8º CONGRESSO IBEROAMERICANO DE ENGENHARIA MECÂNICA Cusco, 23 a 25 de Outubro de 2007 Identificação de parâmetros de dano utilizando uma abordagem mista de otimização Pablo Andrés Muñoz-Rojas*, Eduardo Lenz Cardoso* *Departamento de Engenharia Mecânica Universidade do Estado de Santa Catarina Campus Universitário Avelino Marcante, s/n, Bom Retiro 89223-100, Joinville, SC, Brasil e-mail: [email protected], [email protected] RESUMO O modelo de dano de Gurson é um dos mais utilizados para descrever a fratura dúctil. No entanto, sua utilização depende da correta determinação dos parâmetros que o descrevem. Neste trabalho, a determinação de tais parâmetros é realizada pela comparação de resultados experimentais de ensaios de tração com resultados numéricos obtidos com o uso do método dos elementos finitos. O ajuste dos parâmetros é formulado por meio de um problema de otimização cujas variáveis de projeto são os coeficientes elastoplásticos e de dano e o objetivo é minimizar a diferença entre o resultado do ensaio e do modelo numérico. Como tal problema é não-convexo, observa-se que a utilização de um método de otimização baseado em gradientes é altamente dependente do ponto incial. Por este motivo, empregou-se neste trabalho uma abordagem mista. Inicialmente, o problema é solucionado utilizando um algoritmo genético e, partindo da melhor solução, soluciona-se o problema utilizando programação matemática. Os resultados obtidos indicam que a abordagem utilizada é eficaz, permitindo uma determinação robusta dos parâmetros elastoplásticos e de dano. código do trabalho: 1118 INTRODUÇÃO A consideração de dano contínuo em materiais dúcteis tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores. Dentre os modelos presentes na literatura, os de Lemaitre [1] e Gurson [2] estão entre os mais extensamente utilizados. Embora tais modelos sejam muito úteis para a simulação, eles dependem da correta informação sobre os parâmetros materiais pertinentes, que são de difícil determinação experimental. Diversos pesquisadores têm utilizado algoritmos de otimização para identificar os parâmetros que, para um dado modelo, melhor aproximam os resultados numéricos dos experimentais. Em um trabalho recente, Muñoz-Rojas et al. [3] utilizaram programação matemática para determinar os parâmetros do modelo de dano de Gurson, pela minimização por mínimos quadrados do erro na forma do gráfico de um ensaio de tração obtida em uma simulação numérica, quando comparado com resultados experimentais. No referido trabalho, verificou-se que a qualidade dos resultados era muito dependente do ponto inicial utilizado no método de otimização, devido a não-convexidade do problema. No presente trabalho, utilizou-se um programa de algoritmos genéticos para a determinação dos parâmetros iniciais da programação matemática, uma vez que os algoritmos genéticos, por sua natureza aleatória, têm uma maior probabilidade de encontrar uma solução próxima do ponto de mínimo global do problema. MODELO DE DANO DE GURSON O modelo de dano de Gurson permite incorporar o dano dúctil em uma formulação elastoplástica. Neste caso, define-se em cada ponto do domínio a variável de dano isotrópico como a fração volumétrica de vazios f = Vv/V, onde Vv é o volume de vazios em um volume representativo V. A presença de tais vazios modifica as relações constitutivas elastoplásticas, sendo que o modelo de Gurson-Tvergaard [2,4-7] considera a seguinte superfície de escoamento Φ= 3 s s − ω σ y= 0 2 ij ij (1) onde [ α 3p ω= 1− 2α 1 f cosh 2 + α 3f 2 2σ y 12 ] (2) s ij = s ij − pδ ij α1= 1 = 1 .5 fU p= α 2= 1 . 0 1 s δ 3 ij ij α 3 = α 21 (3) (4) e σij é o tensor tensão de Cauchy, σy é a tensão de escoamento e αi são parâmetros materiais. O parâmetro fU = 1/α1 é uma restrição superior no valor da fração de volume na ausência de pressão hidrostática. Como pode ser visto nas Equações anteriores, o domínio elástico, definido pela superfície de escoamento, depende da pressão hidrostática. Assim, quando a fração de volume diminui, a dependência da pressão hidrostática também diminui, levando a um domínio elástico aumentado. No limite, quando a fração de volume é nula, tem-se que a superfície de escoamento definida na equação (1) coincide com o modelo de von-Mises. Os mecanismos básicos da evolução do dano são a nucleação, o crescimento e a coalescência de vazios. A nucleação ocorre devido a defeitos do material, na presença de tração. Crescimento ocorre quando os vazios mudam de tamanho, de acordo com a mudança de volume no corpo. A coalescência consiste da união de vazios contíguos, devido a ruptura de ligamentos, e está relacionada a ruptura que ocorre no corpo quando a fração de volume atinge o valor limite fC. Para modelar o dano, inicialmente considera-se que a taxa de crescimento