referida ao biopoder, vale-se de uma série de
tecnologias para colocar a vida dentro de determinadas fronteiras, e aí sujeita-la, quer seja por
equivalência, quer seja por diferenciação, a atitude-crítica trata de não rejeitar a vida em suas múltiplas
possibilidades ou de não forçar-lhe apenas uma alternativa.
Ao confrontar as fronteiras a atitude-crítica quer, ela mesma, se colocar na fronteira do que
já é empreendido pelos processos de governamentalização5 e do que pode vir-a-ser, como
possibilidades. Quer dizer, atitude-crítica aqui é a postura criativa que força a emergência de
determinados limites que nos é dado como universais, necessários, obrigatórios. Cabe à atitude-crítica
indagar sobre o que é singular e contingente, derivado de constrangimentos arbitrários, que pode nos
levar a outras atitudes em nosso fazer, pensar e dizer.
Em outros termos, trata-se em suma de transformar a atividade do pensamento, exercida na
forma da limitação necessária, em uma atitude-crítica prática, na forma de uma transposição possível
dos limites dados. Mas se há uma pretensão, por parte da atitude-crítica, de se criar uma transposição
possível às formas de governamentalidade ou de tecnologias de poder, ela não pode abrir mão de um
componente fundamental que foi e é alvo de toda biopolitização: a liberdade. Trabalho indefinido da
liberdade que encontra o seu sentido na expressão da atitude experimental.
A biopolítica, racionalizada que é, emprega-se em certas tecnologias a fim de contingenciar
a vida humana em determinados campos experimentais: a saúde, a vida, a família, a sexualidade, a morte
uso de seu próprio entendimento, apresenta-a como uma investigação dos problemas internos da filosofia, isto é, os limites
da razão pura, tanto teórica quanto prática. Kant assume diante da questão da Aufklärung, o que desperta o interesse de
Foucault, uma preocupação com a atualidade sob uma perspectiva diferente de outros textos de sua época, que buscam
definir a finalidade interna do tempo e o ponto para o qual se encaminha a história da humanidade. Assim, a crítica da
atualidade constitui o eixo central da leitura foucaultiana acerca do significado da Aufklärung, ao mesmo tempo em que revela
a Aufklärung a partir de uma perspectiva crítica inscrita individualmente na atitude do homem moderno, o desejo de
mudança.
5 Articulação entre as tecnologias de dominação, sobre os outros, e as tecnologias de si mesmo. Objetivação do sujeito, no
primeiro caso; subjetivação, no segundo. Trata-se de compatibilizar dois níveis paralelos e complementares de gestão social
da vida: o anátomopolítico, por meio do disciplinamento do corpo-máquina, e o biopolítico, por meio da regulamentação do
corpo-espécie. Daí os processos de governamentalização constituiriam o ponto exato de articulação das tecnologias de si
mesmo e de dominação sobre os outros.
58- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
crítica e de uma criação permanente de nós mesmos sob nossa autonomia.
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etc. Estes processos de sujeição, entretanto, quando abordados desde uma atitude-crítica que
da realidade e da atualidade, que por sua vez, permitem empreender aqueles pontos onde alguma
mudança é possível, desejável e determinável em sua forma precisa. Para tanto, faz-se necessária uma
ontologia do presente, radicalizada contra as formas de poder que determinam e administram o ser
humano.
A biopolítica, desse modo, evidencia o paradoxo moderno do poder que fez do cuidado da
vida humana sua categoria ético-política mais importante. As instituições modernas têm no cuidado da
vida humana o seu ponto fulcral, dado que ela tornou-se um recurso útil indispensável para a realização
de fins determinados. Tal paradoxo da biopolítica dá centralidade ao cuidado da vida humana como seu
princípio formal, contudo o cuidado da vida apenas se efetiva enquanto vida útil.
Por outro lado, na medida mesma da objetivação biopolítica da vida humana, esta recebe
uma potência política ímpar nas sociedades modernas. Potência essa de insurgir-se contra os próprios
dispositivos que tendem a controlá-la. As lutas políticas nas sociedades modernas, são cada vez mais
biopolíticas, enquanto os novos dispositivos de governo tendem, tanto mais, a se confundirem com
técnicas de administração ou gestão de recursos humanos.
Os direitos humanos, por seu turno, podem articular os elementos de um contra discurso
moderno que investiu a vida humana de uma potência política insurgente. A despeito das utilizações
ideológicas a que está exposto todo discurso, os direitos humanos emergem também na modernidade
como discurso da vida humana contra os dispositivos que a controlam. Pode-se dizer que o debate
moderno sobre a vida humana vai ocupando os espaços vazios das utopias políticas do passado. Por
isso mesmo, a política moderna se torna cada vez mais uma biopolítica, isto é, política da vida e política
para a vida.
Trata-se, nesta direção, de nos desviarmos de todos os projetos que pretendem ser globais e
radicais, ou ainda, dos programas de conjunto de uma sociedade; por evidência, trata-se de nos
desviarmos dos limites restritivos da biopolitização. Só então, seria possível a atitude-crítica que foca as
transformações precisas que podem muito bem ter lugar num certo número de domínios concernentes
ao nosso modo de ser e pensar uma série de relações humanas. Enfim, tal atitude-crítica, interroga os
limites que nos são impostos e indica como as suas transformações são possíveis rumo a criação de
novos processos históricos.
59- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
experimenta, podem ser deslocados na direção de um eixo cujas experiências se mostram como prova
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Parece-nos que o que está em jogo é a tentativa de se buscar transformar as relações
futuro, ou seja, dirige-se a um vir-a-ser. Há na crítica um jogo de forças que pretende transgredir o
presente, o tempo já estabelecido onde o sujeito está submetido ao poder, pois se somos governados no
presente, e não há como negá-lo, ainda não o somos na totalidade dos acontecimentos que ainda estão
por vir, que estão em construção.
É evidente, contudo, que a atitude-crítica não visa a uma oposição total e generalizada aos
mecanismos da biopolítica, um tipo de revolta abstrata contra toda forma de governamentalização, que
consiste no efeito da multiplicidade das artes de governar. É mais na direção de uma oposição pontual,
marcada pela força de cada indivíduo para se desprender da abstração populacional, já que a questão
aqui se coloca como arte que dispõe o sujeito a não querer ser excessivamente governado no futuro.
Para tanto, podemos nos valer da noção de dispositivo, que é o modo como uma
multiplicidade de elementos se relacionam para determinado propósito. O dispositivo envolve o
processo de sobre determinação funcional, que trata da forma como os efeitos produzidos por um
dispositivo são rearticulados ao conjunto, provocando uma mudança interna, um reajustamento na
forma pela qual os elementos se vinculam. O segundo processo é o preenchimento estratégico, isto é, a
recaptura do que foi suspenso no jogo de forças entre dominação e resistência a ela.
Os direitos humanos, referidos como contraponto da biopolítica, exercidos em malhas
específicas da rede de poder que abrange toda a sociedade, podem oferecer um tipo de resistência
pontual e localizada, mas não menos eficiente por isso, no sentido do combate às limitações impostas
pela biopolítica às condições humanas de vida.
Referências Bibliográficas
FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. In: MACHADO, Roberto. (Org. e trad.), Microfísica do poder. 9. Ed. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1990. p. 277-293.
FOUCAULT, Michel. Genealogia e poder. In: MACHADO, Roberto. (Org. e trad.), Microfísica do poder. 9. Ed. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1990. p. 167-177.
FOUCAULT, Michel. Os intelectuais e o poder: conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze. In: MACHADO,
Roberto. (Org. e trad.). Microfísica do poder. 9.ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1990. p. 69-78.
FOUCAULT, Michel. Soberania e disciplina. In: MACHADO, Roberto. (Org. e trad.). Microfísica do poder. 9.ed. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1990. p. 179-191.
Para Foucault o poder se exerce como condução de condutas. A conduta é, ao mesmo tempo, o ato de conduzir os outros
e a maneira de se comportar num campo mais ou menos aberto de possibilidades. O exercício do poder consiste em
conduzir condutas e em ordenar a probabilidade.
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possíveis que são estabelecidas numa perspectiva de poder6, pois a crítica torna-se um meio para um
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FOUCAULT, Michel. Sobre a prisão. In: MACHADO, Roberto. (Org. e trad.). Microfísica do poder. 9.ed. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1990. p. 129-143.
FOUCAULT, Michel. Poder-corpo. In: MACHADO, Roberto (Org. e trad.). Microfísica do poder. 9.ed. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1990. p. 145-152.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: História da violência nas prisões. 5.ed. Petrópolis: Vozes. 1978.
VALVERDE, João Batista. Formas de subjetivação e subjetividade moderna em Michel Foucault. Goiânia, 1996.
Dissertação (Mestrado em Filosofia Política). Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal de Goiás.
61- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
FOUCAULT, Michel. MACHADO, Roberto. (Org. e trad.). Verdade e poder. In: Microfísica do poder. 9a edição. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1990. p. 1-14.
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GT 1 – Filosofia e Educação
Paulo Afonso Tavares - PUC GO
Resumo
Com esta comunicação pretendemos elucidar a concepção de Educação elaborada por Agostinho de
Hipona, na obra, De Magistro, ou, O Mestre, ele nessa obra retoma a teoria da iluminação, para explicar
ao seu filho, Adeodato, que conhecer é recordar e aprender é descobrir em si as verdades eternas. Pois é
Deus que concede a sabedoria, o único mestre, o conhecimento será a recompensa dos que tiverem fé.
No diálogo com o seu filho, Agostinho, afirma que o ensino é favorecido pelo professor para o aluno
através da linguagem, só que as palavras não contribuem para ensinar, mas sim para lembrar coisas já
conhecidas. Se as palavras nada ensinam, não se pode esquecer de que elas, […] incitam-nos apenas a
buscar as coisas, não no-las apresentam para as conhecermos. Ora quem me ensina alguma coisa é
quem me manifesta, quer aos olhos quer a outro sentido do corpo, ou ainda à própria mente, as coisas
que eu quero conhecer. Portanto, com 28 palavras não aprendemos senão palavras, ou melhor, o som e
o ruído das palavras (AGOSTINHO, 2002, p. 97). Para Agostinho, se escutamos uma palavra e
conhecemos o que ela designa, “mais rememoramos do que aprendemos; se não sabemos, nem sequer o
rememoramos, mas somos talvez incitados a inquirir” (AGOSTINHO, 2002, p. 97). Como já falamos,
as palavras não conseguem ensinar nada a ninguém, mas sim estimular a recordar, descobrir.
O conhecimento aprendido pelos alunos, não é precisamente o conteúdo ministrado pelo professor.
Pois os alunos utilizam o que o professor lhe ensinou para chegar até a Verdade, que se encontra dentro
de si. Para Agostinho, quem realmente ensina, é o mestre interior, que está presente na mente de cada
um de nós. São as palavras do mestre exterior, o professor, que encorajam os alunos na busca, de que
certa forma, eles já sabem. Os professores esclarecem através das palavras, as doutrinas, propostas por
eles para passar aos seus alunos. O que Agostinho argumenta, Ora depois de terem [os professores]
explicado por palavras todas essas doutrinas, que declaram ensinar, incluindo a da virtude e a da
sapiência, então aqueles que são chamados discípulos, consideram consigo mesmos se se disseram
coisas verdadeiras, e fazem-no contemplando, na medida das próprias forças, aquela Verdade interior de
que falámos. É então que aprendem (AGOSTINHO, 2002, p. 109).
Para Agostinho, o ensino não é algo concedido aos alunos, pelos professores. Pois os
alunos necessitam pensar por si mesmo, não só aprendendo e decorando, o que os seus tutores lhe
passam. “Pois quem será tão estultamente curioso que mande o seu filho à escola, para que ele aprenda
62- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
DE MAGISTR O: UMA PROPOSTA EDUCATIVA EM AGOSTINHO DE HIPONA.
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o que o professor pensa?” (AGOSTINH O, 2002, p. 109). Somente a iluminação é capaz de fazer com
verdade previamente, pois se ele não a conhece, ele pode até acreditar, mas não aprenderá. Porém se ele
já conhece a verdade, não aprenderá nada de novo. Porém, se ele considera o ensinamento do professor
como errado, não terá nenhuma nova aprendizagem. O professor não é um mestre, é um aluno, como o
seu próprio aluno, eles são alunos do Mestre que é Deus.
Referências Bibliográfica:
AGOSTINHO. O Mestre. In: ______. Confissões. São Paulo: Martin Claret, 2002.
63- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
que o aluno seja capaz de distinguir a verdade da falsa opinião. Por isso que o aluno precisa conhecer a
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GT1 – Filosofia e Educação
Pedro Gomes Neto – FE-UFG7
Introdução
À guisa de introdução, ressalto que a necessidade de se pensar o Tao Te Ching emerge em
um processo de investigação pela cultura filosófica ocidental. Há uma gama enorme de confusão que
ronda o aparecimento desse texto. Destinam-se a sua elaboração, com maior incidência, ao sábio chinês
chamado Lao Tzu, que poderia ter redigido esse escrito entre 460 e 380 a. C. A etimologia do nome Lao
Tzu é “o velho filósofo ou mestre”. Velho no sentido de ancião ou daquele que se espera ser o portador
da luz, o qual teria escrito os 81 versos sobre o caminho da virtude ou a virtude do caminho ou sobre a
virtude e o caminho, a pedido do guardião da passagem. Mesmo considerando as diversas formas de
compreensão do termo Tao, orientei-me pela tradução do mesmo por caminhar, um verbo na primeira
pessoa do presente do indicativo, o qual permite que algo seja mostrado no processo mesmo de se
apresentar, algo que não é uma determinação ou um ponto fixo, que não permite ser agarrado ou
definido, que é ser-sendo.
Após anos investigando da tradição filosófica ocidental pude perceber que a filosofia
ocidental guarda em sua ante câmera a noção de preenchimento. No Tao vejo outra concepção. No
ocidente pude notar a necessidade de se retomar outras formas de compreensão onto-lógica, que nos
pudesse auxiliar em nossas vidas. De forma que o estudo do Tao Te Ching aparece como recurso a uma
cultura da morte.
Pelo viés ocidental, pretendo enfocar mais detidamente o princípio onto-lógico elaborado
por G. W. F. Hegel (1770-1831) que, em meu ver, foi o pensador que, em sua tese sobre o absoluto, se
aproximou, em tese, daquilo que Lao Tzu chamou por Tao, o princípio indeterminado. Mas Hegel,
assim como nós, é um pensador ocidental, que inclusive criticou o saber oriental ao considerá-lo não
filosófico. Para Hegel a filosofia é ocidental, e marca sua origem no pensamento de Parmênides, calcado
Pedro Adalberto Gomes de Oliveira Neto possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (UFG 1987), Mestrado em Filosofia na Área de Concentração em Filosofia Social e Política pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG - 1998) e Doutorado em Filosofia na Área de Concentração em Ética e Filosofia Política pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS - 2008). Atualmente é professor adjunto IV da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ética e Filosofia Política, Metafísica,
Ontologia e Filosofia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: ética, política, filosofia, alteridade; dialética;
reconhecimento e filosofia: ensino médio. Publicou os livros Hegel: os primeiros embates filosóficos (2003), Hegel (2006), todos pela
editora Deescubra, e A Psicologia rudimentar de Platão (2015), pela editora Vieira.
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64- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
HEGEL E LAO TZU: INDETERMINAÇÃO DO ABSOLUTO E FORMAÇÃO
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na tese de que ‘ser é pensar’. O percurso dessa minha conversação não se trata de uma contraposição
na base das minhas considerações seria contraditória. Aliás, é exatamente esse o ponto nefrálgico dessa
reflexão. As minhas considerações sobre o tema sugerido discutem o tema da racionalidade ocidental, e,
por ela, penso os versos do Tao.
O caminho filosófico ocidental se apresenta na passagem do século VII/VI a. C. quando
certos pensadores decidiram por um estudo que se pautasse não por explicações mitológicas, mas
racionais. A filosofia surge como a preocupação com os elementos da natureza e, embora tenha nascido
no Oriente, a consideram Ocidental pelas pessoas que a realizaram. Uma das primeiras teses da filosofia
ocidental foi a polêmica acerca do entendimento destinado à palavra Lógos. Os Sofistas a traduziram
como linguagem. Sócrates, Platão e Aristóteles a traduziram como razão. Os primeiros, ao conceberem
o lógos como linguagem, entenderam que os homens eram a medida de todas as coisas. Isso significa que
todo discurso se equivale, não havendo essências nem verdade. Os pensadores do segundo grupo, ao
contrário dos Sofistas, concebiam haver essências e verdade. Para os da primeira vertente, o homem
deve se preencher de sentidos que ele mesmo dá às coisas para que ele possa viver e se comunicar com
os seus pares, mas de forma opinativa. Sócrates, Platão e Aristóteles defendiam que a Psykhê ou alma
qualificava os seres e, por meio do conhecimento8 delas, os homens poderiam ter uma vida melhor e ser
felizes.
Platão definiu o conhecimento como recordação de ideias pré-formadas postas em nós
desde sempre. Conhecer consistia em acordar as essências adormecidas em nós. Platão, em uma
passagem do seu diálogo intitulado Teeteto, afirma, mediante um diálogo entre Sócrates e Teeteto, que
Sócrates disse a Teeteto sobre a sua atividade de parteiro, igual à da sua mãe. Mas, diferente da sua
progenitora, Sócrates não partejava mulheres, mas homens no parto de ideias (essências). Disse Sócrates
a Teeteto que este estava cheio de ideias que queriam vir à luz. A luz deve ser alcançada pelo acordar de
essências que se encontram em nós. Um passo adiante deve ser feito: acordar o que se encontra
dormindo ou encher-se de ideias acordadas, preenchendo-nos de conhecimento, para que nos
achegássemos à luz e à felicidade. No Tao Te Ching vê-se de forma opositiva. Não se trata de se encher
de conhecimento. O homem Sagrado, afirma Tzu no seu verso 3, deve governar sem razão, intenção,
emoção, desejo e vontade: “atuando o não-atuar então não há desgoverno”.
Na antiguidade clássica, nos construtos teóricos de Platão e de Aristóteles, bem como no período Cristão medieval da
patrística agostiniana e da escolástica aquinante, o conhecimento é contemplativo.
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65- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
entre as concepções de Lao Tzu e de Hegel. Não há aqui espaço para a uma oposição. Uma dicotomia
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O Tao Te Ching ou caminhar na luz não se trata de um apossar-se de conhecimento, mas o
A Felicidade não consiste em encher-se de saber, mas no esvaziar-se do ego. O ‘não-desejar’ não
significa ter uma atitude amorfa, morta, como muito se entende no Ocidente. O ‘não-desejar’ é permitir.
Permitindo pelo vazio o Tao, o caminho já está a caminhar, o pleno já se põe presente. No verso 4, Lao
Tzu assevera que o caminho, o Tao, é vazio e ele assume forma, harmonia na manifestação do caminho.
As formas do Kung Fu e do Karatê Dô são expressões máximas desse caminho. No Ving Tsun, por
exemplo, uma forma deve se manter na transferência de energia de um movimento ao outro, mantendose o corpo harmonizado no equilíbrio sempre constante e presente do Yin e do Yang.
Nesse sentido, o Homem Sagrado do Tao Te Ching é desapegado do ser, da forma. Não há
espaço para o preenchimento. Ele deve estar, como se vê no verso 6, em sintonia com o vazio. Diz Lao
Tzu: “O espírito do vale não morre, diz-se místico feminino. A porta do místico feminino diz-se raiz do
céu e da terra, suave e multíflua. Parece lá existir, contudo opera fio a fio”. A harmonia é a manifestação
do caminho, o vazio, a sua natureza. Por isso o caminho é o vazio e ele assume forma. Alcança este
nível, o Homem que é Sagrado, o homem sábio ou aquele que atingiu a união da consciência pura com a
vida infinita. Ele não está em posse de algo, como acima foi apontado em relação ao saber filosófico
ocidental, em sua origem, mas simplesmente permite o Tao.
Na modernidade filosófica ocidental, o conceito de razão assume nuances muito díspares
em relação à tradição. A razão deixa de ser algo própria de uma exterioridade, posta em nós com as
essências de todas as coisas, e passa a se estabelecer como doadora de sentido pelo próprio Eu. Esta
passou a ser o princípio do saber, e a universalidade é substituída pelo sujeito cognoscente. Na
modernidade inverte-se o princípio da Physis (natureza como ser ou sagrada) e de Deus para o próprio
sujeito em posse de sua razão (René Descartes – 1596-1650), dos seus sentidos (David Hume – 17111776), ou de ambos Immanuel Kant – 1724-1804).
Essa inversão na ordem do ser é uma consequência do sectarismo do homem ocidental ao
se conceber como superior aos demais seres, colocando-se acima de toda a natureza. No emergir do
sujeito, razão se converte em uma faculdade ou em um instrumento pelo qual o sujeito pode dar sentido
às coisas e traçar as finalidades que ele pretende alcançar. A razão, o saber, a concepção antropológica, o
mundo assume outra faceta. No século XVII, o saber, antes contemplativo, se altera para
representacional. Divide-se o sujeito do objeto, delegando àquele a tarefa de elaboração de um saber que
possa nos orientar. Na filosofia de René Descartes vê-se um saber que visa um ponto fixo, as essências
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de se pôr ao caminho, caminhar, o próprio movimento, permitir-se ser-sendo, sem desejo, sem vontade.
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ou ideias claras que determina uma coisa e a distinga das demais. Mais do que isso, pode-se depreender
matemática universal. Trata-se da possibilidade de edificação de um conhecimento veraz sobre todas as
coisas.
Na contramão de Descartes, David Hume edifica um construto teórico no qual não há
espaço para a universalidade. Ele estabelece o Eu como princípio do saber, mas o faz calcado nos
sentidos, o que significa que cada discurso sobre o mesmo objeto é equivalente. Essa tese culmina na
impossibilidade do discurso universal e verdadeiro. Ambas as vertentes iniciais da modernidade estão
assentadas no princípio do Eu. Tanto em Descartes, pelo viés da razão, quanto em Hume, pelo enfoque
dos sentidos, o ego substitui a universalidade e, nesse momento, pode-se depreender com mais nitidez a
necessidade de preenchimento teórico, própria do Ocidente. Não somente na filosofia, mas na vida das
pessoas, nos sistemas econômico e político, o que fica mais claro é a necessidade de acumulação. Nesse
momento, o Tao se torna algo muito distante.
Não bastassem estes construtos teóricos, Immanuel Kant (1724-1805) encerra o período
moderno constituindo um saber no qual a referência é o fenômeno. Na era das grandes Revoluções,
Industrial e Francesa, por exemplo, o olhar do homem a si mesmo, ao mundo e ao saber se constitui
enquanto fenômeno. Nós nos tornamos aparência, embora vale ressaltar o esforço kantiano para
separar fenômeno de aparência. Não tardou para que a contemporaneidade se estabelecesse pelo viés
lógico formal. Claro que G. W. F. Hegel (1770-1831) e Karl Marx (1818-1883) se rebelaram sobre essa
égide, na qual o homem teria morte certa. Todos os dois criticaram o princípio do Eu e tentaram
estabelecer em outros parâmetros o pensar filosófico.
A essa altura, um pouco mais de 200 anos atrás, o Ocidente havia se consagrado como a
cultura do acúmulo, do preenchimento, da técnica, cada vez mais considerando a razão como guia
humano nesse processo do saber e do ser, concebendo-a como o arcabouço que deve ser cada vez mais
recheada de novidades, próprias a um progresso, a uma vida melhor, à felicidade.
Pode-se depreender o porquê do construto teórico kantiano ter causado um silêncio em sua
época. Podemos organizar o nosso mundo via o fenômeno, e a verdade se resguarda em outro mundo.
Em outros termos: podemos construir um mundo fenomênico, aparente, sem pessoas, mas com
sujeitos, sem verdade, mas como validades, sem virtudes, mas com leis. Esse silêncio fora abalado pelas
considerações de Hegel que, em sua tese de doutoramento, afirma que seu trabalho doutoral nasceu da
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que o projeto cartesiano, como coloca muito bem Michel Foucault (1926-1984), era o de criar uma
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preocupação em a filosofia ter se convertido em lógica. Hegel nos anuncia o descalabro que emergia em
Para criticar a perigosa orientação kantiana, a qual nos conduziria a um mundo aparente e
fenomenal, Hegel propõe outro princípio onto-lógico: o indeterminado. Nesse sentido, Hegel se
aproxima – em tese – de Lao Tzu. Mas essa aproximação é somente em tese. Hegel se mantém no
caudal teórico ocidental, e embora tenha edificado um princípio indeterminado, assim como Lao Tzu o
denomina, seu gonzo teórico é maculado pela tradição da racionalidade ocidental.
Em sua obra intitulada Ciência da Lógica (1812-16), Hegel enfoca o problema do fundamento
onto-lógico, mediante a articulação entre o Ser (Sein), o Nada (Nichts) e o Devenir (Werden). Estes três
termos iniciam os desdobramentos onto-lógicos expostos na obra supracitada, com o enfoque do ser
como pensar. Trata-se de investigar o ser enquanto puro ser ou do conceito mais elementar dessa obra,
mas com uma tese muito significativa em relação ao pensar de Lao tzu: o ser não designa um lugar
exterior do discurso lógico. Segundo Hegel, o ser é definido como o imediato indeterminado.9 Antes
dele, nada há. Ele é igual somente a si mesmo. Segundo Hegel, o ser “... não tem nenhuma diferença,
nem em seu interior nem em direção ao exterior”.10
O ser puro é uma categoria elementar, mas que enriquece e explicita o processo do pensar.
“A indeterminação radical do ser exprime a ausência de um domínio e referência como preâmbulo
necessário ao pensar”.11 Nada antecede ao ser, mesmo que ele seja o imediato indeterminado. Não há
como especificar aqui a forma do conhecer, na medida em que ele é absolutamente igual ao seu objeto.
O ser é “... a pura indeterminação e o puro vazio...”.12 Não há a ideia de um preâmbulo necessário ao
pensar. No ‘Prefácio’ da obra Fenomenologia do Espírito, de 1807, Hegel discute se há ou não introdução à
ciência. Uma introdução à ciência seria, de antemão, colocar-se fora dela. A introdução já seria o
primeiro momento da ciência, de tal monta que nada se encontra fora dela, fora do absoluto. A
‘Introdução’ da Fenomenologia do Espírito acentua que o caminho para a ciência já é ciência ele mesmo: “É
por essa necessidade que o caminho para a ciência já é ciência ele mesmo, e, portanto, segundo seu
conteúdo, é ciência da experiência da consciência”.13
HEGEL, G.W.F. Wissenschaft der Logik. Hamburg: Felix Meiner Verlag, 1990, p. 66: “Das Sein ist das unbestimmte
Unmittelbare”. As citações desta obra serão indicadas, doravante, pela sigla WL.
10 WL: 66.
11 BIARD, J(Coord.). Introduction à la Lecture de la Science de la Logique de Hegel. Paris: Aubier, 1981, p. 48. Doravante as citações
desta obra serão indicadas pela sigla ILH.
12 WL: 66.
13 HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 72.
9
68- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
nossa cultura e inicia sua trajetória teórica, que é o objeto dessa nossa discussão.
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A Fenomenologia do Espírito se constitui como uma obra de preparação ao absoluto,
primeira seção da Ciência da Lógica, ao referir-se ao ser, ao nada e ao devenir discute a indissociabilidade
entre ser e nada. O problema reside no fato da possibilidade de estabelecer certa diferenciação entre
forma e conteúdo, introduzindo uma falsa dicotomização entre ambos, o que permitiria uma
delimitação inadequada à abstração do princípio. O princípio do saber já seria saber ele mesmo. Nada há
nele que se possa intuir. Quanto ao seu conteúdo, ele é vazio puro. Não há nenhuma diversidade nem
dentro, nem fora dele. O ser puro, vazio, é inefável e impensável. Esse princípio de reflexão introduz a
necessidade, originária da noção de ser puro, que designa a vacuidade de um pensamento dispondo de
algum conteúdo. Esse chamamento requer um ser-aí determinado, afetado por algum limite e, portanto,
susceptível de fornecer ao pensamento um conteúdo finito que suprassuma a sua imediatidade inicial.
Observem que a preocupação de Hegel acerca do absoluto, do princípio do saber, do ser,
do pensar e do nada parecem semelhantes à preocupação de Lao Tzu no Tao Te Ching. Mas uma
diferença de princípio cultural e filosófico os separa. Lao Tzu não está preocupado com a
conceptualização do ser, mesmo que Hegel o compreenda como imediato indeterminado. Tzu não
pretende determiná-lo para depois dizê-lo indeterminado. A nossa cultura necessita de preenchimento,
mesmo que ele seja ausência de determinação. Lao Tzu se coloca, de imediato, sem essa necessidade ou
sem desejo.
Retornando a Hegel, um segundo aspecto importante refere-se à inversão fundada por ele
em relação à metafísica tradicional: o puro ser em sua indeterminidade coincide com o nada. Diz Hegel:
“O ser, o imediato indeterminado, é em realidade o nada, nem mais nem menos que o nada”.15 A
imediatidade de dois vazios: ser e nada possibilitam a imediatidade plena do princípio. Somente a
categoria do devenir permitirá pensar esta igualdade num processo. O fato é que Hegel coloca em
discussão a problemática ontológica, confrontando-se diretamente com a tese de Parmênides. Segundo
este Pré-socrático, só o ser é, e somente ele pode ser pensado. O não-ser não é e, consequentemente, ele
não pode ser pensado. Ser é contrário de não-ser, ou o contrário do nada. Hegel apresenta uma
igualdade entre o ser e o nada, puros. O ser é o imediato indeterminado; o nada, a ausência de
determinação. Ambos são indeterminados, e os dois juntos possibilitam o devenir, o movimento, o
Sobre o problema da noção de Absoluto ver: LABARRIÈRE, P.-J. Introduction à une lecture de la Phénoménologie de L’esprit.
Paris: Aubier-Montaigne, 1979. Doravante esta obra será indicada pela sigla ILH. Ver também LABARRIÈRE, P.-J. Structures
et mouvement dialectique dans la Phénoménologie de L’esprit de Hegel. Paris: Aubier-Montaigne, 1968.
15 WL: 66.
14
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admitindo, desde o início, a sua presença no processo da ciência da experiência da consciência.14 A
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processo. Percebe-se o esforço de Hegel para compreender a indeterminação do ser e do nada, bem
Trata-se do não-conhecimento ou do conhecimento sem engenhosidade e malícia. Vale dizer: viva no
não-conhecimento, na não-existência. A existência origina o valor; da não-existência, a utilidade.
Enquanto para Lao Tzu, o homem-Sagrado se realiza pelo ventre, o homem ocidental se realiza pelo
olho, pelo saber, pelo conhecimento, pelo querer ou desejar. Não se deve ter consciência do
preenchimento, mas do vazio. Não se deve partir do indeterminado em vista da sua determinação,
preenchendo a sua consciência, mas ter consciência do próprio vazio, onde o universo cria e se destrói.
Para Hegel, o puro nada é a ausência de determinação. Ele “... é a simples igualdade consigo
mesma, o vazio perfeito, a ausência de determinação e conteúdo...” 16 Ser não se opõe ao nada,
de tal forma que um exclua o outro, tal e qual expressava e defendia a teoria de Parmênides. O
ser não se opõe ao nada, puros. O ser não passa ao não-ser, nem vice-versa. Os dois reunidos
formam o devenir, o processo, a unidade entre ser e nada. “O nada é, portanto, a mesma
determinação, ou melhor, ausência de determinação, e com isto é em geral a mesma coisa que é
o puro ser”.17
O puro ser e o puro nada são, portanto, a mesma coisa. O que constitui a verdade não é
nem o ser nem o nada, mas aquele que não traspassa, mas que tem traspassado: o ser (traspassado) no
nada e o nada (traspassado) no ser. Não se trata do ser e do nada, mas do traspassar. Não se trata de um
ser que se passa a outro ser, mas o próprio movimento, o devenir. Segundo Biard, “O devenir é a
primeira categoria lógica, o momento inaugural do discurso como desenvolvimento da verdade”.18 Ser e
nada são desprovidos de toda e qualquer estabilidade e consistências próprias. Eles só podem ser
pensados a partir do devenir, pois eles nada têm de reunidos neles como qualidades específicas de cada
um. Eles são no e para o devenir. O devenir é o verdadeiro princípio da lógica. Biard identifica a
categoria do devenir como “... o processo dialético que produz as determinações da esfera do ser”.19
O devenir ou o processo é a forma mediante a qual o ser, a partir de sua abstração inicial, se
determina e se exterioriza mediante a alteridade para voltar a si e se revelar como essência. O devenir é
esse processo no qual há o acoplamento do ser ao nada. Trata-se da primeira possibilidade de inscrição
da processualidade do pensar. Insere-se a noção de mediação. Nada a ela pré-existe. Da mesma forma, é
o devenir responsável pelo aparecimento da diferença ou da ruptura com a imediatidade. “O trabalho
Id. Ibid.
Id. Ibid.
18 ILH: 51.
19 Id. Ibid.
16
17
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como a processualidade deles. No Tao Te Ching essa não é a preocupação. Aliás, ela é bem diferente.
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do negativo, nesta primeira forma, instaura uma dialética onde a relação do ser ao nada pode ser reunida
Ressalta-se, outrossim, que o devenir não conferi consistência ao ser e ao nada enquanto
objetos, mas somente ao movimento que reconduz sua indiferenciação. Inicialmente, essa diferença
evanescente apresenta-se como pobre e abstrata. Mas, de certa maneira, ela se situa para além da esfera
do ser. A trilogia ser-nada-devenir prefigura o processo de reflexão essencial, de forma que o devenir
não é o termo médio entre ser e nada. Pode-se dizer que é o termo médio que autoriza o silogismo
aceder ao especulativo, isto porque a forma predicativa é incapaz de permiti-lo.
O indeterminado hegeliano se determina como algo que se preenche e deve permanecer
nessa busca de preenchimento. Hegel necessita, assim como ocorre em nossa tradição filosófica, de
compreender para agir, mesmo que ambos estejam juntos no início do saber. Nesse sentido, Hegel é
totalmente oposto à tese de Lao Tzu. Não se necessita compreender o caminho, mas a constância da
iluminação. O que se deve, segundo Lao Tzu, é anular o sagrado e abandonar a inteligência; anular a
bondade e abandonar a justiça; anular o conhecimento, a engenhosidade e abandonar o interesse. Caso
não funcione, promova a confiança encontrando a simplicidade, reduzindo o egoísmo e diminuindo os
desejos. O que se deve é suprimir a preocupação e o ego, marco central da cultura ocidental.
Referências Bibliográficas:
BIARD, J(Coord.). Introducción à la Lecture de la Science de la Logique de Hegel. Paris: Aubier, 1981.
HEGEL, G.W.F. Wissenschaft der Logik. Hamburg: Felix Meiner Verlag.
HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1992.
LABARRIÈRE, P.-J. Introduction à une lecture de la Phénoménologie de L’esprit. Paris: Aubier-Montaigne, 1979.
_______________. Structures et mouvement dialectique dans la Phénoménologie de L’esprit de Hegel. Paris: AubierMontaigne, 1968.
TZU, Lao. Tao Te Ching. São Paulo: Editora Mandruvá, 1997.
20
Id. Ibid., p.52.
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como passagem, e tudo inicialmente como desaparecer de um no outro”.20
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GT 1 – Filosofia e Educação
Raul Pereira De Jesus Neto – PUC – GO.
Lucas Fernandes De Sousa – PUC – GO.
“Um dia virá em que só se terá um único
pensamento: A Educação”. (DIAS, 1993.
p.15)
1. Introdução
Neste presente artigo procuro tentar compreender os problemas propostos por Nietzsche
em várias de suas obras, em “Sobre o Futuro de Nossos Estabelecimentos de Ensino”. O filosofo traz
alguns aspectos a respeito da cultura utilitarista, e as julga como “egoístas” e nos revela a maneira que o
poder público e a igreja moldam a nossa sociedade. Destinaremos o primeiro momento desta reflexão a
tratar da biografia do autor pois julgo que este nosso filosofo desde de os 14 anos se encontra na
posição de professor, e aos 24 anos foi nomeado professor na Universidade de Basileia 1871, tendo em
vista que o capitalismo está a se desenvolver, Nietzsche profere os interesses envolvidos por traz de
cada um desses órgãos O segundo momento apresentaremos o modelo ideal de educador proposto por
Nietzsche, onde o filosofo do martelo nos diz que Arthur Schopenhauer conseguiu ser o verdadeiro
educador, como aquele que ensina através do exemplo, e assim e capaz de incitar os alunos para o
cultivo da autonomia. Por fim, procuraremos demonstrar a atualidade do pensamento de Nietzsche
utilizando um curta-metragem brasileiro onde o protagonista “Lucas” representa uma parcela de jovens
brasileiros que sofrem com a realidade do analfabetismo funcional, sofre repressões representadas no
curta pela professora (Estado), a mãe (Igreja) e mesmo assim, supera todo esse episódio, apenas com as
ideias da pedagogia Nietzschiana “Super homem” “espirito livre” Lucas consegue melhorar suas notas,
e incorporar as propostas feitas pelo nosso filosofo no século XXI.
1. “Vida e Obra”
Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em Röcken, na Saxônia, aos 15 dias do mês de outubro
de 1844 (DIAS, 1993, p. 9). Era o primogênito de Karl Ludwing e Franziska Oehler, (ambos) de família
protestante. Perdeu o pai aos cinco anos, Nietzsche passou a sua infância na cidade de Naumburg na
Alemanha, onde cresceu em companhia da mãe e irmã. Considerado por professores como um aluno
brilhante, aos 14 anos, em consequência de sua dedicação aos estudos, obteve uma bolsa de estudos na
renomada Escola Landesschule Pforta. Lá, ganhou fluência em grego e latim e, ao mesmo tempo,
começou a questionar os ensinamentos do cristianismo. Aos 20 anos, Nietzsche conheceu de perto a
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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO EM NIETZSCHE
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obra de uma de suas influências mais caras: Schopenhauer. Pouco depois prestou o serviço militar e
filologia clássica na Universidade de Basiléia. Foi quando em 1871, escreveu sua primeira grande obra,
O nascimento da tragédia, sobre a qual disse Wagner: “Jamais li obra tão bela quanto esta”
(NIETZSCHE, 2008 p. 186). Este contato com a filologia clássica contribuiu com a formação do
pensamento de Nietzsche, que se constitui como a crítica violenta a toda cultura ocidental pois perpassa
várias modalidades: filosofia, religião, moral, arte, ciência. Segundo Nietzsche a cultura ocidental está
impregnada por uma moral que desvaloriza o mundo sensível. Este posicionamento que dominou todo
pensamento grego, promete implantar a racionalidade a todo o custo. Para o filósofo, esta opção do uso
da racionalidade e um sintoma de declínio, das forças vitais, pois veio a atrofiar a vida humana,
desvalorizando o mundo de forma radical. Os valores promovidos pelo uso da racionalidade são
valores, prejudiciais, opostos a uma relação saudável com a vida. Estes não são oriundos de uma razão
instintiva, pois promovem uma vontade fraca e impotente, incapaz de enfrentar a realidade e dizer sim à
vida na sua totalidade. Segundo Nietzsche, esta avaliação negativa do pensamento ocidental começa
com a filosofia socrático-platónica, e tem como ponto culminante o Iluminismo no século XVIII. O
filósofo faz um diagnóstico da cultura de seu tempo e denuncia o niilismo em que a Europa estava
mergulhada, dentro deste contexto chega a afirmar que “Deus está morto”. Esta frase tornou-se o
marco deste nosso filosofo, que hoje e conhecido como filosofo do martelo. As obras de Nietzsche
foram produzidas por ele entre o final da década de 1860 e o final da década de 1880. (DIAS, 1993, p.
11). "Humano, Demasiadamente Humano" (1878), "Aurora" (1881), "A Gaia Ciência" (1882), "Assim
Falou Zaratustra" (1883), "Para-Além de Bem e Mal" (1885), "Genealogia da Moral" (1887),"Crepúsculo
dos Ídolos" (1888), "O Anticristo" (1888) e sua autobiografia "Ecce Homo" (1888). Na última década
de sua vida, Nietzsche nada produziu; acometido por uma crise de demência em 1889, ele foi internado
em uma clínica psiquiátrica da Basiléia e, no mesmo ano, foi transferido para Iena e lá permaneceu até o
ano seguinte. Ele deixou a clínica de Iena em 1890 e mudou-se para Weimar, em 1897, em função da
morte de sua mãe (DIAS, 1993, p. 13). Em 1895, os sinais da paralisia avançam definitivamente e
Nietzsche passa a apresentar sinais visíveis de perturbação nos movimentos dos membros.
(NIETZSCHE, 2008 p. 187). Em 25 de agosto de 1900, depois de penar sob o jugo da dor e da irmã, o
filósofo falece em Weimar, cidade para a qual a família o levara junto com o arquivo de suas obras e
escritos. (DIAS, 1993, p. 13). Partiu cedo, aos 54 anos de idade, mas deixou um imenso legado.
1. “O futuro de nossos estabelecimentos de ensino”
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entrou em contato – fascinado – com a música de Wagner. Aos 24 anos, foi nomeado professor de
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A Prússia sofreu uma derrota devastadora contra as tropas de Napoleão Bonaparte durante
de outubro de 1806. A derrota decisiva sofrida pelo exército prussiano subjugou todo o Reino da
Prússia ao Império Francês até a Sexta Coalizão. Como resposta a esta derrota, reformadores como
Stein e Hardenberg definiram a modernização do estado prussiano. Entre as suas reformas estavam a
libertação dos camponeses da servidão e a emancipação dos judeus como cidadãos com pleno direito. O
sistema escolar foi reorganizado com a obrigatoriedade da formação inicial de três anos nas chamadas
“escolas populares” e, em 1818, o comércio livre foi introduzido. O processo de reforma do exército
terminou em 1813 com a introdução do serviço militar obrigatório. A pedagogia prussiana se tornou
‘modelo educacional a ser seguido nacional e internacionalmente’ pois os altos índices de escolarização
garantiram a Prússia este título, pois em 1850, a erradicação do analfabetismo nas grandes cidades da
Alemanha havia sido praticamente atingida. Ao observar esta configuração Nietzsche revela o
adestramento realizado pelo Estado e pela religião, a limitação de pensamento promovida pela tendência
de especialização, a redução da cultura responsáveis pela formação de uma sociedade alemã medíocre,
incapaz de apontar as diferenças ente um gênio e um bárbaro. No dia 16 de janeiro 1872, o jovem
Professor Nietzsche proferiu cinco conferências sobre educação na Sociedade Acadêmica da Basiléia,
intitulada “Sobre o Futuro de Nossos Estabelecimentos de Ensino”. No intuito de propor uma nova
construção no conceito educacional, baseada no modelo dos grandes mestres. Em sua primeira obra, O
nascimento da tragédia, Nietzsche sustenta que a tragédia grega surgiu da fusão de dois componentes: o
apolíneo, que representava a medida e a ordem; e o dionisíaco, símbolo da paixão vital e da intuição
(NIETZSCHE, 2008 p. 82). Segundo a tese de Nietzsche, Sócrates teria causado a morte da tragédia e a
progressiva separação entre pensamento e vida ao impor o ideal racionalista apolíneo. Entremeio tal
façanha, Nietzsche aponta os “egoísmos” que impedem o acontecer de uma verdadeira cultura.
2. Os egoísmos”
A saber, o “egoísmo dos comerciantes”, onde a cultura foi tratada como uma mercadoria
qualquer, ligada ao consumo, produtividade e ao lucro; “quanto mais houver conhecimento e cultura,
mais haverá necessidades, portanto, também mais produção, lucro e felicidade...” (NIETZSCHE, 2004,
p.185) Nietzsche observa a tática da obrigatoriedade dos 3 anos de escolaridade básica, para os homens
de negócios, enquanto houver mais conhecimento e cultura, haverá mais necessidades, no contexto da
revolução industrial se fez necessário formar os produtos e os técnicos de produção, visando apenas o
lucro, o ganho e a usura, bem no espirito do capitalismo, que estava a se desenvolver, Portanto, A
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o reinado Friedrich Wilhelm III (1797-1840), nas Batalhas gêmeas de Jena e Auerstedt, travadas em 14
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cultura estaria voltada para a produção de necessidades para o consumo; deve ser rápida, para formar o
felicidade: “não se atribui ao homem senão justamente o que é preciso de cultura no interesse do lucro
geral e do comércio mundial” (NIETZSCHE, 2004, p. 186).
O Outro “egoísmo é o do Estado”, decorreu-se quando os domínios das instituições
perpassavam das mãos da igreja para o poder público, e buscava a generalização da cultura utilitarista,
que vê as pessoas apenas como instrumentos, e pretende aprimora-las para satisfazer os seus desejos, e
para isso, utiliza a educação como critério principal de direcionamento dos indivíduos para o mercado,
visando promover apenas a reprodução, e a formação de técnicos para o mercado, considerando que
este modelo provoca uma separação entre homem e cultura, o filosofo também condena o
enfraquecimento dos valores culturais consolidados pelos estabelecimentos de ensino, tais como a
tradição alemã do auto cultivo, conhecida como formação “Bildung” que se configura em criação,
imagem, forma, descrita como uma emancipação da mente e dos indivíduos, traz o uso da razão em
excesso, sendo assim que as instituições de ensino não educam, padronizam, assim, o adestramento
realizado pelo Estado traz a limitação de pensamento promovida pela tendência de especialização.
O terceiro egoísmo, é caracterizado como “egoísmo da ciência”. A educação moderna, para
Nietzsche, havia substituído os verdadeiros educadores que seriam os “modelos ilustres” por “uma
abstração inumana” que é a ciência (Nietzsche, 2004, p.145). O filosofo traça o perfil deste novo
fenômeno que esta moldando todo o ocidente, uma concepção que afirma ser dona da “verdade”, e que
vê a cultura apenas como resultado do progresso cientifico, para o filosofo do martelo essa cultura dos
cientistas não contempla as questões fundamentais da vida. As universidades haviam feito do ensino da
ciência algo desligado da própria vida, tornando os eruditos mais preocupados com a ciência do que
com a humanidade, esquecendo que sua verdadeira tarefa é “educar um homem para fazer dele um
homem” (NIETZSCHE, 2004, p. 144). A ciência traz essa característica, da procura por conhecimentos
a qualquer preço, a ver temos o filosofo Francis Bacon, que sintetiza o espirito da revolução cientifica
do século XVII, no momento em que, as intensões eram colocar o ser humano como criador e não
como criatura. Produzindo novas verdades, técnicas e novas tecnologias, ou seja, trazer à tona a verdade
única. Michele Foucault, um conhecedor desta nossa filosofia, anos após a morte de Nietzsche vai dizer
que “toda esta relação e puramente interesses”. Portanto o desenvolvimento cientifico, baseasse apenas
em jogos de poder, tensões e disputas.
3. “Dionisios também existem”
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mais rápido possível homens que produzem e consomem, pois no consumo está centralizada a busca da
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A concepção nietzschiana da arte é uma concepção trágica. Repousa sobre dois princípios, que
é preciso conceber como princípios muito antigos, mas também como princípios do futuro.
Em primeiro lugar, a arte é o contrário de uma operação “desinteressada”: não cura, não
acalma, não sublima, não desinteressa, não suspende o desejo, o instinto ou a vontade. A arte
pelo contrário é “estimulante da vontade de poder”, “excitante do querer”. (DELEUZE,1989
p.153)
Podemos dizer que a “arte trágica” na filosofia de Nietzsche, e base para superar os
equívocos da modernidade, nosso filosofo propõe o retorno dessas forças instintivas, pois segundo ele,
deixamos de lado uma parte do espirito humano, enquanto outro acabou por ser valorizado,
compreendemos aqui o primeiro sintoma de decadência, pois enquanto o homem observa que o mundo
é caótico, tenta-se uma adequação racional, interpretada a partir da mente humana, que incorpora os
aspectos socráticos da racionalidade, desvalorizando parte dessas pulsões tidas como “dionisíacas” que
segundo o filosofo são vitais. Nas conferências “Sobre o Futuro de Nossos Estabelecimentos de
Ensino” Nietzsche enfatiza o projeto de formação do homem livre e propõe uma o resgate dessas
forças para que, seja superado a configuração do projeto iluminista da modernidade, trazendo o espirito
grego da arte de criar, contudo este pensamento que quebra as correntes egoístas e utilitaristas da igreja,
do poder público e até do meio comercial desempenha um papel essencial no projeto de formação do
Além Homem, proposto por Nietzsche.
4. “O modelo dos mestres e o Super Homem”
Como o filósofo se inspirava no modelo grego aristocrático, defendia avanço cultural e a
emancipação dos indivíduos. O indivíduo autônomo será, capazes de fluir o prazer, e sentir a felicidade,
refletir sobre aquilo que já está determinado fazendo assim, um reinterpretar da realidade, “o surgimento
do novo”. “O homem deve ser um espirito livre, não deve se deixar conduzir como uma ovelha em um
rebanho”. O seu objetivo era forçar uma reflexão crítica, sobre problemas da cultura, da educação e do
ensino, pois segundo Nietzsche a trajetória educativa não estava no caminho certo. Não seria nenhum
erro supor os argumentos do filósofo para o presente. Embora os textos de Nietzsche tenham sido
escritos no século XIX, percebemos que possuem uma grandiosa contribuição para a análise da
educação nos dias atuais. Para o filósofo do martelo, a educação deveria oferecer aos alunos um
despertar destas energias que estão ocultas dentro de cada um, “vontade de poder”, “consciência”,
“espírito livre”, seria o surgimento do “Super homem” “O retorno do “dionisíaco” que possibilitaria a
formação deste indivíduo superior. Para isto Nietzsche diz que (o professor) deve ser capaz de instigar o
Aluno, provocar, e fazer brotar estas forças dentro do âmbito educacional, e que tenha consciência de
maturidade dentro de sua própria experiência individual, Nietzsche tem como objetivo trazer os de volta
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os valores negados na Grécia Antiga, para isso o filosofo propõe um modelo inspirado nos grandes
exemplo raro de pensador que havia mantido a coerência entre vida e obra, pois “o exemplo deve ser
dado pela vida real e não unicamente pelos livros” (NIETZSCHE, 2004, p. 150). Ao contrário de dar à
tendência de dar autonomia aos educandos, o filosofo dissolve que os jovens estudantes devem ser
capazes de propor e expor as próprias ideias, tomando o educador como referência para si, dar ao aluno
maturidade suficiente para trilharem seus caminhos, como a melhor forma de trazer à tona a expansão
das forças vitais. Para ser um “espírito livre” Será necessário superar a padronização e constituir
autonomia. A filosofia de Nietzsche da arte trágica, traz um modelo antropológico, baseado nos textos
de Homero. Para ultrapassar o estágio de repetição e alcançar o momento de “criação” “surgimento do
novo” será necessário implantar o modelo aristocrático
“O que é aristocrático? Que sentido a palavra aristocrático pode ter ainda hoje? Onde se releva,
em que se reconhece o homem aristocrático, sob o céu pesado e ameaçador desta nascente
supremacia do vulgar, este céu que torna todas as coisas opacas como chumbo? Não são as
ações que indicam isso as ações são sempre ambíguas, sempre insondáveis –; não são também
suas obras. Atualmente, podemos encontrar muitos artistas e eruditos, cujas obras denunciam
um profundo desejo de valores aristocráticos, mas é precisamente este desejo que é
radicalmente diferente das necessidades do espírito aristocrático, e constitui o sinal eloquente e
perigoso da ausência de um espírito assim disposto. Aqui, não são as obras que decidem e
fixam a hierarquia, mas a fé, para retomar uma velha fórmula religiosa num sentido novo e mais
profundo: alguma certeza íntima inerente à alma aristocrática, algo que não se pode procurar,
nem achar, nem talvez perder – a alma aristocrática tem respeito por si” (NIETZSCHE, 2007
B, p. 314).
Estes aristocratas, segundo o este nosso filosofo, são “senhores de si mesmo” logo não se
submetem aos valores da moral dominante, pois esta emancipação deve coagir com os valores que estão
ocultos dentro de cada ser.
Há necessidade de educadores que estejam educados eles próprios, de espíritos superiores,
aristocráticos, provados em cada instante, provados pela palavra e pelo silêncio, culturas que se
hajam tornado maduras, doces – não os doutos grosseiros que os Institutos e a Universidade
oferecem hoje, como nutrizes superiores, à juventude. Faltam, salvo as exceções das exceções,
os educadores, primeira condição prévia da educação: daí a decadência da cultura...
(NIETZSCHE, 1985.p.76)
O filosofo nos revela que o fator principal da decadência da cultura e da educação e da
educação, nada mais e do que essa opção feita pela cultura ocidental, a opção do uso do pensamento
logico que determinou todo a configuração das instituições de ensino da época; o ginásio (escola) e
Universidade.
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mestres, Nietzsche encontra no filósofo Arthur Schopenhauer a imagem de figura modelar, um
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Esta pedagogia de Nietzsche e compatível com educação Contemporânea? Quais são as
limitações para que tenhamos um “espirito livre” e como ser um indivíduo que exerce plenamente sua
vontade de potência? No curta-metragem brasileiro lançado em 2012 por Fáuston da Silva, intitulado
“Meu Amigo Nietzsche” retrata a história de um jovem Lucas: estudante brasileiro do século XXI, de
uma maneira divertida e sarcástica o curta se utiliza da pedagogia instintiva nietzschiana para contrapor e
tentar abortar as grandes taxas de analfabetismo, dentro do espirito crítico do filosofo, o curta aborda as
consequências do projeto iluminista da modernidade, e utiliza como exemplo as instituições formadoras
e conservadoras da sociedade brasileira – a escola, a família e a igreja, no contexto do curta, Lucas o
menino, não estava indo bem com em seus rendimentos escolares, e estava prestes a repetir de ano na
escola, com graves problemas de leitura e comportamento a escola propõe para Lucas que a leitura irá
ajudar na melhora das suas notas, desde então o menino lê anúncios pelas ruas, cartazes e muros. Em
uma brincadeira que se passa, Lucas está soltando “pipa” com seus amigos, quando viola o aviso de
“Proibida entrada” em busca do seu brinquedo acaba por entrar em um lixão (deposito de lixo), neste
lugar encontra uma obra cujo o nome do autor o menino não consegue pronunciar, um clássico da
literatura, “Assim falou Zaratustra principal obra do nosso filosofo, na tentativa de entender o livro o
jovem passa a fazer leituras, porém obter estes bons resultados traz várias consequências, assim como
nos traz a ideia de um “super homem” um indivíduo superior, o menino passa por uma transformação
que o eleva, podemos compreender que o garoto tem suas pulsões sufocadas, assim ao invés de ser
compreendido, sua mudança passa a assustar a mãe, e a professora, para a mãe: simpatizante da moral
crista, o garoto está sendo influenciado por forças transcendentais, (coisa do demônio) e a igreja e a
única solução para o comportamento de Lucas, para a professora: isto é apenas um comportamento,
julgado como prejudicial. O jovem passa a ler sem nenhuma orientação, e com pouca maturidade coloca
em pratica as questões do livro, porém não distingui o contexto e o momento histórico, os pensamentos
atribuídos a partir do livro passam a ser “mal utilizados”, no entanto o jovem Lucas continuou a
caminhada com Zaratustra e nisso foi melhorando o desempenho escolar. Tornando-se um crítico, ou
seja, um filósofo questionador. Assim como esta Pedagogia Nietzschiana, ele passou a ser questionador
assustou a professora que o achou “maluco”, pois criou um grande poder de persuasão, mostrado no
curta quando Lucas convence seus colegas na escola de serem “super-homens”. Além-do-homem.
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5. A pedagogia de um extemporâneo
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O homem é uma corda estendida entre o animal e o Além-Homem: uma corda sobre um
abismo. Perigoso passar um abismo, perigoso seguir esse caminho, perigoso olhar para trás,
perigoso temer e parar. A grandeza do homem consiste em ser uma ponte e não uma meta; o
que se pode amar no homem, é ser ele uma ascensão e um declínio... amo aos que não
necessitam procurar além das estrelas uma razão para perecer e oferecer-se em sacrifício, mas
que se imolam à terra, para que a terra pertença um dia ao Além-Homem... (NIETZSCHE,
2009, p.22-24).
Quando e proposto a transvalorização dos próprios valores, e necessário estabelecer aqui
que aconteça a transformação para este fenômeno. O homem deve ser “senhor de si mesmo” para
atingir o Além-Homem é necessário superar o homem! Lucas, o personagem do curta-metragem, traz
consigo uma característica, que amedronta todo o cenário do ensino fundamental e médio da educação
brasileira, em meados do século XXI o tradicionalismo condenado por Nietzsche no XIX, perpetua
nossa realidade em grandes taxas. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad),
publicada em 2014 pelo IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o analfabetismo no país
alcança 13 milhões de brasileiros acima de 15 anos, o que corresponde a 8,3% da população, neste caso
a pedagogia proposta para a reconstrução social do “Dionísio na cultura” e para isso, nossa
protagonista, enfatiza a importância da superação de um dos egoísmos posto pelo filosofo nas
conferências, Lucas ao enfatizar “surgimento do novo” sofre repressões por vários personagens, que
representa os moldes de nossa sociedade, tais como, o poder público, a família, e a Igreja.
É preciso, sem dúvida, uma meditação totalmente insólita para desviar o olhar dos atuais
estabelecimentos de educação e volta-lo em direção a instituições completamente estranhas e de
outra espécie, que talvez já a segunda ou terceira geração achará necessárias. Enquanto, com
efeito, pelos esforços dos educadores superiores de agora são formados, seja o erudito ou o
funcionário de Estado ou o negociante ou o filisteu da cultura ou, enfim e costumeiramente,
um híbrido de todos, aquelas instituições ainda a serem inventadas teriam sem dúvida uma
tarefa mais difícil – aliás, não mais difícil em si, pois em todo caso seria a tarefa mais natural e,
nessa medida, também a mais fácil; e pode haver algo mais difícil do que, por exemplo,
contrariando a natureza, como acontece agora, adestrar um jovem para ser erudito?
(NIETZSCHE, 1983.p.76)
Lecionando filologia clássica na Universidade o jovem professor Nietzsche de 24 anos,
constata os métodos utilitaristas que privilegiam as minorias, deixando de lado a verdadeira cultura,
substituindo os artistas pelos técnicos, em contraposição o filósofo chega a afirmar que esta tradição
que esta implantada nos estabelecimentos de sua época irá levar o homem ao declínio e a desordem.
Conclusão
Os estabelecimentos de ensino da época de Nietzsche existiam apenas para formar, o
erudito, o “filisteu da cultura” ao invés de padronizar os indivíduos, forçar a reflexão crítica e resgatar o
“Dionísio” na cultura, e estabelecer o modelo de “Super homem”. Porem estas mesmas instituições
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reforçam os valores iluministas deixando a cultura de lado bloqueando a “vinda do filosofo” que
racionalista. Lucas nossa protagonista do curta-metragem (Meu amigo Nietzsche) traz consigo o
“surgimento do novo” proposto por Nietzsche, inspirado no modelo instintivo, “espírito livre” melhora
suas notas e nos mostra como superar o analfabetismo funcional presente nas escolas brasileiras do
século XXI. Nos revelando que esta proposta de Nietzsche e atual e está posta como superação deste
modelo que se consolidou no ocidente, e amedronta nossas escolas até hoje.
Referências Bibligráficas:
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. SP: Martins Fontes, 2007.
DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia. Tradução de Antônio M. Magalhães. RÉS Editora Ltda. Porto, 1989.
DIAS, Rosa Maria. Nietzsche Educador. São Paulo Scipione, 1993.
Escritos sobre Educação. Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola,
2004.
NIETZSCHE, F. Assim Falava Zaratustra. Tradução: Mário Ferreira dos Santos. Editora Vozes. Petrópolis, RJ, 2009.
NIETZSCHE, Friedrich. 1983. Obras Incompletas. Col. “Os Pensadores” São Paulo: abril Cultural.
NIETZSCHE, Friedrich. 1985. Crepúsculo dos Ídolos. Lisboa: Guimarães Editores
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo: como alguém se torna o que é. São Paulo: Cia das Letras, 2008.
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resgata, um lado do espirito humano que está sendo sufocado por esta cultura extremamente
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GT 1 – Filosofia e Educação
Simei Araujo Silva – FE/UFG21
Lívia Costa Angrisani – FE/UFG22
Introdução
Esse trabalho resulta de uma análise parcial do projeto de pesquisa intitulado “Educação,
cultura digital, formação e violência no cotidiano infantil”, que vincula-se ao NEVIDA – Núcleo de
Estudos em Educação, Violência, Infância, Diversidade e Arte/FE/UFG. Foi desenvolvido com os
alunos do 6ºAno do Ensino Fundamental da Educação Básica do CEPAE/UFG no ano de 2015.
Analisa como a criança faz uso das tecnologias digitais em seu cotidiano familiar e escolar e as
implicações destas em seu processo educativo e formativo. Nossa investigação empírica orientou-se
pelas questões: Que relação existe entre a realidade virtual digital, a formação e violência no cotidiano
infantil? Como as crianças realizam as tarefas escolares na internet? Será que a pesquisa é feita de forma
mecânica, pela cópia e sem entendimento do conteúdo lido, ou, há possibilidade de uma leitura
cuidadosa, contemplativa, interpretativa, crítica e formativa? Os professores e pais, ou responsáveis
orientam as crianças nas tarefas escolares?
Quanto a metodologia da pesquisa, utilizamos como
instrumento de coleta de dados o questionário destinado aos 64 alunos (54 respondentes) e a entrevista
com um grupo de 15 (quinze) alunos em cada turma. Estruturamos um roteiro para orientar as
entrevistas que se segue: sites mais acessados; tempo ocupado com a internet; curiosidades e interesses
mais frequentes nas redes sociais; domínio dos aparelhos digitais; frequência na biblioteca; como são
realizadas as tarefas escolares; disciplinas mais pesquisadas; relação do conteúdo acessado com o
cotidiano; orientação dos pais, outros adultos e de professores sobre o uso das redes sociais e das
pesquisas escolares. A análise dos dados da pesquisa baseou-se em alguns expoentes da Teoria Crítica da
Sociedade, Adorno e Horkheimer (1991), Adorno (1995), Crochík (1998), Zanolla (2010). Dentre os
teóricos das tecnologias da informação e comunicação, selecionamos Castells (2002); e Lèvy (2010).
Com base nesse referencial teórico elencamos as categorias para a discussão, análise e reflexão do
resultado da pesquisa: sociedade tecnológica; ideologia; razão instrumental; indústria cultural; violência
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás (1984), mestrado (1998) e doutorado (2012) em
Educação pela Universidade Federal de Goiás. Atualmente é professora efetiva Adjunta/DE da Universidade Federal de
Goiás. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Educação, Teoria Crítica da Sociedade, Literatura e
Infância. Atua principalmente nos seguintes temas: Ideologia, literatura e infância; indústria cultural, infância e educação;
formação cultural da criança. É integrante do NEVIDA/FE/UFG.
22 Graduanda de Pedagogia, pela Universidade Federal de Goiás. Participa como pesquisadora do Núcleo de Estudos em
Educação, Violência, Infância e Diversidade – NEVIDA/FE/UFG
21
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RAZÃO INSTRUMENTAL, CULTURA DIGITAL E VIOLÊNCIA SILENCIADA NA
INFÂNCIA
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cultural; infância; educação e experiência. Portanto, parte do resultado analisado nos suscitou
conteúdo das tarefas escolares pesquisado na internet. Assim, constatamos a dimensão dos prejuízos
para a formação humana causada pela falta de orientação dos adultos quanto ao uso da tecnologia digital
para a realização de pesquisa escolar, bem como ao acesso a sites que estimulam a violência cultural,
física, psicológica e por fim, a ocultada, a silenciada.
1. Sociedade tecnológica, ideologia, razão instrumental e indústria cultural
No século XXI a humanidade está convivendo com a revolução tecnológica gerada pela
modernização da informática e rapidez com que a comunicação circula entre os indivíduos e grupos
sociais, especialmente na família, no trabalho e na escola. O surgimento da internet como suporte que
viabiliza a comunicação digital e virtual constitui a sociedade tecnológica implicando na mudança de
relacionamento entre as pessoas e criando um modo de se comunicar que não existia até o século XIX.
Para Castells “A integração entre mentes e máquinas[está] alterando fundamentalmente o modo pelo
qual nascemos, vivemos, consumimos, sonhamos, lutamos e morremos.” (CASTELLS, 2002, p. 69).
Desse modo, a racionalidade constituída no sistema capitalista e na era tecnológica que está dominando
e conduzindo as ações “humanas” caracteriza-se como razão matemática, calculadora, enrijecida, isto é,
instrumental. Assim,
A equação do espírito e do mundo, acaba por se resolver [...] Na redução do pensamento a uma
aparelhagem matemática [que] está implícita a ratificação do mundo como sua própria medida.
O que aparece como triunfo da racionalidade objetiva, a submissão de todo ente ao formalismo
lógico.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1991, p. 38)
Com efeito, entendemos que os indivíduos são constituídos subjetivamente e
objetivamente na sociedade que vivem, estudam, trabalham, enfim, constroem experiências humanas e
desumanas. Assim, “A constituição dos indivíduos é atrelada à história da sociedade, mas não se reduz a
ela.” (CROCHÍK, 2011, p. 85). Portanto, a escola como instituição que participa da sociedade pode
contribuir efetivamente com a formação de um indivíduo que, ao mesmo tempo se insere nesse mundo
tecnológico e excludente, possibilita também uma formação autônoma, crítica, questionadora, politizada
e humana, sem necessariamente aceitar os projetos de reforma do ensino impostos pelo Ministério da
Educação e Cultura. Atualmente, no ano de 2016, está tramitando um projeto para ser aprovado que
propõe uma reforma no ensino médio, com o objetivo central de retirar a obrigatoriedade de disciplinas
que proporcionam essa formação humana e crítica, tais como Filosofia, Sociologia e Artes.
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preocupação com a forma mecanizada e desprovida de entendimento, de crítica e de reflexão sobre o
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De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a
[...] empobrece o ensino médio retirando as disciplinas de artes, educação física, sociologia e
filosofia. E por mais que o governo diga que essas disciplinas comporão a Base Nacional
Curricular Comum (BNCC), fato é que os sistemas de ensino, encarregados em implementar a
base, poderão ou não inclui-las em seus currículos do ensino médio, uma vez que a LDB não os
obrigará e o orçamento público ficará mais enxuto sem a contratação de professores para essas
áreas. Trata-se, portanto, de economia sobre a formação dos jovens brasileiros. A MP 746 traz
de volta a dicotomia entre formação geral humanística e a profissional – lançada pelo Governo
FHC com o Decreto 2.208/97 –, mas vai além ao propor também a separação entre a base
comum nacionais as áreas de ênfases do conhecimento; linguagens, matemática, ciências
humanas e naturais e ensino técnico profissional (CNTE, 2016).
Essa proposta de reforma ao ensino médio, no que se refere ao currículo, demonstra com
clareza a falta de preocupação com a formação da juventude politizada, crítica, questionadora e
autônoma, visto que o estudo da filosofia e sociologia aborda o estudo do pensamento humano, da
razão, da consciência, do entendimento da realidade, da sociedade capitalista, da ideologia, das relações
de poder, das classes sociais, dos movimentos sociais, dentre outros.
Não há sentido para a educação na sociedade burguesa senão o resultado da crítica e da
resistência à sociedade vigente responsável pela desumanização. A educação crítica é
tendencialmente subversiva. É preciso romper com a educação enquanto mera apropriação de
instrumental técnico e receituário para a eficiência, insistindo no aprendizado aberto à
elaboração da história e ao contato com o outro não-idêntico, o diferenciado. (ADORNO,
1995, p. 27)
Essa sociedade tecnológica, administrada e orquestrada pela lógica do capital, também
gestou a indústria cultural, na qual abarcou diversos setores da produção incluindo vestimenta,
alimentação, diversão, material escolar, livros, revistas, jornais, etc. Assim, o consumo passa a integrar
efetivamente a vida dos indivíduos, no sentido de ser o motor condutor de suas ações. Essa atitude
passa a dirigir a vida material e espiritual do indivíduo, conduzindo-o a se identificar mais com os
produtos do que consigo mesmo, resultando na sua objetificação, na extrema identificação com tudo
que lhe é externo, que supostamente lhe proporciona prazer, satisfação imediata, mas ao mesmo tempo
pode causar também frustração. O ego não é realizado de acordo com o seu desejo, então o que resulta
de todo este movimento é a destruição do sujeito, de sua subjetividade.
Desde então, o sujeito movido pela razão instrumental e pela diversidade de produtos que
lhe prometem diversão, os quais ilusoriamente ele pode escolher, busca cegamente e com avidez o
consumo sempre como fuga da realidade, de seu cotidiano. De um lado a indústria cultural produz nele
a necessidade de sempre consumir os seus produtos e, por outro, não satisfazendo aos seus desejos,
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Medida Provisória do MEC 746/2016,
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acarreta em conflitos psicológicos, sendo impelido a buscar sem limites o consumo, tornando-se um
adquirindo, ou assistir a um filme que está em cartaz porque a maioria o está comentando. Ou ter acesso
a todas as informações e jogos na internet. Ou estar integrado aos grupos de redes sociais. Portanto, a
sintonia da internet e do consumo é padronizada. Assim, a indústria cultural gera a perda da autonomia
do sujeito, impede a sua liberdade de pensamento, porque ela é guiada pela racionalidade administrada
que conduz o indivíduo a pensar e agir por uma pseudoconsciência, resultando em uma regressão
psíquica, em um comportamento infantilizado. Sendo assim, torna-se fácil a manipulação e o
enquadramento do sujeito consumista ao mercado.
O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do
espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver,
porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção cotidiana,
tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicaram
os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o
prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme (ADORNO;
HORKHEIMER, 1991, p. 118).
Para Adorno e Horkheimer (1991), a diversão relaciona-se com a aceitação de tudo que a
indústria cultural impõe ao indivíduo. Divertir significa libertar-se do trabalho árduo, cansativo,
mecanizado. E é exatamente desta condição de cansaço, sofrimento e fragilidade em que o trabalhador
se encontra que a indústria cultural se apropria, porque esta facilita a sua dominação. Entretanto, se o
trabalho fosse realizado com prazer, com arte, desprovido de ações mecanizadas, repetitivas,
provavelmente o indivíduo não se deixaria ser manipulado e, por conseguinte, resistiria à adaptação ao
engodo da indústria cultural.
Divertir-se significa estar de acordo. Isso só é possível se isso se isola do processo social em seu
todo [...] Divertir significa sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo
onde ele é mostrado. A impotência é a sua própria base. É na verdade uma fuga, mas não,
como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa realidade
ainda deixa subsistir (ADORNO; HORKHEIMER, 1991, p.135).
Portanto, a indústria cultural foi pensada, planejada e divulgada para criar o sujeito
consumista, adaptado, enquadrado, conformado, alheio aos problemas sociais, desprovido de uma razão
questionadora e reflexiva e, finalmente, preso à lógica do sistema capitalista. Nessa discussão é relevante
destacar que a era tecnológica atingiu e ocupou espaço em todas as gerações humanas: bebês, crianças,
adolescentes, adultos e idosos. Desse modo, a ideologia é um instrumento que age a favor da
reprodução e da legitimação desse consumo da indústria cultural, tendo em vista que ela cumpre o seu
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compulsivo. Este indivíduo quer adquirir a qualquer preço um produto porque todos o estão
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papel, pelos diversos recursos midiáticos e escritos, de divulgar e convencer o indivíduo da sua
Para Adorno e Horkheimer a ideologia é “mentira manifesta”. “Os indivíduos sentem-se,
desde o começo, peças de um jogo e ficam tranquilos [...] Os homens adaptam-se a essa mentira mas, ao
mesmo tempo, enxergam através do seu manto” (ADORNO; HORKHEIMER, 1973, p. 203).
Seguindo essa ideia, os indivíduos reconhecem que fazem parte do consumo, mas não o questionam e
se adaptam a ele. Então, a propaganda ideológica da indústria cultural induz o indivíduo a acreditar que
o produto foi pensado e feito especialmente para ele, como afirma Marx “[...] a produção não cria
somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto” (MARX, 1978, p. 110).
Nessa direção, a posse da mercadoria promete, de forma imediata, a realização dos desejos
de consumo dos indivíduos, assim, ela se torna mais importante na vida social do que o homem e as
relações sociais. O que significa que a mercadoria adquire vida própria e o homem aparece como coisa.
Mas, essa situação se agrava quando a inversão ocorre na infância, porque a criança está em processo de
formação e se passa despercebida pelos adultos, anuncia-se uma violência ocultada e silenciada. Assim,
entendemos que no processo formativo da criança a escola deve proporcionar atividades que
possibilitem ao aluno criar experiências, mas diferentes das imediatas, momentâneas causadas pelas
tecnologias digitais as quais não suscitam a reflexão e sim as que os levem a compreender e a pensar
sobre o conteúdo que aprendeu. Com efeito, “Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências
intelectuais”. (ADORNO, 1995, p. 151)
2. Cultura digital, tarefas escolares e violência silenciada na infância
Com esta pesquisa objetivamos vislumbrar de que maneira os alunos estão utilizando a
internet e suas ferramentas no seu cotidiano, o que acessam, como são determinados seus interesses, o
que pensam sobre o que veem, e, mais especificamente, sua utilização na realização das tarefas escolares
e até que ponto esse acesso rápido e inesgotável de informações influencia na sua formação.
Entendemos que as crianças, pela curiosidade exacerbada, característica dessa fase, estão especialmente
suscetíveis aos estímulos que recebem e o modo como utilizam as mídias pode ser determinante para
entender como esta nova geração online pensa e age nas suas relações sociais, na família e na escola.
A pesquisa se deu na forma de questionários e entrevistas com alunos de 6º ano, na faixa
etária entre 10 e 12 anos, do CEPAE, conforme anunciado na introdução. Através das respostas dos
alunos foi possível perceber como concebem a sua relação com as mídias digitais. A grande maioria
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necessidade de adquirir o produto exposto no mercado.
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apresentou falas que atribuíram aspectos positivos à essa relação, tais como: “Sem eles não haveria
tecnologia estará em todo lugar.”; “Facilitam a vida das pessoas.”; “Ajuda no que você não entende.”;
“Ajudam a tirar dúvidas.”; “Facilitam a pesquisa.”; “São práticos para uso.”; “Permitem fazer coisas a
longa distância.”; “Ajudam a se comunicar melhor, a longa distância.”; “Escutar música, entrar em sites
secretos e públicos.”; “Permitem a gente fazer coisas loucas.”; “É empolgante e é uma beleza.”; “São
bonitos, legais e modernos.”; “Diversão.”. Essas falas demonstram que essa geração já está totalmente
inserida na sociedade tecnológica a ponto de ser também parte constitutiva da cultura digital. A
facilidade de acesso aos mais variados conteúdos de forma indiscriminada proporcionada pelas mídias
digitais coloca esta nova geração em uma posição diferente das anteriores, sendo mais exposta a todo
tipo de informação, a exemplo da sexualidade, perversidade e violência.
No item que questionava sobre “orientação de conteúdo e limite de uso” das mídias digitais,
constatamos que dos 54 respondentes 52% recebem algum tipo de orientação ou limite, 24%
declararam não receber nenhuma orientação e 24% deixaram em branco. Negligenciar este processo
pode propiciar o surgimento de atitudes violentas em decorrência do acesso descomedido e
indiscriminado ao conteúdo da internet. Dessa maneira, torna-se imprescindível a orientação e o
acompanhamento por parte dos adultos responsáveis pela educação e formação desta geração no
sentido de formar a criança como sujeito consciente das implicações positivas e negativas que envolvem
o uso das mídias digitais. Nesse interim,
A educação, mesmo na primeira infância, deve ser crítica para que o sujeito não aceite tudo que
é imposto na sociedade e reflita. Deve ser emancipatória e voltada para a autorreflexão, ou seja,
deve ensinar as crianças a serem educadas para refletir e ter consciência de seus atos, podendo,
assim, distinguir entre o certo e o errado sem serem infantilizadas. (ZANOLLA, 2010, p. 73-74)
Entretanto, foram também significativos os comentários negativos dos alunos, tais como:
“É um vício difícil de largar.”; “Se for usado para coisas ruins atrapalha.”; “Vieram para substituir o
mundo da leitura.”; “Quando muito utilizados causam problemas de saúde.”; “Cuidado com o excesso
de exposição.”; “Não podem substituir uma brincadeira.”; “É uma forma de brincadeira, mas é inútil.”;
“Uma maneira de abuso.”. Diante das falas expostas fica evidente a ambiguidade que envolve as mídias
digitais. As próprias crianças reconhecem que ao uso descomedido e indiscriminado destas tecnologias
possui aspectos prejudiciais à saúde e ao uso qualitativo do seu tempo com outras atividades como
brincadeiras, relações interpessoais, leitura. Assim, reconhecemos a relevância destas mídias na
contemporaneidade, tanto pelas facilidades que trazem quanto pela dependência nociva que causam.
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vida.”; “Uma coisa boa que evoluiu.”; “Tornam as coisas mais fáceis. Não vivo sem.”; “No futuro a
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Mais especificamente, quando se trata da realização de tarefas escolares, a internet aparece
realizar a pesquisa escolar na internet, “lê, resume, imprime e cola no caderno”, e 38,9%,” lê, resume e
interpreta”. A nossa preocupação com a formação é reforçada pelo fato de a grande maioria dos alunos
afirmarem que somente copiam o que pesquisam. As atividades da escola passam a ser realizadas de
forma mecânica e irrefletida prejudicando o processo de ensino-aprendizagem destes. Os dados obtidos
nos levam a pensar que tipo de aluno está sendo formado por nossas escolas. A ampliação da utilização
das mídias em detrimento do material impresso nas atividades escolares pode comprometer a formação
cognitiva dessas crianças, na medida em que pode levar a um pensamento fragmentado e limitado. Isso
nos remete ao pensamento adorniano no que concerne a razão instrumental, calculadora, matemática,
enrijecida (ADORNO, 1991), e como a sociedade tecnológica se apropria dessa razão formando
indivíduos desprovidos da habilidade de interpretar, analisar e elaborar uma reflexão crítica sobre os
conteúdos pesquisados.
Considerações finais
Entendemos que estar em sintonia com as redes sociais por meio da internet implica em
reconhecer que há uma ambiguidade no seu uso por parte das crianças. Por um lado, as crianças se
sentem integradas ao grupo da escola e da família quando compartilham da informação e jogos que
circulam entre eles. Assim, é produtivo realizar pesquisas escolares online de forma orientada por um
adulto, com atenção e exercitar a leitura interpretativa e crítica do que leu. Ao mesmo tempo, desperta a
sua capacidade criativa, ajudando-as a distinguir a qualidade do conteúdo postado no site. Esta atividade
escolar pode contribuir para a aprendizagem consistente e com valores significativos que coadunam
com a formação verdadeiramente humana e não violenta.
Por outro lado, sabemos que a curiosidade na fase infantil está bastante latente no cotidiano
das crianças. Este estado alia-se a sua necessidade de conhecer as novidades que o mundo virtual
propicia, sobretudo os que são divulgados pelas propagandas televisivas e digitais. São expostos a sites
de toda natureza, tanto educativos e de entretenimento próprios para esta faixa etária, como os que
pervertem as mentes das crianças, transmitem conteúdos que incitam violência física ou moral,
estimulam a competição nociva, contato com linguagem pejorativa, deturpação de valores pela indústria
cultural da beleza e de consumo e conteúdos pornográficos, perversos e violentos.
Do nosso ponto de vista e referendados pelos autores da Teoria Crítica da Sociedade, como
Adorno e Horkheimer (1991) e Adorno (1995), acreditamos em uma educação escolar que forme o
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como uma ferramenta cada dia mais utilizada pelos alunos. 61,1% dos 54 respondentes revelou que ao
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aluno para a conscientização, autonomia e emancipação. “Penso ser necessário que, desde o início, na
espontaneidade[...]” (ADORNO, 1995, p. 147). Entendemos que a permissão à criança em realizar
tarefas desprovidas de interpretação e de compreensão caracteriza-se como uma violência no seu
processo formativo. Porque o uso mecanizado, sem instigar o entendimento e questionamento da
criança sobre o conteúdo de sua leitura virtual ou de leitura de livro impresso pode influenciar na
formação de um pensamento mecanizado, indiferente, enrijecido, calculador e, consequentemente, atua
como impeditivo para pensar a realidade social (ADORNO; HORKHEIMER, 1991).
Para Adorno (1995), a educação escolar apresenta uma ambiguidade, porque ao mesmo
tempo que ela está inserida na sociedade capitalista na qual o indivíduo tem uma formação voltada
simplesmente para a adaptação, ela também pode exercer o seu papel de formar para pensar sobre essa
sociedade e construir outras experiências. Nesse sentido adorniano, uma educação que construa
experiências significativas para a humanidade e não se limite a modelar pessoas para adaptar-se à
realidade. Assim, viver novas experiências significa compreender a realidade, questioná-la e formar um
pensamento autônomo e emancipado que oriente ações coletivas e humanas. “Eu diria que pensar é o
mesmo que fazer experiências intelectuais [...] a educação para a experiência é idêntica à educação para a
emancipação. (ADORNO, 1995, p. 151).
Assim sendo, a educação deve ter como objetivo formar o aluno capaz de distinguir o real
do virtual e de valorizar o livro, o material impresso, como instrumento básico que também contribui
para a sua aprendizagem consistente e crítica. Esta deve se contrapor às efêmeras informações diárias
comunicadas pelos aparelhos digitais, que servem à indústria cultural e tem grande poder de influência,
caracterizando-se não apenas como “[...] canais de informação. Elas suprem o conteúdo dos nossos
pensamentos, mas também dão formato aos processos de pensamento.” (CARR, 2011, p.6).
Conforme discutimos nesta pesquisa, a participação do campo multimidiático na formação
dos indivíduos já se configurou em uma realidade, com seus benefícios e malefícios. Entretanto, a
construção de uma postura crítica diante destas permite a formação de um sujeito autônomo e
consciente. Estimular a leitura de materiais impressos e questionar as facilidades das mídias, abordando
seus aspectos nocivos, como a deturpação de valores que serve à indústria cultural de massa, pode
prevenir a (de)formação de sujeitos incapazes de se concentrar e de pensar linearmente, com a
capacidade cognitiva limitada e fragmentada. As mídias estão tomando da infância a oportunidade de
conhecer o mundo por seus próprios olhos, de ter experiências construídas na interação com o outro. O
88- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
primeira educação infantil, o processo de conscientização se desenvolva paralelamente ao processo de
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computador e o celular não estão tomando apenas espaço nas pesquisas acadêmicas, mas
lazer, enfim, estão roubando a possibilidade das crianças e jovens de fantasiar e de viver o encantamento
próprio de sua faixa etária.
Quando partimos do princípio de que a criança dispõe de seus órgãos dos sentidos, os quais
são estimulados, simultaneamente, para se conectar ao mundo virtual e digital, essa atividade envolve
pensamento e habilidades físicas de forma veloz e munida de um acúmulo de informações. Ao mesmo
tempo, tudo isso pode causar graves limitações de concentração, atenção e até mesmo a falta de um
tempo necessário para que a criança assimile todas as informações e conhecimentos disponíveis online e
os ensinados na escola, e não apenas simule de forma fragmentada e mecânica. Adorno (1995, p. 151)
alerta para a diferenciação entre o conceito de racionalidade e o de consciência. O primeiro relaciona-se
a capacidade formal de pensar, já a segunda, diz “[...] aquilo que caracteriza propriamente a consciência
é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo [...]”. Notadamente, o professor tem que ser formado
para lidar com o aluno que está cada vez mais sintonizado com a cultura digital e se afastando do livro
impresso e da biblioteca, local de acúmulo da tradição escrita, da imagem impressa e da prática da leitura
silenciosa, atenta e concentrada. Nesse sentido, professores e pais precisam de orientar aos alunos
sobre a necessidade de pesquisar tarefas escolares na internet com critérios, alertando-os quanto a forma
e ao conteúdo.
Em suma, se não refletirmos sobre qual tipo de leitor queremos formar desde a infância,
aquele que toma o livro como seu principal instrumento de estudo e pesquisa possibilitando um leitor
atento, contemplativo e criativo, iremos formar um leitor desatento, com dificuldade de concentração,
memorização e de aprendizagem, sobretudo um aluno que limita as suas atitudes a adaptar-se à realidade
virtual e digital. Finalmente, entendemos por violência silenciada a falta de atenção e orientação dos
adultos quanto ao uso descomedido e sem critérios da internet por parte da criança, seja para a diversão
ou na realização de tarefas escolares.
Referências Bibliográficas:
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fragmentos filosóficos. 3.ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1991.
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89- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
principalmente no tempo do ócio, da reflexão, das brincadeiras, da interação com outros sujeitos, no
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07 – 08 de novembro de 2016
Faculdade de Educação/UFG
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GT 1 – Filosofia e Educação
Simone Alexandre Martins Corbiniano - UFG
O presente estudo explora o pensamento de Bachelard em articulação com as possibilidades
do conhecimento escolar. A atividade de conhecer estudada pela sua interioridade elucida que a questão
epistemológica está permanentemente ligada à mudança, ao refinamento, à verificação dos conceitos
segundo as ideias que lhe deram origem. Desde o primeiro esforço, uma experiência teórica é paradoxal:
desperta os alvores da objetividade, tanto quanto, confunde-se com o percurso de erros da própria
razão, seus obstáculos, e suas superações. É preciso valorizar esse conflito, pois toda objetivação
procede da superação dos enganos subjetivos (Bachelard, 2008a), o que corresponde a uma consciência
de permanente superação desses enganos.
O afastamento do caráter imediato e instrumental do conhecimento, assim como a
proximidade com os valores da razão tornam o pensamento de Bachelard indispensável às reflexões
acerca da formação e da escola atual, já que para o autor, o ato de conhecer deve ser valorizado em
estado nascente, pois somente nesse contexto ele tem sentido real. Confirmado, o ato de conhecer pode
tornar-se um automatismo do pensamento. Em seu primeiro movimento, porém, ele é um
desvendamento incerto, suas bases é o juízo que verifica. Nesse sentido é preciso pôr-se de certa forma
na fronteira do desconhecido, bem como nos postos mais avançados, para lidar com todas essas
pequenas refregas que compõem as grandes batalhas do conhecimento objetivo.
Discutir o problema da racionalidade da escola com base na Epistemologia Histórica requer
o afastamento da atividade pedagógica cotidiana apoiada no senso comum. É preciso emergir de outro
solo, partir das relações que não estão dadas, pois o papel daquele que pensa é ir além do já
estabelecido, reavendo a força e o viço da invenção, dando ao método apenas um valor de oportunidade
e, ao conhecimento, a liberdade de ir às questões de origem.
Constituída na especificidade epistemológica, a pesquisa em questão não é delimitado pela
disposição institucional, social, e tecnológica da atividade de ensino. O objeto primeiro do estudo
consiste na formação do espírito e seus valores racionais, portanto seu ponto de partida não é da ordem
dos fatos, mas da ordem da razão e dos conceitos, tendo em vista o conhecimento e sua evolução. A
epistemologia contemporânea é expressão de um espírito aberto, do pensamento que vai à raiz do
conhecimento psicanalisando-o trazendo à tona suas particularidades e sua complexidade.
91- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
VALORES PEDAGÓGICOS E EPISTEMOLOGIA HISTÓRICA
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Uma psicanálise do conhecimento objetivo torna-se necessária à medida que se admita a
domínio do pensamento. Todavia, o eixo dessa psicanálise do conhecimento não visa instituir uma nova
ciência. Como trabalho sobre o pensamento, estabelece bases para uma nova filosofia e para uma
cultura científica vigorosa. Afinal,
a disponibilidade do espírito racional não tem nada de comum com a gratuidade de um espírito
aberto a todo acontecimento. O espírito racional prepara seus próprios acontecimentos. Assim,
longe de estar confinado em uma experiência racionalista particular, o espírito científico pode
beneficiar-se da essencial pluralidade dos diferentes sistemas de racionalidade. Nessas
condições, se referir como fazem numerosos críticos filosóficos à uma experiência escolar, é
reviver um tempo de cultura matemática impura, em que precisamente o ensino racionalista não
está liberado do empirismo das intuições, de um tempo em que uma pedagogia que favorece a
preguiça do espírito crê poder ultrapassar e sustentar, pela constatação, o que deve ser instituído
pela pura demonstração racional. Não é espantoso que os espíritos, ligando-se a uma cultura
científica simplesmente esboçada, permanecem quanto à racionalidade, em uma verdadeira
elementariedade psicológica. (Bachelard, 1972, p. 89-91).
A cultura escolar por sua vez, somente pode querer implicar-se com tal psicanálise, para
aproximar-se da feição aberta da razão. A escola de cultura geral não pode querer tomar em
consideração as incursões da filosofia da ciência, senão para degenerar suas posições próprias, refletir
acerca de suas fragilidades, autorizar a imaginação, desobedecer à interdição, dar materialidade ao ato de
conhecer. Bachelard dá o ensejo para compreender as divisas de um pensamento radicalmente aberto,
que, nem por isso, prescinde às necessidades sistemáticas no domínio da explicação e do conhecimento.
Há um duplo aspecto constitutivo da obra do autor, o epistemológico e o da fenomenologia
da imaginação, em ambos os aspectos fazem-se presentes nexos reveladores de que o conhecimento não
é dado em ato puro, provém de uma história psicológica da razão, ou uma subjetividade outra,
polêmica, em elaboração. Sobretudo no aspecto do pensamento objetivo, que constitui o eixo de estudo
do nosso trabalho, se vê as problemáticas do conhecimento que revelam os obstáculos e debilidades da
própria razão. Para Bachelard “a tarefa filosófica da ciência é muito nítida: psicanalisar o interesse,
derrubar qualquer utilitarismo por mais disfarçado que seja, por mais elevado que se julgue, voltar o
espírito do natural para o humano, da representação para a abstração.” (1996, p. 13).
Dito de outro modo, a realidade transborda àquilo que se pretende atribuir a ela
racionalmente, “sua essência reside na resistência ao conhecimento” (Bachelard, 2004, p. 17). Ir às
questões de origem promove uma cautela permanente em relação ao reducionismo do conhecimento
para que ele não se cristalize e perca a força como pensamento. Bachelard (2004) elucida que até mesmo
os limites do conhecimento são inventados, juntamente com a criação dos métodos e da forma de
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importância de implicar a razão e suas vicissitudes num estado permanente de formação do espírito no
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compreender a realidade, isso ocorre à medida que o pensamento especulativo tende a tornar-se
curriculares, a importância da formação teórica nos contextos escolares contemporâneos. Debruçandose sobre as questões da retificação incessante do pensamento diante do real, presumimos a insuficiência
dessa pretensa formação que se legitima na escola à medida que ela atende às necessidades técnicas,
normativas e instrumentais em detrimento dos valores racionais.
Nessa escola em que a formação teórica não se realiza, emerge ao mesmo tempo, o falso
conforto legitimado por ocasião da imensa confiança e energia que toda a comunidade escolar deposita
nos conteúdos de ensino. Se a escola deve afirmar-se como a instância em que se aprende a ganhar
rigor, para além da aquisição da leitura e da escrita, ela precisa então dar primazia ao que é próprio do
espírito: sua racionalidade. Este ponto de partida capital explicita que apesar da importância dada aos
conteúdos e aos métodos a formação aberta e emancipatória não se realiza senão no alargamento da
razão, na abertura do espírito ao movimento abrangente do pensamento sem o qual não se pode falar de
rigor.
Cabe discutir a importância dos valores do conhecimento objetivo pelo seu aspecto
formativo, a contribuição que eles podem trazer para a escola não é prática, mas nem por isso sanciona
impedimentos. A escola é necessariamente plural, e nela a primazia dos valores de conhecimento não
deve ser confundida com uma espécie de racionalização autoritária, reducionista. No tempo próprio,
a fim de percorrer o trajeto cultural que vai do real percebido à experiência realizada pela ciência,
sem esquecer qualquer dos traços filosóficos que ajudam ou entravam a cultura, o mais simples
é acompanhar as ideias em seu transformar-se no ensino, situando-as sistematicamente no
campo interpsicológico que tem por polos o professor e o aluno. É nele que se forma o interracionalismo que vem a ser o racionalismo psicologicamente comprovado. Esse racionalismo
ensinado deverá verificar-se na sua tomada de estrutura, precisamente como valor, valor pelo
qual se vê que compreender é uma emergência do saber. O professor será aquele que faz compreender – e
na cultura mais avançada em que o aluno já compreendeu – será ele quem fará compreender melhor
(Bachelard, 1977, p. 27).
É preciso pensar a realidade em consonância com os predicados que a manifesta, para falar
de ensino, de atividade pedagógica e escola na modernidade é preciso falar de ciência. A atualidade do
pensamento de Bachelard se afirma no conhecimento aproximado, sintético e discursivo como mais
adequado ao espírito científico, anunciando uma formação dedicada ao labor racional que não se prende
a uma visão de superfície, e que pede cuidado no movimento do espírito em direção ao objeto. No ato
mais simples do conhecimento, de acordo com Bachelard, a busca de “clareza de uma intuição é obtida
de uma maneira discursiva, [isto é] por um esclarecimento progressivo, fazendo funcionar as noções,
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normativo. Por isso, reiteradamente temos afirmado que tem sido menosprezada nas discussões
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variando os exemplos” (1986, p. 103). Esta dinâmica é totalmente contrária a um ensino habituado à
A busca de um saber em alguma medida livre do instituído, não se apresenta como
aspiração exclusiva de uma alta cultura científica (Bachelard, 2008a). Essa aspiração é antes a razão de
ser do espírito em seu potencial dinâmico e evolutivo. O mestre de espírito inquieto procura outra
racionalidade para os valores da escola, empenha-se em criar condições para a cultura que possa libertar
a escola das casuísticas externas, imediatas e instrumentais que ensina coisas, para então, aplicar-se ao
saber do próprio ponto de vista do valor epistemológico, dando motivos para que os aprendizes deem
novos valores ao conhecimento.
Ao contrário do que se possa pensar, os obstáculos ao conhecimento e sua profusão são em
grande são parte internos à cultura escolar e à sua dificuldade de dialetizar o pensamento na formação,
não são as vicissitudes do conhecimento que impedem a mudança. Eximir-se dos erros e do inesperado
na escola, muitas vezes impede de aproveitar o valor positivo dos enganos para inundar-se na razão
como um sistema questionador diante do saber que é indomesticável.
Concordar com esse estatuto do saber significa revogar grande parte do que se pensa acerca
do valor formativo dos conteúdos, pois, é preciso pôr em discussão as possibilidades dinâmicas do
conhecimento reconhecendo as consequências de atribuir aos conteúdos escolares mais que o seu valor
circunstancial. Pode-se dizer sob a perspectiva mais comum que os conteúdos são supervalorizados no
ensino, seja em matemática, português, história, literatura, ou qualquer outra área, por vezes instrui-se o
aprendiz mediante fórmulas, regras, fatos e outras convenções a serem concebidas nessa cultura de um
racionalismo que é previamente sabedor. É difícil nessa racionalidade docente assentir a outro percurso
no qual se possa levar em consideração o domínio das relações, da classificação e da retificação. Este
último domínio atribui no próprio fluxo da sua organização do pensamento, o sentido vigoroso,
atualizado e dinâmico das formulas, das regras, dos acontecimentos históricos ou artísticos.
Bachelard afirma que “toda pessoa afeita à cultura científica é um eterno estudante. A escola
é o modelo mais elevado da vida social” (1977, p. 31). A problemática que se interpõe é a de uma
cultura estática da formação do espírito que limita o conhecimento escolar às fronteiras dos conteúdos.
Há nisso um fechamento, um apego ao instituído, que remete à compreensão simplificadora e
anacrônica do conhecimento dedutivo. É preciso perseguir um tipo de formação que vá além da clareza
intuitiva e que expresse as condições do rigor. Pois,
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memorização de contextos, fórmulas, e regras.
