464 Orthod. Sci. Pract. 2014; 7(28):464-468. Conceito de um bráquete ortodôntico autoligado ideal Concept of an ideal self-ligating orthodontic bracket Temístocles Uriarte Zucchi1 Chune Avruch Janovich2 Resumo Atualmente os bráquetes autoligados estão se tornando cada vez mais comuns nos tratamentos ortodônticos devido às inúmeras vantagens proporcionadas por estes. Hoje a movimentação dentária é realizada com bráquetes passivos ou com interativos, sendo que cada sistema apresenta suas vantagens individuais em determinadas etapas do tratamento. A proposta deste trabalho foi apresentar um novo bráquete ortodôntico autoligado, o qual visa proporcionar inúmeras movimentações dentárias de forma simples e eficiente aproveitando a técnica que o ortodontista domina, pois esta filosofia de tratamento agrega inúmeros conceitos em uma única peça. Descritores: Ortodontia, bráquetes ortodônticos, baixo atrito. Abstract Self-ligating brackets are becoming more common in orthodontic treatments due to numerous advantages offered by them. Currently tooth movement can be performed with passive or interactive brackets, and each system has its advantages in certain stages of treatment. The purpose of this study was to introduce a new self-ligating orthodontic bracket that aims to provide several dental movements in a simple and efficient way, leveraging the knowledge of the professional on its technique, since this philosophy of treatment combines many concepts in one piece. Descriptors: Orthodontics, orthodontics brackets, low friction. 1 2 Mestre em Ortodontia – SLMandic, Pós-graduado – New York University, Professor do Curso de Especialização em Ortodontia – AGOR. Mestre em Engenharia Biomédica – UNIVAP, Especialista em Ortodontia – ABO/RJ, Pós-graduado – New York University, Professor de Pós-graduação – IEAPOM/POA. E-mail do autor: [email protected] Recebido para publicação: 09/06/2014 Aprovado para publicação: 08/09/2014 Como citar este artigo: Zucchi TU, Janovich CA. Conceito de um bráquete ortodôntico autoligado ideal. Orthod. Sci. Pract. 2014; 7(28):464-468. Introdução e revisão da literatura Nos últimos anos a Ortodontia vem tomando novos rumos, onde cada vez mais o sistema de bráquetes autoligados torna-se um acessório indispensável para os tratamentos ortodônticos devido suas inúmeras vantagens, já comprovadas, com relação ao sistema convencional. As novas pesquisas que surgem diariamente vêm demonstrando que esta técnica de tratamento está cada vez mais em uso. Entre os sistemas atuais encontram-se bráquetes passivos e bráquetes interativos que diferem entre si em algumas peculiaridades clínicas, um apresentando vantagens superiores com relação ao outro em determinadas fases, mas ambos finalizando casos com excelência, conforto e, em muitas vezes, com tempo reduzido no tratamento. Novas técnicas surgem a todo o momento, novos designs de peças, fios de última geração, sistemas de ancoragem e inúmeras outras características que têm tornado a movimentação dentária cada vez mais segura e previsível. A característica de combinar baixa fricção com encaixe seguro do fio no slot já é realidade, agora precisamos aproveitar as características principais dos bráquetes passivos e dos interativos em um só sistema, procurando, dessa forma, facilitar as diversas mecânicas que impõem grandes desafios a todo momento. Os bráquetes autoligados são diferenciados em passivos e ativos. Os passivos são aqueles que o sistema de fechamento da canaleta não faz pressão sobre o arco, funcionando como tubos, tendo melhor desempenho principalmente no deslizamento e deixando a desejar no controle de rotação e inclinação. Os bráquetes autoligados ativos são aqueles cujas presilhas flexíveis que fecham a canaleta pressionam o arco a partir do diâmetro de .018”, produzindo assim baixo atrito nos arcos redondos iniciais e aumentando o atrito e o controle de torque nos arcos retangulares14. A escolha dos bráquetes está na dependência do diagnóstico e planejamento do caso. “Não devemos utilizar um único bráquete para todos os casos, pois nem sempre queremos atrito zero em todos os dentes”1. A definição dos tipos de ancoragem necessária para