de vazios é dada por f˙ f˙ f˙ = N G f˙ C { f≤fC f> f C } (5) onde fN é a taxa de nucleação, fG é a taxa de crescimento e fC é a taxa de coalescencia. Se f é menor do que fC, apenas nucleação e crescimento ocorrem. Acima de fC, ocorre apenas coalescência. A taxa de nucleação é proporcional à taxa da deformação plástica efetiva f˙ N = A ε p ε̇ p (6) Para A(ε p) Chu e Needleman [8] propõem a seguinte distribuição estatística p A ε = [ p 1 ε − εN ex p − 2 sN 2π fN sN 2 ] (7) onde fN é a fração volumétrica de nucleação, εN é a deformação plastica para que ocorra nucleação e sN é o desvio padrão da distribuição. Neste trabalho assume-se que a nucleação ocorre somente em tração [9], resultando em A εp =0 if p< 0 (8) O crescimento de vazios é controlado pela conservação de massa, tal que f˙ g = 1 − f D pii (9) sendo que vazios aumentam ou diminuem de valor de acordo com a variação de volume no contínuo. A coalescência é governada pela relação [10] f˙ c= f U− f C Δε ε̇ p (10) onde ∆ε é um parâmetro material. Para considerar a influência da deformação plástica nas constantes elásticas, são empregadas as relações de Mori-Tanaka [11] K {f }= 4K 0 G0 1− f G0 1 − f G {f }= 4G0 3K 0 f 1 6K 0 12 G 0 9K 0 8G0 f (11) onde as grandezas com índice 0 representam as propriedades do material sem dano. Neste trabalho, σy é representado por σ y = P2 − P1 [1 − ex p − P3⋅ ε p ]+ P4 ε p P5 + P1 1 + P 6 ε p P7 + P8 ε p , (12) onde os Pi são parâmetros do material. IDENTIFICAÇÃO DE PARÂMETROS Conforme apresentado na seção anterior, o material pode ser representado por um conjunto de parâmetros (Equações 1-12). O objetivo deste trabalho é determinar os seus valores para um determinado tipo de material, através da solução de um problema de otimização. Seguindo a nomenclatura clássica da área de otimização, reunem-se todos os parâmetros a ser determinados em um vetor b de variáveis de projeto. Comparando as curvas de um ensaio de tração real e de um ensaio de tração simulado com o modelo da seção anterior, pode-se definir o problema como a minimização da seguinte função objetivo n FkFE b i − Fexp 1 k wk Min S b i = ∑ exp N k= 1 Fk 2 (13) onde FkFE são os valores obtidos com o modelo de elementos finitos, Fkexp são os valores obtidos experimentalmente, N é o número total de pontos experimentais disponíveis, wk são pesos que podem ser atribuídos a diferentes regiões das curvas do ensaio, para priorizar um melhor ajuste nas mesmas [3]. Em um artigo recente [3], foi investigada a solução deste problema utilizando um algoritmo de programação matemática, conjuntamente com uma análise de sensibilidade semi-analítica. Embora os resultados obtidos tenham sido satisfatórios, verificou-se que o procedimento é muito dependente dos valores iniciais das variáveis de projeto, pois o problema é não-convexo. Assim, para encontrar o ótimo global, são necessárias várias tentativas com diferentes parâmetros iniciais. Baseado nesta dificuldade, inerente ao problema de determinação de parâmetros, decidiu-se avaliar o uso de um algoritmo genético para a obtenção de uma configuração próxima do ótimo e que permita uma solução rápida pelo método baseado na programação matemática. Algoritmos Genéticos Neste trabalho foi utilizada uma implementação bastante simples de algoritmos genéticos. Uma representação binária em gray code [12] foi empregada para cada variável de projeto, com torneio binário e crossover de um ponto. A probabilidade de crossover é fixada em 80% e foi utilizada mutação homogênea, com uma taxa de 5%. A cada geração, os melhores indivíduos são selecionados e passados para a geração seguinte. Como o algoritmo utilizado não considera restrições, utilizou-se o artifício de rejeitar os indivíduos que possuam fC < fN, pois esta situação é fisicamente inviável. Embora esta alternativa não seja a mais adequada e existam algoritmos genéticos que consideram restrições, verificou-se que os resultados obtidos foram satisfatórios para os casos avaliados. RESULTADOS Para avaliar a eficácia do procedimento proposto, foram obtidos os parâmetros de dano de uma liga de Alumínio 7055 a uma temperatura de 400 oC, sendo que os dados experimentais são os apresentados na referência [3]. O ensaio foi simulado utilizando o método dos elementos finitos, com a consideração de elastoplasticidade incremental com relações constitutivas hipo-elásticas e decomposição aditiva de deformações [13]. Seguindo as recomendações de Cunda [14], foi utilizado um modelo axissimétrico e o domínio foi discretizado com elementos quadrilaterais bilineares com um ponto de integração na parte volumétrica e um na parte desviadora. A malha considerada é a mesma do artigo [3] e não será mostrada aqui por restrições de espaço. O ensaio é simulado pela aplicação de deslocamentos prescritos de