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A confortável situação da cultura e da educação fundadas na compreensão intuitiva, na
representação do fenômeno, “a meio caminho entre o concreto e o abstrato, numa zona intermediária
em que o espírito busca conciliar matemática e experiência, leis e fatos” (Bachelard, 1996, p. 7),
certamente agrada o espírito habituado, atende ao êxito descritivo e instrumental. Entretanto na
formação do espírito é importante fazer com que o pensamento tenha ascendência sobre os
preâmbulos, o problema do ponto de vista epistemológico é torná-los regra, enquanto são na verdade
processo.
Reconhecer a inadequação do paradigma clássico não significa simplesmente recusá-lo, não
se parte do vazio, mas, antes de tudo, da retificação, eixo da epistemologia de Bachelard e sua filosofia
do saber, da racionalidade e do conceito. Compreende-se sem muito entusiasmo que as questões do
saber não são necessariamente uma problemática para a educação, o centro do seu problema, mais das
vezes, é posto nas questões do sujeito e do discurso sobre as experiências realistas.
Por um lado tem-se o saber instituído, afirmado quase sempre por meio da economia
estática da razão formal assim como no realismo ingênuo da compreensão empírica. No seu oposto,
pode-se contar com as questões de origem, a retificação constante do saber, e toda a exigência do
pensamento sintético que requer um passo à frente na razão, que multiplica suas objeções, dissocia e
religa as noções fundamentais, propondo a abertura do pensamento.
Em arremedo às reflexões de Bachelard (1978) ligadas à lógica não-aristotélica e à
linguagem, parte-se do suposto de que é preciso romper com uma ontologia do conteúdo, de modo a
tomá-lo não como um ser, mas sim, como uma noção móvel e variável em suas estruturas. Questão esta,
convergente com espírito científico capaz de dialetizar e libertar o valor pedagógico da razão do peso
excessivo dos conteúdos instituídos.
Importa por em discussão o que há para saber, Bachelard desconfia das ilusões da ciência e
do saber como espelho da natureza, procura afirmá-los noutro lugar: no saber provável, que tem origem
em um espírito de contradição, que advém da má vontade com os dados imediatos, e que reclama o
esforço dialético para sair de seu próprio sistema. A escola neutraliza os interesses racionais do espírito
quando adere inadvertidamente ao princípio de utilidade presente nos interesses da sociedade, nesse
sentido a escola caminha para um vazio alimentado pela ausência de valores racionais. A natureza da
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o pensamento objetivo, desde que se eduque perante uma natureza orgânica, revela-se de uma
singular profundidade pelo próprio facto de esse pensamento ser perfectível, retificável e
sugerir complementos. É ainda meditando no objeto que o assunto tem mais possibilidades de
ser aprofundado. (Bachelard, 1996, p. 34)
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instrução escolar está intrinsecamente ligada às possibilidades de realizar uma formação rigorosa do
Bachelard éducateur:
a relação pedagógica da instituição escolar serve de modelo para pensar o cogito científico. E
inversamente a cidade científica serve de modelo para a formação escolar. É por meio dessa
oposição da escola e da cidade científica que se ilumina a utopia. A forma escolar (cujo ideal é o
conhecimento desinteressado) pode sozinha garantir à cidade científica derivas pragmáticas e
tentações da vontade de poder. Mas, somente o dinamismo da pesquisa científica em que se
efetua superlativamente o processo de formação em seus momentos objetivo e subjetivo, pode
tirar a escola do seu sono dogmático. É então com uma escola epistemologicamente reformada
que sonha Bachelard, uma escola animada por um “novo espírito pedagógico”. É esta escola
ideal (síntese da forma pedagógica e do dinamismo científico) onde se aperfeiçoaria um
verdadeiro trabalho formador, que forneceria a seu turno o ideal da vida social. Essa
problemática da formação do espírito se desenvolve em Bachelard sobre o eixo privilegiado da
formação científica e sob a forma de uma psicanálise da razão. (1995, p. 16)
Em constante superação no domínio do realizado, pode a escolar ir ao encontro do
pensamento e teorizar dentro de limites possíveis. Pois, espera-se que a escola não se limite a formar o
hábito, já que, para fazê-lo, não seria definitivamente necessária a sua existência. Aniquila-se o sentido
da escola quando se atribui a ela uma formação que não eleva o homem para além de suas possibilidades
elementares.
Em matéria de conhecimento escolar é preciso questionar certa vulgarização, porquanto o
próprio “hábito da razão pode converter-se em obstáculo da razão. O formalismo pode, por exemplo,
degenerar num automatismo do racional, e a razão tornar-se como que ausente de sua organização”
(Bachelard, 1977, p. 21). Cabe à escola assumir, não como norma, mas como valor cultural, sua
condição de partícipe das lições filosóficas que a ciência pode oferecer e a partir delas, ensinar a romper
com os discursos mortos dados pela historiografia, pelos livros didáticos e pelo senso comum.
A questão do caráter aproximado do conhecimento é uma provocação para elucidar que as
deduções formais são ainda muito estreitas. O trabalho racional não se limita a uma assimilação
espontânea das coisas e de uma realidade que é naturalmente objetiva. O conhecimento escolar precisa
de um estatuto ligado à teoria como um esforço no domínio do pensamento, esforço que não se
descuida de nenhuma de suas conquistas se concentrando em todos os detalhes da tarefa crítica, cuja
natureza racional, é expressão de problemas transcendentes à experiência. De acordo com Bachelard, a
exemplo das ciências matemáticas, ao partir das medidas para as ideias, “um conhecimento logo se
perde no logicismo. É por outra via, a que vem do espírito para as coisas, que se pode ainda mobilizar o
conhecimento e dar-lhe flexibilidade suficiente para tocar o real” (2004, p. 94)
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espírito na escola, tornando-a um referencial para a sociedade, segundo Michel Fabre em sua obra
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Nesse sentido, tomando as ordens de grandeza para exemplificar a questão, pode-se dizer
modelos matemáticos. De acordo com Bachelard (2004), retemos verdadeiros modelos que permitem
reconstituir grandezas físicas com maior ou menor aproximação. Como exemplo clássico de convenção,
a medida torna-se questionável se considerada como único ponto de partida legítimo para assegurar a
compreensão de certos objetos. A postura de acomodação diante das convenções é expressão do valor
conservativo que preserva a ingenuidade do espírito, mantendo-o em campos já domesticados.
Ao questionar o sistema métrico como uma grandeza natural, ou ainda, como uma
convenção, Bachelard afirma seu engajamento a favor do pensamento. Subjaz a esse contexto o cuidado
do autor em relação ao logro da sistematização do conhecimento, à adesão apressada aos métodos, e à
ilusão dos conteúdos instituídos. Ao espírito em formação é importante propiciar experiências de
abertura, isto significa implicá-lo em realidades que ele possa por em questão: um conceito, uma obra de
arte, uma experiência empírica, uma experiência psíquica que, mantidas em constante poder de
renovação, impedem o reducionismo do próprio espírito. Tributário ele próprio de uma formação nas
sendas da imaginação, Bachelard defende que
a blocagem intelectual parece-nos tão nociva como a blocagem afetiva; é por isso que
estaríamos interessados em trabalhar numa psicanálise do conhecimento objetivo. Seja a que
nível for da educação, o psiquismo humano deve ser permanentemente remetido para a sua
tarefa essencial de invenção, de atividade de abertura (1978, p. 79).
Se o conhecimento é uma invenção, cabe aos partícipes da escola e de seu saber seguirem à
frente insatisfeitos com o instituído. Nessa perspectiva, não se pode pedir à escola elevada à condição
de instituição formadora do pensamento, que ela tenha uma função social. O que ela tem, por sua vez, é
um valor de alargamento da razão, que transcende, retifica, e muda valores sociais estabelecidos.
O pensamento é por excelência disposição criadora, ele pode ou não normalizar o acidente,
deforma sem perder a forma, se lança no universo desconhecido em que os “fenômenos novos são não
apenas encontrados, mas inventados, integralmente construídos” (Bachelard, 2008a, p. 17). Abre-se
então para a escola uma racionalidade com valores diferentes daquela dominante, que faz constatar por
meio de fórmulas, regras, figuras, e conteúdos postos como letras mortas. Compreende-se com
Bachelard que é preciso destruir para mudar a natureza do saber, vemo-lo no terreno dos devaneios
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que a medida é uma criação racional, e tem seu valor atribuído na progressiva normatização dos
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sobre o fogo, e seu fascínio não é vão, ao aniquilar o pensamento que acompanha o pensador, “a
Demolir valores, retomar a gênese dos saberes, não pelas suas contingências históricas e
normativas, mas sim pela liberdade de reflexão, pela provocação racional contígua na reunião das
proposições que se elabora. Isso significa abrir o diálogo até o ponto em que se possa “participar de um
surgimento” (Bachelard, 1977, p. 18). Essas elucidações carregam a marca do pensamento especulativo,
ensejo pelo qual o real para o autor não se mostra, mas demonstra-se abstratamente, a realidade
científica é uma verificação do espírito. Bachelard afirma que seu projeto é o de
mostrar o grandioso destino do pensamento científico abstrato. Para isso, temos de provar que
pensamento abstrato não é sinônimo de má consciência científica, como parece sugerir a
acusação habitual. Será preciso provar que a abstração desobstrui o espírito, que ela o torna
mais leve e mais dinâmico. Forneceremos essas provas ao estudar mais de perto as dificuldades
das abstrações corretas, ao assinalar a insuficiência dos primeiros esboços, o peso dos primeiros
esquemas, ao sublinhar também o caráter discursivo da coerência abstrata e essencial, que
nunca alcança seu objetivo de um só golpe. E, para mostrar que o processo de abstração não é
uniforme, chegaremos até a usar um tom polêmico ao insistir sobre o caráter de obstáculo que
tem toda experiência que se pretende concreta e real, natural e imediata. (1996, p. 8-9)
Esse pensamento leva ao desconforto toda a cultura escolar que se furta ao balanço das
convicções racionais, e ignora valores que são uma causa de conhecimento. Bachelard em A formação do
espírito científico exprime a importância de negar a obra para de fato afirmá-la, a necessidade de inverter os
interesses de conhecimento erigindo esforços para que a escola possa integrar-se na concentração
espiritual permanente que a ciência exige.
Abrir esta questão é de todo modo tocar nas problemáticas das qualidades eleitas para a
escola historicamente. Parece que a pedagogia do sentimento de posse, fruto da primazia econômica da
sociedade, autoriza um conhecimento direto e generalizado. Assim a escola foge à verificação, à
ambivalência própria das discussões objetivas; escapa também à discussão que é mais educativa quanto
mais mobilize o espírito de criação próprio da ciência.
Não está em jogo a transposição simplista para o ensino, da centralidade do conhecimento
tão claramente posta na Física. No diálogo pedagógico, interessa tomar o aspecto filosófico que leva a
Acerca do complexo de Prometeu, explorado no capítulo I, de A psicanálise do fogo, Bachelard se reporta ao problema da
vida criadora, elaborando sob o Mito de Prometeu as relações do fogo com as interdições e o conhecimento. O autor
apresenta na introdução desse ensaio as relações intensas entre os valores objetivos e os valores subjetivos, além das
experiências sociais para a constituição do conhecimento. Bachelard afirma que compreende “sob o nome de complexo de
Prometeu, todas as tendências que nos impelem a saber tanto quanto nossos pais, mais que nossos pais, tanto quanto nossos
mestres, mais que nossos mestres. Ora, é ao manipular o objeto, que podemos esperar situar-nos mais claramente no nível
intelectual que admiramos em nossos pais e em nossos mestres. (...) O complexo de Prometeu é o complexo de Édipo da
vida intelectual.” (BACHELARD, 2008b, p. 18-19).
23
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fogueira é uma companheira da evolução.” (2008b, p. 29) 23
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compreender as ilusões da plenitude, da simplicidade e das convenções que não se sustentam. Dar
engajada num racionalismo exigente, especializado, e solidário com um plano de estudos. O
conhecimento no racionalismo ensinado constitui-se – entre professor e aluno – num campo
interpsicológico cujo vértice encontra-se uma cultura retificada por meio da qual “a escola é o modelo
mais elevado da vida social.” (Bachelard, 1977, p. 37-38).
Nesse contexto, a ciência é escola, uma escola permanente, (Bachelard, 1977) ela multiplica
a atitude objetiva que se elabora, não na fria noção do rigor de demonstração, mas na profunda
implicação do sujeito com o objeto de conhecimento e no modo como a ciência cria uma cultura
desenvolvida. Assim a escola se integra na concentração espiritual permanente que a ciência exige na
qual como afirma Bachelard, “a Sociedade será feita para a Escola e não a Escola para a Sociedade.”
(1996, p. 310).
A inversão desses interesses, que põem a sociedade a serviço da escola, indica que a ciência
educa a razão. Percorrendo a história da cultura racionalista compreende-se, contra todo racionalismo
primário, que o pensamento científico elabora seus progressos como uma prova de ultrapassagem,
afirma-se nos embates com o pensamento imediatamente superado; e isso faz da ciência “uma doutrina
sempre jovem, uma das doutrinas científicas mais vivas e educativas.” (Bachelard, 1972, p. 24)
O universo escolar, assim como “um objeto científico só é instrutor em relação à construção
preliminar, uma construção a consolidar.” (Bachelard, 1977, p. 67). A escola atenta a isto promove o
convívio com o conhecimento; como se compreende com Bachelard, prepara a racionalidade discursiva
e retificadora, “coordena e subordina as ideias começando com lentidão e dificuldade; mas seu
inacabamento é uma promessa de futuro, a consciência de sua primeira fraqueza é uma promessa de
vigor.” (2008a, p. 81).
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___. A atualidade da história das ciências. In: Tempo Brasileiro, n. 28, jan.- mar., 1972, p. 22-26.
____. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
99- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
primazia aos valores de conhecimento contemporâneos na escola significa privilegiar a atividade
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____. Estudos. Apresentação Georges Canguilhem. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008a.
____. O racionalismo aplicado. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1977.
FABRE, Michel. Bachelard éducateur. Paris: Presses Universitaires de France, 1995.
KOYRÉ, Alexandre. Estudos de história do pensamento científico. Trad. Márcio Ramalho, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2011.
100- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
____. O novo espírito científico. Trad. António José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1986.
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GT 1 – Filosofia e Educação
Vagner Ferraz da Maia - IFITEG24
Pedro Adalberto G. de O. Neto – UFG/IFITEG25
1. O ser-para-si e o ser-para-outro
A concepção do Outro para Hegel (1770-1831) é estabelecida por um processo dialético
que, mediante etapas, a consciência vai se perfazendo e aperfeiçoando-se, até alcançar a consciência-desi e com isso o seu reconhecimento pela alteridade, que é o âmago deste trabalho. Esse momento
processual é marcado pela passagem da seção Consciência à figuração Consciência-de-si ou do viés do
saber da exterioridade à interioridade da consciência-de-si, na qual o Outro26 surge. Entretanto, no
momento inicial dessa seção Consciência, ela não se encontra cônscia de si mesma, então caberá à
própria fazer um caminho de experiências até chegar à consciência filosófica, isto é, a consciência-de-si,
que é caminho para o seu reconhecimento.
Esse caminho percorrido pela seção Consciência é composto por várias figuras que
ajudarão em seu campo de saber: Certeza Sensível, Percepção e Força e Entendimento, até chegar à
etapa da infinitude que proporcionará a consciência chegar à consciência-de-si. Todavia, todo esse
caminho das figuras precedentes faz-se necessário percorrer, pois é através delas que a consciência vai se
transformando e edificando o seu campo de saber e, a partir de tais pressupostos, desenvolver uma
análise ao conhecimento sobre o surgimento da alteridade, do Outro que aparece como momento
importante ao seu reconhecimento da consciência, de si mesma.
A consciência no âmbito da figuração Consciência-de-si se coloca em um caminho de
conhecer enquanto saber de si mesma, um caminho de conhecimento que é acessível à própria
consciência-de-si, em que é possível fazê-lo, porque ela percebe que a verdade se encontra em si mesma.
(MENESES, 1992). Nessa perspectiva, as figuras da seção Consciência – o isto da certeza sensível, a
coisa concreta da percepção, a força do entendimento – nos apresentam, em seu modo de conhecer,
Vagner Ferraz da Maia (Graduando em filosofia – IFITEG).
Pedro Adalberto Gomes de O. Neto é Doutor em filosofia pela PUCRS e Professor da UFG – IFTEG.
26 Hegel estabelece em sua filosofia uma diferença no que tange a concepção do “outro” e do “Outro”. O primeiro “outro” é
um mero outro, que cuja relação não está aberta a alteridade, pelo qual não é possível haver reconhecimento. Já o segundo
“Outro” indica alteridade, relação, movimento, suprassunção. Essa concepção de “Outro” é marcada pelo surgimento de
um-Outro, haja vista que é pela recíproca relação com esse Outro que acontece o enriquecimento, ou seja, a suprassunção
desse Outro, para um-ser-Outro que é fruto da relação mesma, entre subjetividades. É por esse “Outro” que ocorre o
reconhecimento das consciências-de-si.
24
25
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A CONCEPÇÃO DO OUTRO PARA HEGEL
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uma divisão entre consciência e mundo, como se fossem dois mundos distintos, buscando a verdade em
Entretanto, essa verdade se tona efetiva e veraz à consciência, quando ela reconhecer a
presença do Outro em sua relação, um-Outro de si, ou seja, que o verdadeiro está no ser-para-si e no
ser-para-Outro, ou que na junção entre eles se encontra a verdade. E não do modo oposto que fora
apresentado pelas três figuras da seção Consciência, em que o objeto foi tido como outro, separado da
consciência, – pois por esse acesso não fora possível alcançar à verdade, perdendo o objeto no caminho
da experiência.
Todo esse caminho das experiências do saber, percorrido na seção Consciência, marca a
passagem dessa seção à figuração Consciência-de-si, mudança que se dirige também no que tange à
noção de visar às coisas, que passa de um modo externo diante do mundo para um interno ante a ele.
Ou seja, a consciência desloca seu olhar de um viés externo ao interno, direcionando-se ao que está
dentro dela, não de uma maneira imediata, dada, mas pensada, suprassumida27, trabalhada.
Nessa perspectiva, Hegel nos assevera sobre a importância da alteridade na dialética do
reconhecimento, de se ter nesse processo do conhecimento uma relação recíproca entre aquele que
detém o saber e aquele que se coloca no caminho da aprendizagem, do saber, do reconhecimento. Pois,
sem reconhecimento não é possível acontecer à alteridade, porque as consciências envolvidas
estabelecem entre si uma dialética recíproca, isto é, fazem parte de um mesmo movimento do saber. No
entanto, à consciência-de-si se manifesta um ser-Outro que somente se torna presente mediante um
movimento relacional da consciência com uma Outra consciência que na verdade, é uma outra de si
mesma. Assegura Hegel (1992, p. 119-120): “O Eu é o conteúdo da relação e a relação mesma; defronta
um Outro e ao mesmo tempo o ultrapassa; e este Outro, para ele, é apenas ele próprio.”
2. Suprassunção da subjetividade para a intersubjetividade
Essa passagem da seção consciência à figuração consciência-de-si conduz em si e por si a
um marco na filosofia hegeliana: a importância do aparecimento do Outro em sua elaboração teórica,
tema deste presente trabalho. O Outro que surge como possibilidade, como fundamento de existência,
marca o momento em que sucedera à consciência-de-si pela suprassunção da filosofia tradicional
moderna (no campo da subjetividade), para o nascimento da intersubjetividade.
27
Suprassumir / suprassunção (aufheben): negar e conservar. Ideia de movimento, de ultrapassagem na filosofia hegeliana.
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um mundo dela separado.
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Nessa perspectiva, Hegel ao traçar uma linha de pensamento voltada à alteridade, à
filosofia moderna – no que dista a questão do sujeito, “do eu penso”, que é um marco da modernidade.
Porém, ele, ao dar continuidade a essa tradição milenar, como nos apresenta Costa (2004, p. 3):
Simplesmente não rompe, num corte abrupto o conceito de subjetividade outrora erigido em
princípio filosófico, porém a leva as suas últimas consequências fazendo brotar de um acúmulo
de acréscimos quantitativos, um salto qualitativo, e o nascimento da intersubjetividade tal qual
encontra-se, entendemos, exposta na Fenomenologia do Espírito na seção referente da
consciência de si.
Hegel ao estabelecer a noção de intersubjetividade, reconhece a importância da
subjetividade para a consciência-de-si. Todavia, ele nos indica que “[...] a substância viva é o ser, que na
verdade é sujeito, ou – o que significa o mesmo – que é na verdade efetivo, mas só à medida que é o
movimento de pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-si-outro”. (HEGEL, 1992,
p. 30). Assim sendo, Hegel nos adverte acerca da importância de se ter diante desse processo (dialético
subjetivo), um salto qualitativo, uma suprassunção. Ou seja, deve-se ir além de si mesmo, transcender o
próprio eu, movimento que é resultado de uma relação coletiva, reflexiva, fluida, que se advém de um
Ser-Outro, sendo que é nessa perspectiva relacional que consiste o verdadeiro. Como nos apresenta
Hegel (1992) que o verdadeiro é a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, uma reflexão dialética entre
o Eu e o Tu, uma alteridade. Uma mudança que está emblemada de vários “feixes de relações”. É nessa
dinâmica que deve estar voltada também a educação, o ensino, ou seja, o que deve norteá-lo não deve
ser um viés quantitativo, mas um qualitativo.
3. A consciência-de-si e o ser-outro
Hegel ao conceber o termo “consciências-de-si” não pretende significá-lo como uma
consciência apartada do mundo, embrenhada por uma dualidade entre sujeito e objeto no começo do
processo cognoscente do saber. Pelo contrário, ele busca sempre conceituar que na oposição está a sua
não oposição, que no mundo externo se encontra o interno, e que no igual jaz o diferente, assim por
diante. Então, é a partir desse movimento com o diferente que consiste a alteridade: um Outro que não
sou eu, mas que aludido por ele (Outro) fazem juntos um movimento de duplo retorno a si mesmos.
Nesse processo dialético, porém, ambas as partes, buscam serem reconhecidas em um movimento de
reciprocidade, de liberdade. Assegura Meneses (1992, p. 59):
Trata-se de uma dupla suprassunção: da alteridade da essência independente e de si mesma, já
que este outro é ela mesma; sendo uma duplicação de consciências-de-si, há uma dupla reflexão
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intersubjetividade, desenvolverá em sua filosofia dialética, usando elementos que são característicos à
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Entretanto é respectivamente em base a esse processo dialético do reconhecimento que a
consciência-de-si se apresenta, pois ela somente pode ser mediante um Outro e não apenas por si
mesma, porque ela não se equivale a si própria (individualismo), se assim proceder, a consciência se
fecha em si mesma, anulando-se. Sendo que, sem um ser-Outro que a contraponha, sem a diferença,
não há exatamente consciência-de-si.
Contudo, como consciência-de-si, a consciência é movimento de retorno, a partir do ser
percebido e sentido, sobre si mesma. [...] Precisa do outro, da diferença, e mesmo da ‘extensão
integral do mundo sensível’ para daí realizar o retorno sobre si e absorvê-lo na sua identidade,
que nega toda diferença, enquanto ‘consciência-de-si’. (MENESES, 1992, p. 56).
Pode-se afirmar que o caminho percorrido pela consciência-de-si foi composto por um-emsi (de forma subjetiva), mediante um-ser-Outro (diferente), que constituíram juntos o caminho para a
intersubjetividade.
4. A vida
Esse movimento entre a consciência-de-si e o ser-Outro é marcado por uma relação de
reciprocidade, sendo que é em base a essa troca recíproca que consistirá a dialética do reconhecimento,
que constitui também, a base para acontecer o conhecimento entre as consciências. “De fato, essa
operação é tanto de uma quanto de outra, melhor, é uma operação comum”. (MENESES, 1992, p. 59).
Porém, mediante a um caminho reflexivo da consciência-de-si, o objeto – que antes se apresentou a ela
como um objeto de desejo – ganha uma conotação negativa (Negative)28 que, procedendo através de um
processo dialético, se torna independente da consciência-de-si, – tornando-se Vida29. Como nos
apresenta Hegel (1992, p. 121):
Para nós, ou em si, o objeto que para a consciência-de-si é o negativo, retornou sobre si
mesmo, do seu lado; como do outro lado, a consciência também [fez o mesmo]. Mediante essa
reflexão-sobre-si, o objeto veio-a-ser vida. [...] o objeto do desejo imediato é um ser vivo.
28Negative:
esse termo não se trata de uma oposição ou contradição, mas consiste a uma afirmação ou determinação de algo.
Como nos apresenta Meneses (1992, p. 19): “O negativo em geral é isto: a não-igualdade, ou a diferença, que se manifesta na
consciência entre o Eu e a substância, que é seu objeto. O negativo pode ser encarado como uma falha de ambos; porém é
na verdade a alma e o motor dos dois. Houve antigos que conceberam o ‘vazio’ como motor, porém não chegaram a
conceituar o negativo como um Si”.
29 Vida: na perspectiva de processo, como um movimento fluido, reflexivo da consciência.
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ou duplo retorno à igualdade consigo mesma porque a consciência, retornando a si do ser na
outra, ao reabsorver o seu ser que estava nela, deixa-a livre para operar o seu próprio retorno.
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Essa mudança se tornou possível por meio do movimento infinito das figuras que vê a Vida
não se apresenta simplesmente como um objeto de desejo à consciência-de-si, pois se transformou em
um ser vivo se transformou em vida. Assim, como afirma Costa (2004, p. 6) “sem que ainda o saiba o
desejo descobre a vida como meio de sua realização, porém sua busca já é pelo outro-de-si”.
Esses dois momentos (desejo e vida) na filosofia hegeliana remetem em seu processo
dialético, a uma experiência que perpassa a noção de subjetividade para a intersubjetividade. Como nos
apresenta Costa (2004, p. 7) ao afirmar:
Que para a consciência nestes dois momentos desejo e vida faz a experiência de que a sede de
sua verdade não pode se enclausurar no núcleo do sujeito, e a isso Hegel insinua
constantemente pois o desejo é de outro de si mesmo e a vida é o meio fluido de encontro
consigo através da experiência do outro, enquanto processo. [...] Aqui o sujeito (consciência de
si) sem ainda saber, já confirma as bases da filosofia da intersubjetividade.
Conclusão
Pelo caminho dialético que fora percorrido pela consciência-de-si, podemos descrever, que
o reconhecimento só acontece, por meio de uma Outra consciência-de-si, ou seja, por meio da
alteridade. Isto requer que seja estabelecida uma relação recíproca e mútua entre Eu e um Tu, ou seja,
uma alteridade entre as subjetividades. Reconhecimento que acontece quando a consciência-de-si se
deixa conhecer, quando ela se deixa dar-se para, em um estar aberta à relação, ao Outro, ao diferente.
Como nos afirma Hegel (1992, p. 126): “A consciência-de-si é em si e para si quando e porque é em si e
para si para uma Outra; quer dizer, só é como algo reconhecido”. Assim Vida, reconhecimento e
alteridade são elementos que se complementam de forma mútua entre si, e juntas estabelecem a
importância do Outro na filosofia hegeliana.
Nessa perspectiva, percebemos a importância na filosofia hegeliana de se educar para o
reconhecimento desse Outro, que se apresenta como sujeito ativo, participante da construção do
conhecimento, do saber. Deste modo esse processo de aprendizagem, de ensino, deve ser estabelecido
OLIVEIRA NETO, s/d (Texto inédito), explica que as palavras an sich e in sich significam em português ‘em si’. Mas elas
têm significados diferentes, sendo que o que as distingue na escrita da língua portuguesa é o traço (em-si) que aparece
quando se refere ao in sich. O an sich, ou seja, o ‘em si’ sem o traço, refere-se no sentido de algo imediato e independente de
outra coisa. Já o in sich com o traço (‘em-si’), é quando a consciência tem consciência-de-si, ou seja, momento em que ela se
encontra aberta para a relação e reflexão com uma Outra consciência (für sich). A partir desse movimento acontece o
reconhecimento entre as consciências. Reformulando melhor essa questão: a consciência-de-si se forma pela relação dialética
entre o (an sich) que é determinado por um ser-Outro, que estabelece uma suprassução com o Outro, trazendo-o para dentrode-si (in sich). Esse movimento entre as consciências se culmina com a reflexão da consciência-de-si que pela alteridade se
reconhece (für sich); agora reconhecida e enriquecida por essa dialética recíproca, se converte em Ansich.
30
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como um processo, um movimento, que fora fluido pelo Em-si30. Através desse processo, o ser-Outro
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por uma relação recíproca entre professor e aluno, uma alteridade, que se justifica mediante um
e eficaz.
Referências Bibliográficas:
COSTA, Danilo Vaz-Curado Ribeiro de Menezes. O nascimento da intersubjetividade na Fenomenologia do Espírito. Revista
eletrônica estudos hegelianos. Pernambuco. N. 1, dez. 2004. Disponível em: < http://www.hegelbrasil.org/rev01f.htm >.
Acesso em: 10 mai. 2016.
DESCARTES, René. Discurso do método: as paixões da alma. V. I, 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores).
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1992.
MENESES, Paulo. Para ler a Fenomenologia do Espírito. Belo Horizonte: Loyola, 1992.
OLIVEIRA NETO, Pedro Adalberto Gomes. Desejo e formação na fenomenologia hegeliana. Goiânia, s/d (Texto inédito).
106- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
processo de formação (Bildung) e, de trabalho (Arbeit), em prol de construir uma educação mais profícua
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GT 1 – Filosofia e Educação
FILOSOFIA AGOSTINIANA DO AMOR NA OBRA DA TRINDADE
Valdez de Sousa Castilho Junior - FAFIL
Podemos de maneira introdutória ao assunto fomentar a questão a respeito da essência do
amor, e levantar a hipótese de como a essência do amor pode ser definida de forma verdadeira, o que
exatamente é o amor? Entender isso é fundamental para Agostinho, pois para ele somente o amor
verdadeiro pode ser chamado de amor. Na busca pelo amor verdadeiro no pensamento Agostiniano
devemos sempre olhar para as Escrituras e ver o que ele descreve sobre isso, nessa busca vamos nos
deparar com o amor ao próximo que aparece como necessário para perfeição. “Portai o peso uns dos
outros, e assim cumprireis a lei de Deus Gl 6:2”31 A lei de Deus tem como resumo, Amar a Deus sobre
todas as coisas, com toda sua alma, com todo seu coração e amar o próximo como a si mesmo e depois
da encarnação de Cristo ele diz que deveis amar o próximo como ele mesmo amou a igreja, na
perspectiva cristã, Cristo amou dando sua vida a igreja, a exemplo de Cristo pontando o peso uns dos
outros, cumprimos a lei de Deus, consequentemente amamos a Deus e ao próximo. Nas passagens
bíblicas apareça o amor a Deus e o amor ao próximo ligados um ao outro, pois quem ama o próximo,
ama também o próprio Amor.”32 “Pois Deus é amor, aquele que permanece no amor, permanece em
Deus e Deus permanece nele”33 1 Jo 4:16 permanecer no amor é cumprir a lei de Deus, cumprir a lei de
Deus é também amar ao próximo e quem permanece no amor, permanece em Deus, amar o próximo,
implica de forma direta também Amar a Deus e vice-versa, amar a Deus impeli nos a amar o próximo.
Agostinho antes demonstra o que é o verdadeiro amor e a sua essência, mostra no capítulo
10 vestígios da Trindade no amor. Para ele são três vestígios: o amor, o que ama e o que é amado. O
amor é “o que é, portanto, o amor, senão uma certa vida que enlaça dois seres, ou tenta enlaçar, a saber:
o que é amado”. Com essa realidade do amor, afirma agostinho que nos seja suficiente essa primeira
reflexão para um primeiro fio, de um novo começo, mas que retomaremos mais adiante, apresentando
de forma detalhada cada uma parte dos três vestígios.
Bíblia Sagrada. Traduzida em Português.
Ibdem
33 Ibdem
31
32
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DO AMOR
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Antes de passarmos a obra da trindade para entendermos melhor o que é o amor, gostaria
interpretação de Étienne Gilson. Na Alemanha Hannah Arendt defendeu sua tese de doutorado no ano
de 1928 sobe a orientação de Karl Jasper. Cujo o tema era o conceito de amor em Santo agostinho, uma
contundente opinião sobre a liberdade cristã que ela simpatizava. Arendt dividiu sua tese em três partes;
a primeira delas foi o amor como desejo (qua appetittus), a segunda o amor a Deus (Creator criatura) e
terceira parte o amor ao próximo (Vita socialis).
No que diz respeito, ao amor como desejo (qua appetittus), Arendt discorre que a certeza
que todo ser humano tem é da morte, isso traz uma grande preocupação. O amor qua appetittus é
libertação do medo da morte, seria o desprendimento do que acontecera pós morte. A segunda parte,
nos dá a ideia de que todos os seres humanos foram criados por Deus, isso faz com nos aproximemos
do criador através do amor. Aponta a diferença entre criatura e criador, onde o criador é eterno e a
criatura é finita, temporal e que se torna a ser. Sua última parte trata sobre a criatura e o mundo do amor
que é intermediado pelo amor a Deus. O amor permite termos uma sociedade, e o amor de Cristo é
resultado dessa união de seres humanos “sociedade”. Étienne Gilson por sua vez sobre o amor nos diz
que “A caridade é o amor pelo qual se ama o que se deve amar” 34
Na obra da trindade de Santo Agostinho que vamos abordar agora, iremos ver como é
apresentado o amor a Deus e o amor ao próximo. Para isso, começo destacando uma lista de coisas que
podem ser intituladas como boas para a sociedade: animais, propriedades, alimentação, diríamos que
essas coisas dessa lista são boas e ao fazermos um julgamento certo, não diríamos que algumas dessas
coisas da lista, seja melhor do que outra, a não ser que esteja em nós a impressa do próprio bem, que
nós façamos preferir o próprio bem. Agostinho descreve que ao contemplarmos essas coisas, veríamos
o bem sim, mas também veríamos a Deus que é bom, não propriamente pelo bem dos objetos, mas sim
porque Deus é o próprio bem, assim Agostinho quer apontar que Deus é a causa do bem de todas as
coisas. A relação, do bem com o amor é descrita da seguinte forma; “Portanto, a Deus se há de amar,
não como se ama este ou aquele bem, mas como se ama o próprio Bem.”35 Não se ama a Deus como
os animais, propriedades, alimentação, pois o bem que está nessas coisas, vem do Bem que é Deus.
Então se há de amar a Deus, pois é o próprio Bem.
34
35
GILSON, Étienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 2007. P.262.
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Tradução de Agustinho Belmonte. 2. ed. Coleção Patrística – 7. São Paulo: Paulus, 1994. P.264.
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de destacar a interpretação de Hannah Arendt sobre o conceito de amor em Santo Agostinho e a
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Diante desse raciocínio podemos apontar a alma como um outro elemento que é bom, a
ação da vontade. É uma espécie de vergonha amar as coisas por serem boas, Santo Agostinho, propõe
amar o próprio bem, que faz as coisas boas. Amar o sumo bem, seria amar a Deus, pois Ele faz todas as
coisas serem boas. Bem esse que está bem próximo de nós, “pois é nele que temos a vida, o movimento
e o ser At 17:27-28”36
Ressaltamos a importância aqui de permanecermos nele (Deus), para o amar, para gozarmos
de sua presença, justamente por que dele temos a vida e sem a sua presença não poderíamos existir.
Tendo vida nele, caminhamos por fé (pois não vemos Deus ainda). Seguimos princípios de Deus, sem
mesmo estar vendo ele, para vermos Deus algum dia será preciso ama-lo, mas amar o que não se vê é fé.
Se não amarmos a Deus nessa caminhada de fé nunca veremos a Deus. Amamos a Deus apoiado pela
fé. Santo agostinho chama-nos a atenção para uma característica fundamental da fé; a fé sendo aquela
que purifica o coração para ser capaz de contemplar a Deus. O sumo bem é contemplado por fé.
Ama-se, assim um Deus, que se desconhece, mas que se acredita firmemente, isso é fé.
Quando a alma ama, o que não se vê, deve-se tomar cautelas, pois o que não se vê, pode ser imaginado
de várias formas. Quando vamos tentando imaginar a forma de algo que não se vê, como por exemplo a
forma de Cristo ou até mesmo as formas de outras pessoas, o elemento mais importante que Agostinho
ressalta desse ato, não seria nossa a imaginação, mas sim a nossa fé em um Cristo nascido de uma
virgem, ressuscitado dentre os mortos, que têm onipotência para vencer a morte. Conceber aspectos
formais de objetos na mente, raramente coincide com o objeto no mundo fora da mente ou fora do
mundo externo. Então o que nos traz a felicidade de estar amando é a trindade, não a nossa imaginação.
Se fizermos uma imagem do que não se vê de forma irreal e proferindo isso, seria considerado uma
“caricatura”. Isso traz consequência nocivas para fé, como ser classificada de “crença falsa”, uma vez
que a fé é falsa o amor a Deus e ao próximo será impuro e até mesmo se terá uma esperança inútil, pois
esperar por aquilo imaginado de forma irreal, aquilo que não virá realmente como se imagina, será
totalmente sem utilidade, pois nunca irá se concretizar.
Comprar Deus, com algo do nosso campo de visão, pode atrapalhar, pois Deus é
incomparável a qualquer coisa que vemos. Mesmo Deus ainda não sendo conhecido, já podemos o
amar pela fé. A maneira de amar, aquilo que não se vê é pela fé, não pela suposição dos pensamentos.
36
Bíblia Sagrada. Traduzida em Português.
109- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
alma possui algo de bom, mas não podemos atribuir bondade, a alma, enquanto a própria não tiver a
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Deus é único, Trindade é única, o que amamos na trindade é ela ser Deus. Não se têm dois deuses, o
Passemos agora pensar um pouco a razão pela qual amamos uma pessoa, será, pois, pela sua
vida cheia de conhecimento? Como amaríamos uma pessoa que já se foi, uma vez que o seu corpo já se
separo da sua alma? Como o apostolo Paulo que não está mais entre nós, Agostinho Descreve o amor
fraterno a Paulo e as demais pessoas sendo a alma justa. A justiça dá alma tem uma forma, e nada se
assemelha a tal forma. A razão para amaramos a forma da justiça seria ela mesma “quanto a forma e
verdade, ela não pode ser amada por razão alguma que não seja ela mesma” 37 assim quem ama os
homens deve amá-los porque são justos ou porque
se tornarão justo. Essa é maneira de amar
fraternalmente sem perigos.
Diante dessa estrutura marcante ajudará a gente a entender porque Agostinho descreve que
ninguém diga; “não sei o que amar” Quem ama o próximo, também há de amar o próprio amor. Não
temos desculpa de não saber o que amar, pois sabemos o que amar. Se assim procedermos, tendo
consciência de amar o próximo e a Deus conheceremos melhor o amor com que amamos, do que
propriamente o irmão amado. Para Agostinho, pode se ter um conhecimento maior sobre o nosso Deus
amado, em vez do irmão amado. Deus se torna mais conhecido, pois Deus está presente em nosso
interior, Ele é mais íntimo, do que o irmão que vemos, e bem mais seguro, que o próximo que vemos.
Ao abraçarmos a Deus que é amor, abraçamos a Deus por amor e esse amor é que une a todos os
servos de Deus pelo elo da santidade.
Faço uma citação bastante significativa no pensamento agostiniano na obra da trindade,
capítulo 8 “portanto, quando amamos o irmão com amor, amamos o irmão em Deus, e é impossível
não amar o Amor que nos impele ao amor do irmão”38 amar o irmão, com amor, é amar o irmão em
Deus, e assim amamos, o próprio amor que é Deus. Amar o irmão com amor, amamos o irmão em
Deus, e é impossível, não amarmos a Deus (Amor), pois ele é o que nos impulsiona a amar, Ele nos
impele a amarmos o irmão, não amamos o irmão por nós mesmo, mas o Amor que nos leva a amar o
irmão. O preceito de amar o próximo, só existe se tiver antes o amor a Deus, quem ama Deus, deve
amar o próximo “Quem não ama seu irmão a quem vê, a Deus, que não vê, não poderá amar” 39 1 Jo
4:20 o motivo de não ver a Deus, é a ausência do amor ao próximo, e quem não ama o próximo, não
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Tradução de Agustinho Belmonte. 2. ed. Coleção Patrística – 7. São Paulo: Paulus, 1994. P.280.
Santo. A Trindade. Tradução de Agustinho Belmonte. 2. ed. Coleção Patrística – 7. São Paulo: Paulus, 1994. P.281.
39 Bíblia Sagrada. Traduzida em Português.
37
38AGOSTINHO,
110- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
amor dado é a um único Deus e por fé.
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está no amor, e quem não está no amor, não está no próprio Amor, e o próprio Amor é Deus, e quem
Agostinho Logo após citar 2 Co 6:2-10, onde Paulo descreve sobre a vida do ministro de
Deus, qual seria o motivo de sentirmos amor pelo Apóstolo Paulo? Por mais que Paulo tenha levado
essa vida em primeira instancia distante de amar a Deus, onde ele mesmo descreve na sua carta aos
coríntios, Agostinho diz que o amor a Paulo, não seria por sua própria vida levada, mas por conta de
um ideal “..., mas nós o amamos em virtude de um ideal (forma, modelo), em nós mesmo que vemos.”40
Se não amassemos esse ideal primeiramente que é imutável e estável, não amaríamos o Apóstolo. Há em
nós, o modelo que nos leva a amar as pessoas.
Voltemos agora a examinar os vestígios da trindade no amor, faladas na introdução.
Relembrando as três partes dos vestígios do amor são: o amor, o que ama e o que é amado. O foco de
Agostinho, é examinar as três realidades do amor no homem, o amor, o que ama e o que é amado.
Quando amo a mim mesmo, só existirá duas realidades, eu que amo, e o amor. Nesse caso, o amante, e
o amado, são um só. Aquele que prática a ação ativa; amante, é o mesmo que prática a ação passiva, o
amado. Podemos entender então, que não é porque existe amor, que exista necessariamente três
realidades do amor, justamente, por esse caso que acabamos de verificar. Passemos agora a considerar
também o amor na alma, quando a alma ama a si mesma, o que encontramos nessa relação? Vamos
encontrar duas realidades, a própria mente e o amor. Ambas realidades são imateriais, ou seja, são do
campo espiritual, entendemos então, que são da mesma essência.
A questão subsequente, levantada por Agostinho, é mostrar que a alma, para amar a si
mesma, precisa se conhecer. Uma ação improvável aconteceria, ama-la, sem ter conhecimento dela
mesma. Contudo, como a mente, adquire conhecimento dela mesma? A explicação de Agostinho, se
baseia primeiro em mostrar, que assim como a mente adquire noções corporais através dos sentidos
corporais, como os olhos, assim da mesma maneira, as realidades incorpóreas são adquiridas por si
mesma, por ser incorpórea. "Portanto, assim como a mente adquire noções sobre coisas corpóreas
servindo-se dos sentidos corporais, do mesmo modo, em relação às realidades incorpóreas, ela as
adquire por si mesma"41Dessa forma, se a alma não conhecer a si mesma, não poderá amar ela mesma.
Quando se tem a mente amando ela mesma teríamos três realidades; a mente, o amor e o
seu conhecimento. As três realidades são uma só unidade e quando perfeitas são iguais. No segundo
40
41
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Tradução de Agustinho Belmonte. 2. ed. Coleção Patrística – 7. São Paulo: Paulus, 1994.P .283.
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Tradução de Agustinho Belmonte. 2. ed. Coleção Patrística – 7. São Paulo: Paulus, 1994. P.290.
111- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
não está em Deus, não está na luz, pois Deus é luz.
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parágrafo aparece uma possibilidade ainda não mencionada, que é o amor de forma imperfeita. Isso
Esse desequilíbrio ocorre quando a mente ama a si com a mesma intensidade que ama o corpo, para
Agostinho a mente é superior ao corpo, então não se deve amar igual, o desbalanço ocorre na igualdade
da intensidade do amor da mente e do corpo. Pode também ser caracterizado desequilíbrio quando a
mente ama a si mais do que a Deus, pois Deus é infinitamente maior e mais digno de ser amado. Agora
se amar o corpo do mesmo jeito que se deve amar a Deus para Agostinho o pecado é ainda maior em
malícia e maldade, pois o corpo é inferior a mente e a Deus, nesse caso o amor seria ainda mais
imperfeito. “Incorre em pecado de maior malícia e maldade, se ela amar o seu corpo tanto como Deus
deve ser amado. ”42
Em relação a imperfeição do conhecimento, esse se dá quando o seu conhecimento é
menor que o objeto conhecido, isso é claro se o objeto for passivo de conhecimento pleno. Mas se o
conhecimento de quem conhece ultrapassar o objeto conhecido é porque o que conhece tem a natureza
maior do que o que é conhecido. Por isso que a mente o amor e o conhecimento são iguais, pois o
conhecimento da própria mente não excede o seu ser, porque é ela que conhece e que é conhecida.
42
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Tradução de Agustinho Belmonte. 2. ed. Coleção Patrística – 7. São Paulo: Paulus, 1994. P.291.
112- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
ocorre quando algumas situações desequilibradas acontecem, ou seja, quando aparece um desbalanço.
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GT 01- Filosofia e Educação
Valéria Marcelina Rodrigues – FE-UFG
Introdução
Nesse trabalho pretendemos analisar a Escola Militar em Goiás e sua visibilidade no tempo
presente, entendendo-a como parte do processo de construção do modelo de educação que está
vinculado ao projeto de nação instituído desde a proclamação da República no Brasil. Para tanto,
realizamos a análise do estatuto (presente na agenda da escola militar) que rege a mesma.
Dentro desse contexto, também achamos importante discutir o conceito de cidadania, por
isso, buscamos perceber a relação da inserção do cidadão ao mercado de trabalho, e as metas da escola
militar. A expressão trabalho significando tanto atividade do trabalhador quanto indicando o produto
dessa atividade, não se apresenta com significado positivo em Marx, quando o sujeito se vê impelido a
integrar o mercado do trabalho. Para Marx, mercado de trabalho, e mundo do trabalho, são duas coisas
bem diferentes. É o que nos mostra o texto de Manacorda:
Trabalho é em Marx, termo historicamente determinado, que indica a condição da atividade
humana no que denomina economia política, ou seja, a sociedade fundada sobre a propriedade
privada dos meios de produção e a teoria ou ideologia que a expressa. Na condição descrita pela
economia política, o trabalho, enquanto exatamente princípio da economia política, é a essência
subjetiva da propriedade privada e está frente ao trabalhador como propriedade alheia, a ele
estranha, é prejudicial e nociva. (MANACORDA, 2007, p.58)
Marx resume essa determinação do trabalho, na qual a manifestação é essa mesma
expropriação de vida, pela formulação de que “o trabalho é o homem que se perdeu a si mesmo”.
Assim, apresentamos aqui algumas considerações sobre o que almejam os cidadãos goianos. Nossa
principal pergunta nesse sentido, foi procurar saber por que grande parte da população defende a
presença da escola militar na formação do cidadão goiano? Desse modo, foi fundamental tratar desse
tema, pois pensamos que poderemos fornecer elementos para a compreensão da concepção de
educação no tempo presente, suas perspectivas e possibilidades, bem como os anseios da população
inserida nesse ideal de construção da Nação. Além disso, por se tratar de um trabalho inicial,
imaginamos que poderá inspirar também outros novos trabalhos.
Como o leitor poderá perceber ao longo desse texto, realizamos uma breve análise do
processo histórico que envolve o tema, com ênfase na elaboração da relação disciplina, escola militar e
113- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
A ESCOLA MILITAR, CONCEPÇÃO POLÍTICA E PROJETO DE NAÇÃO NO BRASIL.
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qualidade, não deixando de abordar a concepção de trabalho inerente às propostas pertencentes ao
Na conjuntura educacional atual, nos deparamos com um fenômeno preocupante que é a
educação pautada na formação para empregabilidade, para o mercado de trabalho, que visa o sucesso
aos moldes da sociedade ocidental capitalista. O projeto de Nação Brasileira tem seu ápice com o Golpe
de 1964, que instituiu o regime de Ditadura Militar no Brasil, reforçando um modelo de educação ideal,
baseado na disciplina, na “ordem e no progresso”. Assim, alguns questionamentos foram levantados e
acabaram norteando esse trabalho. É por isso que a escola militar cria tantas expectativas para pais de
alunos? A perspectiva é vê-los no mercado de trabalho? É possível, na sociedade atual, separar mercado
de mundo do trabalho? É nossa proposta investigar sobre isso. Para tanto, faremos um breve histórico a
partir da história do militarismo no Brasil.
Tendo como foco a análise do estatuto da escola militar no qual rege todas as escolas
militares, observamos quais são os mecanismos de poder empregados por essas escolas para disciplinar
seus alunos e quais as consequências dessa educação disciplinarizadora que vigia, mede, modifica e
controla o comportamento de seus alunos para que, segundo a sua percepção, eles se tornem bons
alunos, bons filhos e bons cidadãos. Para Santos (2015):
O objetivo do CPMG é educar por meio de normas, formar o cidadão normal, dentro dos
padrões sociais. Para Foucault (1987) os mecanismos disciplinares, ao contrário do que possa
parecer, não surgiram na sociedade moderna: desde o século XVIII tais mecanismos aglutinamse a outras formas de poder a fim de tornarem-se ainda mais eficientes. Para atingir a disciplina
é necessário estabelecer regras, normas, regulamentos, padrões. (SANTOS, 2015, p.18).
Nesse contexto, o debate sobre a escola militar, perpassa, portanto, pela trajetória de
construção do poder militar como representante da Moral como disciplinarização, “promovendo” um
discurso que historicamente, se sustenta na formulação de um “melhor” cidadão, constituído por uma
nação melhor administrada. Essa concepção de Nação é Positivista. Assim, o setor militar adentra no
campo da educação e ganha espaço na sociedade atual, que ainda se vê dentro do projeto de construção
da Nação.
Nesse sentido, o objetivo geral era analisar a estrutura da construção da Escola Militar no
Brasil, como parte do projeto de Nação. Pensamos ter conseguido trazer algumas questões sobre a
história. Analisamos também, como já dissemos o estatuto da escola militar, apresentando a partir dele,
os motivos pelos quais pais e alunos almejam o ensino militar como formador e possibilitador de
inserção no mercado de trabalho. Observamos nessa fonte, indícios de disciplinarização, mesmo quando
114- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
estatuto da escola militar em Goiás.
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analisamos o uso da obra de Cora Coralina na agenda, bem como a relação escola militar e qualidade de
É preciso dizer, que o que nos instigou a discutir o assunto, foi a vontade de entender por
que os pais desejam tanto colocar seus filhos em escolas militares? Por que vêm a educação militar
como vinculada à boa moral? À boa Formação? À ordem? Não podemos dizer que foi possível
responder a tais questões, pois esse deve ser um trabalho de estofo, é requer tempo – tempo que um
Trabalho de Conclusão de Curso não possui. Sabemos da fragilidade na abordagem conceitual e na
análise das fontes. Por outro, sabemos também da contribuição desse trabalho para o curso de
pedagogia da UFG, em um momento tão crítico que se vive na educação pública em Goiás. Nesse
momento, que escolas públicas estaduais estão passando para as mãos de gestores de Organizações
Sociais, e que o “ibope” das escolas militares tem crescido. O problema é que este modelo de escola,
que legalmente é público, não respeita os direitos dos cidadãos, pois segrega tanto no comportamento,
quanto no aspecto financeiro, sendo obrigatório uso de uniforme e compra de materiais.
A concepção de nação – algumas considerações sobre a escola militar em Goiás como parte do
projeto de nação no Brasil.
A ideia de Nação e nacionalismo começou a ser mobilizada na Europa a partir do século
XVIII para designar a identidade de cada povo. Entre 1830 e 1880, momento do liberalismo, havia
segundo Eric Hobsbawm (1998), três critérios que permitiam a um povo ser firmemente classificado
como Nação: o primeiro destes critérios era sua associação histórica com um Estado existente ou com
um Estado de passado recente e razoavelmente durável; o segundo critério era dado pela existência de
uma elite cultural longamente estabelecida, que possuísse um vernáculo administrativo e literário escrito;
o terceiro critério era dado por uma provada capacidade para a conquista. Para se constituir uma Nação
era preciso, portanto, já haver um estado de fato, que possuísse uma língua e uma cultura comuns, além
de demonstrar força militar. Foi com base nesses três pontos que se formaram as identidades nacionais
europeias. A construção de uma identidade nacional passa, assim, por uma série de mediações que
permitem a invenção de uma língua comum, uma história cujas raízes sejam as mais longínquas
possíveis, nacionais, um folclore, uma natureza particular, uma bandeira e outros símbolos oficiais ou
populares. Os integrantes de cada comunidade são convidados a neles se reconhecer e a eles aderir. Essa
ideia da construção de uma Nação chega ao nosso país pelos portugueses no processo de colonização
do Brasil. Falar sobre a formação da Nação brasileira, não é uma tarefa fácil, mas é discussão necessária
para a construção e fundamentação do objeto desse trabalho – a Escola Militar.
115- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
ensino.
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Podemos dizer que a educação brasileira desde seus primórdios baseia-se em princípios
nos mostra que a educação brasileira desde seu começo sempre apresentou regras estabelecidas “se
pensarmos no fato dos cristãos terem sido considerados de Cristo enviados para o Brasil com o intuito
de moldar o comportamento dos índios de modo a torná-los cristãos” (SANTOS, 2015, p.21) A partir
da vinda da família real para o Brasil em 1808, criou- se uma série de instituições educacionais como as
escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e as Academias Militares na qual foi
a primeira instituição de ensino direcionado à ordem militar. Podemos então assim dizer que, os
colégios militares surgem com o objetivo de aculturar os alunos dando- lhes uma educação de cunho
militarista e não mais de cunho religioso como pretendia a educação jesuítica, mas lembrando que a
disciplina e a “obediência” sempre se fez presente desde o começo, na educação jesuítica. Antes da
existência das instituições militares na educação brasileira, as regras e disciplinas já faziam parte da
educação como forma de “moldar” os cidadãos.
Para Foucault (1987) os mecanismos disciplinares não surgiram na sociedade moderna.
Desde o século XVIII, tais mecanismos se unem a outras formas de poder com o intuito de se tornarem
mais eficientes (SANTOS, 2015, p.18). Para se conseguir disciplina era necessário estabelecer regras,
padrões e regulamentos. Para Foucault (1987):
O normal se estabelece como princípio de coerção no ensino, com a instauração de uma
educação estandardizada e a criação das escolas normais, estabelece-se no esforço para
organizar um corpo médico e um quadro hospitalar de nação, capazes de fazer funcionar
normas gerais de saúde. Estabelece-se na regularização dos processos e dos produtos
industriais. Tal como a vigilância e junto com ela, a regulamentação é um dos grandes
instrumentos de poder no fim da era clássica. As marcas significavam status, privilégios,
filiações, tendem a ser substituídas ou pelo menos acrescidas de um conjunto de graus de
normalidade, que são sinais de filiação a um corpo social homogêneo mas que têm em si
mesmo um papel de classificação, e de distribuição de lugares. O poder de regulamentação
obriga à homogeneidade; mas individualiza, permitindo medir os desvios, determinar os níveis,
fixar as especificidades e tornar úteis as diferenças, ajustando-as umas às outras. Compreende-se
que o poder da norma funcione dentro de um sistema de igualdade formal, pois dentro de uma
homogeneidade que é a regra, ele introduz, como um imperativo útil e resultado de uma
medida, toda a gradação das diferenças individuais. (FOUCAULT, 1987, p.153/154).
Como podemos perceber a partir dessa citação, “o poder da norma está em toda parte,
aliado a um poder discreto, porém eficiente: o poder disciplinar, que por meio da norma, regulamenta,
normatiza, normaliza e padroniza os sujeitos” (SANTOS, 2015, p.19). Esse poder disciplinar tem a
finalidade de tornar os sujeitos, seres produtivos e obedientes que atendam às necessidades da Nação,
temos então nas escolas o poder da norma e da disciplina.
116- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
políticos e econômicos bem articulados e estabelecidos e com propósitos disciplinares reguladores. Isso
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De acordo com Saviani (2008) a educação brasileira divide-se em quatro períodos: o
engloba as ideias pedagógicas entre os anos de 1759 e 1932; o terceiro período conhecido como
pombalino estende-se de 1932 a 1969 e por último o quarto período, entre 1969 e 2001. Segundo
Saviani (2008), o Brasil entrou para a história da civilização cristã com a vinda dos portugueses para o
país, em 1500. Em 1549, com a chegada dos primeiros jesuítas, os propósitos educativos eram
classificados como um mecanismo de aculturação para moldar o comportamento dos sujeitos. Nesse
período, na Europa a Igreja Católica buscou expandir o seu poder e sua quantidade de fies através das
contra-reformas religiosas. Por esses motivos, o Brasil passou a ser considerado pelos europeus como
um novo lugar a ser explorado tanto economicamente quando ao domínio do catolicismo. Então essa
educação jesuítica que se iniciou no primeiro período de colonização pelo plano de instrução do Padre
Manoel de Nóbrega, desenvolveu o ensino dos princípios dessa educação cristã e da língua portuguesa
para os colonizados. (SANTOS, 2015, p. 20)
As primeiras instituições escolares surgiram sobre influência da Igreja Católica sob gestão
dos padres jesuítas com o objetivo de formar cristãos disciplinados e obedientes para que tivessem
utilidade para os portugueses e para a Igreja. No século XVIII, o Brasil passa a ser alvo de frequentes
invasões, surge então necessidade de se formar soldados para a guerra. A educação dada pelos jesuítas
passa a ser inadequada, pois não supria o que o país queria naquele momento, diante dessa situação são
criadas as primeiras escolas militares no Brasil Colônia.
Podemos analisar que a Escola Militar não é fruto da ditadura militar, e sim, um ápice do
projeto de Nação instituído desde a colonização, no entanto no período do governo militar no Brasil
representou o auge do projeto de Nação com o discurso da ordem e do progresso característico do
Estado Positivista. Assim parece-nos que a qualidade na educação estão ligados à ordem e à
disciplinarização.
No decorrer das primeiras décadas do século XX houve uma construção da memória
histórica produzida para a instituição escolar fora do ambiente específico das salas de aula, ou seja, pelas
práticas educacionais das festas comemorativas de eventos e homenagens aos “heróis nacionais”
realizadas no decorrer dessa época.
Nesse período, o programa de ensino das escolas de nível
fundamental e médio passaram a incluir em seu currículo diversas atividades programadas em torno das
datas nacionais, dos rituais para hasteamento da bandeira nacional e hinos pátrios entre outras
festividades intituladas como cívicas, compondo assim as demais disciplinas da grade escolar. De acordo
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primeiro trazido pelos religiosos que abrange de 1549 até 1759; o segundo ainda de gestão religiosa,
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com Bittencourt (2009), o ensino de História não era conteúdo exclusivo dos professores em sala de
conteúdo das denominadas “festas cívicas”. Haviam recursos de comunicações como os rituais e
símbolos construídos para que se estabelecesse a institucionalização de uma memória nacional, a
“História da pátria” era tema central de livros de leitura e das músicas escolares. Jorge Nagle discorre
sobre a preocupação em substituir conteúdos de teor nacionalistas e idealistas por conteúdos que se
baseiam no “conhecimento que se deve ter da terra e da gente brasileira” e que esse novo olhar sobre a
discussão de quais os conteúdos a serem oferecidos nas escolas decorre do desenvolvimento que os
estudos brasileiros tiveram a partir do século XX apesar dessa discussão não ter influenciado as
produções didáticas, devido a isso as “preocupações cívicas” das comemorações ainda são presentes nas
escolas. (BITTENCOURT, 2009, p.55)
Hobsbawn, em seu estudo sobre as práticas e símbolos do mundo contemporâneo mostra a
relação que há entre o “fenômeno nacional” e a construção das tradições ou a invenção delas com o
propósito de legitimar os “Nacionalismos” que se emergem a partir do século XIX. Para ele, as
tradições inventadas são aplicadas em uma estratégia de renovação histórica recente, a “Nação” e seus
fenômenos associados como por exemplos, os símbolos nacionais. Para Hobsbawn, os rituais cívicos
bem como a construção de monumentos entre outros símbolos ligados às tradições nacionalistas
necessitam de uma análise consiga ir além das questões internas da organização das escolas. Nessa
perspectiva era essencial segundo ele, contextualizar as atividades pedagógicas ligadas ao civismo em
meio aos discursos educacionais que se fundamentavam no nacionalismo. A escola sob essa perspectiva
era a instituição criada pela Nação que tinha a responsabilidade de formação do cidadão.
O surgimento da Escola Militar em Goiás – algumas reflexões
De acordo com Santos (2015), a partir dos princípios de educação como um mecanismo
para moldar o comportamento dos alunos, o Colégio da Polícia Militar de Goiás não está vinculado aos
demais colégios militares do Brasil. O colégio foi criado pela Polícia Militar de Goiás, em 1976 em
parceria com a Secretaria Estadual de Educação, com o objetivo a necessidade de formar bons alunos,
bons filhos e bons cidadãos. É importante destacar que todos os colégios militares do Brasil são regidos
por normas criadas pelo Exército Brasileiro, conforme diz o Regimento Interno dos Colégios Militares
do Brasil.
Art. 2° Os CM, doravante identificados como participantes de um subsistema de ensino do
Sistema de Ensino do Exército, denominado Sistema de Ensino do Exército, denominado
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aula. Coube as autoridades educacionais acompanhar essas práticas escolares para que elas seguissem o
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O CPMG tem a mesma finalidade que das escolas civis, mas seguem o rigor das normas
militares que o difere dos colégios controlados pelos civis. Embasados pelos princípios militares, a partir
da década de 1990, essa educação torna-se uma nova referência no ensino goiano e passa a ser
procurada por um grande número de famílias guiadas por esse novo modelo de educação. Em 1999, a
Polícia Militar de Goiás recebe do governo do estado, uma verba para iniciarem suas atividades
escolares de Educação Básica com um corpo estudantil inicial composto por 440 alunos que estudavam
na própria Academia da Polícia Militar de Goiás. Com o aumento do corpo discente e com a
respeitabilidade que o CPMG adquiriu logo após a sua fundação, esse colégio transfere-se para um novo
local fora dos muros da Academia da Polícia Militar de Goiás, embora as normas continuem as mesmas.
Essa mudança de local fez com que o número de alunos se ampliasse chegando ao ano de 2000 a 1700
estudantes. (SANTOS, 2015, p.26)
De acordo com Santos (2015), atualmente há em todo o estado de Goiás seis colégios da
Polícia Militar sendo três situados em Goiânia, um em Rio Verde, um em Anápolis e outro em
Itumbiara e mais trinta em processo de liberação. Surge na sociedade goiana um novo conceito de
educação disciplinar, desde sua fundação, os Colégios da Polícia Militar causam grande agrado à
população marcada por uma educação que passa a ser mediada e controlada fazendo com que os alunos
se tornem “corpos dóceis”. A Polícia Militar apropria-se regras escolares já existentes, aprimorá-las de
acordo com o seu regime e aplica-as com mais rigidez para a partir disso atingir o objetivo da escola de
formar bons cidadãos. A escola, ao ser assumida pela Polícia Militar, passa por diversas transformações
tais como uma reforma em sua estrutura física e em seu corpo docente. No que se refere aos processos
disciplinares torna-se adequado a presença e conduta militar com o intuito de ampliar e melhorar a
educação. A justificativa para tanto se investir nessas Escolas Militares é gerir uma escola na qual torna
hábeis cidadãos ativos e participativos. A estrutura do ensino funciona como a de todas as demais
escolas e as atividades escolares acontecem de segunda a sábado. O conteúdo programático do CPMG
segue as orientações pedagógicas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e da Lei Diretrizes e
Bases (1996), mas diferencia-se do programa das demais escolas por incluir a disciplina “Noções de
Cidadania” cujo objetivo centra-se em orientações básicas de trânsito, meio ambiente, prevenção ao uso
de drogas, etiqueta social e educação religiosa. Esses ensinamentos são dados para que a escola alcance
119- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), funcionam pautando-se nos princípios da legalidade,
da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, camaradagem, englobados pelos valores,
costumes e tradições do Exército Brasileiro. (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2009).
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seu objetivo maior que é o do exercício pleno de cidadania, um cidadão útil, produtivo, conhecedor dos
O histórico do CPMG diz que desde sua formação a escola busca atingir uma administração
escolar democrática e participativa cujo objetivo é o de preparar seus alunos para o exercício pleno da
cidadania. Para Santos (2015), esse fato é uma das divergências que percebemos ao analisarmos o
documento do CPMG e a teoria aplicada nessa instituição. Não há possibilidade de ter democracia em
um ambiente onde os alunos não podem escolher o modo como movimentar seus próprios corpos
enquanto estão em posição de sentido ou até mesmo são impedidos de se sentarem ao chão
simplesmente pelo fato de estarem uniformizados/fardados. De acordo com a direção dos colégios, os
processos seletivos para o ingresso de novos alunos sofreram alterações ultimamente. Antes a seleção se
dava por meio de provas, mas, atualmente, a disputa pelas vagas disponíveis no CPMG ocorre por meio
de um sorteio com data e hora marcadas.
A monumentalização de Cora Coralina e utilização de sua obra na agenda dos alunos do
CPMG
Como podemos verificar nesse trecho abaixo retirado da agenda anual dos alunos do
CPMG, essa instituição de ensino faz o uso tanto das obras quanto da figura da escritora Cora Coralina
ao longo de seus escritos, desde as primeiras páginas da agenda até o seu final.
A nossa língua teve entre uma das grandes personalidades das letras, Ana Lins dos Guimarães
Peixoto Bretas, ou simplesmente Cora Coralina, poetisa que as respeitavam e as manejavam
com tanta destreza e delicadeza. Temos através de seus textos, descrições da antiga Vila Boa,
até então capital do estado de Goiás. Cora desfiou com tamanha doçura e simplicidade suas
ruas, seus cheiros e tantas personagens com riqueza de detalhes de toda uma geração com seus
versos, às vezes simples de se entender, outros complexos, assim como a nossa língua.
Atualmente a Cidade de Goiás, com seus becos, pontes, comidas e povo simples fazem parte
do Patrimônio Histórico e Cultural tombado pela UNESCO. Diante destes dois marcos
iniciamos mais um ano letivo. Pautados na imensidão de possibilidades da nossa língua
portuguesa e com a simplicidade da doceira escritora ou escritora doceira é que todas as nossas
Unidades do Colégio da Polícia Militar de Goiás vão descortinar este ano de 2015. Vamos
buscar todas as nuances de nossa língua através dos textos de nossa Aninha que, com sua
simplicidade de doceira e a força do povo goiano consegue acalentar a alma e fortalecer o
coração de quem a lê. (AGENDA DO CPMG, 2015, p.04)
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas ou Cora Coralina poeta vilaboense, considerada
uma das mais influentes escritoras brasileiras, alheia aos modismos literários produziu uma obra poética
rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.
Sua morte em 1985 estabeleceu um marco na proposta de sua monumentalização instituindo sua
imortalidade. Para consolidar a proposta de monumentalização da poeta vilaboense como patrimônio da
120- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
seus direitos e deveres. (SANTOS, 2015, p.28)
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Cidade de Goiás, foi fundada a entidade Casa de Cora Coralina pouco tempo depois de sua morte na
Velha Ponte em Museu Casa de Cora Coralina foi um meio primordial para a re (criação) da MulherMonumento.
Nesse museu biográfico, a trama de objetos expostos agencia tempo e espaço para compor a
narrativa material da biografia oficial. A Casa Velha da Ponte transfigurada em templo da
memória por Cora Coralina é apresentada a partir do princípio de que tudo continua no “tempo
de Cora”. (DELGADO, 2003, p.20)
Segundo Delgado (2003), o Museu Casa de Cora Coralina é instituído como um espaço
situado fora do tempo e conservado onde um arquivo de objetos e imagens supera a passagem do
tempo em um presente eterno configurando um projeto de organização e acumulação de todos os
tempos da vida da poeta.
O acervo do Museu é composto por uma seleção de materiais que, para Delgado (2003), é
imune a passagem do tempo e conservado em um presente eterno onde a monumentalização perpetua
algumas lembranças e promove o esquecimento de outras. A Casa da Velha Ponte destaca-se como
ponto turístico da Cidade de Goiás sendo uma das primeiras casas construídas no local, fazendo parte
do conjunto arquitetônico e urbanístico integrante do Patrimônio Nacional através do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1978.
Mais do que valor histórico e arquitetônico, é como residência da Mulher- Monumento que a
Casa da Velha Ponte é singularizada no conjunto do patrimônio instituído pelo IPHAN. No
entanto, o amálgama entre a poeta e a casa é muito mais complexo, pois constitui um dos
mecanismos fundamentais do processo de monumentalização: Cora Coralina transformou A
Casa da Velha Ponte em templo de memória pessoal, familiar e coletiva. (DELGADO, 2003,
p.22)
Nesse contexto, a Casa da Velha Ponte emerge como um ponto representante da trajetória
da vida de Cora, fixando-se como um templo de memória de uma mulher que é considerada um
monumento e símbolo da identidade cultural. Tomando como pressuposto a valorização da identidade
sociocultural do povo goiano, bem como preservar a memória e divulgar a obra de Cora Coralina, a
criação dessa entidade revela-se de acordo com Delgado (2003), como peça estratégica não somente no
processo de monumentalização de Cora, mas também na construção simbólica da identidade regional.
A monumentalização, culto a poeta e a tentativa de sua preservação na memória regional,
características traçadas nos estudos de Delgado nos mostra que Cora Coralina representa um símbolo
do poder positivista em Goiás por esse motivo sua imagem e obra são utilizados na agenda dos alunos
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qual promove e organiza o culto à poeta. De acordo com Delgado (2003), a transformação da Casa da
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do CPMG, pois a Escola Militar se baseia nesse modelo positivista da ordem e do progresso. A face de
mês, há a apresentação de um novo poema. Aqui analisamos a tentativa de imortalizar Cora Coralina na
memória coletiva através da preservação e culto à memória e trajetória da poeta. Esse ritual de
preservação e culto são alicerces para a construção de Cora Coralina como um símbolo do modelo
Positivista de nosso Estado
Considerações finais
Através dos estudos referentes à construção histórica brasileira podemos analisar que
burocraticamente criou-se a Nação, a história da construção do Brasil é a invenção da Nação traçada
pelos ideais Positivistas. O objetivo de concretizar ou até mesmo recriar a memória de uma Nação
através de imagens, símbolos, personagens e datas histórias vem da corrente Positivista. A
independência do Brasil estabelece a criação da Nação com o imperador, só que esse conceito de Nação
tal qual entendemos aqui como temos hoje no Brasil, existe com a constituição do Positivismo no Brasil
da “ordem e do progresso”. Essa frase que aparece no centro da bandeira brasileira foi baseada nos
ideais Positivistas. Em sua frase original, Comte dizia: "amor como princípio, ordem como base,
progresso como objetivo". A partir deste pensamento, surgiu a famosa expressão que está estampada no
centro da bandeira. O Hino Nacional é o hino instituído em prol da “ordem e do progresso” – lemas
extremamente cultuados na Escola Militar. Entendemos, portanto, que essa concepção de Nação
fundamentada nos ideais de ordem, nacionalidade, cidadania e disciplinarização nos dão sustentação
para que “possamos acreditar” no “bom ensino” das escolas militares que seguem esses princípios
embasados na ordem e na disciplina.
Nesse contexto, o debate sobre a Escola Militar, perpassa, portanto, pela trajetória de
construção do poder militar como representante da Moral como disciplinarização, “promovendo” um
discurso que historicamente, se sustenta na formulação de um “melhor” cidadão, constituído por uma
Nação melhor administrada. Essa concepção de Nação é Positivista. Assim, o setor militar adentra no
campo da educação e ganha espaço na sociedade atual, que ainda se vê dentro do projeto de construção
da Nação.
Referências Bibliográficas:
ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000.
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 2002.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
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Cora é ilustrada na capa da agenda e seus poemas são expressos ao longo da mesma, a cada início de
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MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. Trad. Magda Lopes e Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Editora Boitempo,
2012.
PEREIRA, Otaviano. O que é moral. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
SANDES, Noé Freire. A invenção da nação: entre monarquia e a república. Goiânia: Ed. da UFG: Agência Goiana de
Cultura Pedro Ludovico Teixeira, 2000.
SANTOS, Raimunda dos. Genealogia dos regimentos internos do colégio da polícia militar de Goiás. Goiânia: Editora
Cegraf UFG, 2015.
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GT 1 – Filosofia e Educação
Wanderley J. Ferreira Jr. – FE-UFG
Não pretendo convencer ninguém a amar a Filosofia: é necessário, é talvez até
desejável, que o filósofo seja uma planta rara. Nada me é mais repugnante que a
propaganda valorativa e a louvação pedagógica da Filosofia... Filosofia tem muito
pouco a ver com virtude. Seja-me permitido dizer que o homem de ciência é algo
radicalmente diferente do filósofo. O que desejo é que o conceito autêntico de
Filosofia não se perca totalmente."(NIETZSCHE. Vontade de Potência)
Nesse breve ensaio uma questão nos servirá como fio condutor: em que medida o filosofar
está presente em nossas pesquisas em filosofia? Questões, disse certa vez Heidegger, não se dão à
maneira de coisas que estão simplesmente aí. “Questões são e são apenas enquanto se investigam...”. (Cf.
HEIDEGGER, 1969, p. 32,). E toda questão que concerne à filosofia deverá implicar a própria
existência daquele que interroga, deve remeter às condições fáticas de tal existência. Mas que sentido
haveria em perguntar se a pesquisa em filosofia é também uma forma de filosofar ou apenas o exercício
de uma tagarelice estéril entre acadêmicos que tematizam os supostos grandes autores e temas da
tradição filosófica apenas para responder às exigências acadêmicas.
Talvez fosse prudente perguntar em que condição, espaço-tempo, se dá a pesquisa em
filosofia hoje, particularmente nos departamentos de filosofia de nossas universidades. Ainda que a
pesquisa filosófica não se restrinja à instituições de ensino como a escola e a universidade, é aí que ela
encontra maior acolhida, o que muitas vezes impede que a filosofia seja exercida em sua radicalidade e
criticidade. Cabe perguntar ainda que limites e possibilidades se impõem ao filosofar, ou seja, ao pensar
crítico em tempos de indigência. Um tempo que promove a massificação-adaptação do indivíduo e a
devastação da terra pelo pensamento calculador e que nos impede de pensar a própria indigência
enquanto tal que estaria no fato de já não pensarmos.
Assim, antes de perguntarmos se filosofamos ou sofismamos em nossas pesquisas em
filosofia talvez devêssemos rememorar e pensar a questão que Heidegger colocou a seus colegas e
alunos da Universidade de Freiburg em seu polêmico Discurso de Reitorado (1933): “estamos nós, corpo docente
e discente desta escola, enraizados na essência da Universidade (e do povo) de modo verdadeiro e comunitário? Essa
essência tem autenticamente força para cunhar sua marca em nossa existência? “(HEIDEGGER, 1997, p. 1). Nesse
sentido, se a pesquisa em filosofia já não implica uma experiência do pensar, se apenas reproduzimos
124- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
É POSSÍVEL FILOSOFAR NA PESQUISA EM FILOSOFIA?
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ideias e sistemas, contentando-nos em repetir conceitos, é porque não conseguimos experienciar a
e que ainda distorce o verdadeiro sentido e possibilidades da filosofia, exigindo muitas vezes o que ela
não nos pode dar.
Enquanto pesquisadores em filosofia não podemos, por exemplo, exigir que nossas
pesquisas encontrem ressonâncias imediatas na atualidade e mostrem eficácia e resultados imediatos.
Não temos o direito de exigir da filosofia uma utilidade imediata, uma produtividade e eficiência
próprias da razão instrumental técnico-científica ou que facilite a aquisição de regras de um saber viver
ou ainda fundamente ou facilite a aquisição de determinada cultura. Nesse sentido, nós, pretensos
investigadores no campo da filosofia, movidos por uma curiosidade que nos faz questionar o óbvio,
desbanalizando o banal, temos que ter claro que o filosofar é extemporâneo, ele será sempre de certa
forma inatual. Portando, não podemos em nossas pesquisas compreender a Filosofia como um saber
que à maneira de conhecimentos técnicos e mecânicos se possa aprender, aplicar diretamente e avaliar
de acordo com sua utilidade.
O pesquisador em filosofia, além de implicar sua própria existência em sua investigação,
deve reconhecer os limites e possibilidades da própria filosofia e que filosofar é algo estranho, até
mesmo inútil e perigoso ao dogmatismo do senso comum, aos fundamentalismos dos radicais, ao
discurso lacunar e homogêneo das ideologias da moda e ao olhar objetivante da ciência.
Não podemos esquecer que, desde sua origem grega, a filosofia é motivo de chacota,
desdém e indiferença, quando não é vista como um perigo a ordem estabelecida. É conhecida a estória
narrada por Platão no Teeteto em que uma jovem camponesa da Trácia, vendo Tales caindo num poço
enquanto caminhava observando o movimento dos astros, zombou do sábio rindo de sua preocupação
em saber o que se passa no céu, ignorando o que está sob seus pés.
Entretanto, apesar do desdém e indiferença do senso comum e da ciência, a filosofia não é
um lugar fora do qual nos encontramos, e no qual pudéssemos ingressar simplesmente pesquisando um
autor ou tema considerado “fundamental” na tradição filosófica. A paisagem da Filosofia não está em
algum lugar esperando que nela se introduza o pensamento. A Filosofia já está sempre operando em
todo pensamento que a afirma ou nega. Infelizmente, na maioria das pesquisas que se faz hoje no
campo da filosofia não há essa experiência de uma “posse a distância”, do estranhamento que deve
perpassar toda busca no campo da filosofia.
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filosofia em sua necessidade mais íntima. Na realidade estamos submetidos a um falatório que nada diz
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Em minhas pesquisas e aulas de Filosofia sempre procurei refletir sobre esse aparente
técnico da Ciência, e o espaço extraordinário em que se move a investigação filosófica, quando ela é um
autêntico filosofar e não apenas um exercício de erudição para cumprir exigências acadêmicas. E cada
vez mais me convenço de que esse abismo não pode ser transposto por nenhuma facilitação,
vulgarização ou formalização dos conceitos filosóficos, nem reduzindo a filosofia a uma terapia da
linguagem, um discurso segundo que deveria servir à ciência. Talvez a dificuldade em filosofar em
nossas pesquisas e a indiferença do senso comum e da ciência em relação à investigação filosófica se
deva ao fato dela nos remeter ao mais íntimo de nós mesmos, ainda que a maioria dos homens e
pesquisadores em filosofia não saibam disso.
Além dessa característica própria da pesquisa filosófica de colocar em questão e implicar a
própria existência e valores do pesquisador, temos que re-pensar o lugar em que comumente se
desenvolve a pesquisa em filosofia – uma instituição chamada universidade e a agora a Escola.
Infelizmente o que se vê no meio acadêmico é uma adesão fascinada do corpo docente aos critérios da
produtividade e eficácia que promove uma crescente substituição do pensar pela simples acumulação de
informações e repetição idiotizante de sistemas, argumentos e conceitos.
Apesar da revolução epistemológica que vivemos nesse início de milênio, com a emergência
de novos paradigmas no campo das ciências, em nossas universidades e escolas prevalece ainda a
valorização extrema, quase que obsessiva, da eficácia e eficiência no funcionamento dos dispositivos
tecnológicos, entre os quais se encontraria a própria escola e universidade.
Não há como negar a atualidade do diagnóstico feito por Heidegger em 1929 na
conferência Que é metafísica? sobre essa universidade da era da técnica. Ela não passaria do resultado da
fragmentação da ciência numa diversidade de especialidades e disciplinas que são artificialmente
reunidas em Universidades e Faculdades. Na realidade, constata o filósofo, desapareceu o enraizamento
das ciências, da universidade e da própria pesquisa filosófica com o homem e o mundo da vida (Lebenswelt)
(Cf. HEIDEGGER, 1979, p.21). Nesse contexto nossas pesquisas, mesmo na área das chamadas
humanidades, sofre a influência de uma determinada concepção instrumental de conhecimento e cultura
que vigora na universidade enquanto uma instituição técnica determinada por princípios tais como:
funcionalização, automação, burocratização e informação. A própria concepção de homem que subjaz ao
funcionamento das universidades na chamada Sociedade do conhecimento o reduz à condição de animal de
trabalho ou material humano.
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abismo entre o modo de ser habitual e familiar da existência ordinária, ou o modo de ser objetivo e
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O fato é que o caráter radicalmente técnico de nossa época faz da universidade e da própria
privilegiam em suas matrizes curriculares uma concepção meramente técnico-científica do mundo
natural e humano, isso impõe parâmetros meramente quantitativos para avaliar e legitimar nossas
pesquisas.
Como pesquisadores e professores, seja numa universidade pública ou privada, temos que
ter consciência e resistir em colaborar nessa missão básica da educação hoje: a formação desse animal de
trabalho – o homem, que se converte em material humano que deve ser preparado para render o máximo
no processo de produção, ou ser descartado como uma espécie de ruído que compromete a otimização
da performance do sistema.
Infelizmente, parece que o pensamento calculador erige-se como a única maneira de pensar
válida, como consequência o conhecimento científico com seu método experimental/matemático e sua
insistência sobre o demonstrável, torna-se o único digno de ser pesquisado, ensinado e aprendido em
nossas escolas e universidades, em detrimento de outras formas de narrativas e experiências (arte,
religião, filosofia, etc.) fundamentais para o processo de formação humana.
A pesquisa, o Filosofar e a História da filosofia
A pesquisa em filosofia muitas vezes exige um ato de violência que não deixa de ser fiel aos
autores ou temas tratados. Essa é uma violência necessária na medida em que muitas vezes o discurso
filosófico comporta um sentido, um significado, que nem mesmo seus autores puderam vislumbrar.
Assim, em nossas investigações filosóficas devemos tentar compreender os filósofos melhor do que eles
mesmos se compreenderam, procurando virtualidades-possibilidades em seus conceitos e novos
significados abertos por suas reflexões que permaneceram desconhecidas para eles mesmos. Nessa
perspectiva nossas pesquisas em filosofia não podem se esgotar em problematizar determinado tema em
um certo autor ou apontar alternativas teóricas sem conexão com o contexto histórico social e as
demandas de nosso tempo. Entretanto, mais que respostas, a filosofia deve nos ensinar a questionar,
colocar em questão os aspectos fundamentais da realidade humana. Pensando muitas vezes até mesmo
contra si mesmo, o filosofar colocará em questão a linguagem, a lógica, a própria razão e,
evidentemente, a própria existência do pesquisador, oferecendo instrumentos para pensarmos os
fundamentos, os pressupostos e o sentido de dimensões básicas em que se desenvolvem as experiências
humanas – as relações de produção, as relações de poder e as criações simbólicas (cultura). Contudo,
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escola dispositivos tecnológicos semelhantes a fábricas ou agências prestadoras de serviços que
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não basta que nossas pesquisas ajudem apenas a ampliar nosso conhecimento acerca de determinado
Outro aspecto a ser considerado é que existe uma inseparabilidade entre a pesquisa
filosófica e o estudo da história da filosofia. É nesse sentido que Heidegger faz um alerta aos pretensos
pesquisadores em filosofia: "Quando nós filosofamos? Manifestamente apenas quando entramos em diálogo com os
filósofos. Isso exige que discutamos com eles aquilo de que falam" (HEIDEGGER, O que é isto - A Filosofia? 1983).
Portanto, em nossas pesquisas, se quisermos filosofar, é indispensável estabelecer um diálogo com a
tradição da própria filosofia, mesmo que as vezes a história da filosofia, como já nos alertou Deleuze em
O que é filosofia? torna-se um obstáculo para o filosofar enquanto experiência do pensar. (Cf.
DELEUZE, 1999). O exercício do filosofar muitas vezes exige que compreendamos os filósofos
melhor do que eles mesmos se compreenderam. Tal exigência impõe aos pesquisadores-filósofos que
operem uma certa desconstrução da história da filosofia desde os gregos, numa tentativa de desobstruir
o caminho que conduz a um diálogo filosofante com a tradição filosófica na medida em que essa
tradição pode nos ajudar a compreender a nós mesmos e nosso próprio tempo.
Outra questão que se insinua em nossas pesquisas no campo da filosofia diz respeito a
própria definição do que seja filosofia e o próprio filosofar. Entretanto, a questão de definir o que é
Filosofia, determinando seu objeto e método com precisão, configura-se por si só um problema
filosófico. O fato é que se observarmos as diversas definições de Filosofia ao longo de sua história
veremos que sua vocação básica é a colocação de problemas e não oferecer respostas ou soluções.
Apesar da Filosofia nem sequer poder oferecer uma definição consensual de si mesma, ao longo de sua
história ela se consolidou como uma reflexão crítica sobre os fundamentos de nosso conhecimento e de
nossa ação, uma análise reflexiva dos pressupostos de nosso pensar e de nosso agir. É certo que a
Filosofia pretende ser um discurso rigoroso, consciente e racional como a ciência; contudo, quer ir além,
colocando em questão os pressupostos de sua própria racionalidade.
Experiência negativa e filosofar
Um outro aspecto bastante negligenciado em nossas pesquisas e atividades de ensino no
âmbito da filosofia são as condições existenciais que levaram e levam determinados indivíduos e a nós
mesmos a assumir a filosofia como tarefa ou missão de toda uma vida. E dentre essas condições
existenciais do filosofar está o que podemos chamar de experiências negativas que implicam uma certa
ruptura com o dogmatismo do senso comum e com o olhar objetivante da ciência.
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autor ou problema filosófico para atender demandas acadêmicas ou vaidades pessoais.
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Já no mito da caverna de Platão deparamo-nos com a distinção fundamental entre o mundo das
que permite a correção(orthotés) entre o ver do filósofo e o que é visto - a Ideias (eidós). A libertação desse
estado de ignorância e crença nas sombras é um processo doloroso e difícil, que envolve uma ascese,
uma destruição das antigas crenças e uma ruptura com a aparente segurança e aconchego de nosso
mundo imediato. Assim, podemos afirmar que de certa maneira a dor, a ruptura, a negação de crenças
arraigadas são pressupostos para o filosofar.
Nesse sentido, enquanto professores-pesquisadores-estudantes de filosofia devemos nos
perguntar que tipo de experiências negativas podem ter influenciado nossas adesões ou recusas
expressas em nossas pesquisas, aulas e textos. Sabemos por experiência própria que somos animais de
hábitos adaptados a um mundo já feito e que tendemos a viver dentro de uma segurança fundamental
na qual não há lugar para dúvidas ou inquietações. Entretanto, essa aparente segurança, em alguns de
nós, começa ceder lugar para uma desconfiança: e se este mundo, as ideias e os valores que presidem a
existência não forem tão certos e evidentes tal como nos aparecem em nosso pensar, sentir, querer, agir
e fazer? Afinal, quais seriam os mecanismos que nos fazem aceitar o aparente como o real? Assim,
quanto mais aprofundamos o diálogo com a tradição filosófica e com nossa própria realidade, indo para
além da literalidade dos textos e desvelando o impensado e não dito por trás do pensado e dito,
percebemos o caráter paradoxal do mundo, da existência humana e do quanto a experiência negativa (a
negação, a ruptura, a diferença) contribuiu para o filosofar de determinados indivíduos, ajudando-os na
superação do dogmatismo da consciência ingênua.
Com Hegel a experiência negativa adquiriu toda sua profundidade e dramaticidade
enquanto preparação para a decisão de filosofar e elemento constitutivo da própria experiência da razão
consigo mesma. A aspiração romântica de uma unidade perfeita entre homem e natureza, de uma
reconciliação entre subjetivo e objetivo e de uma passagem do finito ao infinito, só tem sentido através
da convicção de que a separação, a dilaceração e a finitude perpassam toda existência humana. A
negação passa a ser, assim, um dos momentos fundamentais no processo dialético através do qual o
Espírito reconcilia-se consigo mesmo, ao distanciar-se de si. Essa percepção da negatividade que
perpassa todas as coisas deveria repercutir em nossas pesquisas evitando a adesão dogmática a autores
ou doutrinas.
Antes de sermos pesquisadores numa determinada área do conhecimento, devemos assumir
nossa condição de existentes, na medida em que nos constituímos como um constante arrancamento
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sombras, onde vivem a maioria dos pobres mortais impossibilitados de ver a Verdade, e o mundo da Luz
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para além de nós mesmo, como pura possibilidade de ser. Portanto, mesmo que em nossas pesquisas
experiência vivida, no fundo sabemos que jamais nossas dilacerações serão plenamente reconciliadas,
pois temos consciência da intransponível distância entre nós e o mundo.
A experiência da negatividade, da ruptura, da separação pode nos conduzir para uma atitude
passiva ou ativa tanto no plano intelectual de nossas pesquisas quanto no plano existencial. A
consciência da própria ignorância, por exemplo, é um tipo de experiência negativa que nos motiva a
pesquisar, pois passamos a perceber que vivemos dentro de uma realidade que as vezes nos parece
estranha e misteriosa. Se na experiência da ignorância o mundo torna-se enigmático e estranho, na
experiência da dúvida, um outro tipo de experiência negativa, ele as vezes perde seu sentido, pois a
dúvida rompe com o comportamento dogmático, instaurando o espírito crítico que deve animar nossas
pesquisas enquanto filosofar.
Outra espécie de experiência negativa que nos afeta existencialmente faz com que o sentido
da realidade se dilua, independente de nossa vontade. Sofremos a perda do mundo e todo nosso
comportamento tende a perder sua razão de ser e nossa atividade torna-se absurda num mundo sem
sentido. No romance La nausée, Sartre descreveu de forma magistral uma espécie de experiência negativa
que é a Náusea. Na experiência da Náusea temos uma espécie de revelação acerca do próprio ser do
homem e do sentido de sua existência corroída pela nada. Somos a própria náusea que invade a história
e o próprio mundo exterior, fazendo com que toda a realidade pera seu sentido. Nós mesmos nos
perdemos dentro desse sem-sentido, restando apenas a amargura e o desespero de nosso próprio vazio,
além da compreensão de que eu sou essa contingência radical, um nada de ser, cercado de seres por
todos os lados, um ser-aí (Heidegger) jogado para frente de si mesmo em meio a possibilidades que se
escacaram a minha frente e me exigem uma escolha.
Outra espécie de experiência negativa que nos afeta existencialmente e motiva muitas
pesquisas na filosofia é o fenômeno da Angústia. Na experiência da Angústia recebemos a visita do nada,
toda realidade perde seu sentido e densidade e o próprio homem sente-se flutuar. Ao contrário do
medo, na experiência da Angústia eu não sei com o que me angustio. Sinto-me como se estivesse
suspenso no nada, as coisas particulares a minha volta perdem densidade de ser. Contudo, este estar
suspenso no nada na experiência da angústia faz com que o mundo apresente-se para mim em sua
totalidade e enquanto tal, além de me fazer ter consciência de minha finitude radical enquanto ser-paramorte(Heidegger). Assim, tomados pela experiência da náusea ou da angústia muitos homens
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busquemos alguma verdade ou uma reconciliação no plano dos conceitos das contradições inerentes à
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sucumbem, assumindo uma atitude pessimista diante da realidade, ou simplesmente, tornam-se
fazem dessas experiências o ponto de partida para suas pesquisas em filosofia.
Podemos considerar, então, que vivemos em um mundo feito, um mundo já aprovado. Até
que um dia surge o porquê? A partir desse momento pode advir o sentimento de dissonância com este
mundo, a vivência de uma ruptura, a rebeldia que traz como consequência o isolamento, a separação e a
experiência do absurdo, da perda de sentido da realidade. Sentimentos que em muitos de nós nos
conduz à Filosofia mas que, infelizmente, na maioria não passa de um mal estar passageiro de uma
existência banal e perfeitamente adaptada.
Mas como filosofar em uma época que já não pensa?
Temos que ter o cuidado para que nossas pesquisas e aulas de filosofia não se limitem a um
exercício de erudição que muitas vezes se degenera em um monólogo estéril ou num amontoado de
belas citações que na verdade mata o filosofar. Muitas vezes em nossas pesquisas e nas salas de aula
matamos o desejo de filosofar e algumas de suas condições de possibilidades como a revolta, a lógica, a
universalidade e a aposta no acaso, no risco, no imponderável (Cf. BADIOU, 1994). A ditadura do
pensamento único, a imposição de um hiper-realismo (Adorno), que nos deixa como única alternativa a
pura e simples adaptação, faz com que, mesmo com certa indignação, legitimemos os contratos, as
instituições e as leis em vigor em nossos discursos, pesquisas e práticas que reproduzem a lógica da
imitação, do reconhecimento, do “faça como eu faço”.
Em nossas pesquisas e indagações no âmbito da filosofia não devemos apenas mostrar a
atualidade de determinado filósofo e tentar “pensar/fazer como ele”, mas ler nossa própria época com
ele, pensar com ele, não apenas o seu tempo, mas também nosso próprio tempo. Mas como podemos
ainda pretender filosofar em nossas pesquisas e aulas, se a maioria de nossos alunos e muitos de nós
professores não sabe mais ouvir, ler, escrever e falar com significação? Talvez antes de pretendermos
fazer de nossas pesquisas um exercício do filosofar, devêssemos problematizar e questionar essa
avassaladora instrumentalização e empobrecimento da linguagem que cria essa massa de indivíduos que
não mais exercem o direito de pensar e dizer com significação a sua própria realidade.
Como ainda seria possível filosofar em meio a degradação do espírito em inteligência
instrumental? Uma Inteligência que não pensa, mas apenas planifica e calcula, alimentando da fúria da
técnica planetária que controla toda práxis humana por todo planeta (HEIDEGGER, 1969). Como
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indiferentes diante de tudo e todos já que tudo é absurdo. Entretanto existem aqueles que, como nós,
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seria ainda possível filosofar em nossas pesquisas se não conseguimos manter uma relação mais
desertificada pelo cálculo, até mesmo o homem é visto, muitas vezes, como uma espécie de ruído que
deve ser eliminado para a otimização do sistema. Em tal conjuntura, como recuperar ou salvar o desejo
de filosofar e a própria experiência do pensar em nossas pesquisas?
O que presenciamos por todo lado é o chamamento: adaptem-se! O mercado, a sociedade
administrada pelo “homem sério” quer nos convencer que a adaptação resignada ao estabelecido é a
única coisa que nos resta a fazer diante da ditadura do pensamento único, que proclama a morte das
utopias e da consciência histórica, eternizando o presente. Em tal tempo, a filosofia apresenta-se como
um “… monólogo erudito de um passeador solitário, ... ou oculto segredo de gabinete reduzido a inofensiva tagarelice entre
anciãos acadêmicos. Ninguém ousa cumprir a lei da Filosofia em si mesma, ninguém vive filosoficamente. ... Todo filosofar
moderno e contemporâneo está política e policialmente limitado à aparência erudita, por governos, igrejas, academias,
costumes, moda”. (NIETZSCHE, 1978, p. 53). Na realidade vivemos em uma sociedade do espetáculo, na
qual a Filosofia, a experiência do pensar, não tem direitos nem voz, apesar da aparente glamourização e
popularização da filosofia. Acredito, com Nietzsche, que antes é preciso ter uma civilização para então
saber o que a Filosofia quer e pode. Se a filosofia é uma moribunda, se não encontra lugar na cidade, em
nossas pesquisas, pensamentos, falas e ações, o problema não é da filosofia, mas da degradação de nossa
cultura em mero entretenimento para satisfazer o hedonismo das massas.