cada caso nos leva a definir qual a melhor estratégia mecânica e também qual o bráquete mais indicado para aquele caso. Desta forma, às vezes utilizamos bráquetes autoligados passivos, outras vezes bráquetes autoligados ativos1. Os sistemas passivos (Edgelock, Activa, Twin Lock, Damon, Oyster) possuem tampas que fecham a canaleta sem, no entanto, ficar constantemente pressionando o arco. Nesses casos não existe um controle imediato das rotações como nos ativos, porém ocorre menos fricção em mecanismos de deslizamento12. Bráquetes autoligados são os que apresentam um metal na face labial que podem ser abertos e fechados através de seu próprio sistema de ligação. Esses sistemas apresentam uma grande revolução na Ortodontia na última década, dando uma nova dimensão ao tratamento ortodôntico. Os sistemas de bráquetes ativos apresentam um clipe com certa cur- vatura que durante o fechamento invadem o slot do bráquete gerando força no fio ortodôntico. Já os passivos não invadem o slot, não tendo ação sobre o fio e nem capacidade de armazenar energia. Durante a mecânica ortodôntica, nas fases iniciais de alinhamento, os bráquetes ativos promovem alinhamento mais completo, porém, devido à presença de fios com bastante elasticidade pode-se colocar fios mais espessos nas fases iniciais com o sistema passivo potencializando o alinhamento. Com relação ao atrito, a maior folga proporcionada pelos passivos facilita o deslize do fio sobre o bráquete facilitando a movimentação dentária. Atualmente está certo que bráquetes passivos promovem forças menores6,11. O sistema ativo caracteriza-se por manter o arco constantemente pressionado no interior da canaleta, devido a isso, permite um maior controle de rotações e torques já na fase de alinhamento e nivelamento, e com o aumento do calibre do fio esta ação torna-se mais intensa. Já no sistema passivo não existe pressão constante do clipe sobre o fio, logo nas fases inicias de tratamento a correção das rotações não se torna tão eficiente, mas nas mecânicas de deslize a fricção torna-se quase zero. Embora vários fatores possam ser elucidados, fica difícil, em relação à performance clínica, avaliar a extensão das diferenças entre ativos e passivos9. Os bráquetes autoligados passivos não oferecem nenhum controle sobre os movimentos de rotação, angulação e torque devido ao sistema de fechamento do clipe, o qual não proporciona interação com o fio ortodôntico. Já os bráquetes interativos apresentam flexibilidade do clipe auxiliando o fio ortodôntico em alguns dos principais movimentos, como os citados acima. Devido a esta característica de interagir com o fio durante a deflexão do clipe, grande parte da força é absorvida por ele e dissipada, impedindo a aplicação de força pesada no elemento dentário7. Com o objetivo de avaliar o movimento de rotação foram utilizados três modelos de bráquetes: convencionais ligados através de amarrilho metálico e por elastomérico, bráquetes autoligados interativos e bráquetes autoligados passivos. Um simulador de movimento dentário rotacional foi criado visando a padronização dos ensaios. Os fios de níquel-titânio 0,016” e 0,018” foram utilizados. Os resultados obtidos apresentaram um sistema de rotação mais eficiente quando utilizados os bráquetes autoligados. Entre eles, o sistema interativo apresentou melhores correções2. Através de um simulador, uma pesquisa in vitro, comparou os diferentes tipos de bráquetes com relação ao movimento de torque. Foram analisados quatro sistemas de ligação: passiva, interativa, elástica e metálica. Os fios ortodônticos de aço com calibres de 0,017”X0.025”, 0,018”X0.025”, 0,019”X0.025” e 0,021”X0.025” foram utilizados. Concluiu-se que os sistemas de ligação interativa e metálica apresentaram as maiores porcentagens de correção do torque, com correção total com o fio 0,019”X0.025”. Já o sistema passivo e o ligado com elástico não atingiram correção total mesmo com fio 0,021”X0.025”4. Dois modelos de designs de bráquetes autoligados, um Zucchi TU, Janovich CA. 465 Orthod. Sci. Pract. 2014; 7(28):464-468. Artigo original / Original article 466 Orthod. Sci. Pract. 