forma incremental, aplicados na face superior. O deslocamento máximo aplicado é de 5 mm. As variáveis de projeto consideradas foram os parâmetros elastoplásticos P1 , P2 , P3 , P6 , P7 , P8 e os parâmetros de dano fN , sN , εN e fC. Os valores de fU , flim , f0, εn e ∆ε foram pré-fixados em 0.666, 0.99, 0.00, 0.20 e 0.50, respectivamente. Na solução deste problema, via programação matemática [3], foi necessária a utilização de pesos na Equação 15, pois do contrário algumas regiões da curva eram favorecidas durante o procedimento de otimização. Este artifício não se fez necessário na abordagem do presente trabalho. O problema foi solucionado com uma população de 96 indivíduos, com 16 bits para cada variável de projeto. Deve-se salientar que, em se tratando de algoritmos genéticos, não existe um critério de parada bem definido. No entanto, como existe uma indicação visual da qualidade do resultado (forma da curva do ensaio de tração), pode-se avaliar, a cada geração, se o resultado obtido é adequado para ser utilizado como ponto inicial do problema de programação matemática. Um limite de 100 gerações foi utilizado neste trabalho. Após 100 iterações, obtevese o ajuste da curva do ensaio de tração apresentado na Figura 1. A Figura 2 mostra o melhor resultado, o valor médio e o pior resultado a cada geração. Para melhor visualização, o eixo Y é mostrado em escala logarítmica. Figura 1: Resultado obtido com o uso do algoritmo genético (tracejado) e resultado do ensaio Figura 2: Histórico das gerações do algoritmo genético Os parâmetros obtidos com a utilização de algoritmos genéticos são apresentados nas Tabelas 1 e 2, sendo que a função objetivo correspondente a este conjunto de variáveis de projeto tem um valor de 8.203915e-002. Tabela 1. Parâmetros elastoplásticos obtidos com o algoritmo genético. E P1 P2 P3 P6 P7 P8 10269.17 183.6439 72.50263 3.349972 0.4684500 0.6723966 91.92126 Tabela 2. Parâmetros de dano obtidos com o algoritmo genético. fN 1.953155e-003 ε N 3.225605e-001 sN fC 2.221714e-001 9.439231e-002 Utilizando-se estes resultados como o ponto inicial de um algoritmo de programação matemática sequencial linear, obteve-se o resultado da Figura 3. Os parâmetros finais obtidos estão ilustrados nas tabelas 3 e 4. Deve-se salientar que o resultado da Figura 4 foi obtido sem o uso dos pesos w na Equação 13. Além disto, verificou-se que, devido à proximidade do ponto de ótimo global, obtido com algoritmos genéticos, é possível solucionar o problema utilizando uma aproximação linear. Isto torna o problema mais fácil de ser solucinado, além de implicar em custo computacional menor, quando comparado aos métodos que foram utilizados na referência [3]. Ao final do procedimento, a função objetivo obtida com o uso do algoritmo genético foi reduzida em aproximadamente 7% Tabela 3. Parâmetros elastoplástic os obtidos ao fim do procediment o E P1 P2 P3 P6 P7 P8 9951.1005 177.05817 82.712942 3.2601262 0.4541935 0.6155089 91.097022 Tabela 4. Parâmetros de dano obtidos ao fim do procedimento fN 2.4360384E-01 CONCLUSÕES ε N 3.6426854E-01 sN fC 2.0579723E-01 1.0118938E-01 Figura 3: Resultado obtido com programação matemática (tracejado) Foi apresentada uma abordagem mista para a determinação de parâmetros de dano contínuo. Um algoritmo genético é utilizado em uma primeira etapa, para obter uma distribuição inicial próxima do ótimo global do problema não-convexo de otimização. De posse desta distribuição, soluciona-se um problema de programação matemática para a obtenção dos parâmetros. Os resultados obtidos demonstram que a combinação é eficaz, pois as melhores características de cada método de otimização são utilizadas. Em relação à eficiência, deve-se salientar que o procedimento de análise é bastante caro do ponto de vista computacional. Isto torna a avaliação das gerações de algoritmos genéticos bastante custosa. Uma questão que pode ser avaliada é a paralelização do algoritmo genético. AGRADECIMENTOS O código de elementos finitos foi utilizado sob autorização do prof. Guillermo Juan Creus (UFRGS). Os autores agradecem à Universidade do Estado de Santa Catarina pelo apoio financeiro concedido via PROEVEN. REFERÊNCIAS 1. Lemaitre, A continuous damage mechanics model for ductile fracture, Journal of Engineering Materials and Technology, vol. 107, pp. 83-89, 1985. 2. A.L. Gurson, Continuum theory of ductile rupture by void nucleation and growth: part 1 – yield criteria and flow rules for a porous ductile media, Journal of Engineering Materials and Technology, vol. 99, pp. 2-15, 1977. 3. P. A. Muñoz-Rojas, T. Fiedler, L. A. B. da Cunda, A.Öchsner e G.J. Creus, Parameter Identification to Simulate a Tensile Test Applying Gurson Damage Model, CMNE/CILAMCE 2007. 4. R. 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