E enquanto professores-pesquisadores no campo da filosofia temos que assumir nossa cota
de responsabilidade pela morte do filosofar em um mundo do puro cálculo. Temos que ter a coragem
de pensar contra a própria filosofia e uma determinada imagem do pensamento cristalizada nas obras e
doutrinas dos filósofos. Essa atitude de suspeita em relação à tradição filosófica, não pode desconsiderar
o fato de que a filosofia pensa pensando o já pensado, retomando sua própria história num diálogo
incessante da razão consigo mesma e com os enigmas do mundo e da existência humana. Entretanto, na
era do domínio planetário da técnica o que nos faz pensar é a própria ausência de pensamento em um
mundo esquadrinhado pelo cálculo e que se tornou o reino da substituição (Ersatz) de tudo por tudo no
menor lapso de tempo possível. Nesse sentido, apesar da história da filosofia ser uma referência
inevitável em nossas pesquisas, a partir dela tem se construído uma imagem do pensamento que se
chama filosofia ou história da filosofia que impede uma verdadeira experiência do pensar.
A filosofia presente nas obras dos filósofos ao longo de sua história tornou-se a língua
oficial do pensamento e pretende estabelecer as normas e as regras do pensar, inviabilizando assim o
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essencial e originária conosco mesmos, com as coisas, com a linguagem e com os outros? Em uma terra
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próprio pensar enquanto busca, procura, espanto, estranhamento diante do enigma da realidade e do
pesquisas não nos dá garantias de que estamos filosofando. Daí, podemos dizer que o pior inimigo do
pensar talvez seja a própria Filosofia, cristalizada em sua história enquanto uma determinada imagem do
pensamento. (Cf. DELEUZE, 1999)
Entretanto, apesar de nossas pesquisas se desenvolverem em circunstâncias adversas ao
desejo de filosofar, devemos preservar o senso crítico, a revolta e o hábito de pensar até mesmo contra
si inerentes à Filosofia. Se quisermos filosofar em nossas pesquisas não podemos abrir mão do papel
desmistificador da filosofia diante das ideologias vigentes, que teimam em passar uma visão homogênea,
dogmática, lacunar, mascarando as reais contradições de nossa realidade. Além disso, devemos nos
esforçar para articular uma linguagem que permita a filosofia transitar pelas fórmulas científicas e pela
lógica, pelos equívocos do poema e da arte, pelo acaso do desejo e encontros e pela política, enquanto
criação de novas formas de convívio social e ruptura com o estabelecido.
O fato é que antes de empreender uma pesquisa ou busca na paisagem árida e inóspita da
filosofia temos de aprender a pensar, não sobre, mas “com” os pensadores, com nossos alunos e com
nosso próprio tempo, no qual, como já dissemos, a única coisa a ser pensada é a própria ausência de
pensamento no reino planetário da técnica.
É importante ressaltar ainda que a filosofia não propõe palavras com significados ocultos a
serem decifrados, mas deve sobretudo exortar uma transformação na existência do interprete e do
próprio pesquisador. Entretanto, os conceitos filosóficos são tomados como se fossem conceitos
científicos passíveis de definições objetivas, suscetíveis de serem transmitidas a outros sem a exigência
de que a própria existência do interprete se transforme. E essa transformação exigida pelos conceitos
filosóficos na existência do próprio pesquisador e daquele que pretende decifrar seus significados é
condição de acesso ao significado de tais conceitos.
Para concluir, podemos perguntar o que, afinal, caracterizaria o filosofar? Em um primeiro
momento, podemos dizer que a atitude filosófica requer o afastamento de diversos preconceitos, entre
eles, aquele que leva as pessoas a pensarem que o filosofar é inútil, difícil e complexo, como se fosse
tarefa para gente especializada. Ora, o filosofar não está circunscrito aos filósofos consagrados ou a
pessoas com formação acadêmica, nem se contenta em ser um discurso segundo acerca do saber
cientifico. Embora possa ser uma reflexão sobre a ciência, não podemos exigir do filosofar uma
ressonância na realidade imediata, nem muito menos eficiência e produtividade.
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homem para si mesmo. Portanto, o estudo e a analise intensiva dos textos dos filósofos em nossas
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O filosofar se nutre, não apenas das angustias e inquietações humanas como já foi dito, mas
mundo e à existência. Nesse sentido, é importante para o filosofar saber como é que se constitui a
filosofia ao longo de sua história, mas sem se contentar em apenas repetir o já dito e pensado. O ato de
filosofar implicaria assim a análise e crítica dos sistemas filosóficos, mas sempre reservando à razão o
direito de confirmar ou negar tais sistemas. Podemos dizer, então, que não é possível separar o filosofar
da filosofia, já que o exercício da razão deve ser feito tendo como referência os sistemas filosóficos. Isso
significa que filosofar em nossas pesquisas exige uma compreensão crítica dos conceitos, problemas e
sistemas da filosofia passada e presente. Trata-se, portanto, de reviver e encarnar a filosofia em nossas
pesquisas sempre com o propósito de reinventa-la, pensando não sobre os pensadores mas com eles o
nosso próprio tempo e nós mesmos.
Ora, diante de uma realidade caótica que nos atropela e na qual a única permanência é a
impermanência de todas as coisas, ideias e valores, cabe perguntar que relação professorespesquisadores e alunos mantêm com a Filosofia em suas pesquisas. Será que em nossas pesquisas e aulas
conseguimos conservar, ou mesmo fomentar, o caráter crítico e desmistificador que caberia à Filosofia
diante das ideologias e sua visão homogeneizadora e dogmática que mascaram os reais mecanismos que
nos fazem tomar a aparência pela realidade? Afinal, que tarefa caberia a nós, pesquisadores no campo da
filosofia, diante da revolução tecno-científica que, paradoxalmente, aumenta nosso estranhamento em
mundo que acreditamos dominar cada vez mais? O fato é que vivemos em uma época tão indigente, que
a única coisa que existe para pensar é a própria ausência de pensamento. E se já não pensamos, como
faremos de nossas pesquisas um filosofar, ou seja, uma experiência do pensar apta a pensar até mesmo
contra si?
Deixemos a última palavra com Nietzsche:
Um tempo que sofre da assim chamada cultura geral, mas sem civilização e sem unidade de
estilo em sua vida não saberia fazer nada de correto com a Filosofia, ainda que ela fosse
proclamada pelo gênio da verdade em pessoa nas ruas e nas feiras... [Mas se deixássemos a
Filosofia falar ela poderia nos dizer]: Povo miserável! É culpa minha se em vosso meio vagueio
como uma cigana pelos campos e tenho de me esconder e disfarçar, como se fosse eu a
pecadora e vós meus juízes? Vede minha irmã - a arte. Ela está como eu, caímos entre bárbaros
e não sabemos nos salvar. Aqui nos falta, é verdade, justa causa, mas os juízes diante dos quais
encontraremos justiça tem também jurisdição sobre vós, e vos dirão: Tendes antes uma
civilização, e então ficareis sabendo o que a filosofia quer e pode” (NIETZSCHE, F. 1978, p.
30).
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de um corpo de conhecimentos, conceitos e problemas que procuram compreender e dá significado ao
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BADIOU, A. Para uma nova teoria do sujeito: conferências brasileiras. RJ: Relume-Dumará, 1994.
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Trad. Lucia Pereira de
Ed. Loyola, 1999.
HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969.
. O que é isto, a filosofia? Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Abril cultural, 1983.
1979.
. Que é Metafísica? In. Conferências e Escritos Filosóficos. Trad. E.Stein. SP: Abril Cultural,
. Da experiência do Pensar. Maria do Carmo T. Miranda. Porto Alegre: Globo, 1969.
. A auto-afirmação da Universidade alemã. Trad. Fausto Castilho. Curitiba: Secretaria de Estado
da Cultura, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich. Obras Incompletas. Trad. Rubens R. Torres Filho. São Paulo: Abril cultural, 1978.
PONTY, Merleau. Elogio da Filosofia. São Paulo: Sem dados, 1988.
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Referências Bibliográficas:
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GT 2 – Ensino de Filosofia (EF)
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O PLANTÃO DO PLATÃO: UMA FERRAMENTA DE MOTIVAÇÃO NO ENSINO DA
FILOSOFIA
Polliana Pires do Carmo Alves Rocha - PUC GO
Pedro Vinicius Dias Alcântara - PUC GO
RESUMO
O PIBID PUC-Goiás vem contribuindo na melhoria da educação básica na rede pública de ensino, já
que esse programa atua de forma positiva na base dos problemas educacionais. Ele amplia a
possibilidade de qualificação do processo de formação do professor e da atuação docente na educação
básica. O subprojeto de Filosofia vem proporcionando um aperfeiçoamento e aprimoramento do
ensino da Filosofia no nível médio e, o trabalho dos alunos bolsistas nos anos de 2015 e 2016
possibilitou uma melhoria na formação dos futuros docentes. O subprojeto desenvolveu o Plantão do
Platão que se tornou uma ferramenta para a promoção do ensino e diálogo da filosofia. Como
demonstrar ao aluno a importância da filosofia? Foi a partir dessa pergunta que nasceu no Colégio
Integral Cecília Meirelles esse Plantão do Platão. O objetivo é facilitar o ensino dos alunos que
apresentam dificuldades na aprendizagem dos conteúdos filosóficos. A metodologia utilizada pelos
pibidianos são encontros semanais paralelos ao ensino da sala de aula, esse plantão se tornou uma
ferramenta para a promoção do ensino e diálogo da filosofia. O nome não é por força do acaso, pelo
contrário, o título do projeto busca no filósofo inspirador o mesmo método utilizado por ele para
despertar o saber do aluno, a saber, a maiêutica. Com o Plantão do Platão, buscou-se auxiliar o aluno a
colocar para fora aquilo que está dentro dele, isto é, a capacidade de conhecer. Através da dialética e da
aproximação com o aluno no intuito de compreender as suas particularidades, abre-se o caminho para a
“gestação de ideias”. Muito mais que uma busca pelo progresso do aluno confirmado pelo boletim de
notas, o Plantão do Platão incentiva uma formação mais humanizada. Sendo assim, acredito que este
trabalho pode servir de referência para motivar a aprendizagem e formação dos professores de Filosofia.
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GT2 – Ensino de Filosofia
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GT 3 – Fenomenologia e Educação (FENED)
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FILOSOFIA DO DIÁLOGO E GESTALT-TERAPIA: RESSIGNIFICANDO A GAGUEIRA
NO ENTRE RELACIONAL
Pedro Paulo Coelho Leão da Cunha – PUC – GO.
Virginia Elizabeth Suassuna Martins Costa – PUC – GO.
Foucault (2000) reflete que a linguagem possui o poder de descortinar o que se vê maior do
que o próprio olho que enxerga. Uma obra de arte é um insípido reflexo da vida humana até que
resplandeça nas observações de quem fala sobre a obra. O autor diz que a relação entre o que se fala e o
que se vê é infinita, desde que a fala contemple o extenso e irredutível invisível manifesto no visível.
A linguagem desempenha papel fundamental na apropriação da realidade e no
desenvolvimento da consciência (Friedman, 1994). Segundo Leontiev (2004), a linguagem é fruto da
atividade produtiva do homem, o qual passou a comunicar suas formas de trabalho a fim de se assegurar
da produtividade que um dia precisou da experiência para ser desvendada. Perls, Hefferline e Goodman
(1997) afirmam que a linguagem como laço social consolidado pelo trabalho é uma diferenciação
proveniente do contato feito entre seres humanos.
Heidegger (2003) afirma que a linguagem ressoa como a diferença na qual mundo e coisa se
dão, sendo a intimidade da diferença o suporte da unidade entre o ser e o outro; a mediadora que
entrega mundo e coisa para os seus modos de ser – ser em relação ao outro.
Nessa perspectiva relacional, Amatuzzi (2010) constata que a experiência compartilhada no
diálogo contém os significados subjacentes ao que se relata, atualizando o que se constitui no campo do
vivido. Para Buber (1979/1982), o diálogo é a possibilidade de encontro entre os seres que em relação
não só compartilham experiências mas (re)vivem juntamente aquilo que os aproxima e os diferencia,
colocando-os simultaneamente em contato com o outro e consigo mesmos. Este é o motivo pelo qual
Ginger e Ginger (1995) chamam a Gestalt-terapia de “terapia do contato”.
Ribeiro (2007) define contato como a expressão experienciada e visível da realidade interna,
a qual energiza um movimento rumo à satisfação de uma necessidade. Sobre as necessidades humanas,
Maslow (1962) aponta que a vida motivacional do ser humano sustenta-se na diferenciação entre as
necessidades básicas e as necessidades de crescimento e individuação, constituindo uma tendência
autoatualizante. Rogers (1983) acrescenta que a tendência à autoatualização consiste na diferenciação
dos órgãos e das funções do organismo em busca da própria realização e da independência do controle
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GT 3 – Fenomenologia e Educação
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externo. Assim, sob a ótica relacional, o contato verdadeiro pressupõe a diferenciação entre duas
De acordo com Perls et al. (1997), o ambiente não existiria para o sujeito se este não fosse
uma consciência diferencialmente organizada. May (1982) salienta que um dos aspectos da solidão
vivida no mundo ocidental é a perda da linguagem como comunicação diferencial, acarretando em
contatos obscuros entre sujeitos que não conseguem valorizar as singularidades presentes. Hycner
(1995) observa também que na sociedade contemporânea há uma ênfase excessiva na atitude Eu-Isso, a
partir da qual gera-se uma “coisificação” das pessoas.
Conforme Buber (1979), relações Eu-Isso consistem em interações objetificantes guiadas
pela utilidade de seus membros. O autor afirma que o “eu” do Eu-Isso está cercado por uma
multiplicidade de conceitos e experiências das quais se utiliza para se situar no mundo, de tal forma que
seu instante é privado de presença e marcado pela estagnação, pelo enrijecimento, pela interrupção e
pela desvinculação.
Buber (2004) afirma ainda que o diálogo
genuíno ocorre quando ambas as partes têm em mente o outro em seu ser presente e particular,
constituindo o tipo de relação Eu-Tu. Esta implica que o ser é disposto em sua totalidade,
conscientizando-se de sua subjetividade a partir da relação.
Hycner (1995) aborda o Eu-Tu como um momento especial de insight em que os
participantes confirmam-se mutuamente em sua singularidade, refletindo o processo de cura por meio
do qual é possível restaurar a relação com o mundo. Jacobs (1989) pondera também que esse momento
de iluminação ocorre entre terapeuta e cliente quando ambos entregam-se sem reservas um ao outro,
permitindo que suas essências sejam tocadas.
No momento Eu-Tu, a consciência e a criatividade tornam-se possíveis, dado que “eu” e o
“outro” estão ligados em relação ao mesmo centro (Buber, 1979). Resulta-se dessa integração a awareness
daquilo que é mais vulnerável, real e essencial ao ser humano (Zinker, 2007). Yontef (1998) define
awareness como o processo de vigilância constante aos elementos fundamentais do campo
organismo/ambiente, permitindo ao indivíduo respostas apropriadas às suas necessidades e
possibilidades e, assim, o contato com sua totalidade.
Nessa perspectiva, a Gestalt-terapia objetiva o desenvolvimento da awareness, pois uma
percepção mais precisa da própria experiência desbloqueia a energia interrompida no contato resistente,
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pessoas distintas e entre suas experiências no mundo (Ginger & Ginger, 1995).
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sendo que contato e awareness são cruciais à diferenciação unificante e integradora dos indivíduos em
Ao falar da relação dialógica, Buber defende que o terapeuta precisa: honrar a experiência
do paciente experienciando-a ele mesmo e aceitando-o como ele é (inclusão); mostrar seu verdadeiro self
(presença); possuir compromisso com o diálogo, ou seja, com o que surge no “entre”; e não tratar o
cliente como um meio para um fim, mas como um fim em si mesmo (Yontef, 1998). Trata-se de uma
tentativa de integração que só se consuma no encontro quando há no “entre” uma atitude de
reciprocidade e confirmação mútua, as quais se manifestam na dimensão da fala (Buber, 1979).
Percebe-se na situação terapêutica uma complexidade não contida diretamente no sujeito
falante, mas na relação criada entre terapeuta e cliente a partir da fala (Amatuzzi, 1989). A fala
fundamenta ontologicamente a existência do homem no interhumano (Buber, 1979). Heidegger (2003)
diz que é a palavra que confere ser às coisas. Não é através dela que os seres se colocam em relação: ela
é a própria relação. Portanto, a fala implica em compreensão da coexistência (Augras, 1986; MerleauPonty, 1991).
Assim, entende-se porque um distúrbio de fala como a gagueira tem sido classificado como
um transtorno da relação interpessoal (Moraes & Nemr, 2007). Na Classificação Internacional das
Doenças (OMS, 1996), a gagueira (também chamada de tartamudez ou disfemia) é caracterizada por
“repetições ou prolongamentos frequentes de sons, de sílabas ou de palavras, ou por hesitações ou
pausas frequentes que perturbam a fluência verbal” (p. 374).
Van Riper (1971) constata que a gagueira recebe mais atenção do que qualquer outro
distúrbio de comunicação, devido à maneira como ela expõe muitas das facetas desagradáveis da vida
social. A gagueira apresenta-se naturalmente entre os dois e três anos de vida da criança quando esta se
encontra ainda articulando sua fala (Brazelton, 2002). Porém, a avaliação por vezes impiedosa de seus
interlocutores pode levar a criança ao hábito de evitar as palavras, vivenciando uma forte tensão nos
músculos articulatórios quando a fala se faz necessária (Jacubovicz, 2008).
Friedman (1994/2010) propõe a gagueira não como um distúrbio de fala e, sim, como um
aspecto revelador da identidade do sujeito. Este, assimilando uma “ideologia do bem falar” veiculada
socialmente, esforça-se para antecipar e eliminar disfluências em sua fala. Até certo ponto tal processo é
natural, pois a submissão às convenções linguísticas prepara o indivíduo para introjetar os limites
fundamentais das relações humanas (Gori, 1997). Porém, desenvolve-se na gagueira um padrão
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relação (Polster & Polster, 2001; Yontef & Jacobs, 2014).
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paradoxal em que o sujeito tenta “controlar o espontâneo”, acarretando num aumento da tensão
Caracterizado pela impaciência e agressão inibida, o gago crônico se desorganiza diante de
suas excitações, chegando ao ponto de engolir suas próprias palavras (Perls, 2002). Entretanto, Hycner
(1995) defende que a fala carrega o potencial de mobilizar a dimensão do vivido quando vai para além
da palavra compartilhada, atingindo o nível de vivência compartilhada. Nisso consiste a relação
dialógica, na qual se experiencia tanto a própria singularidade quanto a do outro, algo que o autor chama
de “cura pelo encontro”.
Diferente do que acontece em outras correntes psicoterapêuticas, o Gestalt-terapeuta não se
coloca numa posição de neutralidade passiva ou de aceitação incondicional, explorando a si mesmo a
serviço do cliente (Ginger & Ginger, 1995). Ressalta-se que o contato verdadeiro não é centrado
somente em um dos polos da relação, mas é realizado e compreendido na perspectiva do “entre”
(Buber, 1979; Hycner, 1995).
Diante disso, este trabalho tem por objetivo apresentar um estudo de caso de uma vivência
Gestalt-terapêutica apoiada no diálogo entre gagos e no processo de diferenciação. Não se pretende aqui
situar propostas de compreensão e tratamento da gagueira como um distúrbio de fala. Busca-se, na
verdade, a valorização do “viver” a gagueira tanto pelo terapeuta quanto pelo cliente, esclarecendo as
singularidades presentes na relação através dos princípios dialógicos.
Finalmente, justifica-se este trabalho pelo interesse do pesquisador em alcançar uma
compreensão holística e dialógica do processo terapêutico e das vivências nele envolvidas, tendo diante
de si um cliente que vivencia o mesmo distúrbio de fala que o seu (gagueira).
Método
Participantes
Este trabalho teve como participante Moisés (nome fictício), 30 anos de idade, sexo
masculino, solteiro e trabalha como frentista.
Materiais
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muscular no ato da fala e, consequentemente, num aumento das disfluências (Friedman, 2010).
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Para a realização deste trabalho utilizou-se um consultório no Centro de Estudos, Pesquisas
poltronas, mesa de centro, divã, almofadas coloridas, relógio, tapete e condicionador de ar.
Instrumentos
Utilizou-se um telefone celular para gravação das sessões. Para a confecção do trabalho
foram utilizados um computador, impressora e folhas de papel A4.
Procedimentos
Selecionou-se aleatoriamente a ficha de triagem de Moisés dentre as disponíveis para
atendimento no CEPSI. Entrou-se em contato com o mesmo por telefone, o qual aceitou participar de
atendimentos clínicos no dia e horário combinados com o terapeuta estagiário.
Na primeira sessão, realizou-se o contrato terapêutico, através do qual delimitou-se que os
atendimentos – com duração de 50 minutos cada – seriam feitos uma vez por semana e estariam sujeitos
a posteriores mudanças quanto a horários e frequências segundo os critérios do paciente. Esclareceu-se
a importância da assiduidade e do sigilo terapêutico conforme garantido no Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido assinado no momento da triagem. Obteve-se também seu consentimento para
gravação das sessões e para a realização de um trabalho acadêmico respaldado nos atendimentos dos
quais faria parte.
Nessa sessão, esclareceu-se também a sua queixa. Moisés procurou atendimento psicológico
para tratar sua gagueira, tendo já realizado tratamento fonoaudiólogo por alguns meses e também uma
avaliação psicológica feita por outro estagiário do CEPSI. Ambos os procedimentos destinaram-se à
melhor compreensão de seu quadro clínico.
Os atendimentos foram feitos no período de maio a outubro de 2015, totalizando 18
sessões. Utilizou-se o método fenomenológico e a atitude dialógica. Estes são elementos dos quais a
Gestalt-terapia se apropria para compreender o mundo do cliente conforme vivido por ele no contexto
da relação (Hycner, 1995; Yontef, 1998).
Resultados e discussão
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e Práticas Psicológicas (CEPSI) da PUC-GO. O consultório dispõe de mesa, três cadeiras, duas
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Serão expostos alguns trechos da primeira, da terceira, da quarta e da quinta sessão, os quais
“M” e o terapeuta estagiário, por “TE”.
Na primeira sessão, Moisés disse que seu objetivo em ir para a terapia era se tornar mais
interativo, sendo ele uma pessoa mais quieta, observadora, reservada e com vergonha de quase tudo
como consequência da fala. Sobre sua fala, Moisés explica:
M: [...] Tem vez que é que é um problema, mas várias vezes não é. Quando eu falo sozinho no
meu quarto, eu eu falo normal. Então, eu comecei a perceber que é mais um problema, mais,
que é mais um problema “piiisicológico” que na fala. Porque falar eu falo normal quando eu tô
sozinho. Quando eu vou falar com uma pessoa, eu já gaguejo um pouquinho. Quando eu vou
falar com mais pessoas, aí já gaguejo, já fica mais.
TE: Então, você percebeu que sozinho você fala normal. Já com as pessoas você gagueja. Eu
penso que deve ser difícil pra você mesmo. E você não só está falando comigo como você tá
me falando de algo que é difícil pra você, que é falar com as pessoas.
Neste momento, a intervenção terapêutica embasa-se na descrição fenomenológica e na
inclusão. A descrição fenomenológica consiste na apreensão da experiência da pessoa despojada de
quaisquer hipóteses (Lyotard, 2008). A inclusão envolve adentrar e vivenciar o mundo fenomenológico
do outro sem julgamento, enquanto ainda ciente de sua própria identidade (Jacobs, 1989).
Assim, percebe-se um movimento diferenciador por parte do terapeuta estagiário quando este
descreve e acolhe a dificuldade relatada por Moisés em falar com as pessoas, valorizando o fato de que
ele está falando com o terapeuta. Conforme Perls (2011), voltando-se para o aqui-e-agora o terapeuta
convida o cliente a perceber a forma como entra em contato com as coisas. Assim, tal atitude do
terapeuta estagiário atrai o olhar do cliente para o “entre”, estabelecendo a base para o con-tato e a
tomada de consciência de suas vivências imediatas.
Em outro momento da sessão, Moisés afirma o seguinte:
M: [...] A gente que é gago, a gente pensa porque a, porque tem uma mensagem, sabe, que fala
que vai gaguejar. Aí acaba pensando na hora de falar.
TE: É, Moisés, eu entendo, porque eu também sou gago e eu penso muito antes de falar (risos).
Nesse momento, percebe-se um movimento inclusivo por parte do terapeuta estagiário,
dado que, segundo Yontef (1998), a inclusão mostra que o terapeuta consegue experienciar ele próprio a
experiência do cliente.
144- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
permitirão discorrer mais claramente sobre o tema proposto neste trabalho. Moisés será identificado por
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Ao participar do movimento do outro, terapeuta constitui-se como parte do campo onde o
lado, que o campo do próprio terapeuta seja afetado – sua postura extrapola a de mero observador –,
chegando a ser comovido naquilo que experiencia de semelhante em relação ao cliente (Robine, 2006).
É necessário, porém, dirigir-se ao outro em sua diferença a fim de confirma-lo como único em sua
existência (Buber, 1979).
Ainda nessa sessão, Moisés inicia o contato com seu funcionamento, mas se interrompe em
função de uma racionalização, como se evidencia abaixo:
M: É como se fosse uma pedra que eu chuto prum lado agora, né, depois ela parece que volta e
eu tenho que chutar de novo. [...] Ela fica voltando. Tem umas vezes que ela tá maior, tem
umas vezes que ela tá menor. É uma coisa, assim, estranha mesmo. Até no nas pesquisas
médicas, sabe, por exemplo, eles falam eles falam que é um um um um problema do cérebro
que é re responsável pela fala, né? Que eles falam até do lado esquerdo, eu acho. [...] Aí tem
pesquisas bem interessantes.
TE: É, realmente, as pesquisas mostram que existe uma influência neurológica na gagueira, mas
pelo que eu tô escutando de você, parece que também tem uma influência situacional na sua
gagueira, que é quando você fala com as pessoas. Se fosse neurológico, a pedra iria ser sempre
do mesmo tamanho, mas ora ela tá maior, ora ela tá menor. E deve ser muito estranho mesmo
tentar o tempo todo chutar essa pedra e ela não só volta como volta até maior às vezes.
Heidegger (2012) afirma que o sujeito não é compreendido a partir de supostas
propriedades essenciais, mas em termos de manifestações alternativas de sua essência em função das
relações estabelecidas num tempo e espaço determinados. Corroborando isso, Goldstein (2000) diz que
é irrelevante referir-se unicamente ao “físico” ou ao “psicológico” na compreensão de um sintoma,
sendo que as manifestações deste precisam ser observadas em termos de sua função significativa na
realidade holística do organismo.
Com base nisso, terapeuta estagiário confirma o cliente na informação que desejou
transmitir; porém, ressalta o caráter dinâmico de sua existência diante de um substrato neurológico
supostamente determinante de seu comportamento. Conforme Friedman (1985), a verdadeira
confirmação importa-se com o ponto de vista do outro enquanto se opõe a ele, apreendendo sua
existência nas possibilidades contempladas em relação. Nisso se percebe a diferenciação, pois no
confronto confirmador o terapeuta estagiário demonstra contato com ambas as singularidades presentes
na relação, validando a experiência do cliente e promovendo sua expansão enquanto ser de
possibilidades.
145- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
cliente atualiza sentimentos vivenciados em outros contextos (Zinker, 2007). É inevitável, por outro
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No decorrer da sessão, Moisés se apoia na certeza de que um de seus sobrinhos (que
porque passou muito tempo isolado das pessoas, afirmando que precisa interagir mais para gaguejar
menos. Diante disso, terapeuta estagiário diz:
TE: Pelo que eu estou escutando de você, você consegue falar bem quando está sozinho. Com
os outros você tenta usar as técnicas e mesmo assim trava bastante. Deve ser muito difícil
mesmo interagir com as pessoas sempre com esse esforço e aí eu compreendo porque que você
se isolou mais.
M: É. É, até que não é tão ruim ficar isolado.
De acordo com Perls (2011), nem todo contato é saudável e nem toda fuga é doentia, dado
que esta é apenas um modo de enfrentar o perigo. Assim, percebe-se o isolamento de Moisés como uma
forma de lidar com o perigo de falar com as pessoas. Tal atitude terapêutica permite a ele reconhecer e
aceitar sua própria experiência.
Na terceira sessão, Moisés fala de suas interações com a família:
M: [...] Eu tenho problema com a família, assim, quando tem alguma reunião, quando vem os
parente que eu não tenho muito contato. [...] Aí, tem vez que eu me afasto. Eu vou e volto, fico
lá um pouco na mesa, depois saio um pouco. [...] Mesmo que eu não fale nada lá na mesa, me
dá um pânico... Eu fico lá, eu eu imagino que eles estão me olhando, sabe? Mas eu sei que não
é, mas dá essa im impressão. Aí eu fico lá, tipo, é como se fosse uma luta, né?
Maslow (1962) diz que o homem que vivencia uma deficiência vislumbra a possiblidade de
que o ambiente não o ajude ou o desaponte, tornando-se ansiosamente dependente das pessoas no que
tange à sua estima pessoal. Observando-se a dependência e o pânico que Moisés vivencia quando está
com seus parentes, percebe-se sua autorregulação organísmica. Esse processo consiste na busca do
indivíduo pelo equilíbrio entre suas prioridades e as possibilidades de que se dispõe no meio para se
satisfazer (Cardella, 2002; Lima, 2013; Perls, 2011). Respeitando-se, assim, a vivência do cliente como
processo autorregulatório, terapeuta estagiário intervém da seguinte forma:
TE: É, realmente, eu penso que deve dar um pânico mesmo imaginando que todo mundo tá te
olhando, né?
Diante do que o cliente expõe, terapeuta estagiário adota uma postura inclusiva e
confirmadora, organizando também o ponto central em que se situou a fala do cliente: a sensação de
pânico vivenciada diante da percepção de que todos estão olhando para ele.
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também era gago) “venceu” a gagueira interagindo mais. Assim, constata que sua gagueira aumentou
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Em meio a esse pânico, Moisés conta que precisa enfrentar várias barreiras para falar com
TE: Como é pra você enfrentar essas barreiras?
M: Ah, eu me sinto, eu me sinto incompetente mesmo. Porque eu não tô dando conta, né, e é e
é como se se ela tivesse fazendo um caminho pra mim, sabe? Como se tivesse uma parede aqui,
aí eu vou pra cá. Aí tem outra pra cá e eu vou pra lá. Aí eu fi, eu fi, aí eu fico assim mas eu vejo,
eu vejo que, eu vejo que tem hora que essa parede some, some muito rápido.
TE: Aqui nesse momento, existe alguma parede entre nós?
M: Não, não tem, não tem não. Nem nem um lençol, não tá. Aí vai, aí é é exatamente isso que
me faz pensar que eu posso falar, sabe, que eu dou conta de falar.
TE: Eu fico feliz de você estar vendo a possibilidade de falar sem travar a partir de como você
está conversando comigo.
Ao falar das barreiras e da incompetência que vivencia ao interagir com as pessoas, Moisés
pode se atentar para como estava falando com o terapeuta. Minkowski (2000) constata que o sofrimento
coloca o homem em contato com o autêntico e com suas possibilidades de ser. De acordo com Buber
(1982), as possibilidades do ser se revelam no diálogo quando este se atenta para a diferenciação vivida e
percebida no “entre”. Esta se torna o suporte para a autoconfirmação (Friedman, 1985).
Sendo assim, revela-se nesse momento a diferenciação bem sucedida por parte do cliente (que
entrou em contato com uma possibilidade reafirmadora de suas potencialidades) e do terapeuta
estagiário (que possibilitou ao cliente este contato através da confirmação e da ênfase no aqui-e-agora).
Em seguida, Moisés conta de uma amiga do trabalho que o ajuda a falar melhor:
M: Meu atendimento lá no posto é sempre calmo, mas fa falar calmo eu aprendi com uma
amiga minha lá do posto. [...] Eu percebi que eu tava, que eu estava aprendendo muito mais
com ela coisas mais úteis pra mim, sabe? Como falar mais calmo, como como eeescutar as
pessoas também, que ela escuta bastante os clientes, sabe? [...] Eu vi que mesmo sem falar
muito e e escutando bastante e falando mais mais assim o necessário, assim, de uma forma
lenta, sabe, eu vi que dava certo.
TE: Então, você percebeu que falando menos e escutando mais, você se sente mais calmo pra
falar com os outros.
M: Sim. Aprendi muito com com ela.
TE: Pois é. E aqui eu estou aprendendo com você que o pensar demais na fala é uma barreira e
o escutar é uma ponte.
M: É verdade. Quando eu me concentro no no no que a pessoa tá falando, eu também vejo que
é uma forma de eu esquecer que eu sou gago, que eu vou travar, sabe? Aí eu foco em falar
sobre o que a pessoa tá falando, aí acaba saindo melhor.
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as pessoas, o que faz com que ele “trave”. Assim, terapeuta estagiário intervém:
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Diante da melhora na fala relatada por Moisés quando este prioriza a escuta, terapeuta
o cliente vivencia em suas interações. Observa-se, assim, um crescimento mútuo vivenciado por
terapeuta estagiário e cliente a partir do pensamento diferencial e do princípio dialógico da presença.
Segundo Perls (2002), o pensamento diferencial promove a habilidade criativa de ver os dois
lados de uma ocorrência e completar uma metade incompleta, adquirindo um insight mais profundo da
estrutura e função do organismo. Jacobs (1989) afirma que presença envolve trazer a totalidade do ser à
interação, o que implica que o terapeuta deve se permitir ser tocado e comovido pelo paciente. Afinal, o
Tu se torna ontologicamente completo somente quando o Eu o torna presente, sendo na mutualidade
desse tornar presente que ambos podem experienciar o mais genuíno crescimento (Buber, 1979).
Na quarta sessão, Moisés volta a falar de como se sente em reuniões de família:
M: É como se fosse uma bicicleta querendo acompanhar um carro, uma moto. Não vai
acompanhar nunca. Nem os meus parentes nem os amigos também. Não dei conta de
acompanhar nenhum. [...] Tô jogando muito na família, mas por exemplo, a namorada que eu
tive, [...] ela falava muito rápido. Então, quase que todas as vezes eu não dava conta de
acompanhar ela. Aí eu tinha que falar mais lento, como eu falo aqui, e ela me escutava me
escutava bem, mas eu me sentia, eu me sentia, sabe, é, é, é. Eu me sentia fora do ritmo dela.
Isso me deixava cons. constrangido, sabe? [...] Isso que me faz pensar que eu tô numa bicicleta
e quem conversa no no normal tá no carro, né? Aí, basicamente pra acompanhar pra mim
acompanhar tem que ser freando. Sempre frear, frear e esperar.
TE: Que interessante. Ao mesmo tempo em que você me fala que você se sente fora do ritmo,
você parece que também tem um ritmo próprio, que é frear, frear e esperar.
Diante do sofrimento relatado pelo cliente por não estar no mesmo ritmo das pessoas que
falam normalmente, terapeuta estagiário busca por meio de uma atitude humanista valorizar o seu
próprio ritmo.
Heidegger (2006) afirma que o humanismo consiste em preservar o homem em suas
possibilidades e potencialidades, cuidando para que ele não fique alienado de sua essência. Alcança-se
aqui tal proposta, já que Rogers (2012) afirma que a atitude confirmadora traz à tona as potencialidades
ocultas na doença do cliente.
Em outro momento da sessão, Moisés expõe o seguinte:
M: É. Se eu não dou conta, eu não dou conta. Não dá pra ficar enfrentando. Assim, eu percebi
agora que a situação minha é essa mesmo e não tem como mudar rapidamente.
TE: E quando você entende isso, que sensação que isso te deixa?
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estagiário busca integrá-la com o tema que estava sendo discutido na sessão referente às “barreiras” que
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M: Ah, isso me deixa, me deixa mais calmo. Me deixa mais tranquilo. [...] É engraçado, quando
eu comecei a aceitar a minha fala começou a melhorar, sabe? [...] Mas só depois que eu comecei
a aceitar que tem situações que eu não posso enfrentar muito. [...] Por exemplo, se eu não tô
sentindo bem realmente de fazer, de tá num grupo, eu não vou. Ou se eu tenho que ir, né,
vamos supor que é o trabalho. Eu vou, mas eu vou falar menos. Eu vou, mas vou ficar calado.
TE: Me chama muito a atenção que, nesse momento, quando você passou a entender e aceitar
mais o seu próprio ritmo, você não gaguejou nada pra me falar disso. Aparentemente, estar no
próprio ritmo te deixa muito mais tranquilo pra falar.
De acordo com Amatuzzi (1989), o diálogo genuíno envolve a atenção à totalidade e
concretude da experiência presente do cliente, produzindo uma resposta compreensiva e baseada num
real ouvir que reconstrói o caminho da interpretação que ele faz de si. Assim, atentando-se para as
sensações diante da awareness desenvolvida no “entre”, terapeuta estagiário possibilita ao cliente o
reconhecimento e aceitação de sua própria experiência.
Conforme a teoria paradoxal da mudança, quanto mais alguém tenta ser o que não é, mais
permanece o mesmo, sendo necessário que o indivíduo se aceite e confie em si mesmo para ser o que se
é (Beisser, 1980). Rogers (2012) observa que a confiança organísmica – o pleno apoio na experiência
interna para se situar no mundo – é alcançada quando a relação torna-se campo fértil para o autos
suporte. Busca-se em terapia facilitar a passagem gradual do heterossuporte para o autos suporte, o qual
envolve o reconhecimento e criação por parte do indivíduo de seus próprios recursos (Cardella, 2002).
Na quinta sessão, Moisés fala de pessoas que riem quando ele gagueja. Terapeuta estagiário
o leva a refletir sobre os sentimentos que surgem quando isso acontece. Moisés responde da seguinte
forma:
M: [...]A sensação que vem, a sensação que vem é de exatamente um monte de emoção que eu
guardei, sabe? Como se ainda tivesse dentro de mim, assim... Querer expressar um sentimento
que eu não dei conta.
TE: E como que é pra você querer expressar seu sentimento e não dar conta?
M: É... É... É é é como se, é... Co, seria como, não sei, é... Seria como...
TE: Como é que é? Como é que tá sendo agora?
A intervenção do terapeuta estagiário consiste na focalização, a qual Yontef e Jacobs (2014)
definem como a atitude de manter a atenção do cliente em momentos chave da terapia, a fim de
promover o fluxo e o fechamento da awareness. Hycner (1995) afirma que o cliente precisa ser instado a
permanecer com a sua dor a fim de que possa falar de um local mais profundo dentro dessa dor,
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chegando ao cerne de sua humanidade. Sendo conduzido a focar-se no “como é”, Moisés responde o
M: É ruim. É como, é como se eu tivesse evitado um monte de experiência, um monte de
histórias... É como se eu tivesse fechado um rio, sabe? Fechado um rio, assim, que que ia passar
um monte de água, uma nascente, né? Aí ta, tivesse, é é como se tivesse preso ali, como se ti, ou
ou como se tivesse tomado outro caminho. Assim, um rio de, uma u uma nascente de de sen de
de sentimento, sabe? É, que ia fluir mas foi mas foi parada ali, travou.
TE: Então, é como se tivesse essa nascente de sentimentos, de repente você trava e você tem
que tomar outro caminho. [...] E em meio a essa nascente de sentimentos, me dá um nome pra
esse sentimento que tá mais presente aqui com você.
M: Um nome? (risos) É, um nome, é... Seria... É, experiências. Seria isso.
TE: Quando você pensa nessas experiências, qual é o sentimento que vem?
M: O sentimento que vem... De tristeza mesmo. É, de uma coisa que eu queria mas
eu não pude, não pude ter. Vem várias coisas. Desde pequeno mesmo.
As intervenções do terapeuta estagiário, apoiadas na atitude fenomenológica, mantêm a
proposta de levar o cliente a estabelecer contato com sua experiência imediata. A atitude
fenomenológica implica em se abstrair de noções idealistas do fenômeno, apoiando-se no discernimento
e na descrição de seu sentido presente em interação (Feijoo, 2011; Lyotard, 2008). Manter o foco na
experiência concreta e no sentido com que ela surge envolve a percepção da peculiaridade absoluta do
sujeito diante do mundo objetivo (Heidegger, 2012). Assim, terapeuta estagiário não só demonstra a
apreensão descritiva da experiência atual do cliente como também uma diferenciação entre o seu “eu” e o
“eu” do outro, a qual favorece o reconhecimento das singularidades presentes em relação.
Após contatar seu sentimento de tristeza, Moisés começa a relatar uma série de situações
interrompidas em sua vida nas quais não pode expressar seus sentimentos, tampouco falar da forma
como gostaria. Terapeuta estagiário diz o seguinte:
TE: Pelo que eu tô escutando de você, parece que teve várias situações na sua vida que você
não deu conta de fluir do jeito que você queria. [...] Mas me chama a atenção agora que nesse
momento, aqui comigo, você tá trazendo essa nascente de sentimentos. Você tá deixando ela
fluir. Inclusive, eu te agradeço muito por ter me falado da sua tristeza. Eu percebi que não foi
fácil falar dela, mas ela está chegando até a mim.
Respalda-se esta intervenção no fato de que o homem é um conjunto de possibilidades que
podem se atualizar na sua experiência (Cardella, 2002). Conforme a filosofia existencialista, é necessário
colocar o homem na posse do que ele é e submetê-lo à responsabilidade total de sua existência (Sartre,
2012).
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seguinte:
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Diante dessa intervenção, Moisés acrescenta ao seu relato outras situações nas quais
forma:
TE: Mas como você se sente quando eu te digo que aqui comigo você tá fluindo?
M: Ah, ah, é uma surpresa. Eu não pensei nisso. Não pensei que poderia, é, é, acon acontecer
isso, sabe? É é meio estranho mesmo...
TE: É, é uma surpresa. São tantas as experiências em que você travou. Acaba que é estranho
mesmo perceber quando acontece o contrário.
Terapeuta
estagiário confirma o sentimento de estranheza do cliente diante da awareness da fluência vivida
na relação terapêutica. Para que ocorra a diferenciação, é imprescindível o defrontar-se com o
estranho, que revela no contato com o outro a singularidade do ser e desconstrói condições
predeterminantes de existência (Feijoo, 2011). A respeito da possibilidade de fluir concretizada
no “entre”, Moisés diz o seguinte:
M: Não é a, não é a que eu queria, mas é mas é, mas também é uma po uma possibilidade.
Assim, é uma oportunidade também, de me expressar. [...] Assim, eu nunca percebi dessa
forma. Hoje é que eu tô... Você falando pra mim, eu tô enxergando mais. [...] Eu não eu eu não
percebi que que eu podia jogar pra hoje, né? Poder pegar tudo o que aconteceu antes, todos os
sentimentos que eu queria expressar pra passar pra hoje. Como eu tô passando pra você, né? Te
falando...
TE: Que maravilhoso! Então, você tá percebendo que só porque seus sentimentos travaram
antes não significa que eles vão ficar travados pra sempre.
M: É, dá essa impressão mesmo. [...] Assim, eu sou cristão também, né? Jesus, ele entendeu
todos e tem e tem a melhor mensagem do mundo, né, que é salvar as nossas almas. Perdoar e
nos salvar. Então, isso dá um conforto desse nível, sabe? De tirar aquele, de saber que tem uma
esperança. Então, é é a, parece com isso. Parece parece parece desse jeito também.
TE: Nossa, agora você mexeu muito comigo. Você tá me dizendo que, assim como em Cristo
nós temos esperança de salvação, nós temos a esperança de fluir.
M: Isso! É! Parece parece que é do mesmo lugar, na onde que fica ela, sabe? De não dar, de não
colocar muito peso, vamos dizer assim, [...] é praticamente como se tivesse tirado a tristeza, [...]
é como se não tivesse acontecido.
TE: Então, ao perceber que você está fluindo aqui comigo, é como se tivesse tirado o peso da
tristeza de não ter fluido em outras coisas no passado.
M: É exatamente isso (risos).
Buber (1982) afirma que o ser em diálogo recebe mesmo em extremo desamparo um senso
fortalecedor de reciprocidade. Maslow (1962) diz também que a aceitação da própria natureza promove
uma tendência incessante à unidade, à integração e à sinergia, constituindo um crescimento que é ao
mesmo tempo compensador (alivia tensões anteriormente vividas) e excitante (lança luz sobre novas
necessidades a serem satisfeitas).
Assim, percebe-se que o cliente, amparado pelo diálogo genuíno,
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“travou”. Terapeuta estagiário insiste em levar seu foco para o vivido na relação terapêutica da seguinte
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contempla uma integração geradora da ressignificação de experiências passadas marcadas pela
Diante disso, terapeuta estagiário conclui:
TE: (chorando) Nossa, quando você me fala da sua esperança, eu também sinto esperança em
mim. Eu também já travei meus sentimentos em muitas situações da minha vida. Mas por você
enxergar agora suas possibilidades de fluir, e ainda por cima falar da sua esperança em Cristo...
Nossa... Eu tô saindo da sessão de hoje com muita esperança!
M: Mas é exatamente isso. E isso é muito bom. Porque dá esperança mesmo. Mostra que que a
gente fluiu. Tal talvez eu flui lá no passado, mas eu não vi. Eu só vi aquelas coisas que eu queria
fazer, que eu queria falar. Mas eu não percebi o outro lado em que em que saiu a emoção.
Verifica-se aqui um momento marcante de Eu-Tu no diálogo entre terapeuta estagiário e
cliente. O Eu-Tu ocorre quando a força da exclusividade do outro se apodera do “eu”, surgindo a
palavra como proposta dialógica e reveladora de como “Eu” e “Tu” contatam-se reciprocamente
(Buber, 1979). O momento Eu-Tu é integrado à vivência individual de tal forma que ambos se
ressituam em sua dimensão histórica (Ginger & Ginger, 1995).
Nisso é satisfeita a proposta da psicoterapia dialógica, a qual sustenta que a diferenciação de
vivências individuais intensifica-se na interdependência dos sujeitos em relação, impulsionando através
da confirmação mútua o processo de reparação existencial das vivências desconfirmadas (Friedman,
1985).
Portanto, torna-se nítido nesta vivência em Gestalt-terapia que o diálogo entre terapeuta e
cliente sob os moldes da relação dialógica constituiu-se como campo facilitador da diferenciação que
permite o apropriar-se de si mesmo e uma relação mais integrada com o mundo.
Considerações finais
Pioneiro na literatura científica americana sobre a gagueira, van Riper (1971) afirma que não
existe muito orgulho ou conforto em se declarar gago, e todos os clínicos acabam constatando que é
quase insuportável para um gago estar diante de outro gago. Na minha experiência, isso eu também
constatei.
Diante de uma forma de ser-no-mundo tão destoante da normalidade, Moisés se via como
“travado” – alguém que não fala, não sente e não flui como as pessoas. Contemplava a terapia como a
possibilidade de alcançar a fluência que via como normal, prioridade que o mantinha alheio à própria
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interrupção e da abertura para experiências futuras diante da fluência vivida em relação.
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fluência. Por vezes, fui também vigilante quanto à minha fluência como terapeuta, buscando enquadrar
“nossa” gagueira se extenuasse à luz de uma awareness gratuita.
Kierkegaard (1979) fala do desespero do homem em não querer ser si próprio, aspirando a
um novo eu. Segundo o filósofo, é o tipo de desespero de um homem que não conhece a si mesmo,
reconhecendo seu eu somente em sua exterioridade. Quando este se propõe a uma reflexão sobre si
próprio, tornando-se consciente de seu eu, ele também o é um pouco mais. É nesse regresso ao eu que
o homem se apercebe da íntima diferença com o mundo exterior.
Assim, meu maior desafio neste processo terapêutico foi o de retomar o contato com a
minha gagueira a fim de apreender a gagueira do outro. Sob a disposição mútua de contatarmos em
diálogo nosso sofrimento enquanto “gagos”, Moisés e eu reconhecemos nossa singularidade em todo
seu potencial de expansão e crescimento.
Tal processo motivou-me a contemplar a fala como uma diferenciação integradora de
sujeitos singulares que se encontram mesmo sendo “travados” por distúrbios em sua expressão verbal.
A fala, afinal, será sempre a existência tentando se encontrar para além do ser (Merleau-Ponty, 1999).
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GT 4 – Filosofia, Psicologia e Educação (FPE)
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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇAO DOS FILHOS NA VISÃO DA
GESTALT-TERAPIA
Ana Carla dos Santos Teodoro Olimpio
Thaís Carneiro Costa Ramos
1. Introdução
As relações humanas são pautadas e se estabelecem através da comunicação, comunicação é
vida, clareando o encontro das pessoas, seja na integração, na comunhão, na construção e formação de
vínculo. (Matos, 2015).
Nos dias atuais, o tempo para conversar, olhar nos olhos, estabelecer uma comunicação
genuína têm se esbarrado no emaranhado da vida profissional dos pais, e as inúmeras atividades dos
filhos. Por falta de tempo para uma relação mais intimista, as crianças passam mais tempo com
aparelhos eletrônicos, deixando o brincar e o dialogar para trás.
Matos, (2015) descreve que a tecnologia tende a estreitar as distâncias físicas mas afasta a
sensibilidade comprometendo o diálogo. Diálogo este, que diz da predisposição, de estar inteiro para se
comunicar, para escutar, para falar e aí sim surge o diálogo. Esta disposição segundo Feldman, (2006
p.79-80) “É ter um espaço interno para ir ao encontro do outro. É ter disposição física e emocional para
acolhê-lo, para estar junto dele. É estar aberto para escutá-lo.” Os pequenos precisam desse espaço para
serem ouvidos para poder falar sobre si. Existe a necessidade de que as crianças sejam valorizadas,
compreendidas no que diz respeito a seus sentimentos, o que entendem e como entendem as regras, e
ao construir uma relação onde existe fala e escuta, os pais conseguem proporcionar autonomia,
enfretamento, potencializando os recursos psicológicos dos seus filhos.
2. O ouvir e o escutar
Clara Feldman, em seu livro Encontro, (2006 p. 154) diz que; ouvir “é perceber (som,
palavra) pelo sentido da audição, escutar é estar consciente do que está ouvindo ficar atento para ouvir;
dar atenção a; esforçar-se para ouvir com clareza. ’’
Saber ouvir para Matos, (2015) é diferencial para angariar sucesso e êxito na vida
profissional, as realizações pessoais vem do potencial em escutar sua voz interior, se abrindo à
compreensão do outro e de si mesma. Saber ouvir é desenvolver escuta ativa. Ao escutar a essência do
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dizer infantil, você consegue extrair o melhor de si, não só com as respostas, mais sim buscando
É importante pensar na preciosidade de como ouvir seu filho; como aceitar seus
sentimentos negativos, como conseguir que ele coopere, como corrigir sem castiga-lo, como valorizar
sua autonomia e responsabilidade, como descontruir rótulos já estabelecidos. Faber e Mazlish (2003) diz
que: "Mudar atitudes é como aprender uma nova linguagem. É conhecer outro caminho, outro jeito
para lidar com as diferentes situações familiares" (p. 15).
Essa proposta vem para desenvolver as habilidades, conhecer novas formas de se
comunicar com os filhos, pautado na importância de ouvir e falar, e da ênfase no como isso vai
acontecer, como os pais tem conversado, e como pode ser treinado outras possibilidades de falar e
ouvir. E a interação com as crianças pode favorecer isso, deixando os adultos humildes, acessíveis e
aprendendo a estar disponível para que o diálogo ocorra, isso se este adulto permitir acessar sua criança
interior.
Assim como nessa poesia... “Se você já não souber como me ouvir, vou tentar ajudar, mas
já vou avisando…meus métodos são simples. São simples porque sou a criança que vive dentro de você
e eu não sei fazer coisas complicadas.” Gebrim (1998 p.25). Muito bonito, poético, teórico. E na
realidade como é que os pais têm falado mesmo? Será que as crianças estão sendo ouvidas?
Problematizando: os pais costumam não ouvir alguns sentimentos dos filhos, tais como:
você não está falando a verdade, você não está com fome, você só está dizendo isso porque está
cansado. Dentre tantos outros exemplos onde os sentimentos não são valorizados ou percebidos. Faber
e Mazlish (2003) sugere algumas maneiras de como escutar e valorizar os sentimentos da criança.
Recomenda ouvir com atenção; reconhecer seus sentimentos com uma palavra: Oh! Hum! Sei!
Exemplo1:
Criança: Alguém roubou meu lápis vermelho de novo.
Mãe: Oh!
Criança: Eu o deixei na minha carteira, quando fui ao banheiro e alguém pegou.
Mãe: Hum...
Criança: Esta é a terceira vez que roubam meu lápis.
Mãe: Oh!
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experimentar o quão curativo pode ser o como você o compreende.
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Mãe: Sei.
As palavras: Oh! Hum e Sei! Colocadas com prontidão e interesse dos pais em ouvir
favorece com que a criança, perceba seus sentimentos e fazendo suas próprias escolhas.
Exemplo 2:
Em vez de negar sentimentos
Criança: Minha tartaruga morreu, estava viva hoje de manhã
Pai: Não fique tão chateada querida. Não chore, é só uma tartaruga!
Dê um nome a seus sentimentos
Criança: Minha tartaruga morreu, estava viva hoje de manhã
Pai: Oh! Que chato!
Dói perder uma amiga!
Geralmente os pais não respondem desse modo, por temer que, ao nomearem o sentimento
ele piora. O oposto é exatamente a verdade. A criança fica profundamente confortada quando ouve as
palavras do que está vivenciando. Alguém reconheceu sua vivência interna. (Faber e Mazlish, 2003,
p.33)
Não será preciso que os pais sejam sempre empáticos com os filhos, nas informações
positivas por exemplo, “mãe hoje ás 15h marquei com a Maria, vamos estudar” nessas ocasiões apenas
um agradecimento pelo filho ter te informado seria suficiente. As autoras Faber e Mazlish (2003),
afirmam que as emoções negativas das crianças que requererão habilidades e interesse dos pais. Ser
empático com os filhos não significa dar permissão para fazer tudo o que eles querem, e sim aceitar os
sentimentos para que eles compreendam os limites dados pelos pais.
Exemplo: Ao ver a criança desenhando na manteiga, com faca. O pais poderão dizer: “Vejo
que você gosta de desenhar, o que você acha de desenhar neste papel com lápis coloridos, com faca não
se brinca”. Lidar com os sentimentos é uma arte, um aprendizado diário e não uma exatidão. Essa arte,
vai sendo aprendida, aprimorada a cada contato, cada olhar, cada gesto, dando permissão para ser
criativo, aprender como uma criança.
158- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Criança: Já sei! Daqui em diante, quando eu sair da classe, vou esconder meu lápis.
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De acordo com essa informação, Zinker (2007) afirma que é necessário está preparado
suspeitar que o outro nos trará algum dano. E continua.... “Quando sentimos completamente amados
por alguém que realmente “importa” vêm à tona nossos sentimentos mais profundos de
autoconhecimento e de apreço e amor por nós mesmos”. Zinker, (2007 p.19)
Quando a criança tem a oportunidade de se expressar e dialogar com os pais, ela se afirma
como humano, sente-se respeitada e amada, se fortalece e vai construindo o valor de seus sentimentos.
Torna-se adulto que se conhece e valoriza o que sente. Os adultos que foram podados na infância não
se escutam, foram perdendo suas funções auditivas e de escutar ao longo dos anos.
Assim afirma Feldman, A criança escuta melhor do que os adultos, mas ao ouvirem frases
como esta: “isso não é assunto para criança” ela vai aprendendo que não pode ouvir, pois a escuta não é
para ela. A psicóloga Patrícia Gebrim em seu livro Palavra de Criança, traz uma poesia com o título o
adulto é ladrão de sentimento: “conforme foi crescendo, foi acreditando em uma coisa que os adultos
sempre acreditam: você foi acreditando que era perigoso sentir. ... Eles sentem isso tudo, mas fingem
que não estão sentindo nada... E a criança dentro deles grita cada vez mais alto, para ver se eles
conseguem ouvir”. (p.24)
Essa maneira de ouvir e falar não está muito distante dos pais, ela precisa ser aprendida de
novo, ser construída onde o adulto se dará permissão para criar. Encontrando sua criança interior para
que dessa forma acesse a linguagem de seus filhos. Uma outra forma de ouvir e demostrar inteireza é
ficando calado, estando simplesmente ali para ouvir, para escutar, demostrando interesse, a presença de
quem escuta é colo que acolhe sem que o outro precise dizer nada. (Lya Luft) apud Clara Feldman
(2006).
3. Contribuições da Gestalt-Terapia
E para essa interlocução foi adotada a Gestalt-terapia, para demonstrar como ela pode
favorecer possibilidades e caminhos que torna genuína a comunicação entre a família. Pautado na
maneira como a abordagem gestáltica busca compreender o homem e suas relações a partir de suas
respectivas bases filosóficas, a saber, humanismo, existencialismo, fenomenologia e bases teóricas, como
a psicologia da Gestalt, teoria organísmica e de campo, entre outras.
Rodrigues (2009), enfatiza que, “a palavra alemã “Gestalt” não tem tradução literal para o
português, mas contém sentido de “forma”, de “um todo que se orienta para uma definição”, de
159- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
para permitir o acesso do outro em nós, em nossas superfícies, requer disponibilidade, aceitação, sem
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“estrutura significante e organizada, adotada pelo mundo inteiro e utilizada em outras línguas. Como a
filosóficas e teóricas
Humanismo significa o resgate do humano, do positivo, da beleza, da força, da
espontaneidade perdida, da criatividade que geram muitas possibilidades de caminhos diferentes
(Ribeiro, 1999, p. 26). Significa que procuramos no ser humano o que ele tem de positivo, de inteiro,
por isso gera novas possibilidades, abrindo para o cliente em psicoterapia a possibilidade de tomar
consciência aquilo que ele tem de melhor em seu mundo à sua disposição (Pinto 2009).
Outro alicerce filosófico importante da teoria aqui abordada é o existencialismo, que
segundo Sartre (1987) o homem possui uma natureza humana a qual, significa que o homem é um ser
particular capaz de ter um conceito único: o homem. Nesse sentido para definir o que o homem é por
meio do existencialismo, este autor vai dizer que a existência precede a essência, ou seja, o homem ao
existir ele surge no mundo e após isso ele mesmo se define. O homem é responsável pelo que é o
primeiro passo do existencialismo é de pôr todo homem na posse do que ele é de submetê-lo à
responsabilidade total de sua existência (Sartre, 1987, p. 6).
O existencialismo retrata a experiência individual e singular da vida humana. Ser
individual por viver de forma única, e singular, pois somente ele tem consciência da sua singularidade
(Ribeiro, 1985). Este mesmo autor ressalta que o homem é explicado por si mesmo e não pelas coisas
que é dele ou está nele. O existencialismo propõe com que o homem procure o seu valor, seu próprio
significado. A fenomenologia é uma das bases filosóficas enfatizada pela Gestalt-terapia, fenômeno vem
do grego que significa manifestar-se, aparecer, sendo assim a fenomenologia ressalta no ser humano
aquilo que aparece como aquilo que é aparente (Ribeiro, 1985).
A fenomenologia, portanto, busca captar a essência mesma das coisas e para isto ela procura
descrever a experiência do modo como ela acontece e se processa. Para tanto é preciso colocar
a realidade entre parênteses, suspendendo todo e qualquer juízo. Não afirmar, nem negar, mas
antes abandonar-se à compreensão é o modo de atingir a realidade, assim como ela é. (Ribeiro,
1985, p.47)
A compressão do fenômeno se dá na essência daquilo que comparece, é conhecer a raiz do
que aparece. E para a fenomenologia, esse chegar a essência chama-se de redução fenomenológica que é
a busca do significado que coloca o sujeito em contato com a sua existência. (Ribeiro, 1985).
A psicologia da Gestalt, é um movimento que atua na teoria da forma. Corrente psicológica
de inspiração fenomenológica que surgiu em 1912 (Ehrenfels, Wertheimer, Koffka, Kohler)
160- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
própria abordagem ver o homem como um todo, assim ela também é um todo composto de partes,
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evidenciando o todo como diferente da soma das partes. Fazendo aqui responsabilizar o indivíduo, se
2009)
A existência do ser humano se faz ampla, e funciona como o seu organismo vivo, sedento
de equilíbrio e organização. Para tanto a teoria organísmica trata da forma a qual a pessoa se adequa ao
meio, como ela funciona, se equilibra e organiza. Ribeiro diz que a pessoa é una, integrada e consistente.
A organização é nata ao organismo. (p.107)
Segundo Rodrigues (2009) o organismo reage simultaneamente, como um todo, às situações
vivenciadas em seu meio. O indivíduo busca a cada momento auto- regulação organísmica, equilibrando
da maneira que for possível (p.80-81)
A observação que o indivíduo realiza no campo não o afeta, mas sim como ele vê, ou o
resultado do que vê. O campo é definido como a totalidade do que existe na experiência vivida, por
fatores múltiplos que são interdependentes, e o significado da percepção do cliente consiste na
correlação entre ele e o objeto. É importante perceber que o passado e o futuro psicológico são partes
simultâneas do campo experienciado naquele exato momento. Ribeiro, (1999/2007).
4. Objetivos
Angariar recurso literário específico de orientação psicológica para que os pais consigam
ampliar suas possibilidades de atuação na educação de seus filhos, facilitando o encontro genuíno e a
comunicação intrafamiliar.
5. Metodologia
Para tanto, será articulado o aporte teórico da abordagem gestáltica e a apresentação do
livro (Como falar para seu filho ouvir e como ouvir para seu filho falar), realizando assim, revisão
bibliográfica de livros e artigos.
6. Resultados e discussões
Baseando se no referencial teórico percebe-se o universo dos pais com algumas debilidades,
onde o ouvir se parece um exercício não muito fácil de se realizar, observou também que o adulto vai
perdendo essa função, pois ao longo do seu desenvolvimento, no que tange a importância de como se
ouve e escuta. Assim afirma Feldman, A criança escuta melhor do que os adultos, mas ao ouvirem frases
161- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
percebendo, conhecendo a si mesmo. Para que seja livre e responsável a fazer suas escolhas. (Rodrigues,
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como esta: “isso não é assunto para criança” ela vai aprendendo que não pode ouvir, pois a escuta não é
A psicóloga Patrícia Gebrim em seu livro Palavra de Criança, traz uma poesia com o título
o adulto é ladrão de sentimento: “conforme foi crescendo, foi acreditando em uma coisa que os adultos
sempre acreditam: você foi acreditando que era perigoso sentir. ... Eles sentem isso tudo, mas fingem
que não estão sentindo nada... E a criança dentro deles grita cada vez mais alto, para ver se eles
conseguem ouvir”. (p.24)
E dessa maneira é preciso preparar os pais para que elabore um diálogo com seus filhos,
pautado na empatia para que as crianças consigam, sentir seguras de seus próprios sentimentos.
Percebendo isso ao lembrar do como é o sentir de uma criança. “Se você já não souber como me ouvir,
vou tentar ajudar, mas já vou avisando…meus métodos são simples. São simples porque sou a criança
que vive dentro de você e eu não sei fazer coisas complicadas. Gebrim (1998 p.25).
Resgatar o lúdico para conversar com os filhos é uma via que conduz, a uma comunicação
onde os pais falam e os filhos também. E ao se esforçarem vão conseguir, essas são algumas
possibilidades interessantes. Recomenda ouvir com atenção; reconhecer seus sentimentos com uma
palavra: oh! hum... sei! (Faber e Mazlish, 2003). Dando ao indivíduo o valor que tens enquanto humano,
valorizando os sentimentos. Afirmando isso que o humanismo enaltece. Significa que procuramos no
ser humano o que ele tem de positivo, de inteiro, por isso gera novas possibilidades, como a de tomar
consciência daquilo que ele tem de melhor em seu mundo à sua disposição (Pinto 2009). O que vai
favorecer que os filhos se sintam acolhidos, e amparados. Segue o exemplo de como isso pode ser
abordado:
Criança: Alguém roubou meu lápis vermelho de novo.
Mãe: Oh!
Criança: Eu o deixei na minha carteira, quando fui ao banheiro e alguém pegou.
Mãe: Hum...
Criança: Esta é a terceira vez que roubam meu lápis.
Mãe: Oh!
Criança: Já sei! Daqui em diante, quando eu sair da classe, vou esconder meu lápis.
Mãe: Sei.
162- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
para ela.
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As palavras: Oh! Hum e Sei! Colocadas com prontidão e interesse dos pais em ouvir
essa habilidade de discursar entre família, como um recurso que favorece de forma criativa essa
comunicação escutando quem fala e respeitando a singularidade de cada um, em especial a criança.
O existencialismo retrata a experiência individual da vida humana. Ser individual por viver
de forma única, pois somente ele tem consciência de si. (Ribeiro, 1985). Com a fenomenologia o olhar
para a importância de como se ouve e fala com os filhos, advém de atentar-se para o como a criança diz,
e não dar respostas prontas, e muito menos julgar o que ela venha a dizer. Busca captar a essência
mesma das coisas e para isto ela procura descrever a experiência do modo como ela acontece e se
processa. Para tanto é preciso colocar a realidade entre parênteses, suspendendo todo e qualquer juízo.
Não afirmar, nem negar, mas antes abandonar-se à compreensão é o modo de atingir a realidade, assim
como ela é. (Ribeiro, 1985, p.47).
Isso possibilita que a criança se torne responsável, pelo que sente e por fazer suas escolhas a
partir do modo em que os pais puderam comunicar. E ao desenvolver vai se equilibrando percebendo o
quão importante é ouvir e escutar, para uma comunicação, com os pais e com o mundo o qual se
relaciona. A existência do ser humano se faz ampla, e funciona como o seu organismo vivo, sedento de
equilíbrio e organização. Para tanto a teoria organísmica trata da forma a qual a pessoa se adequa ao
meio, como ela funciona, se equilibra e organiza. Ribeiro diz que a pessoa é una, integrada e consistente.
A organização é nata ao organismo. (p.107)
E esse diálogo vai sendo aprendido aprimorado, ganhando forma, tanto para o indivíduo
na infância como o adulto, ambos ganham em estabelecer empatia, sincronia. Faber (2003) diz que:
"Mudar atitudes é como aprender uma nova linguagem. É conhecer outro caminho, outro jeito para
lidar com as diferentes situações familiares" (p. 15). Por isso a observação que o indivíduo realiza no
campo não o afeta, mas sim como ele vê, ou o resultado do que vê. E é relevante dar ênfase no como os
pais falam, ouve escutam e se comunicam.
7. Conclusão
Percebeu-se que os pais podem não ter habilidades de como se comunicar. Entretanto
constatou que eles podem aprender, se colocando como criança, escutando como os filhos dizem. E
acreditando no potencial criativo de elaborar uma comunicação harmônica intrafamiliar. Angariando
recursos lúdicos, suspender julgamentos, sem achar que sabe todas as respostas, dando credibilidade
163- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
favorece com que a criança, perceba seus sentimentos e fazendo suas próprias escolhas. E certifica-se
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para o como as crianças falam, estando disponíveis para conversar, para ouvir e saber ouvir, não existe
Referências Bibliográficas
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HYCNER, Richard. Relação e cura em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.
PINTO, Ênio. Psicoterapia de curta duração na abordagem gestáltica: elementos para a prática clínica. São Paulo: Summus,
2009.
POLSTER, Erving; POLSTER, Miriam. Gestalt-terapia Integrada. São Paulo: Summus, 1973.
RIBEIRO, Jorge. Gestalt-terapia: Refazendo um caminho. São Paulo: Summus, 1985.
RIBEIRO, Jorge. Gestalt-terapia de curta duração. São Paulo: Summus, 1999.
RIBEIRO, Jorge. Vade-mécum de Gestalt- terapia. Conceitos básicos. São Paulo: Summus, 2006.
RIBEIRO, Jorge. O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica. São
Paulo: Summus, 2007.
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Petrópolis: Vozes, 2009.
ZINKER, Joseph. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.
FABER, Adele; MAZLISH, Elaine. Como falar para seu filho ouvir e como ouvir paras eu filho falar. São Paulo. Editora
Summus, 2003.
GEBRIM, Patricia. Palavra de criança. São Paulo: Editora Pensamento, 1998.
MATOS, Gustavo. Comunicação aberta: desenvolvendo a cultura do diálogo. São Paulo: Editora Manole, 2015.
SARTRE. Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. 3. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
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um jeito certo, mas existem possibilidades de permitir aprender com os próprios filhos.
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O GOZO EM MEIO AO CONCEITO DE RECONHECIMENTO NA PARÁBOLA DA
DOMINAÇÃO E SERVIDÃO NA FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO
Ana Carolina Borges de Lacerda – FE-UFG.
Pedro Adalberto Gomes Neto – FE-UFG.
1. Introdução
Na obra Fenomenologia do espírito é dividida em secções. Começa-se pelo Prefácio (Vorrede),
Introdução (Einleitung), Consciência (Bewußtsein), Consciência-de-si (SelbstBewußtsein), Razão (Die
Vernunft), Espírito (Der Geist), Religião (Die Religion) e finaliza com Saber Absoluto (Das absoluten Wissen),
serão abordados ao decorrer da discussão, principalmente, Introdução, Consciência e Consciência-de-si.
Na secção Consciência, subdivide-se em figuras se apresentando como Certeza Sensível (Die sinnliche
Gewissheit), Percepção (Die Wahrnehmung) e Força e Entendimento (Kraft und Verstand). Ao perpassar
estas figuras, emerge a figuração Consciência-de-si devido o movimento ter chegado na infinitude, em
que os conceitos foram interiorizados e são múltiplos.
Nesta figuração emergente pela experiência, chegando na infinitude, a experiência perpassa
pela “Parábola da Dominação e Servidão”, extraída na obra denominada “Independência e dependência da
consciência-de-si: dominação e escravidão” (Selbstsändigkeit und Unselbstständigkeit des Selbstbewußtsein; Herrschaft und
Knechtschaft). Múltiplas conceituações, discussões e reflexões podem ser travadas a partir da parábola.
Desejo (Begierde), reconhecimento (Anerkennung), morte (Tod), vida (Leben), gozo (Genuß), trabalho
(Arbeit) e formação (Formierung und Bildung), temas emergentes explícitos em meio ao processo, o qual se
visa neste trabalho o gozo.
Pensar em gozo, é pensar no processo em que Senhor (Herr) e Servo (Knecht) travam na luta
de vida ou morte no reconhecimento, mas também é pensar sobre o desejo no processo de
reconhecimento. Como consequência do gozo, trabalho e formação são emergentes. A experiência,
implícita a suprassunção marcada pela negação, irá ser o nosso principal mecanismo para chegar em um
entendimento e possibilitar reflexões.
2. Negação como via da independência perante na emergência do gozo
Na suprassunção (Aufhebenung) é um ponto fundamental e presente no discorrer de Hegel
sobre reconhecimento. É o marco da negação, que se apresenta formas diversificadas, em que se pode
conceber dialeticamente, assim uma dialética da negação (Negativ e Verneinung). Atribuição de valor
consiste em marcar com a imutabilidade, ou melhor dizendo, marcar de forma em que se mantem
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independentemente do movimento realizado na situação. A valoração se mantem independente da
particulariza com o movimento do processo, assim se determinando independente. Negar valorativo ou
Verneinung se apresenta como algo que particulariza com o movimento do processo, por conta de sua
marca da divisão com o mesmo, sua determinação independente. (INWOOD,1993; PONS, 2016)
Em meio à negação, sobressai-se também o negar não valorativo ou Negativ que se
apresenta, a partir desse desenvolvimento lógico, como que se encontra mais dependente do processo,
mas tendo sua determinação dependente do movimento do processo, da história. A partir da
experiência, se determina como o diferente, negar mais sensível as relações que nele perpassa, é negar da
relação, o negar da diferenciação, pois se vê dependente daquele momento experiencial.
Pensar a negação como dialética é pensar a partir dessas duas formas de negar, não sendo
excludentes, mas dialética, necessário verdadeiramente para o processo. Um negar mais estrutural para
manutenção de determinações e um negar mais situacional em que marca a diferença de determinações,
“o suprassumir apresenta sua dupla significação verdadeira que vimos no negativo: é ao mesmo tempo
um negar e um conservar.” (HEGEL, 2011, p. 96). A partir desse desenvolvimento é possível pensar a
suprassunção como um elemento a mais, a junção do estrutural e do situacional, devido ao negar como
diferenciador situacional, mas o conservar no estrutural. Compõe em si a dialética da negação.
A figuração Consciência era sensível em seu saber, apreendendo-se a partir de sua
percepção, até que, por fim, adentrou na força do incondicionado. A consciência percorreu um caminho
opositivo de experienciar-se43 que perpassou as figuras da Certeza Sensível, Percepção, Força e Entendimento,
evidenciando o processo espinhoso da certeza chegar à verdade. Esse processo do saber da consciência
percorreu a imediatidade simples do Isto, a universalidade mediata da coisa e a universalidade
incondicionada da força até alcançar uma inconclusão do saber pela extremidade do mundo afastada da
consciência. Mas o saber não se esgota quando a consciência abstrai-se do condicionado e adentra o
incondicionado. Do saber condicionado à imediatidade simples do Isto e da condicionalidade da coisa
ao incondicionado ou conceito dessa mesma coisa ocorre um salto - ainda não qualitativo -, mas pelo
Importante esclarecer o que significa a categoria experienciar ou experiência pelo viés do saber hegeliano, expresso na
Fenomenologia do espírito. Assevera Hegel (1952, p. 73) que “Diese dialektische Bewegung, welche das Bewußtsein an ihm selbst,
sowohl an seinem Wissen als an seinem Gegenstande ausübt, insofern ihm der neue wahre Gegenstand daraus entspringt, ist
eigentlich dasjenige, was Erfahrung genannt wird”. Na versão de Paulo Menezes (2011, p. 80) se traduz por: "Esse movimento
dialético que a consciência exercita em si mesma, tanto em seu saber como em seu objeto, enquanto dele surge o novo
objeto verdadeiro para a consciência, é justamente o que se chama experiência". A seguir a obra Phänomenologie des Geistes,
versão supracitada, será indica pela sigla PhG, e a sua tradução acima indicada será indicada pela sigla FE.
43
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situação, mas construindo-se também, a partir da ideia de processo, de história, ou seja, valorar se
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menos, enriquecedor quando a consciência traz para dentro de si a exterioridade objetiva dos objetos
reconhecimento da consciência que, agora, o compreende nela infinitos conceitos. Assim, emerge a
Consciência-de-si (Selbstbewußtsein), que tem em si toda a experiência dita até então, todo enriquecimento
que a experiência pode oferecer, apresenta a peculiaridade de que a consciência busca a verdade da
certeza de si mesmo.
3. As dialéticas do reconhecimento em meio a Dominação e a Servidão
Em Hegel (2011), apresenta-se uma configuração da primeira duplicação da autoconsciência
em Senhor e Servo, enquanto um é servido, o outro, serve. Essa visão possibilita facilmente a influência
de aspectos econômicos, por exemplo, visualizar em modo de produção, uma instância mais objetiva,
mais determinada. Mas também não é só desse aspecto, dessa visão que possa nos bastar, afinal, tem-se
um processo a experienciar que perpassa vários elementos que não são esgotantes para qualquer análise.
Aqui se pretende ver o movimento dessa duplicação da consciência, tanto reflexiva em si, quanto
reflexiva para além de si, que não deixam de ser autoconsciência, tanto no interior da mesma, quanto
exterior a ela. Como “(...) o processo passou do em-si ao para-si. Cada força, cada consciência de si sabe
que, agora, o que é exterior lhe é interior, o que é interior lhe é exterior.” (HYPPOLITE,1999, p.179).
O reconhecer é também conhecer, inicialmente, conhecer que tem um delineamento
determinado a saber, mas também indeterminado sendo fruto de experiência, dessa inter-relação de
saberes que não é esgotante, dinamizando para não se perderem em polaridades, em dualidades, uma
sutileza que não pode ser descartada, pois não se pretende tratar somente em divisões, em separações,
mas tratar de modo uno e múltiplo. A consciência a reconhecer é movimento, é desejo por marcar o seu
objeto com caráter negativo, independência do objeto a consciência, "a consciência de si é a unidade
para qual é a infinita unidade das diferenças" (HEGEL, 2011, pg. 137), é certa de si, complemento
específico do que já vinha sendo tratado em outras figuras da obra Fenomenologia do Espírito, onde era
vista a consciência sendo para si mesma o seu próprio conceito, fornecendo sua própria medida e tem
nela mesma sua própria determinidade de saber, uma figura que se apresenta em si.
Essa mesma consciência quando se distingue, relaciona-se com essa parte distinta, a partir
dessa relação advém o saber. Configura-se concomitantemente o processo de experienciar como um
movimento dialético, em que a consciência realiza em si mesma, em diferentes momentos em que se
depara distinta de si, assim, nessa distinção se depara com o seu saber e se apresenta seu objeto. Ao
exercer a consciência esse movimento é em si um modo de conhecer seu próprio saber, sua própria
167- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
mundanos. Esse enriquecimento assume seu cume na figura da Infinitude, etapa inicial para o
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relação, seu objeto. Assim, é uma relação entre saberes, estabelecendo trocas, misturas, condensações,
e múltipla. Ao perpassar por essa inter-relação, um ganho se faz nesse movimento, o ganho em que a
consciência toma-se agora na emergência de um novo objeto tido como verdadeiro, um fruto gerado
pela experiência. É na fluidez da fixidez que torna possível visualizar esse processo, interno e externo,
sujeito a autoconsciência, que experienciou de diferentes maneiras, que parte-se da infinitude para
experienciar mais uma vez, mover-se a conhecer.
A autoconsciência só é como algo reconhecido (Anerkanntes), sendo para si e em si para
uma outra autoconsciência, mas “(...) podemos dizer que essa consciência é em-si e para-si
absolutamente independente e livre, e que possui a verdade da certeza de si (...)” (SANTOS, 1993, p.80),
assim emergindo a autoconsciência marcada pela independência de sua existência, indiferente por não
estar em relação, quando não é posta no movimento de saber, ficando na certeza de si, mas sendo
desejo devido sua independência. Certa de si, quando o movimento do saber se configura na
autoconsciência, há uma distinção entre o conhecer e o que é se quer conhecer, nesse caso, a
autoconsciência se põe a conhecer autoconsciência, sendo ela seu objeto. Distingue-se em
particularidades de autoconsciência que aparentemente são semelhantes em suas independências,
possuindo duplo sentido do diferente (Doppelsinnigkeit des Unterschiedenen) caracterizando diferentemente
como infinitas e opositivas as determinações postas, reafirmando seu conceito de autoconsciência.
Com essas infinidades e se determinando como opositiva ao que é posto, cada
particularidade de autoconsciência diferencia-se e relaciona-se, realizando em um movimento tanto de
semelhança, quanto de distinção de dentro de si e para além si. Nessa duplicação de sentidos, a
autoconsciência move-se na perda em e de si mesma, onde o movimento é produzido ao se deparar
com outra essência, sendo importante ressaltar que não necessariamente sendo uma essência exterior a
si, pondo-se em contato com o que lhe é diferente, o Outro em que se compõe a alteridade, mas este
Outro é visto como a própria autoconsciência, assim confirma a infinidade da autoconsciência e a
opositividade na suprassunção desse Outro (HEGEL, 2011).
O reconhecer também é perpassado além do duplo sentido, pelo sentido duplo (die gedoppelte
Bedeutung), instalando um jogo de forças na autoconsciência, nessa exterioração da interioridade,
consistindo no movimento de ora se tem a indepedência da outra essência a autoconsciência, ora a
autoconsciência, ao negar e conservar uma outra essência, percebe que tem essência, ou seja,
suprassume para afirmar como certeza de si mesma como essência. Ao se por nesse movimento de
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onde a dialética se faz presente nesse campo, o campo dos saberes. A aglutinação existente torna-se Una
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diferença e independência, marca do negativo, chega-se à própria suprassunção da autoconsciência. Ao
colocando-se no lugar de Outro, um diferente si sendo possível de ser suprassumido pela sua
independência, mas capaz de ter essência em si.
No estabelecimento dessas forças na luta de se reconhecer, o duplo sentido torna possível a
autoconsciência se desprende de si, de sua posição e vai ao Outro, se vê na posição do Outro, marcando
a inserção da negatividade em cada reflexão de si e para si que a autoconsciência realiza. O sentido
duplo dá se um passo adiante, de afirmação do negar, mas conservar o que se negou, tanto a si, quanto a
outra essência, diferente e independente de si. No passo de suprassunção de uma outra consciência em
que a autoconsciência tomou essa posição, e depois se suprassume, o movimento que é feito de retornar
a si mesma, devido a esse movimento de suprassunção de seu-ser-Outro44 e restitui a outra
autoconsciência, independente da primeira, após negar e conservar o seu ser no Outro. Assim, tem-se
“duas” consciências: autoconsciência e seu-ser-Outro.
O movimento que autoconsciência realiza em relação à outra se mostra como
“representação” do agir de uma delas, ambas sendo independentes e fechadas, mas ambas refletindo em
si (an sich) e para si (für sich), assim correspondendo o objeto dessa determinada consciência ao seu
conceito, mas também estabelece uma relação e ação para com os envolvidos, ambos se interagem,
assim “o agir unilateral seria inútil” (HEGEL, 2011, p.144).
Esse agir tem duplo sentido, sendo sobre si e sobre Outro, colaborando para um aspecto
representativo, pautado em elementos da experiência, podendo contemplar à si e ao Outro; mas
também tanto de um quanto de Outro, trazendo no plano de interação de ambos que participam dessa
relação, integralizando tanto autoconsciência quanto seu objeto, uma Outra, correspondendo o objeto
ao seu conceito, a partir da experiência de ambas consigo mesma e com a Outra.
Há uma complementação: os extremos sendo determinidades opositivas e tendo o meio
termo a configuração de autoconsciência. Evidenciando a experiência do processo de um jogo de
forças, mas força como opositivo da consciência, cada hora um lado, mas não sendo apenas seu oposto
a todo momento, mas também sendo opositivo: a autoconsciência ser em si e para si quando é em si e
para si para uma Outra. Um agir duplo, dialético e recíproco. A autoconsciência se reconhece e nisso, a
duplicação de si reconhecem-se.
44
“es hebt dies sein im Andern auf (...)”(PhG ,1952, p.73)
169- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
realizar essa suprassunção, a autoconsciência nega sua essência e a conserva, instalando-se a alteridade,
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Ao discorrer sobre esse enriquecimento que a consciência realiza, a configuração que se
obra de Hegel, que emerge novos temáticas, novas inquietações para se visualizar o que perpassa o
reconhecimento. O reconhecimento se mostrou até então como meio termo dos extremos, as
autoconsciências se reconhecem como reconhecendo-se reciprocamente, “o reconhecimento é uma luta
pela estabilidade, pela permanência em meio à fluidez.” (SANTOS, 1993, p.90).
Porém, para alcançar esse reconhecimento puro, que se faz tanto internamente, quanto
externamente, a configuração para que se tem é no relacional que a consciência faz em duplo
sentido e em sentido duplo com algo que é lhe independente. Assim estabelece uma relação,
que pegando em sua estrutura, estabelecem em dois extremos da consciência: um que é só
reconhecido e o outro que só reconhece. Descreve-se a configuração. As características que
foram aderidas a consciência a partir do enriquecimento do caminhar de cada figura da obra.
Abre-se para a manifestação do reconhecimento fenomenológico, a autoconsciência é serpara-si simples, no qual não cabe um outro, excluindo-se de si esse outro. Reafirma-se que seu objeto e
o que se pretende conhecer é seu Eu, o qual já se fora anunciado especificamente no parágrafo 176, mas
ao longo da obra se pode vislumbrar este movimento que a consciência no geral vai em busca da
correspondência do conceito para com o objeto, ou no movimento do saber que ela perpassa (HEGEL,
2011).
Mesmo que a autoconsciência negue o outro, ele também se apresenta em ser uma
autoconsciência. Assim se emerge autoconsciências, de modo marcante e determinante, emergindo
também o Individuum, jogo dentre forças em que há “confronto” dentre os Individuum que se encontra
em meio ao ser da vida. Ressalta-se a duplicação da consciência, em que são certas de si e
determinadamente opostas, emergindo o saber, presente a interdependência, buscando enfaticamente o
reconhecimento.
O quadro relacional começa a se configurar com a apresentação do que vem reconhecer. O
reconhecimento é posto à prova. A autoconsciência é posta a ser um puro ser-para-si, mas em sua
apresentação imediata, o agir é duplicado, no qual se tem o agir do Outro e o agir por meio de si
mesmo. O agir do Outro tende à morte do Outro, para negação (Negativ) desse Outro e manutenção do
estado de ser-para-si. O negar sendo como diferenciador da determinadamente posta, tendo uma
interdependência, uma relação do agir entre consciência e Outro.
Mas também não cabe só o agir do Outro. O agir por meio de si mesmo recai no arriscar a
própria vida perante o agir do Outro. Nessa relação dentre agir, Outro e si mesmo, há a prova das
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estabelece é um novo chamado ao saber que se delonga nos doze parágrafos seguintes dessa figura na
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autoconsciências, travando luta de vida ou morte. A partir da luta de vida ou morte, a experiência de que
autoconsciência posta à prova no reconhecer toma conhecimento que sua essência não é o ser, nem sua
imediatez e também não é em seu submergir na expansão da vida. É vida, é morte, é esvanescente, é
somente puro ser-para-si (HEGEL, 2011).
Arriscar da vida se implica no reconhecer do Individuum como autoconsciência
“independente”, mas caso não arrisque, há reconhecimento como pessoa, não alcançando a verdade do
processo do reconhecer, não arriscando sua vida, tendendo à morte do outro, o qual não vale mais que a
si próprio. Mas também “ao pôr a vida em risco, a consciência faz a experiência de que a vida lhe é tão
essencial quanto à pura consciência de si; por isso, os dois momentos, de início e imediatamente unidos,
se separam.” (HYPPOLITE,1999, p.185)
A autoconsciência tem sua essência apresentada em si como pura abstração e pura negação,
desprendendo de determinações, de sua maneira objetiva. Sua essência é como um Outro, fora dela,
assim tendo que negá-lo e conservá-lo seu ser-fora-de-si, similar ao sentido duplo e ao duplo sentido,
mas o Outro é uma consciência essente, tanto por a autoconsciência ver sua essência apresentada no
Outro, quanto esse Outro ter sua própria essência que está nessa inter-relação de vida ou morte. Assim,
“a consciência-de-si deve intuir seu ser-Outro como puro ser para-si, ou como negação absoluta”
(HEGEL, 2011, p.146).
Da morte à vida, da vida à morte, uma relação de posições naturais da consciência. A morte
se estabelece o movimento de suprassumir à verdade e também a certeza que se tem em si mesmo, mas
também é afirmativa da negação sem independência, por conseguinte, sem significação. Afirmativa da
vida vem perante a independência, porém sem a absoluta negatividade. Assim, vida e morte estão
importantes para a luta do reconhecimento, pela relação mais intrínseca entre um movimento e outro.
4. Reconhecer-se no gozo?
Na luta do reconhecer, é pela morte que ambas as autoconsciências postam neste processo
de saber e experiencial veio-a-ser a afirmação certa do arriscar da vida e desprezo de cada um em si e no
Outro, não ficando evidente para os que estão em luta. Insere-se o movimento evanescente na
suprassunção de si mesmo que vem-a-repercutir a suprassunção, caracterizando como os extremos que
querem (wollenden) ser para si. As presenças da vida e da morte realizam um desvanecer dos extremos
indiferentemente livres, de determinidades postas e tão certas de si mesmo, desvanece a oposição.
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cada consciência realiza, enriquece-a, elevando-se sua certeza a verdade. Nesse experienciar, a
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Ressalta-se a operação realizada de ser uma negação abstrata pela morte da consciência, mas pela vida e
para vir-a-ser-suprassumido (HEGEL, 2011).
Nesta fluidez em meio à estaticidade, autoconsciência imediatamente tem o Eu simples
como objeto absoluto, mas também é mediação absoluta. Media-se a si mesmo e ao Outro, é o meio
termo fixo na luta da vida ou morte, encontrando-se no momento essencial da independência que
subsiste. É o momento tão “natural” e até mesmo libertador de firma a independência, devido ao
esvanecer tão puro dos pressupostos da autoconsciência, que envolvia o em e para si, para com uma
consciência, que é também coisidade, é essente, é também uma autoconsciência.
Segundo Hegel (2011), o encontrar de e em ambas se mostra cada vez mais em duas figuras
da consciência, representantes da desigualdade, marcando-se na independência, em que o ser-para-si
(Für-sich-sein) é a essência, e na dependência, em que posta a vida como a essência ou no movimento de
ser (Sein) para um Outro. Assim, configura-se o momento sublime entre as figuras da consciência,
também denominadas como senhor e a outra o servo.
O senhor é essência, assim como o Eu simples, apresentando-se como uma consciência
para si (für sich) essente que mediatiza consigo mesmo por via de outra consciência, mas que sua essência
é sintetizada como um ser independente. Isso implica na síntese da essência na vida, assim a capacidade
de determinar a existência da essência.
Na qualidade de ser essente, o senhor estabelece relações com a coisa (Ding), com objeto de
desejo e com a consciência que tem na coisidade o essencial. Reafirmando-se o senhor como conceito
da autoconsciência, estabelecendo relação imediata com ser-para-si (Für-sich-Sein) e mediador. Enquanto
é ser-para-si (für-sich-sein) que é só mediante uma consciência, relacionando de maneira imediata e
mediata com os dois momentos, tanto para a coisa, quanto para consciência (HEGEL, 2011).
Com estas relações postas, põe-se a prova delas, em que na imediatez, o senhor media-se
com o servo pela via de ser independente. Assim o servo tem sua suposta independência na coisidade,
retendo-se, que na verdade, mostrando a sua dependência. O senhor é a potência (die Macht) sobre esse
ser, um servir com caráter negativo. Na configuração das figuras que estabelecem, o silogismo
estabelece em meio à lógica da dominação.
Segundo Hegel (2011), enquanto agora o senhor media por via do servo com a coisa, o
servo presente também é autoconsciência, relacionando negativamente com a coisa, na qualidade
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novamente morte e vida, a consciência fica no movimento de vida-ser ou morte-ser, movem-se em e
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independente, suprassumindo-a. Assim, o servo não é permitido a aniquilar a coisa, por não poder
se imediatamente no vem-a-ser como pura negação da coisa, assim permitido aniquilar a coisa.
O gozo (Genuß) marca esta relação mediata. O senhor sendo capaz da aniquilação,
aquietando-se no ato do gozar, mas não sendo viável o desejo, perante a independência da coisa. Mas
com a introdução do escravo como mediador a coisa, agora com dependência da coisa, permite-se o
gozo. Já para o escravo, a coisa lhe é independente, restando trabalhar (bearbeiten). Uma autoconsciência
como indesejante, mas que goza, enquanto uma autoconsciência como trabalhadora, ambas em relação
com a coisa, ora dependente, ora independente.
O gozo se relaciona e se assemelha aparentemente com o desejo, quando se parte da
imediatez do ato. A intensidade do gozo aquieta o senhor, paralisando-o em movimentar, pressupondo
que o mesmo vem-a-ser o Ser-reconhecido (Anerkanntsein) nestas relações de dependência e
independência. A inserção do desejo não advém com o gozo, que não é possível apenas no movimento
do aniquilamento pela independência. O agir da autoconsciência é unilateral e ainda se encontra na
desigualdade, enganando-se em pressupor que se é Ser-reconhecido, não tendo ser-para-si (Für-sich-sein)
como verdade, mas sua verdade se encontra na inessencialidade da consciência e de seu agir. Sem a
inserção do desejo na autoconsciência como independente, a possibilidade de trabalhar, formar e
continuar no processo de reconhecer é estagnado em gozar.
5. Conclusão
O processo em que se anunciou ao decorrer da experiência que a consciência realizou e
também em quem entrou em contato com conteúdo, promoveu-se um campo de esclarecimento acerca
de atribuições à linha de pensamento hegeliana, mas aprofundou em questões próprias deste saber. O
gozo é perpassado pelo processo que a consciência realiza. A experiência é intrínseca ao saber,
permeando a negação no movimentar.
É importante visualizar a riqueza da Parábola da Dominação e da Servidão, a riqueza de
conteúdos emergentes, de forma figurada ou não, mas que possibilita pensar variados temas inseridos
em vários focos de saber, como na Filosofia, de forma mais pura, na Psicologia, pensar processos
psicológicos, e até mesmo na Educação. Trabalha-se a riqueza do dizer sobre ser, ou melhor dizendo,
do ser-sendo neste espaço formativo. A contribuição mais objetiva é o ato de refletir.
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aniquilar, tem que refrear esse movimento, assim trabalhando. O senhor imerso na mediação, relaciona-
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6. Bibliografia
BAVARESCO, A. A fenomenologia da opinião pública: a teoria hegeliana. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
HEGEL, G.W.F. Phänomenologie des Geistes. Hamburg: Felix Meiner, 1952.
____________. Fenomenologia do espírito. Tradução de Paulo Menezes. 7ª ed. rev. Petrópolis: Vozes: Bragança Paulista:
USP, 2011.
HYPPOLITE, J. Gênese e estrutura da Fenomenologia do espírito de Hegel. São Paulo, Discurso Editorial, 2003.
INWOOD, M. Dicionário de Filósofos: Dicionário de Hegel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
KOJÈVE, A. Introdução à Leitura de Hegel. Trad.: Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto/EDUERJ,
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2016.
SANTOS, J. H. Trabalho e Riqueza na Fenomenologia do Espírito de Hegel. São Paulo: Editora Loyola, 1993.
174- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
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RELAÇÕES SOCIAIS E SUAS INFLUÊNCIAS NA FORMAÇAO DE ESTUDANTES DE
UMA ESCOLA MUNICIPAL DE GOIÂNIA: UM ESTUDO DE CASO
Daniel Silva Monteiro – FE-UFG
Nathália Cardoso de Souza – FE-UFG
Prof. Ma. Pollyana de Paula Nascimento – FE-UFG
Introdução
O presente trabalho é parte do relatório final da disciplina de Estágio Curricular
Obrigatório I presente no curso de licenciatura em Educação Física da Faculdade de Educação Física e
Dança da Universidade Federal de Goiás (FEFD/UFG).
O Estágio Curricular Obrigatório, curso de Educação Física tem como princípios:
O desenvolvimento pleno do educando, a formação cultural e ética para o exercício da
cidadania, a inserção crítica na profissão e a qualificação para o trabalho;
O desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional que possibilite criticar, inovar, bem
como lidar com a diversidade;
A unidade teoria/prática, tanto na produção do conhecimento quanto na organização do saber,
entendendo o trabalho como princípio educativo fundamental na escola;
O trabalho coletivo pautado na formação de competências político-social, ético-moral e
técnico-profissional como referência nuclear da formação docente;
A pesquisa como dimensão da formação docente, meio de produção de conhecimento e
intervenção na prática pedagógica e social;
O compromisso social e político do profissional da educação junto aos demais educadores e
movimentos sociais; formação inicial articulada com a formação continuada. (FEF,2006)
Diante de tais princípios, os professores em formação buscam, durante as observações de
campo, além de ter o primeiro contato com o campo de trabalho, observar especialmente o
compromisso social com a formação de qualidade dos estudantes das escolas públicas e privadas, uma
vez que se trata de um curso de licenciatura.
Ainda de acordo com a resolução 002/2006, a disciplina de Estágio Curricular tem dentre
as diversas finalidades:
Investigar as problemáticas significativas da organização geral da escola e da educação física,
visando apreender e intervir na realidade da escola-campo por meio da compreensão, descrição
e análise crítica do cotidiano escolar e da elaboração do projeto de ensino e pesquisa (FEF,
2006).
175- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 4- Filosofia, Psicologia e Educação
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Portanto, seguindo as orientações legais da unidade acadêmica, os autores observaram o
na organização desta instituição. As observações foram feitas no período matutino às quartas-feiras, no
primeiro semestre letivo do ano de 2016.
Com base no cenário observado ao longo desse período, foi proposto a seguinte
problemática: em que medida as relações pessoais entre a comunidade escolar desta instituição
influenciam nas formações dos alunos?