2014; 7(28):464-468. passivo (Damon®, SmartClip®) o qual se torna um tubo quando o clipe é fechado proporcionando baixo atrito em todos os estágios de tratamento, além de bom resultados no desenvolvimento da maxila; e um bráquete ativo (Speed®, Time®, In Ovation R®) que apresenta um clipe em formato de mola que empurra o fio ortodôntico em direção ao interior do slot, proporcionando também baixo atrito, mas somente em estágios iniciais, foram testados com fio redondo e quadrado. Conforme ocorre o aumento do tamanho do arco o clipe começa a se tornar ativo proporcionando melhor controle de torques e angulações. Quando é utilizado um sistema passivo geralmente utiliza-se em torno de quatro sequências de arco, porém com um sistema ativo com somente três também é suficiente. O sistema autoligado apresenta como vantagem menor número de visitas ao consultório e facilidade nas trocas dos arcos. Como desvantagens apresenta um custo maior e a resistência por parte do ortodontistas em mudar para o sistema3. Uma alternativa para tornar o alinhamento mais rápido e mais eficiente é a utilização de dois fios ao mesmo tempo, um 0,014” e 0,016” de nitinol em um mesmo slot, sendo que o aparelho SmartClip permite esta união12,13. Durante as fases iniciais de alinhamento e nivelamento um dos pontos críticos com o sistema passivo é a falta de pressão da amarração com o arco, porém nessas fases iniciais pode-se utilizar elastoméricos para potencializar a ação do fio. Visando acelerar as fases de alinhamento com o sistema passivo (Smart Clip®) pode-se inserir na canaleta um fio 0,014” junto com um fio 0,016” de nitinol. O sistema passivo proporciona, com a presença do fio por um período prolongado, a movimentação dentária para áreas de menor resistência, causando expansões lentas do arco sem forçar o nivelamento14. Um sistema ideal de ligação deveria apresentar as seguintes propriedades: ser seguro e robusto; assegurar um encaixe completo do fio no bráquete; exibir um baixo atrito entre o bráquete e o fio; ser rápido e fácil de usar; permitir um atrito maior quando desejado; permitir uma ligação fácil de correntes elásticas; permitir uma boa higiene bucal e ser confortável para o paciente. O autor também discutiu as vantagens dos bráquetes autoligados, salientando principalmente a redução significante do atrito em todas as dimensões dos movimentos dentários, um menor comprometimento da ancoragem, o alinhamento mais fácil de dentes com irregularidades severas, um gasto de tempo menor para a troca de arcos e menos assistência auxiliar5. O bráquete autoligado ideal deveria apresentar uma combinação entre passivo e ativo e também ser convencional. Em casos onde é necessária uma baixa resistência ao deslize está indicado o sistema passivo, e em situações onde é necessário mais atrito utiliza-se o sistema ativo. Devido a isso o sistema passivo deve ser usado nas fases iniciais de tratamento e o ativo em caso de controle nas três dimensões. Além disso, o sistema ideal deveria proporcionar ao ortodontista decidir em qual dente o sistema irá agir como passivo, ativo ou ligado convencionalmente. Outra possibilidade seria um sistema hí- brido com o mesmo tamanho de slot em todos os dentes. Os autores apresentam uma situação em caso de extração, onde os dentes anteriores durante a mecânica de retração deveriam apresentar clipes ativos ou os dentes deveriam estar ligados com elásticos a fim do controle total da posição, já os posteriores deveriam apresentar baixo atrito para a mecânica de deslize10. Um sistema ideal de ligação deve garantir o encaixe total do fio no bráquete, promover baixa fricção entre o bráquete e o fio, permitir alta fricção quando desejado, ser rápido e prático de usar, facilitar a adaptação do elástico conjugado quando necessário, ser confortável, permitir fácil higienização e possuir um sistema confiável e seguro8. As caracterísitcas importantes para um sistema de ligação ideal, tais como segurança e robustes na ligação, completa adaptação do fio ortodôntico no interior do slot a fim de proporcionar torques principalmente em estágios finais de tratamento, sistema de ligação fácil e rápido, apresentar baixo atrito e proporcionar melhor conforto e higiene