Os Profissionais da Enfermagem e a dispensação de medicamentos nas Unidades Básicas de Saúde do Município de Campinas Luciana Cugliari Travesso1 O Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo, COREN-SP, divulgou nota aos profissionais de enfermagem afirmando que estes não podem executar a dispensação de medicamentos. Assevera que o exercício dessa função resulta em violação do disposto na Lei nº 7.498/1986 (Lei do Exercício Profissional da Enfermagem), art. 15. O Poder Judiciário já se manifestou reiteradamente sobre esta questão, decidindo pela “ilegalidade da exigência da manutenção de um farmacêutico nas Unidades de Saúde, uma vez que ali não ocorre manipulação de fórmulas e nem comercialização de medicamentos”2, como claro deixa a decisão abaixo descrita do STJ: “Somente as farmácias e drogarias que manipulam fórmulas são sujeitas a exigência de manter responsável técnico. Pequenas unidades hospitalares que operam com dispensário de medicamento não necessitam ou estão subordinadas a essa exigência” Na mesma esteira, editou o TRF Súmula: “As unidades hospitalares, com até 200 leitos, que possuam "dispensário de medicamentos", não estão sujeitas à exigência de manter farmacêutico.” Ora, forçoso concluir que uma pá de cal foi colocada sobre o assunto, dispensando a presença do farmacêutico em unidades que possuam apenas dispensários de medicamentos. 1 Advogada, Mestre em Saúde Coletiva pela UNICAMP e Especialista em DireitoSanitário pelo IDISA/UNICAMP [email protected] 2 Lenir Santos. Nota Jurídica CONASEMS n. 005 (antiga 05/2007). NÚCLEO DE DIREITO SANITÁRIO. 1 Ademais, o STJ em decisão de 2012 no Recurso Especial nº 1.110.906 (2009/0016194-9) esclareceu acerca da interpretação do art. 15 da Lei 5.991/73 dizendo que: “Se o art. 15 da Lei n. 5.991/73 não previu a obrigatoriedade de farmacêutico responsável nos dispensários de medicamentos de clínicas e de hospitais, não poderá o § 2º do art. 27 do Decreto n. 74.170/74, na redação dada pelo Decreto n. 793/93, exigir o que a lei não prevê” Em sendo dispensada a presença do farmacêutico, a quem então compete “dispensar” os medicamentos de uma Unidade Básica de Saúde? Primeiramente importa esclarecer as definições legais para os termos “dispensação” e “dispensário”. A Lei 5991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, e dá outras Providências, conceitua claramente em seu art. 4º, incisos XIV e XV o que significa “dispensário” bem como o que significa o ato da “dispensação”. Vejamos: “XIV - Dispensário de medicamentos - setor de fornecimento de medicamentos industrializados, privativo de pequena unidade hospitalar ou equivalente; XV - Dispensação - ato de fornecimento ao consumidor de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, a título remunerado ou não;” Temos então o claro e cabal esclarecimento de que o ato de dispensação significa o ato de entrega, de distribuição. Diante do conceito legal sobre dispensação e corroborado com o já firmado pela jurisprudência pátria, não há outra ilação a extrair-se que não aquela que permite a dispensação por qualquer profissional, vez que para tanto não exige a lei, e tampouco a jurisprudência, profissional específico. 2 Ademais, o Manual de Atividades do Farmacêutico na Farmácia Comunitária3 leciona que são “elementos imprescindíveis para a dispensação/aviamento de uma receita médica: I. Estar escrita a tinta, em português, em letra de forma, clara e legível, observada a nomenclatura oficial dos medicamentos e o sistema de pesos e medidas oficiais do Brasil. A datilografia ou impressão por computador é aceitável; II. Conter o nome e o endereço residencial do paciente; III. Conter a forma farmacêutica, posologia, apresentação, método de administração e duração do tratamento; IV. Conter a data e a assinatura do profissional, endereço do consultório e o número de inscrição no respectivo Conselho Profissional. A prescrição deve ser assinada claramente e acompanhada do carimbo, permitindo identificar o profissional em caso de necessidade. V. Não conter rasuras e emendas. Não havendo exigência de profissional específico, verificamos que a eleição pela municipalidade de profissional da enfermagem, seja ele enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem, é medida prudente e zelosa que beneficia a população desta cidade, uma vez que ao profissional de enfermagem