Tal questionamento se deu através da proximidade das relações sociais entre toda a
comunidade escolar (estudantes, docentes, gestão e outros) e ao observar tal proximidade, foi possível
indagar se esta influência direta ou indiretamente na formação científica dos alunos.
Para análise dessa realidade, nos embasamos, especialmente em Saviani (2013), Libâneo
(2012) e Polonia e Dessen (2005) e ainda, criamos algumas categorias de análise, sendo elas: Educação e
Sujeito, com o intuito de melhor observar a concretude da problemática em questão.
Desenvolvimento
As observações foram realizadas por dois estudantes do curso de licenciatura em Educação
Física, da FEFD/UFG, juntamente com a professora supervisora da disciplina e se fizeram presente
durante semestre letivo da disciplina de Estágio Curricular Obrigatório I, durantes as quartas-feiras, no
período matutino. Foi utilizado como instrumentos de coletas de dados, observações, diário de campo,
entrevistas e questionário. Foram realizadas entrevistas com professora de Educação Física e uma
servidora (uma espécie de auxiliar de limpeza e de outras atividades que possivelmente surgem, ao longo
do dia letivo) e um questionário com questões abertas para diretora da escola, quem não quis ser
submetida a entrevista.
Entende-se aqui, que entrevista é uma estratégia que visa a construção de dados pertinentes
a pesquisa a partir da comunicação verbal entre entrevistador e entrevistando. A entrevista de sondagem
de opinião é elaborada pelo pesquisador e busca respostas dadas por um indivíduo (MINAYO, 2008).
Sendo este importante instrumento de coleta de dados, negado pela diretora, tem-se aí uma dificuldade
maior em analisarmos a realidade dessas relações sociais, a partir do ponto de vista da gestão desta
instituição.
45
O nome da escola foi mantido em sigilo.
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cotidiano de uma Escola Municipal de Goiânia45, com o intuito de analisar uma problemática presente
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Refletindo então, sobre as categorias de análises, compreende-se aqui, educação em seu
que já foi produzido historicamente. De acordo com essa perspectiva, então “o homem não nasce
homem. Ele forma-se homem” (SAVIANI, 2013, p. 250). Esse sujeito, singular e complexo, possui
aspectos que o constituem. Tais aspectos não se relacionam de forma desconexa, mas são elementos da
estrutura humana necessários para a compreensão de sua totalidade. As seguintes facetas se relacionam
dialeticamente umas com as outras e não como partes que em conjunto representam um todo.
O sujeito é formado pelos aspectos empírico, pessoal (ou voluntário) e intelectual. O
aspecto empírico possui quatro a priori e é assim denominado devido a validação das ciências
sistematizadas pelo ser humano. De modo resumido, o a priori físico está relacionado com a estrutura do
corpo humano. O biológico ao aspecto organizacional deste corpo. O psicológico dos elementos
sentidos por esse corpo. O cultural está relacionado a natureza modificada em que se insere esse corpo.
Diante do exposto, foram observados como a cultura escolar, dessa escola em questão, se desenvolve a
partir das relações sociais de bastante proximidade entre os estudantes e demais membros dessa
comunidade escolar. Os sujeitos aí, não nos parecem ter uma relação profissional, uma vez que estas
relações se aproximam mais das relações familiares.
Entendemos também que o sujeito possui sentidos que os reconhece como um
indivíduo singular, capaz de se relacionar com o mundo em que está inserido de forma ativa. Sendo
assim, esse sujeito é livre, autônomo e pode “tomar decisões, capaz de querer, de escolher, de fazer
opções e engajar-se por elas” (SAVIANI, 2013, p. 262), características que o autor define como o
aspecto pessoal ou voluntário do ser humano. No contexto da escola observada, o aspecto pessoal nos
parece se sobressair aos aspectos profissionais e ainda sobre a construção do conhecimento científico
atribuído pelos docentes aos estudantes.
A partir de tais conceitos, observamos então quem são os sujeitos da escola, bem como
qual tipo de educação ali está presente, já que, existe claramente, na sociedade ao qual estamos inseridos,
um dualismo entre a escola voltada para ricos e a escola voltada para os podres. Esse tipo de escola
voltada aos pobres, no Brasil, tem se caracterizado por aspectos assistencialistas e de acolhimento,
ocorrendo uma inversão da lógica funcional da escola, ou seja, esta instituição deixa de oferecer o
conhecimento e a aprendizagem e objetiva o oferecimento do que o autor chama de “aprendizagens
mínimas para a sobrevivência” (LIBÂNEO, 2012, p. 23). A partir das observações na Escola Municipal,
foi possível entender que esta possui características similares as quais Libâneo (2012) apresenta, uma vez
177- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
sentido amplo, como um ato de construção, histórico e coletivo, no qual o sujeito (re)significa aquilo
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que esta oferece aprendizagens mínimas e pouco crítico aos estudantes, que são em grande maioria,
Outra questão que parece ter bastante influência nas relações sociais presentes na escola, é a
própria estrutura física. A escola, de acordo com seu Projeto Político Pedagógico, está situada em uma
área em que funcionava como uma fazenda de 8.594 m². Essa área foi dividida em duas partes, sendo
elas, a área verde e o prédio da escola. É possível notar que, mesmo a área total da escola sendo grande
e significativa, o prédio correspondente as salas de aula, direção/coordenação/secretaria, cantina, pátio,
banheiros, sala dos professores, almoxarifado e sala de informática equivale a uma pequena parte do
valor do terreno citado anteriormente.
Durante o período de observação, apenas três turmas do Ciclo II estavam matriculadas,
totalizando cerca de 75 alunos. Fizemos a suposição de que a pequena quantidade de alunos pode
influenciar nas relações sociais, mais íntimas do que educacionais entre os sujeitos da escola.
Sobre essa proximidade, mais íntima do que educacional, ainda que se trate de um ambiente
pedagógico de ensino, Polonia e Dessen (2005) nos auxiliaram na compreensão da influência das
relações entre família e escola no que se refere ao desenvolvimento humano e a aprendizagem, em um
âmbito voltado à psicologia. Tais argumentos nos ajudam a relacionar a possível aproximação nas
relações entre servidores e alunos, pois “os benefícios de uma boa integração entre a família e a escola
relacionam-se as possíveis transformações evolutivas nos níveis cognitivos, afetivos, sociais e de
personalidade dos alunos” (POLONIA; DESSEN, 2005, p. 305). Sobre as duas instituições, as autoras
retratam que um aspecto relevante se trata da diversidade entre os dois ambientes; mesmo com tal
característica é possível e importante captar suas equivalências. A partir das observações feitas, podemos
perceber que o papel da escola é parecido com o papel familiar. As professoras que trabalham na escola
no período analisado adotavam papéis familiares, desde o jeito de se relacionar com os alunos até em
momentos de cuidados com as crianças.
Durante as entrevistas com a professora de Educação Física e a auxiliar da escola, percebeuse ainda mais a escola como um espaço familiar. Esses dois sujeitos relataram que essa aproximação
auxilia no processo de aprendizagem do aluno e deve-se possivelmente pelo tamanho da escola, em
relação ao espaço do prédio, número de turmas e alunos matriculados.
No entanto, durante as
observações, tais afirmações são questionáveis uma vez que a indisciplina e até a falta de respeito com
os alunos em relação a esses dois sujeitos é bastante visível. Nos parece que os estudantes, enquanto
sujeitos em formação, não as identificam de fato enquanto profissionais e confundem com a imagem de
178- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
filhos de trabalhadores moradores da região.
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uma “tia”. O medo do castigo em não poder usar a quadra, por exemplo, é maior do que o respeito e o
Conclusão
De acordo com as observações, questionários e entrevistas, pode-se considerar que as
relações sociais dessa comunidade escolar são mais próximas de relações familiares do que educacionais,
devido a diversos fatores, uma vez que o espaço do prédio é pequeno e existem poucas salas de aula, o
que resulta na pequena quantidade de alunos matriculados no período matutino.
Diante do exposto, percebemos que a escola deve se atentar às relações entre sua
comunidade para que a instituição não se distancie de sua finalidade exposta no projeto pedagógico e
para que a formação científica dos alunos lá matriculados não seja limitada pela predominância da
formação cultural.
Dentre as várias alternativas, sugerimos e ressaltamos a importância da formação
continuada dos professores, pautada em teorias críticas, uma vez que a ação pedagógica do professor
deve ser efetiva e intencional, compreendendo então sua prática social, mediando e planejando o
processo aprendizagem dos estudantes.
Conclui-se também que há a necessidade de mais pesquisas direcionadas a essa temática em
outras instituições de ensino, sejam de cunho municipal, estadual, federal ou privado com o intuito de
compreender outras realidades sobre relações sociais e a formação de alunos na educação básica.
Referências Bibliográficas:
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA. Resolução n. 002, de 17 de Outubro de 2006. Disponível em:
http://fefd.ufg.br/up/73/o/_Resolu__o_EST_GIO.pdf. Acesso em: 21 de Julho de 2016, às 23h03min.
LIBÂNEO, José Carlos. O dualismo perverso das escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do
acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. MINAYO (Org.) 27ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2008.
POLONIA, Ana da Costa; DESSEN, Maria Auxiliadora. Em busca de uma compreensão das relações entre família e
escola. Psicologia escolar e educacional, v. 9, n. 2, p. 303-312, 2005.
SAVIANI, Dermeval. In: MARSIGLIA, Ana Carolina (Org.). Infância e Pedagogia histórico-crítica. São Paulo: Autores
Associados, 2013. p. 247-280.
179- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
entendimento que ali se trata de um ambiente pedagógico de ensino e não uma extensão de seus lares.
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Caderno de Texto - I Simpósio de Filosofia, Educação e Psicologia
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O CONCEITO DE CONHECIMENTO ENTENDIDO COMO PROPRIEDADE EM
JOHN LOCKE E IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Denise Elza Nogueira Sobrinha - PPGE/FE/UFG/ IFG
Ruth Catarina Cerqueira Ribeiro de Souza - PPGE/FE/UFG
Introdução
Neste trabalho, apresenta-se um estudo inicial, sobre o conceito de conhecimento,
entendido como propriedade com base em John Locke e implicações para a formação de professores. A
escolha dessa temática deve-se ao fato de haver uma manifestação no sistema capitalista em que tudo é
passível de apropriação, de ser transformado em coisa, em outras palavras, de ser transformado em
mercadoria. Assim, nessa lógica o próprio conhecimento como elemento fundamental de mediação na
formação humana também se tem reduzido a coisa, a uma mercadoria barata e instrumentalizada
destituído de seu real significado que é elevar intelectualmente o ser humano e possibilitar sua
emancipação como sujeito crítico. E a formação de professores, também nesse contexto, em grande
parte, tem-se reduzido a um mero processo de adaptação ao sistema capitalista, quando deveria se
configurar como um processo de humanização e de desenvolvimento de capacidades intelectuais,
estéticas, culturais, sociais e políticas nos sujeitos sociais, futuros professores.
Guimarães (2012, p. 04) enfatiza que em um tempo em que a formação está cada vez mais
fragmentada e aligeirada há a dificuldade de se trabalhar com a radicalização dos conceitos.
Corroborando com o autor, a ideia de se trabalhar o conceito de conhecimento entendido como
propriedade e como materialização das ideias com base em John Locke e implicações para a formação
de professores faz-se necessário por possibilitar um aprofundamento inicial em relação a referenciais
epistemológicos que dão fundamentos à educação liberal no contexto da sociedade capitalista e tem
servido para orientar a formação de grande parte dos professores na atualidade.
1. O conceito de conhecimento entendido como propriedade em John Locke
Na obra “Segundo tratado sobre o governo”, Locke, um legítimo representante liberal,
discorre acerca da origem do poder político começando pelo estado de natureza, apresenta as
inconveniências desse estado e do estado de guerra e propõe um remédio necessário para superar o
estado de natureza: a instituição do governo civil. Por estado de natureza entende-se o período em que
os homens viviam em estado de igualdade e liberdade.
180- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 4 – FILOSOFIA, PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO (FPE)
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O estado de natureza tem uma lei de natureza para governá-lo, que a todos obriga; e a razão,
que é essa lei, ensina a todos os homens que tão-só a consultem, sendo iguais e independentes,
que nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas posses.
(LOCKE, 1983, p. 36)
Entretanto, para Locke (1983, p. 82), faltam no estado de natureza vários elementos para a
conservação das posses: “[...] falta uma lei estabelecida, firmada, conhecida, recebida e aceita mediante
consentimento comum, como padrão do justo e do injusto” (ibidem), “[...] falta um juiz conhecido e
indiferente com autoridade para resolver quaisquer dissensões” (ibidem), e falta um poder que apoie e
sustente a sentença considerando-a justa e dando-lhe execução.
Ainda de acordo com Locke os homens unem-se em sociedade com outros homens para
“[...] mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de propriedade” (LOCKE, 1983,
p. 82). O objetivo principal “[...] da união dos homens em comunidade, colocando-se eles sob governo,
é a preservação da propriedade” (ibidem). Para Locke (1983), os homens são incumbidos a se
associarem na sociedade para sua própria preservação como indivíduos e para a conservação da
propriedade, pois no estado de natureza estão sujeitos a um exercício incerto e irregular do poder
político, em que alguns indivíduos podem submeter outros a castigos e a escravidão, por exemplo, que
são característicos do estado de guerra, que para Locke é marcado pela “[...] inimizade e destruição”
(LOCKE, 1983, p. 40). Portanto, o essencial da associação dos homens em sociedade é a conservação
da propriedade.
Dessa forma, para a conservação da vida, da liberdade e dos bens ao que Locke denomina
como propriedade, a forma mais adequada de exercício do poder político, evitando as inconveniências
do estado de natureza e do estado de guerra, e também como um confronto ao poder monárquico, é a
instituição do governo civil.
No curso da história as ideias desenvolvidas por Locke na obra “Segundo tratado sobre o
governo”, foram apropriadas pela burguesia e constituíram-se em um elemento importante para
sustentar a forma como conhecemos e desenvolvemos o exercício do poder político sob a forma do
governo civil nos dias atuais. Outra contribuição importante refere-se ao conceito de propriedade que
também foi apropriado pela classe burguesa. Sendo assim, o conhecimento na perspectiva de Locke
também se constitui uma propriedade, um bem adquirido.
181- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Conforme Locke,
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Para compreender o conceito de conhecimento entendido como propriedade em John
Para Locke,
Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem
tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele
mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra das suas mãos, pode dizer-se, são propriamente dele.
(LOCKE, 1983, p. 45)
Conforme Locke (1983, p. 51) o homem tem uma propriedade em sua própria pessoa e o
trabalho que executa pertence a ele. Na concepção deste pensador os homens nascem iguais, o que irá
diferenciá-los é a capacidade industriosa empregada no trabalho, em outras palavras o esforço
empregado. Por meio do trabalho o homem poderá produzir valor. De acordo com Locke é o trabalho
que dá direito a propriedade. Não basta colocar a cerca, é preciso trabalhar no que foi cercado, tirar
proveito para si e para os outros, usufruir sem desperdiçar e sem interromper os direitos dos outros.
Portanto, para Locke a ideia de propriedade está atrelada a ideia de igualdade e liberdade, e
mais ainda, à capacidade de trabalho. O homem industrioso para Locke é aquele que é capaz de atender
as suas próprias necessidades, sendo útil para si e também consiga ser útil para os outros, em síntese, o
que se procura é tirar o melhor proveito das coisas existentes, o melhor proveito para o próprio
indivíduo e para outros indivíduos.
Também é importante destacar que Locke entende as ideias como uma propriedade, pois
para ele as ideias não são inatas, elas são adquiridas por meio da experiência, portanto, tornam-se uma
propriedade, um bem adquirido pelo esforço do indivíduo. Para isso, há dois caminhos possíveis: a
construção das ideias por meio das sensações externas adquiridas por meio da experiência
(SENTIDOS) e a construção das ideias por meio das operações internas da mente também adquiridas
por meio da experiência (REFLEXÃO). De acordo com Locke,
Todas as idéias derivam da sensação ou reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como
dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer idéias; como
ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia
do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais
da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo nosso
conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento.
Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como nas operações internas de nossas
mentes, que são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos
entendimento com todos os materiais do pensamento. Dessas duas fontes de conhecimento
jorram todas as nossas idéias, ou as que possivelmente teremos. (LOCKE, 1983, p. 159)
182- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Locke faz-se necessário primeiramente apresentar a ideia de propriedade baseada neste pensador.
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Para Locke a mente é um papel em branco, daí a origem da concepção do ser humano
por meio da experiência. As ideias que surgem da estimulação sensorial ocasionada por objetos e
condições físicas são classificadas como ideias simples e as ideias que exigem uma função mental ou
cognitiva são classificadas como ideias complexas.
Conforme Teruya et all comentando sobre Locke,
Para ele, todos os elementos da mente derivam-se da experiência, a qual ele considerou dois
tipos distintos: a experiência derivada da sensação e a da reflexão. As idéias que surgem da
sensação, da estimulação sensorial direta ocasionada por objetos físicos no ambiente, são
impressões sensoriais simples. Enquanto a função mental ou cognitiva de reflexão age como
fonte de idéias simples e complexas, portanto, é dependente da experiência sensorial, uma vez
que as idéias provenientes da reflexão mental são fundamentadas nas idéias já experimentadas
pelos sentidos. Para tanto, a sensação é imprescindível para que haja a reflexão, pois, é
necessário haver primeiro um acúmulo de impressões sensoriais para que a mente se torne
capaz de refletir. E é somente no momento da reflexão que a pessoa consegue recordar as
impressões sensoriais anteriores e as combinar de diversas maneiras para então formular as
abstrações e as idéias de nível superior, ou seja, torná-las complexas. Todas as idéias emergem
destas das fontes sensitivas e reflexivas, no entanto, essa última permanece como a impressão
dos sentidos ou da experiência. (TERUYA et all, 2010, p. 12-13)
Para Locke quanto mais experiências o indivíduo tiver mais ideias ele terá, formando assim
um “estoque de ideias” (LOCKE, 1983, p. 160). Esse estoque será formado da associação entre os
processos provocados pelos sentidos, classificados como ideias simples, e pela reflexão, classificados
como ideias complexas, e ambas de forma associadas levaram ao entendimento humano. Como foi
exposto, para Locke as ideias/conhecimento, como expressão do entendimento humano, são uma
propriedade adquirida pelo esforço do indivíduo por meio da experiência por via dos sentidos e da
reflexão, pela associação das ideias simples e complexas.
2 Implicações do conceito de conhecimento entendido como propriedade na formação de
professores
Dentre as ideias trabalhadas com base em Locke destaca-se para uma análise inicial neste
estudo as seguintes concepções: as ideias não são inatas, o estoque de ideias e o conceito de
conhecimento entendido como propriedade com base em Locke. A intenção nessa análise inicial é
construir uma reflexão e apresentar algumas implicações para a formação de professores.
Ao considerar que as ideias não são inatas e são adquiridas pela experiência, há uma
contribuição de Locke ao destacar o papel dos sentidos e da reflexão, além da existência de ideias
simples e complexas na construção do entendimento humano. Entretanto, há uma implicação para a
183- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
como tábula rasa. Ao nascer o ser humano é desprovido de ideias/conhecimento e estes são adquiridos
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formação de professores que se refere à possibilidade de constituição de uma formação baseada apenas
tábula rasa, que estaria pronto para ter algo impresso, assim passa-se a impressão de considerar o ser
humano como um objeto que está pronto para ser moldado pelo seu preceptor, desconsiderando-se a
sua capacidade de crítica e de autonomia.
A educação com base em Locke, que configura a educação liberal efetivada no contexto
atual, em larga escala, desenvolvida inclusive nas escolas públicas, há uma falsa ideia de igualdade e
liberdade. Há apenas um exercício da equidade e uma supervalorização do esforço individual, que nos
tempos atuais, dá vida a meritocracia que é carregada por traços gerenciais e tem implicações no campo
da educação e da formação de professores, como a busca incessante pela qualidade total nos processos
educativos marcados pela eficácia e eficiência.
Na sociedade atual, em grande medida, não há uma contribuição coletiva para a formação
de sujeitos críticos e emancipados, ao contrário há cada vez mais a formação de indivíduos industriosos
e individualistas que são programados para se adaptar ao sistema, competir entre si, desprovidos de
crítica e autonomia. Isso ocorre, pois há uma massificação de processos formativos alienados e o que se
busca não é a formação de sujeitos críticos e emancipados e sim a formação de mão-de-obra barata para
prover e manter o sistema capitalista em funcionamento.
Locke também destaca que quanto mais experiências o indivíduo tiver mais ideias ele terá
formando assim um estoque de ideias. Uma implicação desse posicionamento para a formação de
professores refere-se à possibilidade de gerar um ensino enciclopédico e memorístico. E corre-se o risco
de confundir o conhecimento com a informação. Para Locke o conhecimento é fruto do entendimento
humano e nos tempos atuais como tem prevalecido um aligeiramento e uma fragmentação dos
processos formativos, inclusive na formação de professores, o que se tem conseguido construir é um
estoque de informações, que dificilmente tornaram-se conhecimentos, pois não são de fato apropriados
pelo indivíduo, pois há uma produção gigantesca, porém, em sua grande maioria, desprovida de
aprofundamento teórico e de análise crítica que dificilmente poderão possibilitar de fato a construção
do entendimento humano.
Ao considerar o conhecimento como propriedade ou um bem adquirido, como
materialização das ideias simples e complexas adquiridas via experiência, Locke destaca que essa
atividade não é inata. É por meio da experiência que o indivíduo aprende e apreende as ideias tornandoas assim em conhecimento, ou seja, em bem adquirido via trabalho ou esforço individual. O que se
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em aspectos pragmáticos, empiristas e utilitaristas, pois, para Locke, o homem constitui-se como uma
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percebe nesse posicionamento é a redução do conhecimento a uma coisa, algo que pode ser moldado e
coisa, pois haveria uma limitação de seu significado como possibilidade de um processo de humanização
que tornaria possível a formação de sujeitos críticos, autônomos e emancipados.
Ao se apropriar das ideias/conhecimento como coisa ele passa a ser reduzido a um mero
valor de uso e de troca e uma possível implicação desse posicionamento para a formação de professores
refere-se à formação de indivíduos cada vez mais competitivos, individualistas e alienados. Ao centrar a
formação de professores na experiência também se corre o risco de reduzir a formação teórica crítica
dos professores. E esse processo tem se materializado na atualidade por meio da epistemologia da
prática, conforme Kuenzer e Rodrigues (2007), nessa formação os fundamentos teóricos são baseados
no empirismo e no pragmatismo e possuem como foco a experiência individual do professor, isolandoo e tornando-o único responsável pela resolução dos problemas que enfrenta na sala de aula e na escola,
por exemplo. O que se percebe nessa perspectiva formativa é a impressão no processo de
profissionalização e no desenvolvimento do trabalho docente dos professores uma total desarticulação
do sentido de coletividade, de pertencimento a uma categoria profissional que poderia se unir pela
transformação da educação rompendo com a base da educação liberal que aliena e massifica grande
parte dos processos formativos direcionados à formação de professores.
Estes apontamentos refletidos com base em Locke possuem relação direta com a formação
de professores. Por não estar desvinculada da sociedade capitalista a formação de professores também
reflete em seus espaços de formação os “contra-valores” (MÉSZÁROS, 2008; DIAS SOBRINHO,
2005) necessários ao desenvolvimento do modo de reprodução capitalista, como por exemplo, o
individualismo e a competitividade, além disso, materializa, em grande parte, uma formação centrada no
indivíduo, na formação do homem industrioso e na experiência individual, solitária e isolada dos
professores. Torna-se urgente e necessário romper com esses processos formativos alienados e
massificados, e lutar pela construção da formação de professores baseada em fundamentos contrários à
educação liberal. Lutar pela construção e efetivação de uma formação de professores que articule a
profissionalização e o trabalho docente comprometidos com a transformação da sociedade capitalista e
fundamentados em uma perspectiva crítica de educação que possibilite a formação de sujeitos
autônomos e emancipados intelectualmente e socialmente.
Considerações finais
185- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
manipulado. Entretanto, o conhecimento em uma perceptiva crítica não pode ser entendido como
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Desenvolver este estudo inicial sobre o conceito de conhecimento entendido como
elementos teóricos para a pesquisa que estou desenvolvendo no curso de doutorado em educação. Ao
radicalizar um conceito, como foi desenvolvido neste trabalho, com o aprofundamento do conceito de
conhecimento entendido como propriedade em John Locke e implicações para a formação de
professores, há a possibilidade de compreender fundamentos do pensamento de John Locke e suas
apropriações na educação liberal em voga e como essa perspectiva tem impactado de forma negativa a
formação de professores. Daí a necessidade de esclarecimento dos professores para que possam se unir
e lutar por processos formativos menos alienados, porém mais críticos que possibilitem a construção da
autonomia, da emancipação, da coletividade e da solidariedade entre os sujeitos sociais nos processos
formativos desenvolvidos nas instituições de educação superior que desenvolvem projetos formativos
direcionados a formação de professores (SOUZA, 2013; SOUZA e MAGALHÃES, 2014).
Referências Bibliográfica:
DIAS SOBRINHO, José. Dilemas da educação superior no mundo globalizado: sociedade do conhecimento ou economia
do conhecimento? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
GUIMARÃES, Ged. O sentido da formação e da gestão na universidade pública. In: XI Encontro de Pesquisa em Educação
da Anped Centro-Oeste, 2012, Corumbá/MS. Educação e pesquisa no Centro-Oeste: política, formação e inovação, 2012. p.
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KUENZER, Acácia Zenaida; RODRIGUES, Marli de Fátima. As diretrizes curriculares para o curso de Pedagogia: uma
expressão da epistemologia da prática. Olhar de Professor (UEPG), v. 1, p. 35-62, 2007.
LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Trad. de Anoar Aiex e. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril Cultural,
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LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. de Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1983,
p. 31-84.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução: Isa Tavares. São Paulo: Boi Tempo, 2008.
SOUZA, Ruth Catarina Cerqueira Ribeiro de. Formação de professores e paradigmas educacionais: contradições e utopias.
Em: SOUZA, Ruth Catarina Cerqueira Ribeiro de; MAGALHÃES, Solange Martins Oliveira. Poiésis e Práxis II: formação,
profissionalização, práticas pedagógicas. Goiânia, Kelps, 2013.
SOUZA, Ruth Catarina Cerqueira Ribeiro de; MAGALHÃES, Solange Martins Oliveira (Org.). Pesquisa Educacional sobre
professores(as): métodos, tipos de pesquisa, temas, ideário pedagógico, e referenciais. 2. ed. Goiânia: Kelps, 2014.
TERUYA, Teresa Kazuko; GOMES, Iara de Oliveira; LUZ, Márcia Gomes Eleutério da e CARVALHO, Aline Monique. As
contribuições
de
John
Locke
no
pensamento
educacional
contemporâneo.
Disponível
em:
<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada9/_files/BDxADftT.pdf> Acesso em: 22 set 2016.
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propriedade em John Locke e implicações para a formação de professores foi importante para trazer
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VISÃO IDEALIZADORA DOS JOVENS UNIVERSITÁRIOS A RESPEITO DA
SOCIEDADE
Ivoni de Souza Fernandes – PUC – GO.46
Introdução
A discussão teórica que se propõe este artigo decorre dos resultados dos estudos da tese
intitulada Sentidos e significados atribuídos por estudantes do curso de medicina e direito da Universidade Federal de
Goiás à sua formação universitária47. Visou apreender os sentidos e os significados atribuídos por estudantes
de medicina e direito, aprovados nos vestibulares em 2005, 2006 e 2007, buscando compreender as
dimensões que se fazem presentes em suas relações consigo mesmos, com seus pares, sua família, a
universidade e a sociedade. Participaram deste trabalho 12 jovens, com idades entre 18 e 24 anos. Essa
discussão parte-se da compreensão de que a juventude é sócio historicamente constituída como
categoria analítica e que também o jovem, como sujeito, se constitui no processo sócio histórico. A
escolha deste tema deu-se especialmente por entender a relevância de estudar a temática da juventude
tendo como base a psicologia sócio histórica.
O presente artigo teve como propósito dar continuidade à discussão dos estudos sobre essa
temática de modo a compreender a visão idealizadora dos jovens sobre sociedade. Por tanto dentro do
processo de institucionalização da formação do indivíduo na sociedade, é necessário que haja uma
sedimentação de uma série de sistemas, entre os quais figuram a sua formação dentro de padrões préestabelecidos por esta mesma sociedade. A partir deste contexto, qualquer indivíduo sofrerá dentro de
seus grupos sociais determinadas afirmações sem as quais o mesmo não se sentirá capaz de representar
seus papeis dentro da sociedade.
Na sua formatação a sociedade vem acumulando ao longo dos séculos um acervo de
ordenações previstas para uma melhor ordenação social, e dentro deste acervo está presente o
conhecimento da situação e dos limites. Estes limites permitirão o conhecimento da participação, a
localização e o manejo destas situações de maneira apropriada.
Porém, tanto o sujeito quanto à sociedade são realidades históricas que se constituem
mutuamente, em uma relação complexa e tensa de dependência, na qual o sujeito não pode prescindir
Doutora em Psicologia Psicossocial. Pesquisadora e Professora da Escola de Formação de Professores e Humanidades da
PUC Goiás. [email protected]
47 Tese defendida em 2012 no Programa de Pós-graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
46
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GT 4 – Filosofia, Psicologia e Educação
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da sociedade, nem tampouco esta existe independente daquele. Marx (1998) indica como premissa de
demais animais através de sua apropriação e transformação da natureza a fim de satisfazer suas
necessidades, produzindo seus próprios meios de existência. O homem se constitui na relação com a
natureza e com outros homens, que lhe são iguais e diferentes. Por tanto este estudo apresenta um texto
“Sociedade: Desejo de Experimentar, Sentir viver sobre as falas dos sujeitos pesquisados, como se
constituem socialmente no sentir, viver e experimentar”.
Sociedade: desejo de experimentar, sentir e viver.
Com conceitos já substancialmente introjetados e solidificados desta sociedade, estes
indivíduos apresentam capacidades de definir o que é uma sociedade, como se pode detectar com suas
argumentações. Os jovens que participaram desta pesquisa trouxeram em suas falas um desejo de
experimentar, sentir e viver novas experiências e emoções. E é dentro desta sociedade que os sujeitos
pesquisados definem o que é sociedade. Adriana reiterou este fato em sua fala definindo a sociedade,
sendo pessoas que dividem o mesmo espaço.
Por conseguinte, Gabriela relata que a sociedade é um grupo de pessoas que vivem em
comunidade e são pessoas que vivem e divide o mesmo espaço, a cultura e vivem muitas outras coisas
juntas. Entre a fala de Adriana e Gabriela pode-se ressaltar além das pessoas dividirem o mesmo
espaço, partilha e vivem em comunidade. A preocupação delas refere-se o indivíduo precisa se apropriar
da responsabilidade e comprometimento para viver juntas e dividirem o mesmo espaço.
Vygotsky (2008) ponderou que, ao significar o mundo e o outro, o sujeito se apropria
das relações sociais e dos sistemas culturais internalizando-os, tornando-os seus e dando sentido próprio
a eles, ou seja, se desenvolvendo de forma partilhada. Nesse movimento, o sujeito tem acesso aos
instrumentos e aos sistemas de signos que subsidiarão o desenvolvimento de suas atividades culturais e
de seu pensamento, permitindo a ele estruturar a realidade. Ao possibilitar o contato sistemático e
intenso dos sujeitos com os sistemas organizados de conhecimento, a família e as outras instituições
fornecem aos jovens instrumentos que mediatizam seu processo de desenvolvimento.
Assim, por meio das relações sociais, cada sujeito apropria-se dos significados sociais e,
partindo disso, produz seus próprios sentidos pessoais. O caráter ideológico dessa produção decorre do
fato de que a sociedade produz significados que expressam interesses concretos, definidos
historicamente pela contradição de classes e, por esta razão, o sujeito fica submetido a se adequar a este
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toda a história da humanidade a existência de seres humanos viventes, que só puderam-se distinguir dos
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contexto social de classes. Quando na singularidade do jovem e no processo de desenvolvimento da
predominantes, sofre pressões e cobranças que impelem a consolidar as realidades proclamadas
(GONÇALVES, 2003).
Por tanto o jovem passa por esse processo e é envolvido por uma carga de emoção, que
gera conflitos, incertezas e muitas vezes solidão, vividos por eles. Julianna e Victor, apreendem por
sociedade igual a Gabriela e Adriana, sendo a sociedade um grupo ou conjunto de pessoas que vivem no
mesmo espaço, tem seus costumes, raças e cultura e que convivem entre si, com suas preocupações,
conflitos e medos. Este medo decorre que o sociedade também é significada pelos jovens como
momento de cobranças por parte dos adultos. Isso ocorre porque ela é compreendida como um tempo
durante o qual o sujeito se prepara para a inserção.
Gabriela e Juliana externou esse sentimento em sua entrevista, acrescentando que as pessoas
vivem e convivem entre si na sociedade, no que concerne ao seu futuro profissional. A preocupação
delas é evidente nas falas. De acordo com Furtado (2003), o trabalho e as relações sociais são categorias
básicas para a compreensão do homem. É por meio de sua atividade que o homem histórico define seu
contexto social ao mesmo tempo em que é definido por este, em uma relação dialética. Destarte, a
forma como a sociedade organiza o trabalho para a produção da existência humana, dentro de relações
sociais determinadas, define a atividade de cada sujeito.
Nesse caso, a família é responsável por reforçar para o jovem, a partir da atividade, a
realidade que está posta pela sociedade em que ele está inserido. O jovem, por seu turno, ainda não tem
consciência da totalidade dessas representações, emoções, significados e sentidos, enfim, desta relação
com a atividade. Como consequência disso, as exigências realizadas pela família e a sociedade tem um
tom de cobrança e não, simplesmente, da necessidade de reforçar as mediações das relações entre
atividade e jovem.
Para Levi a “sociedade é apenas um grupo mais restrito que compreende família e alguns
amigos ou então todo o conjunto da raça humana ou o conjunto do seus pais. Então, é o conjunto de
pessoas que de alguma forma trazem algum tipo de sentido, algum significado prá minha vivência”.
A fala do Levi está carregada de sentidos que ele atribui à sociedade. Embasada na teoria
sócio histórica Rosa (2003) enunciou que o homem, pautado em sua cultura, suas relações sociais, suas
189- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
consciência o jovem resiste em reproduzir o modelo social, negando os significados sociais
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experiências materiais de suas atividades interativas está sempre construindo novas configurações
Em seu depoimento Joyce e Eny retrataram a necessidade de partilhar, as mesmas
preocupações, vivendo em comunidade. “É o conjunto de pessoas que vivem juntos, que compartilham
propósitos, gostos, preocupações e costumes, além disso, convivi e
interagem entre si constituindo
uma comunidade.”
Luciana retratou como Joyce, essa necessidade de partilhar, as preocupações, vivendo em
comunidade: “É um conjunto de pessoas que convivem entre si né, e essa convivência expõe uma série
de problemas ai”. Desta mesma forma Paula diz que a sociedade é um conjunto de pessoas que
compartilham o mesmo espaço, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si.
À medida que a sociedade se torna mais complexa, vai gerando no jovem conflitos, vez que
os indivíduos ficaram sujeitos aos mecanismos mais aprimorados de uma socialização coerciva e
funcional: “[...] a ´socialização` de mais indivíduos, grupos humanos, povos, arrasta-os para o contexto
funcional da sociedade” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 99).
Por tanto o jovem esta consciente desta sociedade que é formatada através de
instituições que vão proporcionando ao indivíduo uma melhor maneira de localizar dentro destas
instituições que por seu lado vai explicar os limites sociais e individuais, propondo pesos (valores), às
alternativas de condutas sociais. Neste contexto a primeira instituição da qual o indivíduo vai passar é a
família, aonde o mesmo vai introjetar uma série de papéis. Papéis estes que serão fundamentais na
formação de hábitos e objetivações na sua formação de indivíduo social, que como base de sustentação
de seu mundo operandis.
Seu mundo operandis, vai refletir sua conduta que se estenderá junto aos demais membros
desta comunidade primária, e que ao longo de sua formação social, irá passar por uma série de
sucessivas passagens pelas várias ordens institucionais, ou seja, seu universo irá ampliar à maneira que o
mesmo se integra a outros grupos sociais. Nesta segunda passagem social, para sua afirmação como
indivíduo social, seu cabedal de socialização será largamente ampliado a partir de sua inserção nos
grupos representados pela religião, escola e outros. A este nível de institucionalização a criança vai
absorver outros hábitos sociais, que lhe permitirão uma maior afirmação como indivíduo dentro dos
diferentes grupos sociais, mas sempre terá como pano de fundo os papéis e valores adquiridos no
primeiro momento de socialização.
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subjetivas e novas formas de significar a si mesmo e ao outro.
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Estas institucionalizações no segundo momento sempre serão desenvolvidas dentro de
imaginária para uma teoria pura, ou seja a acumulação de valores sociais de comportamentos
objetivados para uma formação profissional e de autonomia.
A terceira onda de socialização, ou melhor, esplicando a instituicionalização terciária agora
vai abranger toda uma série de setores da ordem institucionalizada que se acham integrados num grande
quadro para sua referência global. Corroborando com esse pensamento Berger e Luckmann (1985, p.
132), afirmam que “toda a experiência humana pode agora ser concebida como se efetuando no interior
dele”. Suas atitudes e comportamentos a partir de agora retornará na forma de indivíduo integrado
dentro de uma sociedade historicizada onde toda sua biografia refletirá os processos de socialização
anteriores que o mesmo repassará aos outros membros da sociedade em que está inserido.
Neste contexto o indivíduo será o reflexo de seus predecessores e refletirá nos seus
sucessores, todos os acontecimentos absorvidos ao longo deste processo de institucionalização social,
sempre dando um fed back do terreno onde suas raízes foram plantadas. Os sujeitos pesquisados
apresentam uma visão idealizadora da sociedade, traz consigo características e contribuições. Mas
oferece também, propostas de mudanças na sociedade. Alguns têm uma visão idealizadora, como
Daniela que apreende “que estamos aqui na sociedade discutindo sobre a nossa vida de estudantes
universitários e outros né, buscando os mesmos objetivos”. E Davi fala também que é muito
importante a sociedade, porque vivemos juntos em comunidade.
Quando Daniela e Davi externalizam sua visão idealizadora de sociedade, fica demonstrado
que os mesmos trazem consigo impregnados por um conjunto de gostos, crenças e práticas que foram
sistematizadas ao longo do tempo como características da classe ou fração da classe à qual pertencem.
Este estilo de vida ou característica esta ligado a questões de opiniões políticas, crenças
filosóficas, as convicções morais, preferências estéticas, alimentares, indumentárias e culturais, sendo
que conforme Bourdieu (2003) é a formação do seu habitus, que é um fator explicativo da sociedade.
Segundo Bourdieu, apud Bonnewitz, (2003, p 87)
O habitus é aquilo que se deve supor para explicar o fato de que – sem ser propriamente
racionais, isto é, sem organizar a sua conduta de modo a maximizar o rendimento dos meios de
que dispõem, ou simplesmente, sem calcular, sem explicar seus fins [...], os agentes sociais são
razoáveis. [...] porque eles interiorizam, ao fim de um longo e complexo processo de
condicionamento, as chances objetivas que lhes são oferecidas e porque eles sabem ler o futuro
que lhes convém.
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parâmetros legais e por pessoas de cabedais especializadas, pois os mesmos sairão da visão teórica
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E este habitus, distinto de cada camada da sociedade, é o produto da filiação social, que vai
fração social vai obedecendo a um gosto social e realizando o seu projeto individual.
Neste contexto os novos indivíduos sociais vão desenvolvendo suas próprias características
ao se situarem dentro da sociedade. Nesta nova função o indivíduo criará, ou melhor, trará introjetados
os habitus absorvidos ao longo de sua formatação social.
A leitura da sociedade feita por Francisco e Levi, explicita bem a forma como foi
caracterizada para eles, ou seja, a classe ou fração social na qual eles foram criados ou inseridos.
Estudando a origem da sociedade, sempre estamos à procura de uma justificativa para a vida social, para
que possamos fixar um ponto de partida, para que tenhamos a certeza de que a sociedade é fruto de
uma necessidade ou da vontade humana. Neste universo de elementos formadores das mais diversas
sociedades, pode-se encontrar alguns elementos em todas as sociedades por maior que sejam suas
características.
Dallari, (2007) corrobora com três características que definirão sociedade com uma
finalidade ou valor social, manifestações de conjunto ordenadas e o poder social. Desta forma a visão de
sociedade dos dois primeiros entrevistados pode alocar suas visões dentro do primeiro conceito de
sociedade, pois, conforme o conceito a sociedade tem por finalidade o bem comum. No entanto
Francisco traz consigo uma característica de sociedade ao dizer que
O indivíduo precisa ter uma postura de tolerância na sociedade, nós não vivemos sem a
sociedade, é um grupo de pessoas, que vive no mesmo espaço, onde precisa ser tolerante,
aceitar o outro com suas diferenças né, no consultório, por exemplo, chega gente de toda
forma, rico, pobre, ignorante, inteligente, temos que ter inteligência para saber lidar e ser
tolerância que é algo na vida e em tudo.
Ele afirma que é importante no nosso meio essa tolerância. O ser humano precisa ter uma
capacidade de compreensão alheia, desta forma mudaria os valores familiares, porque é o homem que
constrói sua história através da sua força do seu trabalho, assim consegue mudar seu destino na
sociedade. Os jovens imersos nessas características de tolerância e compreensão alheia, e na tentativa de
se constituir enquanto ser social e individual, encontra meios de produzir sentidos subjetivos a partir
dos significados que lhes são dados pela sociedade.
Gabriela afirma com certeza que a sociedade, traz características sociais, sendo importante
para todo ser humano, pois, ninguém vive sozinho, excluído da sociedade. Então, acho que hoje em dia
viver sozinho é realmente impossível, até as comunidades que vivem isoladas, querendo ou não, tem um
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provocando regulações dentro deste mesmo habitus, pois cada um dos membros desta camada ou
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contato com a sociedade através dos meios de comunicação. Então eu acho que é totalmente
Victor e Luciana apresentam características, mas apontam problemas também, que essa
convivência social expõe uma série de problema. “Sendo problemas tanto afetivos, de relacionamento
familiar, de amizades, problemas sociais, como grandes desigualdades sociais. Esta é a sociedade
contemporânea em que vivemos”. Levi já apreende uma definição mais auto centrado dizendo que é
difícil pensar a respeito.
“Eu acredito que uma definição de que as pessoas só podem pensar em sociedade à medida
que a sociedade se refere a mim, faz diferença. Digamos, o presidente faz a minha sociedade,
então um ato presidencial é algo que faz referência a mim, mas é mais ou menos isso ai.
Numa sociedade onde os conceitos simbólicos de uma vida mais participativa, levam os
indivíduos a procurarem conforme sua situação de classe ou de grupo, a se situar em degraus mais
elevados na sociedade. Levi vai além das aparências, quando fala que as pessoas só podem pensar em
sociedade à medida que a sociedade se refere a ela. Imerso nessas questões, bem como na tentativa de se
constituir enquanto ser social e individual encontra maneiras de produzir sentidos subjetivos a partir dos
significados que lhes são dados pela sociedade e, por meio da subjetivação, busca dar sentido à sua
participação nesta sociedade.
Após a definição dada por cada sujeito a respeito da sociedade destes dois grupos bem
distintos dos cursos de medicina e direito, eles apontaram também, duas modalidades, qual a
contribuição que dariam para a sociedade e que mudança faria na sociedade. Francisco que cursa
medicina, relata que sua contribuição para a sociedade é o trabalho. Afirma que desde pequeno, quando
começou a fazer medicina, escolheu esta profissão para ajudar as pessoas à manter sua saúde. Ele
reitera.
Eu acho que esse ai vai ser a principal contribuição para sociedade. A gente não vai atender só
uma pessoa, ajudar só uma pessoa, vai ajudar várias pessoas até por dia, então essa já vai ser
uma grande contribuição para à sociedade.
O destaque da fala de Joyce surpreende os colegas na universidade a respeito da sua
contribuição à sociedade.
Porque principalmente nesta profissão não dá para ser mais ou menos, eu acho que só
começando com isso já é uma forma de colaborar, às vezes eu posso um dia fazer uma pesquisa
dentro da minha área e tal, mas eu acho que o começo é por aí. Se você fizer o seu trabalho de
forma adequada já é na nossa profissão a gente sempre aprende né. É um dos princípios
principais né, então se a gente não causar um dano já é alguma coisa.
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impossível.
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A preocupação de Joyce em contribuir com o social de forma adequada tem um sentido e
para fazer mais ou menos, percebe-se uma preocupação de fazer o curso bem feito, o sentido dado aos
seus estudos é de grande relevância para ser uma excelente profissão e ter segurança no que faz para dar
uma boa contribuição para a sociedade.
Eny do curso de direito também quer contribuir com o seu trabalho, trazendo para a
sociedade um trabalho sério, honesto e bem feito. E quer colocar em prioridade a justiça de forma
adequada para toda a cidadania. Paula traz uma contribuição de um trabalho politicamente engajada,
com sua formação gostaria de acabar com a corrupção contra as pessoas, criando projeto de leis. Veja o
que ela apropria.
Então, eu acho que um dos grandes problemas da sociedade é que as pessoas não têm
consciência dos seus direitos, não tem acesso a eles. Eu acho que o advogado e o promotor
além de procurar e buscar a justiça, não é só isso porque tem gente que deixa isso subir na
cabeça né, acho que ele tem que procurar isso né, buscar a justiça, procurar prestar serviços
sociais prá tornar o Direito mais próximo das pessoas.
Paula apreende que o direito das pessoas ainda permanece longe delas, porque o significado
atribuído pelas pessoas ainda não tem sentido real. Mas para Victor o seu trabalho é politicamente
comprometido com a sociedade a sua contribuição é fazer projetos contra a violência. E lutar pela
afetividade do ser humano. Quer se especializar em algum ramo do Direito e não se resume apenas em
conhecer a legislação daquela área, mas de estudar a ponto de tentar melhorar aquelas deficiências que
acredita que prejudica muitas pessoas. Veja Victor.
Então, esse estudo meramente legislativo não me atrai, eu acho que o estudo do Direito tem
que ser uma busca de soluções assim, soluções práticas; o mero estudo acadêmico pela academia eu
acho que não... pra mim isso não me atrai nenhum pouco o Direito pelo Direito, e sim o Direito pelos
outros, pela sociedade. Porque querendo ou não, diariamente todas as pessoas lidam com o Direito, eu
acho assim melhorando essa ferramenta iriam melhorar muita coisa na sociedade. Daniela e Francisco,
querem contribuir com um trabalho de qualidade na área da saúde, cuidando bem do paciente com
afetividade e tolerância. Daniela reitera.
Então, eu quero ser uma ótima médica, eu quero em primeiro lugar satisfazer não só a
sociedade em si, mas pelo menos aqueles que eu sirvo, que em primeiro lugar vão ser meus
pacientes. Eu quero na medida do possível, no que eu puder dá o melhor atendimento prá eles,
se eu for uma cirurgiã, quero dar a melhor estrutura, dar a melhor técnica. Eu não quero fazer
as coisas com preguiça, Pelo menos a minha visão por enquanto é essa de fazer as coisas o
melhor possível.
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um significado de responsabilidade em sua profissão. Quando Joyce relata que nesta profissão não dá
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Daniela deu um depoimento contendo sentidos carregados de emoção e trouxe à luz
medicina por entender a importância do conhecimento em sua vida; contudo manifestou seu desejo de
aprofundar seus estudos na área com o objetivo de fazer o melhor para a sociedade.
Luciana quer contribuir em defesa dos direitos e deveres das pessoas, apreendendo que sua
contribuição é ajudar as pessoas a defender seus direitos e cumprir também seus deveres. O advogado, o
juiz, o promotor, todas as pessoas que trabalham nessa atividade judiciária são de fundamental
importância para sociedade. Luciana reitera.
A um tempo atrás eu vi uma reportagem de um juiz que organizou uma reurbanização da
favela. Eu pensei: ‘Poxa, que legal! Que interessante!’ Não é o trabalho dele, mas te traz um
conhecimento a mais que pode te tornar um cidadão melhor, gostaria de contribuir também
desta forma.
Tanto Paula, Luciana como Julianna, pretendem contribuir para o desenvolvimento e a
criação da humanidade que vivem em conflitos, criando leis claras e determinantes. Veja como Paula
apreende.
Eu espero corresponder ao máximo a confiança que depositarem em mim, que eu posso
estar aqui, Então assim, espero me preparar bem pra corresponder às expectativas das pessoas que me
procurarem ou do serviço que eu assumir. Eu pretendo fazer bem o que eu me propuser a fazer.
Gabriela que cursa medicina ela tem projetos de vida, pessoais. Apreende que ninguém vive
sozinho, então querendo ou não, as pessoas que estão ao seu lado vão te ajudar a construir e você pode
ajudar também; eu quero ajudar o outro em todas as formas né, sua vida profissional, pessoal, acho que
essa é a importância do ser humano contribuir com a sociedade. Dávison, Victor e Eny já pensam em
uma construção coletiva sobre a violência, assim afirmam que “a minha contribuição é desejar para o
outro o que eu quero para mim. Tentar viver bem com o outro, lutando contra a violência”. É
interessante notar que os entrevistados relatam uma preocupação salutar sobre a questão tão em voga na
sociedade globalizada e testamentada, que é o fator violência, que campeia as mais diversas sociedades
atualmente.
Esta preocupação vem de séculos, desde que o homem se agrupou em torno de uma
liderança, só que este espaço não é apropriado para tamanha discussão, vamos nos ater em discorrer
sobre alguns pontos inerentes ao conceito violência. A situação das populações inseridos na
globalização é caracterizada pelas desigualdades de oportunidade de vida. Uma grande desigualdade a
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significados que merecem destaque, pois está pleno de sentidos ricos e complexos. Ela disse gostar da
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acesso de recursos para sua sobrevivência as quais segundo Santos (2002, p.1), se resumem em oito
conhecimento e participação política.
Os resultados sociais destes quesitos estão justamente na relação de desagregação dos
princípios norteadores da sociedade, que não se preocupam em desenvolver políticas voltadas para os
excluídos. Como os indivíduos são frutos do universo em que vivem os entrevistados vão se situar nos
parâmetros estipulados pelos processos de socialização os quais passaram, tanto que se percebe nas suas
falas suas preocupações como indivíduos conscientes do mundo em que se relacionam.
Eny deseja contribuir criando projetos de defesa ao consumidor, sempre esta sendo
violentado na sociedade. Eny percebe na sociedade uma falta muitas vezes de informação por parte das
pessoas. A análise dos significados dados pelos sujeitos em relação a sua contribuição à sociedade foi
assertiva indicando discursos reproduzidos socialmente, por ser a instituição aprovada pelo que está
preestabelecido na sociedade da qual fazem parte. Justificam querer ajudar o outro pela possibilidade de
ascensão social, isto é por promover acessibilidade ao mercado de trabalho e ao mundo adulto em um
futuro próximo.
A afirmação de caracteres sociais grupais os indivíduos são levados a encarar possíveis
mudanças a partir de um foco estabelecido por sua formatação como componente da sociedade. A
partir desta colocação as próximas falas dos entrevistados estão substancialmente ligadas a esta
característica de sociedade, pois, segundo Heller, apud Dallari (2007), “todo ato humano é conformado
por um conjunto de condições naturais, históricas e culturais, e só pode ser qualificado como
econômico, jurídico, político etc., segundo o conteúdo de sentido preponderante em cada caso”.
A afirmação de caracteres sociais grupais os indivíduos são levados a encarar possíveis
mudanças a partir de um foco estabelecido por sua formatação como componente da sociedade. Essa
visão é legitimada por um corpo diferenciado de conhecimentos. Estas legitimações vão oferecer
quadros referenciais bem amplos para os mais diversos setores de sua conduta institucionalizada.
Ao serem questionados sobre o que mudaria na sociedade, surgiram algumas falas bastante
interessantes. Os indivíduos de uma sociedade enxergam a mesma a partir de sua formatação social, ou
seja, da elaboração ao longo do tempo vivenciado dentro de uma sociedade ou fração dela, sua
identidade. A identidade é formada por processos sociais, uma vez estabelecidas ela só vai modificar ou
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quesitos que são: saúde, habitação, trabalho, educação, relações de sociabilidade, segurança, informação,
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mesmo remodelar por outras relações sociais vivenciadas no extrato social próprio, que são
A partir de uma visão estabelecida pelas conjunturas sociais dos elementos entrevistados é
que os mesmos farão suas propostas de mudanças, porem as mudanças propostas no momento da
entrevista, poderão sofrer modificações ao longo de suas vidas devido às futuras interações sociais com
grupos do mesmo campo profissional e social. Gabriela asseverou que mudaria na sociedade, a forma de
aceitar as pessoas, sendo membro efetivo da sociedade e percebendo um certo descompaço, apreende
que há dois valores fundamentais distorcidos na sociedade, que seria a solução ao seu ver, a religião e a
família.
Eu mudaria os valores que estão distorcidos (Risos), às vezes eu tentaria mudar. Vejo a
sociedade tentando socializar as pessoas, mas a meu ver os valores estão distorcidos, eu
mudaria na sociedade os valores em relação à religião, porque hoje em dia é estrutural para o
equilíbrio social, acho que está muito perdido no nosso meio né. E o outro valor é a família,
que hoje tende a perder um pouco, a autonomia e a autoridade sobre os filhos, ninguém tem
limites mais, né; vejo que a sociedade precisa mudar nestes dois aspectos.
Victor gostaria também de mudar alguma coisa na sociedade, acredita que a religião é um
fator de unidade no Brasil que é um país que tem maior número de católicos, apesar do grande
crescimento de evangélicos, então é uma questão, principalmente na educação da geração. Tenho vários
sonhos para mudar a cara da sociedade ou das pessoas. A Joyce também mudaria o conceito de família,
que não tem hoje, tentava fazer campanhas contra a violência para viver mais o coletivo, e não o
individualismo. É um dos princípios para mudar a sociedade.
Juliana também gostaria de mudar o conceito familiar ao dizer que sobre a falta de respeito
para com as pessoas e quer lutar também pela saúde pública, se todos nós pagamos impostos, porque
não ter saúde. De acordo com Peres (2001), na contemporaneidade, as famílias são heterogêneas, com
múltiplos arranjos sociais e com alterações em suas configurações. A família é, simultaneamente,
singular, quando representa um grupo de pessoas que têm valores específicos e individuais, e plural, ao
apresentar um comportamento social que identifica o grupo como família, com determinações nas
relações afetivas, culturais, religiosas, econômicas, territoriais, entre outras.
Alves (1990) postulou que o processo de construção da subjetividade da juventude não
pode ser desvinculado das relações estabelecidas pelos sujeitos nos espaços socializantes, como a
família. Para a autora, há um confronto entre os papéis ideais a serem desempenhados e os papéis
concretos vividos na sociedade que contribui na formação da juventude.
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determinados pela estrutura social.
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Gabriela, Victor, Juliana e Joyce, nessa perspectiva reconheceram a relevância dessa
nos valores do ser humano, de razão, de verdade e progresso. Dizendo que a sociedade esta em crise de
conceitos fundamentais da modernidade. Diz que o mundo seria um paraíso nesse sentido; tentar
diminuir as grandes desigualdades sociais nesse mundo é um desafio; criar leis na área da educação.
Reitera.
Vivemos em uma sociedade instáveis insaciáveis, eternamente em busca de prazer, está em
perfeita consonância com o mundo do novo capitalismo de mercado. Em relação às questões
afetivas, certas pessoas muitas vezes não se entendem, não chegam a um acordo assim, é muita
briga discussão. Assim, muitas das vezes isso é um fator de distanciamento das pessoas.
Luciana também quer mudar as desigualdades sociais, tentaria diminuir as grandes
desigualdades sociais, como Victor. Gostaria também de mudar às questões afetivas e o respeito mútuo.
Davi mudaria as leis para punir as pessoas que destrói a cada dia a humanidade, a violência que acaba
com as famílias brasileira. Quer criar leis que imponha limites nas pessoas, elas estão perdidas,
principalmente o jovem, esta sem rumo, devido ao excesso de liberdade.
Eny gostaria de mudar algumas leis que estão defasada ou atropelada pelos corruptos da
política. Já Adriana gostaria de mudar as leis criminais, para contribuir com as pessoas contra a violência
social e o individualismo. Paula apreende os valores sociais, sendo o que mais a preocupa é este
individualismo do ser humano, gostaria de poder mudar essa visão, porque não vivemos sozinhos.
Daniela relata da relação com o outro, que precisamos viver juntos, esta mudança da
sociedade deve começar por quem esteja mais perto de você, concientizar a importância de viver juntos,
porque ninguém vive sozinho. Levi preocupado com o individualismo, nessa sociedade contemporânea,
quer mudar a capacidade de compreensão alheia, de aceitar as diferenças e tudo mais. Mas, muito
preocupado com o silêncio das pessoas em aceitar tudo que é proposto ou imposto dentro da
sociedade, quando formar. Veja sua proposta.
Quero criar ferramentas, dentro da área do direito, para tentar amenizar um pouco esse
problema. Essa ferramenta é ligada com a área educacional, diz que precisa alfabetizar as pessoas para
perder a timidez, porque a partir do momento que elas tenham mais conhecimento ficam mais seguras e
questiona mais. Levi, expressa suas necessidades pela educação, que estão constantemente em
desenvolvimento. Os motivos dão sentido às necessidades humanas, enquanto, simultaneamente,
interferem no modo de atender estas demandas.
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convivência com a família no que se refere às dimensões mais subjetivas. Victor apreende essa mudança
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A juventude, ainda que compartilhada por jovens na mesma faixa etária, estes vivem
distintas juventudes por conta das diferenciadas inserções no mundo social, e produzindo experiências
variadas. Assim, pensar juventude no singular não traduz sua complexidade. Contudo, percebê-la na sua
pluralidade é reconhecer os distintos lugares que os jovens ocupam nas relações sociais. Portanto, a
compreensão acerca dos motivos presentes nas vivências e nas ações dos sujeitos permite apreender os
seus sentidos subjetivos. Em consequência, o processo de construção de uma subjetividade individual e
social implica, para o sujeito, responder perguntas, buscar sua independência, fazer escolhas, assumir
papéis, descobrir o melhor. Os jovens necessitam expor suas contradições da sociedade em busca dos
seus significados, o que foi demonstrado pelos participantes desta pesquisa de como poderia mudar a
sociedade.
Na perspectiva da psicologia social crítica, representada por Lane (1995), entende-se que a
afetividade é um ato ético-político que modifica as questões psicossociais, possibilitando à sociedade, ao
estado e ao indivíduo modificar a si mesmo e a sua realidade tendo como base um compromisso social.
Dessa forma, a juventude é considerada um período em que o jovem forma suas concepções do mundo
social, das pessoas e de si mesmo, apreendendo o mundo que o rodeia.
Espera-se que este artigo tenha contribuído para melhor refletir sobre os jovens, acerca do
conhecimento e de modo a destacar uma juventude que tem compromisso e responsabilidade com a
sociedade e esperança de um futuro promissor, bem como para ampliar os estudos sobre a juventude.
Também se deseja que este trabalho possa estimular outros pesquisadores a se interessar por esta
temática.
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Considerações Finais
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200- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
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HEGEL, PAULO FREIE E A PSICOLOGIA: UMA BEVE DISCUSSÃO ACERCA DO
PAPEL DA EDUCAÇÃO
Jhonatan Dhimmy Fraga Macedo - FE/UFG
A proposta desse trabalho é discutir, de modo preliminar, a relação da filosofia hegeliana
em diálogo com a educação popular de Paulo Freire e a Psicologia. Para isso a discussão aqui
apresentada baseia-se especialmente na obra Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e a Fenomenologia do
Espírito de Hegel, como anuncia o título. O objetivo desse trabalho, assim, é demonstrar como tais
propostas teóricas contribuem, através de um processo dialógico entre educadores e educandos, à uma
concepção de educação que se contrapõe à tendência hegemônica que visa a "domesticação" dos
indivíduos e sua alienação.
Ao longo da história vários intelectuais como filósofos, sociólogos, historiadores,
psicólogos, entre outros, se debruçaram sobre o tema da educação e da formação humana,
compreendendo tais elementos como fundamentais à humanidade.
Podemos, a grosso modo, definir a Educação como um processo social de mediação,
onde a pessoa através de suas relações sociais vai progressivamente se apossando da cultura universal
produzida pela humanidade ao longo do processo histórico - de modo dialético, nunca passivo. Nesse
sentido não apenas recebemos isso, mas também a transformamos (VIGOTSKI, 2007).
Esse processo não se reduz apenas ao processo de escolarização, ou seja, aos
conhecimentos estruturados transmitidos através da escola ou do ensino formal em geral. A
escolarização, antes, faz parte da Educação mas não abarca a sua totalidade. Isso porque sabe-se que
essa aquisição e transmissão da cultura não se dá apenas no espaço escolar, mas em todos os âmbitos da
esfera das relações humanas.
Educar pode ser entendido, portanto, como o conjunto das ações, processos, influencias
e estruturas que intervém no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com
o meio natural e social , num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais,
constituindo-se portanto numa relação dialética, logo, a compreensão da educação como sendo reduzida
unicamente ao processo de escolarização configura-se não somente num erro mas numa incoerência
segundo a perspectiva adotada.
201- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 4 – Filosofia, Psicologia e Educação
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Ildeu Coelho (2010) Faz uma crítica ao fato de comumente cometermos o erro de
na educação - dimensão esta esquecida em prol do ter e do fazer que em geral se encontram como
elementos priorizados no ensino escolar que enxerga a cultura de forma instrumental.
Cabe ainda reafirmarmos que a escolarização faz parte do processo de educação, mas
não abarca a sua totalidade. Podemos então entender a educação como o processo de formação
humana, onde o indivíduo vai gradualmente se humanizando na relação com os Outros e com a cultura.
O filosofo (COELHO, 2010) diz ainda que a educação é um chamamento à autonomia,
e não visa cultivar a individualidade, mas tem o compromisso de humanizar e desenvolver tanto os
próprios humanos quanto as instituições da sociedade. Se perdemos esse sentido amplo e profundo da
educação, nos vemos perdidos em um ensino voltado para a produtividade, que privilegia o produto
dessa educação como algo que é lançado no mercado. Acabamos com algo simplista e banal.
Para Hegel (2011) não há sociedade que se sustente sem uma educação, uma vez que a
antropologia hegeliana que se caracteriza também por essa construção de si mesmo com os Outros no
processo histórico. Sendo o homem um ser histórico, diz Hegel, através do esforço conjunto, ele
consegue passar de um estágio menos desenvolvido da consciência para estágios superiores.
Nesse sentido Ignacio Martin-Baró (1996, p.14) define a consciência do seguinte modo:
A consciência não é simplesmente o âmbito privado do saber e do sentir subjetivo dos
indivíduos, mas, sobretudo, aquele âmbito onde cada pessoa encontra o impacto refletido de
seu fazer na sociedade, onde assume e elabora um saber sobre si mesmo e sobre a realidade que
lhe permite ser alguém, ter uma identidade pessoal e social. A consciência é o saber, ou o não
saber sobre si mesmo, sobre o próprio mundo e sobre os demais, um saber práxico mais que
mental, já que se inscreve na adequação às realidades objetivas de todo comportamento, e só
condicionada parcialmente se torna saber reflexivo.
Também Manfredo de Oliveira em sua obra "Antropologia Filosófica Contemporânea
(2012, p. XX), comentando Hegel afirma que:
o ser humano nunca é originariamente um sujeito sem mundo e sem história, ele não é nunca
subjetividade fechada em si mesma, interioridade pura, que em primeiro lugar esta em si mesma
e depois se dirige ao outro de si, mas é constitutivamente aberto ao grande todo [...] se o sujeito
só é sujeito numa rede de relações entre sujeitos (relações interpessoais e institucionais), isso
significa dizer que essas relações constituem seu ser, elas são a condição de possibilidade da
conquista de sua humanidade, constituem mediação necessária.
Tendo em mente esse caráter social do ser humano, entendemos que de certo modo
todas as profissões em nossa sociedade se encontram, muitas vezes, a serviço da ordem estabelecida que
202- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
confundir educação com escola. Nesse sentido aponta para a necessidade de se buscar a dimensão do ser
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desumaniza o homem. Os professores e educadores em geral não são uma exceção a isso. As relações
reflexão crítica sobre a realidade e contribuído para a desumanização dos seres humanos. A escola ao
invés de fomentar o pensamento humano tem se tornado frequentemente um campo de batalhas onde
o cotidiano escolar se torna um mecanismo de violência simbólica e institucionalizada (GUZZO, 2007).
Deve-se compreender a Educação e os problemas escolares como um problema
compreensivelmente social. É inegável o papel da escolarização na formação das pessoas e na
organização da sociedade. Porém, Raquel Guzzo (2007) afirma que esse processo educacional pode
tomar diferentes direções, dependendo da visão de homem e mundo que se assume.
Temos visto surgir algumas propostas alternativas de educação visando confrontar esse
caráter "domesticador" da educação. Pretende-se, partindo daqui, realizar um diálogo entre Paulo Freire,
Hegel e alguns autores da Psicologia, em suas contribuições para a Educação no que se refere ao caráter
reflexivo desse processo.
Uma educação crítica e libertadora, diz Paulo Freire (2013), ocorre em um tempo e
espaço determinados, em relação com pessoas concretas. Nesse sentido devemos ter claro o lugar do ser
humano nesse processo. Ela não pode tratar os educandos como seres incapazes, que desesperadamente
precisam de ajuda. Não se trata de transformá-los em objetos que recebem as informações para sua
salvação através de uma educação cheia de slogans e fórmulas prontas, como se os educadores fossem
seres iluminados e a educação tratasse de algo como uma soteriologia, uma doutrina da salvação
secularizada. Antes, supõe-se que os vejamos como também capazes de pensar por si próprios.
Trabalhamos para a formação de seres humanos e não de coisas.
Nesse sentido gostaria a filosofia hegeliana é, segundo defendido aqui, muito compatível
com essa proposta. Nesse sentido será feito um recorte, enfocando especialmente o primeiro momento
da secção "Consciência" - intitulado "Certeza Sensível"48 - com o objetivo de mostrar um modelo de
relação educador-educando que pode se apresentar como uma proposta interessante.
Hegel nunca elaborou uma obra de cunho propriamente pedagógico - apesar de querer,
mas faleceu antes de o fazer. Porém, alguns comentadores de sua obra colocam a Fenomenologia do espírito,
escrita por Hegel em 1806, como uma obra nesse sentido. Segundo Pedro Novelli (2001), esse livro
48
Essa parte da obra se encontra logo após a "Introdução" da Fenomenologia.
203- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
sociais tem se organizado de tal modo que a educação tem se tornado alienante, impossibilitando a
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apresenta muito mais o desenvolvimento da consciência do que seu surgimento, como muitos
Para compreender isso precisamos ter em mente que na filosofia de Hegel a consciência
não é tomada como algo imediatamente pronto e acabado, antes, ela é considerada em constante
processo de formação. O filósofo - ou o educador, no nosso caso - executa o papel de alteridade diante
de uma consciência disposta ao saber. Cabe à essa consciência filosófica, por sua vez, através do
processo formativo, instigar essa consciência natural da particularidade de sua certeza sensível à uma
mudança de olhar rumo ao universal. Nesse sentido, Jurgen Pleines (2010, p.13) afirma que
é possível extrair, da obra de Hegel, os elementos de uma doutrina da educação cuja meta mais
nobre consiste em vencer, no plano teórico e no plano prático, a teimosia e os interesses
egoístas, para finalmente conduzi-los àquela comunidade do saber e da vontade que é a
condição primeira de toda via ética e civilizada.
Esse processo do desenvolvimento se inicia portanto na sessão Consciência. Há nesse
momento o diálogo entre duas consciências (Filosófica e Natural). Aqui consciência natural se encontra
em um estado onde o saber é simples e imediato sobre os fenômenos e sobre ela mesma. Não há
nenhuma reflexão, ela apenas aceita as coisas como são. Entretanto, através da consciência filosófica
que provoca essa consciência a se movimentar rumo ao saber, o olhar vai gradualmente se alterando de
modo que ela se dê conta de sua condição, se situando entre a história universal e individual. Cabe à
consciência filosófica, assim, através do processo formativo, conduzir essa consciência natural da
particularidade imediata à universalidade do saber, de forma mediata.
No primeiro momento a certeza sensível (ou consciência natural), se apoia nos conceitos
dados de sua formação cultural. O mundo é visto como algo dado e fixo. A proposta hegeliana é de,
através do processo de formação, questionar essa consciência a partir de suas próprias afirmações acerca
de sua realidade. Ou seja, a partir das experiências que a consciência tem do mundo é que se inicia o
processo formativo. O educador não aparece com coisas novas e mirabolantes. Tal atitude é, assim, de
certo modo, congruente com a proposta de Paulo Freire.
No desenvolvimento desse processo, essa consciência natural vai se dando conta de que
há um equívoco em sua conceituação, até então tida como certa. O professor Pedro Gomes Neto
escreve que embora o educando (consciência natural) ainda não se dê conta de que seu erro cognitivo de se ater a imediaticidade das coisas e tomá-las como o verdadeiro - é também seu equivoco existencial,
ele se mantém em vivo diálogo com o educador. Este último consegue provocá-la à reflexão, e isso
interessa mais do que o conteúdo propriamente ensinado. O que o formador deve buscar é provocar
204- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
interpretam.
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esse educando de modo a rever suas concepções e verdades tidas como certas. Mas deve proceder com
O educador deve estar ciente de que a formação está para além do conteúdo, e que deve
desenvolver um olhar universal para problemas particulares. E aqui os conteúdos podem ajudar,
inclusive. Eles não são fim em si mesmo, mas um medium para a mudança do olhar. Com esse processo
de mudança de olhar ao longo dessa primeira secção, os conceitos universais aparecem então unidos a
sua vida individual, de modo que ela pode se tornar ciente de si mesma no movimento da história.
Esse confronto não deve ser algo escancarado e que venha a provocar a fúria do
educando, como afirma Paulo Freire (2013). É necessário manter ai um constante caráter dialógico,
quase "socrático". O processo não se trata de uma simples mudança de opinião, uma mudança subjetiva
e individual. Esse processo implica uma transformação radical nas relações das pessoas. Um trabalho
educacional conscientizador supõe, segundo Martin-Baró (1996, p.22)
um esforço para proporcionar a transmissão de esquemas sociais alternativos: a capacidade
crítica e criativa dos alunos frente ao que a escola e a sociedade lhes oferecem, um estilo
diferente de confrontar a vida social e laboral. Trata-se não somente que os alunos aprendam
com os currículos escolares planejados, mas sobretudo, que aprendam a confrontar a realidade
de sua existência com um pensamento crítico.
A luta pela transformação não deve ser buscada como algo imposto pelos educadores,
mas deve ser o resultado do processo educacional de conscientização. Da mudança de olhar crítica
frente à realidade.
Os educadores compromissados com a transformação social não podem manter os
alunos como "quase coisas", mas devem estabelecer uma relação dialógica de constante provocação ao
questionamento, inclusive de si próprios (FREIE, 2013).
A conscientização, a mudança de olhar é, grosso modo, o horizonte primordial da
educação. Paulo Freire (2013) caracteriza esse processo como uma transformação pessoal e social que o
indivíduo constrói em relação consigo e com o mundo. Três momentos constituem o processo de
conscientização e se relacionam dialeticamente um ao outro:
1. O ser humano estabelece uma relação com a realidade e se transforma ao transformar a
realidade.
2. No processo de formação, mediante a decodificação do mundo, a pessoa capta os
mecanismos sociais que a influenciam, e com isso muda seu olhar de algo simples e imediato, onde a
205- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
adequada cautela para não afastar a consciência natural do processo educacional.
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realidade era tomada como algo "natural" e passa a enxergar um novo horizonte de novas
3. Essa mudança de olhar leva a pessoa à uma nova relação consigo mesma, com os outros
e com o mundo.
Isso conduz ao que Manfredo de Oliveira (2012, p.234) diz: "só através do
reconhecimento do outro enquanto ser livre se dá a possibilidade do eu se constituir e criar uma
comunidade de seres livres". Além disso, afirma ainda que
Tem razão Hegel, quando sabe que, ali, onde o humano se divide em senhor e escravo, não é
possível emergir a liberdade verdadeira, e é por essa razão que a conquista da humanidade do
ser humano passa pela eliminação de toda e qualquer forma de negação de si mesmo como ser
que é fim em si mesmo [...] ser homem significa conquistar-se como ser livre, e o caminho para
chegar aí é cada individualidade negar-se como realidade isolada e construir um mundo que é
efetivador da liberdade [...] Isso significa que o que constrói a intersubjetividade não é o simples
encontro de dois sujeitos, cada um deles considerado em sua particularidade, mas a aceitação de
um ponto de vista universal. (OLIVEIRA, 2012, p.258)
O que deve visar a educação, portanto é a superação de pontos de vida particularistas e a
construção de uma vida coletiva efetiva, nas diversas dimensões da vida humana. Pleines (2010) aponta
que, além de tomar as medidas necessárias para que o desenvolvimento intelectual e espiritual humano
ocorra sem entraves, cabe ainda ao processo educativo possibilitar a construção de fundamentos para
que a vida individual e comunitária sejam pautados em bases racionais e refletidas.
Charles Taylor (1977) faz uma interessante reflexão sobre esse momento de mudança de
consciência. Ele afirma que, sendo os sujeitos necessariamente corporificados, qualquer mudança como essa da elevação da individualidade limitada à consciência universal - deve ser mediada por uma
mudança em sua materialidade. Por isso, em reais termos históricos o crescimento do pensamento
humano é acompanhado do desenvolvimento de suas formas de vida, que é o que chamamos
civilização. E vice e versa: transformações na objetividade da vida irão causar mudanças nas formas de
pensamento. Na perspectiva do Hegel há uma dialética entre as duas coisas. Não dá pra partir só de uma
nem de outra. Uma dialética assim não é boa dialética, segundo Carlos Cirne-Lima (2015).
Neste sentido, Jean Hyppolite (2003, p.162) concorda com Taylor e afirma que para
Hegel essa “tomada de consciência da vida universal pelo homem é uma reflexão criadora”, isto é, uma
reflexão não abstrata, trata-se de uma reflexão transformadora da realidade concreta. Sendo assim tratase de outra ideia congruente com a proposta freireana.
206- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
possibilidades. Algo mais universal e histórico, como no exemplo de Hegel.
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É interessante notar que, tanto em Paulo Freire quando em Hegel, a situação se inverte
senhor, mas pela educação de si mesmo. Se houvesse a revolta bruta, sem o processo de
conscientização, o que ocorreria seria apenas uma substituição de atores. Nem Hegel nem Freire se
propõe a tarefa eliminar o opressor e, sim, libertá-lo também, a partir do momento em que os
oprimidos se libertam. O objetivo é se alcançar um estado tal que não mais existam senhores ou
escravos.
Paulo Freire (2013) afirma que a verdadeira transformação libertadora ocorre quando os
oprimidos conseguem "expurgar" os opressores que hospedam dentro de si e recuperar sua
humanidade. Sem isso haveria a perpetuação da dominação. Apenas os termos se inverteriam e teríamos
um novo senhor e um novo escravo. Para as pedagogias de Hegel e Freire, a verdadeira transformação
do mundo está primeiramente no processo formação e conscientização. Não a conscientização
puramente ideológica, mas a conscientização verdadeiramente dialética: tanto no âmbito das idéias
quando da realidade objetiva.
É importante ressaltar que tal proposta pode ser entendida como conservadora, idealista
e antirrevolucionária. Até mesmo utópica, inclusive. Em certo sentido, sim, ela pode ser entendida como
tal. Mas podemos chamá-la utópica no sentido em que Paulo Freire (2013) utiliza: um lugar a ser
buscado, direcionando os esforços para se aproximar o máximo possível desse objetivo.
Por fim, destaca-se que não está nas mãos dos educadores sozinhos resolver os conflitos
sociais e as desigualdades. Estes não devem, e nem podem, como Atlas, carregar o peso do mundo em
suas costas. Não cabe somente a eles salvar o mundo, se é que ele pode ou precisa ser salvo. Entretanto,
se não somos chamados à resolver sozinhos esses problemas, somos convocados a intervir nos
processos sociais e intersubjetivos em nosso contexto social e histórico. Buscando assim caminhos para
substituir os hábitos desumanizadores pro hábitos mais racionais e humanizantes.
Referências Bibliográficas
CIRNE LIMA, C. Dialética para principiantes. 6ª ed. Porto Alegre: Escritos Editora, 2015.
COELHO, I. Filosofia e Educação. In: PEIXOTO, A. Filosofia, Cidadania e Educação. Campinas: Átomo & Alínea, 2010.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra. 2013
GUZZO, R. Escola amordaçada: Compromisso do psicólogo com este contexto. In: MARTÍNEZ, A (Org.). Psicologia escolar e compromisso social: novos
discursos, novas práticas. 2ª ed. Campinas: Alínea, 2007.
HEGEL, G. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 6ª ed. Petrópolis: Vozes: Bragança Paulista, 2011.
HYPPOLITE, J. Gênese e estrutura da Fenomenologia do espírito de Hegel. São. Paulo: Discurso Editorial, 2003.
NOVELLI, P. O conceito de Educação em Hegel. Interface: Botucatu, v.5, n.9, p.65-88, 2001.
OLIVEIRA, M. Antropologia filosófica contemporânea: subjetividade e inversão teórica. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 2012.
PLEINES, J-E. Friedrich Hegel. 1ª Ed. Recife: Massangana. 2010.
TAYLOR, C. Hegel. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.
VIGOTSKI, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007
207- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
portanto não pela revolta do escravo (ou do oprimido, no caso de Paulo Freire) que insurge contra o
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GT 4 – Filosofia, Psicologia e Educação
Leonardo Simões dos Santos – UEG/UNIP.
Esse projeto foi apresentado e realizado no Colégio Estadual Benedito Viera de Sá, em
Goiás. Como as aulas são de livre escolha e acontecem no contra turno das aulas considero como
atividades educativas de lazer.
Justificativa
O projeto “Lago Azul. Cultura local e juvenil: esporte e dança”, destina-se ao público
jovem, como experiência de uma ação educativa. Por meio de uma pesquisa com os alunos do Colégio
Estadual Benedito Vieira de Sá verificou-se o interesse por duas atividades que são praticadas
frequentemente pelo público jovem do bairro Lago Azul, município do Novo Gama, Goiás, e são
conteúdos da Educação Física: o futebol de salão (esporte) e o break (dança) decorrente da cultura Hip
Hop.
Na busca de um processo educativo significativo para o público jovem do colégio Benedito
Vieira de Sá, garantindo acesso, permanência e sucesso dos alunos no desempenho escolar, esse projeto
propõem a implantação de uma ação educativa que considere o jovem e o a cultura local como forma de
veículo na sistematização e construção do conhecimento.
De acordo com o documento Política Nacional de Juventude: Diretrizes e Perspectivas
(CONJUVE, 2006) a “juventude é uma condição social, parametrizada por uma faixa-etária, que no
Brasil congrega cidadãos e cidadãs com idade compreendida entre os 15 e 29 anos”. Sendo esse um
padrão internacional que tende a ser utilizado no Brasil. Nesse caso, podem ser considerados jovens os
“adolescentes-jovens” (cidadãos e cidadãs com idade entre 15 e 17 anos), os “jovens-jovens” (com idade
entre 18 e 24 anos) e os jovens-adultos (cidadãos e cidadãs que se encontram na faixa etária dos 25aos
29 anos) (CONJUVE, 2006). Segundo MONTEIRO (2012) sobre Piaget: “no estágio operatório
formal, a criança é capaz de lidar com conceitos como liberdade e justiça, uma vez que domina
progressivamente a capacidade de abstrair, generalizar e criar teorias sobre o mundo, principalmente
sobre os aspectos que gostariam de reformular”. Já fazendo apontamentos sobre Vygotsky,
MONTEIRO (2012) aponta que “a história sociocultural ou sociogênese estabelece como a cultura dá
208- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
LAGO AZUL - CULTURA LOCAL E JUVENIL: ESPORTE E DANÇA
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as condições de desenvolvimento do sujeito, obrigando-o a uma adequação quanto aos modos de vida
Além desse aspecto, outro fator a ser considerado é a “similaridade de experiências e
questões dos indivíduos que nasceram num mesmo momento histórico e que, nesta fase do ciclo de
vida, vivem sob os mesmos condicionantes das conjunturas históricas”. (CONJUVE, 2006).
Assim, o projeto “Lago Azul. Cultura local e juvenil: esporte e dança” propõe uma ação
educativa que utilize o futebol e o break como possibilidade de criação de um espaço local para
discussão, informação e acesso do público jovem do Colégio Estadual Benedito Vieira de Sá à
participação e inserção social por meio de atividades de esporte e dança, proporcionando melhor
qualidade de vida. Nesse projeto faz-se uma análise dos jovens a partir de Piaget, Vygotsky e Gardner,
na faixa etária da juventude. Trata-se também da educação a partir de Russel e Bauman.
Objetivos
Geral
Específicos:
Promover uma ação educativa de lazer, participação e inserção social por meio de atividades de
esporte (futebol de salão) e de dança (break) a partir da cultura geral, juvenil e local.






Ampliar a educação geral por meio de ações educativas informais de esporte e dança.
Promover debates, discussões e organização da juventude local a partir de práticas comuns,
vivenciadas no bairro Lago Azul, município do Novo Gama – GO.
Auxiliar na organização e desenvolvimento do esporte local por meio do futebol de salão.
Organizar e incentivar a participação em eventos esportivos de futebol de salão. Por
exemplo, os Jogos Estudantis do Estado de Goiás.
Auxiliar na organização e desenvolvimento da cultura Hip Hop local por meio da dança
break.
Organizar e incentivar a participação em festivais de dança e da cultura Hip Hop.
Conteúdos
A cultura corporal refere-se à produção histórica do ser humano exteriorizada pela
expressão corporal. Destacam-se os temas: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte,
malabarismo, contorcionismo, mímica e outros. Esses devem ser considerados como representação das
realidades vividas pelo ser humano e podem ser trabalhados como conteúdos nas aulas de Educação
Física (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
O projeto propõe trabalhar os conteúdos esporte e dança. A escolha do Futebol de salão e
do break deve-se ao fato desses terem uma representação significativa na cultura juvenil local.
209- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
constituídos socialmente”.
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Os alunos devem vivenciar e compreender o Futebol enquanto fenômeno cultural, jogo
(conhecimento de normas, regras, preparação física, técnica e tática do futebol de salão).
Em relação ao break, os alunos devem compreendê-lo enquanto manifestação de dança
inserido no movimento da cultura Hip Hop que é composto por quatro manifestações artísticas
principais: o canto do rap, a instrumentação dos DJs, a pintura do grafite e a dança break. Conhecer o
processo histórico e as técnicas da dança break.
Aqui percebe-se a partir de MONTEIRO (2012), que Gardner definia como inteligência
corporal cinestésica: “Essa inteligência trata das questões do corpo e das destrezas que envolvem sua
manipulação.
Os conteúdos devem favorecer o conhecimento que passa do nível comum ao científico
pela consideração e transformação daquele.
Aqui percebe-se a partir de MONTEIRO (2012), que Gardner definia como inteligência
corporal cinestésica: “Um atleta de alguma modalidade esportiva geralmente demonstra habilidades
acima da média.
Metodologia
Esse projeto propõe uma interação entre as pedagogias libertadora e crítico-social dos
conteúdos. O objetivo de utilizá-las é de sustentar a finalidade sócio política da educação e superar a
prática de ensino tradicional. De acordo com BAUMAN (2013) muitos jovens se lançam a formas
violentas de comportamento, como as gangues de rua e os grupos de protesto difuso – recursos usados
pelos excluídos dos templos de consumo, mas ávidos para participar do mercado. Bem como abuso de
do álcool ou de drogas BAUMAN (2013).
A teoria libertadora sugere o antiautoritarismo e a valorização da experiência vivida
(FREIRE, 2000), enquanto a crítico-social propõe uma valorização da ação pedagógica inserida na
prática social concreta (GRUPO DE TRABALHO PEDAGÓGICO, 1991). A construção, na escola,
de uma cultura corporal, demanda privilegiar valores que coloquem o coletivo sobre o individual, que
defendam o compromisso com a solidariedade e respeito humano. Características manifestas que
possibilitem resgatar práticas que possam contribuir efetivamente para o desenvolvimento da
consciência crítica. Já RUSSEL (2014) destaca a educação a partir de dois enfoques relacionada à
educação do caráter e a educação intelectual, dois aspectos que são abordados no projeto.
210- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
popular, Futebol espetáculo, Futebol profissional/mercado de trabalho e como jogo regulamentado
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As aulas devem ser compreendidas como um acontecimento socialmente programado, ou
podem apresentar suas opiniões e realizar suas experiências, resultado da vida cotidiana.
O conceito de jovem pensado nessa perspectiva vai além de uma classificação cronológica
do grupo, considerando os aspectos sociais envolvidos a essa fase da vida. Esse conceito permite pensar
um corpo inserido no mundo e em determinado campo social.
Segundo Le Breton (2006) “esclarecendo as modalidades sociais e culturais das relações que
estabelece no corpo, o próprio homem se descobre na extensão de sua relação com o mundo. A
sociologia do corpo é a sociologia do enraizamento físico do ator no universo social e cultural”.
Para o Conjuve (2006) os jovens devem ser pensados como sujeitos de direito, assim evitase classificações estereotipadas como “faixa-etária problemática” ou de um herói mítico ao qual se
atribui o poder da mudança. A juventude Brasileira é consequência da sociedade brasileira. Se for
problemática, deve-se ao fato de ser mais uma vítima dos problemas, por exemplo, socioeconômicos,
dessa sociedade.
Então, enquanto sujeitos de direito, esses jovens devem ter assegurado os Direitos
Fundamentais e os Direitos Sociais referenciados pela Constituição do Brasil de 1998 à toda sociedade
brasileira.
Para considerar o pleno exercício dos direitos fundamentais é preciso partir de um
entendimento acerca da qualidade de vida desses jovens cidadãos e cidadãs. Assim, “a discussão da
qualidade de vida está no campo dos direitos fundamentais do ser humano e tem relação com a divisão
das classes sociais, pois reflete desigualdades na apropriação de bens e conquistas sociais”. (CONJUVE,
2006)
Nessa perspectiva o Conjuve (2006) aponta três dimensões que afetam a qualidade de vida
para a juventude e que devem ser consideradas na implantação desse projeto:
Espaços e territorialidade. Isto porque a identidade dos grupos sociais (jovem de favela,
jovem de classe média, jovem pobre) está relacionada com determinados espaços sociais e com a
presença real dos direitos em cada um desses espaços. Assim, o plano local parece ser um espaço
privilegiado para o exercício da cidadania.
Informação, acessos e direitos.
211- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
seja, professores e alunos constroem as situações de ensino (aulas abertas). Os alunos sabem atuar e
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Faz-se necessário identificar se esses jovens estão plenamente assegurados em relação aos
seus direitos bem como à sua condição de cidadão na busca de uma melhor qualidade de vida.
As aulas do projeto têm o objetivo de propor a vivência pedagógica dos conteúdos esporte
e dança como forma de acesso a bens da cultura corporal e promoção da qualidade de vida, assegurando
e informando os jovens sobre seus direitos e deveres. A aplicação do futebol de salão e do break, nessa
intervenção de ensino, deve favorecer o indivíduo a reconhecer dialeticamente a função que esse
conteúdo exerce na sociedade, bem como o desenvolvimento saudável do ser humano (físico,
psicológico, social etc.).
O conhecimento no processo de ensino e aprendizagem deve considerar as características
dos alunos em todas as suas dimensões (cognitiva, corporal, afetiva, ética, interpessoal e inserção social).
O acesso ao conteúdo esportivo, Futebol de salão, e de dança, break, deve favorecer a construção de um
estilo pessoal de praticá-lo e oferecer instrumentos para que seja capaz de vivenciá-lo e reinventá-lo
criticamente.
Horário das aulas:
FUTEBOL DE SALÃO:
HORÁRIO: Aulas as terças e quinta-feira no turno vespertino. Aulas 02 vezes por semana, 03
aulas por dia, com duração de 1hora e 30 minutos cada.
LOCAL: Ginásio municipal do Novo Gama e quadra pública poli esportiva do Lago Azul,
ambas situadas no bairro Lago Azul.
DANÇA BREAK:
HORÁRIO: Aulas as quarta-feira no turno intermediário. Aulas 01 vez por semana, 04 aulas
por dia, com duração de 1 hora cada.
LOCAL: Sala de aula do Colégio Benedito Vieira de Sá.
TURMAS PARA O PROJETO:
FUTEBOL DE SALÃO: Alunos matriculados no turno matutino e intermediário.
DANÇA BREAK: Alunos matriculados no turno matutino e vespertino.
212- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Inserção, Participação e Controle Social.
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QUADRO INFORMATIVO DO NÚMERO DE VAGAS
ATIVIDADE
Futebol de salão
Dança Break
VAGAS
60 - masculino
30 - feminino
60
TURMAS
03 turmas com 30
alunos cada.
04 turmas com 15
alunos cada.
Se a procura pelas atividades do projeto for maior que o número de vagas haverá sorteio
entre os inscritos para escolha da vaga.
A meta do projeto é garantir acesso, permanência e sucesso dos alunos no desempenho
escolar, por meio de uma ação educativa que considere o jovem e o a cultura local como forma de
veículo na sistematização e construção do conhecimento.
Avaliação
A avaliação é uma forma de verificar se os objetivos traçados estão sendo alcançados, não
só pelos alunos, mas principalmente pelo sistema educacional e educadores. Historicamente a avaliação
tem sido utilizada de forma autoritária, impondo aos educandos o conteúdo proposto, como se a
verificação do ensino fosse apenas à realização de provas e a atribuição de notas.
Segundo Lukesi (1994), uma proposta educacional que tem um ideal de transformação e
conscientização social “precisa estar atenta aos modos de superação do autoritarismo e ao
estabelecimento da autonomia do educando, pois o novo modelo social exige a participação
democrática de todos”.
A proposta é que se estabeleça uma avaliação contínua, de forma que o processo aconteça
nos mais diversos momentos da prática educacional. Devem ocorrer frequentes verificações e
qualificações dos resultados da aprendizagem, a fim de detectar dificuldades e superar as falhas
decorrentes dessas.
213- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
As aulas do projeto são sempre teóricas e práticas.
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Só há aprendizagem se houver ensino. Partindo desse pré-suposto, cabe realizar avaliações
analisar a melhor aptidão física e sim a transformação ocorrida nos alunos a partir da prática
educacional, considerando os aspectos individuais e coletivos dos mesmos. Tais avaliações serão
realizadas ao final de cada semestre.
Referência Bibliográfica
BAUMAN, Zigmunt. Sobre educação e juventude. Rio de Janeiro, RJ: Editora Zahar, 2013.
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http://www.escoladegente.org.br Acesso em: 27 de nov. de 2007.
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práticos de aulas. 1 ed. Rio de Janeiro: Ed. Livro Técnico S/A, 1991.
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LE BRETON, David. A sociologia do Corpo. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2006.
MONTEIRO, Mario Destro. UNIP - Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem. São Paulo, SP: Editora Sol,
2012.
RUSSEL, Bertand. Sobre Educação. São Paulo, SP. Editora Unesp, 2014.
214- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
formais a fim de detectar se houve aprendizagem. Essas avaliações formais não terão o objetivo de
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A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA NO DEBATE SOBRE AS PARCERIAS PÚBLICAS
E PRIVADAS NA EDUCAÇÃO
Luelí Nogueira Duarte e Silva - FE/UFG
Jordana de Castro Balduíno - FE/UFG
Eugênia Assis Victor - UFG
Letícia Thays Bessa Silva - UFG
Lanussy Karoliny Oliveira Lira - UFG)
A psicologia, como ciência e profissão, historicamente, em sua interface com a educação,
tem prestado serviço ao poder instituído e tem contribuído não só para a marginalização e a exclusão de
diversas crianças e jovens, como também têm fornecido explicações, orientações e justificativas
científicas que ora engendram, ora fundamentam certa concepção de homem, de sociedade, de
educação, de conhecimento e de trabalho.
Neste sentido, este texto pretende analisar a concepção de homem presente na apostila
“Projeto de vida”, elaborada pelo Instituto de co-responsabilidade da Educação (ICE), que é uma
entidade privada, sem fins lucrativos, de Pernambuco que atua no ensino médio e que desenvolve
projetos educacionais em parceria com a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás
(SEDUCE/GO), particularmente associada ao Programa Ensino Médio Inovador49 (ProEMI) do
governo federal, instituído pela Portaria n. 971, de 9 de outubro de 2009 e ao Pacto pela Educação do
governo do Estado pela Lei Estadual nº 17.920/2012.
Esta apostila faz parte da disciplina “Projeto de vida”, destinada a alunos dos 1º e 2º anos
do ensino médio das escolas da rede estadual de ensino que adotaram, desde 2013, o Programa Ensino
Médio em Tempo Integral, denominado de Programa “Novo Futuro”.
No estado de Goiás, a Psicologia não faz parte da grade curricular obrigatória do ensino
médio, entretanto pode-se inferir sobre a presença de saberes psicológicos no conjunto de materiais e
estratégias didáticas e pedagógicas no Projeto “Novo Futuro”, na medida em que pretende desenvolver
ações que incentivem o “protagonismo juvenil”, “formação de lideranças”, “orientação para o mercado
O ProEmi compõe uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e é uma estratégia do governo
federal para induzir propostas curriculares nas escolas de Ensino Médio e visa garantir a formação integral dos estudantes. O
Estado de Goiás participa do ProEMI, desde 2012, inicialmente por meio de uma parceria com o Instituto Unibanco, com o
Projeto “Jovem de Futuro” e a partir de 2013, a secretaria também implementou o Programa “Novo Futuro” – Ensino
Médio em Tempo Integral, uma parceria público privado com o Instituto de Co-responsabilidade pela Educação (ICE) de
Pernambuco, que integra o Movimento Brasil Competitivo.
49
215- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT4 – Filosofia, Psicologia e Educação
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de trabalho”, “elaboração de um projeto de vida e profissional”, “estabelecimento de metas a serem
implementadas e avaliadas supõem uma fundamentação em aportes teóricos psicológicos, na medida em
que tais atividades direta ou indiretamente referem-se ao escopo da ciência psicológica.
Em razão disso, se faz necessário a realização de uma análise crítica dos materiais e
estratégias didáticas e pedagógicas desenvolvidas por esta entidade privada, buscando apreender os usos
e os sentidos dados aos saberes psicológicos, de modo que se possa compreender os valores, as atitudes,
as habilidades, bem como as formas de agir e pensar que se pretende desenvolver nos jovem, ou no
homem de amanhã.
As parecerias públicas e privadas na educação
De acordo com Verger e Bonal (2013, p. 16), as PPP “se definem como relações contratuais
entre o governo e proprietários privados para adquirir serviços de uma qualidade determinada em um
período específico”. Assim, na prática administrativa brasileira não é novidade as parcerias público –
privadas (PPP), visto que historicamente há indícios de obras públicas financiadas por entes privados,
como é o caso das nossas ferrovias. No entanto, tem sido considerado como momento emblemático de
mudanças na concepção, na legislação e na implementação dos modelos de contrato administrativo
entre os entes público e privado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado pelo ministro da
Modernização Administrativa e Reforma do Estado (MARE), Luís Carlos Bresser Pereira, no primeiro
governo Fernando Henrique Cardoso (PEREIRA, 1999).