para o paciente, deveriam estar presentes15. Apresentação do bráquete Visando aproveitar as propriedades do sistema passivo e do interativo, conforme a necessidade, e objetivando tratamentos com duplo fio, surgiu a ideia em 2009, pelos autores desse artigo, em criar um bráquete ideal. Desenho industrial (DI) n0 - 7000291-6; patente de invenção (PI) BR n0 - 1100503-3; p atente de invenção (PI) US 8,714,973 B2. As Figuras 1-4 ilustram o bráquete. A Figura 1 apresenta um novo design de bráquete, onde a presença de dois slots principais, um interativo e outro passivo, ambos autoligados, proporcionam uma nova filosofia de tratamento. Figura 1 – Vista lateral com clipe fechado demonstrando slot interativo e passivo. 467 Orthod. Sci. Pract. 2014; 7(28):464-468. A Figura 2 apresenta imagens das posições do clipe totalmente fechado (A) e semiaberto (B) onde o fio no slot passivo já foi inserido ou desejamos somente inserir/trocar/remover o fio no slot interativo, e totalmente aberto (C) facilitando a inserção/remoção de dois fios quando necessário. Figura 4 – Bráquete com clipe fechado e com dois fios redondos, um no slot interativo e o outro no passivo. Discussão B C Figura 2 (A-C) – A) Bráquete com clipe fechado, slot interativo e passivo fechados. B) Clipe semiaberto expondo slot interativo. C) Clipe totalmente aberto expondo slot interativo e passivo. A possibilidade de inserção de um ou dois fios depende da necessidade de cada caso. A Figura 3 mostra que dois fios redondos foram inseridos de forma bastante simples por vestibular. Considerações finais Figura 3 – Bráquete com clipe aberto e com dois fios redondos, um no slot interativo e o outro no passivo. Os fios inseridos em seus slots e mantidos de forma segura estão representados na Figura 4. A busca por um sistema (bráquete) ideal sempre existirá, pois visa-se sempre as melhores e mais biológicas formas de tratamento para os pacientes. Um sistema ideal, além de apresentar todas as características descritas pelos autores, deve apresentar também duplo slot, dessa forma, o tratamento poderá ser realizado com um único arco ou com dois Zucchi TU, Janovich CA. A A forma de como ocorre o fechamento do clipe diferencia os sistemas autoligados. Nos bráquetes passivos não há interação do clipe com o fio ortodôntico, ele tem apenas a função de manter o fio no interior da canaleta proporcionando maior liberdade entre fio e slot. No sistema interativo o clipe, além de manter o fio no interior do slot, interage com ele em determinadas situações, principalmente com fios mais calibrosos, dissipando a força3,7,9,14. Durante os movimentos de deslize, onde necessitamos de baixo atrito, sistemas passivos estão bem indicados, pois uma certa liberdade do fio no interior do slot proporciona baixo atrito para que os resultados tornem-se eficientes6,9,12,14. Movimentos de rotações apresentaram melhores resultados quando houve interação do clipe, resultando em correções mais rápidas quando comparadas ao sistema passivo4,7. O controle de torque também apresentou-se mais efetivo quando utilizado um sistema de bráquetes autoligados interativo2,7,9,14. A utilização de dois arcos, em um mesmo slot, visando o movimento mais rápido e eficiente pode ser utilizado nas fase iniciais de tratamento12,14. Um sistema ideal de ligação deve assegurar um encaixe completo do fio no bráquete, promover baixo atrito, ser rápido e fácil de usar, permitir boa higiene e promover baixo atrito quando necessário5,8,15. Além disso, o sistema deve possibilitar a opção de ser passivo e interativo confome a necessidade do profissional10. 468 Orthod. Sci. Pract. 2014; 7(28):464-468. ao mesmo tempo conforme a necessidade. Acredita-se que com esse novo conceito de bráquete ortodôntico ideal inúmeras mecânicas poderão surgir beneficiando o paciente e facilitando o trabalho do ortodontista. Agradecimentos Os autores agradecem o Prof. José Alexandre Kozel pela ajuda durante as etapas de finalização do projeto e ao Prof. Alexandre Gallo Lopes e equipe (Aditek®) pelo desenvolvimento do mesmo. Referências 1. 2. Artigo original / Original article 3. 4. Barbosa JA. 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