competem cuidados correlatos com o ato da dispensação que o capacitam a instruir adequadamente ao cidadão no que se refere à prescrição e à posologia contidas no receituário médico, como preconizado pelo CFF em seu manual. A afirmativa acima se fundamenta na Lei nº 7.498 de 25/05/1986, que dispões sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, como podemos observar: “Art. 11. O Enfermeiro exerce todas as atividades da enfermagem, cabendo-lhe: II – como integrante da equipe de saúde: ...) c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde; (...) Art. 12. O Técnico de enfermagem exerce atividades de nível exerce atividade de nível médio, envolvendo orientação e acompanhamento do trabalho de enfermagem em grau auxiliar, e participação no planejamento da assistência de enfermagem, cabendo-lhe especialmente: 3 http://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/122/encarte_farmAcia_comunitAria.pdf 3 (...) b)executar ações assistenciais de enfermagem, exceto as privativas do Enfermeiro (...) Art. 13. O Auxiliar de Enfermagem exerce atividades de nível médio, de natureza repetitiva, envolvendo serviços auxiliares de enfermagem sob supervisão, bem como a participação em nível de execução simples, em processos de tratamento, cabendo-lhe especialmente: (...) b) executar ações de tratamentos simples” Temos ainda o detalhamento das atividades do profissional de enfermagem constate do Decreto nº 94.406 de 08/06/1987, que regulamenta a Lei 7.498 de 25/06/1986, dispondo que: “Art. 8º Ao Enfermeiro incumbe: II - como integrante de equipe de saúde: (...) c) prescrição de medicamentos previamente estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde; f) participação na elaboração de medidas de prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados aos pacientes durante a assistência de enfermagem; (...) Art. 10. O Técnico de Enfermagem exerce as atividades auxiliares, de nível médio técnico, atribuídas à equipe de enfermagem, cabendolhe: I - assistir ao Enfermeiro: (...) e) na prevenção e controle sistemático de danos físicos que possam ser causados a pacientes durante a assistência de saúde; (...) Art. 11. O Auxiliar de Enfermagem executa as atividades auxiliares, de nível médio, atribuídas à equipe de enfermagem, cabendo-lhe: I - preparar o paciente para consultas, exames e tratamentos; (...) III - executar tratamentos especificamente prescritos, ou de rotina, além de outras atividades de enfermagem, tais como: a) ministrar medicamentos por via oral e parenteral; b) realizar controle hídrico; c) fazer curativos; d) aplicar oxigenoterapia, nebulização, enteroclisma, enema e calor ou frio; e) executar tarefas referentes à conservação e aplicação de vacinas; (...) V - integrar a equipe de saúde; VI - participar de atividades de educação em saúde, inclusive: a) orientar os pacientes na pós-consulta, quanto ao cumprimento das prescrições de enfermagem e médicas;” 4 Pelo exposto acima, verificamos que tanto o enfermeiro, quanto o técnico e auxiliar de enfermagem executam atividades que são correlatas à dispensação que, por oportuno, destacamos resumidamente: prescrever medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde; executar ações de tratamentos simples ministrar medicamentos por via oral e parenteral; fazer curativos; aplicar oxigenoterapia, nebulização, enteroclisma, enema e calor ou frio; executar tarefas referentes à conservação e aplicação de vacinas; orientar os pacientes na pós-consulta, quanto ao cumprimento das prescrições de enfermagem e médicas Ora, aquele que pode prescrever, tratar, ministrar medicamentos, aplicar tratamentos, conservar e aplicar vacinas e orientar quanto ao cumprimento de prescrições, certamente está muito mais capacitado a promover o ato da dispensação do que um profissional de suporte administrativo ou sem formação. Ademais, cabe à administração o dever da eficiência por princípio constitucional, sendo certo que toda opção que vise proteger a saúde do cidadão-usuário do Sistema Único de Saúde é medida que deve ser elogiada e mantida. É disto que se trata o caso em tela, vez que, à falta de profissionais de farmácia (que inclusive não são exigidos, mas apenas desejados pelo administrador), fez-se a opção por manter na unidade dispensadora de medicamentos aquele profissional que mais tem condição de se adequar e executar a função. 5