Essas mudanças podem ser verificadas por meio de um ordenamento político, jurídico e
institucional como as Leis 8. 987/95 e 9. 074/95 que legislam sobre o sistema de concessão de serviços
públicos. A Emenda Constitucional n. 19 de junho de 1998 que “modifica o regime e dispões sobre
princípios e normas da Administração Pública (...)” e também as Leis 9. 637/98 e 9. 648/98 que
normatizam e regulam as Organizações Sociais (OS).
Esse conjunto de leis reforma o Estado brasileiro e introduz novos conceitos, princípios e
estabelece novas formas de regulação e funcionamento entre a Administração Pública e as entidades
privadas. Dentre esses conceitos, cabe destacar: “Estado regulador e provedor dos serviços sociais:
saúde e educação”, “organização pública não – estatal”, “atividades estatais – não publicizáveis”, entre
outros. Conceitos que, de certo modo, expressam que serviços, principalmente do âmbito social, que
216- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
cumpridas”, “construção de uma visão de futuro”, entre outras. Ações que para serem planejadas,
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eram de responsabilidade do Estado passam a partir de então a poder ser gerenciados pela iniciativa
Na educação, esse aparato político e jurídico introduz nova forma gestão e cria as
possibilidades para que a iniciativa privada entre na escola pública, visto que a educação passa a ser
entendida como serviço não – exclusivo do Estado e, este passa a contar com as organizações não –
estatais e privadas, sem fins lucrativos, para gerir as escolas. Assim emergem, neste contexto, as
Organizações Sociais (OS) e as Parcerias Públicas – Privadas na Educação (PPPE). Essas últimas
reguladas pela Lei n. 11. 079/2004.
É importante salientar que essas formas de privatização e desvalorização do público se
inserem em um contexto mundial mais amplo, que envolve Estados Unidos, Europa, países em
desenvolvimento e também toda a América Latina e Caribe, segundo dados da Campanha Latino
Americana pelo direito à Educação (CLADE, 2014), citados por Croso e Magalhães (2016).
No Estado de Goiás, nos meados da segunda década do século XXI, sob o governo de
Marconi Perillo, começaram a ocorrer às primeiras experiências de parcerias entre público e o privado.
Em 2011, as principais unidades de saúde da capital foram repassadas para a administração das OSs. Na
educação, em 2012, iniciaram as experiências entre público e privada, mas estas não foram qualificadas
naquele momento como OS. Somente em agosto de 2015, o governo do Estado de Goiás anuncia que
irá implantar as OS na área educacional, por meio de contrato de gestão, conforme a Lei nº 18. 331, de
30/12/2013, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais estaduais.
As entidades privadas quando são qualificadas como OS, passam a obter uma série de
benefícios como receber recursos públicos e privados, estabelecer convênios e parcerias, entre outros,
embora controladas e vigiadas pelo Estado. O Instituto Unibanco e o Instituto de Co-responsabilidade
pela Educação (ICE), que atuam nas escolas públicas estaduais de Ensino Médio, não são ainda
qualificados como OS, segundo o governador Marconi Perillo e a secretária da Educação Raquel
Teixeira.
Porém não há como negar que a relação legal e contratual estabelecida entre estes institutos
e o Estado de Goiás é uma das formas de parceria pública – privada, ou uma das formas de privatizar a
educação pública, na medida em que já significam, de certo modo, a introdução da mudança do papel
do Estado na educação e também já marcam a introdução de certa lógica empresarial no funcionamento
da escola pública. A escola pública passa a ser regida por uma lógica de estabelecimento de metas, de
217- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
privada (ARELARO, 2007; CUNHA, 2007).
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busca de melhores resultados e de reforma da gestão dos sistemas educativos (VERGER; BONAL,
Pode-se inferir, inclusive, que essas experiências de PPP da Seduce/GO com o Programa
Novo Futuro do Instituto de Responsabilidade da Educação (ICE) e com o Programa Jovem do Futuro
do Instituto Unibanco vem criando as condições objetivas e legais para a implantação das Organizações
Sociais na rede estadual de Goiás.
Instituto de Co-responsabilidade da Educação (ICE)
O ICE é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que tem como missão a melhoria da
qualidade da educação pública. O ICE atua no Ensino Médio e conta com a parceria do Instituto
Qualidade no Ensino (IQE) e o Instituto Alfa e Beta (IAB), bem como atua no Ensino Médio Integral,
no Ensino Médio Profissional e no ensino fundamental da 7ª ao 9º ano.
De acordo com o portal do ICE, este produz e aplica soluções educacionais inovadoras e
replicáveis em conteúdo, método e gestão, por meio de parcerias com instituições governamentais e
privadas. Tem como objetivo desenvolver ações que promovam a qualidade do ensino e da
aprendizagem na escola pública brasileira (ICEBRASIL, S/D).
Este Instituto foi criado em 2000 por um grupo de empresários da iniciativa privada que
desejava recuperar a estrutura física e preservar o acervo do centenário Ginásio pernambucano, que era
considerado patrimônio histórico do Recife. A iniciativa gerou um novo modelo de gestão escolar, que
inspirou o governo de Pernambuco a adotá-lo em várias escolas públicas do Estado. O modelo era a
Escola de Ensino Médio em Tempo Integral, com foco na “formação de jovens autônomos, produtivos
e solidários” (INSTITUTO DE CO-RESPONSABILIDADE DA EDUCAÇÃO, S/D).
Em 2004, foi construída a primeira escola em tempo integral – o Centro de Ensino
Experimental Ginásio Pernambucano. Em 2008, o modelo foi transformado em política pública por
meio de Lei Estadual nº 17.920/2012. A partir da experiência pernambucana, vários Estados do país,
por intermédio das Secretarias da Educação, começaram a desenvolver parcerias com o ICE e a
implantar as escolas em tempo integral. Nestas escolas são oferecidas aos jovens várias e diversificadas
formas de aprendizado, participação e promoção do seu autodesenvolvimento. As metodologias
desenvolvidas são centradas na construção de um Projeto de vida e profissional.
218- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
2013).
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Para este projeto, “a gestão de uma escola pouco difere da gestão de uma empresa”. Assim,
Odebrechet (TEO), mas foi sistematizada e reformulada de modo a ser empregada no ambiente escolar,
sendo denominada Tecnologia Empresarial Sócio – Educacional (TESE).
No Estado de Goiás, em 2013, o Programa Ensino Médio em Tempo Integral foi
implementado na rede estadual de ensino, denominado Programa “Novo Futuro”, abrangendo,
inicialmente, quinze escolas, sendo oito localizadas na capital e sete no interior. Em 2014, mais sete
escolas do interior aderiram a este Programa. Estas escolas foram transformadas em Centros de Ensino
em Período Integral (CEPI), por meio da Lei estadual nº 17.920/2012.
O Programa “Novo Futuro”, resultado de uma parceria público privado com o Instituto de
Co-responsabilidade pela Educação (ICE) de Pernambuco, tem como objetivo ampliar o tempo escolar
e contribuir para a formação de um cidadão livre, solidário e qualificado (SEDUCE/GO, 2013). Sendo
assim, o programa se assenta em três pilares: a) Formação acadêmica de excelência; b) Preparação para a
vida e c) Preparação para o mundo do trabalho.
A formação acadêmica de excelência a ser oferecida aos alunos, segundo o portal da
SEDUCE/GO, contará com avaliações contínuas e também com programa de iniciação científica. No
pilar preparação para a vida, os alunos terão educação de valores, no qual deverão desenvolver um
projeto de vida pessoal e terão oportunidades de exercerem o seu protagonismo juvenil. Em relação ao
terceiro pilar preparação para o mundo do trabalho, a escola deverá orientar e potencializar as
competências dos estudantes com vistas à atuação futura no mercado (SEDUCE/GO, 2013).
A disciplina “Projeto de Vida”, que tem como foco os alunos dos 1º e 2º anos,
pretende prepará-los para o mercado de trabalho e para a vida. Para tanto, visa contribuir para a
construção de um cidadão autônomo, solidário e competente (APOSTILA PROJETO DE VIDA, s/d).
Esta disciplina conta com uma apostila para o professor, para que este possa auxiliar e ajudar cada aluno
a construir o seu projeto de vida, tendo como princípio que o “destino de cada um é de sua
responsabilidade” e depende de sua vontade, escolhas e ações. Tem como objetivos principais:
1) Levar o jovem a pensar sobre as suas intenções e ambições a partir de seus sonhos; 2)
Ajudar na identificação de características de sua personalidade; 3) Contribuir para as relações de
participação no contexto familiar, social e cultural; 4) Desenvolver valores que ajudarão na
convivência social e na tomada de atitudes; 5) Ajudar na autonomia para a construção do
conhecimento e 6) Auxiliar no processo de desenvolvimento de um projeto de vida.
(APOSTILA PROJETO DE VIDA, S/D)
219- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
a concepção de gestão escolar do ICE foi baseada no modelo de gestão Tecnologia Empresarial
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O primeiro e o segundo módulo, direcionado aos alunos do 1º ano, tem como objetivo
levá-los a construir sua identidade, tomando como base o autoconhecimento. Pretende ainda,
desenvolver o comportamento interpessoal e as competências sociais necessárias para se adaptarem e
conviverem em sociedade. O terceiro módulo, destinado aos alunos do 2º ano, visa a construção do
projeto propriamente dito, sendo dividido em duas partes. A primeira trabalha com temáticas variadas
que ressaltam a importância do jovem elaborar seu projeto de vida e a segunda é uma sequência de aulas
práticas, dadas passo a passo, para a materialização desse projeto.
A apostila, de modo geral, é um manual de orientações e prescrições com o
intuito de levar o jovem a se reconhecer, a se ver como sujeito autônomo, solidário e competente, dono
de seu destino e capaz de mudar seu futuro. Todas as aulas são programadas, de modo a conscientizar o
jovem de que ele é o protagonista de sua vida e de seu futuro, bem como da realização de seus sonhos e
metas. O professor é eleito para ser o seu tutor, o seu orientador, ou aquele que irá ajudá-lo a projetar o
seu futuro e a buscar os meios para realizá-lo. Juntos, professor e aluno irão escrever a história de
sucesso deste.
A apostila é assim um conjunto determinado de aulas planejadas, organizadas e
direcionadas, com base em uma sequência lógica de temas que se inicia com o autoconhecimento, passa
pelas relações sociais até a elaboração do projeto de vida, ao longo de dois anos. Neste período, o aluno
é semanalmente convidado a conhecer-se, aprender a relacionar-se socialmente e por fim reconhecer
que precisa tomar as rédeas de seu futuro e construí-lo.
No final do 1º módulo, há um conjunto de 10 aulas sobre regras de convivência,
com o intuito de levar o aluno a desenvolver competências sociais. Essas aulas, que também compõem
o módulo II, são apresentadas, com base nos pilares da educação: aprender a ser; aprender a conviver,
aprender a conhecer e aprender a fazer. Em outras palavras, se sustentam na ideia do aprender a
aprender, ou na noção de que o aluno aprende por si mesmo, de que ele é o protagonista não só de sua
aprendizagem como de seu destino.
O módulo III, que se inicia na aula 36, refere-se ao que é o futuro, de como este
se forma e de como é possível mudá-lo. Essa discussão acontece, em torno de 10 aulas, até que se
coloca a necessidade imperiosa do aluno mudar o seu próprio futuro. A aula n. 47, que tem como título
“Eu faço o meu destino” ilustra como é reforçado o papel de cada um nessa construção. A partir da
220- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
A apostila “Projeto de Vida”
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aula n. 52, é apresentado e entregue a cada aluno um “Guia prático de construção de seu projeto de
seu futuro, pense em seus sonhos e estabeleça suas metas para alcançá-las.
Como se percebe a apostila tem como pretensão formar certo tipo de homem, certo
tipo de sujeito, qual seja o sujeito individualista, competitivo e autônomo, que acredita não precisar dos
outros, ou que se faz por conta própria, tal qual a sociedade neoliberal necessita. Essa concepção de
homem da apostila, ainda o faz pensar que o sucesso e o fracasso na vida e na profissão dependem
exclusivamente dele, isentando a forma como a sociedade se organiza e se estrutura.
Pode-se inferir que essa apostila, em particular, introduz no indivíduo a lógica
empresarial, o indivíduo vai sendo levado a pensar e a se ver como uma empresa, que como tal necessita
estabelecer metas, obter resultados e tornar-se competitivo, para tanto precisa ser cada vez mais
competente, eficiente e aprender a gerenciar a sua própria vida.
Enfim, como se percebe, essas entidades privadas, por meio de seus projetos
educacionais visam não apenas contribuir para a melhoria da qualidade da educação brasileira, mas
essencialmente oferecer certa formação ao jovem brasileiro, ou constituir certo indivíduo para certa
sociedade. Mas cabe perguntar que indivíduo é este que está sendo formado por essas escolas e para que
sociedade? A quem interessa a formação desse tipo de indivíduo?
Referências bibliográficas
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221- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
vida”. Este guia deve ser preenchido por escrito, tendo como finalidade fazer com que o aluno planeje o
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A SUBVERSAO DO EU-SABER-IDENTIDADE NA (IN)CERTEZA SENSÍVEL:
ACONTECIMENTO
Monica Ferreira Albernaz - SME-GO
O acontecimento esteve presente, de uma forma ou de outra, nas constituições dos
pensamentos dos autores propostos aqui nesta comunicação: Adorno, Mounier e Hegel. Theodoro W.
Adorno (1903-1969) nasceu em Frankfurt am Main, Alemanha. Tornou-se um filósofo, sociólogo,
musicólogo, compositor e psicólogo. Pertence à segunda geração da escola de Frankfurt. O seu
pensamento foi impactado com o acontecimento de Auschwitz, o holocausto, que gerou um sentido
impeditivo: para que não ocorra mais. Assim dedicou-se em seus escritos filosóficos.
Emmanuel Mounier (1905-1950) nasceu em Grenoble, França. Filósofo e fundador da
revista Esprit, construiu seu pensamento personalista em defesa da pessoa, a pessoa acima de tudo,
diante dos acontecimentos da Primeira e Segunda Guerras Mundiais e suas implicações como a pobreza
das populações dos bairros periféricos. Mounier afirmava que os acontecimentos seriam o mote do
pensamento dos autores da revista Esprit.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) nasceu em Stuttgart, Alemanha. É um dos
filósofos mais influentes da história. Possui uma importância irrefutável para a filosofia, psicologia e a
educação. Influenciou vários pensadores, tanto na perspectiva de confirmação como na de refutação de
seus pensamentos. Dentre vários acontecimentos que poderiam ser levantados como possibilidades de
impacto sobre o pensamento de Hegel, elege-se a “coisa em si” de Kant, como não acessada em seu
interior pelo pensamento. Pode-se dizer que a teoria da coisa em si de Kant foi o acontecimento para
Hegel se fazer como um filósofo da estirpe que foi.
Assim, compreende-se que o potencial teórico do acontecimento necessita ser ascendido.
Os autores levantados aqui apresentam várias divergências teóricas. Desse modo, buscar-se-á abordá-los
no sentido de melhor compreensão da possibilidade do acontecimento na versão dialética hegeliana,
tendo como perspectiva futura uma proposta pedagógica do Acontecimento.
Nessa direção, a dialética negativa de Adorno apresenta o momento negativo como em um
tempo sem pressa, uma pausa a perdurar, a qual não deve propiciar forma alguma de pensamento
imediato. É a negação indeterminada no instante que se permanece anterior à sua determinação. A
dialética, aqui, é o avesso do determinado. É a força no permanecer face a face e o tencionar até o
223- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT: 4- Filosofia, Psicologia e Educação
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extremo os polos a serem superados na contradição. Ocorre o estancar do fluxo da consciência diante
(ADORNO, 2009, p. 13). E ainda, “é o indício da não-verdade da identidade, da dissolução sem
resíduos daquilo que é concebido no conceito. Todavia, a aparência de identidade é intrínseca ao
próprio pensamento em sua forma. Pensar significa identificar” (ADORNO, 2009, p. 12, 13). A
contradição, nessa perspectiva, compreende o Eu que se mostra polarizado – verdade e não verdade –
em sua relação sujeito-objeto de modo indissociado no que se refere ao externo-interno, porém
comprometido com aparência do não ser.
Desse modo, a dialética negativa pode ser entendida, segundo Zafatle (2013), como o único
modo de superar as dicotomias modernas entre pensamento e ser:
Pensamento e ser, sujeito que conceitua e objeto a conceituar, forma e conteúdo, conceito e
intuição. Dicotomias que, se aceitas, levariam o pensamento às amarras da perpetuação da
finitude e, ao menos segundo a tradição hegeliana, a uma maneira insidiosa de ceticismo. Tal
superação dialética, como dirá Adorno, procura transformar a experiência crítica dos objetos,
ou seja, a consciência do descompasso entre a experiência e os modelos de representação de
objeto, em motor de crítica da razão. (ZAFATLE, 2013, p. 13, apud ADORNO, 2013).
Mas, nas palavras do próprio Adorno (2009, p. 13), o que é a dialética? “A dialética é a
consciência consequente da não-identidade”. Para o autor, a dialética negativa apresenta a consciência
em busca de saber-de-si a ponto de “se submeter à disciplina da dialética, e tem de pagar sem qualquer
questionamento um amargo sacrifício em termos da multiplicidade qualitativa da experiência”
(ADORNO, 2009, p. 13, 14). Desse modo, a relação entre a consciência que se esforça em se submeter
a uma disciplina da dialética e as experiências dessa se mostra como potencial a evocar a força diante do
pensamento identitário, tornando possíveis confrontos entre “pensamento e ser, sujeito que conceitua e
objeto a conceituar, forma e conteúdo, conceito e intuição” (ZAFATLE, 2013, p. 13, apud ADORNO,
2013), nas consequências da sua não identidade.
Em Adorno (2009), é a experiência do saber identitário na relação com o não idêntico
tencionado em suas consequências que gera o novo perpassado pela e em qualidade. Assim, para o
mesmo autor, a experiência é a capacidade de pensar a realidade, o como, e o que se pensa, o que se é e
o que se não é, o conteúdo. Entretanto, Adorno (2000) ressalta o peso das experiências primárias como
dificuldades de acessar os sentidos mais profundos da consciência.
Na dialética adorniana, a experiência é vivência intelectual em confronto identitário dos
indícios da sua não verdade, “sem repressão da experiência de não identidade” (ZAFATLE, 2013, p. 48,
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do não idêntico, entendendo-se que “a contradição é o não-idêntico sob o aspecto da identidade”
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49, apud ADORNO, 2013). Repressão está vinculada ao sentimento de culpa que Adorno (2009) trata
Eros e o instinto de destruição ou morte” (FREUD (1927-1931), 1974, p. 156).
A dialética, antropologicamente tratada aqui, impregna na identidade uma culpa que resgata
a própria origem do humano. Origem esta, pode-se dizer, que permanece no desenvolvimento humano
na forma ontogênica implicada pela filogênica. Adorno (2009), desse modo, assegura os instintos
insuflando o pensar como razão, trazendo para a cultura a possibilidade do lugar da não repressão da
não identidade. O relevo nessa dialética é a forma – a negativa, o conteúdo do não idêntico.
Nesse sentido, a compreensão adorniana do pensar como identificar – “pensar significa
identificar” – perpassa a compreensão de Freud sobre o processo de identificação. Para a psicanálise, a
identificação é o processo central na constituição do sujeito, por meio do qual ele assimila ou se
apropria “em momentos-chave de sua evolução, dos aspectos, tributos ou traços dos seres humanos que
o cerca” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 363). Nessa direção, Adorno (2009) evoca o identificar
como ação no eu, a perceber o que é do outro: nele reprimido; nele na escolha de objeto com ligação
afetiva e como ligação ao sintoma do outro; como investimento; ou na instalação do ideal do eu; na
instalação do supereu. O pensar desse modo é identitário ao ser perpassado pelos elementos da
identificação em sua própria constituição. É o conteúdo implicado na forma. Observa-se, no exemplo
da “natureza ciclista”, como Horkheimer e Adorno (1973, p. 179) abordam a identificação:
[...] “natureza ciclista”, na acepção metafórica de uma pessoa que gosta de calcar o pé em quem
está por baixo e, ao mesmo tempo, dobra o corpo, em posição humilde, para os que estão em
cima. [...] Exterioriza-se o sentimento da própria vitalidade: para que se sinta alguém, essas
pessoas têm necessidade de se identificar com a ordem estabelecida e essa identificação faz-se
tanto mais agrado quanto mais inflexível e poderosa for essa ordem. Subjacente nessa atitude há
uma profunda fraqueza do ego, que se sente incapaz de satisfazer as exigências de
autodeterminação da pessoa diante das forças e instituições onipotentes da sociedade.
Aqui, a identificação é vinculada à ordem social e à força presente no ego diante das
exigências da autodeterminação. A relação conteúdo e forma é ressaltada como construção da
identidade em concomitância à não identidade. A forma é dialética com ênfase no negativo e conteúdo
identitário e não identitário – saber e não saber. O que se põe, portanto, é o próprio movimento da
dialética em parada tensional. O tencionar é na busca da qualidade da experiência, como espessura da
tessitura da constituição do humano.
O tencionar é realizado, por Adorno (2009), em seu próprio exercício negativo, em
confronto com as teorias do conhecimento de Kant, Husserl e Heidegger, orquestrando um “refletir
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na dialética como “uma expressão tanto do conflito devido à ambivalência, quanto da eterna luta entre
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novamente”, no qual os acordes harmônicos teóricos são postos à prova. E, de igual modo, ele realiza o
invés de deixar que o pensamento se curve irracionalmente ao primado da prática. A própria prática foi
um conceito eminentemente teórico” (ADORNO, 2009, p. 126).
Nessa dinâmica do tencionar teórico, Adorno propõe o tratar a identidade na perspectiva da
unificação dos conceitos, na relação interno-externo e idêntico e não idêntico, a partir da constelação,
onde eles entram em acordos. “Essa constelação ilumina o que há de específico no objeto e que é
indiferente ou um peso para o procedimento classificatório. O modelo para isso é o comportamento da
linguagem. Ela não oferece nenhum mero sistema de signos para a função do conhecimento”
(ADORNO, 2009, p. 140). A ênfase na linguagem para com a constelação reside na objetividade que
por meio da relação com a coisa ela conquista. O que é visado pelo eu na relação com o objeto é
contemplado pela linguagem no sentido de dar conta de expressar o que foi amputado no interior.
Trata-se da universalidade do singular, que imerso no interior necessita de exterior, ou seja, do objeto.
Exigindo a sua sedimentação é que se tem a história. “O conhecimento do objeto em sua constelação é
o conhecimento do processo que ele acumula em si” (ADORNO, 2009, p. 142). A história particular
recupera a universal e é constituída por ela. “A conexão que ela instaura – precisamente essa constelação
[...] Aquilo em que tais constelações são é similar à escrita, é a conversão do que é pensado
subjetivamente e do que é reunido em objetividade em função da linguagem” (ADORNO, 2009, p.
143). Nesse contexto, Adorno (2009) irá afirmar que o não idêntico requer linguagem, por implicar a
função do identificar ao não idêntico.
Por conseguinte, o acontecimento, em Mounier, pode ser pensado como o elemento que
possibilite o formar de uma constelação, uma vez que este provoca resistências aos primeiros
entusiasmos do ser? Ou perguntado de outro lugar, o de Adorno: a constelação é um acontecimento na
sua escrita invertida? Em Mounier (1992), para que ocorra mudança diante do acontecimento é
necessária uma linguagem interior, em que o Eu que fala consigo mesmo mediado pelo objeto em
ascensão de valores. Mas, o que é o acontecimento?
O acontecimento, em Mounier (1992, 1993), pertence ao processo de conhecer em
perspectiva relacional axiológica entre eu e o objeto em elevação ao mais humano. É compreendido
dentro da história, implicado no particular e universal. Entretanto, a sua ação é maior em relação à terralocal-distância como liga, do que com o tempo. E “uma das maiores leis do acontecimento: todo que é
público é infectado, e não pode manter-se, crescer, renovar-se, senão por uma transfusão dos recursos
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mesmo nos acordes dissonantes em Hegel e Marx. “É preciso refletir novamente de maneira teórica, ao
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para o privado” (MOUNIER, 1992, p. 89). O acontecimento possibilita a interlocução entre o público e
o Eu-Nós, ou seja, pessoa e comunidade de pessoas.
O acontecimento, como segundo momento do processo de conhecer a partir do realismo
espiritual, é abordado por Albernaz (2014) na relação pensamento-linguagem-compromisso que
corresponde a um elevar-se axiológico. É evocado como o evento real que é a revelação de todo
elemento estranho, seja oriundo da natureza externa ou interna do homem, que projeta ações e provoca
uma série de sentimentos, e ao mesmo tempo um encontro do universo exterior com o universo
interior. “Os acontecimentos, segunda sociedade detrás da sociedade dos homens, oponentes mais
fortes às nossas mudanças ao primeiro entusiasmo em ser” (MOUNIER, 1992, p. 203, tradução nossa).
Mounier (1992) esclarece que existem acontecimentos que conduzem o homem a lugares
para os quais ele não sabe ir. Isso é o não planejado, o não esperado, que provoca no homem um ato de
repensar a existência, um impulso a transfigurar, algo como o não saber aonde ir, em um
entrecruzamento de caminhos. Assim, o acontecimento, em Mounier (1992), pede um repensar que
impele à busca de solucioná-lo de modo humanizante. Pode-se dizer que este repensar chama a
identidade em relação tensional com a não identidade na dialética negativa.
Mounier (1992) amplia a discussão ao definir o acontecimento como algo que nos ocorre
sem percebermos. Para ele, às vezes, em um logo período, os acontecimentos se deslizam sem despertar
alterações, como algo monótono, como um sonho sem relevo. Há outros dias em que eles são inflados,
tornando os dias felizes. Para o autor, ocorrem três ou quatros acontecimentos em nossas vidas que se
mostram como cavaleiros solenes de nossos destinos e só os conhecemos em suas grandezas
excepcionais depois de suas partidas. Existem aqueles acontecimentos que nos assaltam em desvios,
atacando como voos de moscas. Para Mounier (1992) são como anjos que descem como faísca e ao
partirem deixam o silêncio sobre as ruinas.
Segundo Mounier, o acontecimento verdadeiro é como estrangeiro que se joga, se lança,
através da estrada. Trata-se de todos aqueles homens aos quais literalmente nada se passa. Eles se
acreditam calmos, porque nada os move. São pacientes porque sua sensibilidade é espuma. São
desprendidos porque não se dão a nada. Mostram-se indiferentes ou rígidos, prejuízo sobre a vida. São
escorregadios. Existem outros que se agarram a tudo, entretanto, nada lhes penetra. São estes os
mesmos que, quando um acontecimento se dá, se afundam em suas vidas, desconcertados. Assim, podese dizer que o acontecimento proporciona um parar tensional do idêntico e do não idêntico diante da
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privado, tendo a primazia no privado, com o fim de manutenção do público. Implicam-se, assim, o Eu e
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inquietude do conceito? Pode-se afirmar que o próprio acontecimento é, enquanto evento real, o parar
identidade, tornando as certezas do Eu incertas. Desloca-se o movimento do Eu “como estrangeiro que
se joga, se lança, através da estrada”, no realizar da experiência do se fazer. Nesse sentido, o faz buscar
no não idêntico, no objeto, a segurança do conceito, ou seja, a segurança do Eu-saber, tornando, assim,
a contradição suportável na busca por compreendê-la em elevação de valores.
Assim, é possível vincular a dialética negativa de Adorno, o acontecimento de Mounier às
três primeiras dialéticas no processo de conhecer em Hegel (2011). Para Adorno (2009), a relação de
conhecer é estabelecida entre Eu-objeto e o processo de identificação – teoria freudiana. Em Monuier
(1992), o processo de conhecer se dá na relação Eu-objeto e os valores vinculados à elevação ao mais
humano. Em Hegel (2011), o processo de conhecer se dá na relação Eu-objeto com relevância à
alteridade, em busca pela totalidade Eu-saber, ou seja, do Eu-Eu. Os três autores abordam a alteridade
de forma diferente, estando presente nas três formas de se pensar o processo-de-conhecer-se-fazendo.
De igual forma, os três autores abordam a contradição, que é fundante neste processo, porque o eupensar-saber é dialético. O negativo é presente em constituição do Eu.
Pode-se expressar um acordo entre Adorno e Hegel em relação à compreensão da
contradição. Em Adorno (2009), há “uma definição canônica da dialética em Hegel: ‘espírito de
contradição organizado’” (ZAFATLE, 2013, p. 13, apud ADORNO, 2013). Esta se mostra “fiel a sua
recuperação hegeliana” (ZAFATLE, 2013, p. 13, apud ADORNO, 2013), pois a contradição em Hegel
é inerente à realidade histórica e ao pensamento na relação interno-externo, “pensar ou o próprio
pensamento tem o impulso (Trib) para superar a contradição” (INWOOD, 1997, p. 81), e o seu
exercício eleva às figurações superiores. O elevar do conceito, ou o novo conceito, envolve uma
contradição que é própria dele. Tanto as contradições subjetivas, as do pensar, como as objetivas
inerentes ao mundo exterior devem ser superadas. Hegel (2011) vê essas contradições subjetivas e
objetivas em interdependência. Pensamento e mundo estão interligados, não existe uma distinção clara
entre ambos. O conceito do ser Para-Si (Für-ich) introduzido por Hegel, em sua Lógica, resgatou a
contradição na subjetividade, na compreensão de um outro ser Para-Si. Transcende, assim, a
determinidade do Dansein.
A dialética hegeliana, como sistema filosófico, Hegel (2011, p. 21) a aborda com o seguinte
exemplo:
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tensional na dialética negativa? Ele abala o que está de alguma forma solidificado no Eu-saber, na
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O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta: do mesmo
modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como uma verdade no
lugar da flor: essas formas não se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis
entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica,
na qual, longe de se caracterizarem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade
que constitui unicamente a vida do todo. [...] a Coisa não se esgota em seu fim, mas em sua
atualização.
Essa atualização se desdobra na necessidade do Eu-saber (Ich-wissen), tendo como
condicionamento a meta. Esta “está [...] onde o conceito corresponde ao objeto e o objeto ao conceito”
(HEGEL, 2011, p. 76). Em Adorno, o condicionamento se mostra na compreensão do
desenvolvimento do sujeito em conflito entre a consciência e o inconsciente – (ego, id e superego). Para
Adorno (2009, p. 12, 13), é neste lugar, o do conflito do eu ou o problema do Eu, que o motor da
crítica da razão deve agir, pois “pensar significa identificar”.
Nessa direção, retoma-se a organização do espírito de contradição, a fim de compreendê-lo
em seus processos formativos iniciais. Parte-se do próprio movimento da dialética: em Hegel não há
parada. Há um fluxo contínuo na busca pela meta em Trieb. Os elementos nesta dialética são o vir-a-ser,
o ser e o nada. A força do vir-a-ser se põe ao ser e ao nada, ambos indeterminados. Inicia-se a dialética
do ser, tornando-os determinados.
Hegel (2011) discorre sobre a construção dos primeiros processos dialéticos do conhecer na
obra Fenomenologia do Espírito, a partir da relação primeira Eu e Não-Eu (Ich Und Nicht-Ich), que caminha
para Eu igual Eu (Ich bin Ich), posteriormente, para o Eu-Nós (Ich-Uns) e o Nós-Eu (Uns-Ich),
configurando a infinitude do ser-saber, que possibilita instaurar o início da consciência-de-si
(Selbstbewusstsein), ou seja, a experiência da consciência em sua oposição na unidade:
Para a consciência o que vem-a-ser mais adiante é a experiência do que é o espírito: essa
substância absoluta que na perfeita liberdade e independência de sua oposição – a saber, das
diversas consciências-de-si para si essentes – é a unidade das mesmas: Eu, que é Nós, Nós que é
Eu. (HEGEL, 2011, p. 142).
Hegel usa a palavra experiência derivada de dois termos do grego: Empirie (experiência”,
empirisch – “empírico/empiricamente”) e Empirismus (“empirismo”). Mas as palavras do vernáculo
alemão para experimentar e experiência são erfahren e Erfahrung. Erfahren provém do prefixo er – “ver
aparência” – e fahren, originalmente “viajar, ir, vaguear”, daí “progredir, ir” e “viajar ou jornardear”.
Assim, o significado de erfahren é “partir em viagem para explorar ou ficar a conhecer algo”. Erfahrung
refere-se a este processo ou ao seu resultado, segundo Inwood (1997). A experiência, em Hegel (2011,
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p. 80), é definida como o “movimento dialético que a consciência exercita em si mesma, tanto em seu
No saber do saber da consciência, enquanto surge o novo verdadeiro, é que se inicia a
primeira dialética do processo de conhecer. Esta se situa na figuração Certeza Sensível. Neste momento
a consciência é consciência natural. Hegel (2011) aborda esse processo tendo a consciência filosófica em
interlocução com a consciência natural.
No momento inicial do processo de conhecer, na Certeza Sensível o saber imediato – o
essente – é o objeto. O proceder para com o objeto é de modo receptível, nada mudando na forma que
ele se oferece. Para Hegel (2011), isso satisfaz o apreender a fim de conceituá-lo. O conteúdo concreto
da Certeza Sensível faz aparecer a certeza, como o mais rico conhecimento, de riqueza sem limites.
O meio dessa certeza, ou o modo de se fazer passar a si mesma, é a verdade mais
abstrata e mais pobre. A certeza só exprime: ele é. Essa certeza contém o ser da Coisa. A consciência,
aqui, está nessa certeza como o puro Eu: “Eu só estou ali como puro este, e o objeto, igualmente apenas
como puro isto” (HEGEL, 2011, p. 85). O Eu não tem a multiforme de significações, e nem a Coisa
significações de diversas propriedades. “Para saber o sensível isso é o essencial: esse puro ser, ou essa
imediatez simples, constitui a verdade” (HEGEL, 2011, p. 86). O singular sabe o singular.
Hegel (2011), entretanto, esclarece que a Certeza Sensível não é uma pura imediatez, mas
um exemplo dela. Dentre as várias diferenças, Hegel (2011, p. 86) chama a atenção para essa certeza –
da certeza sensível – que dela salta “para fora do puro ser os dois estes já mencionados: um este, como
Eu, e um este como objeto”. Nessa diferença específica Hegel apresenta uma conclusão, a de que os dois
estes não residem apenas de maneira imediata na Certeza Sensível, mas estão ao mesmo tempo
mediatizados. Ou seja, ambos estão certos mediante o outro. O Eu mediante a Coisa e esta mediante o Eu.
Desse modo, Hegel (2011) inicia a primeira dialética do processo de conhecer, que se dá na
relação consciência e mundo, a partir do parágrafo 93 da Fenomenologia do Espírito e finalizando no
parágrafo 99. Na primeira dialética ocorre uma luta entre a consciência e o mundo. No primeiro
momento desta dialética a certeza do saber se situa no objeto. É ele que irá conduzir o processo do
conhecer. Porque o objeto é, o eu se põe a conhecê-lo implicado pela força do vir-a-ser. Nesse sentido
o objeto é a verdade e o eu a inverdade. Observa-se como Hegel (2011) aborda esse primeiro momento:
Na certeza sensível, um momento é posto como o essente simples e imediato, ou como a
essência: o objeto. O outro momento, porém, é posto como inessencial e o mediatizado,
momento que nisso não é em-si, mas por meio de um Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto
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saber como em seu objeto, enquanto dele surge o novo objeto verdadeiro para a consciência”.
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Neste momento na certeza sensível o objeto deve ser examinado, no sentido de verificar se
aquela essência que a própria certeza sensível lhe atribuiu corresponde ao modo como se encontra nela.
“A própria certeza deve se indagar: que é isso?” (HEGEL, 2011, p. 87). Essa pergunta é realizada pela
consciência filosófica à consciência natural. Entretanto, essa pergunta tem a intervenção do aqui e o
agora. Nesse início da dialética o saber é simples e imediato, é o isto ou o visar. É um deixar a coisa se
mostrar, o que ocorre em um espaço-tempo, ou seja, no aqui e agora. O isto e o visar no aqui, no agora
remetem a uma presentificação. É o tempo presente estancado sem um contínuo, implicado em um
espaço. O agora permanece por ser mediatizado, determinado, justamente por existir um outro. Na
existência de outro agora, ele não é. Então, mantém-no como negativo em geral. Nesse sentido, Hegel
(2011, p. 87) irá dizer: “[...] denominamos um universal um tal Simples que é por meio da negação. [...] O
universal, portanto, é de fato o verdadeiro da certeza sensível”.
O sensível, também, é enunciado como universal. O isto universal, ou o ser em geral, ao ser
enunciado tal como foi visado na certeza sensível é implicado pela linguagem. Nela ocorre o refutar
imediatamente ao visar, uma vez que o universal é verdadeiro da certeza sensível e a linguagem também,
nela “está pois totalmente excluído que possamos dizer o ser sensível que ‘visamos’” (HEGEL, 2011, p.
88). E isso corre de outro modo com o aqui. Hegel (2011, p. 88) exemplifica-o com a árvore, que no
início é árvore e logo em seguida é casa. O aqui desvanece. “Assim o isto me mostra de novo como
simplicidade mediatizada, ou como universal”.
O que permanece é a essência como puro ser desta certeza sensível. Isso ocorre quando
“ela se mostra em si mesma o universal como verdade do seu objeto” (HEGEL, 2011, p. 88). Esse
universal não se mostra como imediato. Ocorrem as implicações da negação e da mediação por serem
essenciais. O que se põe, aqui, não é o que é visado como ser, mas “é o ser como determinação de ser
abstração ou o puro universal” (HEGEL, 2011, p. 88). Desse modo, o visar não é o universal, mas é
tudo o que fica, enquanto resto, diante desses “aqui e agora vazios e indiferentes” (HEGEL, 2011, p. 88).
Desse modo, Hegel (2011) finaliza a primeira dialética no desvanecer do aqui e do agora estabelecendo o
que fica ou o que resta, o ser como determinação de ser abstração. Neste final, o saber é universal e
mediatizado.
Na segunda dialética o processo de conhecer se dá a partir do parágrafo 100 e finaliza no
parágrafo 103. Neste momento a verdade encontra-se no Eu e a inervada no objeto. O finalizar da
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só porque ele é; saber que pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele é, tanto
faz que seja conhecido ou não. Permanece mesmo não sendo conhecido – enquanto o saber
não é, se o objeto não é. (HEGEL, 2011, p. 86).
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primeira dialética se põe o início da segunda, ou seja, o saber é universal e mediatizado. Na segunda
o mundo.
Neste momento, o objeto é inessencial da certeza sensível. O universal “se encontra no
oposto, isto é no saber que antes era o inessencial” (HEGEL, 2011, p. 88). A verdade está no meinem do
objeto, ou seja, está no objeto como meu. Então, o objeto agora é o inessencial. “O objeto é só é
porque Eu sei dele” (HEGEL, 2011, p. 88). Há um deslocar na certeza sensível do objeto para o Eu,
porém ainda não suprassumida. A força da verdade está no Eu enquanto meu. O Eu mantém o aqui e o
agora, porque pertencem a este mesmo Eu – no meus. Desse modo, o agora é porque Eu o vejo e aqui é
uma árvore porque Eu afirmo a árvore. Hegel (2011) discorre tal movimento da seguinte maneira:
A certeza sensível experimenta nessa relação a mesma dialética que na anterior. Eu, este, vejo a
árvore e afirmo a árvore como o aqui; mas um outro Eu vê a casa e afirma: aqui não é uma árvore, e
sim uma casa. As duas verdades têm a mesma credibilidade, isto é, a imediatez do ver, e a
segurança e afirmação de ambos quanto a seu saber: uma porém desvanece na outra. (HEGEL,
2011, p. 89).
Na segunda dialética o que não desvanece é o Eu como universal. Embora mediatizado
pela negação do objeto, “se mantém simples e indiferente diante do que está em jogo, a exemplo: a casa,
a árvore. O Eu é só universal, como agora, no aqui, ou isto, em geral” (HEGEL, 2011, p. 2011, p. 89).
Neste momento, no processo de conhecer, o saber está implicado com o todo. O saber não se tornou
singular para o Eu. A essência da certeza sensível nem está no Eu e nem no objeto. O objeto e o Eu são
universais, dada a implicação do visar, pois, “como não posso dizer o que ‘viso’ no agora, no aqui,
também não posso no Eu. Quando digo: este aqui, este agora, ou um singular, estou dizendo todo este, todo
aqui, todo agora, todo singular” (HEGEL, 2011, p. 89). Desse modo, o conhecimento é universal e
incondicionado. Ele está em relação com o todo este agora.
Hegel (2011) finaliza a segunda dialética do conhecimento afirmando que a certeza sensível
experimenta que a sua essência nem está no objeto nem no Eu. Porém, o objeto e o Eu são universais.
A imediatez nem é imediatez de um, nem do outro. O essencial se torna inessencial para o objeto e para
o Eu. Nesse sentido, “é só a certeza sensível toda que se mantém em si como imediatez, e por isso exclui
de si toda oposição que ocorria precedentemente” (HEGEL, 2011, p. 90), que é a terceira experiência
do saber, visto que a consciência natural não garantiu a sua verdade nem no objeto nem no Eu. A
essência é a consciência toda. Neste momento, no processo de conhecer, o saber é universal e
incondicional.
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dialética, “a relação se inverteu” (HEGEL, 2011, p. 88). Entretanto, a consciência continua em luta com
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Nesta não garantia da consciência natural da sua verdade, nem no Eu e nem no objeto, é
parágrafo 131. No início o saber é universal e incondicionado, tal como finalizou na segunda dialética.
No final da terceira o saber é universal afetado pelo oposto e incondicionada: a entrada da consciência
no entendimento.
O processo de conhecer, na terceira dialética, situa na figuração “Percepção ou: coisa e a
ilusão”. Neste processo a consciência está em luta com a própria consciência. No início, ora a verdade
do saber está no objeto e a inverdade no Eu e, assim, ambos se desfazem. E ora a verdade está no Eu e
a inverdade no objeto e, então, ambos se desfazem. Ocorre, assim, a dialética da relação.
No início, a verdade da consciência natural é a sua imediatez, não há distinção entre
essencialidade e inessencialidade. “A verdade dessa imediatez se mantém como relação que-fica-igual a
si mesma” (HEGEL, 2011, p. 90). É o Eu igual ao EU. Desse modo, nessa verdade não pode penetrar
nenhuma diferença. Assim, a consciência natural se fecha, “a certeza sensível não quer dar mais um
passo em nossa direção” (HEGEL, 2011, p. 90).
Neste momento, a consciência filosófica pede à consciência natural que indique a sua
verdade, pois “a verdade dessa relação imediata é a verdade desse Eu, que se restringe a um agora ou a
um aqui. Devemos, portanto, penetrar no mesmo ponto do tempo ou do espaço, mostrá-los a nós, isto
é, fazer de nós um só” (HEGEL, 2011, p. 90). Ao indicar o agora, este já não é, ou seja, o agora que-é é
um outro que o indicado. O agora que-já-foi é a sua verdade. O Eu é verdade do que já foi, mas o que
foi é keinwesen/gewesen, ou seja, não essencial/sido.
Assim, se mostra o suprassumir neste movimento. “Mas o-que-foi não é. Suprassumo o serque-foi ou o ser-suprassumido – a segunda verdade; nego com isso a negação do agora e retorno à
primeira afirmação de que agora é” (HEGEL, 2011, p. 91). A verdade passa a uma pluralidade de agora
rejuntados. Por conta do indicar, como movimento, este exprime o que em verdade é agora. De igual
modo, o aqui se mostra como o agora, mediatizado e universal. “O ser é um universal, por ter nele a
mediação ou o negativo” (HEGEL, 2011, p. 96).
Hegel (2011), neste processo, afirma que a dialética da certeza sensível não é outra coisa
senão a simples história do seu movimento, da sua experiência. E a consciência natural ao experimentar
esse saber, ela apreende um imediato, o percebe. A consciência natural, neste momento percebente,
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que iniciará a terceira dialética do processo de conhecer a partir do parágrafo 103, finalizando no
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toma como universal o que é essente para ela. A universalidade como princípio geral desta consciência
O exemplo para este momento no processo de conhecer pode ser expresso no – mas
também e o enquanto que. Observa-se que o sal é branco, mas é também cúbico, mas é também sápido,
mas é também pesado. Para o sal, que é o meio universal, o mais também se põe como inclusão; o
enquanto que se põe como exclusão, o sal é sal, mas não é madeira, mas não é casa, mas não é cadeira.
Nota-se:
Este sal é um simples aqui, e ao mesmo tempo múltiplo; é branco e também picante, também é
cubiforme, também tem peso determinado etc. Todas essas propriedades múltiplas estão num
aqui simples, no qual assim se interpenetram: nenhum tem um aqui diverso da outra, pois cada
um está sempre onde a outra está. Igualmente, sem que sejam separados por aquis diversos, não
se afetam mutuamente por interpretação. O branco não afeta nem altera o cúbico, os dois não
afetam o sabor salgado etc.; mas por ser, cada um, simples relaciona-se consigo, deixa os outros
quietos, e com eles apenas se relaciona através do indiferente também. Esse também é, portanto,
o puro universal mesmo, ou o meio: é a coisidade que assim engloba todas essas propriedades.
[...] A diferença desta unidade – enquanto não é uma unidade indiferente, mas excludente,
negadora do Outro – recai assim fora desse meio simples. Por isso, esse meio não é apenas um
também, unidade indiferente, mas é, outrossim, o Uno, unidade excludente. (HEGEL, 2011, p. 97).
A consciência determinada como percebente só tem que captar a coisa para ela, sua ação é
só para si. O Outro é nulo para ela. Pode existir a universalidade do perceber, por ser ela igual a si.
Nesse sentido ela é possibilidade de ilusão e disto ela é cônscia, pois ela se percebe como percebente.
Assim, o princípio está na universalidade. Porém, quando a consciência apreende o objeto como Uno,
nele há universalidade, então o objeto passa a ser o verdadeiro e a inverdade cai sobre o Eu.
O Eu percebo é um singular para si mesmo. A consciência é apenas um visar, ou seja, ela
saiu totalmente para fora do perceber e regressou a si mesma. O ser sensível, o Eu percebente, e o visar
passam para o perceber se relançando ao ponto inicial do mesmo circuito, suprassumindo cada
momento e como todo. Assim, se faz a experiência, percorrendo o mesmo circuito, porém não do
mesmo modo.
Este retornar para percorrer o mesmo circuito não do mesmo modo pode ser evocado para
se pensar o acontecimento em Mounier (1992). Em Hegel (2001), o retorno acontece mediante um
fechar de conhecimento ou uma figuração. Para esta proposta de comunicação, na relação entre
Mounier e Hegel no que se refere ao acontecimento, o retorno se dá mediante o “impacto” do
acontecimento sobre o Eu. O acontecimento instaura-se como incerteza sensível, enquanto imediatez
na exclusão “de si toda oposição que ocorria precedentemente” (HEGEL, 2011, p. 90). E diante dessas
incertezas, o Eu é deslocado de si mesmo para o objeto, na garantia de si mesmo, tendo em vista que,
234- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
conduz o Eu, como momentos, ao Eu que é um universal e ao objeto que é um universal.
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neste momento na certeza sensível, o objeto deve ser examinado, no
sentido de verificar se aquela
acontecimento como impacto, o não saber para onde ir e o lançar-se em uma estrada geram incertezas
instauradas na certeza sensível, já que a primazia do processo de conhecer está, aqui, no objeto. Volta-se
para o início do processo do conhecer como em espiral no sentido de que o desenvolvimento prossiga
em elevação de valores ao mais humano.
Neste momento, na terceira dialética, o Eu continua igual ao Eu. A consciência em luta
com o mundo. Mesmo tendo saído para fora de si por completo, ele retornou a si e ao primeiro
momento do processo de conhecer para iniciá-lo novamente. O que ficou da experiência para a
consciência, ou seja, determinado para a consciência, é “que o seu perceber está constituído, isto é: não
consiste em ser um puro apreendente simples, mas em ser seu aprender ao mesmo tempo refletido em
si a partir do verdadeiro” (HEGEL, 2011, p. 100). O que irá diferenciar este momento da certeza
sensível é que a consciência reconhece as inverdades e, ao suprassumir o conhecimento, este consegue
corrigi-los. Assim, a consciência passa a ser cônscia da sua reflexão-sobre-si.
Nesse sentido, a consciência, ao refletir-sobre-si, vai dando conta do que ocorre no
perceber, no que se refere ao mais também e enquanto que das propriedades da coisa. A coisa tem nela
mesma uma verdade oposta, ela é em-si e para-si, não perdendo a sua igualdade consigo mesma. Desse
modo, instaura a contradição:
A contradição, que está na essência objetiva em geral, divide-se em dois objetos. Assim a coisa é
mesmo – em si e para si – igual a si mesma; mas essa unidade consigo mesma é estorvada por
outras coisas. A unidade da coisa desse modo é preservada; mas o igualmente o ser-Outro,
tanto fora dela como fora da consciência. (HEGEL, 2011, p. 103).
A coisa tem na unidade o duplo enquanto (in sich and fur sich), igual a si mesma, entretanto a
diferença deve situar-se na própria coisa em si. “Desse modo, as coisas diversas são postas para si”
(HEGEL, 2011, p. 103). E esta chega à oposição por meio de sua diferença absoluta, na medida em que
tem a “oposição em confronto com outra coisa exterior a ela” (HEGEL, 2011, p. 104). Assim, a
contradição está na correspondência das múltiplas determinações do Eu e da coisa em relação um com
o outro. Aqui, pode-se vincular a identidade e não identidade, em Adorno na Dialética Negativa no
para-si de Hegel (2011). Observa-se que no para-si há implicação do idêntico e não idêntico. O Eu torna
dele ao identificar o objeto significando-o e este tornar dele não garante a fidedignidade ao objeto. O
em-si sai em in sich e ao voltar ele retorna como an schi, enriquecido. E o para-si em si refletido
configura o ser-uno, em unidade com seu oposto.
235- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
essência que a própria certeza sensível lhe atribuiu corresponde ao modo como se encontra nela. O
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Desse modo, finaliza a terceira dialética, aqui a percepção mostra ser oposta, “sobe o
indeterminada” (HEGEL, 2011, p. 106).
No início da figuração “Força e entendimento e o mundo sensível”, o objeto não apareceu
como conceito para a consciência. Está privado do ser para si da consciência. O entendimento
suprassume a sua própria inverdade e a do objeto, ficando a verdade do conceito: “Como verdadeiro emsi essente, que não é ainda conceito, ou seja, ainda está privado de ser pra si da consciência” (HEGEL,
2011, p. 109). O entendimento, como conceito, modela o resultado. Aqui a consciência se torna
concebente, e o ser para si e o ser para o outro são o próprio conteúdo. Esse conteúdo é universal
incondicionado.
A diferença entre forma e conteúdo emerge nesse Universal incondicionado, por ser ele objeto
para a consciência. Na figura do conteúdo, os momentos têm o aspecto sob o qual inicialmente
se apresentam: o aspecto de serem, por um lado, um meio universal e muitas “matérias”
subsistentes; e por outro, o uno em si refletido, no qual sua independência se aniquila. O
primeiro momento é dissolução da independência da coisa, ou a passividade que é um ser para
Outro. O segundo momento é o ser-para-si. (HEGEL, 2011, p. 109, 110),
Nesses momentos se apresentam na universalidade incondicionada, porém são lados
(essência, como meio universal) que neles se suprassumem (redução da diversidade ao “puro ser para si):
não é outra coisa que o próprio meio; e esse é a independência das diferenças. Ou seja, as diferenças,
postas como independentes, passam imediatamente à sua unidade e sua unidade imediatamente ao seu
desdobramento” (HEGEL, 2011, p. 110), que novamente volta à redução. O que se põe é aquilo que se
chama de força. Ela é expansão da matéria em exteriorização, independente do seu ser. A princípio ela é
recalcada sobre si, mas tem que exteriorizar-se; posteriormente ela é força em-si e ao mesmo tempo
exterioriza-se neste ser-em-si-mesmo.
Aqui, o conceito de força pertence ao entendimento. A força mantém os momentos
distintos, mas a força mesma não é distinta. Ela está no pensamento. “A força é o Universal
incondicionado, que igualmente é para si mesmo o que é para o Outro; ou o que tem nela a diferença,
pois essa não é outra coisa que o ser-para-um-Outro” (HEGEL, 2011, p. 111). Assim, instauram-se a força
e o jogo das forças. Tem-se o movimento da percepção de um lado e do outro o do percebido, porém
são um só no apreender do verdadeiro. Cada lado reflete sobre si. E autodestroem-se os conceitos
contraditórios, em virtude da forma objetiva, que é movimento da força. O resultado que se terá é o
Universal incondicionado como interior da coisa. Desse modo, afirma-se que a “força (já) se
exteriorizou: e o que deveria ser o outro Solicitante é, antes, ela mesma” (HEGEL, 2011, p. 112).
236- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
mesmo e único ponto de vista; e assim mostra ter por sua essência a universalidade indistinta e
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As diferenças entre forma e conteúdo se desvanecem. Do lado da forma, o ativo, o
E do outro lado, o passivo, o solicitado ou o essente para um outro, do lado da forma. São estas
diferenças que desvanecem. Assim, a efetivação do conceito de força se dá por meio da sua duplicação.
Ambas existem como essência para si essente, em movimento em relação uma com a outra. Entretanto,
o seu ser como puro ser posto mediante o outro tem a significação do desvanecer. A força se torna
universal. E o primeiro universal é considerado como conceito do entendimento. O segundo universal
está determinado como negativo da força sensível universal objetiva. A força recalcada sobre si, o
primeiro universal, ou força como substância. O segundo universal é o “interior das coisas como interior
– a idêntico ao conceito” (HEGEL, 2011, p. 115). Pode-se dizer que neste lugar se põe a discussão de
Adorno (2009) na relação idêntico e não idêntico, pois na realização da força universal como recalcada
sobre si, ou substância, esta é perda da realidade, se desvanece. A segunda força universal é o interior
das coisas como interior, assim, idêntico ao conceito como conceito. Agora o que se tem é uma relação
mediata com o interior, sendo ela determinação para a consciência: o jogo de forças que é realizado
“através desse meio-termo, fundo verdadeiro das coisas” (HEGEL, 2011, p. 115). O jogo adorniano se põe
como tensão, em Hegel (2011) jogo das forças.
O meio-termo que encerra juntos os dois extremos – o entendimento e o interior – é o ser da
força desenvolvido, que doravante é para o entendimento mesmo, um evanescer. Por isso se
chama fenômeno; pois aparência é o nome dado ao ser que imediatamente é um em si mesmo um
não ser. Porém, não é apenas um aparecer, mas sim um fenômeno, uma totalidade do aparecer.
Essa totalidade como totalidade ou universalidade é o que constitui o interior: o jogo de forças com sua
reflexão sobre si mesmo. (HEGEL, 2011, p. 115, 116).
Hegel (2011) esclarece que esse jogo de força é o negativo desenvolvido, entretanto sua
verdade é positiva, ou seja, o universal, ou objeto em-si essente. Assim, para a consciência, o ser deste
objeto é mediado pelo movimento do fenômeno – o entendimento e o interior, que é um em-si-mesmonão-ser, “movimento em que o ser da percepção e o Sensível objetivo têm, em geral, somente uma significação
negativa; e assim, a consciência a partir dele se reflete em si como verdadeiro” (HEGEL, 2011, p, 116).
Porém, por ser consciência, torna a fazer do verdadeiro um Interior objetivo. Ela distingue de si mesma
sua reflexão e a reflexão sobre as coisas. Desse modo, o interior é para a consciência um extremo a ela
oposto e, igualmente, é também “o verdadeiro porque nele tem como no Em-si, ao mesmo tempo, a
certeza de si mesma, ou o momento do ser-para-si” (HEGEL, 2011, p. 116). Porém, a consciência neste
momento tem o negativo como fenômeno objetivo evanescente, justamente por ser, ainda, seu próprio
237- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
solicitante, ou o para-si-essente eram que se apresentavam do lado do conteúdo, como recalcado em si.
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ser-para-si. O interior é para ela o conceito. Mas a consciência ainda não conhece a natureza do
Nesse interior, verdadeiro interior, veio-a-ser para o entendimento o mundo sensível como
mundo aparente, um mundo suprassensível como verdadeiro. Assim, o Em-si é a primeira, mas inacabada,
manifestação da razão – o puro elemento em que a verdade tem sua essência. A partir deste momento,
o objeto é o silogismo. Os extremos: o interior das coisas e o entendimento. Meio-termo: o fenômeno.
“A experiência se faz sobre esse comportamento do Ser-concluído-junto (com ela)” (HEGEL, 2011, p.
117). Desse modo, a consciência experimenta a infinitude, que consiste em reunir em si os conceitos,
como forças se manifestando no interior da consciência, mesmo que ainda não misturadas com ela.
Inicia-se o desvanecer da tautologia do Eu igual ao Eu, estabelecendo a etapa fundante da dialética do
reconhecimento.
A infinitude, ou essa inquietação absoluta do puro mover-se-a-si-mesmo, (faz) que tudo o que é
determinado de qualquer modo – por exemplo, como ser – seja antes o contrário dessa
determinidade. A infinitude já era, sem dúvida, a alma de tudo o que houve até aqui [...] jogo de
forças [...] quando a infinitude – como aquilo que ela é – finalmente é objeto para a consciência,
então a consciência é consciência-de-si. (HEGEL, 2011, p. 130).
Nesse momento, quando a infinitude se torna objeto para a consciência, então, a
consciência é consciência-de-si, instaura o acontecimento em Hegel (2011), que se mostra no Eu-Nós,
no Nós-Eu. Buscou-se perpassar pelas três dialéticas iniciais do processo de conhecer com três
objetivos: primeiro trabalhar a compreensão do que caracteriza a figuração Certeza Sensível; segundo
percorrendo as demais compreenderia o movimento do retorno; e finalmente, acrescenta-se a
compreensão do acontecimento a partir de Hegel (2011): a implicação da garantia do ser-em-ser, ou seja,
“a consciência-de-si é em si e para si quando e por que é em si e para si para uma Outra; quer dizer, só é
como algo reconhecido” (HEGEL, 2011, p. 142).
Nesse sentido, Lima Vaz (2001) apresenta a viragem decisiva da reflexão filosófica de
Hegel, o deslocar da natureza para a história, que se desdobra no tema do outro. “O evento (é, antes de
mais nada, este acontecimento radicalmente humano, que é o encontro do outro)” (LIMA VAZ, 2001,
232).
Ao mesmo tempo, Lima Vaz (2001) apresenta a experiência da palavra comunicada, do
diálogo, como a experiência mais fundamental do outro. Porém, a filosofia de modo histórica
submeteu-a a Ideia. “Ora, o logos é palavra. E há um paradoxo profundo ao fato de que a filosofia de logos
tenha sido a filosofia da anulação do outro” (LIMA VAZ, 2001, p. 232).
238- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
conceito.
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Nesse sentido, Lima Vaz (2001) ressalta a necessidade de pensar a comunicação para este
Estas se transformam em mediações dialéticas para a comunicação e o encontro de consciências. “Pois
esta comunicação e este encontro estruturam o evento, isto é, conferem significação humana ao que
acontece na exterioridade do mundo” (LIMA VAZ, 2001, p. 245). Para o mesmo autor, o evento
histórico que acontece na exterioridade espaço-temporal do mundo tem lugar na especificidade humana
da intersubjetividade. Lugar este, onde se criam e se desdobram as significações, as intenções e os
valores. “No espaço-tempo do mundo, o homem é coisa. No espaço-tempo dos eventos, o homem é
sujeito do existir histórico” (LIMA VAZ, 2001, p. 245). Lima Vaz (2001) chama a pensar a significação
do outro-dos-outros, solidários na aventura histórica unificada em valores. É justamente, o elemento
linguagem que é evocado para o acontecimento em Hegel (2011), no encontro com o outro.
Assim, buscou-se compreender os pensamentos de Adorno, Mounier e Hegel tendo como
fim a compreensão da abrangência e profundidade dos conceitos dos autores na perspectiva do
Acontecimento, os elementos presentes na constituição do Eu-saber-identidade e o seu deslocar.
Adiante da complexidade do tema compreende-se a necessidade de estudo mais aprofundada, no
sentido de maior robustez teórica para dar conta deste objeto.
Referências Bibliográficas:
ADORNO, Theodoro W. Minima Moralia: reflexões a partir da vida danificada. São Paulo: Ática, 1992.
_______. Educação e Emancipação. 2º ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
_______. Dialética negativa. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2009.
______. Três estudos sobre Hegel. Trad. Ulisses Razzante Vaccari. São Paulo: Ed. Unesp, 2013.
ALBERNAZ, Monica F. Personalismo e a formação humanizadora: um estudo das contribuições de Mounier. 2014. 149 f.
Dissertação (Mestre em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2014.
FEUD, Sigmund (1927-1931). Futuro de uma ilusão, mal-estar na civilização e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
HEGEL, Georg W. F. Fenomenologia do espírito. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Temas básicos da Sociologia. São Paulo: Cultriz, 1973.
INWOOD, Michael. Dicionário filosófico: dicionário de Hegel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1997.
LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de Filosofia VI: Ontologia e História. São Paulo: Ed. Loyola, 2001.
MOUNIER, Emmanuel. Obras completas. Tomo I. Espanã: Sínguemes, 1992.
______. Obras completas. Tomo II. Espanã: Síguemes, 1993.
ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
SAFATLE, Vladimir: Os deslocamentos da dialética. In: ADORNO, Theodor. Três estudos sobre Hegel. São Paulo: Unesp,
2013.
239- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
momento em Hegel. Uma vez que, a existência histórica é mais que a forma e transformação do mundo.
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REFLEXÕES SOBRE A AUTORREGULAÇÃO DA CRIANÇA NA CRISE DE TRANSIÇÃO
DA IDADE DE TRÊS ANOS: APONTAMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
Poliana Carvalho Martins - CEPAE/UFG
Profa. Dra. Sônia Santana da Costa - CEPAE/UFG
A presente pesquisa que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-graduação em
Ensino na Educação Básica e versa sobre as dificuldades que as instituições de Educação Infantil têm
encontrado ao lidar com comportamentos agressivos, indisciplinados, “birrentos” das crianças. A guisa
de melhor denominação, caracterizaremos estes como comportamentos desafiadores. Abordando o
tema, Eidt (2007), Pasqualini (2009), Ferracioli (2013), relatam o aumento de medicalização e
patologização das crianças, mesmo na Educação Infantil. Contrapondo-se a esta tendência, este estudo
busca propor formas alternativas de se enfrentar essa questão, pois compreende que o desenvolvimento
das formas típicas e complexas do comportamento humano não é determinado apenas pela maturação
orgânica, mas também, como afirma Vygotsky (1998), pela interação mediada com a cultura e a história,
entendendo que apenas ministrar uma substância a criança não proporcionará a autorregulação do
comportamento infantil.
Buscando como se dá o desenvolvimento infantil, recorremos a Elkonin (1987) que propõe
uma Teoria da Periodização do Desenvolvimento Humano explicativa das forças motrizes do
desenvolvimento infantil detectando a atividade-principal conforme a faixa etária, que pode orientar
atividades de ensino. Leontiev (2006) define atividade-principal50 como aquela que gera outros tipos de
atividade, que reorganiza os processos psíquicos que a ela estão submetidos e gesta as principais
mudanças na personalidade da criança. “A atividade-principal é então a atividade cujo desenvolvimento
governa as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nos traços das atividades da criança,
em um certo estágio do seu desenvolvimento” (LEONTIEV, 2006, P. 65).
Ainda segundo esse autor, em cada época da vida da criança há uma atividade-principal que
media sua relação com o mundo, possibilitando-lhe formas de vida da criança formas de assimila-lo e
inserir-se nele. O autor segue explicando que à medida que a criança cresce essa atividade vai se
modificando, assim como seu conteúdo. A idade em que cada atividade principal aparece não é fixa,
Apesar de estarmos cientes da polêmica das traduções, utilizaremos a nomenclatura original do texto utilizado como
referência.
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240- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 4 – Filosofia, Psicologia e Educação
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depende da inserção social da criança. Cabe ressaltar que a atividade principal não é aquela em que a
Elkonin (1987) coloca os cinco principais estágios de desenvolvimento, e suas
características: comunicação emocional do bebê (relação afetiva entre o bebê e o adulto cuidador),
atividade objetal manipulatória (descoberta das funções físicas e sociais dos objetos), jogo
protagonizado (apropriação das relações sociais), atividade de estudo (assimilação dos conhecimentos
historicamente construídos), comunicação íntima e pessoal (reprodução com os colegas das relações
existentes entre os adultos) e atividade profissional/estudo. Este estudo se deterá apenas nos três
primeiros estágios, pois, estão diretamente ligados a etapa da Educação Básica.
De acordo com Elkonin (1987) as crises aparecem quando há mudança de um estágio de
desenvolvimento para o outro, quando a criança se dá conta de que houve uma ampliação de suas
possibilidades e que o lugar que ocupa no mundo não permite exercê-las plenamente. Essa discrepância
entre a ampliação das capacidades da criança e a manutenção de sua inserção no mundo real de acordo
com seu desenvolvimento anterior pode gerar crises na transição entre os estágios de desenvolvimento.
Essas crises – a dos três anos, a dos setes anos, a da adolescência, a da juventude – estão
sempre associadas com uma mudança de estágio. Elas indicam de forma clara, de forma óbvia,
que estas mudanças, estas transições, de um estágio para o outro possuem uma necessidade
interior própria. Mas serão, tais crises, inevitáveis no desenvolvimento de uma criança?”
(LEONTIEV, 2006, p. 67).
O próprio autor responde essa pergunta dizendo que as crises não são inevitáveis, mas as
revoluções e os momentos críticos das mudanças qualitativas do desenvolvimento sim. “Não ocorrerão
crises se o desenvolvimento psíquico da criança não tomar forma espontaneamente e sim, se for um
processo racionalmente controlado, uma criação controlada” (LEONTIEV, 2006 P. 67). Dos três anos,
por exemplo, se apresenta de forma mais aguda devido ao diferencial de que a criança já detém
conquistas motoras, afetivas e cognitivas que a possibilitam exercitar uma autonomia relativa, levando-a
exercer um negativismo frente ao adulto, o que torna esse momento particularmente desafiador para
professores e pais. Vygotsky (2010, p. 293) define a crise do negativismo como
a fase do negativismo infantil na vida das crianças na idade pré-escolar. A manifestação mais
nítida do negativismo é a paixão pelas discussões, pela negação, e o hábito de contradizer.
Alguns psicólogos relacionam essa fase a idade que vai dos três aos cinco anos, mas há
fundamentos para pensar que ela se refere a uma idade mais tardia verificando-se
frequentemente em formas mais sutis em crianças dos sete aos oito anos.
241- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
criança ocupa mais o seu tempo, mas como já foi dito, a que gera mais desenvolvimento psicológico.
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Diante do exposto, a presente pesquisa propõe-se a investigar as concepções dos
Teoria da Periodização do Desenvolvimento Humano durante a Educação Infantil e fomentar práticas
pedagógicas que possibilitem a autorregulação do comportamento da criança de três anos por meio do
desenvolvimento de uma sequência didática.
Esta faixa etária é relevante, pois, na primeira crise da vida humana, a transição entre a
comunicação emocional do bebê e a atividade objetal manipulatória, não assume uma proporção muito
grande na vida familiar e institucional dado o período de desenvolvimento infantil, que ainda depende
muito do adulto. A crise dos três anos (aproximadamente) apresenta o diferencial de que a criança já
detém conquistas motoras, afetivas e cognitivas que a possibilitam exercitar uma autonomia relativa,
levando-a a exercer um negativismo frente ao adulto, o que torna esse momento particularmente
desafiador para professores e pais.
Neste contexto propomos verticalizar os estudos sobre o desenvolvimento infantil
conforme proposto na Psicologia Histórico Cultural, com o recorte sobre o conceito de autorregulação,
para subsidiar o objetivo geral do presente estudo que é construir junto com os professores estratégias
metodológicas que permitam mediar às situações escolares vividas pelas crianças que apresentem
comportamentos desafiadores na crise de transição dos três anos e inclui-las nas práticas pedagógicas.
Elencamos como objetivos específicos: a) Investigar as concepções e explicações dos professores sobre
a crise de transição entre os estágios de desenvolvimento infantil que se dá aos três anos; b) Capacitar os
professores sobre os princípios da psicologia histórica cultural e c) Construir junto com as docentes
uma sequência didática que favoreça a autorregulação da criança.
Para desenvolver este estudo, construiremos um caminho metodológico. Gil (1999, p. 26)
define o método “como caminho para chegar a determinado fim”. Ressalta que o método científico é
aquele em que se escolhem procedimentos intelectuais e técnicos para construir conhecimentos. Para
Gamboa (2006, p. 107) é a visão de mundo
que organiza, como categoria mais complexa e abrangente, os diversos elementos implícitos na
concentricidade de uma determinada opção epistemológica, é responsável pelas opções de
caráter técnico, metodológico, teórico, epistemológico e filosófico que o pesquisador faz
durante o processo de investigação.
Assim, o método ancorado em uma dada concepção de mundo configura-se como "uma
espécie de mediação no processo de aprender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e a
transformação dos fenômenos sociais" (FRIGOTTO, 2006, p. 77).
242- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
professores de educação infantil sobre a crise de transição de estágio dos três anos propostos pela
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Escolhemos o método do materialismo histórico dialético como forma de apreender a
independente do sujeito, e este pode pelas funções psíquicas se apropriar das determinações externas e
expressa-las de forma abstrata e universalizada como reflexo do real (importante frisar que este reflexo
não propicia uma visão do todo que constitui o real, mas da totalidade que o sujeito apreende). Frigotto
(2006) apresenta ainda que o materialismo histórico é uma postura, uma visão de mundo na qual o
pesquisador assume a posição crítica de questionar a ideologia dominante como forma de instaurar o
método materialista dialético.
Ainda segundo Frigotto (2006) cabe ao pesquisador apreender a realidade pelo método de
ascensão do abstrato ao concreto, no qual o pesquisador, pelo exercício do pensamento, parte de uma
dada realidade (que não se mostra de forma imediata) e vai desvelando seus múltiplos determinantes,
conhecendo suas partes e sua totalidade, bem como a forma como elas se relacionam entre si. No caso
do presente estudo, estamos partindo da prática pedagógica das professoras de Educação Infantil ao
enfrentar o comportamento desafiador em sala de aula. Para Paulo Netto (2011) os determinantes são as
características pertencentes aos elementos constitutivos da realidade. Nas palavras do autor “... tanto
mais se reproduzem as determinações de um objeto, tanto mais o pensamento reproduz a sua riqueza
(concreção real)” (PAULO NETTO, 2011, p. 45). Principalmente, o pesquisador busca a lei ou
determinante fundamental. Por isso, faz-se imprescindível que o pesquisador consiga distinguir entre o
essencial e o acessório, para constituir um campo de conhecimento cientifico. Nas palavras de Marx,
a pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e
rastrear a sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor
adequadamente o movimento do real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente agora a vida
da matéria, talvez possa parecer que se esteja tratando de uma construção, a priori (MARX,
1983, p. 20).
Para entender essa passagem recorremos à explicação de Paulo Netto (1947) ao afirmar que
o pesquisador deve apreender o objeto em seu movimento na realidade, em seu processo evolutivo,
percebendo por meio de procedimentos analíticos sua estrutura na dinamicidade para depois recompôlo em sua síntese como “o material transposto para a cabeça do ser humano por ele interpretado”
(MARX, 1968, p. 16 apud PAULO NETTO, 1947, p. 29).
Mesmo sabendo que a abordagem materialista dialética já propõe uma mudança de práxis
que visa transformar a realidade, buscamos explicitar alguns procedimentos optando pesquisa-ação,
visto que é “um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita
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realidade, tomando como ponto de partida o pressuposto materialista de que a realidade existe
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associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participativo” (THIOLLENT, 2007, p. 16).
Nos preocupou o fato de que muitas vezes o termo “pesquisa-ação” ser usado em um
espectro tão amplo de ações e reflexões sobre a prática que há dificuldades em considerar que essa
metodologia comporte o rigor necessário a um trabalho acadêmico validado cientificamente, conforme
nos alerta Trip (2005). Esse autor propõe que há etapas da pesquisa (que podem ser variadas) que
obedecem a ciclos que correspondem ao planejamento, ação, monitoramento e avaliação. Expõe pelo
menos dois ciclos iniciais: o ciclo de reconhecimento (a análise situacional que possibilita conhecer os
participantes, as práticas atuais e o contexto - o exame da realidade concreta, conforme falamos antes) e
o ciclo interativo, que conta com a participação efetiva dos participantes na busca por engendrar
processos que visem a solução do problema de forma a colocá-lo em um novo patamar, ou seja, fazer
novas sínteses que gerem novas práxis.
Especialmente nos estágios iniciais da pesquisa-ação, Trip (2005) fala que o pesquisador
pode operar dedutivamente a partir de uma explicação ou teoria pré-existente. É a opção do atual
trabalho que tem três hipóteses iniciais: a) os professores não conhecem a teoria da periodização do
desenvolvimento humano proposta por autores da Psicologia histórico Cultural, e, b) os professores
não diferenciam os comportamentos desafiadores da crise de transição de idades de outras situações em
que a criança não consegue autorregular seu comportamento no cotidiano, c) Os professores
desconhecem a importância da dimensão do processo de autorregulação na infância.
Na atual pesquisa, a explicação pré-existente partiu da revisão bibliográfica para escrever
este projeto e deve continuar por toda a pesquisa. Assumimos assim, que o pesquisador coloca-se frente
à pesquisa já com uma opção teórica que lhe orienta o olhar, mas que mantem-se focalizado graças ao
"inventário crítico desta postura em face do objeto que se está investigando, e não abstratamente"
(FRIGOTTO, 2006, P. 88). Neste sentido, a teoria deve ser revisitada para fornecer as categorias de
análise que serão reconstituídas durante o processo de pesquisa, colocando o conhecimento, se possível
em novos níveis de elaboração. Paulo Netto (2011, p. 46) explica que as categorias "exprimem formas
de modo de ser, determinações de existência, frequentemente aspectos isolados de [uma] sociedade
determinada", ou seja, "elas são objetivas, reais (pertencem a ordem do ser - são categorias ontológicas);
mediante procedimentos intelectuais (basicamente mediante a abstração), o pesquisador as reproduz
teoricamente (e, assim, também pertencem a ordem do pensamento - são categorias reflexivas)".
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participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou
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A forma que escolhemos para fazer o ciclo de reconhecimento será uma incursão em
Municipal de Goiânia se organiza, e o Departamento de Educação Infantil do Centro de Ensino e
Pesquisa Aplicados à Educação (DEI/CEPAE). A delimitação deste campo de pesquisa se deve a
necessidade de identificar as concepções e práticas dos professores em um universo amplo e diverso
que permita captar o fenômeno.
Os sujeitos serão os professores e auxiliares, que atuam na educação infantil da SME de
Goiânia, e trabalham nas turmas EI-D, que como regem as “Diretrizes Organização do Ano Letivo
Triênio 2012 a 2014” (GOIÂNIA, 2011, p. 55), atende no mínimo 15 e no máximo 20 crianças de três
anos. Os professores efetivos, professores bolsistas e estagiários que atuam no DEI/CAPE com o
grupo tatu bola, que segundo a Proposta Político Pedagógica (2015) desta instituição atende crianças de
três anos.
O intuito nesse primeiro momento é fazer uma caracterização dos sujeitos pesquisados e
investigar suas representações respondendo a questão: “como as professoras explicam os
comportamentos desafiadores? quais são suas estratégias pedagógicas para lidar com eles?”. A técnica de
obtenção de informações que poderão se consolidar em dados nesta etapa será o questionário.
A técnica de análise das informações coletadas no questionário nas questões fechadas será a
tabulação e a análise das questões abertas será efetivada pela análise de conteúdo, que segundo Bardin
(1977, p. 31) “é um conjunto de técnicas de análise das comunicações”. O autor segue afirmando que
essa metodologia se propõe a superar a leitura imediata do real, buscando apreender o significado das
mensagens, enriquecendo a leitura. Caso se mostre necessário complementar à fase de reconhecimento
do contexto, outro procedimento que pode ser utilizado é a pesquisa documental.
O próximo ciclo da pesquisa será o interativo quando ministraremos um curso para os
participantes da etapa anterior que desejarem aprofundar nos fundamentos da psicologia histórico
cultural que visará a capacitação dos professores participantes. O momento seguinte será desenvolvido
em um universo mais restrito, apenas um campo, devido à restrição do tempo do curso de mestrado.
Inicialmente faríamos novo ciclo de reconhecimento, com uma entrevista, para uma maior aproximação
com as ideias e práticas das professoras colaboradoras e a posterior construção de uma sequência
didática que contribua para a formação na criança da autorregulação de seu comportamento.
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cinco centros municipais de educação infantil, distribuídos pelas cinco regionais em que a Rede
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Outra etapa do ciclo interativo seria a aplicação, pelo professor colaborador e pesquisadores
diário de campo, e em seguida haveria a avaliação do processo com a realização de nova entrevista com
os professores participantes. Finalizando a pesquisa seria feita a análise do ciclo interativo buscando
compreender o fenômeno em seus múltiplos determinantes.
Atualmente, a pesquisa ainda está em apreciação no comitê de ética estamos realizando a
revisão bibliográfica. Nas primeiras leituras realizadas no levantamento bibliográfico apontamos para a
importância do jogo51 como uma das categorias da psicologia histórico cultural, que pode se materializar
em práticas pedagógicas potencializadoras a autorregulação infantil conforme é elucidado em Leontiev
(2006) e que desejamos compartilhar.
Partindo da concepção de que o brinquedo surge da necessidade da criança em agir sobre
os objetos, mas não apenas aqueles que estão no seu cotidiano e no seu campo imediato de ação, mas
aqueles do mundo adulto, os quais ela não tem acesso ainda por seu desenvolvimento, porém tem
desejo de se apropriar. Para tanto ela lança mão, quando necessário de um tipo de substituição: um
objeto que ela tem acesso (por exemplo, um cabo de vassoura) ocupa o lugar do objeto inacessível (o
cavalo) propiciando assim, que, por ações encadeadas que reproduzem o real, a criança consiga realizar
suas motivações, que seriam irrealizáveis na vida real, no jogo. O que o sendo comum coloca como
“fantasia” é a dissociação do sentido e significado que o brinquedo assume, segundo o autor. A criança
tem clareza do significado da vara, mas para ela a vara tem outro sentido na situação do brinquedo, que,
de certa forma, “obscurece” o significado real.
Além disso, o autor ressalta que a brincadeira carrega em si uma atividade generalizada, ou
seja, é uma representação do papel a ser desempenhado quando “a criança assume certa função social
generalizada do adulto” (LEONTIEV, 2006, p. 132). E continua afirmando que é a generalização das
ações lúdicas que propiciam que o jogo possa acontecer em condições objetivas adversas e diversas. O
limite para essa flexibilidade acontece quando o objeto substitutivo não comporta mais as ações
requeridas pela situação.
As ações são organizadas segundo a regra latente no papel inserido em qualquer enredo de
brincadeira. Por exemplo, ao brincar de mãe/filha, a criança segue as regras intrínsecas a este papel
51
Neste texto tomaremos os vocábulos jogo e brinquedo como sinônimos, conforme foram utilizados no texto pelo autor.
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juntos, da sequência didática, e o monitoramento seria feito através da observação participante e do
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organizando seu comportamento e ações por essas regras. O autor expõe a lei do desenvolvimento do
diz que o brinquedo também evolui de uma situação inicial onde o papel e a situação imaginária
são explícitos e a regra é latente, para uma situação em que a regra torna-se explícita e a situação
imaginária e o papel latentes. Em outras palavras, a principal mudança que ocorre no brinquedo
durante seu desenvolvimento é que os jogos de enredo com uma situação imaginária são
transformados em jogos com regras nos quais a situação imaginária e o papel estão contidos em
uma forma latente (LEONTIEV, 2006, p. 133).
Segue afirmando que os jogos com regras tem sua gênese nos jogos de papeis com
situação imaginária. Nesse contexto, relata que a criança pequena tem dificuldades de seguir o jogo de
regras e sugere que estes sejam adaptados de forma que haja símbolos que auxiliem na compreensão das
regras. O autor exemplifica que na brincadeira de “gato e rato” pode-se utilizar um “símbolo” para
diferenciar os primeiros dos segundos, propiciando a “criança ingressar no jogo por meio do símbolo, e
em seu papel naturalmente se agarra às regras do jogo” (LEONTIEV, 2006, P. 134). Aqui encontramos
uma pista importante para a construção das práticas pedagógicas que fomentem a autorregulação do
comportamento: o signo como elemento que tem a potência de mediar o comportamento humano
(Vygotsky, 1998).
Com a evolução do jogo a necessidade inicial da criança em dominar os objetos do
mundo adulto e seus usos se desloca para as relações humanas, tanto as estabelecidas com o objeto,
como as referidas às pessoas entre si, continua Leontiev (2006). Assim, a especificidade do brincar da
criança se amplia, visto que ela estabelece parcerias mediadas pelas regras com os outros participantes
do jogo. Neste estágio do desenvolvimento do jogo a criança já consegue se subordinar às regras da
ação, elemento favorece a compreensão do princípio que forma a regra do brinquedo. O jogo com
regras também se complexifica à medida que assume um objetivo, que media o processo e a criança,
sem que situação perca seu caráter lúdico. A criança, para acompanhar o desenvolvimento do jogo,
precisa compreender essa complexidade. Então, podemos afirmar que “dominar as regras significa
dominar seu próprio comportamento, aprendendo a subordiná-lo a um propósito definido”
(LEONTIEV, 2006, p. 139).
O autor segue ressaltando que é no jogo que a criança forma sua personalidade e tem os
primeiros rudimentos de auto avaliação, quando consegue balizar suas próprias habilidades em
comparação com as dos outros. O relevante dessa situação é que essa autoavaliação não é realizada por
outros, mas pela própria criança na objetivação do jogo. No jogo com regras a moral no jogo com
regras passa a permear as preocupações infantis. Não como um discurso ou máxima, como nos diz
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brinquedo:
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Leontiev (2006), mas como elemento que se estabelece na psique a partir da própria atividade da
Assim, como o jogo, sabemos que existem outros conceitos da Psicologia Histórico
Cultural que contribuirão com o presente trabalho. A título de reflexões provisórias, ancorados no
exposto, observamos que o jogo pode contribuir para a autorregulação infantil na média em que
possibilita à criança aprender a submeter seu comportamento a regras externas e lhe propicia elementos
para perceber sua inserção nas situações. Temos clareza que quando falamos de crianças muito
pequenas, essas aprendizagens estão em estágio embrionário, cabendo ao professor mediar, por ações e
signos que farão sentido e significado para a criança, o pleno desenvolvimento infantil. É a busca destes
caminhos pedagógicos a que se propõe esta pesquisa.
Referências Bibliográficas:
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criança.
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VIGOTSKI E AS TEORIAS DE APRENDIZAGEM
Patrícia Maria Jesus da Silva52 - CEPAE/UFG
Poliana Carvalho Martins53- CEPAE/UFG
Roberta Alves da Silva54- CEPAE/UFG
Rosemarilany Barbosa Guida55 - CEPAE/UFG
Atualmente Vygotsky é um autor muito estudado tanto na psicologia como na educação.
Contando com um aporte do materialismo histórico dialético, o autor conseguiu formular uma teoria
com uma enorme potência, que contribui para diversas áreas do conhecimento que atuam nas
licenciaturas. Há grupos estudando Vygotsky e suas teorias na pedagogia, na química, na geografia, na
educação infantil, na educação física, etc.
Antes de começarmos a falar de Vygotsky e suas ideias apresentadas no texto “A
aprendizagem e o desenvolvimento intelectual na idade escolar”, faz-se necessário tecer algumas
considerações sobre as diferentes edições que trazem traduções dos textos de Vygotsky. Apesar desse
texto estar na Coletânea “Psicologia e pedagogia - bases psicológicas da aprendizagem e do
desenvolvimento” (2005), apresenta uma tradução muito próxima do texto homônimo publicado no
livro “Formação Social da Mente” (1998). Duarte (2001) alerta para as mutilações pelas quais passou o
livro “Pensamento e Linguagem” nas suas primeiras edições americanas (décadas de 1960, 70 e 80), e
com a obra “Formação Social da Mente” (1998), que por sua vez foram traduzidas para o português.
Ambas as obras são uma síntese dos autores, Michel Cole e Scribner fizeram, mas não um texto na
íntegra de Vygotsky. Duarte (2001) continua alertando:
“Realmente, assim como no caso da edição resumida de “Pensamento e Linguagem”, também
no caso de “A formação social da mente”, não estamos perante um texto de autoria do próprio
Vygotsky mas sim de um texto que reflete muito mais o pensamento de alguns interpretes. E
esses dois livros, a despeito das recentes traduções para o português de partes das Obras
Escolhidas, constituem a fonte principal para boa parte daqueles que se apresentam como
estudiosos de Vygotsky no Brasil. Esses estudiosos parecem não considerar problemática a
atitude dos mencionados pesquisadores norte-americanos” (DUARTE, 2001, p. 214)
Professora de História na rede Municipal de Educação de Goiânia; mestrado em Educação Básica em andamento CEPAE/UFG;
53 Tec. Assuntos Educacionais, Departamento de Educação Infantil/CEPAE/UFG; mestrado em Educação Básica em
andamento - CEPAE/UFG
54 Professora de Educação Física nas redes Estadual e Municipal de Goiânia; mestrado em Educação Básica em andamento CEPAE/UFG.
55 Técnico Administrativo da UFG, Bibliotecária Documentalista; Setor de Processamento Técnico/BC/UFG; mestrado em
Educação Básica em andamento - CEPAE/UFG
52
249- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 4 – Filosofia, Psicologia e Educação
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Apesar de concordarmos com o autor, ponderamos que esta obra apresentou o pensamento
escrita, em plena guerra fria, quando não era possível assumir posições nitidamente marxistas no EUA.
Apesar dessas limitações, percebemos que muitas vezes as referidas edições são “portas de entrada”
para interessados em psicologia histórico cultural os quais devem seguir aprofundando seus estudos nas
demais obras do autor.
Vygotsky é um dos autores, o qual, para se ter uma compreensão mais acurada de sua obra
faz-se necessário conhecer sua biografia. Partindo dos dados apresentados por Van Der Veer (2001),
ressaltamos que Lev Semyonovich Vygotsky, nasceu em 1896 em Orsha, cidade provinciana, nas
proximidades de Minsk, Império Russo. Vygotsky, Judeu, pertencia a uma família relativamente bem
financeiramente e bastante numerosa, sendo o segundo de oito irmãos. Contava com sólida formação,
cursou direito, pois este lhe ofereceria a oportunidade de ser advogado, e os advogados tinham
permissão de morar fora do território de assentamento judaico. Também graduou-se em História e
Filosofia na Universidade do Povo de Shanjavsky, instituição não oficial, mas de certa qualidade, uma
vez que, depois da greve na Universidade Imperial muitos cientistas renomados haviam lecionado lá.
Após concluir seus estudos universitários, retornou para sua cidade Gomel, onde
permaneceu de 1917 a 1924. Neste período lecionou em vários institutos, entre eles: Escola Trabalhista
Soviética e Colégio Pedagógico de Gomel. Nesse último, iniciou suas pesquisas montando um pequeno
laboratório psicológico, no qual seus alunos poderiam fazer investigações práticas simples e participar
ativamente da vida cultural da cidade.
Devido à situação geral da Rússia – Guerra civil, Guerra contra os aliados ocidentais e das
primeiras reformas agrárias a economia do país deteriorou-se e a vida de Vygotsky e de sua família
tornou-se difícil, além disso, contraiu tuberculose cuidando do irmão mais novo, o qual morreu em
1920. Em 1924 casou-se com Roza Smekhova, de Gomel e partiu para Moscou, onde começou a
trabalhar com Alexander Romanovich Luria e Alexis Leontiev, e juntos formularam a teoria Histórico Cultural no Instituto de Psicologia Experimental de Kornilov em Moscou.
Em seus últimos anos de vida, sua situação financeira piorou, por isso assumiu uma
quantidade enorme de trabalhos em editoração, pesada carga horária de aulas as quais envolviam viagens
constantes entre Moscou, Leningrado e Kharkov. Esse contexto tornou sua saúde debilitada, passou a
sofrer com ataques recorrentes de tuberculose, o que o levou a permanecer longos períodos em
hospitais e sanatórios em tratamentos exaustivos e dolorosos. Nessas condições que ele iniciou a análise
250- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
de Vygotsky ao ocidente e, ainda, devemos levar em consideração o contexto histórico na qual foi
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sobre a crise na Psicologia. Depois de muito lutar contra a doença que o consumiu por catorze anos,
Também nos auxilia o entendimento da obra desse grande estudioso o relato sobre os
acontecimentos na Rússia Revolucionária, já que essas influenciaram a Psicologia Soviética que
vinculada ao marxismo visava a possibilidade de constituição de uma nova sociedade. Foi nesse
contexto pós-revolução e pós-guerra civil que a população russa foi conclamada a reerguer a nação
buscando reconstruir uma sociedade e um homem diferente do sistema capitalista, o qual foi a forma de
desenvolvimento econômico dos países europeus. Os cientistas também foram chamados a fazer uma
nova ciência, uma ciência materialista. Como sugerem Cunha et al (2010, p.27) “uma guerrilha
intelectual contra as concepções tradicionais reinantes no âmbito da psicologia”.
Nos anos de 1930 Lev S. Vygotsky e seus colaboradores sofreram diversos ataques. Um
deles refere-se a forma como o grupo de Vygotsky e seu grupo de colaboradores se auto conceituavam.
Keiler (2012) mostra em seus escritos e na sua correspondência que eles denominavam sua teoria de
diversas formas: teoria das funções psicológicas superiores, investigação experimental das funções
psicológicas superiores, teoria do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, entre outras.
Keiler (2012, p. 54) segue dizendo que “Então, o ‘núcleo’ de uma denominação correta da abordagem
teórica de Vygotsky, cuja validade geral pode ser ‘colada’ como um rótulo em todas as variantes desta
abordagem entre 1928 e 1934, é “teoria das funções psicológicas superiores”. Keiler (2012) relata que a
designação “histórico cultural” aparece como uma forma pejorativa imputada pelos adversários de
Vygotsky por volta de 1930:
“A denominação “teoria histórico-cultural [kul’turnogo-istoricheskaia teoriia]”, sendo
linguisticamente considerada um barbarismo (i.e. uma transmogrificação ou transmutação da
forma correta “teoria do desenvolvimento histórico-cultural”), foi introduzida em meados dos
anos 1930 por adversários de Vygotsky (Razmyslov 1934; “G.F.” 1936) com objetivos
difamatórios, para imputar ao “grupo-Vygotsky-Luria” (por “G.F.” então declarada “escola
histórico-cultural”) uma afinidade a representantes do “Kulturpsychologie” Alemão (não
identificados por seus nomes), incriminando a abordagem “histórico-cultural”, em um só lance,
com as mais assustadoras aberrações político-ideológicas”. (Keiler, 2012, p. 55)
Dois anos após a morte de Vygotsky, sua obra foi proibida e censurada por pelo menos 20
anos, conforme já explicitamos. Após a “Era Stalinista”, a partir de 1956-1966 a psicologia soviética
retornou com a produção e com os vínculos com os psicólogos estrangeiros. Com o reaquecimento dos
estudos algumas das obras de Vygotsky foram publicadas. Luria e Leontiev contribuíram para a
divulgação dos escritos e para a sistematização destes, visto que, como colaboradores, puderam auxiliar
251- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
morreu aos 37 anos, deixando-nos vários livros, artigos e manuscritos não publicados.
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na reunião das obras e nas discussões. Com a morte destes dois a psicologia russa passou por um
Após essas considerações sobre o autor, seu tempo e sua obra discorreremos a partir daqui
sobre as principais teses da teoria de Vygotsky e como estas explicam o desenvolvimento humano.
Partiu da tese que é a inserção na cultura humana que faz o recém-nascido humano se humanizar.
Assim, o bebê nasce incapaz de prover suas necessidades para sobrevivência, contando apenas com
reflexos herdados da espécie (p. ex. O reflexo da sucção). O bebê fará um longo percurso de
desenvolvimento para superar as funções psicológicas rudimentares (ou inferiores) para atingir as
funções psicológicas superiores (atenção, memória, pensamento lógico, volição, etc.).
Portanto para Vygotsky (1995) as funções psicológicas inferiores são as formas de conduta
do homem primitivo, ou ainda podem ser aquele nível de funcionamento psicológico rudimentar
quando as reações são imediatas e sem mediações. As funções psicológicas superiores não são apenas
uma sobreposição de novos elementos nas estruturas primitivas, elas são formas completamente novas e
complexas, que formam um sistema com suas próprias leis.
O desenvolvimento das funções psicológicas rudimentares para as superiores se dá, no que
Veresov (1999) denomina, a lei geral da teoria de Vygotsky:
“Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro no nível
social, e depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e, depois no
interior da crianças (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção, voluntária, a
memória lógica, e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das
relações reais entre indivíduos humanos” (VYGOTSKY, 1998, p. 75)
Assim, quando a criança tem contato com as relações sociais, a linguagem, o desenho, a
escrita, matemática e outras facetas da cultura, internaliza estas formas de expressão tipicamente
humanas. Vygotsky chama de internalização “a reconstrução interna de uma operação externa” (p. 74). As
funções e significados são criados socialmente, nas relações das pessoas que convivem com a criança (de
forma interpessoal), e a criança elabora isso internamente (intrapessoal). Vygotsky afirma que o
processo de internalização se dá a partir de uma série de transformações:
a) uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa
a ocorrer internamente (…) b) Um processo interpessoal é transformado num processo
intrapessoal (…) c) A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal
é resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento.
(VYGOTSKY, 1998, p. 75)
252- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
período de estagnação.
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Partindo da premissa, que para se desenvolver a criança toma para dentro de si as questões
quanto nas situações cotidianas. Vygotsky no texto “A aprendizagem e o desenvolvimento intelectual na
idade escolar” desenvolveu análises sobre as teorias mais importantes que se referiam ao
desenvolvimento e aprendizagem na criança e estas foram agrupadas em três categorias e seus
representantes: 1ª Independência do processo de desenvolvimento e do processo de aprendizagem
(Piaget); 2ª Afirma que aprendizagem é desenvolvimento (William James); 3ª Aprendizagem e
desenvolvimento como processos relacionados e diferentes (Kofkka).
Na concepção da primeira Teoria, desenvolvimento e aprendizagem são dois processos
independentes. A aprendizagem seria um processo exterior, que não poderia influenciar o
desenvolvimento. A aprendizagem utilizaria dos resultados do desenvolvimento, em vez de se adiantar
ao seu curso. Com isso, o desenvolvimento sempre vem antes da aprendizagem, e esta sempre o segue,
sendo uma superestrutura deste. Não existindo intercâmbio entre estes. Esta teoria foi defendida por
Piaget que em seus estudos colocava desenvolvimento e aprendizado como processos separados. Para
ele o que a criança aprendia não possibilitaria uma mudança em seu desenvolvimento intelectual, isso se
daria a partir da maturação de certas funções, a priori, até que a escola consiga que a criança adquira o
conhecimento. Como colocado no texto em referência: “O desenvolvimento deve atingir uma
determinada etapa, com a consequente maturação de determinadas funções, antes de a escola fazer
adquirir à criança determinados conhecimentos e hábitos” (Vygotsky, 2005 p.26).
Na segunda Teoria, a tese é oposta à anterior. Considera que os processos de
desenvolvimento e aprendizagem seriam idênticos e paralelos, fundindo um no outro. Defensor dessa
tese, William James, reduz a educação como a organização de hábitos de comportamento, ou na palavra
do próprio autor, “não existe melhor maneira de descrever a educação do que considerá-la como a
organização dos hábitos de conduta e tendências comportamentais adquiridos”. (JAMES, 1958 apud
VIGOTSKI, 1998 p.89). Tanto a primeira como a segunda Teoria consideram o aspecto biológico
maturacional, mas em Piaget a maturação deve ocorrer primeiro e em James aconteceria paralelamente,
ou seja, o desenvolvimento está para a aprendizagem como uma sombra que projeta o objeto (Vygotsky,
2005).
Já a terceira Teoria, defendida por Koffka, coloca os processos da aprendizagem e
desenvolvimento como diferentes e relacionados. Nesta abordagem Vygotsky destaca três pontos
novos: o primeiro é que Koffka tenta conciliar o extremo dos dois pontos de vistas supracitados. O
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externas, torna-se relevante a reflexão sobre como se dá a aprendizagem, tanto na educação escolar
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segundo ponto é que o desenvolvimento seria produto da interação de dois processos: a maturação e a
processo de maturação. O terceiro ponto seria a ampliação do papel da aprendizagem no
desenvolvimento, neste aspecto Koffka contradiz-se da postura adotada por Thorndike. Enquanto
Thorndike defende que o desenvolvimento de um aspecto em específico não produziria
desenvolvimento em outras áreas, isto só aconteceria se as atividades específicas tivessem elementos
comuns. Já Koffka afirma o contrário:
[...] que a influência da aprendizagem nunca é específica. Ao aprender qualquer operação particular, o
aluno adquire a capacidade de constituir certa estrutura, independentemente da variação da
matéria com que trabalha e independentemente dos diferentes elementos que constituem essa
estrutura. (VYGOTSKY, 2005 p. 32, grifos do autor)
Nesta perspectiva, a terceira e última teoria colocada por Vygotsky encerra com a relação
aprendizagem e desenvolvimento diferenciada das anteriores, sendo o desenvolvimento compreendido
em uma maior amplitude do que a aprendizagem, pois o aprendizado atua de forma geral e não
específica. Desta forma, aprendizagem e desenvolvimento não coincidem. Analogamente falando,
enquanto a aprendizagem caminha um passo o desenvolvimento caminharia dois ou mais.
Para Vygotsky essas três teorias em tela eram insuficientes para explicar a relação do
Desenvolvimento e da Aprendizagem, pois essa relação entra em contato desde os primeiros dias de
vida das crianças.
Vygotsky reconhece que a relação do homem com o mundo é uma relação mediada por
sistemas simbólicos, ou seja elementos intermediários entre o sujeito e o mundo, e que cada vez mais ao
longo do desenvolvimento as relações diretas passam a serem predominantemente por relações
mediadas. Segundo Oliveira (1997, p.26) “mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção
de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada
por esse elemento”.
Vygotsky (1998) coloca que o signo e o instrumento forma uma unidade, mas não
apresentam identidade. Sua semelhança é que ambos são mediadores da ação humana e se incluem no
conceito mais geral de atividade indireta (mediada). A diferença entre ambos está nas esferas em que
atuam. O instrumento age externamente ao homem, baseando-se na intervenção na natureza. A relação
mediada por instrumentos está calcada na relação marxista do homem com o trabalho, pois assim como
Marx, Vygotsky (1998) entende que é no trabalho que o homem se torna homem e se diferencia dos
demais animais (precisaremos também entender a relação das funções psicológicas superiores), todavia a
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aprendizagem. A maturação prepara e possibilita o processo da aprendizagem que também estimula o
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relação que o homem transforma a natureza e para isso ele utiliza de instrumentos, que potencializam o
Outros animais também seriam capazes de utilização de instrumentos como detectaram alguns
experimentos com chimpanzés, contudo devido o desenvolvimento das relações superiores, que são
especificamente humanas os homens diferenciam-se dos demais animais. Só o homem é capaz de
produzir, determinar uma função para os diferentes objetos e de transmitir esses conhecimentos aos
descendentes e outros membros do grupo social.
A relação mediada por signos “são ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e
não nas ações concretas, como os instrumentos” Oliveira (1997, p.30). Os signos são compartilhados
pelos grupos sociais, em que há uma representação no plano simbólico de cada elemento. Essa
capacidade de representação mental das coisas do mundo que está internalizado nos sujeitos e que nos
permitem transitar em dimensões diferentes de tempo e espaço são características tipicamente humanas.
Ambos, instrumentos e signos, são meios artificiais que ampliam de forma ilimitada a
conduta humana e geram novas funções psicológicas, as funções psicológicas superiores. Assim, é pela
aprendizagem que a criança se humaniza e alcança patamares psicológicos superiores.
Nesse sentido, é pela relação da mediação do “homem x mundo” que podemos entender o
conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Sendo a aprendizagem, então, que propicia o
desenvolvimento pelo contato, conforme exposto anteriormente, através das relações mediadas.
Para compreender o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal precisamos entender
outros dois conceitos: Nível de desenvolvimento Real (seria a capacidade da criança de realizar tarefas de
forma independente) e Nível de desenvolvimento Potencial (seria a capacidade da criança de realizar tarefas
com ajuda de pessoas mais experientes). A Zona de Desenvolvimento Proximal seria então a distância
entre o Nível de Desenvolvimento Real e o Nível de Desenvolvimento Potencial.
Para Vygotsky,
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas
que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente
em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas “brotos” ou “flores” do
desenvolvimento, em vez de “frutos” do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real
caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento
proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente. (VYGOTSKY, 1998, p.98).
Como conceituado, essas funções em estado embrionário irão germinar se dadas as
condições/mediações necessárias, sendo assim o Nível de Desenvolvimento Potencial de hoje, poderá
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trabalho do homem fazendo mais rápida e eficazmente do que se essa relação fosse de forma direta.
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ser o Nível de Desenvolvimento Real de amanhã. Como afirma Vygotsky, (2005, p.38) “o único bom
Com essa teoria Vygotsky inverteu a tendência que pairava na época entre desenvolvimento
e aprendizagem, e mais, direcionou nosso olhar para um ensino prospectivo e não retrospectivo, ou seja,
devemos mediar as tarefas que se encontram em situação embrionário. Só conseguiremos desenvolver
as atividades que se encontram como brotos, as atividades além (que não estão em estado embrionário
ainda) não serão desenvolvidas neste momento. Nesta mesma linha, podemos entender a imitação na
concepção de Vygotsky, que o ato de imitar não seria mera cópia de um modelo, mas que há a
reconstrução individual daquilo que é observado nos outros, e que essa imitação só é possível de ações
que estejam no Nível de Desenvolvimento Real ou dentro da Zona de Desenvolvimento Proximal.
De acordo com estes estudos, notamos que a contribuição da obra de Vygotsky para a
educação foi emblemática. Apesar de uma vida relativamente curta e muitas de suas obras terem sido
realizadas oralmente a um transcritor e por terem sido somente iniciadas, pois tinha uma mente fecunda
e deixou a seus seguidores a missão de terminar a sua linha pensamento. A despeito de todos esses
fatores foi uma obra inovadora na compreensão do questionamento de “como as crianças aprendem?”.
As obras predecessoras as quais Vygotsky traz a crítica analisada nesta estudo foram
importantes para sua época, mas não respondiam eficazmente a relação aprendizagem e
desenvolvimento. Foi somente após seus estudos e a continuidade dos mesmos pelos seus discípulos
que compreendemos a importância do papel escolar. Diferentemente de Piaget, pensava que a educação
deve trabalhar de uma forma prospectiva, base da Teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal e não
de forma retrospectiva. A educação deve atuar e potencializar as funções psicológicas superiores que
estão germinando e não as que já estão concretizadas. O que o aluno já sabe e foi internalizado. Há que
se trabalhar na zona de desenvolvimento potencial, somente assim haverá uma aprendizagem e
desenvolvimento significativos.
Referências Bibliográficas
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Revista Eletrônica Arma da Crítica, Ano 2, n. especial, Dez.2010, ISSN 1984‐4735. Disponível em:
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ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”.
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TOASSA, G. Há um “Materialismo Vygotskyano?” Preocupações ontológicas e epistemológicas para uma psicologia
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DUARTE, N. Vygotsky e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria
vygotskiana/ Newton Duarte — 2. ed. rev. e ampl. — Campinas, SP: Autores Associados, 2001. (Coleção educação
contemporânea).
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A PSIQUIATRIZAÇÃO DA VIDA: DISCURSOS PSIQUIÁTRICOS SOBRE A INFÂNCIA E
A FAMÍLIA EM GOIÁS
Railda Aparecida Barbosa Barreto – PPGP - UFG
Alexandre Ribeiro Aquino –PPGP - UFG
Prof. Dr. Tiago Cassoli – UFG
1. Introdução
"Em linhas gerais, o poder psiquiátrico diz o seguinte: a questão
da verdade nunca será posta entre mim e a loucura, pela simples
razão de que eu, a psiquiatria, já sou uma ciência” (Foucault,
2006, p. 166).
Lobo (2015) afirma que Foucault foi um dos filósofos que mais valorizou o ato de
pesquisar. Através de vários cursos que ele ministrou, fruto de anos de pesquisa em tempo integral,
construiu todo o seu pensamento filosófico, cujo intuito era o de problematizar as práticas e discursos
naturalizados na relação do homem com a sociedade. Foucault utiliza a Genealogia nietzschiana, ao
propor que se faça uma história que “reintroduza o descontínuo em nosso próprio ser, que faça
ressurgir o acontecimento no que ele tem de único e agudo” (1979, p. 28). Neste sentido, conforme
aponta Cardoso Jr. (2001), a proposta empreendida era o de tentar romper com todo o ponto de vista
causal e determinista, levando os historiadores a problematizar as práticas de poder que construíam e
produziam novas formas de subjetivação.
A genealogia nietzschiana rompe com o pensamento metafísico, ao considerar que na
história dos acontecimentos não se deve buscar uma origem, uma essência. Segundo Foucault (1979)
uma pesquisa nesse sentido, se esforça por encontrar a essência exata da coisa, sua identidade, sua forma
imóvel e anterior a tudo o que é externo, acidental, sucessivo. Em contrapartida, ainda de acordo com o
autor, o historiador que se utiliza do método genealógico percebe que atrás das coisas há “algo
inteiramente diferente” (Foucault, 1979). O historiador se depara com a constatação de que não existe a
essência dos objetos estudados, mas que esse conceito foi construído a partir de práticas, saberes e
discursos. Desta maneira,
a história, genealogicamente dirigida, não tem, por fim, reencontrar as raízes de nossa
identidade, mas ao contrário, se obstinar em dissipá-la; ela não pretende demarcar o território único de
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GT 4 – Filosofia, Psicologia e Educação
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onde viemos, essa primeira pátria a qual os metafísicos prometem que nós retornaremos; ela pretende
É importante destacar que fazer genealogia não é descartar a história da origem, mas
utilizar-se dela para se contrapor ao fato de que o que é dado como preexistente e predeterminado é
resultado de uma produção histórica, constituída por vários elementos. Foucault (1979) ressalta que é
“preciso saber reconhecer os acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes
vitórias, as derrotas mal digeridas”. Neste sentido, é buscar nas rupturas, nas dispersões as
multiplicidades, as descontinuidades e as resistências que possibilitaram construção dos discursos. O
trabalho do genealogista visa promover a dispersão dos acontecimentos. Nas palavras de Foucault
(1979), busca promover um corte entre uma suposta relação determinista entre a coisa e a palavra que a
nomeia, problematizando as relações de saber-poder que produziram realidades, saberes e
subjetividades, um modo de ser, de sentir e de pensar.
A relação saber e poder foi à questão metodológica principal, apresentada por Foucault no
decorrer dos seus estudos. No que se refere ao poder psiquiátrico, a partir do método genealógico,
Foucault buscava analisar como se deu a constituição da psiquiatria enquanto saber e poder, tendo
como elementos norteadores os jogos, as regras, os dispositivos, as táticas, as estratégias e as técnicas do
poder. Entre outras questões apresentadas, Foucault buscava compreender como o discurso
psiquiátrico, que nasce do exercício do poder psiquiátrico, vai se tornando o discurso da família, o
discurso da infância, o discurso dos loucos, o discurso do normal versus anormal. O discurso psiquiátrico
se dará como discurso de verdade.
Amparados pela grande contribuição da genealogia nietzschiana e das obras de Michel
Foucault, neste estudo, pretendemos mostrar que o processo da patologização e psiquiatrização da
família e da infância não é um fenômeno isolado nem recente, mas está profundamente emaranhado a
diversos fatores históricos e contemporâneos. A intenção deste trabalho é refletir sobre algumas
questões que nos parecem importantes no tempo presente, buscando acessar, mesmo que seja
minimamente, a complexidade que as constitui. Contudo, sem adotar pontos de vistas finalistas e
deterministas.
2. Discursos psiquiátricos sobre a infância e a família em goiás
Roberto, o único garoto visitado por um familiar, não chegou sequer a sair do hospital para
passear, conforme havia sido prometido... O crime de Roberto foi ter nascido com hidrocefalia,
problema que provoca inchaço no crânio, mas que tem tratamento. Possuía traços bonitos, mas
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fazer aparecer todas as descontinuidades que nos atravessam. (Foucault, 1979, p. 34-35)
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não atendia aos padrões sociais, experimentando a exclusão. Com doze irmãos, tinha uma mãe
caridosa; entretanto, por ser diferente dos outros, a família decidiu que Roberto não poderia
ficar entre eles. De Goiás, Roberto foi despachado para o hospital de Barbacena, em Minas
Gerais (O Holocausto Brasileiro, 2013).
A história de Roberto não é um caso isolado e único, mas representa a história de muitas
crianças e famílias medicalizadas, que se fizeram esquecidas no decorrer dos anos. Ele, saindo de Goiás
em direção ao estado vizinho, que na época adquiriu fama ao sediar o maior hospício do Brasil, foi uma
das muitas crianças que teve o seu destino traçado ao adentrar os muros da instituição, da qual jamais
sairia vivo. Este trecho não foi escolhido de maneira aleatória, apesar de constatarmos que toda a leitura
do livro é indispensável para conhecermos, refletirmos e problematizarmos sobre o grande genocídio
ocorrido em solo brasileiro. O trecho retrata a íntima relação entre os discursos sobre a família e a
infância, instâncias permeadas de significados que trazem elementos importantes quando se busca
reconstruir o passado a partir das práticas psiquiatrizantes que se encontram no presente.
A busca pelo diagnóstico e pelo tratamento de problemas cotidianos existe desde tempos
muito antigos. No decorrer dos séculos diagnósticos médicos, principalmente os psiquiátricos,
tornaram-se dispositivos de extrema importância para explicar e intervir em diversas situações
consideradas problemáticas da vida cotidiana. Vale ressaltar que o saber psiquiátrico, inicialmente, não
fazia parte da medicina geral, pois segundo Foucault (2010) a psiquiatria se institucionalizou como
campo especializado do saber, a partir dos séculos XIX e XX, cuja preocupação com a higiene pública e
com os problemas decorrentes dos comportamentos considerados inadequados, tornou-a uma
importante área da medicina.
Pautado no interesse por uma pesquisa que aborde a história da psiquiatria e da produção
de novos modos de existência, encontramos nas obras de Foucault, especificamente em O poder
psiquiátrico e Os anormais – ambos referentes aos cursos ministrados por Michel Foucault no Collége de
France, nos anos de 1973-1974 e 1974-1975 respectivamente – uma possibilidade de problematizar
sobre o poder psiquiátrico em Goiás, discursos sobre a infância e a família. Ressaltamos que ao
introduzir a genealogia como método de pesquisa, partimos da compreensão de que é necessário, a
partir da filosofia do presente, fazer um recuo histórico para historicizar às multiplicidades no tempo,
problematizando o processo de naturalização dos objetos.
Este trabalho é fruto da interlocução de duas dissertações que estão sendo desenvolvidas
no programa de pós-graduação em psicologia da UFG. Apesar do curto período de pesquisa,
apresentamos neste trabalho apenas alguns dados encontrados em Goiás. É importante destacar que a
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pesquisa genealógica utiliza diversos documentos históricos para evidenciar o surgimento de
que datam do século XX, tais como prontuários do Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho 56 e arquivos
públicos de saúde do Estado, que poderão trazer elementos importantes no estudo da psiquiatrização.
A partir do final do século XIX e início do XX, os comportamentos que a sociedade
considerava inadequados passaram a ser explicados pelos médicos, psiquiatras e higienistas como
originários de traços biológicos e/ou hereditários. É nesse momento que as concepções sobre a família
e a infância sofrem reformulações, já que passam a ser o núcleo central na origem das patologias. Assim,
diante a ausência de um substrato orgânico no corpo do doente, procura-se na história de vida do
indivíduo, na família, certo número de eventos patológicos que, embora sejam de outra natureza (se o
pai era apoplético ou a mãe tinha reumatismo ou se tem ou não um primo idiota), referem-se à
existência de um substrato material patológico (Foucault, 2006).
Conforme assinala Foucault (2010), a família foi investida de uma racionalidade pelo
saber-poder médico, configurando-se, portanto como a “família medicalizada”. Será a família
medicalizada o agente de normatização da infância que terá por função determinar, discriminar e corrigir
condutas consideradas inadequadas. Cabe aos pais assistirem seus filhos, diagnosticando as doenças,
porém, esse controle familiar deve ser sempre submisso à intervenção do saber biomédico (Foucault,
2010). A medicalização da família, a partir do final do século XVIII, tornou-se o ponto de articulação
necessário para todo o funcionamento da medicina social e controle das condutas. Desta forma: quando
um indivíduo é lançado fora de um sistema disciplinar como sendo anormal, para onde é mandado?
Para a sua família. Quando é rejeitado sucessivamente de certo número de sistemas disciplinares como
inassimilável, indisciplinável, ineducável, é para família que é rejeitado; e é a família que, nesse momento,
tem o papel de rejeitá-lo, por sua vez como incapaz de se fixar em qualquer sistema disciplinar e
eliminá-lo, quer sob forma de rejeição na delinquência, etc. Ela é o elemento de sensibilidade que
possibilita determinar quais são os indivíduos que, inassimiláveis a qualquer sistema de disciplina, não
podem passar de um a outro e têm finalmente de ser rejeitados na sociedade para entrar em novos
sistemas disciplinares que são destinados a isso (Foucault, 2006, p. 101-102).
Donzelot (1986) conceitua a polícia das famílias como os dispositivos criados com o
objetivo de controlar a normalidade social e familiar no final do século XVIII. A partir dessa nova
O Hospital Adauto Botelho foi à primeira instituição psiquiátrica em Goiás, tornando-se símbolo da modernidade para a
nova capital goiana. Segundo Paula (2011) o manicômio passou a cumprir a sua função de auxiliar no controle da loucura
enquanto um mal social. O hospital foi construído em 1954 e demolido em 1997.
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determinado objeto, sendo assim, em trabalho posterior, buscaremos o acesso a documentos históricos
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configuração, ao médico foi atribuído o papel de agente tutelar das famílias, particularmente as de
patologia da infância na sua dupla forma: a infância em perigo, aquela que não se beneficiou de todos os
cuidados da criação e da educação almejada, e a infância perigosa, a da delinquência (Donzelot, 1986).
Com o intuito de preservar a infância, adestrar e tornar as crianças dóceis, a família foi
submetida à tutela de políticas higienistas e psiquiatrizantes, sofrendo reformulações na sua estrutura,
dinâmica e funcionamento. Os pais tornaram-se pais-educadores, sendo responsáveis, segundo Lemos e
Vasco (2012), por estes supostos seres pequenos e frágeis, classificados como corpos em formação e
desenvolvimento. As regras impostas às famílias foram sistematizadas em cartilhas e manuais que
passaram a direcionar a relação entre família e infância. Neste sentido, a família reduziu-se ao núcleo
casal e filhos e fechou-se em um mundo íntimo e de privacidade, encontrando na casa higienizada o seu
local de refúgio (Sennett, 1988; Foucault, 1979).
A criança como objeto da psiquiatria, aparece tardiamente, não através da criança
considerada louca, ou pela loucura da infância. A psiquiatrização da criança se deu por outros
personagens: a criança imbecil, a criança idiota, a que logo foi chamada de criança retardada, isto é, uma
criança que desde o início foi especificado que não era louca. Conforme aponta Foucault (2206), a
psiquiatrização da criança deu-se através da criança não-louca, e foi a partir desse momento que se
produziu a disseminação do poder psiquiátrico.
Em Goiás, em meados do final do século XVIII e início do século XIX, a saúde infantil não
recebia assistência médica na província, independente da classe social que essa criança pertencia. A
situação de calamidade na área da saúde espantava a todos que chegavam à província, principalmente os
viajantes que viam o local como inóspito para se viver. O remédio utilizado contra as doenças era
sobretudo o uso de ervas medicinais, a fé e rituais contra os maus espíritos, considerados os
responsáveis pelos males. O curandeirismo foi bastante difundido para preservar a vida de bebês e
crianças. Segundo Valdez (2004), o conhecimento empírico e a intuição faziam parte até mesmo do
médico, pois, às vezes, era a única opção da Província Goiana.
Em relação ao abandono de crianças, Valdez (2004) destaca que entre as crianças
abandonadas se encontrava aquelas que sofriam de alguma enfermidade física e/ou mental, sendo este
um dos motivos que acarretavam no abandono. Segundo a autora,
os chamados “bobos” eram adotados pelas famílias para cumprirem o papel de serviçal em
casa. Eles carregavam água e lenha, lavavam, passavam e davam recados. Constituíam uma
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classes mais baixas. Era no interior dessas camadas sociais que eles visavam um alvo privilegiado, a
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No que se refere a intervenção do poder médico na família e infância, encontramos a
partir do século XX, na dissertação intitulada: Os sons do silêncio: o louco e a loucura em Goiás, de
Éder Mendes de Paula (2011), a referência ao III Congresso Médico do Brasil Central e V do Triângulo
Mineiro ocorrido em Goiânia, no ano de 1951. Neste encontro discutiu-se sobre a consolidação da
medicina, a possibilidade de uma institucionalização, de seu próprio local legitimador, de um amplo
espaço na construção de uma sociedade higienizada, de um saber preventivo.
Neste congresso também foi discutida a necessidade de se construir um manual de higiene,
pensado para ser lecionado e trabalhado pelas professoras nas escolas primárias, sendo este, nas palavras
de Paula (2011), uma estratégia necessária para o início do controle sobre a sociedade, sobre a
demarcação entre saúde e doença, entre vida e morte, realizada pela medicina. Apesar de não saber se
realmente houve a confecção do manual em Goiás, ressaltamos que o documento (tendo como modelo
o manual do Rio de Janeiro) destacava a possibilidade de intervenção direta na vida familiar e na
infância, através da figura da professora. Nesse sentido, as escolas não seriam mais apenas um local de
estudos, mas representariam os olhos do médico e do governo sobre a vida dos indivíduos.
No manual, compreendemos que a intervenção da professora poderia se estender até a casa
dos seus alunos, para que houvesse a garantia de que a família estava seguindo as normas de higiene
necessárias para a proliferação da saúde entre os demais. Aqui podemos observar que o médico se
aproxima da família e da infância por meio da pedagogia. Assim,
a professora deve ir de encontro com as necessidades emocionais da criança individualmente
considerada. Está alerta para os problemas mentais e emocionais que possam se refletir em
comportamento agressivo ou antissocial, acanhamento, divergência entre habilidade intelectual
e o proveito escolar, mudanças repentinas de atitudes, de comportamento, etc. (Associação
Médica de Goiás, 1951).
Foucault (1999) afirma que a partir do século XVIII, a infância passa a se tornar alvo de
interesse da educação, da medicina e de políticas higienistas, tornando-se um campo de estratégias e
táticas, voltadas para o controle, como por exemplo, da sexualidade da criança – a masturbação. Sendo
assim, a família se torna fundamental no exercício da medicalização da infância, ao terceirizar seus
cuidados a especialistas (médicos, psicólogos, psiquiatras, pedagogos, psicanalistas), em constante
alerta frente a sexualidade infantil, colocando-a dentro de uma instância vigilante, controladora e
disciplinar (Miranda & Cassoli, 2014).
263- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
espécie de “serviçal de estimação” para as famílias da cidade de Goiás, que usavam de seus
préstimos gratuitos. De acordo com a tradição oral, quando alguém casava em Goiás recebia
como presente um “bobo” para ajudar nas tarefas domésticas (Valdez, 2004, p.18).
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Na atualidade é muito difícil alguma criança estar excluída das instituições especializadas
De acordo com Vorcaro (2011) a infância tornou-se objeto de disputa de poderes, configurada como
uma zona limítrofe de confronto entre o público e o privado, gerando novos saberes e modalidades de
controle. O cuidado com as crianças ultrapassou a família e escola, sendo abarcado pelo discurso
médico sobre a infância (Vorcaro, 2011, p. 220).
Devemos estar atentos que o simples fato de uma criança considerada portadora de alguma
deficiência mental ser incluída numa classe regular não significa necessariamente o rompimento das
tutelas dos especialistas e das separações hierarquizadas pela negatividade da falta. Pode resultar em algo
ainda mais contraproducente, ou seja, o desprezo pela sua diferença e a desobrigação do poder público
do dever de educá-la. Ou seja, produzir mais e mais sujeitos da norma, das separações instituídas que
não precisam dos estabelecimentos fechados, tampouco das distribuições espaciais, mas em práticas
divisoras de novas categorias de “transtorno”: eis o afã dos saberes atuais das chamadas Neurociências e
da Psiquiatria do Desenvolvimento. Conforme Lobo (2015) torna-se necessário recursos materiais e
humanos que atendam de maneira efetiva todas aqueles que não atendem as normas, ou estarão
condenados ao abandono.
É de suma importância destacar que para Foucault, as sociedades modernas são
normalizadoras. A normalização, deste modo, descreve o funcionamento e a finalidade do poder, ou
seja, coincide com a formação do estado governamentalizado, com uma forma de exercício de poder
que depende estritamente do saber. Assim como, a função de normalização que desempenham os
saberes da medicina, psiquiatria, psicologia e psicanálise (Castro, 2004).
De acordo com Castro (2004) a sociedade de normalização é essencialmente
medicalizada. Ligada à nova psiquiatria, que substitui a dos alienistas, a psiquiatria encontra-se dominada
pela noção de automatismo, onde percebemos um duplo jogo da norma. O primeiro compreende a
norma como regra de conduta, que se opõe a qualquer tipo de desordem, a excentricidade, ao desvio
comportamental, já o segundo entende como regularidade funcional, ou seja, ao patológico, ao mau
funcionamento do organismo.
3. Considerações Finais
A pesquisa pretende num futuro investigar o avanço do saber/poder psiquiátrico em Goiás
desde de seu surgimento, investigando a história da medicina em Goiás e sua relação na psiquiatrização
264- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
(hospital, escola, abrigos, creches, etc) ou das classificações que o saber médico constantemente produz.
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de crianças e famílias, através de uma pesquisa em arquivos de instituições públicas, em prontuários
momento, tem como objetivo principal apresentar uma relação entre essas duas dissertações de
mestrado sobre as práticas e discursos produzidos pela psiquiatria, que objetivam a família e a infância
em Goiás a partir do século XIX. Pretende-se analisar, por meio do recorte histórico, como se deu a
constituição destes objetos, isto é, quando a instituição familiar tornou-se objeto e agente de vigilância e
intervenção por parte da psiquiatria nas condutas, como a das crianças.
A psiquiatria se tornou uma importante área de saber ao criar dispositivos de diagnóstico e
intervenção, que foram legitimados na relação entre a sociedade e a loucura/doença mental. O poder
psiquiátrico em seu arcabouço teórico-conceitual apropriou dos fenômenos psíquicos, atribuindo-lhes
critérios de normatização. Nesse processo, construiu um extenso território que através das suas
ramificações, disseminou o seu saber sobre todos os campos da vida humana. Destacamos que a história
psiquiatria é a história das múltiplas práticas de objetivação das condutas humanas, cujo começo tem
uma data. É a história das práticas e dos saberes que ela constitui principalmente nas alianças com
outros saberes, tais como o saber médico, psicológico, educacional, pedagógico, judiciário, político etc.
É uma história das separações, diferenciações, classificações, cortes incessantes, de exclusões por
inclusões.
O controle social tornou-se um dos pilares da maquinaria psiquiátrica, e em nome desse
controle, o poder psiquiátrico encontrou na família e na infância um fértil campo para vigiar, controlar e
intervir nas condutas de seus membros. Espera-se que por meio desta pesquisa, seja possível traçar
algumas das articulações estratégicas do poder psiquiátrico, que devem ser analisadas como parte do que
hoje concebemos como família e infância psiquiatrizada.
4. Referências Bibliográficas
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FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
265- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
psiquiátricos a fim de investigar qual é o tratamento destas crianças em Goiás. Em um segundo
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FOUCAUL. M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 21ª ed. 1999.
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Disponível
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PAULA, É. M. Os Sons do Silêncio: O louco e a loucura em Goiás. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
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Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea. (pp.219-229). São Paulo: Via Lettera, 2011.
266- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
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GT 4: Filosofia, Psicologia e Educação
Profa. Dra. Solange Martins O. Magalhães - UFG*
Amanda Oliveira Magalhães - UFG**57
Jackeline Império Soares - UFG ***
Nota um: Introdução
Conforme o posicionamento histórico-crítico, todo ser humano nasce candidato à
humanização. O homem não nasce homem. Ele necessita aprender a ser homem. Precisa ser
hominizado no seu processo de formação como sujeito social. O processo de humanização depende das
mediações que são oportunizadas aos homens, por isso, depende do processo educativo, a partir do qual
os sujeitos aprender a produzir a própria existência, por meio do trabalho.
Isso significa, conforme exposto por Magalhães (2015), que o homem torna-se social na
medida em que se apropria do conhecimento historicamente construído, mas não só, das formas de
conduta, dos acordos sociais, das representações postas no percurso coletivo, etc., aspectos que no
conjunto representam as apropriações “originadas e produzidas pelos indivíduos, as quais têm precedido
o que coexiste com ele [...] Os sujeitos às assimilam (mais ou e menos universalmente) à sua vida e à sua
atividade” (MARKUS, 1974, p. 27 apud MAGALHÃES, 2015, p. 01).
Essa ideia destaca a importância do caráter histórico-cultural do desenvolvimento humano,
o que também valoriza suas condições históricas concretas. Essas têm caráter decisivo nas relações
sociais estabelecidas, na atividade humana objetivada e produtiva, nos modos sociais de ação, na
utilização dos instrumentos culturais, bem como nas definições das condições de vida e educação. No
amplo processo de humanização, os homens, em função de suas próprias necessidades, transformam a
natureza, num movimento definido como trabalho.
Saviani (2007, p. 157) acrescenta que o homem é o que é, no e pelo trabalho, para ele a
essência do homem é o trabalho, o qual “se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo”. Portanto,
* Doutora em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás. Pesquisa financiada:
CAPES/CNPq/FAPEG. E-mail [email protected]
** Mestranda em Engenharia de Alimentação, Universidade Federal de Goiás. Agência Financiadora:
CAPES/CNPq. E-mail: [email protected]
*** Mestre em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás. Agência Financiadora:
CAPES/CNPq/FAPEG. E-mail [email protected]
267- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
TRABALHO DOCENTE: CONCEPÇÕES E PERSPECTIVAS
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“é um processo histórico”. Assim, historicamente, o mesmo processo promove a formação da
produtor dessa ação.
Na interlocução dialética, o homem cria e se apropria das formas humanas de existir, as
transforma e transforma a si mesmo, na passagem à condição de sujeitos sociais, à sua humanidade.
Entretanto, na forma atual do capitalismo, que se caracteriza pela “fragmentação de todas as esferas da
vida social” (CHAUÍ, 2014, p. 3), temos o comprometimento desse processo formativo do sujeito
social, portanto, da própria existência humana.
Como a essência humana é definida pelo trabalho e como continua sendo verdadeiro que
sem trabalho o homem não pode viver, a dinamização da mediação hegemônica, imposta pelo
capitalismo, no que se refere às orientações das ações concretas, passa a imprimir novos sentidos ao
trabalho e, consequentemente, ao desenvolvimento humano.
Desse modo, a lógica hegemônica, reprodutora da sociedade de classes, faz com que a
significação do trabalho humano deixe de ser o meio de transcendência do homem sobre a natureza e
produza sua própria humanização. Estamos diante da exploração do capital sobre os sujeitos e a
transformação do seu trabalho em mercadoria.
Como consequência, os homens passam a ser controlados e alienados, e isso envolve a
apropriação de seu próprio trabalho. Com Marx (1962) entendemos que trabalho qualitativo cria os
valores necessários ao ser humano para satisfazer socialmente as suas necessidades físicas e espirituais,
mas o trabalho cooptado e expropriado pelo capital, destitui o trabalho de seu valor ontológico,
tornando-o pura e simplesmente quantitativo, portador de mais-valia (valor excedente) apenas para o
capital.
Da mesma forma que gera profundas alterações no trabalho, o modo de produção
capitalista também provocou decisivas mudanças na educação. Se a educação pode ser plenamente
identificada com o processo de trabalho, enquanto constituidora e formadora do próprio homem,
orientadora de promoção de vida emancipadora, a partir da divisão dos homens em classes e com a
exploração do trabalho, altera-se a relação educação-trabalho para trabalho-educação. De uma educação
que auxilia e promove diferentes processos relacionados ao trabalho, tem-se o trabalho capitalista
deliberando suas necessidades a educação.
268- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
consciência, por meio de sua ação ou trabalho. Ontologicamente, o próprio homem torna-se produto e
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O processo torna a educação cindida, ou seja, ideologicamente, pode-se identificar
deliberam a educação ações que atendam aos interesses da classe dominada. O fato é que na sociedade
capitalista consumou-se a separação entre educação e trabalho.
Com efeito, conforme Saviani (2007), a separação entre educação (ou a escola) e a
produção, portanto a alteração da relação educação-trabalho para trabalho-educação, reflete a divisão
que se foi processando, ao longo da história, na relação entre trabalho manual e trabalho intelectual. As
mudanças nessa relação exemplificam o como a relação trabalho-educação passou a assumir uma dupla
identidade: de um lado, uma educação para o acesso ao mundo do trabalho, ou seja, à formação dos
trabalhadores, para que assumam o desenvolvimento de uma produção gerida para atender às
necessidades de consumo e, de outro, uma educação destinada ao trabalho intelectual. Enquanto na
primeira dispensa-se o domínio dos respectivos fundamentos teóricos e epistemológicos, que
sustentariam a compreensão do atual mundo do trabalho, logo emancipadores; na segunda, prioriza-se
amplo domínio teórico e epistemológico, mas apenas a fim de preparar as elites e representantes da
classe dirigente, para atuarem nos diferentes setores da sociedade, mantendo-se dessa forma, o status quo.
Daí convivermos, no mínimo, com uma proposta educacional dualista que visa formar os
trabalhadores, os futuros dirigentes, mas que de certa forma, destitui a formação emancipadora da classe
trabalhadora. Isso firma a divisão social do trabalho que, ao mesmo tempo, muda a produção da
existência humana, a educação e o processo de humanização, e é claro, a reorganização das relações
sociais.
Se essa atual situação desmobiliza por interfere no processo de humanização e emancipação
dos sujeitos, do ponto de vista educacional, temos que a educação nunca será neutra, sempre nos
apresentará contradições (MAGALHÃES, 2015).
Nesse sentido, se o modo como está organizada a sociedade atual é a referência para a
organização do trabalho e a educação, o mesmo processo presencia sua contradição. Temos que o
princípio do trabalho é imanente à educação, ela orienta e determina a humanização e o futuro processo
de trabalho. Essa relação educação-trabalho pode integrar os sujeitos na sociedade, ajudando-os a se
apropriarem dos elementos culturais, mas também instrumentais, para a sua inserção efetiva no campo
do trabalho. Afinal, o processo é dialético, transforma o homem que transforma a sociedade e a si
mesmo, o que nos leva a refletir sobre a importância do trabalho docente.
269- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
mecanismos que a torna destinada à responder as demandas da classe dominante, e outros que
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O conceito de trabalho docente é aqui sustentado conforme Marx (2012): é categoria
ontológica estruturante do sujeito social, ao que incluímos a descrição de Saviani (2007), para o qual
trabalho é práxis, é atividade humana que somente se constitui como tal à medida que transforma
objetiva e materialmente uma dada realidade – mundo natural e social.
Nesse sentido, Queiroz (2014) acrescenta que trabalho é a efetivação da práxis, a qual
requer a concorrência das forças naturais do homem e da sua capacidade de pensar, idealizar, projetar,
prever finalidades para a ação, isto é, requer que o homem ponha em movimento sua capacidade
teórico-prática. Essa capacidade pode ser constatada nas criações humanas, ao longo de sua história, daí
o caráter histórico da formação e sua necessidade de apropriação por parte do sujeito, mas também o
caráter ontológico do mesmo processo, uma vez que a produção do homem é realizada pelo próprio
homem, numa interlocução definida como humanização (QUEIROZ, 2014; MAGALHÃES, 2015). Do
que se entende que o trabalho em sua forma humana é a mediação que o homem necessita para
construir-se ontológico e historicamente.
Entretanto, para que o trabalho cumpra esse papel é necessário que na sociedade
predomine a liberdade, que seja favorecida sua condição de sujeito, em relação de colaboração, não de
dominação, com os demais sujeitos. Infelizmente, “é precisamente isso que falta nas atuais relações
sociais que se dão sob a égide do capitalismo, onde o trabalho é subordinado às regras do mercado, leiase do capital” (PARO, 2012, p. 06).
Na nossa atual condição social e histórica, nos impede de assumir o trabalho enquanto
condição ontológica. No capitalismo, suas potencialidades concretas são secundarizadas em favor da
precedência absoluta do trabalho abstrato, diga-se em favor da possibilidade de criação do valor
econômico, que serve à expansão do mercado. No mesmo contexto temos o trabalho docente e suas
especificidades.
Partimos da definição sobre o trabalho docente, conforme proposto por Queiroz (2014, p.
42), que afirma o trabalho docente como não material, mas da mesma forma, quando práxis, é
humanizador. Nesse sentido, se a prática objetiva e material torna o trabalho tangível, conforme
abordagem marxista, no caso do trabalho docente, que é intangível, porque não-material, não é possível
separar o produtor de seu produto.
270- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Nota dois: Trabalho docente: aspectos conceituais
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Entendemos que o trabalho docente é atividade teórica que ao ser atividade prática (práxis),
ideias, de conceitos” dos sujeitos (QUEIROZ, 2014, p. 46. Acréscimo em itálico nosso). Sendo práxis, o
trabalho docente se constrói e se transforma, e torna a transformação social possível.
No entanto, historicamente, o trabalho docente está sujeito às mesmas influências do
capital. Enquanto categoria ontológica, essencial à formação dos sujeitos sociais, no atual contexto
personifica a contradição, pois ao mesmo tempo em que pode mostrar-se comprometida, pois alienada
e com limitações, em função das demandas do capital, pode apresentar-se contra hegemônica, capaz de
promover ações transformadoras, rica de possibilidades.
A riqueza de possibilidades e/ou as limitações da ação docente, encontram parte de suas
explicações no que se tem deliberado à formação docente, via políticas educativas de formação, ao seu
contexto de formação – a universidade pública, deliberações que se estendem até a produção do
conhecimento. No caso da formação, têm-se deliberações políticas que a tornam a-teórica e aligeirada;
no caso da universidade pública, que deveria dar consistência a essa formação e a produção do
conhecimento crítico e emancipador, tem-se a influência dos projetos neoliberais. Esse envolvimento é
tão profundo que caracteriza uma demanda muito concreta mercadológica a universidade pública,
destituindo-a de seu papel social, processo que em escala maior, compromete, não só o trabalho
docente, como a produção do conhecimento científico, que deixar de responder demandas sociais,
pouco influenciando nas resoluções dos problemas educacionais.
Sem ingenuidade, numa escala progressiva de influencias neoliberal, temos que a formação
mostra-se comprometida, o trabalho docente alterado, e o conhecimento produzido, sobretudo nas
universidades públicas, temos que pode estar favorecendo mecanismos neoliberais de controle social,
por meio da consolidação do consenso ativo (SOUZA; MAGALHÃES, 2015, p. 03), que é uma das
“estratégias da classe dominante para se tornar também classe dirigente, seja como coerção, ou como
consenso, quer dizer, assumindo a direção intelectual e moral do processo social”.
O processo de influência neoliberal prioriza a consolidação do consenso ativo, inverte a
relação educação- trabalho para trabalho-educação58, passando-se a priorizar a educação como capaz de
promover respostas para as exigências do mercado de trabalho, algo indispensável nas sociedades
O processo de interferência sistemática do capital no campo da educação, não por coincidência, sobretudo
após sua crise estrutural nos anos 1970, está diretamente ligado ao seu valor na estratégia competitiva.
58
271- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
orienta, alimenta e sustenta um tipo de mediação que “atua na transformação de estados mentais, de
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contemporâneas. No entanto, se para se formar sujeitos livres e emancipados é necessário à centralidade
práxis social. Afinal, a inversão do processo afeta na humanização.
No que se refere particularmente à produção acadêmica, esta apresenta múltiplas
contradições que, por um lado podem referendar a educação, como bem público, portanto, com
qualidade social, por outro, tem-se a consolidação do consenso ativo que insiste na aceitação dos
pressupostos da lógica hegemônica, ou seja, uma educação mercadológica.
Conforme Souza e Magalhães (2014), o acervo de conhecimentos que a pós-graduação
sistematicamente produz, gera uma série de discursos que ajudam a formar o professor e referendar sua
prática. Nesse sentido, o fenômeno da objetivação da produção acadêmica pode ser contraditório, em
alguns casos ajudam a simplificar ou destituir de seu valor a importância relação teoria-prática, trabalhoeducação, educação-cultura, com o objetivo de fortalecer o consenso ativo, que ao final e ao cabo, aliena
os sujeitos.
Como ressaltam Shiroma e Santos (2014) apud Evangelista (2014), o consentimento ativo é
construído pela criação e disseminação de uma gama de conceitos que são aceitos pela sociedade, como
por exemplo: autonomia, participação, avaliação, eficiência, eficácia, cujos significados reforçam a lógica
neoliberal. Melhor explicando, no processo da construção das pesquisas, os conceitos podem estar
sendo construídos e se tornando compreensíveis na mesma lógica regulatória neoliberal. Isso significa
que, conscientemente ou ingenuamente, os pesquisadores passam a assumir a lógica neoliberal,
conforme forjado e difundido pelo Banco Mundial, Unesco e Organismos Internacionais. Quando isso
ocorre, os pesquisadores reforçam por meio das concepções construídas e ideias propagadas, o
consenso ativo, a regulação da educação, formalizando o objetivo de produzir concordâncias em relação
às atuais políticas educacionais neoliberais.
As normativas neoliberais para se consolidarem valem-se, não apenas de normas claramente
explicitadas, mas da aceitação de participação dos pesquisadores, cuja ação
aprova e ajuda na
concretização efetiva das ideias neoliberais em suas teorizações. No desenvolvimento das pesquisas,
incorporam e refletem as dimensões macro e o micro da racionalidade imposta, para aderir a elas ou a
elas resistirem. Certo é que quando se associam a lógica neoliberal, criam e fortalecem o consenso ativo,
quando a elas resistem, assumindo um posicionamento contra hegemônico, filiam-se a deliberações que
visam mudanças no social.
272- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
na relação educação-trabalho, com vistas a uma formação que chegue à possibilidade da realização da
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Ao final, por meio das defesas de dissertações e teses e suas publicações, temos que o
estar fortalecendo a racionalidade neoliberal, sobretudo ao estruturarem uma “hegemonia discursiva”
(SHIROMA, CAMPOS, GARCIA, 2015, p. 2), que pode transpor os elementos dos próprios textos.
Assim, passam a fortalecer e legitimar um conjunto de informações, que acabam consolidando um
discurso justificador do consenso ativo.
Posteriormente, ao serem publicadas na forma de artigos e comunicações em Congressos,
“boa parte” da produção acadêmica têm materializado a hegemonia discursiva, dando sustentação às
atuais políticas, articulando a ideologia, os interesses, valores e perspectivas neoliberais. Esses trabalhos
têm referendado a formação inicial e continuada de outros sujeitos que, ao fim e ao cabo, são os que
poderiam realizar mudanças no contexto social.
Assim entendendo, optamos por realizar um recorte representativo da produção acadêmica
publicada na ANPED, entre os anos de 2009 a 2013, Grupo de Trabalho (GT) - Formação de
Professores. O recorte se deu em função de entendermos que a maior parte da produção do
conhecimento é produzida no âmbito dos programas de pós-graduação. Essas publicações têm tom
prescritivo e recorrem a argumento de autoridade, por isso dão margem a interpretações e
reinterpretações que geram significados e sentidos de vozes discordantes e em disputa, ou que militam
pela melhoria da nossa educação.
Nosso recorte demarca o terreno de análise. Elegemos o materialismo histórico-dialético,
como perspectiva crítica norteadora desse trabalho. Com essa base metódica, desenvolvemos uma
pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa, que tem como principal objetivo compreender os
sentidos os discursivos sobre trabalho docente na referida produção.
Nota três: Metodologia e posicionamento epistemológico da pesquisa
Para compreender a produção acadêmica publicada na ANPEd, a tomamos no movimento
de análise pautado na dialética, conforme um grupo de pesquisadores que compõem a REDECENTRO
– Rede de pesquisadores sobre professores(as) do Centro-Oeste. Essa é uma ampla Rede de
pesquisadores de sete programas de pós-graduação em educação da Região: UFG; UFU; UFT; UnB;
UFMT; UFMS e Uniube. A Rede tem como foco de análise a produção acadêmica, agrega vários
projetos de pesquisas, coordenados por pesquisadores com várias formações acadêmicas de contextos
da Região Centro-Oeste.
273- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
material teórico produzido, as concepções que sustentam (hegemônicas ou contra hegemônicas), podem
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A rede desenvolve uma pesquisa meta teórica, os dados são analisados por meio de análise
serem lidos na integra. As informações coletadas são catalogadas no instrumento desenvolvido pelo
grupo e armazenadas em Banco de Dados. Essas se referem às categorias de análise construídas pelo
grupo: temas desenvolvidos (formação, profissionalização, trabalho docente), tipo e abordagem de
pesquisa, método, ideário pedagógico, referencial teórico utilizado.
Neste artigo fizemos o recorte sobre trabalho e trabalho docente, realizado à luz das
concepções e perspectivas de estudiosos da Rede – a dialética. Assumir a base epistemológica da
dialética. O método dialético, conforme proposto por Marx, permite uma reflexão, ocasionando a
produção do conhecimento capaz de colaborar criticamente com a temática estudada. Para construir
nossa categoria de análise – trabalho docente, associamos aspectos referentes ao posicionamento
epistemológico e político, presentes na introdução, metodologia, e considerações finais dos artigos
selecionados.
Metodologicamente seguimos os seguintes passos: a) seleção e leitura do material do GT 8
– Formação de Professores, no que se refere aos trabalhos escolhidos por meio do descritor “trabalho e
trabalho docente” presente nos títulos e resumos; b) leitura exploratória e de reconhecimento do
material bibliográfico; c) leitura sintética dos artigos selecionados para certificar que os mesmos fazem
parte da pesquisa em questão; d) leitura seletiva: determinação dos materiais que de fato nos interessa
para o desenvolvimento da pesquisa; e) leitura reflexiva ou crítica: leitura crítica dos artigos recortados
para análise; f) leitura interpretativa: momento mais complexo da pesquisa, já que objetiva relacionar as
ideias expressas nos artigos pesquisados e selecionados com o problema da pesquisa em questão.
Assim no ano de 2009 foi localizado um artigo, no ano de 2010, um artigo; em 2011, mais
um artigo; no ano de 2012, um artigo; e em 2013 nenhum artigo foi encontrado. Abaixo o Quadro 1
com os títulos dos artigos selecionados:
Quadro 1: Artigos selecionados
Título
Ano
A presença da dimensão sociopolítica no trabalho de Formação de Professores
2009
Os saberes e o trabalho do professor formador num contexto de mudanças
2010
Da atividade humana entre Paideia e Politeia: saberes, valores e trabalho docente
2011
O trabalho docente: expectativas e interesses da pesquisa educacional nas últimas
décadas do Brasil
2012
Fonte: Anped 2009-2013.
274- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
do discurso. Metodologicamente, a Rede identifica os estudos sobre professores, sistematiza-os para
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Após leitura integral dos artigos, buscamos compreender os discursos e conceitos,
destacando o posicionamento epistemológico e político do autor. Entendemos que essa articulação nos
ajuda a identificar a hegemonia presente nos estudos.
Conforme a teoria de Gramsci citado por Neves e Martins (2010, p. 24), “o exercício da
hegemonia é sempre uma relação pedagógica que busca subordinar em termos morais e intelectuais
grupos sociais inteiros por meio da persuasão e da educação”. Assim, na apresentação dos dados vamos
tecendo observações e análises, elas dizem do discurso produzido. O primeiro artigo analisado “A
presença da dimensão sociopolítica no trabalho de Formação de Professores”, ano de 2009, publicado na 32ª Reunião
da Anped, trata da relação trabalho-educação discutindo o papel sociopolítico do professor. Sustenta
base epistemológica crítica e referenda o mesmo posicionamento político. Conforme o artigo, o
professor é agente político e o trabalho docente, como práxis empenhada na transformação da
realidade. O trabalho docente deve contribuir com a transformação da realidade social. O discurso
indica que o trabalho docente contribui para a “formação de um profissional crítico e consciente de seu
papel no contexto sociocultural” (NOGUEIRA; BOCK, 2009, p. 10).
O segundo artigo “Os saberes e o trabalho do professor formador num contexto de mudanças”, de
2010, discutiu o trabalho docente do professor dos cursos de licenciatura, mas não numa abordagem
dialética. Epistemologicamente, não reconhece o trabalho docente como práxis. O artigo articula o
trabalho docente aos condicionantes de saberes docente, como individualismo docente, cujos
significados traduzem o discurso hegemônico associado ao seu posicionamento político.
O terceiro artigo “Da atividade humana entre Paideia e Politeia: saberes, valores e trabalho docente”,
publicado em 2011, trata-se de uma pesquisa teórica que aborda os saberes docentes. Quanto ao
trabalho docente, epistemologicamente, sugere uma base positivista que o trata a partir da ergologia,
destacando-o a partir da noção de atividade. A concepção de trabalho distancia-se da perspectiva
dialética, está relacionada a atividade material e organizacional, isso nos diz do posicionamento político
dos autores, uma vez que associa trabalho a processos organizacionais.
O quarto e último artigo analisado “O trabalho docente: expectativas e interesses da pesquisa
educacional nas últimas décadas do Brasil”, publicado em 2012, preocupou-se em pesquisar trabalhos e
projetos de pesquisa sobre o trabalho docente (TD), evidenciando que a terminologia de trabalho
docente, utilizada nas publicações, na maioria das vezes, foge ao conceito real, o que traz preocupação
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para o campo. Para os autores, o [...] trabalho docente é um conceito mais amplo do que o trabalho
um espaço que deve ser construído coletivamente e gestado com base em princípios democráticos (p.
02).
Embora o artigo faça a crítica dos trabalhos que tratam sobre o trabalho docente, não
constrói sua própria concepção, o que configura um problema epistemológico, tendo em vista que a
dialética exige a construção adequada de concepções e conceitos, bem como a explicitação do
posicionamento político dos autores.
Nota quatro: Algumas considerações
Salvo as devidas proporções, pois apenas um trabalho referendou epistemológica e
politicamente suas concepções sobre trabalho e trabalho docente, com base na dialética. Identificamos
que a maioria dos artigos não se preocupa em posicionar-se criticamente e politicamente sobre as
concepções que assumem, deixando mal formulado o discurso que elegem e referendam para o
processo de humanização. Isso pode star significando a valorização da hegemonia discursiva neoliberal,
cujos conceitos parecem ser passivamente consumidos, validando o consenso ativo e o controle, nos
trabalhos publicados.
As estratégias de persuasão do leitor estão presentes nos discursos, isso mostra que
palavras, ou a falta delas, fazem a diferença. Houve o uso recorrente de termos que dizem sobre o
trabalho docente, como termos que dizem do “bem público”, da “qualidade da educação”, mas
contraditoriamente, os mesmo, no nosso recorte, alinham-se às necessidades do setor produtivo.
Outro problema identificado diz respeito à sustentação conceitual sólida, posicionamento
epistemológico e político, e base metódica clara, a falta desses aspectos podem tornar o conhecimento
produzido, voltado ao mercado e, no que tange a formação e ao trabalho docente, sustentam sentidos
distorcidos, que ajudam grupos dominantes, por expressarem uma retórica discursiva em direção ao
consenso social. Quanto à concepção de trabalho docente, na maioria dos artigos analisados, evidencia a
“penetração da ideologia do gerencialismo na educação, pois sustentam a hegemonia discursiva da
conformação, e da produção de um novo léxico educacional híbrido de pedagógico e gerencial”
(SHIROMA, CAMPOS, GARCIA, 2015, p. 11), com presença retórica utilitarista. Nesse processo, há a
consolidação do consenso ativo.
276- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
didático e, portanto, não se identifica unicamente com ele; sobretudo, quando se aborda a escola como
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A partir de uma perspectiva dialética, os discursos precisam demandar postura crítica e
professores e, particularmente, deve afirmar o compromisso social e político de seu trabalho no seu
desenvolvimento como práxis. Assim pensada, a produção passa a ser compreendido como prática
social que possibilita apreender as dimensões políticas e ideológicas, que constituem as relações sociais,
sobretudo as de poder. Por isso, o que se publica também representa articulações tensas e
contraditórias, mas ao final acabam influenciando o trabalho docente.
A complexa teia dos discursos produzidos na pós-graduação e publicados no conjunto dos
trabalhos da ANPED, expressa à luta hegemônica na esfera do discurso. Talvez maior vigilância
epistemológica na elaboração das pesquisas melhore o domínio da enunciação dos resultados,
desfazendo os efeitos da ilusão produzida pela lógica neoliberal para o trabalho docente e,
posteriormente, à educação e seus fins.
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GT 5 – Filosofia e Ciências Humanas (FCH)
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HEIDEGGER: O NADA COMO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA
Alexandre Guedes Barbosa FAFIL - UFG
Martin Heidegger (1889 – 1976) abre a preleção de 1929, intitulada: Que é metafísica? de um
modo, por assim dizer, inusitado. Ele diz que não pretende falar sobre a metafísica, mas sim nos situar
imediatamente dentro dela59. De fato, se a metafísica pretende ser um tipo de conhecimento pelo qual o
Ser em sua totalidade possa ser apreendido, nós, enquanto entes, devemos estar inclusos, de certo
modo, no objeto de análise desta ciência. No entanto, seria apropriado classificar a metafísica como uma
ciência, bem como depreender que ela deva ter um objeto determinado? Além disso, seria adequado
sermos, desta ciência, sujeitos e objetos ao mesmo tempo? Faz sentido, para este ramo do saber a
relação entre sujeito e objeto? Qual princípio nortearia a análise da metafísica? Como é sabido, em um
processo de análise – modus operandi das ciências – o ente posto em questão é submetido a uma
metodologia prévia. Esta, por sua vez, delineará – a priori – o enquadramento de tal ente às questões
pré-estabelecidas, o “forçando” a algumas repostas60. Com efeito, se quisermos examinar, ou analisar a
metafísica através de certos padrões de análises pré-concebidos, no mínimo se seguiria daí, duas
consequências. Primeiro, já teríamos uma definição da metafísica; segundo, sendo ela objeto de análise,
partiríamos de uma outra ciência fora dela mesma, ciência a qual submeteria a metafísica a outros
princípios.
Heidegger, todavia, ao tratar da metafísica61, parte de seu interior, ou melhor, nos lança em
seu fundamento para que, de certo modo, ela mesma manifeste a sua essência. Neste prisma, o título da
referida preleção (que é uma pergunta) parece nos dar uma dica: o fundamento da metafísica é ele
mesmo uma questão. Ora, por mais que a metafísica se detenha sobre várias questões, a pergunta, por
assim dizer, primeira - não em sua ordem no tempo, mas na ordem de importância - poderia ser
expressa desta forma: por que são as coisas e não, antes, o nada? Heidegger assim a considera como a
Cf. HEIDEGGER, 1984, p 35.
Toda pergunta feita já apresenta algum conhecimento prévio sobre o que se pergunta. Se a pergunta é
delimitada por uma ciência particular, por exemplo, a Geometria, a resposta terá o parâmetro das formas e
medidas.
61 “[...] O que denominamos “metafísica” é uma expressão que emerge de uma perplexidade [...] um termo
puramente técnico que, por si só, quanto ao seu conteúdo, ainda não diz absolutamente nada. [...]”
(HEIDEGGER, 2015, p. 51.)
59
60
280- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 5 – Filosofia e Ciências Humanas
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pergunta fundamental por três “razões”: é a mais ampla, profunda e originária das questões 62. Ampla,
fato da procura ser destinada ao fundamento do ente, ou seja, o ser64; e, por fim, originária, pois faz
referência ao início do pensamento filosófico, a seu modo, movido pelo assombro angustiante frente a
força do mistério da existência e da facilidade com que a compreensão do ser nos escapa65.
Portanto, se a metafísica se constitui por um perguntar, devemos, antes de tudo, investigar
o único ente capaz de colocar questões. Este “ente que nós mesmos somos” 66 Heidegger identifica com
o termo Dasein.
“O Dasein, é aquele que, em virtude de seu próprio ser, tem a possibilidade de colocar
questões” (NUNES, 2002a, p.11); e que “entre outras possibilidades-de-ser, [tem] a possibilidade-de-ser do
perguntar” (HEIDEGGER, 2012, p. 47, parênteses nosso). Ou seja, onde é colocada uma pergunta, uma
questão, evidentemente, lá está o Dasein; em qualquer pergunta, ele está implicado67.
Este privilégio do ente que pode se colocar em questão reside no que Heidegger chama de
precedência ontológica68 do Dasein. Esta, por sua vez, pressupõe a diferença entre ser e ente. Vislumbrar
esta distinção se torna imprescindível para a tarefa de elaborar, de maneira autêntica, a questão pelo
sentido de ser em geral, e preparar o caminho para a ideia de uma ontologia fundamental que é
extremamente importante para o entendimento do fundamento em questão da metafísica.
O termo ontologia, de maneira geral, indica o estudo do ser do ente naquilo que ele, no
tempo, é. Evidentemente que, por meio disto, podemos constatar a existência de várias ontologias.
Inwood nos lembra da possibilidade de uma ontologia “regional” (2002b, p. 131), pelo fato da
possibilidade do matemático investigar, por ventura, o ser do “ente número”, assim como o filólogo
pode se perguntar pelo ser de determinada obra literária, por exemplo. Seriam “regionais” tais
Cf. HEIDEGGER, 2001, p. 12.
Como veremos, o Dasein será tomado em sua primazia ôntico-ontológica no caminho para o entendimento
da essência da metafísica. Contudo, isso se dá não pelo seu caráter de ente propriamente dito, mas pela
aproximação que o homem tem do seu ser no modo do perguntar.
64 A Diferença ontológica, pano de fundo da obra capital de Heidegger, Ser e tempo (1927), visa sempre ressaltar a
necessidade de vislumbrar a distinção entre o ser e o ente. Quer dizer, o primeiro é a fundamentação do
segundo e não devem, portanto, ser tomados como sinônimos.
65 “[...] o primeiro impulso do Dasein no mundo não é a admiração, o θαυμάζειν, perante o ser das coisas, mas a
preocupação, a angústia pela facto de existir e a energia desenvolvida, em vão, para reter a fuga do ser nos
diques do mundo.” (PASQUA, 1993, p. 47).
66 Cf. NUNES, 2002a, p.11.
67 Assim, na medida em que metafísica se origina por uma questão, devemos, antes de tudo, colocar o ente que
questiona sob uma investigação, não pelo seu caráter de ente, mas pelo fato de nele se dá ao perguntar.
68 Mais especificamente, o Dasein possui uma precedência ontico-ontológica. Ôntica, pois ele é um ente;
ontológica, pois pode perguntar pelo ser do ente, o que faz o ente ser o que é.
62
63
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pois não tomaria em consideração apenas um ente em particular em sua investigação63; profunda, pelo
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ontologias, pois apresentariam um caráter de investigação do ser mais restrito, e não o ser de um modo
Para tanto, Heidegger parte de uma analítica existencial do Dasein que investiga
fenomenologicamente o homem70 a partir do seu ser71:
[...] Mas a análise da estrutura da questão-do-ser como tal tropeçou numa função peculiar desse
ente no interior do próprio fazer a pergunta. O Dasein desvendou-se então como o ente que
precisa ser antes suficientemente elaborado em sua ontologia, se é que o perguntar deve ser
transparente. Mas agora se mostrou que a analítica ontológica do Dasein em geral constitui a
ontologia fundamental e que portanto o Dasein tem a função do ente que deve ser prévia e
fundamentalmente perguntável em seu ser. (HEIDEGGER, 2012, p.67).
Da-sein, “como ente é ser-no-mundo”72. A expressão composta ser-no-mundo faz menção a
sua relação “total” de ser, e nisto se encontra o “entendimento-de-ser” (HEIDEGGER, 2012, p. 59). Esta
relação total de ser só é possível porque o Dasein existe. Existir, por sua vez, remete a possibilidade da
escolha inerente ao ser-aí. O Dasein73 existe não no sentido comum a que o termo existir nos remete, por
exemplo, como a cadeira existe. O termo mais apropriado para a “existência” da cadeira, na filosofia, ou
se preferir, no pensamento heideggeriano, seria a subsistência (Vorhandensein). Quer dizer, a cadeira é um
ente subsistente porque a “razão de seu ser” quem determina é o Dasein; ela “serve” ao Dasein. O ser-aí74
não subsiste, mas existe, tem existência no sentido de poder-ser75, i.e., ele poderá ser, ou não, o que
escolher.
A metafísica como comumente se compreende, mantém esquecida a autêntica pergunta pelo ser. Ela
esquece da pergunta e se volta a outros âmbitos, bem como toma o ente como o ser. Neste propósito,
Heidegger não dirige questões metafísicas, mas questões ontológicas que a metafísica deixou no esquecimento.
Cf. HEIDEGGER, 2001, p. 27.
70 Heidegger, portanto, propõe a investigação do Dasein como precursora, não visando unicamente o seu
modo de ser – o que em nada se diferenciaria de uma ontologia regional – mas pretende tornar este “ente
transparente” (HEIDEGGER, 2012, p. 47), visando compreender como se dá a pergunta pelo ser, isto é,
busca o fundamento do perguntar.
71 Cf. NUNES, 2002a, p. 8
72 Cf. NUNES, 2002a, p. 12.
73 [...] se Heidegger tem o cuidado de distinguir o ser do ente, ele não consegue, contudo, desliga-lo deste e vêse forçado a fazer uma espécie de monstruosidade metafísica com o nome intraduzível de <<Dasein>>, isto é,
do que se encontra aí, fora de si mesmo, expulso de si, assustado por ek-sistir. (PASQUA, 1993, p.78).
74 “Este carácter ontológico do Dasein, o facto de ser, ou seja, o facto de o ser aí ser o aí, denomina-o
Heidegger <<Geworfenheit>>. Esta palavra significa o facto de estar <<lançado>> ou <<expulso>>. Muitos
autores franceses traduziram-na como <<déréliction>>. Esta última exprime <<o estar lançado desse ente no seu aí
de modo que, enquanto ser-no-mundo, ele é o aí>>. O Dasein encontra-se <<aí>> sem o ter procurado. Ele sente-se
abandonado a si próprio. É um sentimento, mais do que um saber, que lhe faz sentir a sua precariedade, a sua
contingência, a sua instabilidade. [...]” (PASQUA, 1993, p. 76).
75 Cf. HEIDEGGER, 2012, p. 643.
69
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geral. É a este ser de modo geral que a ontologia fundamental se destina69.
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O entendimento-de-ser é possível correlativamente a um entendimento do “mundo” e ao
Destarte, para um autêntico entendimento do seu ser, o Dasein, como “ser-no-mundo”, deve ser
entendido através de suas múltiplas relações no mundo, pois, na medida em que é, ele, o Dasein, é no
mundo, pois nele vive.77
Podemos entender estas relações como culturais, sociais, profissionais, em suma, relações
que estruturam um mundo que nos é próprio, onde significamos e somos significados. Assim, na
familiaridade com essas relações, diz Heidegger, o Dasein “significa” a si mesmo, dá-se a entender originariamente seu
ser e poder-ser relativamente a seu ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2012, p. 259).
Na perspectiva heideggeriana, mundo não é uma região, nem mesmo pode ser considerado
um ente78, mas o modo de ser do Dasein em sua totalidade:
[...] Mundo não é nenhuma expressão regional, não designa esse ou aquele ente, mas o modo de
ser do ente na totalidade. Nessa significação, porém, “mundo” está frequentemente tão
relacionado ao ser-aí que o próprio ser-aí é diretamente designado mundo. Portanto, mundo é o
modo de ser do ente na totalidade e, contudo, está relacionado ao ser-aí que não é mais do que
um ente entre outros. [...] (HEIDEGGER, 2009, p. 256).
Deste modo, estamos abertos a entender nosso modo-de-ser, o ente que nós mesmos
somos, o Dasein, à medida em que entendemos o nosso mundo, o nosso ser-no-mundo, pois, em todo entender
de mundo, diz Heidegger, está coentendida a existência e o inverso (HEIDEGGER, 2012, p.431).
Nesta totalidade específica que a expressão composta ser-no-mundo possui, podemos
enxergar, de acordo com Heidegger, três possíveis momentos: o ser “em-o-mundo” (in der Welt), onde o
Dasein interroga a estrutura ontológica do mundo (mundidade/Weltlichkeit); o ente que é no modo de
“ser-em-o-mundo” (in-der-Welt-seins) que se desvela pela pergunta sobre quem é este ente?; e o ser-em (InSein) que, grosso modo, visa apresentar fenomenologicamente as diversas relações do Dasein em seu
“[...] Se é essencialmente próprio do Dasein o modo-de-ser do ser-no-mundo, então a seu entedimento-deser pertence essencialmente o entender do ser-no-mundo. A prévia abertura de aquilo-em-relação-a-que
ocorre o pôr-em-liberdade de o-que-vem-de-encontro no mundo nada mais é do que entender de mundo,
relativamente ao qual o Dasein como ente já sempre se comporta.” (HEIDEGGER, 2012, p. 257).
77 “O significado intransitivo do verbo “viver”, presentificado concretamente, explicita a si mesmo, sempre,
como viver “em” algo, viver “a partir de” algo, viver “para” algo, viver “com” algo, “contra” algo, viver “em
função” de algo, viver “de” algo. Esse “algo”, que indica sua multiplicidade de relações para com “viver”
nessas expressões preposicionais, aparentemente arrebatadas e computadas apenas ocasionalmente, fixamos
com o termo ‘mundo’.” (HEIDEGGER, 2011, p.98).
78 “[...] não pode, manifestamente, esta referência ser pensada como a relação entre o ser-aí como um ente e o
mundo como o outro.” (HEIDEGGER, 1989a, p. 116).
76
283- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
entendimento-de-ser do ente que é acessível no interior do mundo” (HEIDEGGER, 2012, p. 63)76.
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mundo, por exemplo, a recíproca relação entre o Dasein como junto-a e como ser-com outro Dasein.79 No
interdependência. Contudo, no tocante a uma compreensão do ser do Dasein no sentido de se saber
efetivamente quem ele é, o segundo modo distinto de abordagem do ser-no-mundo referente ao quem deste
ente que nós mesmos somos, se torna relevante. Através deste modo de abordagem, Heidegger nos diz
que “o quem não é este nem aquele, nem a-gente mesma, nem alguns, nem a soma de todos. O ‘quem’ é
[em alemão] o neutro: a-gente.” (HEIDEGGER, 2012, p. 365). O a-gente neste caso, é aquele no qual
sempre nos referimos em nossa cotidianidade no sentido de ser o regulador e justificador de nossas
ações ou escolhas.80 Este conceito encerra o sentido de quando nos referirmos a todos e, ao mesmo
tempo, a ninguém. Com efeito, Heidegger diz que a resposta ao quem do Dasein em seu ser-no-mundo,
ou seja, no seu modo fundamental de entender-se pertencente à analítica existenciaria, é o Ninguém.81
Apesar disso, Heidegger aponta para o si-mesmo (Selbstsein) como sendo o “lugar” de seu
ser mais próprio. O filósofo, partindo da distinção entre o si-mesmo como a-gente (Man-selbst) e o simesmo próprio (Selbstsein)82, indica neste último a “escolha” como seu ser próprio:
[...] A busca-de-si que retrocede a partir de a-gente, isto é, a modificação existencial de a-genteela-mesma para o ser-si-mesmo próprio, deve ser levada a cabo com um ir em busca de uma escolha.
Mas ir em busca de uma escolha significa escolher a escolha, decidir-se por um poder-ser a partir
do próprio si-mesmo. No escolher a escolha, o Dasein se possibilita pela primeira vez o seu
poder-ser próprio. (HEIDEGGER, 2012, p. 737).
Esta abertura ao seu si-mesmo próprio se dá pela tonalidade afetiva da angústia. Isto se
daria pelo seguinte. Ao obter a reposta a pergunta pelo quem se é o Dasein83, qual seja, o ninguém,
inevitavelmente o Dasein se percebe em um profundo estranhamento, numa angústia por não sentir-se
“em casa”.84 Se angustia diante da falta de “solo” possível para seu entendimento em seu ser-no-mundo85,
Cf. HEIDEGGER, 2012, pp. 171-173.
Isto é, se tomamos vinho é por que a-gente toma vinho; se vamos ao teatro é por que a-gente vai ao teatro; se
nos vestimos adequadamente em cerimônias formais é por que a-gente assim se veste nestes casos.
81 Cf. HEIDEGGER, 2012, p. 367.
82 Cf. HEIDEGGER, 2012, p. 371.
83
André Duarte indica a importância da transformação da pergunta efetuada por Heidegger. Esta
transformação consistiria na mudança da pergunta de “o que se é”? para “quem se é”? (DUARTE, 2002,
p.166).
84 “[...] Na angústia ele se sente “estranho”. [...] o estranhamento significa, então, ao mesmo tempo, o nãoestar-em-casa[...]” (HEIDEGGER, 2012, p. 527).
85 “[...] aquilo diante de que a angústia se angustia é o ser-no-mundo ele mesmo.” (HEIDEGGER, 2012, p.
525).
79
80
284- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
deslindar de cada um desses momentos, é percebido que entre eles existe uma relação de
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pois toda a significatividade do mundo com a qual poderia alcançar um entendimento do seu ser
Mas a angústia, de acordo com Heidegger, “manifesta no Dasein o ser para o poder-ser mais
próprio, isto é, o ser livre para a liberdade do-a-si-mesmo se-escolher e se-possuir.” (HEIDEGGER,
2012, pp. 525-527). Neste “se-escolher” o Dasein “escolhe escolher”; segundo o filósofo, nisto reside a
possibilidade de seu poder-ser próprio, como acontencer-do-ser, filosofia e liberdade (Ibidem, p.737).
Com efeito, “na angústia libera-se o poder-ser mais próprio, mais autêntico do Dasein”
(NUNES, 2002, p.21), pois, desta maneira, escolhe não fugir da “possibilidade de sua impossibilidade”,
quer dizer, de sua morte87. O Dasein escolhe se antecipar, se projetar “na direção da morte que o
totaliza” (Ibidem, p.25); esta escolha o angustia. A morte abre ao Dasein a verdade do ser88.
Além de revelar o ser do Dasein como estando sempre posto a frente, i.e., sempre como
possibilidade de ser, a angústia também revela, diz Heidegger em Que é metafísica? o nada89; “‘estamos
suspensos’ na angústia. Melhor dito: a angústia nos suspende porque ela põe em fuga o ente em sua totalidade”.
(HEIDEGGER, 1984, p.39)90. A finitude é a totalidade do Dasein. Por isso, o ser si-mesmo do Dasein se
apresenta como um não-ser propriamente a totalidade de seus modos-de-ser relacionados em um
mundo91. Podemos dizer que isto que se revela como não sendo esta totalidade relacional é o nada. No
entanto, vale ressaltar que o nada não seria uma espécie de alteridade do ente, uma oposição ao ente,
[...] Na angústia, o utilizável do mundo-ambiente e em geral o ente do-interior-do-mundo se afundam. O
“mundo” já nada pode oferecer, nem também o Dasein-com com os outros. A angústia retira, assim, do Dasein
a possibilidade de, no decair, entender-se a partir do “mundo” e do público ser-do-interpretado. Ela projeta o
Dasein de volta naquilo por que ele se angustia, seu próprio poder-ser-no-mundo [...] (HEIDEGGER, 2012, p.
525).
87 Cf. NUNES, 2002, p.21
88 [...] Ele não trata a morte "antropologicamente" ou em função de uma" visão-de-mundo", e sim na
perspectiva de uma" ontologia fundamental". Ele não afirma o niilismo ou a falta de sentido do ser. Adiantarse à morte nos abre para o ser: "a morte é o maior e mais elevado testemunho do ser" (LXV, 284). ST tentou
"levar a morte para dentro de Dasein, de modo a dominar o Dasein em seu âmbito insondável e assim avaliar
inteiramente o solo da possibilidade da verdade do ser". Mas "nem todos precisam realizar este ser para a
morte e assumir o si mesmo do Dasein nesta autenticidade; esta realização é necessária apenas em conexão
com a tarefa de preparar o solo para a questão sobre o ser, uma tarefa que, é claro, não se restringe à filosofia
[...]” (INWOOD, 2002, p. 117).
89 Cf. HEIDEGGER, 1984, p. 39.
90 O ente em sua totalidade pode ser compreendido como o homem imerso em seu modo relacional no
mundo. A morte coloca este ente um fuga, pois revela a ausência desta totalidade com a tonalidade afetiva da
angústia.
91 “[...] O não-ser corresponde à condição de um ente cuja essência reside na existência. A ideia de não-ser
com que agora deparamos, decorre da prévia ideia de existência como poder-ser da qual Heidegger partiu.
[...]” (NUNES, 2012, p.129).
“[...] Como ente que tem por essência a existência, e na existência, enquanto sua, um poder-ser, o Dasein, que a
cada momento se determina pelo fim mortal que o totaliza é o “não-ser de si mesmo”. [...] (Ibidem, p.199)
86
285- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
próprio, através da pergunta pelo quem, nada mais significa86.
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pelo contrário, ele é o que o fundamenta. O próprio Heidegger diz: “o nada não permanece o indeterminado
sua existência se abre como constante possibilidade de ser enquanto viver.
Heidegger afirma explicitamente que o ser e o nada se co-pertencem92. Por isso que se dá
pela tonalidade afetiva da angústia a compreensão do nosso ser si-mesmo como suspensos dentro do
nada; o nada é o nosso ser próprio do qual fugimos constantemente em direção ao mundo e suas
certezas.
Outrossim, sendo o nada o que fundamenta o nosso ente, a sua originária revelação nos
mostra que sem ele não há si-mesmo:
Suspendendo-se dentro do nada o ser-aí já sempre está além do ente em sua totalidade. Este
estar além do ente designamos a transcendência. Se o ser-aí, nas raízes de sua essência, não
exercesse o ato de transcender, e isto expressamos agora dizendo: se o ser-aí não estivesse
suspenso previamente dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relação com o ente e,
portanto, também não consigo mesmo. (Ibidem, p.41)
Sem a transcendência93 e, consequentemente, sem se abrir para o nada, a metafísica não
seria o que é, ou seja, um questionar:
Na pergunta pelo nada acontece um tal ir para fora além do ente enquanto ente em sua
totalidade. Com isto prove-se que ela é uma questão “metafísica”. De questões deste tipo
dávamos, no início, uma dupla característica: cada questão metafísica compreende, de um lado,
sempre toda a metafísica. Em cada questão metafísica, de outro lado, sempre vem envolvido o
ser-aí que interroga. (Ibidem, p.43).
Portanto, o Dasein quando analisa seu ser-no-mundo, estranha o ente que ele mesmo é em
relação a seu mundo; isto o espanta, o faz maravilhar-se. Esta admiração o faz se interessar pelo seu ser
mais próprio e, consequentemente, buscando se entender, põe em marcha o perguntar. Não obtendo,
nesta caminhada, uma resposta concreta que o satisfizesse, o Dasein escolhe enfrentar-se na absurdidade
do nada e, angustiado por isso, permanece movendo-se num constante questionamento resultante da
transcendência do ente. Neste sentido, a metafísica seria o próprio Dasein94, onde se moveria como um
fundamento desconhecido95.
Cf. HEIDEGGER, 1984, p. 43.
“[...] O conhecimento transcendental, remetido à transcendência do ser-no-mundo, dependeria, em última
análise, da compreensão do ser, raiz da finitude do homem, que é o Dasein temporal e histórico. [...]”
(NUNES, 2012, p. 157).
94 Cf. Ibidem, p.44.
95 Cf. Ibidem, p.47.
92
93
286- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
oposto do ente, mas se desvela como pertencente ao ser do ente” (Ibidem, p.43). É se entendendo como finito que
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Contudo, tentando sair da vertigem do nada, a metafísica inicia a tentativa de representar o
sua tentativa, na verdade, ela está falando do ente e não do seu ser. Deste modo ela não visa a verdade
do ser96 que é o fundamento do perguntar. Ao contrário, permanece na representação do ente olvidando
o ser. Esquecendo o ser, a metafísica se distancia da ontologia fundamental.
Concluindo, podemos perceber que Heidegger, por meio de uma questão metafísica, a
expõe em sua essência, o perguntar97. Este, em sentido mais originário, é o modo de ser do Dasein. O
seu ser mais próprio se desvela pelo sentimento de angústia, pois antecipando a sua morte como uma
possibilidade certa, compreende-se como um vindouro não-ser. Em outras palavras, a existência se
apresenta como possibilidade de um modo de ser relacional que se dá no tempo, enquanto a morte que
o totaliza não se apresenta como seu limite. Face ao nada, o Dasein se espanta, se inquieta e, por isso,
busca incessantemente por uma resposta que o conforte num entendimento positivo de si (como
também de todas as coisas). O fato dele não obter uma resposta nestes moldes não deve ser entendido
como um fracasso, pelo contrário, deve ser entendido como aquilo que mantém em atividade o
pensamento, a questão do Ser.
Referências Bibliográficas
DUARTE, André. “Heidegger e o outro: a questão da alteridade em Ser e tempo.” In. Natureza Humana, vol.4, n.1, jan/jun.
Curitiba: Editora UFPR, 2002 c., pp. 157-185.
HEIGEGGER, M., Que é metafísica? In: Conferências e Escritos Filosóficos/ Martin Heidegger, trad. Ernildo Stein, São Paulo, Abril
Cultural, Col. Os Pensadores 2ª ed., 1984.
___________. Os Conceitos Fundamentais da Metafísica: Mundo, Finitude e Solidão. Trad. Marco Casanova. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2º ed., 2015.
___________. Ser e tempo, trad. Fausto Castilho, Rio de Janeiro. Ed. Vozes, 2012.
___________. Introduccion a la metafísica, trad. Angela Ackermann, Barcelona, Ed. Gedisa, 4ª ed., 2001.
INWOOD, M., Dicionário Heidegger, trad. Luísa Buarque, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2002b.
NUNES, B. Heidegger & Ser e tempo, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002a.
___________. Passagem para o poético, São Paulo: Edições Loyola, 2012.
PASQUA, H. Introdução à leitura do Ser e Tempo de Martin Heidegger, trad. Joana Chaves, Lisboa, Instituto Piaget, 1993.
(Pensamento e Filosofia).
O pensamento que procura pensar na verdade do ser sem a intenção de representar o ente, deixa de ser
metafísica (Ibidem, p.56).
97 “[...] quere devir, por tanto: conduzir hasta el preguntar de la pregunta fundamental. [...]” (HEIDEGGER,
2001, p.27)
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287- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
ser, visando o solo seguro da mera definição e do conceituar. Quando a metafísica pensar ter concluído
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PROTAGONISMO JUVENIL E PROJETO DE VIDA: PROPOSTAS PARA A FORMAÇÃO
DE JOVENS GOIANOS EM GOIÁS
Amone Inácia Alves - FE - UFG
Introdução
De início, é importante salientar que o Ensino Médio (EM), etapa considerada como parte
da educação básica, vivencia uma crise (do grego krísis)98, atribuída por muitos, como derivada de uma
ausência de identidade. No entanto, entendemos que essa crise se dá por uma confluência de interesses
nessa etapa de ensino, que se torna a cada dia um campo de disputas de diferentes agentes, cujos
intentos se aproximam sobre a concepção de escola, currículo e escopo de que sujeito deve ser formado.
Nesse sentido, as escolas de Ensino Médio em Goiás têm vivenciado nos últimos anos
parcerias público-privadas que, ao adentrarem no cotidiano escolar, têm modificado o ambiente,
repensado a proposta curricular e afetado diretamente professores e alunos. Os impactos dessa inserção
têm sido estudados por diferentes autores, como Sardinha (2012), Oliveira (2014), Alves (2014) e
outros.
Compreender os dilemas e contradições presentes dessas parcerias torna-se o pano de
fundo desse texto. Pretendemos mostrar como têm sido forjados os implantes no currículo advindos
dessa experiência e quais as propostas formativas estão assentes no projeto Protagonismo Juvenil.
Essa proposta foi inserida em Goiás em 2012, quando a Secretaria de Estado da Educação
de Goiás (Seduc) iniciou a parceria como o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) para
implantar o Programa Novo Futuro, como ficou conhecida a proposta para o Ensino Médio em tempo
integral no Estado de Goiás. Estabeleceu-se parcerias para o início dos trabalhos em quinze escolas, oito
localizadas na capital e sete localizadas o interior. O ICE99 foi a primeira instituição a estabelecer esse
tipo de parceria público-privada com escolas, tendo iniciado uma profícua atuação no Ginásio
Pernambucano em 2004, estendendo a experiência para outros estados, como Ceará, Piauí, Sergipe, Rio
de Janeiro e São Paulo.
Nas escolas que ampliaram a jornada, os alunos contaram com infraestrutura que não existia
nas escolas antes do tempo integral. Passou-se a contar com café da manhã, almoço e lanche durante o
A crise entendida como momento difícil, complexidade de decisão.
Essa parceria espelha-se nas escolas de contrato, Charter School, cuja origem remonta aos anos 1991, mas tiveram maior
impacto nas escolas estadunidenses a partir do Programa New Left Behind, Nenhuma criança deixada para trás, propostos
durante o governo Obama.
98
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288- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 05 – Filosofia e Ciências Humanas
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período escolar. Aqueles que não puderam estudar, por motivos de trabalho, foram transferidos ou
professores foram obrigados a aderir à dedicação exclusiva, sendo que aqueles que não puderam ou
quiseram, foram obrigados a mudar de escola. Passou-se a contar, de forma inédita, com a presença dos
parceiros, na gestão e no currículo, com a entrada do Protagonismo Juvenil, no contra turno.
Protagonismo Juvenil é o nome dado ao conjunto de práticas a serem desempenhadas na
escola, centradas no/por aluno, a partir de uma concepção de que cabe às escolas “motivarem os alunos
a fazerem bom uso dessas oportunidades educativas. Aos educadores cabe a tarefa de apoiar o projeto
de vida de seus alunos e garantir a qualidade dessas ações”. (Diretrizes para o Programa de Ensino em
Tempo Integral, 2013). Essas atividades englobam os Líderes de Turma, a fim de aprender as
habilidades de gestão, cogestão e hetereogestão- gestão de si mesmo. Compreende ainda, a motivação
para que se criem clubes juvenis e a presença da disciplina Projeto de vida, como parte diversificada.
Nesse texto, mostraremos as concepções de formação presentes nessa proposta.
Tomaremos o conceito de formação em Kant e desenvolveremos essa discussão trazendo
outros autores, como Severino (2006).
Na primeira parte, discutiremos o que é formação e esclarecimento. Na segunda parte,
pretendemos mostrar como a formação aparece na perspectiva do protagonismo juvenil.
Formação e Esclarecimento
Emannuel Kant, na obra “Sobre a Pedagogia” (1995, p.11) diz que “o homem é a única
criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o
trato), a disciplina e a instrução com a formação”. Observa-se que o autor pressupõe a necessidade de
um conjunto de ações para a humanização. Para que se torne humano, as potencialidades precisam ser
desenvolvidas por intermédio da educação, qualidade essencial para o desenvolvimento da autonomia.
De início, cabe a disciplina imposta pelos pais e demais educadores. Na medida que vai se
desenvolvendo, essa disciplina será incorporada e passa a ser substituída por formas de pensar e agir
guiadas pela razão. Kant acreditava haver um modelo de educação ideal, “capaz de ultrapassar as causas
naturais e as circunstâncias temporais chegando ao modo do homem pensar na constituição do seu
caráter moral”. (Aguiar, 2008) Fazia uma forte crítica ao modelo educacional da sua época, com a forte
influência religiosa ou de líderes, contrária ao que apregoava o Iluminismo.
289- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
obrigados a sair da escola, o que mostrou uma diminuição significativa de alunos nessas escolas. Os
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O autor aponta para um fato importante a ser mencionado: a autonomia. Por autonomia
exclusivamente pela razão. É a razão que irá conduzir os seus caminhos, assumindo assim, a maioridade.
Isso permite inferir que por meio da educação, os homens se tornam diferentes uns dos
outros, “autônomos” tornando-se capazes de tomar decisões, guiados pela própria capacidade de
discernimento e razão. Havendo a possibilidade de uma educação moral, segundo Silva (2013)
“devemos ter não apenas a educação no campo pragmático (livre-arbítrio), como também a formação
para que o homem não se deixe determinar por nenhuma necessidade que não a moral e a educação,
para que determine a si mesmo um princípio universal para sua ação”.
Nesse processo, a disciplina é imprescindível, embora parte negativa da educação, de modo
a permitir a saída da menoridade (unmündigkeit) para se atingir o esclarecimento (Aufklärung). No texto
“Que é esclarecimento” (Kant, 2005) desenvolve o conceito sobre esclarecimento, o qual
“Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A
menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo”. Diz
em seguida, que o homem é o próprio culpado de sua menoridade, à medida que não tem coragem de
agir por si próprio e de servir a si mesmo, estando sujeito às vontades de outra pessoa.
Cabe então, educar a razão, de modo a tornar capaz de aprender a pensar e a agir por si
mesmo, autonomamente. Os riscos desse processo é o de uso de outras finalidades que conduzem ao
adestramento, estando o homem a serviço de governos, indivíduos e empresas. A educação não ocorre
de modo natural, mas precisa de ensino e aprendizagem. É aí que se assenta os propósitos da educação,
o que tornam diferentes os homens dos outros animais.
Dalbosco e Eidam (2009, p.202) nos alertam quanto a esses riscos
Pode-se adestrar, e faz-se isso, apenas não dizendo que é adestramento. Quando o melhor
adestramento é aquele que não se torna consciente ao adestrado, deixa-se ver sua eficácia na
falta de resistência em relação a tudo àquilo que é exigido dos homens.
Em uma sociedade de massas, esse risco é iminente. A formação pressupõe à construção do
livre arbítrio, que terá forte influência na formação do ser moral. É a partir dele que o homem inicia sua
trajetória autônoma e portanto, livre. Kant apresenta situações que, mesmo o homem agindo em
concordância com a sociedade, pode agir de acordo com a moral. Atento às convenções, por meio da
ação moral, os homens se tornarão sábios e livres.
290- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
entende-se a liberdade em sua natureza prática, ou seja, a capacidade da vontade em determinar-se
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Mas o que vem a ser a formação? É processo do devir humano como devir humanizador,
mediante o qual o indivíduo natural devém um ser cultural, uma pessoa. Para nos darmos conta
do sentido desta categoria, é bom lembrar que ela envolve um complexo conjunto de
dimensões que o verbo formar tenta expressar: constituir, compor, ordenar, fundar, criar,
instruir-se, colocar-se ao lado de, desenvolver-se, dar-se um ser.
É interessante observar que seu sentido mais rico é aquele do verbo reflexivo, como que
indicando que é uma ação cujo agente só pode ser o próprio sujeito. Nesta linha, afasta-se de
alguns de seus cognatos, por incompletude, como informar, reformar e repudia outros por total
incompatibilidade, como conformar, deformar. Converge apenas com transformar. (Severino,
2006, p. 2)
Nessa citação Severino também aponta para a necessidade de repensar os propósitos da
formação, indicando os caminhos para que seja transformadora. Assim, apregoa que está associada a
tomada de consciência, a partir do que chama de desenvolvimento de sensibilidades, como a epistêmica,
dos valores morais (consciência ética), dos valores estéticos (consciência estética) e dos valores políticos
(consciência social). O que impera na formação humana é a capacidade de ser o próprio sujeito da ação
aquele capaz de humanizar-se, com a intervenção da cultura e da sociedade. Entende que é por meio da
contribuição filosófica que esse se atingirá de modo exitoso os propósitos: “É por tudo isso que não
pode haver educação, verdadeiramente formativa, sem a participação, sem o exercício e o cultivo da
filosofia em todos os momentos da formação das pessoas”. (p. 189).
Os dois autores apresentados apontam para a necessidade de repensar a formação e os
modelos educacionais, investindo em uma proposta formativa que amplie a razão, o livre-arbítrio, que
levam à autonomia e à transformação. Não cabe, portanto, à escola reproduzir o conhecimento aos
alunos, sem desenvolver a capacidade crítica dos seus interlocutores, fazendo com que permaneçam na
“menoridade”, como diz Kant.
A educação deve ser capaz de tornar os indivíduos esclarecidos, para que possam desse
modo, atingir a maioridade. Mas cabe o questionamento: com que propósitos formar? A quem serve os
interesses da escola? Por trás dos “modelos adotados” não há indicativos de formar um tipo de sujeito
mais adequado às convenções sociais?
Protagonismo juvenil e escolas goianas: conhecimento a serviço de quê?
No final de 2011 Goiás implantou em 15 escolas, envolvendo em torno de 190 escolas, o
Programa intitulado “Novo Futuro”, que preconizava a reformulação do ensino médio em Goiás,
adotando a realidade de Tempo integral. Segundo o secretário estadual de educação da época, Thiago
Peixoto ““Estamos implantando nas escolas estaduais uma das mais bem sucedidas experiências
291- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Sobre formação, Severino assevera,
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pedagógicas e de gestão escolar, em que o aluno recebe a formação acadêmica e, ao mesmo tempo,
da implantação do Programa Pacto pela Educação, programa implantando no Estado de Goiás que
utilizava como princípios a meritocracia e a competitividade entre escolas, professores, gestores e
alunos.
Segundo o Jornal Opção (2013), o programa utilizava “um modelo de ensino com
inovações em conteúdo, método e também na gestão da escola. Para oferecer aos estudantes
oportunidades de aprendizado, participação e promoção do seu Projeto de Vida, o programa estimula
parcerias com a iniciativa privada e o protagonismo juvenil”. Percebia nesse anúncio um otimismo desse
jornal e de outros com relação à iniciativa.
Otimismo também experimentado pela comunidade escolar, gestores, pais e estudantes com
relação às mudanças anunciadas100. No quadro de precarização da infraestrutura que era comum às
escolas públicas, a proposta de modificações na estrutura era algo animador. Além da promessa de
tempo integral, havia também a proposta de alimentação, quadra de esportes, laboratórios e demais
incrementos no cotidiano escolar.
No mesmo jornal, o secretário também anunciava:
Com métodos e tecnologias inovadoras de gestão, planejamento pedagógico e
acompanhamento diferenciado serão dadas oportunidades aos estudantes de promoverem o
que chamamos de Projeto de Vida, sob orientação de um educador que irá potencializar suas
habilidades e seus anseios, pondo fim ao estigma de que precisam reproduzir a condição social
em que vivem. (Jornal Opção, 2013)
Aparecia então a proposta do Projeto de Vida (PV) como anúncio da modificação no
currículo. Como parte diversificada no currículo, o PV trazia na proposta formativa opções pessoais e
profissionais que seriam capazes de levar ao aluno a refletir sobre o desenrolar da sua vida adulta. Em
outras palavras, cabia à escola direcionar os alunos para a universidade ou para o mercado de trabalho,
investindo em competências e habilidades pessoais para esse objetivo.
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Goiás, Sintego, as promessas feitas não foram cumpridas,
prevalecendo nas escolas goianas a precariedade de condições de infraestrutura. Assim escreveu após a implantação das
quinze escolas em Tempo Integral no Estado “Após serem castigados pelo excesso de goteira no período chuvoso, agora há
até aqueles se viram para correr do clima abafado dentro das salas de aula. Outros são castigados com quadras sem
cobertura, o que impede aulas de educação física, e refeitórios e vestiários defasados. Além disso, são repassados por dia só
R$ 1,80 para custear as três refeições de cada estudante, por dia”. (SINTEGO, 2013)
100
292- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
orientação profissional e preparação para a vida”. Com essa adesão, o governo cumpria mais uma etapa
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O Projeto de Vida faria parte de um programa maior que seria utilizado nas escolas de
Protagonismo Juvenil (PJ), que teria como propósito criar atividades para que o jovem do ensino médio
participasse. Em São Paulo, onde essa experiência foi adotada também em 2011, no documento
Diretrizes para a Escola em Tempo Integral, trazia um conceito de protagonismo como aquele em que o
jovem é “
(...)capaz de avaliar e decidir com base nas suas crenças, valores e interesses; vai se tornando
solidário, diante da possibilidade de envolver-se como parte da solução e não do problema em
si; e competente para compreender gradualmente as exigências do novo mundo do trabalho e
preparado para a aquisição de habilidades específicas requeridas para o desenvolvimento do seu
Projeto de Vida. (2013)
Nota-se que a perspectiva de formação aponta para um sujeito que cria um ethos individual,
que compreende que a sua vida se resume ao campo de trabalho, resumindo a isso, os projetos pessoais.
Trata os problemas sem atentar às contradições presentes na vida social, mas como resultantes das
exigências do mundo do trabalho. Assume a autoajuda como inspiração e abandonam os
conhecimentos filosóficos, considerados fúteis e desnecessários.
O PJ englobaria uma série de atividades que mobilizaria gestores, professores e alunos
dessas escolas. Trazia como promessa de outra realidade escolar, a palavra inovação, que na polissemia do
sentido, significava o novo, a capacidade de reinvenção e de modificação das práticas até então
adotadas. O Programa Protagonismo Juvenil está dividido em três programas inter-dependentes, mas
com finalidades distintas: Lideres de turma, cuja finalidade era que os estudantes aprendessem
habilidades de gestão, cogestão e hetereogestão (gestão de si mesmo). Havia também a proposta de
criação de clubes juvenis, que seriam suportes para a gestão dos grupos, planejando atividades conjuntas
com os alunos das turmas. Sobre esse último, é importante salientar que, embora anunciasse que os
clubes juvenis existiriam onde houvessem os grêmios estudantis, havia uma tentativa de acabar com
eles, assumindo a gestão da escola a condução dos alunos. Outra proposta do PJ é a inserção dos
currículos da parte diversificada a disciplina Projeto de Vida, PJ.
Segundo um dos primeiros parceiros do ICE, Marcos Magalhães102, presidente da América
Latina da Phillips, o PJ seria
Em 2014 outras parcerias foram realizadas, com o Instituto Unibanco, com o Instituto Inspirare e outras instituições que
passaram a se interessar pela chamada gestão compartilhada das escolas.
102 Marcos Magalhães foi um dos idealizadores das escolas Procentro, conhecida como Experiência pernambucana. Em visita
ao Ginásio Pernambucano, colégio onde estudaram literatos importantes como Raquel de Queirós e Graciliano Ramos, o
101
293- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
tempo integral, sobre a orientação inicial101 do Instituto de Corresponsabilidade social (ICE), chamadas
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O Projeto de Vida é um plano de ação escrito que permite uma melhor visualização dos
caminhos a ser seguidos pelo jovem para alcançar seus objetivos. Para tanto, é preciso conhecer
claramente seus reais objetivos e metas, ter em mente seus valores, pois eles direcionarão sua
vida. As metas devem ser compatíveis com os valores mais profundos, para que sua consecução
leve à satisfação e à realização pessoal, e não à frustração ou à insatisfação. (...) É também um
excelente instrumento para trabalhar o Protagonismo, sobretudo pela ênfase dada aos
princípios e valores, a visão correta de uma empresa e o papel educativo do empresário.
Utilizando a Tese como ferramenta de planejamento, a construção do Projeto de Vida foi
comparada à elaboração do Plano de Ação de uma empresa e da própria escola.
(MAGALHÃES, 2008, p 64- 66)
O documento aponta novamente para os valores que deverão nortear o futuro dos jovens,
baseados na acepção empresarial que aparece em todos os documentos produzidos, apostando na
previsão do autoconhecimento e na aprendizagem de técnicas de gestão.
Há uma analogia entre projeto de vida e árvore, o que denota uma preocupação didática em
delinear um planejamento futuro.
1º Passo: como conseguir transformar sonhos em metas – definição de metas de forma clara e
objetiva.
2º Passo: diagnóstico pessoal – Árvore da vida:
■ raízes – crenças e valores;
■ tronco – melhores qualidades;
■ galhos – planos para o futuro;
■ folhas – principais habilidades;
■ flores – grandes sonhos; e
■ frutos – as conquistas nos próximos dez anos.
3º Passo: análise dos obstáculos e das oportunidades externas, e das facilidades e dificuldades
pessoais (análise do campo de força).
4º Passo: Plano de Carreira – o que é necessário para alcançar os objetivos – Construção da
Escada da Vida por um período de dez anos, na qual cada degrau corresponde a um ano.
(MAGALHÃES, 2008, p 64-66).
O PJ segundo Valdirene Oliveira (2014), claramente “imprime ao discente uma nova lógica
na relação entre o passado, presente e o futuro”, onde são naturalizadas as competências e habilidades
inerentes ao mundo do trabalho e onde é desprezado o livre-arbítrio. Toma-se a definição de metas
colégio vivia um momento crítico de precariedade de condições da infraestrutura. Inspirado na experiência das escolas de
contrato americanas, Escolas Charters, Magalhães arregimentou um grupo de empresários que decidiram recuperar a escola.
Implantou-se, assim, a primeira experiência em escolas de contrato no Brasil, inspirando outras experiências em vários
estados brasileiros, como em Goiás, que iniciou o trabalho com o ICE.
294- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
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como destinação natural do mundo do trabalho, onde cabe ao sujeito apenas executá-lo. Como ponto
cumprimento de metas” e, como ponto de chegada, a ausência de crítica e servidão ao trabalho.
Considerações finais
Nesse texto mostramos como se implantaram as escolas em tempo integral em Goiás, quais
os impasses e dilemas oriundos da relação estabelecida entre as parcerias público-privadas que se
materializaram no currículo, através do programa chamado Protagonismo Juvenil. Esse Programa previa
não apenas a organização escolar, com a formação de lideranças juvenis através do eixo Líderes de
Turma ou a formação de Clubes Juvenis, pretensamente interessados em conduzir os jovens para um
tipo específico de organização estudantil, mas também a inserção de uma nova disciplina no currículo,
intitulada Projeto de Vida.
Essa disciplina, que encontra-se na parte diversificada do currículo, busca direcionar o aluno
para a universidade ou para o mundo do trabalho, a partir de conceitos de autoajuda, gestão e projetos,
palavras advindas do léxico da administração gerencial, prática que vêm norteando as escolas brasileiras
a partir dos anos 1990.
Pretende-se com esses programas forjar um tipo de aluno, a partir de uma formação
notadamente desprovida de crítica, voltada claramente para o adestramento, adequada aos propósitos de
uma educação conformadora aos anseios da empresa, das convenções sociais, que impede a liberdade e
o livre arbítrio.
Para Kant, esse modelo de educação contribuirá para a continuidade da menoridade,
condição que é incompatível com o domínio da razão e do esclarecimento. Esse tipo de educação
deforma, produzindo sujeitos dóceis aos domínios do governo. Apontamos que em Goiás, tem sido
esse o modelo de escolas, que têm silenciado os seus principais interessados: professores e alunos,
enganados pelas promessas de uma instituição melhor.
Hernandes (2007) tem uma metáfora bem interessante para descrever as crises e o aumento
das desigualdades que vêm transformando a escola pública em uma estação fantasma, de onde as
pessoas fazem filas para obter passagens de trens que não mais circulam. Terminaremos o texto,
fazendo uma analogia com essa metáfora, afirmando que em Goiás essas filas têm se tornado cada dia
maiores, sem trens e perspectivas de vida. O desafio deve ser o de alterar esse estado de coisas,
oferecendo uma outra escola, com outro sentido da vida desses jovens do ensino médio.
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de partida apresenta-se um “habitus discente, calcado no empreendedorismo, gerenciamento e
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DA CONCEPÇÃO DE CIÊNCIA E O CAMPO DAS CIÊNCIAS HUMANAS. O SENSO
COMUM EM DEBATE – REFLEXÕES PRELIMINARES
Cristina Helou Gomide – FE - UFG
Miriam Bianca Amaral Ribeiro – FE - UFG
Esse pequeno texto, busca trazer interpretações preliminares sobre as relações entre as
concepções de ciência desenvolvidas pela sociedade ocidental desde a modernidade, a noção de ciências
humanas e a formação de professores, já que a discussão está sendo feita por professores e professoras,
alunos e alunas, técnicos administrativos da UFG e da UEG ligados às licenciaturas. Para tratar essas
relações, traçamos, em linhas gerais, o percurso da noção de ciência e da construção das ciências
humanas e posteriormente, discutimos as noções de ciência e ciências humanas apresentadas por alunos
de pedagogia em formação. Nesse processo emergiu a questão do senso comum, que acabamos por
assumir como um dos eixos da problematização. Partimos então, não mais da Ciência, mas da
construção do senso comum. Aqui apresentamos elementos iniciais apontados pelas pesquisas em
andamento: “Da noção de Ciências à concepção de Ciências Humanas”, sob a coordenação da
professora Cristina Helou Gomide, e “Comemorações e datas históricas – mudanças e permanências na
cultura histórica e história ensinada”, sob a coordenação da professora Miriam Bianca Amaral Ribeiro,
vinculadas ao DHUCA – Diálogos Humanidades, Ciência e Aprendizagem, Núcleo de Pesquisa
vinculado à Faculdade de Educação da UFG.
Discutir a noção de Ciência não é uma tarefa fácil. Partindo deste princípio, nos
ocuparemos de apresentar reflexões preliminares, visando trazer um mapa da concepção de ciência até
os dias atuais de forma mais ampla. Tratamos a ciência como problemática em constante transformação
e apresentaremos a construção da noção de ciências humanas considerando esse pressuposto. Para
tanto, as veremos como categorias em movimento, no tempo.
O tempo não é homogêneo, é carregado de “agoras” (BENJAMIN, 1994) e o presente não
é totalmente novo, pois o novo está carregado de resíduos, de vestígios do passado (WILLIAMS, 2009).
Desse modo, falar sobre a noção de ciência hoje, significa vê-la historicamente, nos seus “agoras”
carregados de residuais e emergentes.
Na obra organizada por Maria Amália Andery P. A (2006), as autoras propõem-se a
apresentar um breve panorama rumo à compreensão da ciência hoje. Elas Explicam que o homem se
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GT 5 – Filosofia e Ciências Humanas
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diferencia do animal, pois nós seres humanos, diferentemente dos animais, não nos adaptamos ao meio,
diferentemente de outros animais, o homem não se limita à imediaticidade das situações com
que se depara; ultrapassa limites, já que produz universalmente (para além de sua sobrevivência
pessoal e de sua prole), não se restringindo às necessidades que se revelam no aqui e agora.
(ANDERY, 2006: p.10)
O homem altera a natureza por meio da sua ação, ele a humaniza, e o faz por meio do
trabalho. O trabalho o enraíza, ele se constitui em atividade vital (MANACORDA, 2007). Nesse
sentido,
A ação humana não é apenas biologicamente determinada, mas se dá principalmente pela
incorporação das experiências e conhecimentos produzidos e transmitidos de geração a
geração; a transmissão dessas experiências e conhecimentos – por meio da educação e da
cultura – permite que a nova geração não volte ao ponto de partida da que a precedeu.
(ANDERY, 2006: p.10)
Nesse processo, o homem modifica suas necessidades, constitui experiências, sem
necessariamente alterar as necessidades anteriores, mas acrescentando novas àquelas que antes eram
básicas, tais como comer, beber, morar. (ANDERY, 2006: p.10)
Renovamos nossas necessidades anteriores, as resignificamos. (WILLIAMS, 2009) Assim
caminhamos formulando tantas ideias, e nessa trajetória, nos deparamos com novas necessidades;
precisamos de novos aparatos técnicos e tecnológicos. Exemplo disso, é que estamos na constante
busca da cura de doenças, tais como o câncer. Ou ainda, na busca de vacinas que vão surgindo após
grandes epidemias. À época do surgimento da Penicilina – só para citar -, vivíamos no início do século
XX, a descoberta dos antibióticos como fortes curadores de doenças. O que se imaginou era que jamais
nenhum homem morreria de doença alguma outra vez. No entanto, como seres históricos que somos,
carregamos um corpo cheio de história, e a doença vai ganhando resistência a essas descobertas da
química farmacêutica. Assim, tanto a penicilina perde seu poder absoluto de cura (porque a doença
transmuta), como nós deixamos de adquirir algumas doenças, porque as aniquilamos, formulamos
anticorpos naturais, criamos resistência a elas, e nosso organismo abre espaço para outras, já que nessas
transformações, o próprio homem se transforma. E assim sucessivamente, o homem vem vivendo e
morrendo - doença e cura na história da vida humana.
Nessa linha de raciocínio, queremos evidenciar nossa posição. Fazer ciência é buscar a
verdade, ainda que não a encontremos, e isso se faz em movimento, no tempo, a partir da ação humana.
Fazer ciência é buscar mecanismos, de forma racional, para que nós possamos agir na natureza e
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nós o transformamos a partir de nossas necessidades, o que nos faz “sobreviver como espécie” e,
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transformá-la conforme nossas necessidades, questionando, desbravando a natureza e as respostas
desnaturalizar o mundo e a humanidade. Para tanto, só se pode fazer ciência, se nós, como sujeitos, nos
vemos nesse processo de busca e mudança.
Nesse sentido, nós, que antes transformávamos a natureza porque necessitávamos
sobreviver, manter atividades básicas fundamentais para a nossa atuação no mundo, nos tornamos
transformadores do que já havíamos transformado. Ao longo do tempo, fomos formulando um
conceito de produção e ciência pontuado por essa necessidade de transformar o já transformado. E
como fizemos isso? Produzindo ideias que conduziram os seres humanos a “necessitar” do “necessário
desnecessário”, e é daqui que queremos partir.
Tendo como base as relações de trabalho ao longo da história do mundo ocidental,
podemos dizer que na antiguidade, assim como no decorrer da Idade Média, as formas de trabalho se
configuravam de forma artesanal. Comumente existiram formas de organização e divisão do trabalho.
Temos exemplo na época antiga. Nas chamadas
(...) sociedades tribais (comunais) o grupo social organizava-se por sexo e idade para produzir
os bens necessários à sua sobrevivência. Às mulheres e crianças cabiam determinadas tarefas e
aos homens, outras. (...) Já, na Grécia Antiga, por volta de 800 a.C., o comércio, fundado na
exportação e importação agrícolas e artesanais, é a base da atividade econômica, e há um nível
técnico de produção desenvolvido ao lado de uma organização política na forma de cidadeestado. Nessa sociedade, além da divisão do trabalho cidade-campo, ocorre uma divisão entre
produtores de bens e os donos da produção; os produtores não detêm a propriedade da terra,
nem os instrumentos de trabalho, nem o próprio produto de seu trabalho, são, em sua maioria,
eles mesmo, propriedade de outros homens. (ANDERY, 2006: p.12)
Assim, a concepção de produção também era dada conforme interesses dos que estavam
em melhor condição social, demonstrando que a ação do homem sobre o homem vem se constituindo.
Na Idade Média, os princípios produtivos e de conduta no mundo ocidental, estavam diretamente
atrelados aos direcionamentos divinos cristãos, formulando um modelo de conduta e de produção que
respeitavam os “desígnios de Deus”. Já com a consolidação do capitalismo, o surgimento da classe
trabalhadora, e a instituição do salário como forma de remuneração, o trabalho ganhou novas formas de
ação, fragmentando nossas atividades e mantendo, muitas vezes, o caráter de dominação de um sujeito
sobre o outro. Trata-se de uma nova forma de organização do trabalho, tendo como base, a propriedade
privada.
Jonh Locke (1999), como um homem de seu tempo, defendeu o princípio da
propriedade privada. Se eu tenho um pomar carregado de maçãs à minha frente – anunciou o autor em
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prontas. Trata-se, em última instância, de investigar os porquês do homem e da natureza, trata-se de
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sua obra - e vou até ele apenas para colhê-las e comê-las, eu me apropriei daquilo que a natureza me
necessário que alguém vá colhê-las, então ele é merecedor de usar aquela terra. Locke elucida muito bem
sua tese, quando diz:
Ainda que a água que corre na fonte pertença a todo mundo, quem duvida que no cântaro ela
pertence apenas a quem a tirou seu trabalho tirou das mãos da natureza, onde ela era um bem
comum e pertencia igualmente a todos os seus filhos, e a transformou em sua propriedade. (...)
Assim, esta lei da razão dá ao índio o veado que ele matou; admite-se que a coisa pertence
àquele que consagrou seu trabalho, mesmo que antes ela fosse direito comum de todos. E entre
aqueles que contam como a parte civilizada da humanidade, que fizeram e multiplicaram leis
positivas para a determinação da propriedade, a lei original da natureza, que autoriza o início da
apropriação dos bens comuns, permanece sempre em âmbar cinzento que se recolhei, tornamse propriedade daquele que lhes consagraram tantos cuidados através do trabalho que os
removeu daquele estado comum em que a natureza os deixou (LOCKCE, 1999: 43)
Esse trecho da obra de Locke ilustra muito bem o princípio da propriedade e o conceito
de trabalho que se constituiu à época. Se o sujeito possuía a propriedade, por ser um homem
“laborioso”, “nada mais justo” que o outro trabalhasse para ele para poder comer a sua maçã ou o seu
veado. Aqui, justifica-se a propriedade privada que passa a ser regida pelos princípios do capital, que é
acumulativo. Nesse contexto, portanto, fazer ciência também deveria servir para a construção de áreas
do saber que de fato fossem necessárias e produtivas.
No mundo acadêmico da área de humanas, muito reclamamos de René Descartes, antes
de Locke já havia nos apresentado sua teoria do método, descartando a história como ciência, pois ela
nada mais era, segundo ele, “uma contação de historinhas”. No entanto, é impossível negar que seu
princípio do método é norteador ainda hoje das práticas acadêmicas. Ninguém produz um trabalho
científico sem se basear um uma metodologia qualquer. No entanto, a questão é que Descartes
formulou o princípio da dúvida ao que já está posto como pronto, apontando também que só a
experiência pode contribuir na construção do conhecimento. Nesse sentido, o autor define um
momento teórico importante para todos os campos da ciência. Ele diz:
(...) e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a
fim de ver se restaria, depois disso, alguma coisa em minha crença que fosse inteiramente
indubitável. (...) como há homens que se equivocam ao raciocinar, mesmo sobre as mais
simples matérias de geometria, e cometem paralogismos, e por julgar que eu estava sujeito a
errar como qualquer outro, rejeitei como falsas, todas as razões que antes havia tomado como
demonstrações. Enfim, considerando que os mesmos pensamentos que temos quando
acordados também podem nos ocorrer quando dormimos sem que então haja nenhum que seja
verdadeiro, resolvi fingir que todas as coisas que algumas vez me haviam entrado no espírito
não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas logo notei que, quando quis
assim pensar que tudo era falso, era preciso necessariamente que eu, que pensava, fosse algumas
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ofereceu. No entanto, se outro “laboriosamente” colhe maçãs o bastante, de modo que não seja
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Realizar um trabalho científico significava questionar respostas prontas. Diante disso,
podemos dizer que a dúvida ‘descartiana’ inaugura alguns parâmetros para a ciência moderna, mas
também nos coloca (como produtores de conhecimento na área de humanas), em situação difícil. Nós,
ao contrário do que traz as ciências naturais, não conseguimos reproduzir um acontecimento do
passado longínquo, literalmente como ele aconteceu, ainda que eu estivesse hipoteticamente
visualizando-o, ainda que “magicamente” pudesse voltar no tempo. Assim, as ciências humanas têm
carecido de espaço e reconhecimento no campo das ciências. Para entender, basta refletir sobre a
dificuldade que nós, sujeitos, temos de percebermo-nos como sujeitos políticos, históricos e sociais,
transformadores do mundo. Comumente nossas ações no mundo não nos conduzem à emancipação,
pois em nome do “necessário desnecessário”, colocamos o planeta em situação de risco irreversível,
além de criar uma falsa sensação de harmonia e de igualdade que a política liberal defende e acaba por
aniquilar a condição contraditória que é o “ser humano”. Buscamos, ainda, a felicidade – que é efêmera.
Nesse sentido, pode-se dizer que a mesma conquista científica que nos fornece qualidade de
vida, novas e melhores tecnologias, novos avanços na área de cura de doenças, também se torna
responsável pelas transformações nos biomas de toda a terra, alterando não somente a vida no campo
mas, sobretudo, nas cidades. Se antes assim o fizemos (e temos continuado a fazê-lo), é em nome da
produção, da produção “maior”, mais “bela”, mais “apresentável”, mais “vendável” que temos
caminhadeo. O problema é que esse tipo de intervenção promove modificações em seu estatuto natural
que o encaminha para a extinção. Lembremo-nos do reflorestamento com as árvores de Eucalipto, que
sabidamente consome todo líquido da terra. Ao final, se plantarmos somente eucalipto, tentando
economizar as madeiras restantes, estamos contribuindo para o desequilíbrio do bioma, alterando nosso
solo, nossa vegetação e contribuindo para a extinção de inúmeras espécies originais. (SALLES, 2014)
Como parte das discussões, associamos nosso debate à concepção de política. Imagina-se
que discutir o problema do bioma seja um aspecto absolutamente ambiental. Entretanto, se está ligado à
lógica da transformação para a produção, trata-se de uma discussão política. Afinal, política como
categoria que se remete às relações de poder, está em tudo, mesmo quando optamos por não discuti-la.
(PARANHOS, 1985: 2) Desse modo, o senso comum é também ciência. A concepção de ciência que
comumente temos absorvido. De uma ciência representada pelas imagens dos “tubos de ensaio” ou dos
estudos com animais. A ciência que produz reflexões no campo das ciências humanas, que constrói
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coisa. E, observando que esta verdade, penso, logo existo, era tão firme (...) julguei que podia
admiti-la sem escrúpulo como princípio da filosofia que eu buscava. (Descartes, 2013: 69-70)
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noções de mundo, de homem e política que está referendada pela grande mídia, esta também se traduz
O conceito de ciência no senso comum vem travestido da concepção produtivista que é
princípio da sociedade ocidental atual e está sendo reproduzido cotidianamente, “inspirando” e sendo
“inspirada” por hábitos que compartilhamos, tais como “assistir à televisão”, escutar o rádio, usar
compulsivamente a Internet, para não citar a prática exacerbada das cirurgias plásticas estéticas. Não se
trata, porém, de “demonizar” a tecnologia, mas de refletir sobre seus usos para a manutenção de uma
ordem vigente que necessariamente perpassa pelo conceito de ciência que nos “seduz na
contemporaneidade”. Assim, senso comum como ciência, é pensamento produzido pelas forças
hegemônicas.
Se voltarmos à história da Grécia Antiga e o funcionamento da Urbs, nos daremos conta
de que o que se privilegiava era o “bem comum”. Portanto, virtuoso era aquele que continha seus
excessos, pois o interesse não era individual, e sim, comum. Já na passagem para a Idade Média, a
concepção de virtude estava ligada ao indivíduo que temia a Deus e que era caridoso. A partir daí, outras
transformações no mundo foram trazendo outra concepção de “bem comum” e de sujeito virtuoso na
sociedade que caminhava ao outro modelo. Urgia o Estado Moderno.
Se voltarmos a John Locke, veremos que virtuoso é aquele que por meio do trabalho
consegue se tornar produtivo. Assim, justifica-se a propriedade privada para aquele que se sobressai em
relação a outro, marcando a força da propriedade privada. O homem capaz do “negócio” deve ser
respeitado e a ele deve ser dada oportunidade de continuidade de seu trabalho.
Assim, esta lei da razão dá ao índio o veado que ele matou; admite-se que a coisa pertence
àquele que lhe consagrou seu trabalho, mesmo que fosse direito comum de todos (...) A
superfície da terra que um homem trabalha, planta, melhora, cultiva e da qual pode utilizar os
produtos, pode ser considerada sua propriedade (...) (LOCKE, 1999: 43)
Desse modo, o trabalho investido lhe fornece o direito à propriedade e “o trabalho
conferia um direito de propriedade sobre os bens comuns, que permaneceram por muito tempo os mais
numerosos, e até hoje mais do que a humanidade utiliza.” (LOCKE, 1999: 47) Hoje, essa noção de
homem virtuoso no campo da ciência, nos remete ao indivíduo capaz de produzir segundo as
necessidades dadas pelo mercado e pela apropriação privada do conhecimento produzido. Na academia,
pode-se dizer que o professor virtuoso é o que segue a lógica do “produtivismo” em publicações
referendadas, por exemplo, pelo padrão Quallis, estipulado pelo MEC.
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em senso comum.
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É nesse campo político que vem se constituindo a concepção de ciência, na qual o
nessa perspectiva, seria incoerente imaginarmo-nos em um mundo em que ciências humanas pudessem
de fato ser comparadas – de forma a assemelha-las – às ciências naturais, uma vez que trabalhamos no
campo da observação, da reflexão e da transformação da ordem vigente. Fora isso, não produzimos
celulares nem tratores, tão pouco elaboramos programas de computadores.
Daqui em diante trataremos as concepções de ciência, ciências humanas e senso comum a
partir das noções apresentadas pelos alunos de pedagogia. O levantamento de dados foi realizado entre
2014 e 2016, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás e na Universidade Federal de Goiás, junto
aos alunos dos cursos de pedagogia destas instituições. A escolha desse curso se deve ao fato de que a
pedagogia, além de ser o curso de formação de professores em que atuamos, tratar-se do curso que
articula todas as áreas de conhecimento (Ciências Naturais, Linguagens, Ciências Humanas, Ciências
Exatas e a Arte) para a formação do professor para Educação Infantil e séries iniciais do Ensino
Fundamental. Isso possibilita, então, a discussão das relações entre a noção de ciência considerando-se
as várias áreas de conhecimento e permite focar as compreensões produzidas sobre os conceitos
vinculados, especificamente, às Ciências Humanas.
Essa apresentação buscou, portanto, trazer reflexões preliminares realizadas também pelo
Grupo de Estudos sobre Ciência, coordenado por Cristina Helou Gomide. Como um trabalho em
andamento, as reflexões aqui expostas foram realizadas em conjunto por um grupo de pesquisadores
que se reúne desde 2015 e que vem construindo interpretações que desejamos compartilhar.
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GT 5 – Filosofia e Ciências Humanas.
George Felipe Bernardes Barbosa Borges - UFG
O debate sobre o papel da educação na vida das pessoas pode ser encontrado muito antes
dos grandes teóricos que se aprofundaram na área. Antes de Piaget, Paulo Freire, Lev Vygotsky, para
citar os maiores, já se tinha em Platão, nas páginas de sua República, considerações do papel central que
essa arte tem na vida das pessoas. Minha tarefa nesse texto é fazer uma retomada no tempo e voltar para
o período imperial romano da história da filosofia a fim de entender o papel da educação para Sêneca.
Apesar de o estoicismo ter três vertentes principais que são indissociáveis em Sêneca, se
encontra uma delas desempenhando uma função central – a ética, em detrimento da lógica e da física.
Isso se deve ao fato de que ele os estoicos deviam se preocupar mais com o estudo e a aplicação da
filosofia, como ele dizia ao Lúcilio: “a filosofia, essa, ensina a agir, não a falar, exige de cada qual que
viva segundo as suas leis, de modo que a vida não contradiga a si mesma;” (SÊNECA, 2014, p. 70).
Paul Veyne, uma figura importante no estudo da civilização romana, diz que Sêneca foi
muito influenciado pelo seu preceptor nesse sentido:
Em seus dias de velhice, Sêneca voltará a falar muito de Átalo 103, citando respeitosamente
fragmentos de seu ensino. Esse ensinamento parece ter incidido acima de tudo sobre a moral,
poupando a formidável armadura metafísica e lógica do estoicismo, e isso por todos os
motivos: além de o adolescente ser jovem demais, o importante não era aprender as doutrinas, e
sim mudar de vida. (VEYNE, 2015, p.11).
Sêneca, que era uma das maiores personalidades literárias de seu tempo, conservou em
todas suas 124 cartas destinadas ao seu discípulo um conteúdo moral transformado em conselhos,
escrito de forma muito coloquial, sempre visando incutir nos leitores uma mudança. Mas mudança para
que? O que Sêneca buscava com sua ética? Qual era o seu objetivo essencial?
Como Long diz em um de seus artigos104, o tema que estava em voga entre os helenísticos
era a felicidade. E principalmente para Sêneca este assunto está diretamente ligado à ética, porque
Sabe-se muito pouco sobre Átalo. O próprio Veyne diz que ele era uma autoridade estoica, natural de
Alexandria e lecionava em grego para seus alunos, por ser o idioma mais talhado para a filosofia.
104 “Os filósofos helenísticos compartilhavam um interesse geral em internalizar completamente a felicidade;
seu projeto era fazer a felicidade depender essencialmente do caráter moral e das crenças do agente, e, assim,
minimizar ou reduzir a sua dependência de contingências externas.” A.A. Long. Tradição socrática: Diógenes,
103
305- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
A FELICIDADE, A VIRTUDE E A EDUCAÇÃO EM SÊNECA
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felicidade no estoicismo é a virtude, é agir com a reta razão, é ser sábio e isso só se alcança agindo
Abre-se caminho à força, e esse caminho será a filosofia ao indicar-to, Dedica-te a ela, se de
facto queres salvar-te, se queres viver seguro e feliz, se queres, enfim, e isso é o fundamental,
ser livre. Não há outro modo de conseguires tudo isso. A ignorância é uma coisa vil, abjeta,
indigna, servil, sujeita a inúmeras e violentíssimas paixões. (SÊNECA, 2009, p.132)
Para Sêneca o único bem é o “bem moral’, isto é, a virtude, a razão. Esse bem uno se apoia
no critério de ser sempre útil e só é atingível através de dois modos necessários – o estudo e a prática da
filosofia. Sendo assim, a felicidade para Sêneca é o aprofundamento na filosofia, é o bastar-se a si
mesmo, é a independência de elementos exteriores e por fim é não ser afetados pelas “violentíssimas
paixões.”
Os vícios fazem a contraposição do “bem”. O estudo da filosofia liberta o sujeito das más
opiniões que deixam a alma suscetível e passional e nos levam ao vício, que por sua vez sempre causa
danos, e, portanto, de maneira algum é utilizável.
O katorthoma são os princípios básicos da filosofia derivados desse bem, é uma faculdade
propriamente do sábio, que estuda e medita sob o jugo da filosofia, se libertando da atribulada vida de
vícios e paixões. Já o kathekon, ação razoavelmente justificável, é a única ação moral do não-sábio, do
insensato, do imprudente, visto que o sábio pode agir também sobre a tutela de conselhos para casos
particulares. Tanto o katorthoma, em todas as situações em que se aplica, quanto o kathekon, quando o
insensato é aconselhado, os ajudam a distinguir o verdadeiro bem, ou seja, àquele empregado com
discernimento e que é sempre bom, dos preferíveis, que ora são bons, ora não, variando a oportunidade.
Os preferíveis ou indiferentes merecem uma menção especial aqui. A principal diferença do sábio em
relação ao não-sábio é a habilidade de distinguir o verdadeiro bem dos preferíveis. Eles se situam entre
o “Bem” e o “Vício”, gerando três tipos de indiferentes.
O primeiro é o indiferente absoluto; coisas como televisão, bonés, pedras; coisas que são
destituídas de qualquer valor primário ou secundário. O segundo é o indiferente preferencial; são coisas
como a saúde, dinheiro, beleza, que de maneira geral agrega valor ao nosso estado de ânimo. A situação
da roupa limpa, citada acima, é justamente o exemplo do indiferente preferencial que quando é utilizado
por uma boa razão se torna um bem. O terceiro é o indiferente não-preferencial, por exemplo a doença,
a morte, a tortura; esses são elementos que não iríamos querer que fossem constituintes em nossas
Crates e a ética helenística. In: GOULET-CAZÉ. (Org.). Os cínicos: O movimento cínico na Antiguidade e o seu legado.
São Paulo: Edições Loyola, 2007. p. 39-57.
306- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
moralmente bem, sabendo atribuir um valor correto às coisas.
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vidas, mas caso venhamos a ter enfrentar, devemos fazê-lo sem nenhum queixume, por exemplo nessa
Como posso eu hesitar em prestar maior louvor à mão de Múcio, mutilada pelo fogo, do que à
mão sã de outro homem qualquer? Múcio manteve-se firme, desprezando os inimigos,
desprezando as chamas, e olhou sem tremer a sua mão que mirrava consumida no braseiro do
inimigo; e assim ficou até que Porsena, satisfeito da tortura e invejoso da glória de Múcio,
mandou contra vontade dele, retirar o braseiro. (SÊNECA, 2014, p.251).
Por via de regra o não-sábio acaba tomando os indiferentes preferenciais como “Bem” e os
indiferentes não-preferenciais como algo terrível e aterrorizante em sua trajetória pelo mundo. O sábio,
por sua vez, faz o oposto, tudo que o acaso lhe fomenta ele desafia com impassibilidade e prudência,
sabendo que faz parte da vida morrer e sofrer. O sábio, convém dizer, também sente as dores da tortura
e da mutilação porque as dores são próprias dos sentidos e por conseguinte do corpo – o que ocorre é
que ele não se entrega a essas dores. Os conselhos na roupagem de kathekon irão servir de auxílio para o
não-sábio lograr superar essas paixões adquiridas, que colocam sua alma numa posição subserviente do
seu próprio corpo e do destino. De modo geral, pode-se concluir que a ação conveniente é para Sêneca
uma etapa importante que o indivíduo calca até à ação perfeita, da mesma forma que os conselhos
poderão o levar até à razão perfeita.
Para Sêneca virtude é dividida em teórica e prática. A virtude teórica é a contemplação e
busca pela verdade; em outras palavras é o estudo da filosofia, que compreende a “arte de viver”; essa
parte entende-se como dogmata ou princípios básicos da filosofia. Já a parte prática da filosofia visa à
ação, por intermédio de conselhos e do dever, afinal, Sêneca diz que “é necessário não só aprender mas
também confirmar pela acção aquilo que se aprendeu.” (SÊNECA, 2014, p. 494)
No parágrafo 13 da carta 95 a tese que virá a ser rebatida se finda na premissa de que “a
antiga sabedoria limitava-se a preceituar o que os homens deviam fazer ou evitar” (SÊNECA, 2014, p.
506), e essa facilidade de simplificar a ética em preceitos, dizendo o que se deve fazer e o que se deve
evitar faz com que os seres humanos aparentemente alcançassem a felicidade mais facilmente; dá a
entender que naquela época eles eram mais felizes e não havia perturbações e obscuridades na vida e na
ética como já existia em Roma no século I. Sêneca chega a consentir com este argumento, entretanto
segue com suas ressalvas importantíssimas que impactam diretamente, depois de dois mil anos, no
nosso atual quadro.
Sêneca, acertadamente, diz que ao longo do tempo as situações vão se tornando mais
complexas, e meros princípios práticos não são suficientes para dar conta do tamanho caos que as
307- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
tortura relatada por Sêneca:
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grandes cidades cosmopolitas enfrentam. Hoje temos metrópoles com mais de 17 milhões de pessoas, a
conturbado regime político, com o Senado sempre conspirando matar o Imperador e vice-versa. Em
suma, um cenário completamente diferente do que o que foi proposto pelo seu opositor, que pretende
estabelecer uma ética bastante simplista. Há nesses grandes centros situações limites completamente
inimagináveis para a Grécia Arcaica que teve como maior cidade, a fim de nos servir de exemplo, a
Atenas Antiga, que comportava entre 120 e 180 mil habitantes.
Visando esse tipo de diferença, Sêneca faz uso de uma metáfora que ilustra
maravilhosamente bem o quadro proposto. Do parágrafo 15 ao 29 da carta 95 serve-se da medicina e da
gastronomia. A partir das duas artes ele figura a imagem de que “a vida moderna arrasta consigo
doenças não menos modernas” (SÊNECA, 2014, p. 508). Nesse longo trecho é dito que os cozinheiros
criaram técnicas para preparar cada vez mais e mais iguarias a fim de não apenas matar a fome, mas sim
de fazer com que sentíssemos prazer ao saborear tais alimentos. O prazer sentido na culinária é uma
perturbação que os não-sábios alocavam em suas almas; dado que a comida serve apenas para nutrir o
corpo, ela é um indiferente, e essa ânsia por atribuir valor a algo que não é um bem já se configura como
uma paixão que pode vir a ser mais tarde um vício, por isso o exemplo se torna tão valioso para Sêneca,
que fora também muito influenciado pelas suas leituras de Hipócrates e vê a ética com um tratamento e
uma cura para os males da alma.
Sêneca visa solucionar esse déficit na alma contaminada por vícios logo nas primeiras
belíssimas páginas da epístola 95. Para cumprir com esse intento reintroduz na discussão o que foi
discutido na carta anterior. Sabemos que os preceitos não são suficientes, mas o que os
complementariam? Novamente, o estoico imperial acena a resposta a partir da diferença entre os
preceptas e os princípios básicos da filosofia. Os princípios básicos complementariam os preceitos porque
a filosofia se divide em duas frentes: a ativa e a contemplativa.
A estrutura que podemos extrair dessa configuração proposta por Sêneca na carta 94 e que
será finalizada na carta 95 pode ser entendida da seguinte maneira através das próprias palavras do
filósofo:
Entre os princípios básicos da filosofia e os preceitos práticos existe a mesma diferença entre as
letras e os membros da frase: estes são constituídos por letras, as quais originam tanto os
membros de frase como a totalidade das frases possíveis. (SÊNECA, 2014, p.506)
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exemplo de Xangai. Roma naquela época era uma cidade que comportava um milhão de pessoas e um
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As letras estão para os princípios básicos assim como os membros da frase estão para os
haver os preceitos. Por conseguinte fica claro que os dogmatas estão dando suporte, são os pilares para os
preceitos. Os preceitos por sua vez, como sabemos, fornecem elementos razoáveis para os deveres que
tecem a ação.
Motivados pela opinião mal formada dos seus instintos, os insensatos contraíram para si
próprios uma nova coleção de doenças que exigia novos tipos de tratamentos, e, assim, retomando a
metáfora, mais preocupação para a medicina, gerando a necessidade de mais técnicas e mais
especialidades. Da mesma maneira ele observa em relação à filosofia:
Idênticas considerações devo fazer acerca da filosofia. Também esta foi, em tempos, menos
complicada, quando as faltas dos homens eram menos graves e podiam sanar-se com cuidados
ligeiros. Mas contra a enorme perversão actual dos costumes há que tentar todos os recursos. E,
mesmo assim, bom seria que esta pestilência fosse levada de vencida! É que hoje a loucura não
se limita à vida privada, invade igualmente a vida pública. (SÊNECA, 2014, p. 511).
Sêneca explora essa situação para colocar em voga questões referentes à moral, pois o
tamanho das cidades e a quantidade de pessoas com diferenças entre crenças, classes sociais, costumes e
anseios ocasionam muitos paradoxos éticos motivados pela má formação moral e intelectual dos
indivíduos. Cria-se com o caos provocado pela diversidade a necessidade do dever para orientar as
pessoas, que em sua hegemonia é composta por não-sábios. E nessa necessidade surge outro problema,
a infinidade de conselhos para as infinitas contingências que o tumulto mundano das grandes cidades
cosmopolitas pode engendrar.
Os teóricos estoicos, apesar de conferirem centralidade ao sujeito da ação, também se
preocupam com o público e reconhecem a importância que a harmonia da alteridade tem para o agente
da ação. Contudo, até nisso eles se voltam para o agente, porque compreendem que esse indivíduo é
uma ínfima e importante parte do todo, um “microcosmo”. E como os vícios das pequenas parcelas da
sociedade prejudicam todo o “cosmo” são necessários os preceitos amparados pelos princípios básicos
da filosofia, para, por assim dizer, minimizar os danos. Este último cumpriria a função de permear o
sujeito e fornecer os “preceitos de carácter geral”, que por seu turno, são justamente os dogmata, isto é,
os princípios básicos da filosofia.
Essa filosofia pode ser interpretada em Sêneca como ética, já que, para ele a principal
ocupação dessa arte é nos capacitar para tomar decisões e viver bem conforme a nossa natureza
(natureza racional), viver de acordo com a virtude. Na carta 89 o autor define o que é filosofia: “A
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preceitos. Sem letras não há frases, e por sua vez, sem os princípios básicos da filosofia seria impensável
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filosofia é o estudo da virtude, mas através da própria virtude; não pode existir virtude sem o estudo
palavras a filosofia se embrenha com a virtude fazendo dela indissociável. Ele segue argumentando que
a filosofia pode ser divida em três partes: ética, física e lógica. Entretanto, vamos nos ater a ética que é o
objeto de regozijo de Sêneca e o tema tratado aqui:
A ética entende-se que igualmente deve ser tripartida. A sua primeira parte consiste na análise e
atribuição do valor legítimo a cada coisa, na apreciação de como cada coisa deve ser valorizada;
esta parte é sobremaneira útil, pois o que há de mais necessário do que saber dar às coisas o
justo valor? A segunda parte ocupa-se das tendências. A terceira, enfim, das acções. Antes de
mais, em verdade, tu deves ajuizar quanto cada coisa vale, em seguida manifestar para com cada
uma tendência controlada e na medida justa; finalmente importa que estejam de acordo a tua
tendência e a tua acção, de modo que em todos os teus actos te mostres consequente contigo
mesmo. (SÊNECA, 2014, p. 435)
Nessa perspectiva Sêneca e confere centralidade à educação porque através do estudo
continuo da filosofia podemos ter um esboço do que fazer com nossas vidas. A terceira parte da sua
ética é rigorosamente a expressão, por meio da ação, do que nós valorizamos. Aqui temos em mãos um
fato importante para Sêneca. Num primeiro momento, a ética é nada mais do que atribuição de valor;
num segundo ela é nossa inflexão à determinada coisa deliberada em unidade com nosso juízo; e por
fim temos de fato a execução ou não da ação, que é nada mais que a expressão do caráter do agente. Na
carta 95 quando responde uma das primeiras objeções Sêneca lança a expressão do caráter na hora de
distinguir a filosofia, “a arte de viver” das outras artes. Ele diz que o erro deliberado não é perdoável na
arte de saber viver, porque o erro tenaz pressupõe uma deliberação, uma consciência de que aquilo é
errado, isto expressaria um caráter negativo, maléfico do indivíduo, enquanto o erro ao acaso
expressaria somente a ignorância e o estado perturbado do agente ao discernir entre o certo e o errado,
o preferível e o “bem real”. Nas demais artes ocorrem simetricamente o oposto, o erro deliberado
pressupõe um domínio na arte e a imprecisão ocasional um déficit de competência:
Explico-me melhor: um gramático não corará se fizer um solecismo propositadamente, mas
corará se o fizer sem querer; um médico que não perceba que o doente está apagando mostrase mais incompetente na sua arte do que se percebe mas dissimula a situação; em contrapartida,
na nossa arte da vida o defeito é mais grave se for voluntário. (SÊNECA, 2014, p.504)
A filosofia é para Sêneca uma arte. E como arte se serve dos preceitos para maximizar as
ações razoavelmente justificáveis em todos os casos que estão ao seu alcance. Todavia, o conselho por si
só, não é suficiente, como já foi argumentado aqui, é necessário um estudo ininterrupto e também a
prática.
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dela mesma, e não pode haver estudo da virtude na ausência desta” (SÊNECA, 2014, p.433). Em outras
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Imaginemos que alguém procede como deve ser: pode não proceder assim com frequência,
pode não proceder assim com constância, porque não sabe porque motivo procede como deve
ser. Às vezes, por mero acaso ou em virtude da prática, podemos desenhar linhas rectas, mas
não temos à mão uma régua que permita verificar se são realmente rectas as linhas que julgamos
tais. Um homem que seja bom por acaso não dá garantias de que será sempre bom! (SÊNECA,
2014, p.515)
O que Sêneca propõe nesse trecho citado é justamente a necessidade de o agente não
apenas dever cumprir com suas obrigações, mas, para além disso, deve ser incutido em seu espírito as
razões que transformam assuntos de ordem prática, que por vezes são tratados como tópicos mecânicos
e meras formalidades, em retidão, constância de caráter, lucidez. Como o filósofo imperial preconiza,
não basta tão somente respeitar os estatutos que se impõem sobre ele, o agente moral precisa consagrarse na internalização dos princípios básicos da filosofia que regem essa norma, do contrário ele nunca
agirá racionalmente de fato, suas ações morais sempre serão imprevisíveis.
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WELCHMAN, Jennifer. The practice of virtue. Indianapolis/Cambridge: Hackett Publishing Company, 2006.
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GT 5 – Filosofia e Ciências Humanas
Miriam Bianca Amaral Ribeiro – FE/UFG
Cristina Helou Gomide – FE/UFG
Neste texto compõe a pesquisa “Da noção de Ciências à concepção de Ciências Humanas”,
sob a coordenação da professora Cristina Helou Gomide em desenvolvimento pelo DHUCA – Núcleo
de Pesquisa - Diálogos Humanidades, Ciência e Aprendizagem, trataremos as concepções de ciência,
ciências humanas e senso comum a partir das noções apresentadas pelos alunos de pedagogia. Nesta
investigação nos debruçamos sobre a apropriação e compreensão dos conceitos de ciência e senso
comum e mais detidamente, a noção de Ciências Humanas. Aqui tratamos a percepção dos alunos de
Pedagogia. O levantamento de dados foi realizado entre 2014 e 2016, na Pontifícia Universidade
Católica de Goiás e na Universidade Federal de Goiás, junto aos alunos dos cursos de pedagogia destas
instituições. A escolha desse curso se deve ao fato de que a pedagogia, além de ser o curso de formação
de professores em que atuamos, tratar-se do curso que articula todas as áreas de conhecimento (Ciências
Naturais, Linguagens, Ciências Humanas, Ciências Exatas e a Arte) para a formação do professor para
Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Isso possibilita, então, a discussão das
relações entre a noção de ciência considerando-se as várias áreas de conhecimento e permite focar as
compreensões produzidas sobre os conceitos vinculados, especificamente, às Ciências Humanas.
Nossa tarefa, enquanto formadores de professores no curso de pedagogia, parece-nos que é
proporcionar uma formação capaz de articular as diversas áreas de conhecimento que a ciência moderna
constituiu, sem que isso signifique tratar superficialmente cada uma delas. Entender a ciência de forma
completa. Não vê-la fragmentada e separadamente. Isso porque, sem essa qualidade formativa, sem uma
fundamentação teórica e metodológica consistente, o trato pedagógico do professor em sua atividade
nas salas de aula pode acabar por proporcionar a reafirmação do senso comum.
Essa investigação pretende exercitar tal debate, considerando a noção dos estudantes de
pedagogia, no começo e no final de sua formação inicial e sua noção de ciência e ciências humanas.
Para a realização desta pesquisa, foram aplicados questionários junto aos alunos iniciantes, concluintes e
alunos com três semestres dos cursos, para identificar as noções de ciências e Ciências Humanas
assumidas pelos sujeitos em questão, antes, durante e ao final da formação inicial, ou seja, no seu
processo de constituição. Nesse contexto, pretendemos discutir as relações entre ciências, ciências
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SENSO COMUM, CIÊNCIAS HUMANAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
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humanas e senso comum, além de problematizar as tarefas e o significado do ensino das Ciências
Em um mesmo instrumento de coleta de dados, trabalhamos o levantamento de elementos
para duas pesquisas em andamento pelas autoras, registradas na abertura deste texto. As discussões
tratadas se articulam às problematizações relativas aos conceitos de ciências e Ciências Humanas, tendo
sido discutidas aqui, as duas primeiras questões apresentadas no instrumento. Foram aplicados 332
questionários, sendo 97 na PUC e o restante na UFG. As mulheres são a ampla maioria das pessoas
entrevistadas, 94%. A faixa etária dominante está entre 17 e 20 anos de idade, com 40% das pessoas,
seguidas de 35% de sujeitos entre 21 e 30 anos, ficando os 25% acima dos 31 anos de idade. Isso
importa para avaliarmos se a visão de ciência e ciências humanas se altera significativamente entre as
gerações e suas respectivas formações.
O que se observou nos dados coletados é que tais noções permanecem muito próximas
entre as várias faixas etárias investigadas. Vale registrar que a mais da metade dos sujeitos não esteve
muito tempo longe de uma instituição escolar, pois não demoraram muito a ingressar em uma
universidade, ao concluírem o Ensino Médio, quando não o fizeram imediatamente na sequência desta
conclusão. Entre estes e os mais velhos, que então estavam afastados a mais de uma década de uma
experiência de formação regular, as respostas não se alteram substancialmente. Ou seja, quem saiu do
Ensino médio na idade regular e imediatamente ingressou em uma universidade, apresenta, em geral, as
mesmas ideias sobre esses temas do quem ficou fora de bancos escolares há mais de duas décadas. Há
que se pensar, pois, sobre a formação oferecida pela Educação Básica, ao longo das últimas décadas e
sua capacidade de contribuir para a construção das noções e conceitos aqui tratados, considerando tanto
a faixa etária quanto o período percorrido pelos sujeitos em sua formação anterior à universidade. A
Educação Básica estaria ou não sendo capaz de apresentar e problematizar o papel da escola como
espaço de socialização do conhecimento sistematizado pela humanidade ao longo dos tempos? Da
mesma maneira, não há distinção significativa entre respostas dadas por homens e mulheres, nem entre
alunos da UFG e PUC-GO. Por isso, trataremos o conjunto das observações e destacaremos as
considerações distintas quando for o caso.
Ao serem questionados sobre o que seria senso comum, a resposta mais frequente foi que
trata-se do que todos pensam ou o modo de pensar da maioria das pessoas ou quando as pessoas tem a
mesma opinião sobre algo. Enfim, várias formas de apresentar o mesmo conceito. Também não são
raras as posições que se referem ao senso comum como sendo o saber produzido com base em um
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Humanas ao longo dessa formação.
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comum acordo entre as pessoas. Não há nenhuma referência ao conteúdo do conhecimento ou sua
sustentada sobre a hegemonia de uma interpretação sobre o que nos cerca. A questão é que se uma
noção alcança a maioria das pessoas isso não significa tratar-se de senso comum. Há noções
generalizadas na sociedade que estão vinculadas ao conhecimento científico como o significado das
vacinas para a saúde, por exemplo, assim como há percepções sem fundamento cientifico, também
aceitas pela maioria das pessoas, como o poder relaxante de um chá de camomila. Fosse a ciência
acessível à maioria das pessoas, suas visões seriam majoritariamente sustentadas no conhecimento
sistematizado. O que distingue senso comum e ciência não é seu alcance. Assim, o que nos parece
comum torna-se sinônimo de senso comum. Associe-se a essa compreensão, a noção de normalidade e
naturalidade atribuída ao que se considera ser senso comum. Então, o que todo mundo pensa é o
normal. É a naturalização do senso comum pelo simples fato de todo mundo ou quase todo mundo
participar dessa ideia, partilhar determinado conhecimento. Se todos pensam que manga com leite faz
mal, se isso é uma ideia normal entre as pessoas, é natural que se continue a pensar assim. Não interessa
ou não tem importância se tem base científica ou não.
Algumas respostas chegam a afirmar que o que se estabelece como senso comum é quase
uma intuição, tamanha naturalização atribuída ao conhecimento produzido pelo senso comum. Nas
palavras de uma aluna do terceiro período de Pedagogia da UFG, trata-se de algo que, mesmo sem se
falar, já se sabe o que está certo e deve ser feito. Ocorre que nenhum conhecimento é natural. Antes
disso, é uma produção social, histórica, portanto coletiva e produzida ao longo do tempo e mediante as
contradições que movem as sociedades e a própria natureza. Isso nos distingue dos outros animais, que
permanecem no limite das ações instintivas. Naturalizar uma determinada visão de mundo ou
compreensão da realidade que nos cerca é negar a humanidade intrínseca do ato de produzir
conhecimento. Isso serve tanto para o conhecimento científico quanto para o que chamamos de senso
comum. A principal tarefa da ciência é exatamente ‘desnaturalizar’ o que assim nos parece.
Ao mesmo tempo em que a noção de senso comum aparece como sendo o pensamento da
maioria das pessoas, também encontramos a ideia de tratar-se de uma manifestação da consciência do
indivíduo associada ao que se apreende do coletivo ao qual estamos inseridos. Por exemplo, a
consciência do sujeito lhe impõe a não agressão ao próximo. Sendo esse um pensamento reconhecido e
aceito por todos, trata-se de um elemento do senso comum entre os membros de um grupo social
assumido por eles e tomado como atitude do sujeito. Ocorre que para que uma noção produzida pelo
314- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
origem, bastando ser o ponto de vista da maioria. O que nos chega, então, é uma ideia de senso comum
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senso comum se estabeleça como componente da visão de mundo de um grupo, constituiu-se uma
dessa maioria. As relações de poder que perpassam as relações cotidianas se sustentam em uma
hegemonia historicamente constituída e se traduzem, inclusive, em formas de pensar facilmente
identificadas como senso comum. Explicitam-se relações de poder como dominação quando se afirma
que senso comum é o modo de se comportar de um ‘cidadão educado, cumpridor de suas obrigações’
como escreveu uma aluna do primeiro período de Pedagogia da PUC/GO, aos 23 anos de idade.
Quem estuda história ou com a área de Ciências Humanas como um todo, lida
permanentemente com a tarefa de desvendar a origem dos consensos produzidos por grupos
dominantes sobre a maioria da população. Por exemplo, a maioria do povo brasileiro reproduz a
compreensão do processo de independência política do Brasil ou do que convencionou chamar de
descobrimento do Brasil, produzida por uma interpretação da história do Brasil a serviço da afirmação
do Império. Essa visão da história do Brasil se reproduziu, ampliou e afirmou ao longo da República e
encontra-se consolidada como história oficial. É o que todo mundo pensa, ou a maioria. Trata-se,
porém, de uma versão produzida sob um projeto político hegemônico e disseminado até ser
reconhecido como consenso.
Associa-se a essa noção de naturalização do conhecimento produzido pelo senso comum à
convicção de que trata-se verdades que não foram comprovadas, que independem de comprovação para
serem reconhecidas como tal. Segundo essa compreensão, tantas vezes uma ideia se repete entre as
pessoas que passa ser aceita sem nenhum requisito de verificação. A prova está associada à noção de
ciência, em quase todas as respostas, sendo reconhecida como seu critério de verdade mediante
verificação. Também temos afirmações que identificam a ciência à objetividade e o senso comum à
subjetividade, às coisas atinentes aos sentimentos, às emoções e vontades dos indivíduos. A
contraposição entre ciência e senso comum se dá, principalmente, pela noção de comprovação e isenção
de subjetividade, posto que ambas são consideradas verdades, cada um a seu modo. Trata-se da
sobrevivência da noção positivista de ciência assumida como o próprio conceito de ciência em todas as
áreas de conhecimento, na modernidade. Como veremos mais adiante, essa compreensão é a base que
sustenta o conceito de ciências humanas, também associada à necessidade de prova para o seu
reconhecimento. Nesse sentido, o senso comum também seria capaz de distinguir verdades e falsidades,
sob seus referenciais. Temos falas elucidativas e exemplificadoras dessa concepção, como a de uma
aluna do oitavo período de pedagogia da UFG, ou seja, concluinte do curso, que assim descreve o que
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hegemonia que não pode ser atribuída ao acaso. O que pensa a maioria é produção não necessariamente
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seria o senso comum: é o ensinamento do que é certo ou errado a partir do pensamento popular. Ou
pensa a maioria’. Enfim, o fato de uma ideia estar nas cabeças da maioria das pessoas se transforma em
critério de verdade. Também temos afirmações que identificam o senso comum como uma opinião
própria de um grupo mas, majoritariamente, permanece a convicção de tratar-se de uma verdade
constituída pela maioria.
Outra característica do senso comum, segundo as alunas e alunos entrevistados, é sua
origem na tradição, transmitida oralmente entre as gerações, constituindo a identidade de um grupo
através de um conjunto de conhecimentos tidos como informais. A tradição é a garantia de veracidade
que dispensa a prova. Um dos entrevistados afirma que senso comum é tão constitutivo das pessoas que
mesmo que ninguém diga o que deve ser feito, você já sabe que é o certo a fazer. Em suma, a tradição é
tida também como critério da verdade para identificação e disseminação do senso comum.
O senso comum seria produzido e transmitido através da vivência, da experiência e da
observação. São conhecimentos que reproduzimos ao ouvir dos pais, são ditos populares, superstições.
Alguns atribuem a origem do senso comum à noção de ancestralidade. Percebe-se a confusão
estabelecida entre os pesquisados, quanto à noção de cultura como objeto da ciência e a noção de senso
comum. Visões de mundo e suas representações qualificadas pelo senso comum como sendo
superstições e crendices, são objeto da antropologia (que, inclusive, considera esses termos como
carregados de juízo de valor) e nos ajudam a compreender a subjetividade e representações das relações
humanas. Neste texto, optamos por não contrapor a discussão conceitual dos termos apresentados
pelos alunos que responderam aos questionários ao sentido por eles registrados para esses termos. Por
exemplo, não discutiremos a noção de tradição apresentada pela sociologia, ou de consciência entre
outros, porque aqui nos interessa problematizar a visão por eles apresentada e não checar sua base
científica, pois é exatamente a ausência desta base que parece nos configurar tais repostas.
As palavras de caráter religioso aparecem com frequência para se referir a aceitação das
verdades trazidas pelo senso comum (nós acreditamos, as crenças do povo, as pessoas tem fé de que...),
são assumidas como valores identificadores de um grupo. As chamadas crenças associam-se, assim, à
noção de tradição. Impressiona a naturalização da visão religiosa de mundo presente nas respostas. Isso
não chega a ser impeditivo do trato da ciência, do reconhecimento da ciência como conhecimento: essas
formas de conhecimento convivem no universo de referências dos sujeitos, sem conflitos. Das salas de
aula, em dias corriqueiros de trabalho com nossas disciplinas, podemos colher dezenas de exemplos de
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como nos afirma uma aluna do primeiro período da PUC/GO, ‘é a força de convencimento do que
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como os alunos de qualquer semestre do curso não se dispõem colocar em questão os limites de uma
curso. Assim, vamos às salas de aula, cumprimos as tarefas acadêmicas, assumimos nosso espaço no
mundo de trabalho e permanecemos considerando distintos o que aprendemos na universidade e o que
trazemos do senso comum para nossa compreensão do mundo. Obviamente, não podemos generalizar
e considerar que, enfim, a formação nada altera nesse universo, mas é preciso aprofundar nossa
investigação sobre a repercussão da formação das pessoas em sua visão de mundo.
Agregada a essa noção que coloca a tradição como sustentáculo do senso comum, temos
nos questionários que a ciência pertence a poucos e que o senso comum se caracteriza pelo caráter
popular. A ciência pertenceria a uma elite e à maioria da população cabe o senso comum e vice- versa: o
que é popular não é científico.
Chamou-nos muita atenção a afirmação de que o senso comum associa-se à prática, às
necessidades objetivas e imediatas das pessoas, enquanto a noção de ciência é um tipo de conhecimento
teórico que a ele se contrapõe. A maioria das repostas explica o senso comum pela contraposição ao que
seria a ciência e seus mecanismos de produção do conhecimento. Não raramente a conceituação de
senso comum é dada como sendo conhecimento empírico, um conhecimento que existe para resolver as
coisas do cotidiano. A ciência, diferentemente, existe para produzir teorias e, portanto, exige, além de
comprovar, elaborar, pesquisar, raciocinar, pensar antes de se colocar diante das pessoas. Além disso,
segundo os estudantes pesquisados, nem sempre o que a ciência produz serve para maioria das pessoas.
Aqui nos parece repercutir a noção de que a ciência produz teoria, sendo então, proprietária do ato de
pensar. Essa noção está amplamente representada nas respostas e nos parece que repercute sobre a
ideia, tão recorrente entre alunos de Pedagogia e muitos de nós, docentes, de que o curso é teórico
demais e precisamos ser mais práticos. Sabemos do amplo e presente debate sobre a dicotomia entre
teoria e prática, sobre a necessidade da constituição da práxis pedagógica como concepção de ciência
que não dicotomiza nem hierarquiza esses elementos no processo de produção do conhecimento. O
que cabe registrar é que a noção de senso comum, na visão de nossos alunos e alunas, confrontado e
distinto do conhecimento científico, acaba reforçando essa dicotomia.
Algumas respostas reconhecem que a noção de senso comum apresenta uma visão
incompleta do mundo, mas não se referem ao termo ‘conhecimento parcial’, como aparece nos livros
que discutem as formas existentes do conhecimento. Nos questionários do oitavo período da Pedagogia
da UFG foi registrada uma conceituação que só essa turma proporcionou através de uma aluna de 34
317- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
visão religiosa de mundo diante do avanço dos estudos sustentados sobre a ciência, apresentados pelo
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anos do curso noturno, e cabe aqui registrar: ‘senso comum é o que se aprende antes de chegar à
acesso. Ou seja, a ciência é propriedade da universidade e apenas nela, podemos acessar esse
conhecimento. Há que se reconhecer que essa afirmação nos traz a boa notícia de que a universidade
está, minimamente, sendo reconhecida como espaço de desnaturalização do conhecimento e da visão de
mundo pregressa e povoada pelo senso comum. Ocorre que a visão de mundo proporcionada pela
ciência percorre ou deveria percorrer todo o processo de formação, a partir de seu início. Mais
amplamente, há que se considerar ser a ciência patrimônio historicamente constituído como produção
coletiva da humanidade que deve acesso a ela, seus benefícios, desmitificações, aplicações e explicações,
estando ou não as pessoas vinculadas à educação formal. Não deveríamos precisar estar em uma
universidade para acessar o conhecimento científico.
Tentando uma compreensão articulada deste conjunto de elementos, há que reconhecer
que, mesmo considerando todos nossos esforços formativos e significativos avanços, é preciso
problematizar a prevalência das visões de mundo sustentadas pelo senso comum entre nossos alunos
sejam eles iniciantes, medianos ou concluintes. Se retomarmos nossos primeiros passos na apresentação
da universidade às pessoas, veremos que não raramente nos valemos de esquemas mecânicos para
demonstrar as distinções entre os vários tipos de conhecimento produzidos pela humanidade ao longo
de seu percurso. Reconhecemos como pertinente a explicitação destas diferenças estruturais, mas, em
ampla uma auto - crítica, é preciso reconsiderar a maneira esquemática como cumprimos essa tarefa.
Em geral, são colunas de características que se contrapõe para identificar esses elementos. Ocorre que, o
senso comum deve ser reconhecido sim como uma expressão interpretativa e explicativa produzida pela
humanidade sobre si mesma e sobre o mundo, mas deve ser tratada, pela ciência, como objeto de
investigação, assim como o pensamento religioso. Não se trata de hierarquizar os tipos de
conhecimento produzidos por todos nós através dos tempos. Ao contrário disso, assim como as
explicações que a ciência produz sobre tudo que nos cerca estão permanentemente sob
problematização, investigação e superação, o senso comum é também objeto desse procedimento. As
relações sociais, culturais e políticas que produzem o que tem sido reconhecido como verdade sob esse
tipo de visão de mundo, deve se constituir para a ciência e seus agentes, fonte e objeto. Mas, ao
contrário disso, fomos tomados por uma certa ‘glamourização’ das afirmações originadas do senso
comum como uma expressão de nossa tentativa de aproximação e reconhecimento da cultura popular.
Importa e muito esse reconhecimento, mas não a idolatria. Há conhecimento real em uma pessoa
conhecida como ‘raizeira’, que identifica plantas curativas para males que nos afligem, sem nenhum
318- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
universidade’. Em outra afirmação, temos que senso comum é primeira visão de mundo a que temos
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saber científico. Você toma aquele preparado e sara mesmo. Mas, capacidade científica de isolar o
compartilhar seus resultados é direito que deve ser acessível a quem nos proporcionou acesso a esses
saberes. Da mesma maneira, é preciso identificar a origem histórica e política de expressões assimiladas
pela maioria da população como verdades quase amedrontadoras, a exemplo da conhecida ‘manga com
leite faz mal’ para libertar todos nós desta invenção colonial. Se não formos capazes deste repensar de
nossa tarefa formativa, podemos acabar reproduzindo versões tão danosas do sentido e significado de
expressões corriqueiras como ‘a voz do povo é a voz de Deus’.
A segunda questão do instrumento apresentado aos alunos de Pedagogia pretende nos
aproximar das temáticas e abordagens específicas das Ciências Humanas, diretamente, perguntando ‘O
que são as Ciências Humanas?’ Para esse momento da investigação, utilizamos dois questionários com a
mesma questão, sendo que um deles apresentada, anteriormente, a questão relativa a senso comum,
tratada acima. Em linhas gerais, não notamos diferença expressivas entre as respostas e o que obtivemos
entre os dois grupos, como também não foram distintas as respostas produzidas pelos alunos iniciantes
e concluintes do curso, ou entre alunos da UFG e da PUC/GO. Interessante observar que a grande
maioria das pessoas considerara que a pergunta pretendia registrar qual seria o objeto das Ciências
Humanas e responderam nesta direção. Uma questão que arguisse diretamente ‘qual é o objeto das
Ciências Humanas’ talvez não obtivesse respostas tão elucidativas posto que para tal seria necessário que
o sujeito estivesse de posse do conceito moderno de ciência. Vale registrar que apenas uma pessoa,
aluna do oitavo período de Pedagogia da UFG se referiu a essa área como tendo, além de objeto
próprio, um método próprio de investigação.
A resposta mais frequente que recebemos apresenta as Ciências Humanas como vinculada
ao homem, a humanidade ou seres humanos sem estabelecer distinção quanto ao recorte das Humanas
no trato a esse tão amplo objeto. Há expressões que explicitam essa não distinção afirmando que a área
trata da ‘formação generalizada da humanidade’. Outras identificam o objeto das Ciências Humanas por
exclusão: ‘o que não contem exatas ou biológicas’ ou misturam as áreas de conhecimento, não por uma
visão interdisciplinar e sim por uma confusão conceitual, afirmando que ‘estuda os seres humanos em
geral, sua anatomia e modo de vida’, ou ‘estuda os avanços da medicina para curar o homem’ ou ainda,
‘estuda o lado humano da humanidade e não o exato’. Chega-se a submeter a área de Humanas a uma
quase costela de Adão das exatas, afirmando que ‘apesar de não serem exatas, podem ser científicas
também’. Esse tipo de abordagem coincide com outra investigação realizada na Faculdade de Educação,
319- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
princípio ativo de determinadas folhas e investigar sua intervenção no corpo humano, ou, pelo menos,
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entre 2002 e 2003, quando foram entrevistados professores em exercício docente nas séries iniciais do
visões apresentadas sobre a área de Humanas e seu objeto permanece o mesmo, ao longo deste período,
explicitando a ainda vigorosa desqualificação ou ignorância sobre seu objeto.
Também encontramos uma atitude limitada a uma função operacional desta área de
conhecimento, mantendo-se o objeto como sendo a humanidade: ‘estuda a parte humana e suas
funções’ ou ainda, ‘estuda o papel a ser exercido pelo homem na sociedade’. Também temos, com
frequência, uma interpretação também operacional do significado desta área de conhecimento, no que
se refere à formação e atuação profissional almejada pelos alunos, a docência. Por exemplo, afirmações
de que trata-se da ‘formação generalista para atuar na área de humanidades’ ou ‘disciplina para dar aulas
no Ensino Fundamental’ ou ainda, ‘são as matérias que estudam o homem’. Associa-se a essa percepção,
a descrição sumária das ciências que compõe a área como sendo a história, a geografia e a sociologia,
sendo que, algumas vezes a filosofia aparece como uma ciência da área de Humanas, em uma clara
expressão da noção de que pensar o mundo, em qualquer aspecto, é uma atribuição desta área. Sabemos
que a filosofia não é uma ciência e que filosofar não é uma atribuição específica das Ciências Humanas e
sim uma prerrogativa de todas as ciências. Vale lembrar que essa confusão conceitual não é patrimônio
exclusivo dos alunos, posto que a proposta oficial de Base Nacional Comum Curricular, apresentada
pelo Ministério da Educação em 2014, considera e oficializa a filosofia como parte da área de Humanas.
A psicologia, a antropologia, a ciência política e a economia não são citadas, demonstrando a relação
imediata e funcional com a disciplinarização das ciências, limitadas à sua existência nos currículos. A
administração e as Ciências Contábeis também são mencionadas como ciências da área de Humanas.
Junto à associação da filosofia como parte das Ciências Humanas, temos respostas
insistentes atribuindo a essa área a capacidade de ‘estudar o pensamento humano, a mente humana’ ou
estudar ‘o modo de pensar do homem’ ou, ‘estuda não só o corpo, como também o pensamento’, ou
ainda, ‘estuda o homem como ser pensante’. O que temos aqui é a prevalência da renitente distinção
original do homem diante dos outros animais como sendo a capacidade de pensar, como dado nato,
como inerente ao ser humano. Se as Ciências Humanas estudam o ser humano, trata-se, enfim, de
estudar seus modos de pensar. O ato de pensar do humano foi e ainda é uma construção, uma solução
para necessidades objetivas, uma distinção promovida pela necessidade material de transformar a
natureza de maneira planejada, para garantir sua sobrevivência. A isso chamamos trabalho e
consideramos essa, sim, a distinção original entre os homens e os outros animais. Não raramente ainda
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Ensino Fundamental, na rede Municipal de Educação de Goiânia. Ou seja, o perfil mais frequente das
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encontramos os livros didáticos de Ciências Naturais do Ensino Fundamental, exatamente essa
Outra resposta frequente entre os alunos questionados considera que as ciências Humanas
estudam o comportamento humano. A palavra chave desta concepção é comportamento. Não porque
centraliza as Ciências Humanas na psicologia, e sim porque remete a uma concepção mecanicista desta
ciência, com rebatimento sobre toda a área de Humanas. Essa interpretação aparece vinculada
principalmente ao indivíduo, mas também, em menor intensidade, aos coletivos sociais. A essa ideia está
associada a noção de desenvolvimento, evolução e progresso: ‘estuda o comportamento humano e sua
evolução’. O conceito de desenvolvimento apresentado é de que trata-se do ‘conjunto das realizações
humanas’. Podemos associar a esse conjunto, respostas sob influência durkheimeana como as que
vinculam as Ciências Humanas ao estudo dos organismos sociais.
Enfim, temos conceituações que mais se aproximam ao enfoque por nós proporcionado
durante a realização das disciplinas de Fundamento e Metodologia do Ensino das Ciências Humanas I e
II. São reflexões que consideram as Ciências Humanas como sendo a área que ‘estuda o ser humano
como ser social’, que nos pareceu a resposta mais consistente para tratar o objeto das Ciências
Humanas, ou ‘estuda o mundo socialmente, historicamente, culturalmente’. Encontramos afirmações
que caminham nessa direção, mas ainda não revelam clareza conceitual suficiente: ‘estuda as relações
humanas’, ‘estuda a vida do indivíduo em sociedade’, ‘área em que o objeto é o homem em sociedade’
ou ainda, ‘estuda o ser humano, suas interferências e mudanças no meio histórico e social’. Uma
resposta bastante interessante afirma que as Ciências Humanas estudam ‘as relações do ser humano
como sujeito e objeto de estudo’. Consideramos que, uma reposta plena para a questão deve conter as
noções de sujeito e sujeito social, além de considerar esse conjunto de objetos como configuradores de
uma área de conhecimento. Consideramos, também, que estas respostas são ainda minoritárias, inclusive
se temos como fonte os alunos do meio do curso ou concluintes.
As pesquisas que sustentam esse texto encontram-se em fase de análise de dados e o que
temos até aqui nos aponta que, embora estejamos em um caminho que consideramos pertinente e
necessário para a formação de professores, a luta para constituição da área de Ciências Humanas como
eixo articulador da visão de mundo de nossos alunos, ainda é bastante desigual, diante da reprodução de
noções sustentadas seja pelo senso comum, seja por uma concepção mecanicista desta área de
conhecimento.
Referências Bibliográficas:
321- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
conceituação do homem como o único capaz de pensar.
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LOCKE, John. Segundo Tratado Sobreo o Governo Civil. São Paulo: Clube do Livro Liberal, 1999.
MANACORDA, Mário Aliguiero. Marx e a Pedagogia Moderna. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
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322- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
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A ESTRUTURA DA ALMA “ANIMA” NA SUMA TEOLÓGICA DE TOMÁS DE AQUINO
Neimar de Almeida - UnB
1. Introdução
Quando falamos de uma teoria da alma em Tomás de Aquino a tendência imediata é de
identificarmos à teologia cristã. No entanto, é um grande equívoco, sem um conhecimento prévio,
classificar assim os estudos realizados pelo autor a respeito de tal assunto. Por isso, nosso objetivo neste
trabalho é, a partir da obra Suma Teológica, mostrar como é definida a alma “anima” e investigar sua
estrutura. Para tanto, recorremos muitas vezes às fontes às quais Tomás irá fundamentar sua teoria, ou
seja, Aristóteles.
Dessa maneira, em um primeiro momento apresentaremos a definição de alma “anima” e
analisaremos suas faculdades e suas operações. Partiremos da divisão feita por Tomás, para obter maior
clareza. O intuito é apresentar as três partes da alma: vegetativa, sensitiva e intelectiva.
Em um segundo momento examinaremos a divisão das potências apetitivas “potentiis
appetitivis”. Nosso objetivo aqui é apresentar os três tipos de apetites: apetite natural, apetite sensitivo e
o apetite intelectivo “appetitus naturalis, appetitus sensitivus et appetitus intellectivus”. Queremos sobre
tudo, distinguir e evidenciar a distinção entre apetite sensitivo e apetite intelectivo, visto que o homem,
por sua capacidade intelectiva, possui um apetite singular diferente dos animais irracionais, a saber, a
vontade
A partir da identificação de um nível superior da alma no homem, buscaremos entender a
relação entre o apetite intelectivo, a vontade e a inteligência “intelligentia”, a faculdade do conhecimento
racional.
2. As faculdades da alma e suas operações
Ao tratar do problema da alma, Tomás de Aquino adota uma perspectiva muito próxima à
de Aristóteles, para quem a alma é concebida como forma do corpo. Segundo De anima, a alma é a
323- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 5 – Filosofia e Ciências Humanas
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forma, de um ser vivo e constitui o ato realizado ()105. A alma é o primeiro princípio de
Seguindo a concepção aristotélica, o Aquinate define a alma assim: “A alma é o princípio
primeiro da vida, não é corpo, mas ato do corpo, assim como o calor, que é o princípio do aquecimento,
não é corpo, mas um ato do corpo”106. Por tanto, a alma é, em um primeiro momento, tanto para
Tomás, como para Aristóteles, princípio e vida de um corpo. Toda a natureza corporal está submetida à
alma.
O Aquinate realiza uma tripartição da alma107 para discutir suas operações. A alma possui
três faculdades ou potências, a saber: alma vegetativa, alma sensitiva e alma intelectiva ou racional.
A alma vegetativa é o princípio para todos os seres vivos, inclusive às plantas. Essa parte da
alma subdivide-se em três: (i) a potência de nutrição, que conserva o ser, o existir e seu devido tamanho.
É pela qual o vivente converte o alimento na própria substância; (ii) potência de crescimento. Por ela, o
corpo vivo atinge seu devido tamanho; (iii) potência de geração, que dá o existir e produz outro ser da
mesma natureza. A potência de geração é a mais nobre da alma vegetativa, pois as faculdade de nutrição
e crescimento são, em certa maneira, subordinadas à ela.108
Quanto à alma sensitiva, ela é uma potência passiva. Como afirma Tomás: “O sentido é
uma potência passiva cuja natureza é ser modificada por um objeto sensível exterior” 109. Essa parte da
alma se subdivide em duas: (i) os sentidos externos, que recebem as formas sensíveis das coisas. Eles
também são chamados de sentidos do conhecimento imediato. São cinco - vista, audição, olfato, gosto e
tato; (ii) os sentidos internos, que são quatro: (1) senso comum. Como os cinco sentidos, ele recebe as
formas das coisas sensíveis e, além disso, possui algumas funções peculiares, como discernir e distinguir
entre as qualidades como o doce e o branco, que nem o gosto, nem a vista poderá fazer separadamente.
Ele também recebe as intenções “intentiones” dos sentidos, como, por exemplo, o perceber que se vê;
(2) fantasia ou imaginação. Sua tarefa é conservar as formas ou imagens percebidas pelos sentidos; (3)
Cf. De anima 414b 29. Apesar de Aristóteles apresentar outras definições, optamos por não nos deter a todas as definições
apresentadas pelo Estagirita nesta obra já que não é o intuito principal deste trabalho.
106 Anima igitur, quae est primum principium vitae, non est corpus, sed corporis actus, sicut calor, qui est principium
calefactionis, non est corpus, sed quidam corporis actus (ST I, q.75, a.1).
107 Assim como em Aristóteles, esta tripartição não deve ser entendida como partes qualitativamente diferentes, mas em
partes nas quais existem a qualidade do todo. É uma divisão lógica como oposição a composição. Conhecendo algo a partir
das partes, posso mais facilmente conhecer o todo. As partes da alma são funções ou princípios que não implicam uma
corporeidade. A alma tem faculdades, potencialidades.
108 Cf. ST I, q.78, a.1
109 Est autem sensus quaedam potentia passiva, quae nata est immutari ab exteriori sensibili (ST I, q.78, a.3).
105
324- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
um ser que possui vida. Sendo assim, alma e vida se identificam nesse tratado de Aristóteles.
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estimativa. Apreende as intenções “intentiones” que não são percebidas pelos sentidos. No caso dos
ser nocivo a sua natureza. Ou ainda, o passarinho recolhe a palha não pelo prazer dos sentidos, mas em
vista do ninho que há de construir. Enfim; (4) memória. Ela conserva as intenções da estimativa, por essa
razão, a ovelha sabe que precisa fugir do lobo. Apesar de reconhecer o passado através da memória, não
significa, que o animal tem a capacidade de perceber o tempo.
Em relação as formas sensíveis não, há diferenças entre os homens e os animais, pois são
modificados da mesma maneira pelos objetos. Mas em relação às intenções “intentiones”, há diferenças,
pois os animais às recebem apenas por um instinto natural, enquanto os homens, por comparação. É o
caso por que a estimativa no homem recebe o nome de cognitiva que se torna quase como uma “razão
particular”, pois descobre as intenções com comparação, e não por instinto. Em virtude de sua
proximidade com a faculdade superior, a cognitiva, pode ser dita como um “raciocínio” dos particulares.
Enfim, a memória, no homem, é chamada por Tomás de reminiscência, já que investiga a memória dos
fatos como uma busca ativa e não apenas automática.110
A alma intelectiva ou racional é próprio do homem. Por ser a parte superior da alma, inclui
as partes inferiores. A alma intelectiva possui a capacidade de conhecer as formas inteligíveis. Essa
faculdade não percebe as coisas como o faz os sentidos, mas conhece as essências dos entes. Essas
essências, se encontram no sujeito que conhece depois de terem sido abstraídas das suas propriedades
sensíveis e particulares. Tomás subdivide a parte racional da alma em intelecto agente, que torna o objeto
sensível em ato, abstraindo a sua essência e produzindo a espécie inteligível e o intelecto possível, que é a
faculdade que propriamente conhece após receber do intelecto agente as espécies inteligíveis em ato.111
A atividade da alma intelectiva ultrapassa a natureza corporal de tal modo que nem é realizada por um
órgão corporal.
3. As potências apetitivas
As faculdades da alma, de natureza cognitiva, parte sensitiva e intelectiva, geram um outro
tipo de potência na alma, as potências apetitivas.
110
111
Cf. ST I, q. 78, a. 3-4.
Cf. ST I, q. 79, a. 1-3.
325- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
animais, por exemplo, a ovelha que vê o lobo, não foge em razão de sua cor ou de sua forma, mas por
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Apetite “appetitus” pode ser definido como uma inclinação a um fim. Assim define Tomás
um movimento ou uma inclinação para algo.
Para o Aquinate, existem três tipos de apetites: apetite natural, apetite sensitivo e apetite
intelectivo “appetitus naturalis, appetitus sensitivus et appetitus intellectivus”113
O apetite natural é a inclinação que segue a própria natureza de um ente e o faz tender ao
seu fim. Não é uma potência da alma, mas uma inclinação natural de todo e qualquer ser. Por exemplo,
é da natureza da pedra cair assim como é da natureza do fogo subir. Esse apetite está sempre em ato,
pois é a tendência sempre atual ao bem próprio da coisa, a sua perfeição ou fim.
No que se refere ao apetite sensitivo segue o conhecimento proveniente dos sentidos. Há
diferença entre o apetite sensitivo do animal irracional e do homem. Nos animais é uma inclinação
instintiva. Por exemplo: é o instinto que faz com que o lobo vê a ovelha e inclina sua visão e todos os
sentidos para ela, pois deseja saciar sua fome. No homem, o apetite sensitivo se divide em irascível, que
se inclina para o bem difícil de ser alcançado e evita o mal difícil de ser evitado e concupiscível, que se
inclina para o bem prazeroso e que lhe convém.114
Por fim, o apetite racional segue o conhecimento do intelecto, logo é exclusivo do homem.
No homem, pelo fato de que há dois gêneros de potências do conhecimento, há também dois gêneros
de potências apetitivas, a sensível e a intelectiva. O conhecimento do intelecto é o conhecimento do
universal, assim, também o apetite intelectivo irá tender para o bem universal. Tomás irá definir esse
apetite produzido pela faculdade superior da alma, o intelecto, como vontade. A existência da vontade no
homem é garantida pela presença da razão. Afirma Tomás: “Em todo ser inteligente, devemos,
consequentemente, encontrar também uma vontade”115.
O apetite natural tem relação necessária com a coisa para a qual tende, pois o corpo pesado
é levado necessariamente para baixo. O apetite sensitivo não tem relação alguma, antes que a coisa seja
entendida como agradável ou útil, mas tendo o entendimento, volta-se de modo necessário a ela ao
ponto de não poder não a desejar. A vontade tem relação necessária com a bondade e com a utilidade
Appetitus nihil aliud est quam inclinatio appetentis in aliquid (ST. I-II, q. 8, a. 1).
Cf. De veritate, q.25, a.1.
114 Irascível e concupiscível obedecem a razão. Diferentemente aos animais, onde não há uma oposição a
aquilo que é do instinto, o apetite sensitivo no homem, não se move imediatamente, mas obedece ao
consentimento da vontade. Como afirma Aristóteles no De anima II: “O apetite superior move o inferior” (De
anima, 434a 12). Cf. ST I, q.81, a. 3.
115 Oportet igitur in quolibet intelligente inveniri etiam voluntatem (SCG, IV, c.19).
112
113
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na Suma: apetite “nada mais é do que a inclinação daquele que deseja alguma coisa”112. Apetite indica
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consideradas como tais. O homem quer necessariamente o bem, mas não tem necessidade desta ou
vontade, o bem absoluto.
Nas palavras do Doutor Angélico:
(...) é preciso reconhecer que o objeto do apetite natural é esta coisa, enquanto ela é esta coisa; o
do apetite sensível, esta coisa, enquanto ela é conveniente ou deleitável (a água, por exemplo, porque
agrada ao gosto, e não por ser água); quanto ao objeto próprio da vontade, é o próprio bem
absoluto116.
4. Inteligência e vontade: as faculdades superiores da alma
Após esclarecermos, de maneira geral, as faculdades da alma e seus apetites, passamos a
tratar mais especificamente das faculdades superiores da alma, a saber: inteligência e vontade.
O homem, como afirmamos acima, é dotado de um apetite singular diverso daquele de
natureza sensível que pertence também aos animais. Isso se confirma pela presença, no homem, de um
poder cognitivo bem superior àquele presente nos animais. Por isso, a afirmação de Tomás, que em
todo ser inteligente há uma vontade.
O que caracteriza o conhecimento intelectivo é a sua capacidade de alcançar o universal. A
título de exemplo, o homem não conhece somente ‘este banco’, mas o ‘banco’, ‘este cão’ mas, ‘o cão’117.
Assim, o conhecimento não se dá apenas de objetos particulares, mas do universal. O homem tem
capacidade de conhecer, pela razão, a ideia118 ou os conceitos universais.
Se o objeto de conhecimento da razão é o universal e, se o objeto da vontade é aquele
apresentado pela razão como bem universal, a vontade tem como objeto de desejo, não os bens
particulares, mas o bem universal e absoluto.
É importante destacar que, para Tomás, o bem absoluto ou o fim último do homem é o
Bem Supremo, Deus. Esse também será o fim ultimo da vontade. Porém, o homem vive em um mundo
de coisas criadas que também são bens, apesar de contingentes. Como explica Ameal:
Unde datur intelligi quod obiectum appetitus naturalis est haec res in quantum talis res; appetitus vero
sensibilis haec res in quantum est conveniens vel delectabilis: sicut aqua, in quantum est conveniens gustui, et
non in quantum est aqua; obiectum vero proprium voluntatis est ipsum bonum absolute. (De veritate, q. 25,
a.1).
117 Cf. MONDIM, 1991, p. 667.
118 “Ideia” não é entendida como Platão, a do mundo das ideias, fora do mundo sensível. Para Tomás de
Aquino, assim como para Aristóteles, o conceito ou a ideia de um objeto, se dá a partir de objetos particular.
Tendo o contato com os objetos particulares, formo um conceito universal. Este conceito é in re, ou seja, está
na coisa.
116
327- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
aquela coisa boa ou útil, pois toda potência tem relação necessária com o seu objeto próprio, no caso da
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Na sua tendência formal para o Supremo Bem, dirige-se aos bens particulares e relativos que o
participam em maior ou menor grau. Se o seu objeto adequado, aquele em que se saciaria por
completo, é o Bem Universal e Absoluto, o seu objeto próximo são esses imutáveis bens
contingentes, aos quais, por isso, espontaneamente tende 119.
Nestas condições, a vontade pode tender aos bens particulares. Mas preferencialmente
àquilo que a razão lhe mostra como bem. Retornaremos a questão no decorrer do texto.
A vontade orienta-se para os bens que a inteligência lhe mostra. A inteligência está na
origem da vontade como seu agente mais próximo120. “Todo movimento da vontade é precedido pela
apreensão, mas nem toda apreensão é precedida pelo movimento da vontade”121. As duas faculdades
superiores da alma agem juntas.
A questão a ser discutida é qual das duas faculdade é superior122. Seguindo Aristóteles, o
Aquinate irá afirmar que o intelecto é a mais elevada das potências da alma123. Porém, existem duas
maneiras, diz Tomás, de algo ter superioridade: absolutamente e relativamente. Absolutamente é quando
uma coisa é superior em si mesma e, relativamente quando o é em relação a outra.
Absolutamente, ou em si mesmo, o intelecto é superior à vontade. Afirma Tomás: “Quanto
mais uma coisa é simples e abstrata, tanto mais é, em si mesma, mais nobre e superior” 124. O objeto do
intelecto, a própria razão do bem desejável, é mais abstrato e mais imaterial, portanto, mais absoluto e
elevado que o objeto da vontade, o bem, que engloba o ser em toda sua realidade concreta. O intelecto
ao conhecer tem em si as formas das coisas, possui o que é conhecido. Por outro lado, o objeto de
desejo da vontade está sempre fora125.
Quando se trata de forma relativa e comparativa, a vontade pode ser superior a inteligência.
Isso acontece quando o objeto que ela alcança é, ele mesmo, mais elevado que aquele que é entendido
pela inteligência. Afirma Tomás:
Quando, pois, a coisa na qual está o bem é mais nobre que a própria alma em que se encontra a
razão dessa coisa, então, relativamente a essa coisa, a vontade é superior ao intelecto. Quando,
AMEAL, 1956, p.437.
O apetite sensitivo pode influenciar de maneira indireta a vontade. Mesmo que Tomás não admita que
Deus possa mover a vontade por coação, ela tende à Ele, visto que é o Bem Supremo.
121 Omnem enim voluntatis motum necesse est quod praecedat apprehensio, sed non omnem apprehensionem
praecedit motus voluntatis (ST I, q. 82, a. 4).
122 Cf. ST. I, q.82, a.3.
123 Cf. Ética a Nicômaco, 1177a 12-17.
124 Quanto autem aliquid est simplicius et abstractius, tanto secundum se est nobilius et altius (ST. I, q. 82,
a.3).
125 A atividade do intelecto, o inteligir, no processo do conhecimento abstrai as formas. Dessa maneira, o
intelecto se torna todas as coisas, ou possui todas as coisas, não concretas, mas como formas inteligíveis.
119
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É evidente, para Tomás, que a vontade de Deus é mais nobre que o conhecimento de Deus.
Pois, ao amar tende-se a Ele em toda sua perfeição. Ao tentar conhecê-Lo, estamos limitados a
conceitos e definições imperfeitas.
Recorremos a outro ponto dessa comparação entre vontade e inteligência. Movida pela
inteligência, a vontade move-a por sua vez.
Tomás apresenta duas maneiras pelas quais podemos afirmar que alguma coisa move:
A primeira, à maneira de um fim: é assim que a causa final move a causa eficiente. Dessa
maneira, o intelecto move a vontade, pois o bem conhecido é o objeto da vontade, e a move
enquanto fim. A segunda, à maneira de agente: o que altera move o que é alterado; o que impele
move o que é impelido. E é assim que a vontade move o intelecto, e todas as potências da
alma...
Ora, o objeto da vontade é o bem e o fim universal. E cada uma das potências se refere a um
bem próprio que lhe convém; por exemplo, a vista a perceber a cor, o intelecto a conhecer a
verdade. Assim, a vontade, move todas as potências da alma a seus atos, com exceção das
potências da alma vegetativa...126
Ao mesmo tempo que o intelecto move a vontade ao bem conhecido, como causa eficiente,
esta, move o intelecto através do objeto que o alterou, como agente.
Essas duas faculdades implicam-se mutuamente em seus atos: “o intelecto conhece que a
vontade quer, e a vontade quer que o intelecto conheça”.127
5. Considerações finais
Nosso trabalho não teve como intuito esgotar o assunto a respeito da teoria da alma Tomás
de Aquino, procuramos ao contrário, apontar algumas considerações acerca do tema.
Uno modo, per modum finis; sicut dicitur quod finis movet efficientem. Et hoc modo intellectus movet
voluntatem, quia bonum intellectum est obiectum voluntatis, et movet ipsam ut finis. Alio modo dicitur
aliquid movere per modum agentis; sicut alterans movet alteratum, et impellens movet impulsum. Et hoc
modo voluntas movet intellectum, et omnes animae vires.
Obiectum autem voluntatis est bonum et finis in communi. Quaelibet autem potentia comparatur ad aliquod
bonum proprium sibi conveniens; sicut visus ad perceptionem coloris, intellectus ad cognitionem veri. Et ideo
voluntas per modum agentis movet omnes animae potentias ad suos actus, praeter vires naturales vegetativae
partis (ST I, q. 82, a.4).
127 Quia intellectus intelligit voluntatem velle, ET voluntas vult intellectum intelligere (ST I, q. 82, a.4).
126
329- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
porém, a coisa na qual está o bem é inferior à alma, então relativamente, também, a essa coisa, o
intelecto é superior à vontade. Por isso, é melhor amar a Deus do que conhece-lo, e
inversamente vale mais conhecer as coisas materiais do que amá-las.
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O primeiro ponto que foi verificado por nós é que quando Tomás fala da alma “anima”,
ser vivo possui alma apesar de possuir em níveis e operações de diferentes graus.
Outro aspecto importante verificado pela nossa pesquisa é em relação à unidade da alma.
Quando falamos em partes, nos referimos a partes lógicas que Tomás usa para um melhor
esclarecimento de seu estudo. Não significa, por tanto, que o homem possui três almas, mas uma alma
que abarca três funções.
Apesar de todo ser vivo possuir alma, a alma humana é superior. O que evidencia essa
afirmação é que só o homem possui razão. A racionalidade faz do homem superior a todos os outros
seres. Essa superioridade não significa um domínio ou poder de destruição, mas capacidade de
raciocinar, pensar e, dessa maneira ser livre em suas escolhas.
Inteligência e vontade são as faculdades superiores da alma. Só os homens possuem essas
duas faculdades que são chamadas por Tomás de faculdades do universal. A inteligência, do
conhecimento universal e a vontade, o apetite do bem universal. No agir humano essas duas faculdades
agem juntas.
A inteligência é a faculdade superior da alma de forma absoluta e move a vontade a agir em
busca do Bem previamente conhecido. Porém, a vontade pode ser considerada superior à inteligência
quando o objeto de seu apetecer é mais nobre e absoluto que aquilo que o intelecto pode inteligir. A
vontade como apetite intelectivo do bem tende para o bem em sua forma absoluta, e o Bem Supremo e
Absoluto se encontram em Deus. Dessa maneira, a vontade tende para Ele. Por isso, é melhor amar a
Deus do que conhecê-Lo, visto que, o conhecimento humano em relação a Deus é limitado, ou seja,
não é possível ter um conhecimento pleno de Deus. Contudo, pela vontade, podemos aderir à Deus e
ama-lo em toda sua perfeição. Conclui-se, que em relação à Deus a vontade é superior ao intelecto.
Referências Bibliográficas
AMEAL, J. São Tomás de Aquino: Iniciação ao estudo de sua figura e da sua obra. 4ª ed. Porto: Livraria Tavares Martins,
1956.
AQUINO, T. Suma Teológica. 9v. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola. Edição bilíngue. 2001.
___________Suma contra os gentios. Tradução de D. Odilão Moura e D. Ludgero Jaspers; revisão de Luis A. De Boni.
Edição bilíngue. Porto Alegre: EDIPUCRS: EST, 1996.
___________O Ente e Essência. Tradução Mário Santiago de Carvalho. Coleção: Textos Clássicos de Filosofia.
Universidade da Beira Interior. Covilhã, 2008
330- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
refere-se ao primeiro princípio de um ser que possui vida em potencialidade. Isso caracteriza que todo
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ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética. (Os pensadores). Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. v.2. 4ª ed,
São Paulo: Nova Cultural, 1991.
_____________. De anima. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34 Ltda.,
2006.
BOEHNER, P.; GILSON, E. A história da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Rio de Janeiro: Petrópolis,
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GARDEIL, H.D. Iniciação à filosofia de são Tomás de Aquino: psicologia, metafísica. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2013.
GILSON, È. A filosofía na Idade Média. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
__________El Tomismo: Introducción a la filosofia de Santo Tomás de Aquino. 4.ed. Navarra, Espanha: Eunsa, 2002.
MONDIM, B. Dizionario enciclopedico del pensiero di San Tommaso d´Aquino. Bologna: Studio Domenicano, 1991.
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___________ Questões discutidas sobre a Alma. Tradução de Luiz Astorga. Edição bilíngue. São Paulo: É realizações.
Medievalia, 2012.
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GT 6 – Marxismo e Educação (ME)
332- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
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GT 6 – Marxismo e Educação
Augusto Cesar Vilela Gama - – UNIVERSO
Prof. Esp. Willian Mendes Costa – UNIVERSO
Introdução
Este Relato de Experiência acontece por meio da disciplina curricular estágio 1 do curso de
Licenciatura em educação física, da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) em que este
discente faz observações, co-regências e regências como meio de interação entre teoria e prática dos
conteúdos da educação física escolar dentro de uma instituição que oferta o ensino fundamental.
Foi firmado convênio com a Escola Municipal Profa. Deushaydes Rodrigues de Oliveira. O
estágio acontece com a turma do 3º ano, sob supervisão da professora de educação física Joyce Zardini.
A escola garante a inserção de todos os alunos nas aulas de educação física, promovendo de forma
lúdica a aplicação dos conteúdos. A problematização surgiu através da necessidade de se trabalhar com a
falta de materiais tradicionais, adaptando-se com materiais alternativos e ou sem materiais.
Os conteúdos propostos para o segundo semestre do ano de 2014, foram jogos
cooperativos, jogos competitivos, ritmos e dança. Através da cultura corporal e materiais alternativos, os
objetivos nas aulas de educação física com certeza é a de contribuir para o desenvolvimento em sua
totalidade dos alunos e também na formação de cidadãos críticos e entendidos de sua realidade social.
Motivado pelo pensamento de Soares et al. (1992, p.10) descrito na introdução de sua obra:
Temos em mente um professor sufocado pelas limitações materiais da escola, pelos baixos
salários, pela desvalorização de sua profissão e do seu trabalho, mas sempre esperançoso em
transformar sua prática, sedento do saber, inquieto por conhecer e suprir o que não lhe foi propiciado
no período de sua formação profissional.
Esta é a principal motivação na aplicação da cultura corporal nas aulas de educação física
escolar, a “esperança” de transformar para melhor a realidade social a qual os alunos estão inseridos e o
desenvolvimento por completo desses indivíduos.
Objetivo Geral
Contribuir para a transformação social do educando, através da educação física escolar.
Objetivos específicos
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DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE ALUNOS DO 3º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
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Adotar recursos que não prejudique o ensino-aprendizagem dos alunos, por conta da falta
Desenvolver as áreas: afetiva, cognitiva, e psicomotora, aplicando a cultura corporal;
Enfatizar a importância de materiais alternativos na prática da educação física escolar;
Identificar meios para aplicação de ações lúdicas dentro da realidade da escola; e
Selecionar diversas formas de atividades sem a necessidade do uso de materiais tradicionais
de educação física.
Justificativa
Para Soares et al. (1992) a expressão corporal e o movimento consciente no âmbito da
educação física escolar contribuem na transformação social dos sujeitos. Considerando que a educação
física precisa reconhecer seu papel na construção da cultura escolar, evitando a esportivização dos
conteúdos.
Seguindo a proposta pedagógica crítico-superadora, aplicando as formas culturais do
movimentar-se humano, posicionando os alunos de uma consciência crítica, atuando no campo da
cultura corporal e também operando de forma transformadora como cidadãos (DARIDO, 2003).
A falta de materiais tradicionais nas aulas de educação física das escolas públicas,
infelizmente é de certa forma costumeira. A intenção principal é propor o uso de materiais alternativos
nas aulas, que ao mesmo tempo devem ser criativas, dinâmicas, inovadoras e transformadoras.
Realizando uma análise social da escola e dos alunos, identifica-se uma escola municipal
pública, que apesar de receber recursos da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura), ainda assim, tem um orçamento limitado para investimentos em
materiais tradicionais para as aulas de educação física. Os alunos residem nas proximidades da escola,
localizada em um bairro de classe média, sendo este público o mais expressivo, não apresentando
nenhum tipo de carência, que atrapalhe seu ensino-aprendizagem.
Portanto, a recomendação é desenvolver aulas lúdicas, com a função educativa, além de
oferecer uma forma interessante de observar e intervir nos aspectos cognitivos, afetivos e motores dos
alunos. E desta maneira promover uma excelente aprendizagem, desenvolvendo de forma global o
aluno.
334- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
de materiais tradicionais da educação física;
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É necessário também respeitar o desenvolvimento motor e a maturação biológica dos
compreende desenvolver as áreas: afetiva, social, cognitiva e motora. Sendo extremamente relevante o
domínio motor na sequência de desenvolvimento do ser humano.
Faz-se valer que o brincar já está presente na vida do educando, tornando eficaz utilizar a
cultura corporal de maneira lúdica, aprimorando o processo educativo, considerando o seu estágio
motor, exercitando os valores éticos e morais, e assim formando cidadãos críticos e atuantes na
sociedade.
Referencial Teórico
Com o propósito de coibir as aulas esportivistas, Darido (2003) ressalta a importância na
utilização dos conhecimentos pedagógicos nas aulas de educação física escolar. O objetivo maior do
professor de educação física escolar é conseguir desenvolver os aspectos cognitivos, afetivos e motor
dos alunos. Para isto é necessário um conhecimento amplo das tendências pedagógicas da educação
física escolar.
As aulas teóricas e práticas de educação física escolar têm como viés a abordagem críticosuperadora, representada pelo Coletivo de Autores (composto por: Carmem Lúcia Soares, Celi Nelza
Zulke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht), através
de sua obra “Metodologia do Ensino da Educação Física” (1992). Complementando esta tendência, o
livro “Educação Física na Escola, Questões e Reflexões” (2003), de Suraya Darido, soma e discuti
também a proposta crítico-superadora.
Buscando aproximação com o marxismo, Soares et al. (1992) explicou que a educação física
é a disciplina escolar que organiza a reflexão pedagógica (diagnóstica, judicativa e teleológica) do
estudante sobre a realidade e que possui conteúdo próprio necessitando contribuir, junto com os demais
componentes curriculares, para a compreensão e leitura de uma dada realidade.
O que qualifica uma atividade humana específica para Lorenzini (2013) são o próprio
sentido e o significado da ação corporal atribuída à atividade, historicamente produzida, promovendo a
passagem do senso comum ao conhecimento pensado, estabelecendo nexos e relações com o projeto de
sociedade, sendo este regido por princípios que visam à superação do modo de produção capitalista.
335- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
alunos. Gallahue e Ozmun (2001) entendem que o comportamento motor em sua plenitude
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Busca-se orientação em um projeto que visa contribuir com a transformação social,
destacando que cada classe social tem seus interesses, que são diferentes e antagônicos (MARX, 2005).
Respondendo às exigências atuais do processo de construção da qualidade pedagógica da
escola pública brasileira, abordando uma concepção de currículo ampliado vinculada a um Projeto
Político Pedagógico, onde se destaca a função social da educação física dentro da escola. Este
componente curricular requer do professor que ele consiga compreender, explicar ou fazer relações das
coisas que estão acontecendo no mundo, com a escola e com a sala de aula, em um processo chamado
de movimento do real (LORENZINI, 2013).
Os conteúdos mencionados por Soares et. al. (1992) que lidam com a cultura corporal na
educação física escolar são os jogos e brincadeiras, as danças, os esportes, as ginásticas e as lutas,
adaptados ao contexto e às condições materiais dos educandos.
É necessário que se entenda a segregação entre a classe dominante e a classe dominada, para
o sujeito poder revalidar e entrar nessa batalha de classes com condições significativas para tal disputa.
Para tanto a abordagem crítico-superadora pauta-se na pedagogia histórico-crítica elaborada por Saviani
(1985), que é relacionada no materialismo histórico-dialético, que critica o mecanicismo, a competição
excludente e também a alienação. Demerval Saviani é um dos mais renomados pedagogos brasileiros e
sua obra é uma proposta com desafios teóricos em processo de desenvolvimento da pedagogia
histórico-crítica.
A avaliação é considerada por Soares et al. (1992) um elemento a ser julgado, devido seus
impactos negativos nos indivíduos, pela valorização de resultados individuais, de exclusão e de
classificação, atentando-se aos interesses da classe trabalhadora. Portanto para fins avaliativos,
atendendo ao Projeto Político Pedagógico da escola, o referencial teórico tem-se como luz os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998).
Pensando na compreensão e no desenvolvimento motor infantil, será utilizado como
referência o livro “Compreendendo o Desenvolvimento Motor: Bebês, Crianças, Adolescentes e
Adultos” dos autores Gallahue e Ozmun (2001). Esta obra é a base e uma das referências da abordagem
desenvolvimentista da educação física, que tem como autor principal Tani (1988).
Metodologia
336- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
explicitando a perspectiva de classes, diferenciando a classe trabalhadora da classe dominante,
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Este estágio foi realizado com alunos do 3º ano do ensino fundamental. São três horas
hora de aula teórica em sala de aula, uma hora e meia de prática na quadra poliesportiva e meia hora
final para as observações e avaliações.
O estágio 1 totaliza quarenta e cinco horas, divididas em doze horas de observação, doze
horas de co-regência e vinte e uma horas de regência. Foram consideradas três aulas semanais como
uma aula, levando em conta o planejamento da professora Joyce.
Às doze horas de observações foram feitas e anotadas sem qualquer participação ou
intervenção deste estagiário. Às doze horas de co-regência aconteceram de forma a auxiliar à professora
quando solicitado por ela. Às vinte e uma horas de regência foram de total autonomia e liberdade na
elaboração e execução das aulas.
O planejamento das regências seguirá objetivos que respeitem o desenvolvimento motor
dos alunos, que trabalhem o lado crítico e social destes indivíduos, para que assim transmitam valores e
atitudes na vida em sociedade. A falta de materiais tradicionais não deve ser um limitador, podendo ser
até usado a favor, conscientizando os alunos e adaptando-os as condições da falta com ideias e materiais
alternativos.
A metodologia aplicada nessas aulas, tanto pela professora, quanto por este estagiário foi
pelo uso da abordagem da educação física crítico-superadora, norteados pela cultura corporal e os
diversos aspectos de sua prática com a realidade social dos alunos.
O objetivo desta abordagem é resgatar valores históricos ligados à cultura e a expressividade
corporal, utilizando-se do movimento como linguagem, valorizando o desenvolvimento, criticidade e
autonomia dos alunos através dos princípios fundamentais da luta de classes. Darido (2003) relata que o
grande diferencial da crítico-superadora é que ela trabalha com os princípios fundamentais das lutas de
classes oriundas do marxismo.
As aulas de regências devem ser criativas e lúdicas, despertando o interesse dos alunos e sua
a vontade de participar das aulas de educação física. Atendendo aos conteúdos propostos para o
segundo semestre, o uso da cultura corporal será o viés para se alcançar os objetivos propostos,
alinhando a cultura com a expressão corporal (SOARES et al., 1992).
337- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
de aulas de educação física por semana, divididas em três aulas semanais de uma hora cada, sendo uma
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Foram também utilizados os estudos de Gallahue e Ozmun (2001) para entendimento da
processo e assim desenvolvê-los e não atrapalhar o futuro motor desses alunos.
Seguindo os conteúdos propostos e as exigências legais das normas da Educação, foram
também utilizados como norte os PCNs, inclusive para aplicação das avaliações escolares.
Resultados e Discussão
Foi explorada a participação dos alunos em todas as aulas, no intuito de promover a
inclusão de todos, de forma a desenvolver as áreas cognitiva, afetiva e motora, através de uma
intervenção crítica por parte da professora Joyce e por este estagiário.
O objetivo é a transformação da comunidade e sociedade através dos alunos, a partir das
reflexões proporcionadas pela prática da cultura corporal. Como problema encontrado foram à falta de
matérias tradicionais de educação física escolar, os planos de aula tiveram que atender a essa situação.
Os planos de aula foram pensados a partir do plano de ensino já proposto para este semestre pela
professora Joyce.
Como os conteúdos propostos foram jogos cooperativos, jogos competitivos, ritmos e
dança, a metodologia crítica e o recurso de materiais alternativos proporcionaram o alcance dos
objetivos propostos para as aulas.
As três primeiras regências tiveram como propósito aplicar jogos cooperativos versus jogos
competitivos. Na primeira regência foram trabalhados vários jogos cooperativos, com discussões a
respeito do que era “cooperação” e o porquê de sua importância. A segunda regência teve como foco
apenas jogos competitivos, demonstrando os pontos positivos e negativos que uma competição pode
trazer. Com os alunos diferenciando e compreendendo os aspectos cooperativos e competitivos, a
terceira regência proporcionou a vivência de jogos cooperativos e jogos competitivos, onde foi dada a
liberdade dos alunos escolherem quais jogos cooperativos e competitivos iriam ser aplicados.
O aproveitamento cognitivo, afetivo e motor foram muito altos, pois as metas foram
alcançadas, todos os alunos participaram das aulas teóricas e práticas. Através da avaliação feita pela
professora e por este estagiário, aproveitando a animação da turma com as aulas, foi decidido trabalhar
nas duas próximas regências atividades lúdicas.
338- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
fase do desenvolvimento motor que os indivíduos se encontram, de modo que haja um respeito pelo
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Mantendo o enfoque na participação geral e na inclusão, as atividades lúdicas são vistas
experimentam seus sentidos, e desenvolvem seu pensamento/criatividade e assim trabalha-se por
completo o indivíduo.
Percebemos claramente à vontade e a determinação dos alunos em participar das atividades
lúdicas propostas. Houve participação de todos os presentes, nenhum problema de indisciplina e
conseguiram entender e cumprir as regras de cada atividade. É fato que o prazer dos alunos em
participar, traz de retorno uma excelente avaliação e como resultado os objetivos conquistados.
As duas últimas regências teve como alvo a preparação dos educandos para apresentação de
uma coreografia dançada aos seus pais na última semana do ano letivo. O primeiro momento foi à
escolha da música a ser dançada, em seguida montagem da coreografia e seguidos ensaios para que os
alunos obtivessem a consciência corporal.
Quanto à questão dos meninos sentirem vergonha de dançar, foi combatido esse rubor com
aulas rítmicas. A professora utilizando-se de uma metodologia de participação coletiva conseguiu
conquistar a confiança dos meninos e como resultado todos participaram ativamente da montagem e
dos ensaios nas regências.
As finalidades em paralelo do desenvolvimento cognitivo e afetivo se efetivaram através dos
relatos de outros professores, ao afirmarem que os alunos melhoraram o relacionamento entre si e
aumentaram consideravelmente a participação nas suas aulas.
Considerações finais
Através das aulas de observações já foi possível constatar que a Escola se preocupa com
uma formação completa e de qualidade, buscando coerência em suas ações e seguindo um excelente
projeto pedagógico.
Em especial, as aulas de educação física conseguem explorar e aprofundar na libertação
do corpo através da cultura corporal proposta por Soares et al. (1992). Como a problematização foi à
falta de materiais tradicionais, os objetivos apresentados foi de desenvolver um plano de ensino baseado
em atividades que se utilizem materiais alternativos ou nenhum material, mas de forma que o processo
ensino-aprendizagem não fique prejudicado.
339- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
pelos alunos como brincadeiras prazerosas, ou seja, que motivam e melhoram sua agilidade física,
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07 – 08 de novembro de 2016
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Como a Escola segue os padrões exigidos pela UNESCO, isso auxilia no sistema de
Pedagógico, facilitando e muito o trabalho na formação de indivíduos críticos e entendidos de sua
realidade social.
No campo educacional foi um aprendizado de grande valia, pelas dificuldades
encontradas e posteriormente superadas. A atuação dinâmica nas aulas causou impacto e ao mesmo
tempo estímulo ao desafio de lidar com crianças de variadas personalidades.
Os temas propostos nas aulas fizeram com que fossem repensados conceitos sobre
problemas enfrentados pela sociedade atualmente. Sendo respeitados, valorizados e estimulados, os
alunos demonstraram enorme capacidade de transformação social.
É gratificante acompanhar a evolução no aspecto físico-motor dos alunos. Isso conduz a
entender que existe um equilíbrio cognitivo e motor. Levando-se em consideração que as aulas
acontecem em coletivo, há também um ganho nas relações afetivas.
Poder colocar em prática as teorias assimiladas na sala de aula da Universidade e assim
entender como funciona a práxis é de um valor imensurável para o estagiário e serve como alicerce para
a vida profissional depois de formado.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física / Secretaria da
Educação Fundamental. MEC / SEF, Brasília, 1998.
SOARES et al. Metodologia do ensino de educação física. Cortez, São Paulo, 1992.
DARIDO, S. C. A educação física na escola: questões e reflexões. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2003.
GALLAHUE, D. L.; OZMUN J. C. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos.
Phorte, São Paulo, 2001.
LORENZINI, A. R. Conteúdo e método da educação física escolar: contribuições da pedagogia histórico-crítica e da
metodologia crítico-superadora no trato com a ginástica. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2013.
MARX, K. A Educação para Além do Capital. Boitempo, São Paulo, 2005.
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. Autores Associados/Cortez, São Paulo, 1985.
TANI, G. et al. Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. Editora da Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1988.
340- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
construção da qualidade pedagógica. É bem alinhado o currículo escolar com o Projeto Político-
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GT 7 – Educação e Pós modernidade (EPM)
341- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
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ENSINO E DESCONSTRUÇÃO: ENTRE A LIBERDADE ACADÊMICA E O
PERFORMATIVO
André de Barros Borges - UFRJ
Dado que o próprio Derrida implicitamente alia a questão do discurso e do estudo da
cultura a um problema de ensino, tentaremos explicar como o ensino pode ser compreendido pela
desconstrução.
Em toda a literatura escrita nos últimos vinte ou trinta anos, concernentes à desconstrução
como prática filosófica ou crítica literária, foi dada pouca atenção para a relação entre desconstrução e
ensino. Tampouco foi dada atenção à ideia de encarar a desconstrução como um ensino.128 A respeito
disso, a desconstrução foi apresentada (corretamente) como algo que não é nem um sistema que tendeu
ao tradicionalmente constituído como filosófico em direção da própria coerência e fechamento, nem
um método facilmente reproduzível de investigação.
A procura pelo conceito ou pelo exemplo da desconstrução é marcante nos escritos sobre a
obra de Jacques Derrida.129 Os instrumentos de apreender e ensinar e, de fato, muitos dos métodos e
suposições subjacentes, parecem ser questões pertencentes à própria desconstrução. Podemos então
sugerir que, de algum modo, a desconstrução se constitua pedagogicamente. E ainda podemos dizer
que, em um sentido amplo, a desconstrução é ensinada o tempo todo. Em Papel-Máquina, Derrida
distingue a filosofia da desconstrução.130
Para ele, se o pensamento filosófico possui estratégias e
sistemas, a desconstrução, pelo contrário, tenta abalar as estratégias e mostrar a fraqueza de todo
Ao lado dos escritos mais conhecidos de Paul de Man, Gayatri Spivak e Bill Readings, outras contribuições à questão da
desconstrução e ensino incluem Literary pedagogies after deconstruction: scenarios and perspectives in the teaching of
English Literature, organizado por Caudery, e The ethics of writing: Derrida, deconstruction and pedagogy, organizado por
Peter Trifonas. No entanto, talvez um dos autores mais conhecidos e mais produtivos — embora agora bastante criticado —
de livros que abordam a questão sobre desconstrução e Pedagogia está Gregory L. Ulmer, Applied Gramatology: Post(e)Pedagogy from Jacques Derrida to Joseph Beuys. Ulmer aborda a questão da relação de Derrida com a pedagogia, mais
explicitamente mediante uma discussão de seu envolvimento com o Greph, a partir de meados dos anos 1970, e se concentra
no ensaio de Derrida “The Age of Hegel” e outras observações relevantes, dispersas em textos como: Dissemination e The
post card. O interesse principal de Ulmer é explorar as possibilidades de uma pedagogia gramatológica ao longo dos escritos
derridianos. Uma característica interessante de seu livro, no entanto, é o reconhecimento de uma “cena de ensino” (uma
expressão mostrada com alguma ênfase por Bill Readings em The University in ruins), em termos das possibilidades de
certos tipos de teatralização. Tal abordagem talvez seja contrastada, interessantemente, com o trabalho de Samuel Weber em
Institution and interpretation. Nesse livro, na introdução, Weber começa a explorar as ligações entre a pergunta da instituição
e os efeitos de teatro. Veja to come walking: reinterpreting the institution and the work of Samuel Weber e também Samuel
Weber: acts of reading, ambos de Simon Wortham.
129 Para uma discussão mais precisa sobre o status de “exemplo” da desconstrução de Derrida, sobretudo na medida em que
facilita repensar a política, ver Naas, “Introduction: for exemple”, que apresenta o texto de Derrida, The other heading:
reflections on today’s Europe.
130 DERRIDA, J. Papel-Máquina, p. 310.
128
342- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
GT 7 – Educação e Pós modernidade
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sistema que emite uma verdade. Em De que amanhã, Derrida prefere afirmar que em todo discurso há
Muitos dos escritos de Derrida frequentemente se originaram de trabalhos apresentados em
seminários ou lecionados em ocasiões específicas. Assim, eles conservam o aspecto performativo de tais
acontecimentos – aspecto que é mostrado como uma condição do pensar que toma forma nos seus
textos. A partir de seu envolvimento com o Greph, nos anos 1970, Derrida escreveu diretamente sobre
a questão do ensino. Contudo, são raros os momentos em que Derrida fala sobre “como ensinar a
própria desconstrução” – se de fato isso é possível.
Em Given time, embora a questão do ensino apareça de maneira bem ampla, não deixa de
apontar para uma relação entre desconstrução e pedagogia. Derrida toca no assunto, na famosa seção de
abertura de “The double section”, parte do livro Dissemination, com “citações no quadro negro” que
são “apontadas para o silêncio”. Por outro lado, há uma conversa em “Living on: borderlines”
concernente aos temas da instituição, da linguagem e do ensino. Não podemos deixar de mencionar as
várias análises de Derrida sobre o pensamento de Hegel, Nietzsche e Heidegger, em seu relacionamento
com a pedagogia e as instituições educacionais – com particular interesse em questões de linguagem,
política e nacionalismo.131 E em termos mais amplos, naturalmente, deve ser reconhecido que um
interesse claramente constante pela Universidade e pelo contexto institucional da própria desconstrução
corre por todos os escritos de Derrida, culminando em ensaios como Mochlos e As pupilas da
Universidade – o princípio da razão e a ideia de Universidade, assim como os ensaios referentes à
formação da Faculdade Internacional de
Filosofia e do Greph, intitulados “Whos’s afraid of
philosophy?” e “Negotiations” (reunidos no livro Right to Philosophy1). Nesses trabalhos,
particularmente, a questão do ensino surge sob o invólucro do ensino da filosofia no tempo das
reformas propostas pelo governo na França. É possível dizer que nesses escritos, há uma declaração de
desconstrução do ensino em si, ou um “guia” para o “ensinar” que está por vir. Isso é algo responsável
ou irresponsável por parte de Derrida? Nós pensamos que essa situação pode fornecer uma maneira
para desconstrução questionar problemas mais plenamente fundamentais e questões associadas ao
próprio ensino, isto é, a dimensão do “performativo do ensino” como um “acontecimento”. A força da
desconstrução está mais em supor e experimentar do que simplesmente declarar ou resolver as questões
pedagógicas e seus problemas.
131
Ver, por exemplo, Derrida, “The Age of Hegel”, Otobiographies e “Geschlecht II: Heidegger’s Hand”.
343- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
desconstrução e que o pensamento desconstrutor não faz nada mais que liberar essa desconstrução.
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Queremos nos concentrar no final deste terceiro capítulo em dois textos particulares de
do ensino é levantada. Nesses textos, mais uma vez, são colocadas questões relativas ao discurso
acadêmico como cultura, comunidade, comunicabilidade. Tais questões são referências para a
Universidade e a partir delas se tornam possíveis transformações e experimentações nessa instituição.
Desconstrução e Liberdade Acadêmica
Antes de vermos algumas observações de Derrida sobre o tema do ensino e da liberdade
acadêmica – um tema que inevitavelmente recoloca questões sobre o agente da situação, o
conhecimento, a responsabilidade, a pedagogia, a cultura e a comunidade acadêmica – queremos
começar por estabelecer um cenário para estas observações, tomando como ponto de partida o texto
Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name. Aqui, Derrida trata da
questão do ensino do nome próprio “Nietzsche”. No entanto, Nietzsche como um nome próprio –
com todos os efeitos que um nome próprio induz – implica não só um ensino, mas uma pluralidade de
ensinos: ensino de e para o nazismo, mas também o ensino de Derrida e da desconstrução (entre muitos
outros). Para Derrida, a política do nome próprio e a questão de ensino do nome de Nietzsche nos
levam a um lugar onde “devemos nos aproximar seletivamente, movendo-nos entre a instituição
pedagógica, por um lado, e, por outro, entre a relação vida-morte, morto-vivo, o contrato de linguagem,
a assinatura de crédito, o biológico e o biográfico.132 Derrida indica que o que ele almeja com essas
questões densas é um repensar do legado nietzschiano e das instituições culturais e educacionais do
nazismo. Ele almeja repensar as questões concernentes aos relacionamentos entre mestria acadêmica e
pedagógica, autoridade e legado da instituição, “nome próprio e possibilidade ou necessidade de
recepção ou de audiência”. Nesse ensaio, Derrida confronta a duplicidade do ensino como, por um
lado, a suposta manifestação e o efeito autorizado e, por outro, o ensino como inevitável, anacrônico e
prematuramente endereçado ao “outro”. A exigência da resposta do “outro” ocorre como um efeito da
suposta manifestação de auto presença e de auto identidade por parte do professor magistral. Derrida
relaciona isso com os escritos autobiográficos de Nietzsche em Ecce Homo:
A vida que ele vive e conta a si (autobiografia) não pode ser sua vida, em primeiro lugar,
exceto como o efeito de um contrato secreto, uma conta de crédito (…) uma dívida (…) não pode ser
honrado exceto por outro. Assim, ele não vive o momento e está fazendo violência contra si – que
DERRIDA, J. Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name. In: The ear of the
other: otobiography, transference, translation, p. 22.
132
344- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
Derrida, Otobiographies e “Geschlecht II: Heidegger’s hand”, nos quais, de alguma maneira, a questão
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promete honrar uma promessa no nome e no nome do outro, mesmo na forma do “eu que recito
A partir do Ecce Homo, de Nietzsche, podemos pensar, segundo Derrida, a complicada
interação entre a vida e a morte. Derrida tenta questionar os efeitos da pedagogia autorizada tradicional.
O nome próprio só herda o crédito aberto pela autobiografia (uma “vida de...”), por exemplo, e esse
nome próprio é o nome da morte. Sugerimos que a interação entre vida e morte, entre o legado e o
nome próprio, estrutura as relações da própria instituição acadêmica. Certamente, como Derrida vai
mostrar, é essa interação entre vida e morte (entre a vida e as assim chamadas linguagens mortas, entre
culturas vivas e mortas, assim como mestres vivos e mortos) que se impõe nas instituições acadêmicas
do Estado iluminista – e que é criticada por Nietzsche. No caso específico do entendimento de
Nietzsche sobre as instituições educacionais contemporâneas como veículos do Estado, o que é
evidente é um desfiguramento da língua-mãe, acompanhado de um retorno a uma linguagem paterna
morta. Como Derrida escreve:
Não só o Estado é marcado pelo sinal e a figura paterna do morto, como também quer se
passar por mãe – a matriz das próprias coisas… Como um cordão umbilical pode criar um elo com esse
monstro frio que é o pai morto ou o Estado – isso é estranho.134
Para Nietzsche, então, seu interesse pelo Estado obviamente implica pensar o Estado de
forma contrária ao que Derrida descreveu como uma problemática da educação dentro da modernidade
desde o tempo do Iluminismo.
No começo de Otobiographies, um texto originalmente apresentado como conferência na
Universidade de Montreal, em 1979, Derrida diz:
Gostaria de dispensar vocês do tédio, do desperdício de tempo, e da inutilidade que sempre
acompanha os procedimentos pedagógicos clássicos – ao forjar elos, referindo-se de volta a
premissas prévias ou argumentos, justificando a própria trajetória, método, sistema, enfim,
transições hábeis para restabelecer continuidade, e assim por diante. Esses são alguns
imperativos da pedagogia clássica com os quais, para estar seguro, nunca se poderá romper de
uma vez por todas. Porém, se nos submetêssemos a eles rigorosamente, eles acabariam por
reduzir tudo ao silêncio, à tautologia e à repetição cansativa. 135
DERRIDA, J. Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name. In: The ear of the
other: otobiography, transference, translation, p. 14.
134 DERRIDA, J. Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name. In: The ear of the
other: otobiography, transference, translation, p. 34-36.
135 DERRIDA, J. Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name. In: The ear of the
other: otobiography, transference, translation, p. 3-4.
133
345- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
minha vida a mim”.133
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Para Derrida, nem as convenções acadêmicas nem a pedagogia ortodoxa podem ser
pedagógica – que é focada na conservação do método ou do sistema – inevitavelmente se reduzirá a
justificar práticas circularmente próprias, que realmente inibem o acontecimento do “ensino”. Ensino
como uma atividade singularmente performativa e um tratamento finalmente incalculável endereçado ao
“outro”. Não se pode, portanto, simplesmente “pegar ou largar” os procedimentos pedagógicos
clássicos. Deve-se, até certo ponto, misturá-los, para que o ensino como acontecimento seja possível. As
observações de Derrida levantam questões importantes, concernentes à possibilidade de um ponto de
vista responsável em condições bastante difíceis e complexas. Perante essa complicação de posições
contrárias localizadas na tradição pedagógica, Derrida propõe um “acordo” à sua audiência. No
procedimento desconstrutivo, encontra-se a vontade de determinar diversos problemas em relação à
concepção tradicional de “ensino da verdade”. Para alguns, o objetivo derridiano é por demais aporético
ou inadmissível. Outros o aceitarão como “lei”, e ainda outros o julgarão não ser suficientemente
aporético.
É interessante observar que Derrida não se encontra inteiramente dentro nem fora da
pedagogia clássica. É isso que Derrida entende por recalcular as possibilidades da liberdade acadêmica.
Derrida insiste que ele não deseja “se transformar num bocal diáfano da eterna pedagogia”.136
Derrida não só chama nossa atenção para os elementos contraditórios oriundos da tradição
pedagógica, que realçam tanto a autoridade do professor como a liberdade de investigação. Ele também
chama nossa atenção para como é problemática a noção de liberdade acadêmica. Mais que isso, certo
tom irônico torna- se evidente. Para Derrida, já foi mostrado que a desconstrução se posiciona numa
relação ambivalente com a pedagogia clássica – nem simplesmente se libertando ou se unindo à tradição
pedagógica.
O ensino desconstrutor de Derrida, a respeito do ensino de Nietzsche, obviamente, não
pode oferecer à audiência ou ao estudante de Derrida uma escolha clara entre liberdade intelectual e
cativeiro absoluto. Assim, “pedagogia clássica” e “liberdade acadêmica” não são categorias claramente
identificáveis. Elas se constituem de elementos contraditórios ou opostos, que competem um com o
outro, ocultando uma tensão a partir de conceitos convencionais produzidos pela tradição acadêmica,
como a própria “pedagogia clássica”. Tradição e desconstrução estão cortadas por um diferencial que,
DERRIDA, J. Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name”. In: The ear of
the other: otobiography, transference, translation, p. 4.
136
346- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
totalmente ignoradas; o que elas podem é serem superadas. Qualquer ensino que partilhe da tradição
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paradoxalmente, as une, gerando com isso a lógica do suplemento, da sobra, do contrário e da dupla
É esse tipo de reconhecimento que orienta a leitura de Derrida de Sobre o futuro de nossos
estabelecimentos de ensino (1872), de Nietzsche. Derrida nota a observação deste sobre o fato de, nos
estabelecimentos de ensino alemães, a disciplina Linguística ser ministrada de maneira muito estrita,
simbolizando o contrário da liberdade acadêmica – que deixa estudantes e professores libertos aos
próprios pensamentos ou programas.137 Para Nietzsche, é possível discernir um tipo de limitação
fundamental em relação à concepção convencional de liberdade acadêmica na Universidade. Como
também observa Derrida, tal limitação “oculta e se disfarça na forma de laissez-faire”.138 Pelo dito
“liberdade acadêmica” é o Estado que controla tudo.
Quanto ao professor, ele, por sua vez, fala aos estudantes que o escutam. O que ele pensa
ou faz está, aliás, separado por um imenso abismo da percepção dos estudantes. Amiúde o professor lê
enquanto fala. Em geral, ele quer ter o maior número possível de ouvintes; em caso de necessidade, ele
se contenta com alguns, mas quase nunca com um único ouvinte. Uma só boca que fala para muitos
ouvidos e metade de mãos que escrevem – eis o aparelho acadêmico externo, eis a máquina cultural
universitária posta em funcionamento. Para todos os demais, o possuidor dessa boca está separado e é
independente dos detentores daqueles muitos ouvidos; e essa dupla autonomia é chamada de “liberdade
acadêmica”. De resto – para que essa liberdade seja ainda aumentada –, o professor pode dizer
praticamente o que quiser e o aluno pode ouvir praticamente o que quiser. Só que bem perto e atrás dos
dois grupos, a uma distância conveniente, se põe o Estado, com o semblante atento do vigia, para
lembrar de vez em quando que ele é o objetivo, o fim e a quintessência desses estranhos procedimentos
que são falar e ouvir.139
Ao analisar o texto de Nietzsche, Derrida nota que “a autonomia da universidade, assim
como de seus estudantes e professores, é o estratagema do Estado”.140 Desse ponto de vista, “as
DERRIDA, J. Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name. In: The ear of the
other: otobiography, transference, translation, p. 33.
138 DERRIDA, J. Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name. In: The ear of the
other: otobiography, transference, translation, p. 33.
139 NIETZSCHE, Friedrich. Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino. Rio de Janeiro: Ed. PUCRio; São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 126.
140 A perspectiva que Derrida evoca em Otobiographies talvez esteja ligada à discussão sobre a educação
depois do Iluminismo, que o próprio Derrida associou com um dos principais “nomes próprios” da tradição
filosófica: Hegel. Encontramos algo a respeito disso no ensaio “The Age of Hegel”, no qual Derrida
empreende uma paciente e detalhada análise histórico-sociológica da complexa interação entre o discurso
liberal e o discurso culto, e mostra a sutil dinâmica e, às vezes, a paradoxal força da sociedade civil. Essa
137
347- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
única.
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conferências de Nietzsche podem ser lidas como uma crítica moderna da maquinaria cultural do Estado
aparelho do Estado”.
A relação entre a desconstrução da tradição filosófica e as instituições educacionais – e sua
problemática na época do Iluminismo – estabelece um cenário em que Nietzsche (e, de fato, também
Derrida) suspeita de qualquer apelo à “liberdade acadêmica”. Tal liberdade talvez seja entendida em
termos de um repensar rigoroso sobre as relações complexamente entrelaçadas entre liberdade
acadêmica, pedagogia ortodoxa e limitações político-institucionais. Nós não só podemos simplesmente
“pegar ou largar” os conceitos de “liberdade acadêmica” e “pedagogia ortodoxa”. É preciso repensá-los.
Mas há uma condição aporética para o ensino da desconstrução. É o que defendem Bill
Readings e J. Hillis Miller com a ideia de uma comunidade do dissenso. A prova disso é que a era do
Estado-Nação, de alguma maneira, foi uma espécie de “pré-história” da globalização e, portanto, ambas
estão entrelaçadas. Por isso não se pode simplesmente “pegar ou largar” a tradição.
A comunidade do dissenso proposta por Readings e Miller não é apoiada pelo tipo de
racionalidade comunicativa advogada pelos idealistas alemães ou, mais recentemente, pelo pensamento
de Habermas.141 Nem essa seria uma comunidade apoiada por liberdade de discórdia, com uma
indissociável noção de reivindicações tradicionais por liberdade acadêmica – uma noção que aliás
pressupõe no nível mais fundamental um acordo comum e compartilhado com protocolos acadêmicos e
convenções. O dissenso, no sentido de não simplesmente o abraçar ou o rejeitar, implica uma rede
complicada de relações e de obrigações, que abrem precedentes para se problematizar a questão da
mistura pode ser observada em Hegel, quando este manda uma carta para o corpo representativo do Estado
prussiano: o ministro de Assuntos Espirituais, Acadêmicos e Médicos. Derrida nota isso na “burocracia de
Estado no processo de organizar a nacionalização das estruturas da educação filosófica” (p. 4). Nessa
correspondência, pode-se detectar um discurso muito determinado concernente às instituições educacionais
“na época do serviço público europeu”. Para Derrida, as instituições educacionais são atravessadas pelas
características que organizam e distribuem as relações complexas de liberdade acadêmica e de limitação
institucionalizada, dentro de um raciocínio emergente, que toma forma a partir do chamado Iluminismo.
141 Entre os escritos que tentam provar que Derrida não é eticamente relevante, podemos destacar o texto de
Habermas em seu “Discurso filosófico sobre a modernidade”, no qual é enfatizada a apropriação feita pelos
críticos literários americanos sobre a obra de Derrida, que veem Derrida como um vínculo entre a filosofia e a
literatura. Habermas acusa Derrida de desrespeito pelas distinções. Mas para Derrida uma afirmação lógica se
dá fundamentada em um sujeito transcendental ou empírico. Habermas diz que a universidade, como
organização complexa, somente pode ser pensada se a situarmos nas condições da sociedade contemporânea,
que enfrenta a crise de racionalidade da sociedade moderna e nos desafia a construir uma nova razão. “Uma
razão aberta e discursiva seria, então, necessária para a criação de interesses mais universais. Por que as
ciências não podem imaginar criar essa comunidade comunicativa? A essa crença na ciência, Habermas
acrescenta o tema da democracia, ao criticar o positivismo e os pessimistas desesperados com a razão
(Adorno, Weber, Nietzsche)” (SILVA, Enio Waldir da. As funções sociais da universidade – o papel da
extensão e a questão das comunitárias. Ijuí: Ênio Waldir da Silva, Walter Frantz, 2002).
348- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
e do sistema educacional, que foi, mesmo na sociedade industrial do passado, uma parte fundamental do
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responsabilidade ou do “ético”. Um exemplo disso é que a própria comunidade de dissenso é, de
A Monstruosidade e o Performativo
Queremos concluir retornando à dimensão do performativo do ensino da desconstrução
discutido anteriormente. Em seu ensaio “Literary Study in Transnational University”, J. HiIlis Miller
toca novamente no conhecido encontro entre a desconstrução de Derrida e a teoria de ato de fala, de J.
L. Austin. Como nota Miller, para Austin, um ato de fala “depende, para sua eficácia, de um contexto
elaborado de protocolos, regras, instituições, papéis, leis e fórmulas estabelecidas
– que necessitam estar num lugar anterior à expressão vocal do performativo”.142 A
compreensão, portanto, depende de uma estrutura complexamente pré-constituída, estabelecendo as
condições de formulação, transmissão e recepção de qualquer comunicação. Contudo, esse
performativo de Austin também pressupõe a própria pré-existência de um agente capaz de reconhecer,
de compreender e de executar o “contexto” em que os atos podem significativamente acontecer. Para
Miller, a ideia de um agente operando em um delimitado “contexto” coerente (a que um ato de fala
talvez “pertença”) é característica dos conceitos que estão enfraquecidos na era da globalização.
Em contraste, Miller descreve um “tipo alternativo de performativo” que “cria as normas e
leis que o validam”. Cada performativo, “constitui um acontecimento que muda decisivamente o
contexto adjacente. Responde a um chamado ou à exigência de um ‘outro’ que nunca pode ser
institucionalizado ou pode ser racionalizado”.143
O chamado do “outro” traz o ato de fala em si e preexiste a qualquer agente de cognição ou
comunicação. Aqui Miller, mostra que mesmo o ato de fala é uma catacrese e comenta sobre Derrida:
“Como Derrida
expõe, ato de fala é uma catacrese, pois na tradição, a qualquer momento, emerge
um monstro, uma mutação monstruosa sem tradição ou normativo precedente”.144
Embora com todas as críticas de Readings e Miller, não podemos deixar de observar que,
no entendimento dos Estudos Culturais, sob a perspectiva pós- estruturalista, o caráter instável e
construcionista das identidades (os “sexos”, os “gêneros”, por exemplo.) também se aproxima de um
aspecto presente na análise dos monstros quando vistos como fenômeno metafórico cultural, que se (...)
MILLER, J. Hillis. Literary Study in Transnational Univeristy. In: Black holes, p. 179.
MILLER, J. Hillis. Literary Study in Transnational Univeristy. In: Black holes, p. 179.
144 Aqui Miller cita Derrida, “Deconstrution and the other”, in KEARNEY. States of Mind: Dialogues with
Comptemporary thinkers, 123
142
143
349- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
alguma maneira, ligada à racionalidade metafísica.
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recusa a fazer parte da “ordem classificatória das coisas” (...) – os monstros em geral (...) são híbridos
qualquer estruturação sistemática. E, assim, o monstro é perigoso, uma forma – suspensa entre formas –
que ameaça explodir toda e qualquer distinção.145
Essa possibilidade de transgredir a lógica do sistema conceitual é possibilitada pela própria
existência do monstro, que se caracteriza pela constante resistência e reprovação a qualquer tipo de
limite ou fronteira. O monstro resiste a qualquer tipo de finalização ou identidade estática. Trazendo tais
ideias para as discussões recentes acerca do ensino, é possível questionar a restrição imposta pela
tradição binária do pensamento metafísico ocidental, que considera, na constituição dos sujeitos, apenas
“isso” ou “aquilo”, ou seja, no caso em questão, ou se é professor ou aprendiz. No processo de
construção das identidades, é possível considerar também a conjunção aditiva “e”. O monstro é, dessa
forma, o mesmo que Jacques Derrida chamou de “suplemento”. A lógica do “isso ou aquilo” dá lugar
ao raciocínio que admite “isso e aquilo”.146 O aspecto eclético do monstro caminha ao encontro da
perspectiva pós-estruturalista que revoluciona os métodos tradicionais de organizar o conhecimento
(sobretudo o da lógica binária). Os Estudos Culturais não deixaram de fazer isso.
Em Otobiographies, Derrida fala de sua relação com a. tradição, ao mesmo tempo
respeitando-a e desrespeitando-a. E é talvez por isso que Miller enxerga um “tipo alternativo de
performativo” no “ensino da desconstrução”. Mesmo estando inserido na tradição, ele dá origem a
“mutações” (ensinando como tomar, tomar como ponto de partida). Isso acaba por interromper a
“tradição” ou um precedente normativo. Mas a palavra monstro é utilizada para descrever tais
“mutações”. Ensinar o monstro é desconstruí-lo? Como um ensino realmente dá luz aos monstros? O
que pode o “monstruoso” ou o “monstro” no meio do ensino da desconstrução?
Em What is called thinking? Heidegger embarca num pensamento da atualidade – um
pensamento que fica irredutível aos ditames da utilidade, do comércio e das técnicas, que, de várias
maneiras, apoiam toda atividade governada pelos requisitos do capital. Obviamente, esse pensamento
nos leva a refletir sobre o problema do ensino na própria Universidade. Heidegger escreve que: “a mão
alcança e estende, recebe – e não só arremessa: a própria mão estende, e a própria mão recebe boas-
COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da
(Org.).Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras, p. 23-60.
146 FURLANI, Jimena. Gênero, sexualidade e educação. In: Educação em Revista, n. 46, 2007.
145
350- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
que perturbam, híbridos cujos corpos externamente incoerentes resistem a tentativas para incluí-los em
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vindas da mão do outro. A mão mantém. A mão carrega. A mão projeta e assina, presumivelmente
Ao estabelecer algum tipo de relação entre “homem” e monstruosidade, essa passagem
fornece a base para certas reflexões que surgem no ensaio de Derrida, “Geschlecht II: Heidegger’s
hand”. Aqui, Derrida evoca e explora o peso da palavra Geschlecht (sexo, família), a partir da tradição
filosófica alemã depois do Iluminismo e, particularmente, em relação ao próprio trabalho de Heidegger.
Para Derrida, Geschlecht é mais ou menos um termo não traduzível que se relaciona com “sexo,
espécie, gênero, estoque, família, geração, genealogia, comunidade”.148
Essas significações são determinadas a partir de diversos contextos ao longo da tradição
metafísica. Em termos mais amplos, Derrida procura nesse ensaio abarcar uma série de reflexões sobre
nacionalidade filosófica e nacionalismo na Alemanha – sem deixar de mencionar a relação problemática
de Heidegger com o nazismo. Tema que é abordado de maneira mais detalhada em Glas. Derrida
negocia o termo Geschlecht, para mostrar suas várias significações na tradição filosófica alemã desde o
Iluminismo. A partir deste termo, nos é possibilitado perceber as explicações diferentes do nacional
(ambos no sentido racista ou de ideologias biologistas). Também nos é possibilitado questionar o
idioma na linguística e as concepções de humanidade e animalidade.
Derrida, a partir dos comentários de Heidegger sobre a Geschlecht, mostra um cenário para
o jogo em que se encontram questões como nacionalidade, o aprender humanístico, o Geschlecht
humano. A monstruosidade do “homem” na mão que sinaliza, que carrega, que se estende ao outro e
também ensina. Essas questões claramente se imporiam na questão sobre o futuro da Universidade e
das humanidades, juntamente com as deterioradas relações entre ensinar, aprender, cultura, comunidade
e Estado-Nação, presentes na era do “capital global”. Foi justamente isso que interessou a críticos como
Bill Readings e J. Hillis Miller.
A mão de Heidegger, a mão que levanta é, em What is called thinking?, declaradamente
monstruosa. Isso é, a mão que desenha, dá, sinaliza e ensina, é a mão que estimula o burocrático e o
regime tecnocrático da universidade moderna – como o lugar onde ciência e técnica servem aos
interesses do capital. Derrida pergunta:
DERRIDA, J. Geschlecht II: Heidegger’s hand. In: The Deconstruction and Philosophy: texts of Jacques
Derrida, p. 168. Nesse ensaio, Derrida cita a tradução de “What Is called thinking?”, de Heidegger, realizada
por Fred D. Wieck e J. Glenn Gray.
148 DERRIDA, J. Geschlecht II: Heidegger’s hand. In: The Deconstruction and Philosophy: texts of Jacques
Derrida, p. 162.
147
351- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
porque o homem é um monstruoso sinal”.147
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Por que “monstro”?... O que é um monstro? Sabe-se a gama polissêmica dessa palavra e os
consequentemente, a Geschlecht. Começarei privilegiando aqui outro curso [direção]. Vai na direção de
um sentido menos conhecido: do francês la monstre (um mudar de gênero, sexo, em Geschlecht) tem o
sentido poético-musical de um diagrama que mostra [montre] num trecho de música o número de
versos e o número de sílabas designadas ao poeta. O monstrer é montrer (mostrar ou demon- strar)…
Le monstre ou la monstre é que mostra para advertir ou pôr em guarda.149
Questões como normas, formas, o pertencer e o socializar se impuseram sobre o pensar da
comunidade acadêmica desde o Idealismo Alemão. Derrida encontra um sentido particular ou um tipo
de monstruosidade gravada no discurso de Geschlecht. Aqui, mostrar, demonstrar, chamar atenção,
advertir, instruir ou ensinar é monstruoso. Por que monstruoso? Heidegger em What is called thinking?
nos convida a ler Holderlin, via a tradução de Becker e Granel (os tradutores em francês da Was heisst
Denken?):
Nós somos uns “monstros” vazios de sentido
Nós estamos fora da tristeza
E quase perdemos
Nossa língua em terras estrangeiras
Para tocar em questões de nacionalidade e nacionalismo, Derrida se concentra no “nós,
monstros” dessa evocação.150 Por optar em citar a tradução francesa de “Ein Zeichen sind wir,
deutungslos”, a linha do poema é traduzida por “somos sinais sem sentido”. O sinal pode não só ser
sem sentido, mas também “monstruoso”. Este “nós”, para o qual Derrida chama nossa atenção, é
tomado para indicar homem, humanidade, nação, ou algum outro sentido de Geschlecht. O monstro
que sinaliza, “mostra” ou “adverte” singularmente golpeia:
(...) ao exibir, significar, designar, esses sinais são vazios de sentido. Diz- se vazio de sentido
(…) [nós] somos sinais – mostrando, informando, avisando, apontando como sinal em direção a, mas
em verdade em direção a nada, um sinal isolado... numa relação de lacuna ao sinal (…) exposição
[montre] que desvia da exposição ou mostra, um monstro que mostra [montre] nada. Essa lacuna do
DERRIDA, J. Geschlecht II: Heidegger’s hand. In: The Deconstruction and Philosophy: texts of Jacques
Derrida, p. 166.
150 DERRIDA, J. Geschlecht II: Heidegger’s hand. In: The Deconstruction and Philosophy: texts of Jacques
Derrida, p. 167.
149
352- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
usos que alguém pode fazer dela. Por exemplo, concernente a normas e formas, espécie e gênero e,
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sinal a si e à sua ‘função normal’ já não é uma monstruosidade da monstruosidade, uma monstruosidade
Derrida tenta de várias maneiras localizar essa mútua relação entre monstruosidade e sinal –
do modo como é pensado por Heidegger. A monstruosidade do sinal parece ressoar o tipo alternativo
de performativo esboçado por Miller. Esse tipo alternativo de performativo, em vez de somente apontar
a direção e permanecer agarrado a um contexto elaborado de protocolos, regras, instituições, papéis, leis
e fórmulas estabelecidas, mostra também a necessidade de estar num lugar antes da expressão vocal
performativa ser feita. Esse tipo alternativo de performativo cria as normas e as leis que o validam. E
mostra as complicações dos binarismos metafísicos, como, por exemplo, a lógica da presença e da
referência. Paradoxalmente, no entanto, essa mostra iria, ao mesmo tempo, “trabalhar por tradição”
(para repetir a frase de Derrida), desde que o próprio Derrida percebe que a ideia de monstruosidade
está próxima do termo Geschlecht (de pertencer e socializar; da cultura nacional; de espécie e gênero; de
homem, humanidade, animalidade; de normas e formas). Mesmo caracterizando uma tradição filosófica,
isso pode fornecer as condições de possibilidade para pensar a desconstrução da Universidade. Derrida
fala em “mostrar”, seguindo o ensaio de Heidegger.
O “tipo alternativo de performativo” pode ser pensado, se seguirmos a leitura de Miller
para discernir o que ainda permanece na Universidade. Mas é importante lembrar que a
performatividade, que nós associamos com a mão heideggeriana, mostra e ensina como a desconstrução
da tradição “emerge num dado momento como um monstro, uma mutação monstruosa sem tradição ou
norma precedente”. A desconstrução da tradição questiona a proliferação da burocratização e a
racionalização das forças científicas e tecnocráticas da Universidade – mostra também que o fato de
“pertencer” está amarrado à noção de cultura nacional. Também questiona o ensino tradicional a partir
da ideia que considera o ensino como aporia.
Tais monstros, como descrevemos, são os monstros do homem ou da mão do homem. Isso
acontece na medida em que ambos personificam contrariamente e deformam completamente as várias
concepções de Geschlecht – que, aliás, sustentam as tradições essenciais da Universidade e do EstadoNação desde o Iluminismo. Esses monstros, feitos pelo homem, monstros do homem, talvez sejam
afirmados como mutações férteis que, produtivamente, deturpam a noção antiga de humano.
Referências Bibliográficas
DERRIDA, J. Papel-Máquina, Rio de Janeiro: Estação Liberdade, 2004.
DERRIDA, J. “The Age of Hegel”, Autobiographies e “Geschlecht II: Heidegger’s Hand”.
353- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
do mostrar?
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DERRIDA, J. Otobiographies: the teaching of Nietzche and the politics of proper name. In: The ear of the other:
otobiography, transference, translation,
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo:
Edições Loyola, 2003, p. 126.
MILLER, J. Hillis. Literary Study in Transnational Univeristy. In: Black holes.
354- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
DERRIDA, J. Geschlecht II: Heidegger’s hand. In: The Deconstruction and Philosophy: texts of Jacques Derrida.
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GT 7 – Educação e Pós modernidade
Lorena Rosa Quiles de Oliveira - (PUC-GO)
Gerusia Marcelino de Moura - (PUC-GO)
Prof. Drª: Eliane Marquez da Fonseca. Fernandes - (UFG)
Justificativa
O trabalho buscou mostrar como de fato a mediação em processos de leitura e escrita faz
com que o aluno desenvolva sua capacidade de interpretação em práticas de letramento Será que essa
dificuldade dos alunos em interpretação de texto está relacionada à forma de ensino tradicional? Existe
uma maneira mais adequada ou mais eficiente de ensinar Português? O desenvolvimento do aluno está
vinculado à interlocução, na qual ele aprende a interagir. A interação se faz por meio da mediação que é
um trabalho mais específico.
O título da pesquisa a qual tive motivação para participar é, Leitura e Escrita: ações
de mediação pedagógica, financiada pela Fapeg-Goiás E BOLSA DE PESQUISA ProLicen. O que mais me
motivou foi pelo fato de a pesquisa estudar o processo pelo qual é mais adequado ensinar, ou seja, nesse
caso foi a mediação, onde pude observar de perto o desenvolvimento do aluno. Dessa forma, houve
mediação entre o orientador e o pesquisador do pesquisador com o colaborador.
Nosso embasamento teórico foi Bakhtin (1995) com o processo de interação e o
dialogismo. O diálogo proposto na obra de bakhtiniana acontece entre dois interlocutores, entre textos
numa intertextualidade e até mesmo, entre discursos, mas não é o que efetivamente vem ocorrendo na
maioria das aulas de português. Em nossos encontros pudemos observar que muitas vezes a leitura
escolar é desenvolvida de uma forma muito tradicional e não há a mediação com os alunos para que
conduza os estudantes a refletirem sobre o tema exposto e a explorar ao máximo seus conhecimentos.
O conceito de dialogismo bakhtiniano interliga os sujeitos socialmente e os tornam agentes
da história individual e coletiva. Então, na abordagem da leitura e da escrita do texto escrito, não se
pode perder de vista que esse enunciado que é um elo na cadeia complexa de um diálogo inacabável.
Todo texto é uma resposta a um dito anterior, é a voz de um sujeito “respondente” ativo. O autor cria
seu dizer num momento singular de enunciação na expectativa de uma resposta compreensível porque é
dotada de aspectos genericamente interligados.
O desenvolvimento das habilidades de letramentos, ou seja, práticas de ler, escrever e
interpretação/ associação são umas das atividades mais importantes na escola, mas falta muitas vezes a
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CRIARCONTEXTO: EDUCAÇÃO E MEDIAÇÃO NO PROCESSO DE APRENDIZADO
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mediação do professor com o aluno. Ao participar desse projeto ao longo de execução, percebemos o
observamos a sua evolução.
A cada encontro houve toda uma preparação para melhor compreensão do aluno e
desenvolvimento dos pesquisadores. Esta pesquisa se enquadrou na área de Estudos Linguísticos de
Letramento e tem como foco, mostrar a dificuldade de alunos em interpretar e ler de maneira adequada
apenas com a forma tradicional de ensino de Língua Portuguesa.
Com os dados da pesquisa e suas respectivas análises, além da utilização de embasamento
teórico de Bakhtin, relacionamos e confrontamos a teoria Bakhtiniana e os dados coletados para
observar como a mediação é importante nos estudos linguísticos e de interpretação de textos.
Há vários estudos sobre mediação, muitos artigos, pesquisas e a cada estudo percebe-se
uma nova perspectiva, novos resultados e nosso trabalho não foi diferente, sabemos que há vários
estudos, porém os dados da pesquisa e a forma de desenvolvimento da pesquisa são diferentes. Sendo
assim, como diz Bakhtin; um enunciado é sempre um novo enunciado. Levando em consideração o
que foi apresentado acima, percebemos que há sempre espaço para novas pesquisas, principalmente a
respeito da mediação e dos estudos de Bakhtin, logo, terá mais formas de melhorar o ensino e a forma
de aprendizagem dos alunos.
A teoria do Círculo de Bakhtin nos mostra concepções de dialogismo e de relação de
vozes e discursos em confronto à interação e mediação e como se desenvolvem de maneira conjunta, já
que fizemos a relação dos estudos de Bakhtin para analisar a pesquisa.
Objetivos
O objetivo deste trabalho foi compreender que estratégias de leitura e compreensão são
agenciadas pelo aluno e como a mediação permite uma agilidade no desenvolvimento do aluno e
analisar os resultados obtidos no desenvolvimento do aluno em práticas de leitura e letramento.
Como nosso objetivo foi documentar e analisar rotinas interacionais entre pesquisador e um
aluno do ensino fundamental que foi apresentar diferentes graus e capacidade leitora e escrita, fizemos
uma coleta de ações de interação de agosto de 20013 a maio de 2014.
Metodologia
356- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
quanto foi importante à mediação em processo de leitura com o aluno, pois no decorrer do projeto
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Nosso trabalho liga-se à pesquisa de cunho qualitativo e trata-se de uma observação
livro didático com um aluno-colaborador do Ensino Fundamental. Os encontros promoveram ações de
leitura e interpretação que foram registradas em áudio e depois transcritas. A análise se deu a partir de
aspectos delineados anteriormente no projeto denominados descritores, retirados da Prova Brasil.
Fizemos uma coleta de ações de interação de agosto de 20013 a maio de 2014. A cada
encontro houve toda uma preparação para melhor compreensão do aluno e desenvolvimento dos
pesquisadores. Esta pesquisa se enquadrou na área de Estudos Linguísticos de Letramento e tem como
foco, mostrar a dificuldade de alunos em interpretar e ler de maneira adequada apenas com a forma
tradicional de ensino de Língua Portuguesa.
Resultados
1° Protocolo do colaborador 1(um).
Nas opções de textos a (AC1) escolheu um dos textos, fez a leitura de maneira simples e
com muita vergonha, interpretou muito superficial, estava com vergonha por causa do gravador, mas
relacionou com fatos de seu dia, falou sobre a sociedade atua, mas com apoio e perguntas do P,
associou com fatos de sua vida e mostrou esforço. A ideia de fazer com que o colaborador escolhesse
um dos textos era para saber com qual o (AC1) mais se identificava e a parti dessa estratégia os
protocolos seguintes não foi o colaborador que escolheu e se o P mediador.
Quando o (AC1) estava com as opções de textos achou muito legal e ficou um bom
tempo para escolher. Nas escolhas o (AC1) não chegou a ler todos os textos para escolher, leu o título
de cada texto e observou as imagens. Depois de observar pensou e decidiu escolher o que tinha como
temática a ‘’ natação’’ no início não entendi a razão, então perguntei e o (AC1) e ela informou que era
porque já fez natação e gostou muito. Com tudo, foi muito bom o primeiro protocolo, pois a (CA1)
associou bem a leitura do texto com seu passado, mas teve uma certa dificuldade para falar de um tema
polêmico que apareceu na leitura do texto. O tema aparentemente simples era ‘’ Bule’’, ou seja, uma das
personagens da história era ‘’ gordinha e não nadava bem como as colegas’’ com isso discutimos como
todas as pessoas são diferentes quanto ao físico, psicológico, social entre outras modalidades. Dessa
forma, percebe-se no decorrer da mediação a (AC1) ficou sem graça e às vezes ria com vergonha de
357- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
participante. No processamento foram realizados dez encontros de mediação de leitura de textos do
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dizer o que pensava no começo era por causa do gravador, mas depois em momentos especifico era por
No decorrer do protocolo a colaboradora esqueceu do gravador uma vez que no início
ficava olhando e as vezes não falava nada apenas mexia com a boca, mas informei a ela que a gravação
era apenas para fins acadêmicos, mas disso ela já sabia dês do início quando acertou participar.
No final do encontro a (AC1) perguntou quando seria o próximo encontro e se a P1 iria
trazer novamente vários textos para ela escolher, mas lhe informei que o próximo já iria ser escolhido
para ela ler, interpretar, analisar, comparar e responder as perguntas referentes ao texto.
Observações relevantes do encontro com o colaborador.
Leitura: Faz a leitura de apenas um texto. A mediação começa com a leitura.
Interpretação: O colaborador interpreta conforme acha certo.
Objetivo: Levar o colaborador a reflexão.
responde.
Perguntas: O colaborador fica com vergonha de responder as perguntas. E às vezes não
Primeiro a colaboradora escreveu a parte que achou mais legal.
‘’ Não sou
boa nadadora.
Não
consigo mergulhar de pijama e brincar com
Escreveu
a história
com suas
palavras:
um tijolo lá no fundo. A Betty consegue. Mas também não sei porque a
gente precisa apreender a salvar um tijolo do fundo da piscina, estando
de pijama. Duvido que algum dia a gente esteja de pijama e precise salvar
algumaque
coisa.
Depois
a colaboradora leu o texto pedi que ela explicasse o que tinha entendido a
respeito do texto, a (AC1) riu e estava com vergonha de dizer então solicitei que escrevesse
o que entendeu e depois lesse e foi assim que (AC1) fez, primeiro escreveu o que entendeu
e depois leu com um pouco de vergonha e timidez as vezes teve um pouco de dificuldade
para ler, mas se esforçou e leu. Abaixo podemos ler o que (AC1) escreveu sobre o que
entendeu do texto.
‘’ O texto fala de Clarice Bean uma menina que faz natação na quinta-feira
ela não gosta por que a água é meio fria. Só vai porque tem batata frita
depois. Diz ela que não é boa nadadora porque não consegue buscar um
tijolo de pijama lá no fundo da piscina e sua colega Betty consegue, e tem
um super óculos. Os seus colegas Roberto tem um apelido de Carlinhos e
Tobias.
Teve um dia que Betty não foi ela era a esperança da turma e a única
coisa legal que aconteceu naquele dia foi que Carlinhos correu atrás de
Tobias em volta da piscina para abaixar seu calção de brincadeira e o
358- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
causa do assunto.
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1.P1: O que achou do texto?
2.C1: È... Gostei.
3.P1: O que mais lhe chamou atenção?
2° Protocolo. 4.C1: Muitas coisas...
5.P1:
Hum...
Especifique
Em
1.P1
podemos
notar uma.
que começa a estimular o (AC1) a falar a respeito do texto, mas ela
simplesmente6.C1:
diz que
gostou,
entãoreconhecer
tive que fazer
as mesmas
perguntas de maneira diferente e mais
O fato
da menina
que não
é boa nadadora...
especifica. Então depois de especificar a pergunta a (AC1) consegue notar a temática principal do texto.
Protocolo com foco no poema.
Nos protocolos seguintes a (AC1) não ligava e ficava incomodada com o gravador. E bom
ressaltar que a (AC1) teve um ótimo desempenho, foi solicitado que lesse um poema, ela leu e gostou
muito do poema pois na leitura ela percebeu o quanto que a leitura não verbal fala muito quanto por
exemplo um poema que há várias interpretação. No poema ‘’ Mistério de amor’’ que P1 escolheu para o
(AC1) foi bem interativo e com isso foi feito uma ótima mediação com o colaborador. No decorrer do
protocolo comparado com o anterior o (AC1) teve maior desenvoltura e interação uma vez que achou
muito interessante e misterioso, pois foi sorrindo e observando a imagem depois que leu que a (AC1)
conseguiu notar a ideia central do poema e da imagem que a completava.
No protocolo do ‘’ poema’’ relacionado com o protocolo que a (AC1) escolheu um dos
textos percebe-se que não houve tanta timidez e receio de responder as perguntas e dizer a relação das
imagens com o poema. Neste encontro a (AC1) ficou um bom tempo olhando para a imagem e
percebeu o quanto a imagem diz muitas coisas e depende com que lente se olha a situação e por isso há
várias interpretações e todas tem sua validez a partir do momento que são fundamentadas.
As vezes em determinadas perguntas a (AC1) ria e ficava calada, mas em seguida tentava
responder as perguntas, por isso a paciência foi de fato fundamental. Muitas vezes os leitores precisa de
um tempo para entender o que leu ou viu. Dessa forma, toda vez que a (AC1) dava qualquer pausa para
responder eu o aguardava.
Abaixo vamos observar algumas falas deste protocolo:
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P1: Observe a imagem, o que você conclui?
(AC1) desenvolveu mais e interagiu com o poema e com a imagem e por isso foi feito
C1: Que os tons de vermelho aparecem na flor e na calda do beija flor.
perguntas de maneira chara e objetiva para trabalhar o entendimento do colaborador e assim o (AC1)
P1:vez
O vermelho
da segunda
imagem
também parece refletir no beija-flor.
envolvesse cada
mais comdao flor
poema
e os textos
apresentados.
O que você acha?
Protocolo de mediação
com
um
texto
com
os outros
anteriores.
C1: È... o sol
que
bate
na eflor
e reflete
no beija-flor.
P1: Com
relação
Texto: O arco-íris
de Frei
Betto.ao movimento tanto da imagem quanto do texto, o que você
percebe?
Observações
relevantes
do encontro
com o colaborador.
C1: É... o beija-flor
que está
indo a flor...
Leitura:
Fazparece
a leitura
de apenas um texto, mas acha o texto muito grande.
P1:Quem
aguardar?
Interpretação:
colaborador
interpreta conforme entende o texto.
C1: A flor que O
aguarda
o ... beija-flor.
Objetivo: Levar o colaborador a reflexão e interpretação do texto.
P1: Na segunda figura o que ocorre?
Perguntas: O colaborador responder todas as perguntas.
C1: Eles se encontram.
Neste protocolo a (AC1) interpreta o texto de maneira ampla e com isso foi trabalhado
com mais rigor
interpretação
de texto de (AC1). Umas das coisas que ocorreu de maior
P1: aSereflexão
juntar ase cores
e movimento.
relevância foram que (AC1) respondeu todas as perguntas sem grandes pausas e sem rir, como no
C1: È... As
Segundo
as imagens
para
o amor
existir
necessário
que ambos
saibam o diálogo
primeiro protocolo.
perguntas
foram de
maneira
clara
paraé facilitar
o raciocínio
e melhorar
aguardar e ir ao encontro.
e a mediação. Umas das perguntas que em todos os protocolos foram feitas, mas nesse houve um
grande avanço foi ‘’ o que você entendeu do texto?’’ a (AC1) respondeu fundamentada no texto e não
fez como nos outros protocolos que sempre falava ‘’ legal’’, ou ria e ficava sem graça, neste percebe que
apesar de uma pequena pausa a colaboradora respondeu e acertou na resposta. O texto foi retirado do
livro didático da (AC1), e é o mesmo da referência do final, o livro é do sétimo ano do ensino
fundamental.
360- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
P1: Quanto às cores, as que predominam nas imagens são o vermelho e o verde.
Como teve o texto de uma linguagem simples e com a imagem, percebe-se que a
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P1: O que você entendeu do texto?
C1: È... o personagem do texto falava que não sabia desenhar, e... ele um arcoíris pelo chão da copa, prosseguiu sobre o piso de cerâmica e subiu parede
afora. Quando sua mãe chegou se assustou correu e molhou um pano... e pois
ao limpar a parede e o chão adentro seu pai chegou vindo do trabalho...
Espantou ao ver seu filho... sobe olhar severo da mulher... limpando a parede
pintada com pano de chão.
Meteu-se na discussão e viu o chão e as paredes pintadas de ‘’ arco-íris’’ e
disse que estava uma beleza... para seu filho. E outra coisa legal que o pai
falou para o filho foi que o desenho tinha que ficar lá para que outros vicem e
apreciem. Sua mãe irritada bateu boca com seu pai sobre o modo de educar o
filho.
P1: Muito bem... Você entendeu a história. O que mais lhe chamou atenção?
C1: Muitas coisas.
P1: Quais são?
C1: bom... O fato do menino interagir com o desenho. Da mãe não gostar por
causa da bagunça e o fato do pai gostar porque... penso que ele achou bonito.
P1: Você já desenhou na parede de sua casa?
AC1:
(AC1)
a ideia
centraldoda
história quando
e consegue
não...percebe
assim igual
o menino
arco-íris...
eu eraformular
pequenaalgumas
meu pai hipóteses que
comprou uma quadro e uma caixinha de giz para mim brincar.
poderia ocorrer
no texto. No começo a (AC1) acha o texto grande, mas depois percebe que o texto é
Você
achatemática
se o pai edoé garotinho
que desenhou
na isso
parede
tivesse
comum e temP1:
uma
ótima
bastante interessante,
por
(AC1)
nãodado
disseum
mais que o texto
era grande.
quadro... ele não tinha desenhado na parede?
C1: Às vezes sim... e as vezes não.
4° Protocolo.
P1: Como assim?
Poema: Traduzir-se. De Ferreira Gullar.
C1: O fato do pai dar pra ele uma quadro... não quer dizer que ele não iria
desenhar na parede.
A colaboradora estava muito animada, leu e comentou que gostou do poema. Olhou o
significado de algumas palavras no dicionário. Algo muito bom de relembrar é que a colaboradora
associou o poema com a imagem que também passa uma leitura para cada leitor. Abaixo podemos ler e
observar o poema com sua belíssima imagem.
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Observe as falas:
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Percebe-se que a colaboradora reconhece que o texto é pequeno, mas deu para entender de
Observações relevantes do encontro com o colaborador.
Leitura: Faz a leitura de apenas um texto, mas acha o poema muito legal e gosta da imagem
que mostra um pouco do conteúdo do poema.
Interpretação: O colaborador interpreta conforme ler e observa a imagem.
Objetivo: Levar o colaborador a reflexão e interpretação do poema e da imagem.
Perguntas: O colaborador responder todas as perguntas.
Algumas falas do colaborador e pesquisador.
P1: O que achou do poema?
C1: Bom...
P1: E da imagem?
C1: A imagem tem muito a ver com o poema...
P1: O que te chama atenção?
C1: O lado emocional e o racional...
Neste protocolo foi necessário especificar a pergunta. Uma vez que quando foi
O que
é o racional?
perguntado o’’P1:
o que
achou
do poema a (AC1) disse ‘’ bom’’, mas depois quando especificado a questão
ela interagiu melhor
o quanto
imagem
estava relacionada com o poema.
C1: È...eoconseguiu
que pesa enotar
pondera,
comoadiz
o poema.
Encontrou
o tema
central
do poema e conseguiu explicar de forma objetiva o tema
P1:
Muito bem...
E o que
é emocional?
central. Com isso percebe o nível de letramento do (AC1) com relação às informações implícitas do
C1: È... Não pondera e fazer as coisas sem pensar...
poema e explicou o significados segundo o que pensava que era mais coerente.
Em relação ao primeiro protocolo a colaboradora não estava com vergonha e não ficava
olhando para o gravador. Não tinha grandes pausas para responder e nem ficava sem graça. Disse que
gostou do texto e da forma que foi explorado.
Discussão
362- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
que se trata. A (AC1) interagiu com o texto ficou animada e perguntou quando teria outro encontro.
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No decorrer do projeto pudemos observar como o aluno-colaborador se desenvolveu e
apenas o aluno-colaborador que desenvolveu e aprendeu com o projeto, o pesquisador também
aprendeu bastante, como por exemplos a ter mais didática, ensinar de forma clara de modo que o aluno
possa ter maior interação com o conteúdo proposto.
Com os resultados parciais foi realizada uma apresentação no colóquio de Letras (2014)
onde a pesquisadora teve a oportunidade de mostrar a pesquisa e como de fato foi desenvolvida. Dessa
forma, em tal apresentação a pesquisadora também aprendeu a importância de apresentar a pesquisa
para que outros possam ver e tirar dúvidas e logo notar o quanto é importante pesquisar, pois nas
pesquisas o pesquisador aprende e tem a oportunidade de mostrar os resultados e explica-los.
O aluno colaborador gostou muito de participar da pesquisa. No decorrer da pesquisa
sempre ao final de cada protocolo sempre perguntava quando seria o próximo. No último protocolo o
colaborador disse como de fato foi importante participar, pois aprendeu bastante e disse que depois de
tudo que aprendeu tem uma visão diferente de tudo que é exposto e sempre relaciona com outras coisas
no mundo e não só o fato isolado.
No projeto de fato não só o colaborador que teve tamanho desenvolvimento, mas também
a pesquisadora que aprendeu muito com a mediação realizada pela orientadora. A pesquisa trouxe
contribuições não só para o aluno participante da pesquisa, como também para o pesquisador. O aluno
desenvolveu sua prática de leitura e interpretação de forma perceptiva e o pesquisador desenvolveu
didaticamente em forma adequadas de ensinar e logo o aluno compreender. Dessa forma, as
contribuições tiveram o intuito de melhoria no repertorio do desenvolvimento intelectual dos alunos e
pesquisadores.
Conclusão / comentários finais
A finalidade do presente trabalho/pesquisa foi compreender e investigar, como a mediação
em processos de leitura faz com que, o aluno desenvolva no decorrer do processo, práticas de leitura e
letramento. O projeto CRIARCONTEXTO: a mediação em processos de leitura tem um contexto
tanto em ambiente formal e informal, as reunião ocorreram na faculdade de letras (UFG), os encontros
com os colaboradores ocorreram todos em locais residenciais e durante o ano de 2014. Para registrar
cada protocolo utilizou-se um gravador de voz e logo após foi realizado a transcrição para análise. O
objetivo da pesquisa foi proporcionar uma mediação entre pesquisador e pesquisando proporcionando
363- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
aprendeu práticas novas de letramento e logo ampliou seu repertorio linguístico, mas de fato não foi
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um ambiente onde ambos por meio do diálogo aprenderam a ler os textos e compreender os diversos
efetivamente vem ocorrendo na maioria das aulas de português, muitas vezes o conteúdo é dado de uma
forma tradicional, e logo não há a mediação com os alunos para que assim leve-os a refletir sobre o
tema exposto e explorar ao máximo seus conhecimentos, porém isto na sociedade pós-moderna vem se
renovando conforme as mudanças culturais. A execução do projeto foi realizada por volta de 10
encontros dois por mês. No decorrer desse período observou-se que o colaborador se desenvolveu de
forma a explorar mais e o despertar para o conhecimento foi observado com o envolvimento com as
atividades propostas. Contudo, percebe-se o quanto é importante a medição em processo de leitura com
o aluno, pois no decorrer do projeto observamos a evolução do aluno e o quanto amplia a capacidade
crítica de perceber quanto um texto pode ser explorado.
No projeto observamos que o aluno colaborador do projeto desenvolveu e se identificou
com o projeto. As análises dos protocolos podem notar quanto foi significante o desenvolvimento tanto
do colaborador quanto do pesquisador. No decorrer dos encontros P1 percebeu que C1 estava cada vez
mais segura e animada, lia e comentava com desenvoltura ganhando confiança. Ganhou agilidade ao
procurar o significado de algumas palavras no dicionário e desenvolveu uma boa habilidade em associar
os textos com a leitura das imagens. Podemos dizer que as ações de mediação na leitura levaram C1 a
interagir com melhor com textos e que continuar com os encontros, mesmo depois de terminada a
pesquisa.
Assim como Bakhtin afirma que o gênero do discurso está associado ao social, em que se
materializa e se concretiza no processo inter-racionais da comunicação, observamos esse caráter nos
encontros (protocolos) com cada colaborador, de maneira que aquilo que de certa forma avaliamos e
analisamos mas respostas de cada colaborador estava também inserido nesses gêneros do discurso de
Bakhtin.
Da mesma maneira o colaborador também manteve contato com os gêneros textuais
diversos em que era analisada a competência de leitura, na qual tem extrema relevância, já que ler
também é um processo inter-racional por permitir que o leitor construa e atribua sentidos dentro do
texto, além de exigir conhecimentos específicos, de mundo e também exige uma opinião crítica.
O processo de mediação que foi desenvolvido nos encontros trouxe benefícios para os
colaboradores, fazendo com que eles se tornem cada vez mais aptos a interpretar bem os textos que
tiverem de ter contato, além de dar uma diversidade maior de gêneros textuais para o convívio com os
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sentidos e pontos de vistas diferentes. O diálogo proposto na obra de bakhtiniana não é o que
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colaboradores, assim como influenciar na prática da oralidade que obtivemos com os encontros, tanto
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ANDRADE, M. M.; HENRIQUES. A Língua portuguesa: noções básicas para cursos superiores. 9 PROGRAMA BOLSAS
DE PESQUISA NA LICENCIATURA
BAKHTIN, M. /VOLOCHINOV. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do Método Sociológico na
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BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística e Educação. São Paulo: Parábola
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BORGATTO MARIA TRINCONI, BERTIN TEREZINHA COSTA HASHIMOTO, MARCHEZI VERA LÚCIA DE
CARVALHO, tudo é linguagem:língua portuguesa.7°ano.2ed.São Paulo:Moderna,2012.
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MANACORDA; M.ALIGHIERO. História da educação: da antiguidade aos nossos dias.
MARCUSCHI. Produção Textual, Análise De Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
365- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
na leitura dos textos de cada protocolo como nas interpretações e análises dos textos.
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GT 8 – Filosofia, Psicanálise e Formação
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CRISE DAS CIÊNCIAS E LIMITES DA RAZÃO: HUSSERL E ESPINOSA CONTRA O
RACIONALISMO TÉCNICO
Maske Mizael de Paiva – FAFIL-UFG
Prof. Dr. Cristiano Novaes de Rezende – FAFIL-UFG
Introdução: a superação da técnica como preocupação antiga
À primeira vista, tal combinação de autores poderia trazer estranhamento, seja pela distância
temporal –– Espinosa, um filósofo moderno do século XVII, enquanto Husserl é um contemporâneo
do século XX ––, seja pela influência significativa que a filosofia Husserl Iana teve de outro moderno, a
saber, Descartes, seja pelo o fato de que o próprio Husserl também elaborou severas críticas à
mentalidade europeia desenvolvida do séculos XVII ao XIX (HUSSERL, 2012a). Porém, por meio de
um exame mais cuidadoso, será possível encontrar semelhanças entre esses autores aparentemente tão
distintos e é esse um dos nossos objetivos gerais, o qual, consequentemente, desencadeia um segundo: a
necessidade de voltar à Modernidade com um novo olhar, vendo-a não mais como apartada do
pensamento contemporâneo, mas precisamente como propícia a formar novas propostas de resolução
aos problemas da contemporaneidade. O presente trabalho também tem como objetivo geral um
terceiro ponto: o de contribuir para a discussão acerca do conceito de cientificidade, mostrando como o
estudo de tais autores pode proporcionar uma noção de ciência mais ampla e autocrítica, trazendo às
Ciências Humanas esse mesmo estatuto. Será a Psicanálise aqui o exemplar que pegaremos para
desenvolver esse objetivo, para que verifiquemos de que maneira a concepção de inconsciência tanto
pode, como deve, ser admitida pelas ciências, na medida em que o funcionamento da Razão é, apesar de
certo, limitado, constituindo-se também de um dinamismo inconsciente.
Na história da Filosofia, não somente Espinosa e Husserl notaram e discutiram sobre a
ocorrência do uso técnico do conhecimento e suas consequências, mas vários outros autores também se
preocuparam com isso, sendo aceitável dizer até que muito antes, nos séculos V a. C., tal preocupação já
estava presente (JAEGER, 1995). É realmente possível a educação num sentido distinto do técnico? ––
essa é a pergunta que abre o Livro Quatro da obra Paideia, do Werner Jaeger, e que, segundo ele, é a
condutora do processo de formação filosófica até culminar em Sócrates, Platão e Aristóteles,
decorrendo de uma disputa no interior da própria Filosofia na busca pela determinação dos princípios
norteadores de um ideal de Homem que fossem imperantes na vida e na educação grega (JAEGER,
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GT 8 – Filosofia, Psicanálise e Formação
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1995). Um outro elemento que também influenciaria nessa busca, como também seria influenciada por
Nascida na ilha de Cós e distinta da tradição filosófica ateniense, inicialmente a Medicina
surgiu de forma muito restrita, tendo sua literatura destinada apenas aos seus iniciados, porém, vendo
que isso seria um problema, tanto porque a Medicina ainda não era reconhecida pelo Estado, como
também para se fazerem melhor compreendidos pelos leigos e ensiná-los, portanto, a cuidarem de si, os
médicos hipocráticos esforçaram-se a transmitir seus conhecimentos ao público por meio de
conferências (JAEGER, 1995). É a partir do final do século V a. C. que a Medicina, em razão do
contato com a Filosofia que permitiu a fundamentação de suas práticas, deixa de se fazer presente
apenas pelo seu caráter puramente prático, e se torna parte constituinte da cultura grega (JAEGER,
1995). A Medicina, então, se torna não só uma prática profissional, mas que também engloba uma
prática docente (JAEGER, 1995).
A imersão dos leigos nos conhecimentos médicos incidiu diretamente sobre a significação
social dos tratamentos das enfermidades, surgindo daí dois “tipos” de médicos: o médico dos escravos,
que lidavam com os seus pacientes de forma senhoril, cujas recomendações deveriam ser seguidas à
risca sem nenhuma participação ativa ou necessidade de compreensão por parte do paciente,
fundamentando suas práticas apenas no que é rotineiro e experienciado; e o médico de homens livres,
que seria de formação científica, típico da escola de Cós, em lida não apenas com este ou aquele corpo,
mas conectando-o também com a natureza universal de todos os corpos, olhando mais adiante do
paciente e enxergando o cosmos que o rodeia, isto é, lidando com uma noção de totalidade (JAEGER,
1995). O médico de homens livres pratica uma Medicina que não está dissociada da vida comum do
povo grego, a qual se esforça para ser compreendida e, é esse tipo de Medicina ––
prática e docente –– que posteriormente Platão evocará como “o ideal da terapêutica científica”
(JAEGER, 1995).
Essa rápida passagem pelo início da história da Medicina nos mostra como a questão da
técnica já era visada na Grécia dos séculos V e IV a. C. Se naquele período o debate sobre práticas que
não se reduzissem apenas a um fazer cego, a uma ação sem teoria e sem ligação com a vida comum,
chegou a movimentar vários campos do saber para a sua resolução, nos nossos tempos esse sintoma é
ainda mais urgente de ser tratado. Além de ser um processo crescente em nossos dias, o avanço
tecnológico se aplica não somente sobre as suas próprias produções, mas também sobre a forma de
pensar a vida, buscando reduzir à racionalidade típica dos médicos dos escravos tudo aquilo que não já
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ela, é a recém-nascida Medicina (JAEGER, 1995).
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não estivesse conformado à sua lógica específica, que aqui chamaremos de racionalidade técnica,
até nós.
Ciências e crise
As ciências têm um papel de destaque para ambos os filósofos e os termos e metáforas
médicas surgem nas suas obras e textos como maneiras de retratar as situações em que elas são
necessárias, como no caso de Espinosa, ou em que elas estão imergidas, em Husserl. Logo, não é sem
razão que o matemático alemão E. W. Tschirnhaus (1651 –– 1708), ao falar sobre a obra de Espinosa,
coloca o espinosismo como uma medicina da mente e do corpo (CHAUÍ, 1999). Já no tratado A crise
da humanidade e a Filosofia, Husserl também utiliza algumas metáforas médicas para retratar a situação
espiritual da humanidade contemporânea, tematizada pelas Ciências do Espírito (HUSSERL, 2012a).
As ciências aparecem, no Tratado da Emenda do Intelecto de Espinosa, como elementos
importantes de contribuição para o alcance da eterna e contínua alegria, fim esse da obra e da filosofia
espinosana (REZENDE, 2013; ESPINOSA, 2015). O seu lugar no texto não é arbitrário: surge depois
do percurso do Proêmio em busca da compreensão adequada do verdadeiro bem e sua relação com os
bens ordinários (honra, prazer e riqueza) (ESPINOSA, 2015). A experiência tendo ensinado que na
Natureza não existe nada bem ou mal, nem perfeito e imperfeito, em si mesmo, mas apenas considerado
como agitação do próprio ânimo, os indivíduos conseguem conceber uma natureza humana mais firme,
uma forma de ser mais perfeita do que a agitada somente pelos três bens ordinários e é em vista dessa
natureza que o verdadeiro bem é definido como tudo o que for meio para se adquirir essa perfeição,
enquanto o seu desfrute na esfera coletiva, isto é, fazendo com que outros indivíduos também a
adquiram, é o que vai ser chamado de sumo bem (REZENDE, 2013; ESPINOSA, 2015). Ao fazer isso,
ou seja, ao correlacionar o bem com aquilo que é verdadeiro, Espinosa coloca a epistemologia junto
com essa medicina da mente: a busca pelo que é “mais útil para a conservação da vida” também se
desdobra na busca pelo verdadeiro (CHAUÍ, 1999).
As ciências, por sua vez, apesar de contribuírem individual e coletivamente na obtenção
dessa natureza humana mais perfeita, ainda sim precisam ser direcionadas adequadamente para isso
(ESPINOSA, 2015). Algo semelhante é visto em Husserl: a partir do contraste da criação de ciências tão
formidáveis que têm a corporeidade como foco, quanto ao que tange a vida em seu sentido espiritual ––
não fisiológico, no âmbito dos indivíduos e como criadores de cultura ––, por que as ciências
encarregadas dessa espiritualidade não alcançam considerações sobre a doença e a saúde, o crescimento
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intimamente relacionado às ciências, ou, ao menos, à noção de ciência que foi sendo construída e feita
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e o falecimento, como faz a Medicina? (HUSSERL, 2012a). Está aí a insuficiência da espiritualidade de
manifestando-se como uma dissociação à própria vida, ao âmbito das ciências (HUSSERL, 2012a). Essa
crise das ciências mostra uma situação sintomática em que as ciências nada mais têm a dizer sobre a
vida, desligando-se dos problemas da própria vivência humana (MOURA, 1996). Cria-se, então, uma
imagem bem definida da Razão, de uma faculdade de calcular responsável, através de operações e
processos, por formar conceitos, sem uma finalidade intrínseca a si mesma, voltada sempre para fins
exteriores (MOURA, 1996). Junto a isso, perde-se a ideia de uma racionalidade que abranja e
compreenda todo conhecimento, surgindo assim um tecnicismo que produz ciências igualmente
técnicas (MOURA, 1996). A crise das ciências amplia-se para uma Razão em crise, em que sua
autenticidade é reduzida a mero instrumento de utilidade, sem normas internas e que nada mais
consegue dizer do sentido e não-sentido da própria vida humana (MOURA, 1996).
Atitudes natural, transcendental e ordem histórica
É interessante notar que, na filosofia husserliana, existem duas concepções de Razão: aquela
que a Fenomenologia tenta resgatar, que seria uma retomada da racionalidade universal descoberta pelos
gregos na Antiguidade, e outra que seria a racionalidade utilitária e simbólica, imagética, originária da
crise (MOURA, 1996). Elas podem ser mais intimamente entendidas como duas atitudes (ou
orientações) formadoras de compreensões, de teses sobre o mundo, nomeadas por Husserl como a
atitude natural e a atitude fenomenológica ou transcendental (FERREIRA, 2006a). O que se entende
por atitude é aquilo que das querências da vida se torna uma postura normativa e determinante, isto é,
uma estrutura fixa da vontade, enquanto uma unidade regrada de práticas e formas de buscar fins,
formando assim uma historicidade, uma cultura (HUSSERL, 2012a). Isso não é muito distante daquilo
que Espinosa, em seu Tratado da Emenda, vai chamar de modos de perceber, que nada mais é do que
maneiras de afirmar ou negar algo, resultando em conhecimentos sobre as coisas (ESPINOSA, 2015).
Sendo esses modos estruturações cognitivas da mente, são formadoras de conhecimentos tanto
científicos, quanto da vida comum (REZENDE, 2013; ______2004b; ESPINOSA, 2015).
A atitude natural é caracterizada como a atitude originária, o modo fundamental de
historicidade cuja inversão as demais são decorrentes (HUSSERL, 2012a). Ela nasce da vida cotidiana
que vai diretamente ao mundo, sem tematizá-lo, sem um dar-se conta completamente de que a ele se
direciona (FERREIRA, 2006a; HUSSERL, 2012a). Tem na presença o indicativo necessário da
existência de seus objetos e até mesmo quando os seus conteúdos não são presenciais, eles estão
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se efetivar, não por uma incapacidade da sua natureza, mas por ser motivada por uma crise,
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contidos em um horizonte comum do mundo, que já nos está dado (FERREIRA, 2006a). O que a
preenche com as suas propriedades, que seguirá na formação do conhecimento natural, constituindo-se
a partir da materialidade das coisas, mas que se pretende a algo outro diferente dela, o conteúdo
sensível, tendo o objeto, enquanto considerado existente, como suporte para a sua validação
(FERREIRA, 2006a).
Já a atitude fenomenológica tem na inversão radical da “direção” natural o seu diferencial,
porém não como rompimento completo da atitude anterior, porque, por mais oposto que ela seja, no
fim, volta-se para a natural outra vez (FERREIRA, 2006a; HUSSERL, 2012a; TOURINHO, 2012b). É
através do que Husserl chama de epoché que o deslocamento acontece: os juízos existênciais não são
negados, nem aceitos, apenas colocados em suspensão (FERREIRA, 2006a). O exercício da epoché
deixa de lado os fatos fundados na exterioridade do mundo e busca na consciência a evidenciação
absoluta, que esclarecerá a essência de todo o conhecimento (FERREIRA, 2006a; HUSSERL, 2012a).
Tendo a consciência uma intencionalidade, o seu visar não é lacunar, mas propriamente atos que têm
em seus movimentos uma “presença” anterior e necessária que possibilita toda e qualquer outra
presença (FERREIRA, 2006a). Se da atitude natural decorrem valorações, a atitude fenomenológica os
esquece e se empenha no sentido das coisas mesmas; ou seja, a partir da análise da consciência que
determina a constituição de seus objetos fenomênicos é que se chega à compreensão das coisas mesmas,
em sua pureza (MOURA, 1996; FERREIRA, 2016a; TOURINHO, 2012b).
Espinosa chama de “a ordem que naturalmente temos”, tendo em vista um significado
diverso do husserliano para natural, o que pode ser aproximado do método fenomenológico
(ESPINOSA, 2015). Ela se coloca como ponto de partida para um método capaz de conhecer a
natureza e as leis do puro Intelecto (REZENDE, 2004a). Tal forma liga-se à noção de história na
acepção de um apanhar de componentes para que deles se extraíam princípios dedutivos, como uma
“posse” que naturalmente temos para um ordenamento mental (REZENDE, 2004a). Partindo daquilo
que nos está dado empiricamente e do arranjo desses dados, o que se configura é uma história das
percepções, da maneira como captamos o mundo, do mesmo modo que também deste solo parte a
atitude fenomenológica (REZENDE, 2004a; FERREIRA, 2016a). No capítulo VII do seu livro Tratado
Teológico-Político, Espinosa diz que o método de interpretação da Natureza deve proceder igualmente
ao método de interpretação das Escrituras: em ambos os casos deve-se recolher elementos, reduzi-los a
núcleos fundamentais para, dessa maneira, reuni-los em grupos temáticos. Enfim, basicamente o que
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norteia é a percepção sensível, entendida como um simples receptáculo vazio onde o objeto percebido o
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deve ser analisado é aquilo que é dado, seja nas Escrituras ou na Natureza, sem a imposição de coisas
sentido da coisa, que se fundamenta na consciência intencional, de sua verdade (como valoração),
decorrente do mundo como fato, também acontece nisso que podemos nomear de epoché espinosana
(REZENDE, 2004a; FERREIRA, 2006a; TOURINHO, 2012b).
A inadequação e o perigo da Razão
Espinosa resume os modos de perceber em quatro: (1ª) o conhecimento decorrente de um
ouvir dizer ou de um signo arbitrário, proveniente das afecções corporais, criando palavras
arbitrariamente num convenção consolidada pelo senso-comum, visando a natureza das palavras e não
da essência das coisas; (2ª) o mediante experiências que são vagas, limitada a ocorrências ocasionais que,
pela falta de outras ocorrências que as contradigam, são tidas inabaláveis; (3ª) o conhecimento da
essência da coisa por meio dos seus efeitos e (4ª) o conhecimento que vai dá causa aos efeitos
(REZENDE 2004b;______. 2013; ESPINOSA, 2015). O terceiro e o quarto modos são configurações
ativas, isto é, provenientes da própria natureza da mente, em que percebem a essência das coisas;
porém, enquanto uma é a percepção inadequada, a outra é adequada, respectivamente (REZENDE
2004b).
A inadequação do terceiro modo, chamada também de Razão, não deve ser entendida como
uma falsidade, mas sim como a percepção da essência de algo por meio das propriedades imperativas
deste mesmo algo (REZENDE 2004b; ______, 2013). É quando a essência da coisa é inferida a partir
de um universal, ou seja, de ideias abstratas, formadas juntamente com os primeiros modos
(Imaginação), ou quando dos efeitos se deriva a causa, sendo que nas duas situações sempre há um
espaço “lacunar” tomado como início ou como chegada do raciocínio: conhece-se que deve haver uma
causa ou uma essência, mas não se conhece o que ela seja e muito menos por que elas seria tal ou qual
(REZENDE, 2004b). A causa e a essência, que se quer conhecer, têm seu lugar usurpado pelos seus
predicados necessários (própria), constituindo-se não como algo positivo, mas negativamente, mero
“algo” genérico, determinado mediante outra coisa, no caso o conjunto de predicados (REZENDE,
2004b). Procedimento semelhante à atitude natural, que se posiciona inocentemente como se a recepção
sensível da realidade dada assentisse a sua efetividade, sendo esse justamente o seu critério de verdade
(FERREIRA, 2006a). A preocupação, então, é a validação dos seus objetos sem problematizar a relação
que o conhecimento estabelece com esses que estão fora da consciência que os “captura” (FERREIRA,
2006a). Manifestando-se no entrelaçamento das considerações existenciais às outras valorações
372- Anais - Congresso de Fenomenologia da Região Centro-Oeste
exteriores à coisa analisada (REZENDE, 2004a). O que na epoché acontece, a saber, a separação do
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decorrentes dessa estruturação cognitiva –– natural e racional ––, procede como uma crença no
uma consideração fechada na existência (FERREIRA, 2006a).
Tomando o rumo inverso, o Intelecto (quarto modo de perceber) percebe a essência da
coisa ou a sua causa próxima intuitivamente, em um processo que vai da causa ao efeito, demonstrando
como algo é construído e porque tem tais propriedades necessariamente (REZENDE, 2004b;
ESPINOSA, 2015). As definições são como narrações em que de uma maneira construtivista se fabrica
aquilo que está sendo definido, articulando internamente os elementos da coisa definida (REZENDE,
2004b). Apesar do próprio Espinosa escrever que as intuições não fazerem operação nenhuma, isso não
pode ser compreendido como uma passividade de vislumbre místico da causa das coisas, nem como
uma ausência de atividade mental, mas sim como um uso não exterior das propriedades, no qual aquilo
que percebe e o que é percebido não são entendidos separadamente, igualmente como quando Husserl
considera o ver puro as coisas como uma nova consideração de mundo, um exercício à atitude
fenomenológica (REZENDE, 2004b; FERREIRA, 2006a). Abandonando o encerramento que a
exterioridade proporciona, as intuições para ambos os filósofos carregam um caráter reflexivo que nada
de fora tem que ser descoberto, mas é algo imanente que deve ser explicitado (TOURINHO, 2012b;
FERREIRA, 2006a; ESPINOSA, 1989).
A intuição como ciência que vai além da técnica: o exemplo da Psicanálise
A Fenomenologia husserliana, portanto, quer se constituir como uma ciência rigorosa que
não se assemelha às ciências de fatos, como são chamadas as Ciências Naturais, buscando agora os
fundamentos das coisas na própria intuição delas, na forma como elas aparecem e se evidenciam
(FERREIRA, 2006a; TOURINHO, 2012b). Tal ciência deve ser tanto crítica, quanto determinante das
demais ciências, porque é ela que colocará em questão as pressuposições problemáticas ignoradas por
essas (FERREIRA, 2006a; TOURINHO, 2012b). O Intelecto espinosano, que seria a própria Filosofia
e nomeada também de Ciência Intuitiva, será o olhar autenticamente filosófico sobre as ciências,
partindo daquilo que é dado aprioristicamente e indo em direção aos seus efeitos, já que tendo elas o
perigo de serem despojadas do pensar fundamental para tratar racionalmente os efeitos como sendo
caminho para causas abstratas, desenvolve esquemas mentais em uma espécie de “teoria técnica”,
precisando, assim, que uma “emenda intuicionista” ou uma “terapêutica intuicionista” não só aconteça
no Intelecto, mas também nos demais modos de perceber (CHAUÍ, 1999; REZENDE, 2004a; ______,
2004b). Essa emenda espinosana deve se comportar como uma fenomenologia do erro, em um
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desimpedimento da aquisição do mundo que transforma fatos em coisas acabadas e esse mundo em
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movimento performativo que descreve as suas condições e também de sua superação, parecendo o
infinito –– conotação esta de infinitude como interioridade, como sentido –– da qual podemos
aproximar, para ajudar nessa compreensão, a noção de verdadeiro bem de Espinosa, que, sendo algo
infinito, tem um caráter abrangente, envolvendo todas as configurações de bens: as ideias espinosanas,
guiadas pela norma da ideia verdadeira, são também compreendidas como ideias das ideias, ou seja,
ideias reflexivas, que têm como objeto a estrutura formal do próprio idear (REZENDE, 2004b;
FERREIRA, 2006a; HUSSERL, 2012b; TOURINHO, 2012b; ESPINOSA, 2015).
A autonomia que tanto Husserl, quanto Espinosa colocam no espírito, seja chamando-o de
consciência ou de Atributo Pensamento, sendo independente para analisar a si mesmo, dá margem para
pensarmos como isso pode ajudar na discussão sobre a cientificidade das Ciências do Espírito
(HUSSERL, 2012a, ESPINOSA, 2007). Esperando desenvolver essa investigação em um trabalho
posterior, podemos rapidamente tomar a Psicanálise como um exemplo ilustrativo de corpo teórico que
aspira ao estatuto dessa cientificidade intuitiva. No que diz respeito ao que Freud entende sobre o
processo científico, é possível encontrar considerações que admitem algo de um teor construtivo, ainda
incipiente, mas que é anterior ao conteúdo material das coisas a serem descritas e, posteriormente,
agrupadas e correlacionadas; depois dessa análise dos fenômenos, na qual as relações nada arbitrárias
com os materiais empíricos são intuídas, é cabível a definição as coisas na prática científica (FREUD,
2014).
A presença nada coadjuvante da Imaginação (associativa, imagética) como modo do pensar,
remete também ao próprio o inconsciente psicanalítico, sua relação com a prática psicanalítica e com as
demais ciências (REZENDE, 2000; REZENDE, 2004b; ESPINOSA, 2007). Apesar de Husserl afirmar
que não pode haver uma ciência objetiva do espírito, acreditamos que a Psicanálise pode se aproximar
da Fenomenologia na medida em que ambas buscam a exegese dos seus objetos de estudo: a Psicanálise,
situada entre o sujeito inconsciente e o sujeito consciente, tem como objeto a descrição da psique, ao
passo que a Fenomenologia busca a descrição do ser (REZENDE, 2000; RAFFAELLI; 2006b;
HUSSERL, 2012a). Considerada como uma ciência pós-paradigmática, isto é, que conhece as exigências
científicas das demais ciências, mas não se satisfaz com elas, a Psicanálise tanto se autoquestiona, quanto
questiona as outras ciências, adotando algo da especificidade da estratégia crítica da Fenomenologia e da
filosofia intelectualista espinosana (REZENDE, 2004b; TOURINHO, 2012b; REZENDE, 2013).
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movimento das ideias husserlianas, compreendidas como formações normativas que se acham no
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Em certo sentido, os ataques empiristas-positivistas contra a cientificidade da Psicanálise
escravos e os médicos de homens livres da Medicina hipocrática. E no trajeto entre o estatuto
epistêmico da Medicina de Cós e a notável desumanização da medicina no mundo atual, as críticas de
Espinosa aos limites Razão e o diagnóstico de Husserl sobre a crise das ciências e da cultura no início
do século XX, revela-se de grande valor para pensarmos ampla e profundamente o que podemos fazer
quanto ao que ainda está por vir: uma visão crítica para com as ciências e a procura por uma terapia para
a autêntica intelectualidade que possa voltar a pronunciar-se sobre o verdadeiro sentido das coisas.
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são uma reedição do antigo conflito entre a mera técnica e a paideia no contraste entre os médicos de
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